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A Bíblia significa muitas coisas diferentes para diversas pessoas, mas para os cristãos,
especialmente, é uma fonte de inspiração e um guia para a vida diária.
A verdade é que de certo modo tudo isso é verdadeiro até certo ponto, e igualmente
sem sentido. A Bíblia tem significado para todos os seus leitores, mas é importante
salientar que o significado extraído depende dos preconceitos que cada um abriga.
Para realmente entender a Bíblia e a sua mensagem para a geração atual, é necessário
entender quem a escreveu e porque, e o contexto cultural no qual ela esta inserida. A
história é interessante, não menos porque é mais convoluta que a maioria dos seus
defensores levariam você a acreditar.
O tema central das narrações bíblicas é a conquista cultural. Conquista dos hebreus
sobre seus vizinhos inimigos, culturalmente pelos judeus sobre os israelitas (usado
aqui no sentido dos componentes das dez "tribos" perdidas), os cristãos sobre os
judeus, os católicos sobre os gnósticos, marcionitas, e outras facções pré-católicas, e
assim por diante. Em alguns casos, as conquistas são registradas como um
acontecimento histórico, geralmente militar, em outros, são meramente uma mudança
de conteúdo e contexto, uma alteração da narrativa, da perspectiva e da visão do
mundo.
[Ao invés de usar a.C muitos historiadores já estão usando a expressão A.E.C que
significa "antes da era comum" em respeito à pluralidade religiosa da sociedade atual,
portanto será usado A.E.C no lugar de a.C e D.E.C ao invés de d.C]
Nessa civilização ribeira da Mesopotâmia, conhecido por nós hoje como Império
Caldeu, alianças tribais anteriores a formação do império continuavam a existir e
prosperar. Alguns se alinharam ao palácio, muitos se opuseram, todas conservaram
elementos das culturas pré-conquista.
Este não é o único problema enfrentado pela narrativa da Era dos Profetas. O camelo
também é um grande problema. Sabemos através de evidências arqueológicas que
camelos não tinham sido domesticados antes do final do segundo milênio A.E.C , e que
não eram largamente usados como animais de carga antes de 1000 A.E.C - bem
depois da Era dos Patriarcas (Gênesis 12:16). E existe o problema da carga levada
pelos camelos - goma, bálsamo e mirra, que eram produtos Árabes (Gênesis 37:25) -
e o comércio com a Arábia só começou a partir da hegemonia assíria na região, tendo
inicio no século 8 A.E.C.
Um outro problema é o casamento de Jacó com Leia, e seu relacionamento com seu tio
Labão, todos descritos como arameus (Gênesis 25:20). Este grupo étnico não aparece
no registro arqueológico antes de 1100 A.E.C, e não forma um grupo significativo
antes do século 9 A.E.C.
Mesmo assim devem ter existido influências do oriente, porque temos provas de
adoração de seus deuses e deusas. A hierarquia de deuses e deusas que incluem Baal,
o deus das tempestades, que tornava a terra fértil, e Lotão, o dragão de sete cabeças,
conhecido no Velho Testamento como Leviatã e também Yam Nahar, o deus dos mares
e rios, e outros panteões e hierarquias de deuses e deusas.1 Acima de todos eles
estava El, o Rei dos deuses, regente do panteão.Marque esse nome, nós o
encontraremos novamente.
Muito pelo contrário, o que encontramos nas fontes egípcias é uma história
incrivelmente diferente do Êxodo. A partir do começo do segundo milênio A.E.C ,até
cerca de 1200 A.E.C, o Egito reinava sobre a região conhecida hoje como Palestina.
Como sabemos disso? Através não somente dos próprios registros egípcios, que falam
sobre tributos advindos das várias vilas e cidades de Canaã, mas também através de
evidências arqueológicas dentro da própria região, que mostram uma quantidade de
assentamentos, claramente bases militares egípcias.
Nessa época, a região que se tornaria a terra de Israel, ocupando as terras altas entre
a planície costeira e o vale do rio Jordão tinha uma baixa densidade demográfica e era
coberta de florestas de carvalho e outras árvores. A terra era habitada por um entre
dois possíveis povos (não se sabe ao certo qual) os apirus ou os shoshus. Sabe-se que
os apirus eram originariamente nômades itinerantes, habitando as cercanias das
sociedades das terras baixas, que podem ter se refugiado nas terras altas, ou os
shoshus, um grupo mais coeso e bem definido. A associação lingüística entre apiru (as
vezes grafado hapiru) com a palavra "hebreu" por muito tempo (na opinião de peritos)
tem sido considerado uma forte evidência que foi este o povo que deu origem aos
hebreus, mas agora sabemos que a associação não é tão simples. O nome pode ter
vindo dessa fonte, mas o povo provavelmente não.
De qualquer forma, as terras altas ao norte da Palestina, sede do Reino de Israel tem
um clima muito variável. A produtividade rural, e as possibilidades de comércio com as
terras baixas, estavam sujeitas às várias condições climáticas, significando que a
escassez de alimentos provocando crises de fome na população era freqüente. Quando
a colheita fracassava e o comércio se tornava impossível, era comum ao povo escapar
da região para locais mais propícios onde a agricultura era mais estável. O local mais
próximo era o Delta do Rio Nilo no Egito.
Portanto, muitos dos "hebreus" (culturalmente indistintos dos cananeus nessa época),
cidadãos egípcios, escaparam repetidas vezes para o Delta do Nilo. Sempre que uma
crise de fome acontecia em Judá, Israel ou Canaã, os refugiados se dirigiam para o
Egito. O acontecimento era tão comum, e os refugiados tão numerosos, que acabaram
se tornando uma minoria representativa e influente no Egito, onde eram conhecidos
como hiksos, e isso é claramente demonstrado nos registros arqueológicos.
Os hiksos tornaram-se cada vez mais influentes até que por fim tomaram o controle do
Egito, que governaram com crueldade e tirania consideráveis durante a Quinta
Dinastia, a partir de 1670 A.E.C. Entretanto, chegou um ponto em que os egípcios já
não agüentavam mais, e por isso se rebelaram contra os hiksos e os expulsaram um
século mais tarde em 1570 A.E.C. E não foram simplesmente expulsos, os egípcios os
forçaram vigorosamente a voltar a Canaã, na verdade além de Canaã, até a fronteira
Síria, saqueando e queimando cidades cananéias pelo caminho. Algum tempo depois, a
capital dos hiksos no Egito, Avaris, no Delta leste do Nilo, foi totalmente destruída pelo
faraó Ahmose, que perseguiu os últimos remanescentes dos hiksos até Canaã e até
mesmo sitiou Sharuhen, a principal cidadela Cananéia, destruindo-a e acabando com a
sua influência local. Pelo menos um historiador alega (um milênio depois do fato) que
os hiksos se estabeleceram em Jerusalém e construíram um templo ali, mas o registro
arqueológico não comprova nem um templo e nem um grande número de refugiados
em Jerusalém nesse período.
