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Auschwitz persegue os veteranos soviéticos

http://jornal.publico.clix.pt/noticia/27-01-2010/auschwitz-persegue--os-veteranos-
sovieticos-18669497.htm

Há 65 anos Ivan Martinouchkin fez parte da unidade militar que libertou este
campo de extermínio nazi na Polónia, mas as imagens desse dia continuam na
sua cabeça. Ele tem a certeza que é lá que vão ficar até ao fim dos seus dias.
Por Alissa de Carbonnel/AFP

Quando a sua unidade furou a vedação de arame farpado de Auschwitz, Ivan Martinouchkin
não tinha a menor ideia do que ia descobrir. Mas, 65 anos depois, continua a ser perseguido
por essas imagens, cujo sentido apenas percebeu após os julgamentos de Nuremberga.
"Vou lembrar-me até ao fim dos meus dias", conta à agência AFP o antigo combatente, agora
com 86 anos, e que era então comandante de uma unidade da 322.ª Divisão de Infantaria do
Exército Vermelho que libertou Auschwitz.
Cerca de 1,1 milhões de pessoas morreram naquele campo de concentração entre 1940 e
1945, entre as quais um milhão de judeus provenientes de países europeus ocupados pelos
nazis. Alguns sucumbiram de fome ou de esgotamento, mas na sua maioria foram mortos nas
câmaras de gás.
Este veterano, um homem ainda dinâmico, com cabelos grisalhos, recebe-nos no seu
apartamento em Moscovo, repleto de livros e de fotografias. Numa delas está a posar ao lado
do actual primeiro-ministro russo e antigo Presidente, Vladimir Putin. Um casaco ornado de
medalhas está pendurado na parede.
Assim que viu o arame farpado, e que o comandante ordenou às suas tropas que não o
retirassem, Ivan "adivinhou que se tratava de uma zona militar muito particular, qualquer coisa
especial".
Foi exactamente a ausência de tiros nesse dia, 27 de Janeiro de 1945, enquanto se
desenrolavam outros combates muitos violentos, que mais surpreendeu muitos dos veteranos,
explica à AFP Illia Altman, historiador e investigador do Holocausto.
Ivan Martinouchkin lembra-se de uma zona-fantasma, de um odor acre a fumo.
Já tinha visto outros campos de concentração, mas este era gigantesco e estendia-se ao longo
"de quilómetros e quilómetros".
"Começámos a encontrar pessoas, em grupos. Vinham ter connosco, vestidas com roupas
listadas de prisioneiros, algumas tinham mais qualquer coisa por baixo. Depois de terem
sobrevivido ao inferno, constantemente ameaçadas de morte, estavam esgotadas, extenuadas.
Mas os seus olhos reflectiam uma espécie de alegria por terem sido libertadas, por terem
sobrevivido ao inferno."
Face à aproximação das tropas soviéticas, os nazis forçaram cerca de 60 mil prisioneiros a
recuar para as zonas que ainda controlavam, naquilo que os sobreviventes recordam como
tendo sido a pior das provações.
Mas alguns milhares de pessoas, demasiado fracas para andar, foram abandonadas em
Auschwitz, e algumas escaparam à morte por milagre, no meio do caos de um êxodo
precipitado.
Martinouchkin tinha apenas 21 anos quando libertou Auschwitz, mas já tinha passado três anos
na linha da frente.
Tendo ficado insensível após todos os horrores da guerra a que tinha assistido, num primeiro
momento não se deu conta do alcance da tragédia de Auschwitz.
Foi apenas após os processos de Nuremberga, contra os principais responsáveis do Terceiro
Reich acusados de crimes de guerra, que percebeu aquilo que parecia ser inimaginável.
"Quando vimos os fornos, dissemos: "Ah, está bem, há crematórios. Quando as pessoas
morrem, eles não as enterram"", conta Ivan. "Não sabíamos que esses fornos tinham sido
especialmente construídos para matar pessoas, para queimar os que tinham morrido nas
câmaras de gás. Ali havia toda uma máquina de morte."
Auschwitz começou a funcionar em 1940, um ano depois de os alemães terem invadido a
Polónia. Entre as suas vítimas contam-se 85 mil polacos não judeus, 20 mil ciganos, 12 mil
refugiados não judeus originários de outros países europeus, e cerca de 15 mil prisioneiros de
guerra soviéticos.
Ivan Martinouchkin está agora na Polónia - faz parte de um pequeno grupo de soldados
soviéticos que hoje participa nas cerimónias que marcam o 65.º aniversário da libertação de
Auschwitz.

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