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vendo alma perante si. Os plebeus afastam-se de horror, com o medo que os abençoados
cascos os levassem para o Além. Ildefonso, conhecido detective de El-Rei e sua corte,
dirige-se para os domínios feudais onde se encontra sua Majestade. As noticias dão conta de
uma morte real no castelo, uma morte por assassinato.
Sempre em cima de seu alazão, Ildefonso entra pela porta do castelo, prosseguindo
numa cavalgada heróica; Oh, não há escadas que o parem, alma que o pare, vontade que o
pare, pois a vontade de um homem pelo seu soberano é mais forte que tudo. Chega aos
aposentos de El-Rei onde se depara com o mais perfeito dos homens desfeito em lágrimas e
ardor, ajoelhado sobre o corpo branco de seu varão, seu Delfim.
- Que desgraça, meu Rei! – diz Ildefonso saltando de cima do seu fiel cavalo.
- Mataram meu filho, ò Gordo!, exijo de ti, que tudo descobre, que encontres o
culpado por tão vil acto, e que o tragas a mim, para que minha espada, espada essa
fundadora da nação em que te encontras, decepará a infeliz cabeça que atentou contra esta
pobre alma.
- Não temeis, meu bom Rei. O culpado pagará!
Com um rugido de leão das Áfricas ainda por descobrir, Ildefonso chama todo o
castelo à sua presença. Em breve, todos rodeiam o corpo frio e gélido. No corredor estão:
Ildefonso, o próprio; El-Rei; a Real e Virgem Rainha; o Provador-real, que tudo come; o
Bobo, animação do escuro castelo; o Braço direito do Rei, a quem tudo é confiado; o
Porqueiro, o plebeu sujo que cuida da real vara que alimenta a boca divida da nobreza; o
Condestável, homem santo que tudo faz para que tudo seja do nosso bom Rei; e o Executor
real, homem de pouca inteligência, mas que usa das suas mãos com a divina autorização
real;
Todos envolvem a divina alma de nosso El-Rei, erguido já na presença de todos.
Ildefonso, sem palavra proferir aos ouvidos atentos e culpados, debruça-se sobre aquela
alma bela, perfeita e defunta. Oh, não quer olhar, não querem seus olhos ver aquele Cristo
loiro, baixo, de faces rosadas e puras, já sem um pingo de vida e vivacidade, aquele que iria
ser o herdeiro de toda a nação e futuro soberano desses olhos que se negam. Mas Ildefonso
luta contra seu corpo, olha para o corpo morto, constatando que o corpo ficou disposto ao
comprido, com uma leve inclinação para a esquerda. A ferida fatal, desferida por um objecto
cortante, tinha incidido na zona do coração, com uma inclinação para a direita, esquerda para
o defunto. Após a ferida analisada, Ildefonso entra na análise das suas vestes finas e reais.
Tudo parece em ordem, até que vê como a fralda da camisa está para fora; um dos seus reais
sapatos está fora do pé, mesmo ao lado do legitimo; os collants têm um leve rasgo na zona
do joelho direito; Ildefonso passa para os bolsos reais e divinos, onde encontra umas chaves,
tal como umas luvas manchadas pelo suco desconhecido das plantas e ainda um oito de
espadas.
- Meu bom Rei, estas luvas pertencem a teu filho?
- Não, pertencem-me a mim, estavam desaparecidas há muito, julguei-as perdidas!
- Conheceis algum motivo pelo qual o divino príncipe vos tirasse as luvas?
O rei pensa durante uns segundos. - Nenhuma que me ocorra!
- E poderia haver algum motivo para que vós lhas colocásseis em seu bolso? –
pergunta o detective, fitando-o impavidamente.
O Rei arregala os olhos de horror. O detective sorri. – N... não. Por que haveria de
fazer uma coisa dessas?
- Não sei... – sussurra o detective, olhando em volta. – Nunca se sabe...
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- Seus burros pouco inteligentes e sem nada em vossa cabeça, oca como um ninho de
um pica-pau. Achais mesmo que um ser nojento e baixo como o Bobo poderia ter
apunhalado tão belo e formoso homem?, ainda mais quando bem se sabe que o príncipe foi
apunhalado por alguém verdadeiramente alto?, como é possível ter uma memória tão curta?,
nunca vos dediqueis ao belo oficio da investigação, ninguém vos dará trabalho!
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- Como podeis vós crer que tão virginal e pura criatura, como é a esposa d’El-Rei,
poderia ter parte numa tão barbara acção?, que tendes vós nessas cabeças?, porventura
pensais antes de fazerdes essas assumpções?, vós sois a escória mais baixa da sociedade,
criaturas que não merecem uma pisadela que seja!