O registro arqueológico também deixa claro que nunca houve "uma perambulação de
40 anos pelo deserto". Amplas pesquisas arqueológicas realizadas no deserto do Sinai
jamais demonstraram quaisquer assentamentos datados da época do Êxodo, seja
antes, durante ou depois do tempo dos faraós com o titulo de Ramsés. Pelo menos
dois lugares mencionados no Êxodo foram positivamente identificados e escavados
cuidadosa e metodicamente, mas nenhuma evidência de ocupação ou assentamento
posterior ao final da Era do Bronze foi encontrada em nenhum dos locais. Além do
mais, o deserto do Sinai era literalmente pontilhado de fortes egípcios, e em nenhum
ponto do mesmo os hebreus estariam há mais de um dia de viagem de um deles. Seria
impossível que os hebreus permanecessem ocultos no Sinai por 40 anos. A história do
Êxodo é claramente a construção de um mito com o propósito de retratar uma possível
expulsão de opressores como uma fuga de oprimidos.
Yahweh, na sua metamorfose de um deus pagão cananeu para o deus dos judeus,
torna-se um deus vingativo e cruel nas mãos do autor "J." Ele comanda que Abraão
sacrifique seu primogênito, um ato que não surpreende dada a natureza das religiões
pagãs da época. Muitas das religiões pagãs (lembre-se que Yahweh começou como um
deus pagão cananeu) consideravam o primogênito a semente de um deus. Por essa
razão, eram freqüentemente sacrificados ao deus que supostamente os gerou.
Entretanto ao norte, Elohim continua a ser um deus mais sutil, que dirige os assuntos
humanos por revelações através de vozes, oculto à vista de meros mortais. Existe uma
tensão entre esses dois povos, ambos se identificando como descendentes de Abraão,
Isaque e Jacó. Um povo talvez, no entanto com dois deuses.
742-600 A.E.C.
Decorreu pelo menos um século depois dos primeiros livros do Pentateuco terem sido
escritos para os deuses do Velho Testamento amalgamarem-se num único ser, obra do
terceiro grande escritor dos livros do Velho Testamento, um escritor (ou mais
provavelmente, um grupo de escritores) chamado por peritos de "D": o
Deuteronomista. Dada a necessidade de uma religião monoteísta, não pode haver dois
deuses rivais, portanto algo tem que ser feito. As tribos de Israel e Judá tinham que
tomar uma decisão, e Josué os haviam avisado que Yahweh era um deus zeloso
(ciumento). Qual deus seria escolhido? Na realidade, a escolha não foi difícil. Yahweh
era o mais poderoso, tendo demonstrado seu poder ao intervir em beneficio de seu
povo no Egito e no Deserto do Sinai. Não tinha o que pensar: foi Yahweh.
Um deus precisa de um lar, e a casa do deus Yahweh era no céu. Mas seus sacerdotes
na terra precisavam de um lugar para os sacrifícios ritualísticos que faziam parte da
tradição do panteão de "El", assim como o deus cananeu originariamente pagão,
Yahweh, que naturalmente tinha descendido até o monoteísmo hebreu. O local
apropriado era o templo, claro, cuja construção tinha sido atribuída a Salomão, um rei
mitológico. Na realidade ele foi construído pelo menos um século depois do período de
reinado atribuído a Salomão. Toda a história de Salomão, seu pai Davi e os
acontecimentos norteando essa dinastia foram criados nessa época a fim de explicar o
esplendor evanescente de Jerusalém e fornecer um mito central que incentivasse a
cultura a uma religião monoteísta, ameaçada pela cultura assíria que dominava
politicamente a região.
No ano de 742 A.E.C, enquanto o Deuteronomista dava tratos a bola para livrar-se de
Elohim, um membro da família real de Judá teve uma visão. Nela, ele viu Yahweh
sentado no seu trono, diretamente acima do templo de Jerusalém. Na visão, Isaías é
comandado a trazer uma nova mensagem a Israel. Isaías enche-se de maus
presságios e com razão; o rei Tigleth Pilesar, que recentemente tinha subido ao trono
da Assíria, estava de olho em Israel, e agora o deus de Israel tinha que assumir o
dever de defender seu povo escolhido.
Isaías foi incumbido pelo seu deus a levar a mensagem a Israel de que ele é o único
deus que existe; isso desagrada sobremaneira os israelitas que encaram o conceito de
deus de Isaías como sendo o próprio deus que tinha auxiliado os assírios nas suas
vitórias contra eles. A mensagem de Isaías é amplamente rejeitada, e Yahweh torna-
se um deus pensativo e introspectivo que convida seus seguidores a dialogarem com
ele. A segunda inovação de Isaías foi a noção de que os mandamentos do deus
deveriam ser integrados a própria vida dos seus seguidores, as obrigações de ir ao
templo realizar rituais não bastava. Somente a obediência a isso aplacaria a ira do
deus e assim Israel seria salva. Isso também não afetou muito a vida da grande
maioria dos hebreus.
Ao sul, para assegurar que o povo de Judá atente para sua mensagem, Yahweh manda
uma sucessão de profetas. Eles ensinam no templo e formam alianças com o poder
político dos reis judeus. Procedendo assim, o templo e o poder político tornam-se
aliados na luta contra o poder militar de seus vizinhos. Não existe mais um culto a
Elohim, e os israelitas tinham desaparecido há muito tempo. A religião e cultura
hebraica tornam-se judaicas. Amós e Jeremias se destacaram como profetas nesse
período.
A mensagem de Jeremias era que Deus depende do homem para realizar seus desejos
no mundo, um ponto de vista que contrasta com os escritores do Êxodo, que
descreviam Yahweh como sendo poderoso, independente e até mesmo arbitrário. E
Jeremias deixa claro que somente se os comandos de Deus forem seguidos à risca os
babilônios, recentemente em ascensão, seriam rechaçados. Mas só isso não bastava.
Ele predisse que a Babilônia conquistaria a Palestina e seus habitantes passariam 70
anos em cativeiro as margens dos rios da Babilônia (Jeremias 25:11,12). Bem, o
cativeiro aconteceu, só que não durou 70 anos. Sabemos através de fontes seculares
que foi de 586 a 538 A.E.C, um período de apenas 48 anos.
Cerca de 600 A.E.C, os babilônios capturaram partes da Palestina. Por vota de 586, a
própria Jerusalém fora conquistada e o templo destruído. Mas segundo o padrão de
conquistas do período, até que essa não foi tão ruim, já que somente alguns dos
hebreus foram levados ao cativeiro e não foram forçados a se assimilar. Muitos
puderam ficar na Palestina. Pesquisas arqueológicas indicam que no máximo, cerca de
10% da população foi forçada ao exílio, na maior parte os mais abastados e
politicamente influentes.
