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Ildefonso, o Gordo, cavalga como um raio vindo dos céus no seu alazão lusitano, não

vendo alma perante si. Os plebeus afastam-se de horror, com o medo que os abençoados
cascos os levassem para o Além. Ildefonso, conhecido detective de El-Rei e sua corte,
dirige-se para os domínios feudais onde se encontra sua Majestade. As noticias dão conta de
uma morte real no castelo, uma morte por assassinato.
Sempre em cima de seu alazão, Ildefonso entra pela porta do castelo, prosseguindo
numa cavalgada heróica; Oh, não há escadas que o parem, alma que o pare, vontade que o
pare, pois a vontade de um homem pelo seu soberano é mais forte que tudo. Chega aos
aposentos de El-Rei onde se depara com o mais perfeito dos homens desfeito em lágrimas e
ardor, ajoelhado sobre o corpo branco de seu varão, seu Delfim.
- Que desgraça, meu Rei! – diz Ildefonso saltando de cima do seu fiel cavalo.
- Mataram meu filho, ò Gordo!, exijo de ti, que tudo descobre, que encontres o
culpado por tão vil acto, e que o tragas a mim, para que minha espada, espada essa
fundadora da nação em que te encontras, decepará a infeliz cabeça que atentou contra esta
pobre alma.
- Não temeis, meu bom Rei. O culpado pagará!
Com um rugido de leão das Áfricas ainda por descobrir, Ildefonso chama todo o
castelo à sua presença. Em breve, todos rodeiam o corpo frio e gélido. No corredor estão:
Ildefonso, o próprio; El-Rei; a Real e Virgem Rainha; o Provador-real, que tudo come; o
Bobo, animação do escuro castelo; o Braço direito do Rei, a quem tudo é confiado; o
Porqueiro, o plebeu sujo que cuida da real vara que alimenta a boca divida da nobreza; o
Condestável, homem santo que tudo faz para que tudo seja do nosso bom Rei; e o Executor
real, homem de pouca inteligência, mas que usa das suas mãos com a divina autorização
real;
Todos envolvem a divina alma de nosso El-Rei, erguido já na presença de todos.
Ildefonso, sem palavra proferir aos ouvidos atentos e culpados, debruça-se sobre aquela
alma bela, perfeita e defunta. Oh, não quer olhar, não querem seus olhos ver aquele Cristo
loiro, baixo, de faces rosadas e puras, já sem um pingo de vida e vivacidade, aquele que iria
ser o herdeiro de toda a nação e futuro soberano desses olhos que se negam. Mas Ildefonso
luta contra seu corpo, olha para o corpo morto, constatando que o corpo ficou disposto ao
comprido, com uma leve inclinação para a esquerda. A ferida fatal, desferida por um objecto
cortante, tinha incidido na zona do coração, com uma inclinação para a direita, esquerda para
o defunto. Após a ferida analisada, Ildefonso entra na análise das suas vestes finas e reais.
Tudo parece em ordem, até que vê como a fralda da camisa está para fora; um dos seus reais
sapatos está fora do pé, mesmo ao lado do legitimo; os collants têm um leve rasgo na zona
do joelho direito; Ildefonso passa para os bolsos reais e divinos, onde encontra umas chaves,
tal como umas luvas manchadas pelo suco desconhecido das plantas e ainda um oito de
espadas.
- Meu bom Rei, estas luvas pertencem a teu filho?
- Não, pertencem-me a mim, estavam desaparecidas há muito, julguei-as perdidas!
- Conheceis algum motivo pelo qual o divino príncipe vos tirasse as luvas?
O rei pensa durante uns segundos. - Nenhuma que me ocorra!
- E poderia haver algum motivo para que vós lhas colocásseis em seu bolso? –
pergunta o detective, fitando-o impavidamente.
O Rei arregala os olhos de horror. O detective sorri. – N... não. Por que haveria de
fazer uma coisa dessas?
- Não sei... – sussurra o detective, olhando em volta. – Nunca se sabe...

Continuar análise Quarto do Rei Outros


Dar palpite do Culpado
Deixando a pista das luvas para depois, Ildefonso continua a investigar o local do
princicidio. Do lado direito do calmo corpo, encontram-se estilhaços de, presumivelmente,
uma garrafa. Ildefonso agarra num dos pequenos pedaços de vidro, erguendo-o aos altos
para o ver sobre a luz cristalina dos divinos domínios de El-Rei. O real-Detactive vira-se
para uma audiência soturna e cabisbaixa perguntando, com a sua dura voz de quem apenas a
verdade procura:
- Dizei-me, meus bons Homens, e porqueiro, que divino liquido trazia o nosso real
príncipe consigo?
- Era leite, meu senhor! – diz o porqueiro chegando-se à frente, oh, como um simples
porqueiro se pode destacar de tantas almas nobres e grandes aos olhos de Deus, aquele que
concedeu o poder real a El-Rei e recebeu o Delfim em seus cristalinos e quentes braços –
Leite de porca, Vossa Senhoria!
Ildefonso, homem de grande corpo alimentado pelos melhores javalis do Reino,
decide comprovar por si mesmo a origem daquele liquido desconhecido. Usando do seu
dedo pequeno de sua rude mão, roça sobre o liquido, levando-o à sua boca. Oh, mas como
este homem era iluminado, como a sua manha, tão bem conhecida, o fazia de tudo
desconfiar. Com seu olho preguiçoso a cair para a esquerda, vê o horror no olhar do
Provador real, todo ele vertendo a água que Deus e El-Rei lhe concede.
- Provai e dizei o que é, Provador-real, pois essa é a vossa real tarefa! – e assim
aponta para o ‘leite derramado’.
O Provador estremece com o pedido de Ildefonso e, hesitante, caminha para o local
de depósito do Real corpo. Levando um dedo ao liquido e provando, a sua surpresa não
consegue ser escondida.
- É álcool, meu senhor, rum, mais propriamente! – diz com as feições marcadas pelo
demónio do espanto.
- Porventura esperáveis que fosse outra coisa, real Provador?
- Naturalmente, meu senhor. Estando o nosso soberano, El-Rei, sofrendo das
maleitas do coito, é-me estranho que lhe dêem álcool em vez de lhe ser oferendado o doce
leite de porcas!
- E onde se pode arranjar rum nesta corte?
- Na taverna, Senhoria, na Taverna! – di-lo, fazendo uma vénia de cortesia enquanto
recua para trás, de volta à escuridão em que sua condição o enclausura.

