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Número 5 2008
ANAIS
Centro Politécnico
Rua Simeão Camargo Varela de Sá, 03
Cx. Postal 3010 Cep 85040-080 Guarapuava/PR
Fone: (0xx42) 3629-8100
www.semanageo.pop.com.br
FICHA CATALOGRÁFICA
Catalogação na Publicação
Fabiano de Queiroz Jucá – CRB 9/1249
Biblioteca Central da UNICENTRO, Campus Guarapuava
Semana de Geografia (16 : 2008 : Guarapuava)
S471a Anais – XVI Semana de Geografia: O mundo em movimento: cidade, ambiente,
migração/ Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste. -
Guarapuava: UNICENTRO, 2008.
280 p.
Irregular
ISSN 1679-6306
Realização:
Departamento de Geografia
UNICENTRO
Coordenação Geral:
Profª. Drª. Sandra Lúcia Videira
Prof. Dr. Sergio Fajardo
Comissão Organizadora:
Sandra Lúcia Videira
Sergio Fajardo
Márcia Cristina da Cunha
Pierre Alves Costa
Marquiana Freitas Vilas Boas Gomes
Patrícia dos Santos
Comissão Científica:
Edivaldo Lopes Thomaz
Leandro Redin Vestena
Luiz Gilberto Bertotti
Márcia da Silva
Márcia Cristina da Cunha
Marquiana Freitas Vilas Boas Gomes
Maurício Camargo Filho
Paulo Nobukuni
Pierre Alves Costa
Sandra Cristina Ferreira
Sandra Lúcia Videira
Sergio Fajardo
Reitor
Vitor Hugo Zanette
Vice-Reitor
Aldo Nelson Bona
Departamento de Geografia
Chefe: Edivaldo Lopes Thomaz
Vice-Chefe: Márcia da Silva
Edição
Editora UNICENTRO
Beatriz Anselmo Olinto
Diagramação
Eduardo Oliveira
Revisão
Rosana Gonçalves
Impressão
Gráfica da UNICENTRO
Lourival Gonschorowski
Arte Gráfica
Capa: Lucas Gomes Thimóteo
Desenho: Edson Alves e Elizeu Grzeszezyen
Arte do logotipo: Kleyton Kleber Knüppel, Ricardo Zolinger Zanin.
Apresentação
Artigos
Entre tradição e modernidade: a casa de madeira do Faxinal Anta
Gorda – Prudentópolis-PR ...........................................................................15
HAURESKO, Cecília
Orientações teóricas sobre o tema “Centro das cidades” ........................27
FERREIRA, Sandra Cristina
Roteiro básico e prático para elaboração de projeto de pesquisa..........37
TURRA NETO, Nécio
A divisão regional oficial: equívocos e confusões das regionalizações
no estado do Paraná .......................................................................................53
FAJARDO, Sérgio
Boa Ventura de São Roque no contexto da microrregião de
Pitanga-PR........................................................................................................67
BINDA, Andrey Luis
SCHMIDT, Lisandro Pezzi
Estudo geo-histórico de Mamborê-PR .......................................................79
CUNHA, Márcia Cristina da
Caracterização da pluviosidade na bacia hidrográfica do
Ernesto - Pitanga-PR ...................................................................................... 89
LANGE FILHO, Gerson
VESTENA, Leandro Redin
Grupos juvenis na cidade e na escola: saberes e práticas para
pensar o ensino de geografia.......................................................................101
OCTAVIANO, Elisangela Maria
TURRA NETO, Nécio
A geohistória do desenvolvimento no Brasil .......................................... 109
COSTA, Pierre Alves
O capital estrangeiro no Brasil: algumas considerações ...................... 123
VIDEIRA, Sandra Lúcia
A teoria do caos e a geografia: fundamentos e perspectivas ............... 137
VESTENA, Leandro Redin
Interpretação geográfica de um evento pluviométrico
excepcional ocorrido em abril de 1998, Guarapuava-PR..................... 151
AMARAL, Adriano Araújo do
THOMAZ, Edivaldo Lopez
Análise teórica das migrações: enfoques tradicionais e novos
enfoques de aporte social ........................................................................... 165
BRUMES, Karla Rosário
SILVA, Márcia da
O estudo da reestruturação urbana do bairro Vila Carli a
partir da pedagogia de projetos: uma contribuição ao ensino
de geografia ................................................................................................... 175
SANTOS, Patrícia dos
Comparação de taxas de infiltração mensuradas com infiltrômetros
de anel único e anel duplo .......................................................................... 187
PEREIRA, Adalberto Alves
THOMAZ, Edivaldo Lopes
Sociedade de risco e poluição hídrica ...................................................... 197
SANTOS, Ariodari Francisco dos
BERTOTTI, Luiz Gilberto
O desenvolvimento urbano-industrial de Duque de Caxias-RJ
nas décadas de 1940 a de 1980 ....................................................................207
BUENO, Karoline
COSTA, Pierre Alves
Políticas territoriais no Brasil: criação e extinção do Território
Federal do Iguaçu .........................................................................................217
CORADELI, Robison Tiago
FERREIRA, Sandra Cristina
A globalização no contexto local e global: modernidade
e complexidade ..............................................................................................229
BERTOTTI, Luiz Gilberto
SANTOS, Ariodari Francisco dos
O estudo geográfico das festas como manifestações culturais ............243
SIDOR, Simone de Fátima
Resumos
1
HAURESKO, Cecília
Introdução
Existem muitas discussões sobre o período que nós vivemos. Estaríamos
na modernidade? Na pós-modernidade? Ou seríamos uma sociedade pós-
tradicional? Teríamos uma sucessão desses períodos, mediante a anulação do
precedente com o advento do próximo? Ou quem sabe poderíamos pensar na
permanência de alguns aspectos de cada período e a anulação daqueles que
não se ajustaram às ordens sociais vigentes? Neste trabalho vamos discutir
Tradição e Modernidade, tendo como referências autores que mostram de
que forma a modernidade reincorpora a tradição, reinventa-a. A tradição, da
mesma forma, não é impermeável à mudança. As tradições evoluem com o
passar do tempo, mas também podem ser modificadas repentinamente.
O objetivo do trabalho é, a partir da discussão sobre a interação e/
ou oposição entre tradição e modernidade, analisar a “casa de madeira”,
2
no espaço rural, tendo como norte o faxinal Anta-Gorda localizado em
1
Professora do Departamento de Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR. Doutoranda em
Geografias pela UNESP, Rio Claro.