Além do mais, não vos podeis esquecer de um pequeno pormenor, tão importante se
o colocarmos dentro de todo um mistério, um puzzle, segundo creio que será a comparação
adequada. A bela e formosa Rainha usava umas pantufas?, estais agora lembrado?, uma
mulher que apenas usa pantufas, sendo por isso impossível ter produzido os sons de passos
que o nosso El-Rei confirmava ter ouvido?, sois uma desgraça, um escarro de doninha!
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- Realmente, tudo indicado para que o pútrido executor tenha sido o assassino.
Vede! Pesado como um mamute, só ele poderia ter dado passos tão pesados e audíveis junto
do quarto do rei. Olhai a sua estatura magnânime. Alto como um girafa, forte como um
gorila. Vede como ele esmagou as moscas com a sua mão direita, quando todas as provas
indicavam que o real assassino era destro. No entanto, não são essas as provas
incriminatórias mais evidentes. Lembrai-vos, com certeza, que foram três aqueles que
entraram na taverna e pagaram com moeda real: o Condestável, o Braço Direito e o
Executor. Ora, não necessitamos de duvidar que o Condestável teria, em seu poder, esse
nobre dinheiro, mas o mesmo não se poderia dizer do Braço Direito e do Executor. Não nos
esqueçamos, porém, que Vossa Majestade, a Rainha, pagara ao Braço Direito para ele ir
apanhar flores. Por esse motivo, embora ele tenha perdido todas as suas possessões ao jogo,
parece plausível que tenha pago na taberna com o dinheiro da rainha. Passemos agora ao
executor, que não tem motivos alguns para possuir do real dinheiro. O que dizeis? Acreditais
que aquele saco que vós vistes era, de facto, um saco de nozes. Não haveis reparado,
porventura, que este era igual aos que estavam dentro do cofre do condestável. Não há
dúvida alguma de que este dinheiro era roubado e que foi com ele que o executor pagou a
garrafa de bebeu, que era a que estava no cenário do crime. Em suma, não há motivo para
duvidarmos de que foi o executor quem assassinou o principe, mas tê-lo-á feito de anime
livre? Quais foram as suas motivações? Foi ele quem roubou o dinheiro do Condestável?
Seus abutres esfacelados pela dentadura do rei Creso da Lídia! Como haveis pensado que
este calhau poderia, porventura, realmente ter entrado no quarto do Condestável e, mais, ter-
se escondido dentro do cofre, como ficou provado?! O verdadeiro culpado é, então, aquele
que pagou ao Executor, mas que vós acheis que terá sido?
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- Suas flores encantadas e desanimadas com a vida de estufa, não vos conseguis
lembrar que o Braço-Direito, por ironia deste mundo, usa a canhota como forma de levar a
sua vida e oficio?, seus tolos!
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- Tentemos, então, reconstruir tudo o que realmente se passou.
Sabemos que existe, algures, um veneno, se bem que o príncipe foi assassinado
com um nobre punhal. Tratar-se-á, então, o veneno de uma pista falsa? Seus fungos
espetados nos pés do advogado de Napoleão Bonaparte! Acreditastes realmente que alguém
teria veneno por mero acaso? Pensemos, então, quando realmente apareceu esse veneno.
Encontrámo-lo na cozinha, num saco do Provador-real, tanto que este foi o motivo da morte
de uma porca. Encontrámo-lo também na pocilga do porqueiro. Terá sido então o Provador-
real ou o porqueiro que o arranjaram? Seja como for, uma suposição dessas, seus ranhos,
implicaria que o Provador-real e o porqueiro estiveram juntos. Sabemos que não foi esse o
caso. Sabemos que eles se odeiam de morte. Teremos, enfim, de supor que o detentor de
veneno era alguém que esteve com os dois. E quem foi esse alguém?
- O príncipe... – disse o bobo.
Ildefonso sorriu. – De facto, todos sabemos que o príncipe foi buscar o leite de porca
ao porqueiro e a comida ao Provador-real, mas vós, seu bobo, haveis visto o Provador-real a
envenenar a comida. Estivestes desertos durante todas as últimas horas para acusar o
príncipe e tivestes agora a tua oportunidade! – bradou o detective, apontando-lhe com um
dedo acusador. O bobo retraiu-se, ficando ainda mais pequeno do que já era. – Foram os
guizos do teu chapéu que o Provador-real ouviu. Sabias que o rei iria morrer envenenado e,
como sabias que não poderias acusar o defunto príncipe realmente correste para roubar o
dinheiro do condestável. Sim, porque tu, só tu, terias estatura suficiente para entrar no cofre
e roubá-lo. Só tu bates quatro vezes à porta antes de entrar e dás nós tão absurdos que nem a
mais forte das bestas, o executor, consegue desatá-los. Sim, tu, só tu, pagaste ao Executor
para que este assassinasse o príncipe e ele assim o fez! Estive aqui para isto, acusar um
imundo bobo...