Ezequiel disse ter tido uma grande visão. Típico de Yahweh, uma coisa horrível, na
qual um plano de ação foi revelado. E no caso de Ezequiel, o plano de ação era
realmente único. Primeiro ele teve que comer a palavra de deus. É isso mesmo, ele foi
obrigado a mastigar e engolir o papiro contendo a palavra (Ezequiel 03:01-03). A fim
de torná-la "parte de" si mesmo.
Depois sua esposa morreu e Ezequiel foi proibido de ficar de luto. Em vez disso, teve
que ficar 390 dias deitado de um lado e depois 40 do outro (Ezequiel 04:04-06). Em
outra ocasião, foi forçado a comer excremento (Ezequiel 04:12 e 15). E ficou cinco
anos sem falar com ninguém.
Parece que deixar seu povo ser levado em cativeiro não bastava, ele tinha que
transformar seus profetas em verdadeiros palhaços de circo. A irracionalidade disso
tudo não passou despercebida pelos judeus. Como muitos estavam exilados na
Babilônia, parecia que o mundo todo estava de cabeça para baixo, e praticar sua
religião, sem um templo, era impossível fora da terra natal. Espumavam de raiva no
seu cativeiro e sonhavam em esmagar a cabeça de nenéns babilônios.
Peritos o conhecem como Segundo Isaías, já que seu verdadeiro nome se perdeu na
história, e sua mensagem era muito similar a do primeiro Isaías. O Segundo Isaías
pregou também que Deus era impossível de conhecer, por esse motivo Ezequiel tinha
se encrencado ao tentar entendê-lo racionalmente. Entretanto essa nova encarnação
de Yahweh era mais tranqüila, transcendente em relação a mesquinharias políticas
humanas, e declarou-se como o deus que os egípcios e os assírios acabariam por
adorar juntamente com Israel. Assim a alçada de Yahweh parece ter mudado
novamente, primeiro o deus dos judeus, depois de toda Israel, depois de todo o
mundo, e agora somente da Palestina, Egito e assíria.
Resolveram o problema negando que um rei era necessário, então lançaram toda sua
veneração ao alto sacerdote do templo, já que era o que podiam ter. Esse foi o padrão
religioso que manteriam, até mesmo quando não eram dominados por estrangeiros e
podiam ter um rei, até a destruição do Segundo Templo, séculos mais tarde. Foi nesse
período, cerca de 400 A.E.C, que a Torá finalmente se tornou escritura sagrada oficial.
O helenismo a essa altura se tornara uma grande influência cultural em todo o oriente
médio. Ondas sucessivas de influências gregas, primeiro através de Alexandre o
Grande, trouxeram conhecimento dos grandes filósofos gregos. Por vários séculos indo
até o tempo de Cristo, a maior influência cultural da região era a grega. O Império
Romano era principalmente um poder político, pouco se interessando pela cultura e
levou consigo a forma de governo romano, mas eram as idéias gregas que se
espalhavam por toda Roma, que trouxe para a Palestina uma filosofia sistemática que
os judeus jamais tinham visto semelhante.
E a filosofia grega, na sua maior parte secular e cética, era muito coerente. Portanto,
mais uma vez, a cultura hebraica se vê diante de um problema.
Como podia o deus judeu, que a essa altura havia adquirido bastante bagagem
mitológica e filosófica, ser reconciliado com o(s) deus(es) inefáveis e insondáveis dos
filósofos gregos?
Todavia a lógica e a razão da filosofia grega tinham peso demais para serem
ignoradas.
A primeira grande tentativa de reconciliação foi feita por Philo de Alexandria (30 A.E.C
até 45 D.E. C). Philo era absolutamente helênico e escrevia grego com elegância, mas
provavelmente desconhecia hebreu e aramaico, no que tinha se transformado o idioma
hebreu a essa altura, todavia era judeu praticante. Sua mente na certa refletia o
conflito evidente a sua volta.
Aristóteles considerava a História uma matéria não filosófica. Ela não mostrava nada
da natureza de Deus, segundo ele. E para Platão, Deus era tão insondável e
inatingível, que somente o dom da razão tornava o homem semelhante aos deuses.
Como então poderia Philo reconciliar a natureza humanista da interpretação
Aristotélica da História com o grande épico do Êxodo? E como poderia o Deus
insondável e inatingível de Platão manifestar-se com tanto espalhafato a ponto de
aterrorizar os hebreus no ato do êxodo no Sinai?
Philo resolve o problema criando uma distinção entre a essência de Deus (ouisa), e as
atividades de Deus no mundo (dynameis ou energeiai). A essência de Deus, como
disse Platão, é envolvida num mistério impenetrável. Mas o poder e a evidência da
existência de Deus se faz manifesta por toda parte.
Belo truque teológico, para os judeus semíticos, entretanto, isso não tinha nem pé
nem cabeça. Mas para os romanos entusiasticamente helenizados da época, que
buscavam uma filosofia de vida altamente moral e por isso se sentiam atraídos pelo
judaísmo, isso fazia muito sentido. Eles não aceitariam um Deus literalmente zeloso
(ciumento) estrondoso e espalhafatoso, mas um que fosse sutilmente insondável viria
bem a calhar. Dê-nos um projeto de vida, pareciam dizer, e esqueceremos vingadores
espalhafatosos. E assim escolas do pensamento judeu, baseadas nas interpretações de
Philo das escrituras, começaram a florescer por toda a costa Mediterrânea. A dicotomia
entre os judeus étnicos e os convertidos a escola judaica de Philo traria conseqüências
marcantes para o desenvolvimento do cristianismo uns dois séculos depois.
Pelo menos, esta é a mitologia que cerca este personagem. Apesar de toda sua
influência no mundo, existe mais evidência da sua não existência do que ele tenha
existido de fato. Não temos absolutamente nenhuma prova confiável de fontes
seculares que Jesus tenha vivido, ou que quaisquer dos acontecimentos na sua vida,
da forma descrita nos quatro evangelhos, tenham ocorrido.
De fato, quando peritos aplicam o Principio de Evidência Negativa, parece que o Jesus
que conhecemos no Novo Testamento resultou de uma criação mitológica do primeiro
século.
Quanto ao primeiro ponto, a única evidência laica um tanto confiável que temos da
vida de Jesus vem de duas breves passagens nas obras de Josefo, um historiador
judeu do século um. E Josefo era um escritor prolífero - ele freqüentemente escrevia
várias páginas sobre o julgamento e execução de um simples ladrão comum, mas
sobre Jesus, ele só escreve dois parágrafos, um dos quais é notoriamente uma
interpolação, e outro é altamente suspeito. Outras referências a Jesus em escritos
laicos são no máximo ambíguas, ou notadamente interpolações posteriores, ou ambas.