2
O faxinal se caracteriza por uma forma de organização sócio-espacial bastante peculiar no Estado
do Paraná. Neste a ocupação do território social foi determinada pelo uso da terra em comum,
apesar da terra ser de propriedade - particular/privada – de seus moradores. Internamente, o
que caracteriza o faxinal são: o sistema de criações soltas e a presença das cercas separando áreas
de lavouras de áreas de criação. Sua formação data do final do século XIX, e atualmente essas
comunidades são responsáveis por contribuírem com a manutenção da paisagem florestal nativa
do Bioma Floresta com Araucária, e especialmente, com um modo de vida tradicional de suas
populações representado por sociabilidade particular, derivadas do uso comum da terra e das
relações de parentesco (Anais do 1º Encontro dos Povos dos Faxinais, 2005).
Prudentópolis, município da região Centro-Sul do Estado do Paraná. Neste
faxinal aproximadamente 90% dos moradores vivem em casas de madeira.
Entendemos que as casas rurais, sejam de madeira ou alvenaria,
atendem às necessidades fundamentais do homem como abrigo, vida
familiar e trabalho, orientadas segundo as exigências da produção agrícola,
porém, com este trabalho aspiramos ir além do caráter funcional da casa
rural. Pretendemos mostrar como a “casa de madeira” pode ser uma
categoria de análise que permite compreender as concepções de mundo
dos seus moradores.
16
O futuro também está incluso, posto que a repetição é a forma que
a tradição encontra para organizá-lo sem considerá-lo como um território
separado. Há, então, inscrita à tradição uma noção de persistência e
de memória coletiva com uma força de agregação tanto moral quanto
emocional. Com isso, o passado não pode ser considerado em sentido de
preservação, mas em constante reconstrução, parcialmente individual, mas
fundamentalmente social ou coletiva. Por isso, podemos dizer que a tradição
é um meio organizador da memória coletiva (GIDDENS, 2001, p. 32).
Em sua definição, Giddens (1991) enfatiza na tradição seu caráter
ritual que, ao ser interpretado, estabelece uma verdade formular, a que
apenas alguns têm acesso, aqueles que passam a serem seus guardiões,
conforme sua competência. Por fim, há ainda o conteúdo normativo ou
moral da tradição, que indica o que se é e o que se deve ser, mas também
oferece uma segurança ontológica aos que aderem a ela. O autor admite:
a questão do que é uma sociedade tradicional permanece sem solução.
Giddens (2001, p. 35), afirma que sociedade tradicional é aquela em que a
tradição exerce um papel dominante.
17
organizações muito maiores e impessoais. “O indivíduo se sente privado e
só num mundo em que lhe falta o apoio psicológico e o sentido de segurança
oferecido em ambientes mais tradicionais”. (GIDDENS, 2002, p. 38)
Hobsbawm (1997) afirma que as tradições muitas vezes parecem
ou são consideradas antigas, mas que na verdade são bastante recentes,
quando não são inventadas. “O termo “tradição inventada” é utilizado num
sentido amplo, mas nunca indefinido. Inclui tanto as “tradições” realmente
inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as
que surgiram de maneira mais difícil de localizar num período limitado
e determinado de tempo – às vezes coisa de poucos anos apenas – e se
estabeleceram com enorme rapidez” (HOBSBAWM,1997,p.09).
Giddens (2000) sustenta que, nenhuma sociedade tradicional era
inteiramente tradicional, e tradições e costumes foram inventados por uma
diversidade de razões. Não deveríamos supor que a construção consciente da
tradição é encontrada apenas no período moderno. Além disso, as tradições
sempre incorporam poder, quer tenham sido construídas de maneira deliberada
ou não. Reis, imperadores, sacerdotes e outros vêm há muito tempo inventando
tradições que legitimem seu mando. Uma tradição completamente pura é algo
que não existe. O que define uma “tradição inventada”
18
As casas de madeira no Sul do Paraná
A casa tradicional do sul do Paraná, a “casa de madeira” é parte
da herança de imigrantes europeus, em sua maioria eslavos que para cá
vieram, e têm sua existência intimamente relacionada a um elemento: a
araucária. Segundo Cataldo (1959, p.115), “a abundância dos pinheirais na
região sul, madeira facilmente trabalhada, é a causa principal da difusão
desse tipo de habitação, que é um aspecto tradicional do sul do Paraná.
A casa que estamos analisando tem um estilo que marca a paisagem
do sul do Paraná, sendo considerado tradicional, embora seja uma
construção bastante recente, de fins do século XIX ao século XX. Neste
caso, as casas de madeira passam a serem chamadas como tradicionais, a
partir do momento em que as casas de alvenaria começam a aparecer no
meio rural. É o “novo” tido como “moderno” e o “velho”, o precedente, é
tido como “antigo, tradicional”. A casa da madeira passa por uma espécie
de desprestigiamento enquanto que a casa de alvenaria passa a significar
progresso, poder, prestígio social.
A madeira sempre foi uma matéria – prima bastante utilizada na
construção de habitações. No Brasil, as habitações indígenas são os primeiros
exemplos do emprego desse material na construção de suas casas.
Segundo Wachowicz (1989), os caboclos (que também habitavam
a região centro-sul) viviam em ranchinhos de pequenos troncos cobertos
com folhas de bambu. Se possuíam alguma madeira industrializada em sua
construção eram lascas de pinheiro. Muitos cobriam as casas com tabuinhas
lascadas também do pinheiro. Nas décadas de 1920 e 30, quase todas as
casas eram de chão, não havia assoalhos de madeira.
Com base em Garcia; Guernieri; Pereira et al., (1987), no período
colonial, algumas casas eram construídas em alvenaria de pedra, possuindo
divisórias internas em pau-a-pique - processo construtivo no qual se associam
a madeira, como elemento estrutural, e o barro amassado, como vedação. Nas
casas mais simples essa técnica construtiva era empregada em toda a edificação.
Entretanto, as estruturas complementares - telhados, requadro e fechamento
de vãos, assoalhos e varandas - eram geralmente executados em madeira.
A evolução das técnicas construtivas no Brasil ocorreu em função das
características do material predominante em cada região geográfica, sendo
que no Paraná, e mais precisamente no Sul do Paraná, predominou durante
longos anos a construção de casas de madeira do Pinheiro (Araucária
angustifólia). Estas construções apresentam uma variedade de formas,
adornos e cores características, particularmente, após a vinda de colonos
imigrantes europeus para este Estado.