Outros Dar palpite do Culpado


Exigindo a total imobilidade dos presentes, Ildefonso, na companhia do mais divino
dos Homens que o Mundo conheceu, dirige-se para os aposentos reais, todo envolto no
perfumado aroma de plantas nobres.
A primeira impressão de Ildefonso é o exacerbado amor real que El-Rei tem por
plantas e flores. Seguindo o seu imediato impulso, inicia a sua minuciosa análise de cada um
dos vasos. Parecem imaculados, tal como a divina alma do nosso soberano. Mas tal não
preenche a, tão cheia de dúvidas, alma de Ildefonso. Com autorização real, Ildefonso começa
a cavar sobre a terra negra e estrumada, como que procurando algo que se escondesse entre
elas. El-rei, curioso, questiona-lhe sobre tão extravagante acção.
- Que esperais encontrar aí, nobre Ildefonso?
- Vossa Majestade não sabe, porventura, de alguma propensão do jovem príncipe
para a real botânica?
- Não. Meu filho jamais se interessou por tal ciência.
- No entanto, tendo ele umas luvas imundas no seu bolso, seria de calcular que ele,
ou qualquer outra pessoa, esteve a mexer em plantas. – faz uma pausa. – Ou então a
esconder algo sob a terra.
O rei, sem nada dizer, franze o sobrolho, esperando expectante.
- Não. Nada. – conclui. – E, infelizmente, não poderei investigar debaixo de toda a
terra do mundo, por isso terei de entrar por uma via mais simples.
Ildefonso ergue-se e, limpando as mãos uma contra a outra, começa a olhar à volta.
Vê o corpo do príncipe estatelado mesmo diante da porta do quarto.
- Calculo que el-Rei, estando mesmo por detrás da porta, tenha ouvido algo do
princicidio.
- Sim. – diz ele, pesaroso. – Lembro-me que estava acordado quando meu filho
gentilmente abriu a porta. Lembro-me de ouvir passos, tal como o meu filho, pois vi a sua
silhueta quieta junto da porta.
- Sim, sim. E de seguida?
Ele olhou para o lado e depois para cima. Abriu a boca e ergueu os braços para
gritar, mas já não houve tempo para tal. Num turbilhão de sombras, vi que ele era vilmente
apunhalado e que o seu corpo caía como um penedo.
O detective leva a mão ao queixo, cofiando a sua barbicha. Começa a caminhar na
direcção do corredor, debatendo-se com o corpo. Já no corredor, olha para o tecto, onde vê
que há umas vigas de madeira onde alguém se poderia ter apoiado.
- Diga-me, Vossa Majestade. Tem a certeza que o príncipe parou por causa de
passos?
- Absoluta.
O detective olha para o lado e vê que, no chão, junto da real cama, estão umas
pantufas almofadadas. Pede para o rei as calças e andar um pouco. Ele assim o faz. As
pantufas praticamente não fazem barulho, caminhando sobre a pedra fria.
- Muito bem... – concluiu o detective. – E, quando o real príncipe foi apunhalado e o
seu corpo se quedou, a sua morte foi instantânea. Ele não se moveu mais?
O rei baixa a cabeça num gesto pesaroso.
- Não. Não se moveu nem mais ninguém voltou a mexer nele, sendo que ouvi passos
rápidos a fugir após o golpe mortal.

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Oh, meu querido e belo príncipe, vós que estais depositado neste chão de pedra
gélido em oposição com o seu belo e formoso corpo. A seu lado o nobre Ildefonso chora por
dentro, lágrimas de sangue pelo negro acontecimento. Busca por mais provas para levar a
justiça aquele que cometeu o pecado capital de atentar contra a vida de tão nobre e real Ser.
Seus olhos, afastando-se do corpo que todos os olhos atrai, acaba por se deparar com um
pequeno cesto, abandonado a uns passos do real e formoso corpo, um cesto caído e
desprezado. Sem demoras, Ildefonso, o Gordo, caminha pesarosamente até nova prova do
hediondo crime.
A primeira coisa que nasce nos olhos daquele que tudo sabe e busca, é umas nobre
comidas, reais, que mais, pois estas eram carnes dos mais exóticos animais que habitavam as
florestas reais, dignas de apenas um príncipe transportar em seus braços. O bravo Ildefonso
perscruta pela audiência, todos lhe parecem culpa, a seus olhos injectados de sangue, o
sangue fervente da raiva para com aquele que retirou a alma àquele que tinha nascido para
ser o sucessor do mais perfeito dos homens. As comidas pareciam intactas, ainda
fumegantes e repletas de um doce aroma que começava a invadir os domínios do palácio.
Ildefonso nem teve tempo de centrar sua atenção nas nobres comidas, mas à sua vista saltou
de imediato uma pequena bolsinha de couro, uma bolsa mal acabada, não digna de tão real
homem como era aquele que descansa em paz no frio palaciano. Ildefonso abre a bolsinha
descobrindo alguma moedas de ouro, cunhadas com a real tez do nosso grande Rei, o divino
entre todos os divinos. Ildefonso volta a fechá-la e coloca-a dentro da cesta. Nova prova lhe
chega ao olhar, desta vez uma pequena garrafa transparente recheada com um liquido branco
e leitoso. Ildefonso abre e às suas desconfiadas narinas chega o inconfundível e putrefacto
aroma a leite de porca; Oh, quão estranho e esse animal, o porco, fiel habitante nos domínios
reais, com umas carnes suculentas e um leite de sabor venenoso, mas com propriedades
curativas mais que comprovadas por todos os reais médicos de El-Rei. No fundo da cesta
ainda se encontra uma pequena carta, lacrada com o selo Real, que, como o bravo Ildefonso
poderia saber, não havia sido escrita por nenhuma mão plebeia. Violando o selo real,
sabendo quão criminoso tal era, mas não estando importado com isso, pois nada era mais
forte que o arrebatamento do seu coração a buscar pela verdade, Ildefonso abre e vê que a
proveniência é da Real, pura e virgem Rainha, escrita com a sua branca e imaculada mão,
lavada por mil águas perfumadas dos aromas mais puros a habitar este planeta de El-Rei. Por
último era possível ver-se que estão umas belas e variadas flores silvestres.
Nova provas estavam na mão do bravo Ildefonso, apenas não sabia em qual delas
haveria de embarcar primeiro.