As referências mais antigas a Jesus na literatura rabínica são do segundo século, ainda
que personagens históricos conhecidos como João Batista mereçam uma discussão
considerável, mesmo tendo pouco impacto no judaísmo. Não existe referência alguma
a Jesus em nenhuma das histórias romanas durante sua suposta passagem pela terra.
Que ele possa ter sido tão ignorado é muito pouco provável dado o impacto que os
escritores do evangelho diziam que ele teve nos eventos e na política do reino judeu.
Literaturas cristãs posteriores foram escritas bem depois dos acontecimentos que
descrevem, nenhuma anterior a pelo menos a sétima década. E nenhuma delas foi
escrita pelos autores cujos nomes as encabeçam. Pelo que se saiba. A maioria são
relatos de segunda e terceiro mão. Houve mais que tempo suficiente para a criação de
mitologia, portanto não são claramente dignas de confiança.
Josefo era um historiador tão meticuloso que escrevia uma história de três páginas do
julgamento e execução de um ladrão comum, e escreveu exaustivamente sobre João
Batista, mas sobre Jesus, peritos duvidam que as duas pequenas referências sejam de
fato genuínas. Infelizmente, os escritos de Josefo chegaram até nós somente através
de fontes cristãs, nenhuma anterior ao quarto século, e sabe-se que foram revisadas.
Questionam-se as duas referências de Josefo por varias razões: assim as resume Louis
Feldman, um importante estudioso de Josefo, em primeiro lugar, seria muito pouco
provável que um historiador judeu chamasse Jesus de Messias, principalmente quando
ele tratava outros aspirantes a Messias com tanta severidade; em segundo lugar,
comentadores que escreveram sobre Josefo antes de Eusébio (quarto século D.E.C)
não citaram a passagem; em terceiro lugar, Origen declara que Josefo não acreditava
que Jesus fosse o Messias. Existe um relato mais completo disponível na Internet que
descreve toda a longa lista de problemas com o "Testimonium Flavium" como é
descrito por peritos.
A evidência literária laica mais antiga de uma religião baseada num homem chamado
Jesus nos chega de muitas décadas depois da suposta morte de Jesus (a partir de 70
D.E.C, aproximadamente). Por que, se ele realmente foi tão influente e causou tanto
turbilhão como diz a Bíblia, não ficamos sabendo nada a seu respeito pelo estudo de
testemunhos contemporâneos confiáveis?
A terceira exigência do Principio de Evidência Negativa dita que devemos ter conduzido
uma varredura atrás de evidência minuciosa e exaustiva onde ela deveria existir. E de
fato, milhares de peritos, religiosos, cruzados, apologistas e céticos tem buscado tal
evidência desde o começo da era cristã. O fato de que não encontraram nenhuma
confiável que deveria constar mostra claramente que a terceira exigência foi cumprida.
Portanto baseado no Principio de Evidência Negativa, temos boas razões para duvidar
da historicidade de Jesus, e sendo assim a falta de evidência confiável sugere que não
temos razão para aceitá-la.
O movimento mais importante dentre os muitos que tentaram fazer o judaísmo voltar
as sus bases foi o essênio. Fundando no segundo século A.E.C, o movimento essênio
foi fundado ou grandemente influenciado por um "Mestre de Retidão", ao qual os
Pergaminhos do Mar Morto fazem referências constantes sem nunca mencionar o
nome. Um indivíduo que se encaixa com a escassa evidência é um tal de Jesus ou
Jesua ou Joshua Ben Pantera, Pentera ou Pandera, que aparentemente tinha alguma
influência nesse movimento, mas pode ter tido um papel bem maior, simplesmente
não sabemos. Aparentemente ele tinha influência suficiente a ponto de se tornar uma
ameaça política, tanto que foi declarado um herege pelo tribunal do templo e foi
apedrejado até a morte e seu corpo pendurado em uma árvore na véspera da Páscoa
Judaica em 88 A.E.C. A minha opinião é que sua influência não morreu com ele. Em
poucos anos, criou-se um mito em torno desse personagem essênio, e lhe foram
atribuídos milagres e a ressurreição. Na realidade, existem até mesmo várias
referências cristãs do primeiro século a este suposto obrador de milagres.
Se ele foi o Mestre da Retidão apontado nos Pergaminhos do Mar Morto, como muitos
sugerem, seu impacto no movimento para as reformas judaicas foi considerável. E se
ele foi o Mestre da Retidão, isso responderia muitas perguntas interessantes, tais como
as referências cristãs e talmúdicas, aqui e ali, a um milagreiro chamado Jesus Ben
Pantera. Entre elas, uma citação de Origen, dizendo que seu arqui-rival Celso havia
ouvido de um judeu em Jerusalém que Maria havia sido estuprada por um soldado
romano chamado Pantera e que havia tido seu filho, Jesus Ben Pantera, em segredo.
Pode ter algo de verdadeiro nesse rumor, tanto que Marco mostra um embaraço óbvio
ao ter que narrar as origens de Jesus; Marco não menciona que José é o marido de
Maria. Notem que era prática tanto romana quanto judaica incluir um sobrenome da
linhagem patriarcal como parte do nome completo da pessoa; entretanto em nenhum
lugar do Novo Testamento o sobrenome de Jesus, (ou de José) aparece. Jesus é
conhecido como Jesus de Nazaré, um sobrenome geográfico que geralmente era
reservado pelos judeus a filhos ilegítimos de paternidade desconhecida (romanos
usavam o sobrenome do pai, não importando a legitimidade do nascimento).