19
A diversidade cultural dessa nova população trouxe modificações
nas soluções arquitetônicas, evidenciadas pelo uso de diferentes técnicas e
materiais de construção. Garcia; Guernieri; Pereira et al., (1987) afirmam
que os imigrantes alemães construíram suas casas com enxaiméis -
estrutura de madeira com peças diagonais de travamento, cujos intervalos
são preenchidos por tijolos. Os poloneses e italianos, de origem camponesa,
estabeleceram-se em colônias próximas às cidades. As casas dos imigrantes
italianos eram construídas em alvenaria de tijolos. Os poloneses empregavam
troncos de árvores sobrepostos horizontalmente, com encaixes nos cantos
das paredes. Os imigrantes ucranianos construíram suas primeiras casas
em madeira encaixada.
Ao final do século XIX, a intensificação e mecanização da exploração
madeireira e a instalação de serrarias, onde a matéria-prima era abundante,
permitiram a padronização de elementos construtivos e o aumento e difusão
das construções em madeira. Gradativamente, a simplicidade inicial foi
modificada pelo acréscimo de novos espaços aliada à criatividade de cada
construtor ou cada morador. Acrescida de espaços e ornamentos peculiares
às famílias que as constroem, as casas de madeira passaram a ser expressão
arquitetônica de uma tradição cultural do sul do Paraná.
Martins (1989) lembra que a tradicional casa de madeira, foi precedida
pela casa de taipa e sapé, levantada perto dos rios, mal coberta, mal fechada,
insalubre e úmida, tão primitiva quanto a do seu contemporâneo brasileiro,
referindo-se certamente ao caboclo. Importante chamar atenção para este
fato. As casas de hoje têm pouca semelhança com as primeiras casas dos
europeus e talvez menos ainda com as casas que os imigrantes europeus
deixaram em seus países. A narrativa a seguir poderia talvez confirmar
o que estamos dizendo: Martins (1989) narra o episódio da visita de D.
Pedro II a Curitiba, em 1880. - D. Pedro diante de uma casa de três andares
perguntou: De quem é esta casa? Ao que lhe responderam: De um alemão.
Depois indicou uma casa de dois andares e ainda mais uma vez o dono era
um alemão. E sua majestade, sem esconder um secreto contentamento de
Habsburgo “Então são só os alemães, que constroem casas tão bonitas?
Segundo Martins (1989), não, não eram só os alemães, e nem
sempre seriam casas bonitas, mas todas elas atestavam e atestam a presença
desse vasto e profundo fenômeno de aculturação. Defende o autor que
se trata de um fenômeno no mais legítimo sentido da palavra, porque as
influências locais são igualmente impositivas, de tal forma que Emilio
Willems, acreditava que essas casas, transportadas para uma paisagem
alemã,espantariam pelo seu exotismo. Não há no Paraná uma “casa alemã”,
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ou uma “casa polonesa” ou uma “casa italiana”, ou uma “casa suíça”, mas uma
casa paranaense que é uma mistura indeterminada e em graus variáveis de
elementos típicos dessas culturas. Neste sentido, Giddens (2000) lembra:
uma tradição completamente pura não existe.
Martins (1989), porém, assinala que, no Paraná, Pierre Denis já
registrara que salvo algumas colônias polacas em que uma antiga arquitetura
de madeira, importada da Europa, preside ainda a construção da igreja,
todas essas aldeias do interior são do mesmo modelo, situadas na vertente
de uma colina, com as suas casas baixas, pintadas com uma aguada, a
branco, rosa ou verde. Todavia, é inegável a influência de estilos ou de gostos
europeus na arquitetura paranaense. Há pouco tempo, era possível traçar,
segundo Martins, um limite, o mesmo que separa o primeiro planalto do
litoral: a serra do mar.
Outro ponto importante a salientar é que devido à grande oferta
de madeira no sul Paraná, toda “paisagem construída” (casas, estábulos,
vendas, igrejas) pelos então paranaenses era de madeira, dado que os
preços da mesma eram ínfimos. Por isso, o bom tom da burguesia da cidade
rezava que a madeira devia ser evitada. Os argumentos sobre as virtudes
climáticas, psicológicas ou culturais da madeira não existiam. Usava-
se porque era barato. E por muito tempo, entrando pelos anos 1970, em
Curitiba, construção de madeira significaria falta de dinheiro e posição
social inferior. Para os legisladores, uma urbe civilizada era uma urbe
moldada com alvenaria. Segundo Ira (2001), em relação às residências de
madeira, estava previsto no Código de Posturas de 1919, no parágrafo 7º
do Artigo 61º, seguinte: “Sejam as abas dos telhados, exceto as do fundo,
guarnecidas de lambrequins. O decorativismo era evidente, sem calhas à
disposição, os lambrequins se justificavam, como pingadeiras, nas arestas
por onde as águas das chuvas fluíam, impedindo que a água escorresse
pelos beirais. Mas as posturas municipais passaram a exigir os lambrequins
em todas as abas visíveis a partir da rua. Os lambrequins resultaram em
uma das lendas curitibanas. O autor diz que de desconhecimento em
desconhecimento, acreditou-se que os lambrequins eram uma prova clara e
claríssima da influência germânica ou italiana, pois os construtores alemães
eram os mais ativos da cidade no final do século XIX. Mas como alemães
e italianos habitavam em outras partes do Brasil, onde os lambrequins
não eram tão triviais, a solução foi inventar genealogias que acabaram
ligando os lambrequins aos poloneses. Ora, se a maioria dos poloneses que
imigraram para o Brasil se estabeleceu na região de Curitiba, e como só em
Curitiba todas as casas de madeira foram decoradas com lambrequins, o
lambrequim só podia estar relacionado aos poloneses ou, pelo menos, esta
21
seria a “origem mais provável”, sem que outras hipóteses fossem formuladas.
E, assim, o modismo que se transformou numa imposição legal inexistente
em outras cidades brasileiras seria divulgado como uma particularidade
cultural da arquitetura de Curitiba, influenciada por um grupo étnico.
No meio rural, como não havia e não há exigências do Código Municipal
de Posturas, os moradores tinham livre arbítrio para construir a sua casa.