Outros Dar palpite do Culpado


Deus, pai sagrado de El-Rei, perdoai o nosso bravo e seguro Ildefonso por pisar tão
reles chão, o chão da taberna tão percorrida por plebeus e pecadores, gentes de El-Rei, mas a
ele inferiores, tal como o eram a Ildefonso. Vencendo a sua relutância inicial, Ildefonso entra
dentro deste domínio de prostitutas e bêbedos. Todos parecem culpados aos olhos do bravo,
como aquele homens sem um olho o abominavam, como os manetas pareciam demasiado
cheios de ódio dentre de seus corações. O silêncio pousou sobre aquele local enevoado pelos
vapores de reles comidas. Ildefonso, decidido, exige do taberneiro a imediata verdade, de
quem havia ali ido buscar a famosa beberagem de álcool e levado até aos domínios reais.
- Meu bravo Ildefonso como é que eu, tal inculto e sem educação, se haveria de
lembrar quem foi a criminosa pessoa que me comprou álcool neste estabelecimento de gente
de bem. Minha memória é, como podeis imaginar, oh imaculada alma, um tanto turva!
- Calai-vos, seu biltre de sangue negro!, dizei-me quem aqui esteve ou senti a lamina
de minha espada a trespassar vosso corpo imundo e cheio de sujidades de alma! – sem mais
hesitar, tal era sua ânsia de descobrir a verdade, Ildefonso desembainha sua espada e a
coloca bem ao nível do coração daquele bastardo careca e de corcunda. Oh, como os plebeus
reles e sem coragem tremem perante a real lamina de um homem de bem como é este belo
Ildefonso, que tão necessário é em todas as gerações.
- Perdoai-me, minha Senhoria, poupai este pai de dezasseis filhos legítimos e sete
ilegítimos. Não os privais deste pai que, por mais indigno e reles que seja, não deixa de ser o
único consolo das alminhas desprovidas de entendimento! – quão matreiro era este
taberneiro, sempre a tentar ganhar algum tempo de manobra.
- Falai ou provai o aço de minha espada! – e, sem mais artimanhas da retórica,
Ildefonso começa a fazer pressão sobre o peito do reles verme.
- Ai, minha alminha, tudo vos direi, apenas não me ceifais a vida, poupai-me, na sua
benevolência. Quem aqui esteve, pés reais que pisam diariamente o palácio do sagrado El-
Rei, foram o imundo porqueiro, o rude executor, o divino braço direito e o justo
Condestável. Agora poupai-me a esta morte certa por espada.
Ildefonso, satisfeito com a resposta, retira a espada do peito do verme. Passa os
domínios do balcão passando a pesquisar na caixa dos dinheiros do imundo taberneiro.
- Que procurais, meu bravo?, não me digais que me estas a roubar meu suor de
trabalho? – quão matreiro e rato era este verme, logo com os olhos sobre os ombros do
formoso e gordo Ildefonso.
- Silêncio, rato. Apenas busco por novas provas que me levem à pura verdade do
princicida. – na rudeza das palavras que dirigia ao verme taberneiro, acaba por descobrir três
reluzentes moedas de ouro, daquelas com a real tez de El-Rei. – Falai de novo, biltre, quem
vos havei dado estas moedas de ouro?
- Pois não me lembro, meu bravo! – palavras ditas, espada encostada novamente a
seu peito. Nenhuma mentira seria permitida por bela alma como aquela que vivia dentro de
Ildefonso – Juro-vos, minha Senhoria, não consigo já lembrar quem mas deu, mas estou
certo que foram três dos quatro de aqui estiveram, disso tenho a certeza, apenas não me
consigo lembrar quem não o fez!
- Pensai... Vou contar exactamente até catorze...
- Oh... hum... ah... – titubeou o realmente taberneiro, olhando nervosamente à volta.
Já ia o nobre Ildefonso em treze e cinco sextos quando o imundo taberneiro soltou um grito:
- Lembro-me agora! O porqueiro bebe sempre um chazinho de tília, cujo preço nem se
aproxima de uma moeda de ouro! Foram os outros três!
- Jurais pela alma das ratazanas que dizeis ser vossos filhos?
- Pelos legítimos e ilegítimos, meu belo e formoso homem!
A espada trespassa o verme, ceifando uma vida que a ninguém poderia interessar.

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Munido da procissão de testemunhas, Ildefonso seguiu realmente até ao quarto do
corpulento e torpe executor. Um quarto pequeno, encurralado e húmido como uma
catacumba, um frágil catre que parecia não suportar um corpo tão pejado de músculos.
Havia prateleiras onde repousavam os mais hediondos instrumentos de tortura: sabres,
maças, baionetas, machados, máquinas para arrancar membros, unhas e escalpes. O que mais
realmente capta o olhar do nosso destemido detective é um frasco cónico com um rótulo de
caveira humana e duas tíbias cruzadas. Das paredes, pendiam grilhetas com putrefactas mãos
e pés decepados, os ossos denegridos sobressaindo da carne carcomida pelas bactérias e
pelos reais fungos.
Ildefonso ficou rapidamente irritado com os moscardos que esvoaçavam pelo quarto,
tentando aproveitar-se da carne putrefacta que pendia das paredes. Ainda se realmente
desviou algumas vezes, mas, num tom de voz raivoso, pediu ao executor que as matasse e
ele, erguendo a sua manápula direita, assim o fez, esmagando as moscas contra o chão, a
parede e o tecto que atingia com facilidade.
- Onde você realmente estava antes do princícidio? – perguntou Ildefonso,
recompondo-se.
- No meu quarto, reverendo Ildefonso.
- Sozinho ou acompanhado?
- Sozinho, magnífico Ildefonso.
- Mentira! – brada uma voz que se alevanta realmente no meio da multidão. Todos os
olhares se convergem naquela figura de dedo erguido: o provador-real.
- Dizei vós quais os motivos de tanto real alarido, Provador-real. Como sabeis que tal
facto é, realmente, uma mentira.
- Meu quarto é deste vizinho e, quando eu cheguei, depois de um realmente dia de
trabalho, sentei-me a descansar e, no silêncio do remanso, ouvi quatro leves pancadas sobre
a porta do executor.
- E como é isso prova de que o Executor estava acompanhado?
- Porque eu ouvi a porta abrir e fechar duas vezes, tendo havido um espaço de tempo
entre estas, o que me leva a deduzir que alguém tenha entrado no quarto para, pouco depois,
sair.
- Calai-vos, filho bastardo de um texugo! Sou eu quem aqui faz as deduções. Vós
apenas ouvis e faleis de acordo com as minhas ordens.
Depois de acalmados os ânimos, realmente Ildefonso começa a deambular pelo
quarto, observando cada detalhe. Ao lado da cama, numa mesa de cabeceira feita com os
ossos das vitimas do executor, está um lenço de seda com um “M” bordado, um pequeno
saco rasgado com um nó e um frasco vazio com laivos de um líquido incolor.
- Explicai o que representa cada um destes objectos?
- Ah... – diz ele, agarrando no bordado. – Este é um memorando de minha mãezinha
que realmente reside lá longe, na província. Máximo. É esse o meu nobre nome. Este é o
meu saco de nozes e este, é um medicamento tradicional que eu tomei quando fui possuído
por um demónio do pântano.
- E as nozes estavam descascadas ou tinham casca, seu porco imundo?
- Estavam descascadas, digno Ildefonso.
- Hum... Provai do medicamento...
O executor toma o frasco da mão e, arrancando a rolha, bebe a pequena porção
remanescente, fazendo uma careta no final. Ildefonso espera, oh, um pouco, mas, como nada
acontece, como o silêncio real se abate sobre o quarto, ele decide prosseguir a sua
investigação.