O Talmude se refere a Jeshu como sendo o filho ilegítimo de uma adúltera chamada
Maria Magdala. Existem numerosas fontes rabínicas do período cristão mais antigo que
se referem ao famoso Jesus Cristo como Jesus Ben Pantera. Existem várias referências
interessantes a um tal de Jeshu Ben Pandera de Nazaré que viajava por toda parte
praticando mágicas durante o reino de Alexandre Janneus, que reinou sobre a
Palestina de 104 a 78 A.E.C. Como essas referências são talmúdicas, e, portanto
presumivelmente anticristãs, estudiosos a deixaram de lado dizendo que ou se
referiam a outra pessoa ou então foi propaganda falsa, forjada. Mas se elas realmente
se referem ao Jesus cristão, dão mais peso as evidências que apontam que Jesus de
Nazaré é na verdade Jesus Ben Pantera, o possível Mestre da Retidão, que morreu em
88 A.E.C.
Cada um desses grupos do Movimento para ou de Jesus tinha suas próprias idéias,
freqüentemente se alinhando com outros que pensavam igual e discutindo com outros
que diferiam. Ainda que não tenhamos nada escrito por eles diretamente, temos
muitas passagens a seu respeito feitas por historiadores contemporâneos, portanto
estamos cientes do que eles acreditavam e praticavam, se bem que filtrado pelos
historiadores. Na época de Paulo, os Movimentos para Jesus tinham tornado-se bem
diversos. Alguns eram turmas de pregadores itinerantes, e outros tinham formado
associações de artesãos. Alguns eram simples grupos de estudo e outros tinham
estabelecido escolas formais de pesquisa escolástica. Como foi mencionado
anteriormente, havia um fervilhâo filosófico na Palestina do primeiro século, e os
Movimentos para Jesus não estavam imunes a isso. Na realidade eram parte integral
do mesmo. Enquanto nada do que escreveram sobreviveu intacto, peritos estão
razoavelmente certos de um "Ditados do Evangelho Q" (subseqüentemente revisados
pelo menos três vezes), que não chegou até nós, mas Marco tirou citações dele muito
mais tarde no "seu" evangelho, e um Evangelho de Tomé, que sobreviveu até a nossa
era com pelo menos duas versões, e eles contém, se não os escritos inalterados dos
Movimentos para Jesus, pelo menos citações dos mesmos.
Seus escritos são os mais antigos que sobreviveram intactos. Datam de pelo menos
duas décadas da suposta data da crucifixão. Dos livros do Novo Testamento atribuídos
a Paulo, há somente alguns que peritos concordam de um modo geral ser produto seu.
Entre eles estão Gálatas I e II e Tessalonicenses I e II, Coríntios, Romanos, Filemón,
filipenses e possivelmente Colossenses. O resto dos livros do Novo Testamento que lhe
são atribuídos foram escritos por autores posteriores buscando tirar proveito da sua
fama e credibilidade.
O que é notável sobre estes escritos é que formam um quadro interessante sobre
Paulo e os grupos que compunham o começo do cristianismo. Figuram entre as
possibilidades apresentadas para justificar esse inicio a ignorância de Paulo sobre
muitos dos detalhes importantes da vida de Jesus ou talvez esses detalhes são mitos
que foram incorporados pelo cristianismo depois de Paulo ter escrito essas cartas.
As razões para a conversão de Paulo merecem uma explanação aqui. Saulo, o judeu
antes da conversão, era um homem que se odiava intensamente. Ele não nos conta os
motivos do ódio, mas de vez em quando, se descreve como sendo um pecador muito
além de qualquer redenção possível. Um homem condenado aos olhos de Deus. Um
homem indubitavelmente destinado ao inferno, e não havia nada que ele mesmo
pudesse fazer a esse respeito, principalmente porque seus próprios "membros" se
recusavam a cooperar. Não é sua perseguição aos cristãos que gera o ódio a si
mesmo, é justamente o contrário. Algo perturbava muito Paulo. E esse algo esta
definitivamente ligado a seu comportamento pessoal porque ele se intitula um grande
pecador.
No decorrer dos séculos, muitas sugestões foram apresentadas para explicar esse auto
ódio. Poucas são realmente convincentes. Todas parecem ter problemas sérios - com
exceção de uma: a sugestão que Paulo era um homossexual enrustido. O
homossexualismo não era amplamente condenado nesta região na época, mesmo
assim podia ter sido uma interpretação pessoal sua das proibições em levítico que o
levou a considerar-se um pecador por ser homossexual. Entretanto, quando ele passa
pela sua conversão, percebe que pela graça de Deus, seu homossexualismo não
importa mais, pois Deus ama todos igualmente. Digo isso depois de ter lido as
referências no Novo Testamento nas quais Paulo fala de seu desamor e vergonha: suas
palavras são profunda e surpreendentemente semelhantes às de outros homossexuais
criados num ambiente cristão. Somente esta teoria explicaria todos os aspectos
estranhos das atitudes de Paulo em relação à sexualidade - a tendência a um grau
monástico de castidade, sua misoginia extrema (ver 1Coríntios 07:01, 07:27), o fato
dele ter permanecido solteiro e ter incentivado outros a fazerem o mesmo, e as
discussões freqüentes sobre o fato dos membros do seu corpo não cooperarem com
seus objetivos espirituais, e seu desespero por não conseguir efetuar as mudanças que
gostaria. Todas essas evidências corroboram a teoria do homossexualismo reprimido
de Paulo. As outras teorias não explicam nem a metade de suas idiossincrasias.
Tenho que admitir, entretanto que não existe nenhuma evidência factual do
homossexualismo de Paulo. A evidência é circunstancial, como a maioria das
evidências aceita pela escolástica bíblica. Acusaram-me de ter incluído essa teoria
porque ela incomoda os cristãos. Isto não é verdade. Eu a incluí porque, em primeiro
lugar ela se encaixa com as provas mais que qualquer outra, e em segundo, porque os
escritos de Paulo sobre esse assunto a corroboram mais ainda. Tudo realmente se
encaixa. Faz sentido dentro do contexto. Pessoalmente, não me importo nem um
pouco se Paulo era ou não homossexual; simplesmente tento achar uma teoria que
melhor se encaixa com os fatos, e até o presente momento nenhuma se encaixa
melhor. Se o leitor tiver uma melhor, estou mais que disposto a ouvi-lo. A busca pela
verdade é a busca pelas evidências que mais se encaixam com os fatos e não as
menos controversas, portanto se cristãos gostam ou não da teoria, ou se o autor é ou
não gay, é totalmente irrelevante.
O evangelho de Marcos
O primeiro evangelho escrito foi o de Marcos. Não sabemos muito sobre o autor do
Evangelho Segundo Marcos, mas temos certeza que era um homem simples, não
muito conhecedor do grego (pode ter sido sua segunda língua), não muito culto, no
entanto totalmente mergulhado na mitologia e religião judaica. Já que não era culto,
seu mundo era cheio de superstições, demônios, possessões pelos mesmos, milagres e
deuses do mundo romano, e tudo isso lhe afetou na escrita do evangelho. Também é
óbvio que seu evangelho foi grandemente influenciado pelas histórias circulando na
comunidade cristã sobre Jesus.