De acordo com Martins (1989, p. 277):
Cada colono, fora da área urbana, pode dar vazão aos seus
gostos, às suas capacidades particulares. A casa rural [...] é assim
produto do seu proprietário espontaneidade essa que sofreu a
influência de tradições ancestrais trazidas do país de origem, mas
que vieram a desenvolver-se num quadro inteiramente novo.
22
atuais moradores do faxinal iniciaram sua moradia na área em condições
semelhantes, ou seja, vivendo em modestas casas de madeira. Este fato dava
àquelas pessoas, naquele momento, um status social homogêneo.
Com o passar do tempo, entretanto, alguns fizeram melhorias em
suas casas, aumentaram o tamanho da casa, pintaram com melhores tintas,
etc. Outros simplesmente substituíram-nas por casas de alvenaria, “mais
modernas”, segundo eles, e “ é uma casa para sempre”. “As casas de madeira
apodrecem”. A vontade dos moradores com menor poder aquisitivo é ir
“devagarinho”, substituindo partes da casa de madeira por alvenaria. É
nesse processo de troca do material de construção da casa que as famílias
mostram aos demais moradores sua transformação e ascensão social.
A casa de madeira foi, no final do século XIX e XX, um marco da
homogeneidade da comunidade faxinalense. Todos os moradores tinham
uma casa, que, segundo os moradores mais idosos, eram bastante simples.
Esse fato os aproximava mais, porque todos moravam nas mesmas condições
e todos eram pobres. Hoje, disse-me uma moradora “todo mundo quer
desmanchar a casa de madeira, porque é feia, antiga”. Observamos que é
constante a preocupação dos faxinalenses em melhorar as condições da
casa, em especial, quando a família tem filhos trabalhando na cidade. Este
fato força as famílias a se adequarem aos padrões citadinos. O banheiro no
interior da casa é reflexo e resultado da vivência dos filhos nas cidades.
A diferença entre os moradores “bem de vida” e os “pobres”, pode
ser facilmente identificada, segundo a moradora. “A casa do rico é de muro,
bem pintada, janela de vidro”
O progresso aparece quando troca-se a madeira pelo tijolo, isto é
trocar a madeira que é um material (orgânico) de baixa durabilidade, para
um material (artificial) de longa vida.
Numa descrição bastante simplificada, a fachada da casa é o lado
principal e é onde está a entrada mais importante. A entrada do fundo ou
das laterais, sempre menos conservada, é de uso exclusivo dos moradores
ou pessoas próximas, parentes, amigos, vizinhos íntimos. Essas casas têm
outro detalhe muito interessante, a fachada sempre tem duas ou mais
janelas, além da porta que geralmente dá entrada para a sala de visita. A
fachada geralmente é a parte da casa que recebe melhores cuidados, pois
fica exposta, à “todos aqueles que chegam e que passam por aqui e por
isso a gente cuida”, disse-me uma entrevistada. A porta frontal tem, para
o morador rural, importantes funções: receber pessoas ilustres, religiosos
como o padre, freiras; servir para a saída da filha noiva, no dia de seu
23
3
casamento; facilitar em dia de velório a retirada do familiar falecido; para
receber a comunidade no natal com cânticos natalinos; no ano novo, para
acolher crianças que jogam sementes (trigo) desejando fartura para o ano
vindouro. Essas são algumas das funções enumeradas pelos entrevistados.
Algumas casas têm a cozinha dissociada do restante da casa,
inclusive, o que se notou durante a pesquisa de campo, é que cozinha não é
casa. Quando os moradores convidam para a casa, convidam para a sala de
visita, parte da habitação onde ficam a sala (de visita) e os quartos. Na parte
dissociada, como um apêndice da habitação, fica a cozinha.
O fato de morar numa casa de alvenaria proporciona um sentimento
de satisfação, demonstrado por uma moradora que construiu recentemente
a tão sonhada casa, no sistema casa pré-fabricada. Porém, nem todos os
moradores estão transformando suas casas. Encontramos moradores que
moram em casas de madeira construídas ainda pelos seus pais há mais de
50 anos e têm com elas uma nítida relação de afetividade e respeito, pois
segundo eles “aqui está o suor dos nossos familiares que já morreram”
Ao explicar a conquista material das casas de alvenaria, os moradores
apontam as fontes que contribuíram para tal: citam PRONAF (Programa
Nacional de Apoio à Agricultura Familiar), a cultura do fumo e a ajuda dos
filhos que trabalham na cidade.
Considerações finais
A descrição acima nos mostra que a casa é um dos objetos materiais
que situam o morador no ranking social de sua comunidade. É por meio da
casa que as pessoas manifestam suas conquistas pessoais e sociais.
O aspecto físico da casa é particularmente revelador de distinções
de seus moradores. A transformação da casa de madeira para alvenaria,
de pequena para maior, implica a transformação social dos faxinalenses.
Verifica-se que a casa não é apenas lócus de relações de parentesco, mas
também a expressão material de diferenciações sociais entre os moradores,
tais como progresso, prestígio social.
Observamos que a casa tem historicamente permitido uma
variedade de imagens e significados, seja ela um abrigo, espaço simbólico de
pertencimento social, de intimidade e segurança, além do prestígio social.
3
Em muitas localidades rurais, ainda realizam-se os velórios na sala da casa onde a pessoa falecida
residia. Vale registrar que nos velórios são servidos: café da manhã, almoço, para todos aqueles
que vêm despedir-se do falecido. Em respeito ao trabalho e a vida do ente falecido a família serve o
melhor alimento, não se importando com as despesas que ficarão.
24
A casa é um objeto sinalizador da renda familiar, ocupação e
escolarização. A pesquisa permitiu observar como o espaço residencial está
associada às relações sociais estabelecidas pela família.
Em se tratando de uma categoria analítica, a casa nos oferece pontos
de referência importantes, pois é manifestação material de concepções de
mundo tanto nas sociedades tradicionais como nas sociedades modernas.
Referências
BALHANA, A. P. Roteiro para estudo da Casa Rural no Sul do Brasil. In:
Boletim Paranaense de Geografia. nº 6 e 7. Maio de 1962.
25
Orientações teóricas sobre o tema “Centro das
cidades”
1
FERREIRA, Sandra Cristina
1
Docente do Departamento de Geografia da UNICENTRO-PR. Doutoranda pelo Programa de Pós
Graduação em Geografia – UNESP de Presidente Prudente-SP. e-mail: sheidecke@hotmail.com.