Outros Dar palpite do Culpado


Infeliz daquele que tem de pisar as imundas lamas e estercos onde o porqueiro
caminha durante todo o real dia. Mas Ildefonso não poderia parar, nem permitir que a sua
comitiva se privasse do imundo cheiro dos porcos, pois a possibilidade de o culpado se
desfazer das provas do crime era demasiado grande. Oh como o local se assemelhava tanto a
uma residência de animais imundos, principalmente no pertences do porqueiro, que dormia
entre os seus animais, que pareciam mais asseados que o próprio porqueiro, todo ele coberto
pelas reais bostas de El-Rei. Mas, surpresa, Oh, real surpresa que arrebatou os corações mais
gélidos e que, durante as gerações vindoura, ainda fará verter lágrimas àquele que ler este
documento. Justiça, oh, como este poeta clama justiça, justiça divida, para que Deus, pai dos
céus, castigue o biltre que ousou findar a segunda vida mais pura e real a seguir ao do nosso
divino El-Rei, a porca real, aquele que dava o mais puro dos néctares, o afamado leite de
porca, a mãe de todas as refeições e festins em que El-Rei havia estado. Todos verteram
lágrimas pela morte da porca, principalmente o real El-Rei, que bradou pelos céus imensos
para o arrebatarem da sua própria vida, pois não imaginava habitar um mundo onde estava
privado de seu príncipe e da sua porca.
- Acalmai-vos, meu real senhor e dono de tudo e toda, justiça será feita. Descobrirei
quem foi o causador de todos os males que vos malogram o coração.. Dizei-me, seu porco
imundo e nojento, seu pedaço de carne putrefacta, por que razão não ficastes chocado ao ver
tão nobre e belo animal sem vida?
- Pois, meu senhor bom e benevolente, a morte de tão belo animal a única mulher
que eu tive nesta vida, era já de mim conhecida. O choque não veio, as lágrimas já foram
todas vertidas, mais nada me sobra neste mundo, meu real e bondoso homem! – contrariando
aquilo que acabara de dizer, este corpo que nem a abutres apraz, verte uma lágrima de pesar
e tristeza.
- E dizei-me, de que padeceu tão belo animal que até a mim me dá os calores da
carne?
- Isso não vos sei dizer, meu belo homem!
Ildefonso começa a investir o corpo belo e roliço da porca, cheio de pesar dentro da
sua alma inconsolável. É então que dá com um pequeno frasco de vidro, ornamentado com
uma caveira humana e duas tíbias. Bradando na sua voz forte e imponente, Ildefonso
pergunta como é que aquilo ali tinha ido parar. O porqueiro nada sabe e nada sabe dizer.
- Quando é que o real animal morreu, meu imundo reservatório de esterco?
- Bondoso nobre, morreu após a visita do belo príncipe, que me levou uma garrafa de
leite de porca acabado de mungir.
Ildefonso guarda o frasco dentro do seu bolso, com um ar de grande desconfiança
dentro de si mesmo, algo nascia dentro da real alma iluminada pelo incentivo e sofrimento
de El-Rei.
- Dizei-me apenas mais isto, porqueiro filho de um morcego com uma tarântula, tua
real porca algum dia saiu de longe de tuas vistas?
- Nunca, bom homem, ela apenas saia para as visitas conjugais ao quarto de El-Rei,
mas tal não acontecida desde que nosso bom soberano estava enfermo.
- Jurais pela virginal alma da falecida porca?
- Juro!

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Entrando no quarto do condestável, oh, Ildefonso não pôde deixar de reparar em toda
aquela sumptuosidade quase helénica. As tapeçarias que pendiam das paredes; os quadros
dos ancestrais condestáveis que realmente tinham servido aquele e outros reis; os castiçais e
a lustre clarabóia que realmente deixava cair o esparso e divino céu sobre o quarto. Porém, o
mais importante, o cofre que, solitário e discreto, com o seu metal puro, refulgia num dos
cantos do quarto.
- Mostrai-me, seu bisonte castrado, o livro de contas... – pede o condestável sem
estremecer, a sua voz impassível como a de um Deus destemido.
Sentindo-se inibido com tão portentosa voz, o condestável assim o acudiu, movido
pelo peso da sua bengala com um busto de cavalo alado como cabo, trazendo o respectivo
documento, uma resma de folhas amareladas e quebradiças protegidas por uma capa de um
couro consistente e rijo. Ildefonso abriu na última entrada, vendo que, segundo constava, o
condestável deveria ter agora 1568 reais, sendo que a última transacção verificada consistira
numa oferta monetária significativa que o príncipe tinha exigido.
Sem demora, Ildefonso mandou-o também abrir o impenetrável cofre, algo que o
condestável fez com desconfiança, sempre olhando derredor para ter a certeza que nenhum
dos outros suspeitos – um deles, realmente, o princicida – vilipendiava a combinação. Uma
vez o cofre aberto, Ildefonso analisa o seu conteúdo. São pequenos sacos castanhos que
cabem na palma de uma mão e têm, parcamente atados à sua volta, um fino cordel. Ildefonso
abre um dos sacos sem grande dificuldade, deixando jorrar um pequeno rio de ouro cuja foz
desemboca na palma da sua mão. Conta o dinheiro com uma precisão matemática. 1467
reais estavam na caixa! 1467 reais!
- Impossível! – vocifera o condestável. – Ninguém para ali de realmente a minha
pessoa sabe a combinação e, em trinta anos que carrego de serviço, nunca jamais esqueci-me
de anotar qualquer transacção feita.
- Enteado de um rã perneta... – murmura Ildefonso, começando a analisar os
pequenos sacos de dinheiro.
Volta a olhar para o cofre, que não terá mais de cinquenta centímetros de altura.
- E, por acaso realmente, o cofre poderia ser aberto do lado de dentro?
Perante tão estranha questão, o condestável não é capaz de fazer mais do que, oh,
esbugalhar os olhos como se estes fossem saltar das órbitas e rebolar pelo chão.
- Por dentro... Ninguém se esconderia aí dentro, ó magnânimo Ildefonso. Da última
vez que o abri, quando o príncipe veio clamar a oferta monetária para o seu caridoso pai,
apenas o deixei aberto por meros segundos, enquanto contava o dinheiro.
- Meros segundos... E depois, quando fechou o cofre, olhou bem lá para dentro. - O
condestável não responde, mas tal não é preciso, dado que o trejeito que se desenha sobre o
seu semblante, realmente, já é uma resposta. Ildefonso continua a olhar em volta, vendo,
sobre uma mesinha, uma baralho de cartas. Prontamente, franzindo o sobrolho, abre-o e
começa a analisá-lo. – Falta o oito de espadas... - O condestável volta a engolir em seco. – O
que tereis a dizer, seu lobo-marinho espezinhado por canibais?
O suor escorre pelas suas faces já ressequidas, mas, depois de um momento de grave
indecisão, ele lá se rende, deixando escapar uma rajada de vento dos, realmente, seus
pulmões.
- Muito bem. Estive a jogar, há dias atrás, póquer com o Braço Direito e o Príncipe.
- Hum... e quem foi o digno vencedor?
- O príncipe. Arrebatou todo o nosso dinheiro...
Ildefonso anuí, cofiando novamente a sua barba e cuspindo para o chão.