Marcos nunca disse que conheceu Jesus, se é que ele existiu mesmo, ele se dizia
seguidor de Pedro. Tanto que seu evangelho ficou conhecido por algum tempo como o
evangelho Pedrino. Marcos escreveu seu evangelho na Síria (provavelmente no
começo dos anos 70 A.E.C) para romanos cristãos. Eles estavam passando por uma
intensa perseguição por parte de Nero que os estava usando como bode expiatório
pelo incêndio em Roma e outros problemas, e assim Marcos escreveu o que esperava
ser um evangelho para fortalecer a comunidade cristã e lhe dar esperança nos
momentos difíceis. E por isso ele escreveu um evangelho que enfatizava o sofrimento
de Jesus e de seus seguidores e não a salvação terrena. Jesus tornou-se um mito
como filho de carpinteiro e não como carpinteiro - uma tentativa óbvia de conferir-lhe
status, ele não seria lembrado como um carpinteiro e sim como alguém que subiu
acima de sua profissão de nascimento. José não é mencionado na história do
nascimento de Jesus, mas ele se refere a Jesus como "filho de Maria", uma descrição
geralmente reservada a filhos ilegítimos - portanto fica claro que Marcos tinha a
intenção de ser honesto, mesmo que tivesse que recorrer a meias verdades para
conseguir seu intento. Marcos não menciona as circunstâncias cercando o nascimento
de Jesus, simplesmente conta que Jesus veio de Nazaré. Nada sobre virgens ou reis
magos ou nascimento numa manjedoura com anjos conversando com pastores. Ele
não cita isso porque esses mitos ainda não tinham sido incluídos na mitologia cristã.
No entanto, muitos outros mitos da comunidade, incluindo várias histórias sobre
milagres, foram incluídos por Marcos no seu evangelho. Isto aconteceu porque Marcos
era um homem simples e costumava aceitar essas histórias sem questionar,
principalmente porque exaltavam Jesus nas mentes dos leitores.
O evangelho de Mateus
O segundo evangelho a ser aceito foi o de Mateus. O autor de Mateus era um judeu
conservador culto, conhecedor das nuanças da tradição levítica, e estava determinado
a mostrar ao mundo hebreu o que Jesus tinha a lhes oferecer. Ele o escreveu cerca de
uma década depois da destruição do Segundo Templo numa tentativa fracassada de
levante judeu. Mateus se empenhou em explicar ao mundo judeu exatamente quem
Jesus era e mostrar ao judaísmo que havia uma alternativa a tradição rabínica que
estava se desenvolvendo, que a salvação através de Jesus era possível.
O conservadorismo de Mateus é a causa das constantes referências ao fogo do inferno
e a condenação, feita por Conservadores Cristãos Fundamentalistas. De fato, sem a
inclusão de Mateus, haveria poucas referências bíblicas a isso. Mateus era dotado de
um fogo e uma paixão que superavam suas qualificações como um entendedor da lei
judaica. Ainda que ele fosse bem versado nessas leis, sua tentativa de ganhar sua
causa citando-as mostrou-se, digamos, desastrosa.
Mateus usou como fonte primária o evangelho de Marcos. Ao fazer isso, muitos dos
mitos de Marcos foram incorporados, e alguns dos seus foram adicionados, e a história
foi alterada aqui e ali visando agradar leitores judeus. Por exemplo, para provar que
Jesus era o Messias esperado, o elemento milagroso da história foi exagerado e os
detalhes foram mudados a ponto de resultar em erros óbvios. Um exemplo é a
genealogia com a qual começa sua narrativa: detalhes foram deliberadamente
omitidos a fim de mostrar conjuntos de sete gerações de Abraão a Davi e de Davi até o
exílio, e do exílio até Jesus. Por isso alguns sugerem que Mateus não sabia contar
muito bem já que sua genealogia entra em conflito com outras genealogias do Velho
Testamento. Talvez ele estivesse ciente dessas discrepâncias, mas seu objetivo
principal era deificar Jesus para uma platéia judia.
O evangelho de Lucas
O que Mateus fez para os judeus, Lucas fez para os gentios. Lucas, diferentemente de
Mateus, era um estudioso consumado. Fluente em grego, na certa um gentio, ele
sentiu a necessidade de escrever um evangelho que explicasse a nova religião para a
comunidade gentia, e, portanto foi isso que ele fez. Como Mateus, ele estava de posse
de uma cópia de Marcos e usou a liberalmente, citando longas passagens e
adicionando o que lhe aprouvesse.
Antes de qualquer coisa, Lucas era um evangelista. Sua missão era transformar esse
culto judaico numa religião relevante para os gentios que não tinham a quem recorrer
na sua busca para um código moral mais estrito pelo qual viver. O judaísmo exigia a
circuncisão, uma desvantagem óbvia, e além do mais, era uma religião tribal cujos
membros geralmente encaravam os gentios convertidos com ceticismo, quando não
uma completa discriminação racial.
Com a ascensão de Domitian ao trono Romano em 81 D.E.C, os incentivos a
perseguição começaram novamente, e Lucas se viu na necessidade de mitigar as
preocupações romanas mostrando que o cristianismo era simplesmente um derivado
natural e inofensivo da respeitada tradição judaica. Por isso dedicou o documento a
"Sua excelência Teófilo."
Já que Lucas estava escrevendo para um público oficialmente romano cheio de
possíveis conversões, muito cuidado foi tomado para retratar Roma da melhor maneira
possível. Por exemplo, em Marcos soldados romanos chicoteiam Jesus, mas em Lucas
os soldados são de Herodes. O reino de Jesus "não é desse mundo", uma tentativa
óbvia de acalmar as suspeitas romanas de que existia uma conspiração contra o
estado. Há outros exemplos, que, como os acima, faz com que esse evangelho conflite
com os outros já que Lucas tem o objetivo de agradar principalmente um público
romano.
O evangelho de João
O último dos quatro evangelhos é, naturalmente, o de João. Ainda que seja o favorito
dos literalistas, este evangelho, ironicamente, se apraz em zombar do literalismo. Os
capítulos 3, 4, 6, e 8 contem histórias que zombam dos mesmos. O evangelho de João
é uma bela obra, feita por um verdadeiro erudito, profundamente religioso, que
entendeu muito bem que o mito e o significado era o cerne das escrituras, e não a
literalidade das palavras. Não sabemos ao certo quem foi João, mas parece que pode
ter sido um dos discípulos de um dos dois Joãos de Éfeso, um era João Zebedee,
mencionado em Marcos, ou o filho do mesmo. João escreveu seu evangelho no começo
do segundo século, quase um século depois dos acontecimentos.