Introdução
As cidades, com suas diferentes constituições históricas, apresentam,
em comum, um espaço tido como tradicional ou principal, apontado por
alguns autores como o coração das urbes por ser, geralmente, o local de
origem do núcleo urbano e englobar valores históricos, econômico-social,
político e cultural.
A fim de contemplar os objetivos do artigo, que consistem em
apresentar orientações teóricas e metodológicas para pesquisas sobre a área
central das cidades, elegemos e apresentaremos algumas abordagens teóricas
importantes para a compreensão desse relevante tema no âmbito da Geografia
Urbana. Discutimos a temática a partir das reflexões embasadas por tais
referências. Para tanto, recorremos a estudos elaborados por autores clássicos
e contemporâneos, que se envolveram com a temática, tendo por análise
cidades norte-americanas e européias, mas, principalmente, brasileiras.
Metodologia
Para a análise do centro de uma cidade é fundamental entender a
dinâmica da estruturação urbana, os processos que refletem as mutações
pelas quais a urbe passa e sua diferenciação, conforme o potencial de
expansão do espaço urbano considerando que:
28
Considerando a importância que tal recorte temático e espacial
representa para a Geografia Urbana, seguiremos visando construir uma
base teórica com encaminhamento metodológico para o entendimento do
papel do centro na produção sócioespacial da cidade.
Uma das características apontadas por este autor, refere-se aos papéis
desempenhados, seja pela concentração de serviços, poder econômico de
gestão e conforme a complexidade de elementos que engloba, influenciando
no valor do solo conforme seu uso. Nesse sentido, as características comuns
do centro são, “[...] a acessibilidade, a elevada densidade de utilização do
solo, a escassa população residente, paralelamente à crescente concentração
de atividades comerciais [...]” (JOHNSON, 1974, p.107).
Diante das características descritas anteriormente, as atividades
comerciais são responsáveis pela elevação do fluxo de pessoas e automóveis,
assim como a densa verticalização residencial e comercial que tende a
concentrar oportunidades de empregos. Embora o processo de verticalização
brasileira seja tipicamente residencial, no que diz respeito ao comércio, é
29
concentrada em avenidas ou bairros das grandes metrópoles do país, sendo
que no caso das grandes e médias cidades, este fato prevalece nitidamente
na forma de residências (MENDES,1992).
Após a Segunda Guerra Mundial, modificações nos papéis urbanos
são notados, principalmente, na utilização dos meios de transporte. O
automóvel passou a ser utilizado também para realizar compras. Sobretudo
nas cidades norte-americanas, ocorreu a mudança da classe média e alta
para os subúrbios, assim como a proliferação de SC (Shopping Centers),
que passaram a fazer parte dos hábitos familiares dessa época, alteraram as
relações com a área central e no,
30
constituição varia conforme o processo histórico ao qual cada cidade foi
construída e sua realidade sócioeconômica, sendo que algumas apresentam
dispersão, ou seja, formação de muitos subcentros diminuindo, mas não
eliminam o valor do centro tradicional, enquanto que em outras se evidencia
a decadência das atividades centrais.
As diferenças consistem nas relações estabelecidas entre o homem
enquanto ser social e político e o espaço sobre o qual ele atua. Essa relação
intensifica-se perante a presença de alguns fatores como: o desenvolvimento
tecnológico, a alta produção e consumo de mercadorias, as divergências entre
classes sociais, a competição acirrada pelo poder. O fator locacional ganha
sentido, acirrando a disputa pelo controle sobre espaços privilegiados.
Alguns autores colocam o espaço urbano como palco de
transformações, mas, pode-se considerá-lo também, como ator, parte
da dinâmica regida pela aplicação de recursos, seja proveniente de
investimentos privados ou públicos. Neste sentido “[...] o centro se tornou
uma área de comércio especializado para a cidade e uma área de serviços
para região [...]” (VANCE apud VAZ 1991, p.12).
De um lado, as características da área central que marcam as grandes
cidades de países desenvolvidos, como Estados Unidos e Canadá são: “[...]
a marginalização dos pobres e a reestruturação das atividades centrais”
(LÉVY, 1985, p.12).
Por outro lado, o centro de países subdesenvolvidos, apresenta
características marcantes como a de,
31
Os estudos referentes ao centro devem preocupar-se também com
a articulação entre as partes que compõem a cidade, com a maneira que o
todo socioespacial influencia a dinâmica da área central.
32
Entretanto, observa-se que, diferentemente das grandes cidades
européias e norte americanas, residências no centro em cidades brasileiras
ainda são comum, sendo que tais áreas ainda concentram moradores por
diferentes razões e imóveis em diferentes valores e tipos. No centro, podem-
se encontrar imóveis em áreas valorizadas e outras degradadas com alta
periculosidade, principalmente no período noturno.
Antigos imóveis são freqüentemente objeto de renovação de seu uso, do
residencial a escritórios, consultórios, clínicas entre outros. Áreas deterioradas
também são destruídas, sendo em alguns casos o espaço utilizado como
estacionamentos, enquanto se aguarda o momento ideal para investir em
construção. O estacionamento no centro constitui-se um dos desafios para os
administradores públicos, devido à alta concentração de veículos.
Mesmo que muitos centros brasileiros verticalizados ainda tenham
as funções residencial, de comércio e serviços, em coexistência, há a
predominância das atividades econômicas, destacando-se que são devido a
elas que tal área atrai a população de modo geral. A área central apresenta-
se como o local de convergência de vias de acesso e maior concentração
de equipamentos urbanos para a prestação de serviços. Essa dinâmica de
distribuição espacial das atividades revela que,
33
Argumentando sobre a expansão e renovação de áreas no centro, deve-se
salientar, que o comércio não se resume a esse espaço. A ampliação do número
e extensão de avenidas e ruas, associado ao desenvolvimento dos transportes,
favorece a descentralização residencial acompanhada pela comercial, de
serviços e lazer, que se estabelecem em áreas afastadas do centro.
São alterações que intensificam as articulações entre os espaços
intraurbanos ativando o fluxo de pessoas, mercadorias, veículos e
informações, dando vida à cidade e:
34
Considerações finais
Um dos principais pontos favoráveis ao movimento de pessoas no
centro, deve-se à localização de terminais de transportes urbanos. Tal infra-
estrutura propicia a circulação de pessoas de diferentes classes sociais e poder
aquisitivo. Usufruem dos serviços, lazer e principalmente do comércio em geral,
constituindo o que CASTELLS (1975, p.7) denomina como variedade social na
área central, além, claro, da quantidade de pessoas que trabalham nessa área.