Outros Dar palpite do Culpado


Bom Braço-Direito que viveis em tão sumptuoso quarto, todo ele ornado de bonitas
cousas alegres e ricas. Vós, que com tão real e divina pessoa privas, haveis ganho todas as
benesses de tão justa alma que vive e tão real mundo. Ildefonso, o Gordo, bem que se havia
admirado com tanta riqueza e tanta bela cousa.
- Viveis bem neste belo quarto, oh meu real sodomizador de escaravelhos! – bradou
o bravo Ildefonso apreciando e invejando todo o brilho da real vontade de El-Rei.
- Oh, bela e formosa alma, apenas aproveito aquilo que a confiança real deposita em
mim, ele que é o mais justo dos homens.
Ildefonso caminha pela divisão, tudo inspeccionando com os mais perscrutadores
olhos que esta bela terra já viu. Em cima da mesa estava material para escrever as mais belas
missivas em nome do nosso belo e formoso Rei deste belo reino que é Portugal. Belo e rico
papel de carta, uma pena de grande faisão e a mais bela tinta vinda directamente das
profundas terras do desconhecido oriente.
- Meu Coxo campeão de tiro ao alvo, escrevei umas linhas em memória do nosso
belo príncipe que padeceu hoje neste tão soturno dia. Escrevei, seu porco espinho
constipado.
Hesitante mas formoso, o Braço-Direito escreve um belo verso em que o nosso lindo
e efeminado príncipe era descrito como um dos mais belos e perfeitos homens que pisaram
os domínios de El-Rei e do seu Pai divino. Ildefonso, o homem bravo e sensível, verteu
umas belas lágrimas ao ler tão belos versos. Mas não penseis que isto tinha deixado a guarda
do bravo em baixa, pois ele bem viu como o Braço-Direito escrevia com a mão do demónio,
a conhecida canhota.
Parecia a Ildefonso que a perfeita inocência havia caído sobre os homens do tão
versado homem, quando viu, mesmo ao lado da parafernália da bela escrita, uma pequena
bolsa típica de colocar os reis dinheiros de cada um. Esta estava vazia!
- Seu vesgo de pés fungosos, qual é a razão para vós terdes a bolsa vazia?, sem que
nenhum real semblante do divino Rei esteja presente?
- Pois perdi tudo no jogo, meu real senhor, a jogar o real póquer com o belo príncipe.
Tudo parecia ter-se esclarecido quando Ildefonso viu, caído no chão, um punhal sujo
de uma pigmentação vermelha. Caminhou para lá e agarrou-a, analisando-a. Pois parecia que
era sangue que lá estava depositado, um punhal no quarto de um homem que tudo tinha
perdido para o divino que fora vitima do princicidio. Guardou bem o punhal, oh bravo entre
os bravos, pois o mistério se adensava cada vez mais.

Outros Dar palpite do Culpado


- Batei à porta do quarto, sua lombriga ranhosa espezinhada dos canibais
noruegueses! – vociferou o impassível Ildefonso, dirigindo-se à assaz vil e mesquinha
criatura que era o Bobo. Este, assustado e ofendido, assim o fez, dando quatro leves batidas
na porta. Do outro lado, ouviu-se a voz de uma veneranda mulher que, realmente, deu ordem
para entrarem.
Ildefonso entrou, precedido pela sua procissão de pessoas do palácio. Depois de ter
beijado – lambuzado, diríamos melhor – a mão da rainha, perguntou-lhe cordialmente o que
tinha realmente ido fazer o príncipe ao quarto do rei.
- Oh!... – mugiu a rainha, levando uma mão enluvada à testa. – Como vós sabeis,
meu esposo encontrava-se gravemente doente, mais perto da enfermidade que um velho
caquéctico. Mandei o meu respeitável filho, um nobre e fiel rapaz, levar-lhe uma cesta com
algumas realmente oferendas ao meu querido marido.
- E de que constavam tais oferendas, sua ameba desmembr... quero dizer, Sua
Majestade...
- Oh... Deixai-me pensar... Uma carta que eu própria redigi... umas flores que mandei
o braço direito ir colher... e, claro, um realmente repasto repleto de dignas comidas e
bebidas.
- Uma carta... – murmurou Ildefonso, olhando de volta e reparando numa velha
secretária com algumas folhas de papiro carcomidas por térmitas e um pequeno frasco com
uma pantanosa e escura tinta. – Sentai-vos nesta cadeira, Sua Majestade, e reescreva tal
carta.
A rainha, se bem que um pouco nervosa, assim o fez, redigindo-a com a sua mão
direita. Enquanto esperavam, realmente, Ildefonso olhou à sua volta para reparar nas suas
únicas pantufas que estavam junto da cama.
- Sede estas os únicos sapatos que vós possuis, Vossa Majestade?
- Realmente...
- Hum... – murmurou Ildefonso, olhando à sua volta e reparando, por sua vez, nos
sapatos desatados do porqueiro.
- Tu, sua besta hexagonal! Estais na presença do quarto da mais divina mulher deste
real planeta, portanto atai vossos imundos sapatos!
Igualmente nervoso com a brutalidade realmente do Ildefonso, o porqueiro baixou-se
e assim o fez, dando um simples nó, que pouco garantia que os atacadores não se iriam
desenrolar de novo.
Entretanto, a rainha, tendo acabado, entregou a carta ao detective, que a analisou com
o seu intestinal monóculo. Olhando para aquela réplica e para a original, percebeu que a
linguagem e a caligrafia coincidiam, que não poderia ter sido estropiada.
- Muito bem... Considera, Vossa Majestade, que o Braço Direito exerceu bem sua
função.
- Oh, sim! Muito bem! Paguei-lhe no fim de ter colhido as flores, as mais belas e
sumptuosas dessa jardim que é a natureza. E pedi-lhe também que, como o rei se encontrava
tão fraco, ele abrisse previamente a carta lacrada com um punhal.
- Vejo que pensou em tudo. Natural e realmente, gosta muito do rei...
- Oh, sim! Sim!
- Talvez mais dele do que do príncipe...
Neste momento, a rainha calou-se, ficando muito séria. – São ambos meus parentes.
Amo-os igual e realmente... – disse, um pouco ofendida.
Ildefonso acenou afirmativamente, levantando de seguida o seu chapéu e dizendo: -
Naturalmente que sim...