O rei, furioso, correu logo para o bobo, agarrando nele como se fosse um boneco de
pano. O pobre bobo lá estrebuchou, tentando fugir, mas não foi capaz de fugir.
- Calma! Estais, na verdade, acusando a mais inocente das criaturas! Entendeste mal
as minhas palavras, Majestade. Irei pedir-vos agora que recordem a primeira de todas as
pistas: as luvas tintadas de verde que realmente estavam nos bolsos do príncipe. Como
provavelmente vos lembrais, tudo fiz para tentar descobrir de onde vinham. Pensei que
alguém as lá tivesse colocado para me confundir, mas depois, com o deslindar da história do
veneno, descobri que foi o próprio príncipe quem as usou. Para apanhar a cicuta! – revelou,
para espanto geral. Muitos foram os “ahs” e os “ohs” que se ouviram. – Sim, porque, como
ficou claro, o príncipe via, no facto de substituir o seu realmente pai, Vossa Majestade deste
reino que é Bracara Augusta, um acto prazenteiro. Sabemos que ele foi consumido pela
volúpia da corrupção! E agora, com a convalescença de Vossa Majestade, ele sentiu esse
poder esvaindo-se-lhe das mãos.
O príncipe é o culpado e o Bobo o mais nobre das criaturas. Dizei: é verdade ou
mentira, bobo? É VERDADE OU MENTIRA?
- É verdade... – murmurou o bobo, passada a vergonha.
- É mentira! – ouviu-se uma voz. Todos se viraram. Era o príncipe, que se estava
erguendo lentamente. Todos correram até junto de si. – Eu vi... eu vi... nessa noite. Olhei
para o lado e vi aquela criatura caminhando sobre umas andas e apunhalando-me...
E, dito isto, quedou morto.
Ver Créditos
-Além do facto de El-Rei ser uma alma divina e imaculada, totalmente incapaz de
cometer tais actos vis e de pessoas reles como vós, leitores, não vos podeis esquecer da
forma como o belo corpo do Príncipe estava tombado à entrada do quarto, pois ele estava
tombado de lado, e não de frente para a porta. Caso tivesse sido El-Rei, o corpo estaria nessa
divina posição, recto como o divino.
Como sois tão cabeça mole, miolos fritos com óleo de amendoim, deveis internar-
vos numa escola de aviação para vos poderes atirar dos céus sem pára-quedas.
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- Lembrai-vos como o nosso Real Provador é um obeso, as suas carnes são imensas,
a sua respiração por demais pesada. Podereis mesmo achar que tão grande figura teria
conseguido fugir de forma tão ágil?, seu homem das cavernas que não conseguia fazer as
básicas figuras rupestres, que as nossas crianças conseguem fazer.
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- Pensais que o Condestável poderia mesmo fugir a sete pés, quando ele anda com
uma bengala que nem bem seria capaz de suportar os seus oitenta quilos...
- Setenta... – corrigiu o Condestável.
- Calai-vos, seu filho da irmã da tua mãe! Serão mais dez quilos só em nódoas negras
de tanto que vos baterei caso não feches essa boca consumida pelo escorbuto!
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- Muitas seriam as razões que poderiam ditar um acto de loucura neste imundo e
aporcalhado homem, como eu o compreenderia, afinal mataram-lhe o ser mais precioso de
sua miserável existência, nenhum homem a isso pode ficar imune. Mas, apesar de tão
potente móbil, o porqueiro filho de um babuíno sem nádegas, não tem qualquer tipo de
culpas no cartório. Isto porque o porqueiro não bebe os reais líquidos provindos dos sumos
fermentados pelo próprio Baco, o que torna a sua produção um tanto ou quanto lenta.
Seria um Ser imaculado, não fosse passar os seus dias rodeados pelas reais fezes dos
porcos de nossa Majestade.
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A Lista dos Reais Malfeitores:
- El-Rei
- Rainha
- Príncipe
- Ildefonso
- Provador-Real
- Porqueiro
- Braço-Direito
- Condestável
- Executor
- Bobo
Escolher qual é o próximo a ser investigado:
- El-Rei
- Rainha
- Quarto do Príncipe
- Provador-Real
- Porqueiro
- Braço-Direito
- Condestável
- Executor
- Bobo
- Ir à Taberna
Reais Redactores desta maravilhosa Crónica de um Príncicidio:
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