O caminhar pelo centro constitui-se em uma forma de lazer em
função da diversidade de mercadorias oferecidas e apreciadas, mesmo
que apenas visualmente. As lojas distribuídas, tornam-se atração, e “[...]
substituem o lazer ou viram lazer” (CARLOS 1993, p.80).
O centro acompanha a evolução urbana e está intimamente ligado à
dinâmica política, econômica e social da cidade,
35
Referências
CARLOS, A. F. A. A cidade. São Paulo: Contexto, 1993.
CASTELLS, M. O centro urbano. In: Problemas de investigação em
sociologia urbana.São Paulo: Martins Fontes, 1975.
CORRÊA, R. L. O Espaço Urbano. São Paulo: Ática S/A, 1989.
CORDEIRO, H. K. O centro da metrópole paulistana. São Paulo: USPI-
IG,1980.
FRÚGOLI, J. H. Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e
negociações na metrópole. São Paulo: Cortez: Editora da UNESP, 2000.
GOUVEA, S. R. Espaços reconstruídos: Mudanças de usos, Mudanças de
classes. Revista Geografia e Ensino. Belo Horizonte: 1 (2), Set. 1992.
JOHNSON, J. H. El centro de la ciudad. In: Geografia urbana. Barcelona:
OIKOS - TAU, 1974.
LÉVY, J. Centro da cidade: todas as direções.São Paulo: Terra Nova,1985.
MENDES, C. M. O Edifício no Jardim: Um plano destruído. A verticalização
de Maringá. Tese (Doutorado em Geografia) – USP, São Paulo, 1992.
SANTOS, M. Manual de geografia urbana. São Paulo: HUCITEC, 1981.
SINGER, P. O estudo do solo urbano na Economia Capitalista. In:
MARICATO, E.(org). Apropriação capitalista da casa (e da cidade) no
Brasil industrial. São Paulo: Alfa Omega, 1979.
SPOSITO, M. E. B. O centro e as formas de expressão da centralidade
urbana. IN: Revista Geografia, UNESP, nº10, São Paulo:1991.
______. A gestão do território e as diferentes escalas da centralidade urbana.
IN: Território 4, Rio de Janeiro, Laget/UFRJ/jan/jun.1998.
WHITACKER, A. M. A produção do espaço urbano em Presidente Prudente:
uma discussão sobre a centralidade urbana. Presidente Prudente. 1997.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – UNESP, Presidente Prudente,1997.
VAZ, Nelson P. O centro histórico de Florianópolis: espaço público do
ritual. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1991.
36
Roteiro básico e prático para elaboração de projeto
de pesquisa
1
TURRA NETO, Nécio
38
Estrutura comentada do projeto
Não há consensos, entre os estudiosos que elaboraram manuais
de pesquisa, sobre um modelo único de projeto. Há várias propostas de
formato, de estrutura, ainda que todas estejam voltadas a responder as
mesmas questões já apresentadas acima.
Além disso, quando for o caso de submeter o projeto a uma instituição
para receber avaliação, deve-se atentar para o fato de que, via de regra, toda
instituição tem seu modelo próprio de projeto de pesquisa, indicando,
inclusive, o número máximo de páginas.
O que apresentaremos a seguir é, então, apenas uma proposta possível
de modelo e é como tal que deve ser encarada.
Antes de chegar a construir a estrutura do projeto, contudo, alguns
procedimentos são fundamentais e anteriores: delimitação do tema,
construção do problema, estabelecimento dos objetivos, leitura bibliográfica,
estabelecimento dos materiais e métodos da coleta de dados, consideração do
tempo disponível para a pesquisa. A redação final do projeto deve conter todas
estas operações, e cada uma delas se refere a uma ou mais partes do projeto.
Somente depois de se construir mentalmente e por meio de anotações o
projeto é que se pode, enfim, partir para sua redação. Após redigido, o projeto
deve ser lido e relido, para que nesse processo ocorra a lapidação do texto.
Título
Como afirma Eco (2002, p. 82), “um bom título já é um projeto”.
Ele se constitui após a escolha do tema da pesquisa e é resultado de
uma delimitação deste, pois o tema é demasiado amplo, precisa ser mais
recortado. O tema envolve a questão “o que pesquisar?”. O título além desta
última, envolve já também as outras – “quando e onde?”.
Também Lakatos e Marconi (1989, p. 101), discutindo sobre a
apresentação da pesquisa, afirmam que “o título, acompanhado ou não por
um subtítulo, difere do tema. Enquanto este último sofre um processo de
delimitação e especificação, para torná-lo viável à realização da pesquisa, o
título sintetiza o conteúdo da mesma.” Por isso, o título é o último item a ser
definido. Porém, deve-se caminhar na construção do projeto com títulos
provisórios que vão sendo ultrapassados, readequados, lapidados, até se
chegar ao título definitivo.
39
Introdução
Todo trabalho, toda produção de texto, deve apresentar uma
introdução, ainda que ela não venha separada como um item específico
do trabalho. No caso de um projeto de pesquisa não poderia ser diferente.
Cabe saber, então, qual o seu papel num projeto.
A introdução visa apresentar a idéia da pesquisa ao leitor. Já nela o
pesquisador e a pesquisadora devem indicar o seu recorte de problemática –
o que, onde, quando – e apontar as motivações pessoais que os conduziram
a realizar este recorte na realidade. A introdução, portanto, apresenta o
objeto de estudo já delimitado e as razões desta delimitação.
Além disso, a introdução apresenta o projeto em si, como ele está
estruturado e o que o leitor e leitora podem esperar encontrar em cada
uma de suas partes. Por isso, ela é, em termos de redação, a última parte do
trabalho a ser escrita, ainda que apareça no início.
Problemática
Há um consenso entre as pessoas que escrevem manuais de pesquisa
de que a delimitação do problema é a parte mais importante e ao mesmo
tempo mais difícil na construção de um projeto de pesquisa.
Leal (2002, p. 230) assim conceitua problema de pesquisa:
40
Na linguagem de Eco (2002), é preciso definir qual será “o núcleo e
a periferia da tese”, o que requer que se conheça o material disponível. Por
isso, um passo importante e primeiro para a construção da problemática,
definido o tema e seus recortes, é a pesquisa bibliográfica.