Outros Dar palpite do Culpado


- Seu descendente directo de um Homo-Atrasadus com um ornitorrinco com inícios
de Parkinson, batei, de imediato, à porta do belo e formoso príncipe, não vá estar alguém lá
dentro, chorando a morte de tão real alma – oh, Deus e El-Rei, como podeis vós ter criado
tão perspicaz e matreiro ser, pois o nosso belo Ildefonso nada fazia de forma inocente, tudo
era realizado com um objectivo maior em sua mente. Palavras estas dirigidas ao Provador-
Real traziam algo por debaixo da toga Ildefonsiana. O Bravo buscava por mais provas para
adensar todo o magnifico mistério.
O Provador, um ser miserável como todos os plebeus que não detêm, em si, o
maravilhoso e azul sangue real, precipitou-se para a porta e, com as suas grandes manápulas,
deu sete potentes mocadas – oh, Deus real, perdoai-me o uso destas vis palavras, mas a
verdade impera sobre a nobre e bela língua falada pela cheirosa boca de El-Rei – na porta,
sendo que esta havia abanado a cada batida.
Sem ninguém lá dentro, todos da procissão entram dentro dos reais e magnificentes
aposentos do falecido e belo príncipe. Quão belo eram os aposentos deste príncipe, com um
leve cheiro a naftalina e suores reais que, como todo o mortal que teve o privilegio de o
sentir nas suas narinas, sabe o quão cheiroso pode ser. Ildefonso respirou fundo para sentir
como é bom o cheiro do falecido, com lágrimas a escorrerem dos seus belos olhos cinzentos
cor de vermelho sangue, misturados com um quê de azul turquesa numa das pontas, já para
não falar do amarela hepático.
No centro do quarto estava uma tela tapada com um pano. Ildefonso desvenda o seu
conteúdo, vendo um retrato do real falecido, todo ele com vestes reais de um verdadeiro
monarca. Ildefonso ergue a sua real sobrancelha.
- Seus porquinhos da Índia velocistas, dizei-me quem foi a real alma que substituiu o
belo rei durante a sua doença?
- Pois, realmente, meu caro Ildefonso, havei sido o belo príncipe que, devido à
proximidade da sua maioridade, estava a fazer os serviços de seu real pai, para que, quando
Deus chamar El-Rei para a seu lado reinar sobre o reino dos céus, o belo e falecido príncipe
o puder substituir com a mesma fealdade. – disse o Braço-Direito fazendo uso da sua
retórica aprendida na clássica escola latina de Freixo de Espada à Cinta.
Ildefonso acha essa informação deveras interessante. Continua a pesquisar nos
aposentos reais, acabando por descobrir velhas revistas medievais, em papel antigo dos
Egiptos reais, contento belas damas em posses provocadoras, usando pouco mais que as suas
ceroulas, sendo que as imagens pintadas à mão, muito satisfaziam o olhar e interior de
Ildefonso. O Bravo guardou a revista na sua armadura, podendo esta vir a ser uma muito
importante prova.
Ildefonso ordena que todos saiam do quarto, achando que tudo havia sido descoberto.
Mas quando o belo e iluminado homem está para sair dos aposentos, repara num livro caído
atrás de um móvel. Apanha-o sem ninguém o ver. É um livro de botânica.

Outros Dar palpite do Culpado


Aqui estamos, neste quarto tão circense, serpentinas coloridas e balões esvoaçando
pelo ar. Abre-se uma porta e, logo, estamos diante deste móvel onde se erigem frascos das
mais diversas maquilhagens e um espelho oval tão límpido que parecia que se poderia
atravessar para o outro lado.
E o bobo transfigurou-se, mal o seu pé transpôs a porta. Piruetas e guizos tinindo
como nos campanários de uma catedral em miniatura. Tocando uma corneta, calcorreou o
quarto. Um baralho de cartas. Todos esperam diante de si, expectante. Apenas Ildefonso,
petrificado como o Pensador de Rodin, permanece meditabundo, imperturbável. Escolha
uma carta. E ele escolhe. Oito de espadas. Piruetas e movimentos desnaturados com as
mãos. Olha para aqui e para ali para que não vejam o truque e cá está, assomando dos
interstícios do baralho. Ildefonso toma-a na sua mão.
E depois, nada nas mangas, direita e esquerda e, pumba, num movimento repentino,
cá salta um bouquet de rosas, as suas pétalas frescas e vigorosas com um recém-nascido que,
envolto em sangue, salta do ventre da sua mãe.
Mãos esguias e astutas, não é verdade? Ildefonso toma-as. Como são pequenas,
também quase como as de um feto. Seria uma deficiência ou virtude. Sabe-se lá a que
patamares poderia um bobo ascender com estas mãos capazes de enganar o mundo. E as
flores, onde arranjou? Não vinham, com certeza, dum universo mágico, mas concreto. Flores
havia em todo o lado. Rosas só havia no jardim do palácio. Vira as palmas para o céu,
dilaceradas como estão pelos pungentes espinhos que se entranham.