João escreveu seu evangelho atento a ruptura crescente entre o judaísmo e o
cristianismo, e seu livro foi uma tentativa de unificar os dois. Ele tentou fazer isso
criando uma mitologia acessível a ambos: citando a apreciada e respeitada literatura
judaica liberalmente, e incorporando uma mitologia de Jesus que visava mostrar que o
mesmo cumpria as profecias e a lei judaica. Ao fazer isso, João criou um evangelho
totalmente diferente dos que o precederam, tornando o atraente para os judeus que se
sentiam inconfortáveis com as exigências da ortodoxia judaica resultante da destruição
do Segundo Templo. A visão apocalíptica da narrativa tinha a intenção de apelar para o
sentido judeu de destino e ao mesmo tempo permanecer fiel ao ideal cristão. Temos
aqui uma visão profética num cenário cristão, completando assim a doutrina posterior
do fundamentalismo cristão. O resultado, juntamente com o livro de Atos, também
escrito por João, nos deu o conjunto completo de mitos que são essências para essa
crença. Diferentemente de Marcos, no qual Jesus revela sua missão como o Messias só
no final, em João Jesus parece proclamar, "sou o cumprimento vivo da lei e dos
profetas." Não só a mitologia como o público alvo eram bem diferentes dos anteriores,
por esse motivo temos muitos conflitos tanto factuais quanto contextuais.
Esses agitadores intelectuais jogaram de lado as idéias insípidas dos bispos locais e
investigaram a base da igreja, e descobriram que o alicerce não era muito firme. E por
isso, se puseram a renovar toda a base doutrinária da igreja.
Um dos problemas que Marcion detectou era o fato dos cristãos terem que serem leais
ao deus judeu, embora não tivessem que cumprir suas leis. A visão de Deus de
Marcion era a pregada por Paulo, que mais o influenciou. Deus era compassivo e
misericordioso, um deus para toda a humanidade, que não pertencia a nenhum povo
especifico, nenhum "povo escolhido".
O deus judeu, segundo Marcion, não merecia adoração. Ele deveria ser substituído por
Cristo, que havia revelado a lei que os cristãos deveriam seguir, segundo as
interpretações de Paulo. Ele era um deus de justiça e salvação, bem diferente do
conceito judeu de Yahweh.
A essa altura, os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, assim como muitos
outros já tinham aparecido há muito tempo, escritos pelos seguidores do culto, e
Marcion trouxe consigo uma versão resumida de Lucas junto com dez cartas de Paulo
formando o primeiro cânon do Novo Testamento. A primeira escritura cristã.
Os outros intelectuais não aceitaram as idéias de Marcion, principalmente porque ele
rejeitava os mitos apostólicos completamente e porque trouxe a tona alguns
problemas deixados pelos bispos. Mas, ainda mais radical era sua rejeição absoluta dos
escritos apostólicos iniciais onde ficava óbvio que ele não participava da visão corrente
da missão de Jesus como salvador da humanidade. Um dos intelectuais, Policarpo,
chamou Marcion de "o primogênito de Satanás" e outros, especialmente Tertuliano e
Justino escreveram bastante se opondo as suas idéias.
Mas essa oposição de nada adiantou. Ele continuou a pregar por toda parte e obteve
muito sucesso. Congregações Marcionitas cristãs foram fundadas em Éfeso, Roma e
Pontus na Ásia Menor. Vilas inteiras se converteram.
O apelo Marcionita vinha do fato da doutrina ser simples, fácil de entender, mas
principalmente, realizável. Ainda que tivesse uma parcela de contradições, o povão
gostava, e os outros bispos percebiam isso.
Mais ou menos nessa época, um grupo estranhamente introspectivo do Movimento
Para Jesus na Alexandria se envolveu com o misticismo judeu e o resultado foi um
culto cristão chamado Gnosticismo (saber). Essa religião afirmava que Jesus era um
mestre divino, mas rejeitava completamente a ressurreição e a doutrina da redenção.
Quase tão mal quanto isso era a rejeição do mito apostólico e das doutrinas sobre a
missão de Jesus de acordo com o cristianismo da época. Ainda pior era a idéia que o
divino era a fonte da amargura e vergonha. Mas o pior era a base do nome
Gnosticismo: a idéia de que o conhecimento e a experiência pessoais eram a chave
para entender a mensagem de Jesus. Ela tirava a autoridade dos bispos locais.
O Gnosticismo se apossou do Egito, e começou a se espalhar para outras províncias
romanas. Os bispos ficaram horrorizados.
No começo do quarto século, os bispos locais não podiam mais confiar nas suas
doutrinas insípidas, e percebendo a ameaça do Gnosticismo, começaram a discutir um
com o outro sobre as doutrinas. Os bispos dos segmentos principais com sede em
Roma, Constantinopla, Antioquia, Cesaréia, Jerusalém, Alexandria e Cartago
continuaram suas brigas incessantes.
A tentativa da conferência romana de lidar com o problema um século e meio antes,
tinha se mostrado um fracasso completo. Pior ainda, ela tinha gerado o
desenvolvimento da igreja Marcionita, um movimento considerado herético de um
modo geral, com enorme apelo popular.
E agora, ainda por cima, vislumbravam o câncer herético do Gnosticismo se
espalhando com rapidez alucinante. Havia um turbilhão doutrinal tão acentuado e
intratável dentro da igreja que parecia que ela estava condenada. E com a perseguição
romana incessante, como poderia sobreviver?
Nos séculos 13 e 14, traduções dos Salmos apareceram escritas por William Shoreham
e Richard Rolle, em Inglês Médio. Essas traduções populares plantariam sementes que
culminariam na luta para escapar da influência do clero e colocar a Bíblia nas mãos do
povo.
John Wycliffe (1330-1384) ficou revoltado com a corrupção papal e suas exigências
por dinheiro dos ingleses. Um verdadeiro homem do povo, ele decidiu que a melhor
maneira de ridicularizar e desafiar o Papa era publicar a Bíblia em inglês. Quando
estava moribundo, a tradução da Vulgata tinha sido feita, e John Purvey, um colega
íntimo, revisou-a completamente e a "corrigiu", com a intenção de publicá-la. Ela se
tornou a primeira e única Bíblia inglesa até o século 16.
Em 1516, um monge com o nome de Erasmus em Oxford publicou a primeira tradução
grega do Novo Testamento. A fonte da tradução, não sabemos, mas foi provavelmente
a Vulgata.
Willinm Tyndale ambicionava traduzir para o inglês a Bíblia inteira, não a partir da
Vulgata, mas do grego e hebreu. Isso tornou-se o trabalho da sua vida. Tyndale
aprendeu grego com Erasmus. Seu estudo do Novo Testamento grego provavelmente
influenciou suas obras posteriores.
A Igreja Católica se opunha a sua tradução da Bíblia para o inglês, por isso Tyndale
teve que fugir para a Alemanha em 1524. Nos próximos dois anos, sempre a um passo
da perseguição papal, ele conseguiu terminar sua primeira tradução do Novo
Testamento, que foi prontamente impressa e contrabandeada para a Inglaterra e
devorada por um publico ávido.
Tyndale trabalhou anos nas suas traduções do Velho Testamento hebreu, e finalmente
terminou em 1534 e revisou seu Novo Testamento em 1535. A igreja parecia menos
oposta a essa obra que as outras, mas no final ele foi estrangulado e queimado na
fogueira depois de anos de prisão em 1536. Dizem que suas últimas palavras foram,
"Senhor, por favor abra os olhos do Rei da Inglaterra."