Além da pesquisa bibliográfica, alguns/as autores/as vão argumentar
que faz parte desta etapa, também, uma investigação preliminar no campo,
na realidade, em busca de alguns dados que nos familiarizem com o
universo empírico da pesquisa. Esta fase da construção da problemática se
chama pesquisa exploratória (LEAL, 2002; PÁDUA, 1997; RUDIO, 1996).
Para Pádua (1997), o ponto de partida é uma situação problema
que o pesquisador e pesquisadora encontram na realidade. O processo
que conduz da situação problema ao problema de pesquisa passa pelo
levantamento de fatos e pela busca de explicações (teoria), ou seja, uma
pesquisa exploratória inicial.
Já Leal (2002) vai argumentar que um problema de pesquisa é
formulado a partir da mistura de conhecimentos e valores. O/a pesquisador/
a parte de uma percepção sua da realidade, sempre guiada pelos seus valores,
e lança-se em busca de informações sobre as questões que o/a inquietaram.
Como resultado, dispõe de um conjunto de conhecimentos, formado por
“fatos brutos” e “fatos construídos ou generalizações”, que são o que Pádua
(1997), acima, chamou de levantamento de fatos e busca de explicações. Os
primeiros – fatos brutos – são buscados num contato inicial com a realidade
que se quer estudar, com o campo, onde, por meio de conversas informais,
aplicação de algum questionário, levantamento de dados estatísticos,
construção de mapas, obtemos uma visão geral e inicial sobre o nosso recorte
espacial. Os “fatos construídos” são as explicações dadas por outros autores aos
processos e/ou fenômenos que estamos tentando estudar, o que nos remete à
biblioteca, ao levantamento bibliográfico, às leituras e aos fichamentos – uma
parte fundamental para identificarmos quais os conceitos mais trabalhados
para cercar o problema que estamos construindo, quais os autores mais
importantes, o que cada um diz e pensa. Este levantamento, só resumidamente
apresentado aqui para delinear o problema, deverá posteriormente ganhar
sistematização no item Referencial Teórico do projeto de pesquisa.
Enfim, na pesquisa exploratória investimos em duas direções: no
campo e na biblioteca. Ambos os caminhos nos produzirão informações e
conteúdos que serão articulados na construção da problemática.
Ainda sobre a pesquisa exploratória, Rudio (1996, p. 43) nos traz
uma importante contribuição para o entendimento da questão. Segundo
ele, os “estudos preliminares” têm o objetivo de equacionar o problema
41
“[...] fornecendo subsídios para a orientação da pesquisa ou identificando
obstáculos que evidenciam a inviabilidade do projeto”. E, mais adiante,
afirma que os esforços serão dirigidos em três direções importantes: a)
“conhecimento teórico”; b) “conhecimento prático”, obtido por meio de
observação e conversas informais; c) “adequação ao projeto dos elementos
selecionados”, ou seja, os elementos encontrados e selecionados nos plano
teórico e no plano prático devem ser avaliados e articulados para compor
o problema de pesquisa.
Em síntese, podemos dizer que os/as autores/as citados falam da
mesma situação, com terminologias diferenciadas. Todos/as reconhecem a
importância da pesquisa preliminar na construção do problema de pesquisa
– que não pode jamais ser confundido com a situação problema – e admitem
que ela se constitui de uma investida ao campo e outra à biblioteca.
Em termos de redação do item problemática no projeto de pesquisa,
este deve conter, de forma narrativa, o processo intelectual que conduziu o/a
autor/a do projeto à delimitação do tema e aos recortes que elaborou; uma
aproximação teórica do tema e uma aproximação empírica do recorte espacial
e temporal; além das principais questões que serão colocadas à realidade
definidas à luz da teoria e das informações preliminares do campo.
Objetivos
Os objetivos brotam da problemática. As questões colocadas à
realidade aparecem aqui na forma de intenções a serem perseguidas pelo
projeto. Não importa que aqui se repita o que já foi dito. O importante é
que se diga, em poucas palavras, qual o centro e a periferia da pesquisa. O
centro constitui o objetivo geral e a periferia, os objetivos específicos. Estes
últimos não podem estar dissociados do primeiro, mas devem ser mais
concretos, indicando pequenas respostas que devem conduzir à resposta
maior. Para Bastos e Keller (1996, p. 57), o objetivo geral deve conter “o que
pretende o pesquisador no desenvolvimento do assunto [...]” e os objetivos
específicos são uma “abertura do objetivo geral em outros menores, que
constituirão possíveis capítulos no decorrer da estruturação do trabalho”.
Por sua vez, Lakatos e Marconi (1989) assim definem objetivo geral
e objetivos específicos:
42
Objetivo geral
Objetivos específicos
Justificativa
A justificativa é a parte do projeto em que o/a pesquisador/a explica
por que o trabalho de pesquisa merece ser feito. Qual a sua intenção?
Quais contribuições a pesquisa pode trazer tanto para o debate teórico a
respeito do tema, quanto para o conhecimento da realidade, ampliando o
conhecimento do local sob o aspecto que se pretende enfocar.
43
Referencial teórico
Neste item, o pesquisador e a pesquisadora apresentam o resultado da
sua pesquisa bibliográfica preliminar, indicando ao leitor um conhecimento
sobre algumas referências bibliográficas e sobre os principais conceitos que
irão trabalhar na pesquisa, já num esforço de precisar suas definições.
Ela é fundamental num projeto para evidenciar que o pesquisador e a
pesquisadora já têm o mínimo de familiaridade com os debates e conceitos
chaves que giram em torno da temática selecionada.
Nesta etapa, o levantamento bibliográfico inicial, necessário para
construir o problema de pesquisa, deve ser mais vagarosamente sistematizado.
Metodologias
As metodologias respondem a questão “como?” (CORRÊA, s.d.).
Como proceder na pesquisa para atingir os objetivos esperados e responder,
de forma satisfatória, as questões levantadas na problemática?
Aqui o/a pesquisador/a evidencia sua inspiração epistemológica,
pois se refere ao melhor caminho para atingir o conhecimento da realidade.
Ainda que esta inspiração o informe em todo o processo de construção do
projeto, visto que tem relação com seus valores, com sua visão de mundo,
orienta-o no recorte da realidade e na construção das questões, é na
metodologia que ela ganha maior visibilidade.
A esta preocupação mais geral e abstrata soma-se outra de ordem
mais prática, que se refere às técnicas de coleta de dados. Estas são múltiplas
e variam de acordo com a posição epistemológica.