Outros Dar palpite do Culpado


Ildefonso entra nos reais domínios da cozinha de El-Rei, onde o nojento Provador-
Real, esse homem obsesso e nojento, que caminha a cambalear, habita normalmente,
confeccionando e provado todas as iguarias destinadas à boca do mais belo dos homens.
Homem de certo, pois alimentos tão ricos não estariam destinados a uma boca imunda e
herege como a do Provador-Real.
- Tendes alguma coisa a relatar antes de começar a minha inspecção, seu aborto de
um chupacabra incontinente, corcunda, diabético, bócio, borbulhento, infectado com pus,
vísceras pendentes do seu pé dilacerado e trissémico? – disse Ildefonso de um só impulso,
sentindo-se deveras cansado após a magnifica exposição deste homem, em perfeição, diga-se
de justiça para o nosso belo Ildefonso.
- Oh, meu belo Ildefonso, como as vossas palavras são bondosas e me tocam o
coração como apenas um pai pode tocar. Digo-vos que, pela alma do meu filho bastardo
com nanismo, que ganha a sua vida como guia de relíquias em cavernas pré-históricas.
O belo Ildefonso não pode crer nas palavras do homem, pois Ildefonso de tudo
desconfia. Começou então a sua analise ao local. A primeira coisa com que deu, após uma
análise preliminar, que ao lado do medieval e real fogão, se encontrava uma enorme saca
repleta de umas ervas muito estranhas.
- Que vem a ser isto, seu desdentado sem paladar?
- Especiarias, meu belo e formoso Ildefonso.
- Se o dizes, com toda a certeza que não terás qualquer problema em o provares. –
diz Ildefonso com o seu olhar triunfante.
- Com toda a honra e gosto o faria, oh sensual homem, mas para minha grande
infelicidade, sou alérgico a tão bela e rara especiaria, tal como sou alérgico a grande parte
dos alimentos.
- Conveniente, meu energúmeno, conveniente. Há alguém entre vós que não seja
alérgico? – disse o belo e formoso homem à sua audiência.
Todos se precipitam a dizer que não, todos eram alérgicos, somente o Rei podia dela
provar sem mal lhe provocar, mas este estava ainda meio enfermo, com as maleitas do coito,
não lhe sendo possível provar.
- Tragam um leitão!
E o leitão veio, esfomeado, como seria de imaginar. Mas assim que provou das
misteriosas especiarias caiu morto para o lado, claramente numa reacção aquilo que tinha
provado.
Deixando essa pista em sua mente, avançou mais na sua pesquisa. Encontrou várias
luvas empilhadas em cima umas das outras. Agarra-as e analisa-as. Retira a luva do príncipe
da sua armadura. Os tamanhos eram diferentes, as mãos rudes do Provador eram bem
maiores que as belas e límpidas do príncipe.

Outros Dar palpite do Culpado


- Bem, é óbvio que jamais me culparia a mim próprio, dado que estava nos reinos de
Foros de Amora no momento do assassínio e dado que não tenho relação qualquer com esta
família real nem há pistas que iludam minimamente a mim. Que todos os que me
considerem culpado, fiquem levemente chamuscados nas chamas do Inferno para que o seu
sofrimento seja mais duradouro...

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- Seus burros pouco inteligentes e sem nada em vossa cabeça, oca como um ninho de
um pica-pau. Achais mesmo que um ser nojento e baixo como o Bobo poderia ter
apunhalado tão belo e formoso homem?, ainda mais quando bem se sabe que o príncipe foi
apunhalado por alguém verdadeiramente alto?, como é possível ter uma memória tão curta?,
nunca vos dediqueis ao belo oficio da investigação, ninguém vos dará trabalho!

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- Como podeis vós crer que tão virginal e pura criatura, como é a esposa d’El-Rei,
poderia ter parte numa tão barbara acção?, que tendes vós nessas cabeças?, porventura
pensais antes de fazerdes essas assumpções?, vós sois a escória mais baixa da sociedade,
criaturas que não merecem uma pisadela que seja!
Além do mais, não vos podeis esquecer de um pequeno pormenor, tão importante se
o colocarmos dentro de todo um mistério, um puzzle, segundo creio que será a comparação
adequada. A bela e formosa Rainha usava umas pantufas?, estais agora lembrado?, uma
mulher que apenas usa pantufas, sendo por isso impossível ter produzido os sons de passos
que o nosso El-Rei confirmava ter ouvido?, sois uma desgraça, um escarro de doninha!

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- Realmente, tudo indicado para que o pútrido executor tenha sido o assassino.
Vede! Pesado como um mamute, só ele poderia ter dado passos tão pesados e audíveis junto
do quarto do rei. Olhai a sua estatura magnânime. Alto como um girafa, forte como um
gorila. Vede como ele esmagou as moscas com a sua mão direita, quando todas as provas
indicavam que o real assassino era destro. No entanto, não são essas as provas
incriminatórias mais evidentes. Lembrai-vos, com certeza, que foram três aqueles que
entraram na taverna e pagaram com moeda real: o Condestável, o Braço Direito e o
Executor. Ora, não necessitamos de duvidar que o Condestável teria, em seu poder, esse
nobre dinheiro, mas o mesmo não se poderia dizer do Braço Direito e do Executor. Não nos
esqueçamos, porém, que Vossa Majestade, a Rainha, pagara ao Braço Direito para ele ir
apanhar flores. Por esse motivo, embora ele tenha perdido todas as suas possessões ao jogo,
parece plausível que tenha pago na taberna com o dinheiro da rainha. Passemos agora ao
executor, que não tem motivos alguns para possuir do real dinheiro. O que dizeis? Acreditais
que aquele saco que vós vistes era, de facto, um saco de nozes. Não haveis reparado,
porventura, que este era igual aos que estavam dentro do cofre do condestável. Não há
dúvida alguma de que este dinheiro era roubado e que foi com ele que o executor pagou a
garrafa de bebeu, que era a que estava no cenário do crime. Em suma, não há motivo para
duvidarmos de que foi o executor quem assassinou o principe, mas tê-lo-á feito de anime
livre? Quais foram as suas motivações? Foi ele quem roubou o dinheiro do Condestável?
Seus abutres esfacelados pela dentadura do rei Creso da Lídia! Como haveis pensado que
este calhau poderia, porventura, realmente ter entrado no quarto do Condestável e, mais, ter-
se escondido dentro do cofre, como ficou provado?! O verdadeiro culpado é, então, aquele
que pagou ao Executor, mas que vós acheis que terá sido?

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- Suas flores encantadas e desanimadas com a vida de estufa, não vos conseguis
lembrar que o Braço-Direito, por ironia deste mundo, usa a canhota como forma de levar a
sua vida e oficio?, seus tolos!