Miles Coverdale, um colega de Tyndale, foi o primeiro a publicar uma versão da Bíblia
aprovada para a língua inglesa. Covardale não era um perito, mas baseou a maior
parte do seu trabalho na Bíblia de Tyndale. Um dilúvio de traduções e revisões foi
aparecendo, as mais notáveis foram a Bíblia de Rogers de 1537 e a Bíblia de Taverner
em 1539.
O Rei Henrique VIII foi o primeiro monarca inglês a pedir que a Bíblia fosse colocada
nas mãos do povo. A Bíblia escolhida foi A Grande Bíblia, uma obra editada por
Coverdade (que não era nenhum perito).
Uma outra Bíblia foi a Bíblia da família. Chamada de a Bíblia de Genebra porque era
produzida em massa de forma barata em Genebra, suíça. Ela era decididamente uma
tradução tendenciosa que favorecia os pontos de vista do notório tirano religioso
francês da cidade, João Calvino. Sua única virtude era ser barata, e, portanto o povo
podia comprá-la. Ela era popularmente conhecida como a Bíblia da tanga por causa de
Gênesis 03:07, onde Adão e Eva "tendo costurado folhas de figueira, fizeram tangas
para si."
Qual a relevância da Bíblia e do cristianismo no mundo moderno? É fácil notar, se se derem ao trabalho,
que o cristianismo e a crença na Bíblia são mais bem sucedidos nas partes mais pobres do mundo, ou
onde a educação é muito ruim ou pelo menos não melhorou o padrão de vida e forneceu um senso de
compreensão ou amor próprio.
Nos EUA, o cristianismo sempre foi uma religião minoritária. Desde o seu ponto mais
baixo na Revolução americana (19%) até o seu ponto atual (49%), ele é
freqüentemente citado como a fonte da civilização e cultura americana. Entretanto isso
é uma contradição dos fatos, pois embora o numero de convertidos esteja
aumentando, principalmente por falta de eficiência no sistema de ensino público, a
influência cultural do cristianismo cai a cada dia. As pessoas continuam a pensar por
conta própria, e é a variedade geral de idéias e valores que é responsável por essa
tendência nos EUA.
Na Europa, palco de tantas perseguições e derramamento de sangue inspirados pelo
cristianismo, a influencia cristã caiu tanto a ponto de eruditos e estudiosos se referirem
a época atual como “Pós Era Cristã”. Na maioria dos paises da Europa, o
comparecimento semanal às igrejas declinou tanto a ponto das porcentagens serem
computadas com números de um digito. 1%, 4%, etc. Só na Rússia, padecendo do
sucateamento da economia e do sistema educacional devido aos reajustes estruturais
mal concebidos da transição do Comunismo, o cristianismo está fazendo progresso,
juntamente com movimentos Nova Era e seitas baseadas nas filosofias e religiões do
oriente.
As principais regiões onde o cristianismo está realmente ganhando terreno são as
nações mais pobres do mundo no sul da Ásia e África, onde o transporte público e as
comunicações mais modernas estão começando a reduzir os custos do trabalho
evangélico missionário. Os vilarejos pobres da Índia e da África são os lugares onde o
cristianismo está conseguindo se expandir mais. Onde os valores do século XIX
perduram, o cristianismo prospera.
Conclusão
Basear uma religião em escrituras tão suspeitas quanto a Bíblia, e declarar que a
mesma não contem erro algum e é de plena confiança é como construir um castelo de
areia na praia.
Os estudos mais recentes mostram claramente que a história do cristianismo e da
Bíblia que ele gerou são tão convolutas a ponto de fazerem todos questionarem a
condição de livro inspirado como também a validade da mensagem. Negar esse fato é
o mesmo que negar a realidade.
Entretanto muitos continuam a agir assim, mesmo diante da evidência que não
somente eles como a religião que defendem estão errados quando dizem que a origem
do cristianismo é divina e imaculada em relação à ganância, politicagem e arrogância
humanas.
A única coisa que pode ser dita é que fazer isso é demonstrar claramente uma alta
forma de ignorância. Como ficam então os grupos fundamentalistas que fazem
exatamente isso, com insistência e alarde? Eles claramente acreditam no que
acreditam não porque seja verdade e sim por outras razões menos fundamentadas.
Em ensaios relacionados, escrevi sobre os muitos erros básicos do fundamentalismo e
a virulência do cristianismo como um complexo memético. Cristãos acreditam porque
querem acreditar e não porque seja verdade, esse é seu erro básico. E isso é receita
para a ignorância e não para a sabedoria.
O que escrevi nesse ensaio é um resumo de fatos autenticados. São fatos coletados
não por aqueles que buscam apoio para uma teoria, como religiosos freqüentemente
fazem, e sim da forma como cientistas procedem, coletar evidências e ver até onde
elas levam e que teorias geram.
É o ultimo processo descrito, uma dedicação à verdade, que possibilita o progresso
humano. Isto acontece porque a humildade é a base de todo avanço intelectual, seja
científico ou espiritual. A capacidade de admitir que está errado é o pré-requisito
absoluto para conseguir entendimento. A presunção de que a resposta é revelada
divinamente, e deve então ser comprovada buscando evidências, é a maneira que leva
a civilização a um beco sem saída movido pelo egoísmo arrogante e a
institucionalização do erro que impediu que a igreja católica admitisse por três séculos
que Galileu estava certo quando disse que o sol era o centro do sistema solar, ainda
que a igreja estivesse obviamente errada e todos sabiam disso.
Eu, portanto, peço aos fundamentalistas que lerem este ensaio que adotem o pré-
requisito básico para a aquisição de uma atitude que leve a uma aprendizagem e
conhecimento verdadeiros-a humildade de ser capaz de admitir que está errado, e
examinar as evidências com base na qualidade, e reconhecer que elas não comprovam
suas pressuposições. A Bíblia não é isenta de erros. Ela não é a palavra exclusiva e
divina de Deus, e sim o produto de centenas de autores, editores e tradutores, muitos
sem qualificações para o trabalho que executavam, muitos com objetivos conflitantes,
cada um com interesses políticos ou religiosos a defender. A religião que você segue é
em grande parte resultado de decretos de um imperador romano que pouco se
importava com a religião que estava dando forma. E o deus Jeová (ou Yahweh, na
forma original) que você adora é descendente direto de divindades filistéias e
babilônicas que suas escrituras agora difamam. Fingir que isso não é verdade é
cometer o mesmo erro que a igreja católica cometeu em relação a Galileo. E você vai
acabar passando por idiota exatamente como ela.