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- Tentemos, então, reconstruir tudo o que realmente se passou.
 Sabemos que existe, algures, um veneno, se bem que o príncipe foi assassinado
com um nobre punhal. Tratar-se-á, então, o veneno de uma pista falsa? Seus fungos
espetados nos pés do advogado de Napoleão Bonaparte! Acreditastes realmente que alguém
teria veneno por mero acaso? Pensemos, então, quando realmente apareceu esse veneno.
Encontrámo-lo na cozinha, num saco do Provador-real, tanto que este foi o motivo da morte
de uma porca. Encontrámo-lo também na pocilga do porqueiro. Terá sido então o Provador-
real ou o porqueiro que o arranjaram? Seja como for, uma suposição dessas, seus ranhos,
implicaria que o Provador-real e o porqueiro estiveram juntos. Sabemos que não foi esse o
caso. Sabemos que eles se odeiam de morte. Teremos, enfim, de supor que o detentor de
veneno era alguém que esteve com os dois. E quem foi esse alguém?
- O príncipe... – disse o bobo.
Ildefonso sorriu. – De facto, todos sabemos que o príncipe foi buscar o leite de porca
ao porqueiro e a comida ao Provador-real, mas vós, seu bobo, haveis visto o Provador-real a
envenenar a comida. Estivestes desertos durante todas as últimas horas para acusar o
príncipe e tivestes agora a tua oportunidade! – bradou o detective, apontando-lhe com um
dedo acusador. O bobo retraiu-se, ficando ainda mais pequeno do que já era. – Foram os
guizos do teu chapéu que o Provador-real ouviu. Sabias que o rei iria morrer envenenado e,
como sabias que não poderias acusar o defunto príncipe realmente correste para roubar o
dinheiro do condestável. Sim, porque tu, só tu, terias estatura suficiente para entrar no cofre
e roubá-lo. Só tu bates quatro vezes à porta antes de entrar e dás nós tão absurdos que nem a
mais forte das bestas, o executor, consegue desatá-los. Sim, tu, só tu, pagaste ao Executor
para que este assassinasse o príncipe e ele assim o fez! Estive aqui para isto, acusar um
imundo bobo...
O rei, furioso, correu logo para o bobo, agarrando nele como se fosse um boneco de
pano. O pobre bobo lá estrebuchou, tentando fugir, mas não foi capaz de fugir.
- Calma! Estais, na verdade, acusando a mais inocente das criaturas! Entendeste mal
as minhas palavras, Majestade. Irei pedir-vos agora que recordem a primeira de todas as
pistas: as luvas tintadas de verde que realmente estavam nos bolsos do príncipe. Como
provavelmente vos lembrais, tudo fiz para tentar descobrir de onde vinham. Pensei que
alguém as lá tivesse colocado para me confundir, mas depois, com o deslindar da história do
veneno, descobri que foi o próprio príncipe quem as usou. Para apanhar a cicuta! – revelou,
para espanto geral. Muitos foram os “ahs” e os “ohs” que se ouviram. – Sim, porque, como
ficou claro, o príncipe via, no facto de substituir o seu realmente pai, Vossa Majestade deste
reino que é Bracara Augusta, um acto prazenteiro. Sabemos que ele foi consumido pela
volúpia da corrupção! E agora, com a convalescença de Vossa Majestade, ele sentiu esse
poder esvaindo-se-lhe das mãos.
 O príncipe é o culpado e o Bobo o mais nobre das criaturas. Dizei: é verdade ou
mentira, bobo? É VERDADE OU MENTIRA?
- É verdade... – murmurou o bobo, passada a vergonha.
- É mentira! – ouviu-se uma voz. Todos se viraram. Era o príncipe, que se estava
erguendo lentamente. Todos correram até junto de si. – Eu vi... eu vi... nessa noite. Olhei
para o lado e vi aquela criatura caminhando sobre umas andas e apunhalando-me...
E, dito isto, quedou morto.
Ver Créditos

-Além do facto de El-Rei ser uma alma divina e imaculada, totalmente incapaz de
cometer tais actos vis e de pessoas reles como vós, leitores, não vos podeis esquecer da
forma como o belo corpo do Príncipe estava tombado à entrada do quarto, pois ele estava
tombado de lado, e não de frente para a porta. Caso tivesse sido El-Rei, o corpo estaria nessa
divina posição, recto como o divino.
Como sois tão cabeça mole, miolos fritos com óleo de amendoim, deveis internar-
vos numa escola de aviação para vos poderes atirar dos céus sem pára-quedas.

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- Lembrai-vos como o nosso Real Provador é um obeso, as suas carnes são imensas,
a sua respiração por demais pesada. Podereis mesmo achar que tão grande figura teria
conseguido fugir de forma tão ágil?, seu homem das cavernas que não conseguia fazer as
básicas figuras rupestres, que as nossas crianças conseguem fazer.

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- Pensais que o Condestável poderia mesmo fugir a sete pés, quando ele anda com
uma bengala que nem bem seria capaz de suportar os seus oitenta quilos...
- Setenta... – corrigiu o Condestável.
- Calai-vos, seu filho da irmã da tua mãe! Serão mais dez quilos só em nódoas negras
de tanto que vos baterei caso não feches essa boca consumida pelo escorbuto!

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- Muitas seriam as razões que poderiam ditar um acto de loucura neste imundo e
aporcalhado homem, como eu o compreenderia, afinal mataram-lhe o ser mais precioso de
sua miserável existência, nenhum homem a isso pode ficar imune. Mas, apesar de tão
potente móbil, o porqueiro filho de um babuíno sem nádegas, não tem qualquer tipo de
culpas no cartório. Isto porque o porqueiro não bebe os reais líquidos provindos dos sumos
fermentados pelo próprio Baco, o que torna a sua produção um tanto ou quanto lenta.
Seria um Ser imaculado, não fosse passar os seus dias rodeados pelas reais fezes dos
porcos de nossa Majestade.

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A Lista dos Reais Malfeitores:

- El-Rei

- Rainha

- Príncipe

- Ildefonso

- Provador-Real

- Porqueiro

- Braço-Direito

- Condestável

- Executor

- Bobo
Escolher qual é o próximo a ser investigado:

- El-Rei

- Rainha

- Quarto do Príncipe

- Provador-Real

- Porqueiro

- Braço-Direito

- Condestável

- Executor

- Bobo

- Analisar o corpo do Príncipe

- Ir à Taberna
Reais Redactores desta maravilhosa Crónica de um Príncicidio:

HUGO, À DIREITA DO PRÓPRIO

LUÍS, O FORMOSO JOÃO, O PRÓPRIO

DEDICAMOS ESTE TRABALHOS AOS PAIS DO PRÓPRIO, QUE SEM ELES O


PRÓPRIO NÃO PODERIA ESTAR AQUI!

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