Pádua (1997, p. 50), no item “coleta de dados”, afirma que:
Os principais recursos técnicos que poderemos utilizar são:
- pesquisa bibliográfica
- pesquisa experimental
- pesquisa documental
- entrevistas
- questionários e formulários
- observação sistemática
- estudos de caso
- relatórios (de pesquisa, de estágio etc.)
44
A autora ainda argumenta que estes recursos não se excluem,
podendo aparecer articulados numa mesma pesquisa. Para ela, “a coleta
e o registro dos dados pertinentes ao assunto tratado é a fase decisiva da
pesquisa científica, a ser realizada com o máximo de rigor e empenho do
pesquisador” (PÁDUA, 1997, p. 50), por isso deve ser bem planejada e este
planejamento já deve aparecer no projeto.
Cronograma
O cronograma de pesquisa lida com o fator tempo. Apesar dele
aparecer quase no final do projeto, o tempo de que se dispõe para realizar
a pesquisa deve ser levado em consideração tanto no delineamento da
problemática, quanto no estabelecimento dos objetivos.
Ninguém vai propor um problema de pesquisa muito amplo, nem
objetivos muito ousados se dispor de apenas seis meses para realizar a
pesquisa. Donde se conclui que a abrangência da pesquisa depende do tempo
que se tem para executá-la. Questão de planejamento, questão de projeto.
45
Eco (2002, p. 16) estabelece alguns requisitos para uma pesquisa
que tem apenas seis meses para ser executada. Entre eles, aquele que mais
nos interessa para os fins desse artigo é o que se refere à circunscrição do
tema. Para que a pesquisa seja exeqüível dentro do prazo disponível, o
tema deve ser muito claro e objetivamente circunscrito. O que indica que a
preocupação com o tempo já deve aparecer na própria seleção do tema da
pesquisa e no estabelecimento dos recortes (espacial e temporal), o que, por
si só, também exige uma pesquisa preliminar.
Entrando agora na questão do cronograma em si, podemos perguntar:
Qual sua função no projeto e como deve ser construído?
Toda pesquisa é dividida em partes, cujas principais são, segundo
Pádua (1997): planejamento – projeto; coleta de dados; análise dos dados;
redação final.
Ainda que elas possam andar paralelamente, sobretudo as três últimas
– visto que o projeto antecede a todas e deve ser realizado em separado –,
ninguém vai analisar dados sem os coletar, muito menos redigir o texto
final do trabalho sem ter coletado e analisado os dados, feito a pesquisa
bibliográfica, as leituras e os fichamentos... Todas essas atividades podem e
devem aparecer de forma seqüencial no cronograma, de modo a prever o
tempo necessário para realizar cada uma delas.
Para Pádua (1997), o cronograma deve ser constantemente revisitado
para que o/a pesquisador/a possa avaliar o processo de desenvolvimento da
pesquisa: se está caminhando conforme o previsto; se houve atrasos em
uma etapa mais do que o esperado; se é necessário refazer os objetivos,
reestruturar a proposta... E isso é tão mais importante quando se admite
que “a disciplina intelectual que o trabalho de pesquisa exige faz com que o
pesquisador se organize para escalonar, no tempo disponível, as etapas do
processo e as tarefas que cada etapa comporta” (PÁDUA, 1997, p. 46).
Em termos de sua construção no projeto, ele deve aparecer em forma
de quadro/tabela, em que no eixo horizontal superior apareçam os meses
do ano e no eixo vertical esquerdo as atividades que serão realizadas do
início ao final da pesquisa. Veja o exemplo:
Mês/Atividades agosto setembro outubro novembro dezembro
Levantamento bibliográfico; seleção,
XXXX XXXX XX
leitura e fichamento do material
Coleta de dados no campo XX XXXX XX
46
Referências bibliográficas
Todas as referências bibliográficas utilizadas na construção do projeto,
e citadas nele, devem aparecer aqui referenciadas, em ordem alfabética pelo
sobrenome do autor; sejam elas artigos de revistas, matéria de jornal, livro
completo, artigo de livro, censos do IBGE, INCRA, IPARDES, ou mesmo
textos extraídos da internet.
Como exemplo, apresentamos na seqüência as referências
bibliográficas que utilizamos para a construção deste texto que você acaba
de ler. As referências que se seguem não estão aqui apenas para lhe fornecer
um exemplo de como elas são construídas, mas sim por uma obrigação
mesma de todo trabalho científico que lida com textos de outros autores.
Referências
BASTOS, C.; KELLER, V. Pesquisa científica. In: ______. Aprendendo a
aprender: introdução à metodologia científica. 8. ed. Petrópolis: Vozes,
1996. p. 54 – 65.
ECO, U. Plano de trabalho e fichamento. In: ______. Como se faz uma
tese. 17. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 81 – 112.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A.. Projeto e relatório de pesquisa. In:
______. Metodologia do trabalho científico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1987.
p. 99 – 135.
LEAL, E. J. M. Um desafio para o pesquisador. A formulação do problema
de pesquisa. Contraponto, Itajaí, ano 2, n. 5, p. 227-235, maio/ago. 2002.
PÁDUA, E. M. M. de. O processo de pesquisa. In: ______. Metodologia da
pesquisa: abordagem teórico-prática. Campinas: Papirus, 1997. p. 29 – 89.
(Coleção Práxis).
RUDIO, F. V. O projeto de pesquisa. In: ______. Introdução ao projeto de
pesquisa científica. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 43 – 54.
47
de raciocínio do/a autor/a, a sua seqüência de idéias. Tentar identificar seus
objetivos, seus principais conceitos e também suas principais referências
bibliográficas, ou seja, quais os autores/as sob os quais ele constrói seu
pensamento, quais os mais citados.
A partir de uma leitura assim, atenta, que busque estas informações
no texto, pode-se dizer que você realizou uma boa leitura do texto.
Esta leitura deve, imprescindivelmente, vir acompanhada de um
fichamento detalhado do texto, no qual se realize paráfrases honestas das idéias
do autor ou autora lidos e se realize citações dos trechos mais importantes,
que poderão, posteriormente, compor o texto final do trabalho de pesquisa.
Para tentar contribuir com uma boa leitura sugiro o seguinte roteiro:
Apresentação do autor
Ajuda a entender de que lugar o autor fala, quem é ele, quais suas temáticas
preferenciais de pesquisa e qual o nível do trabalho: se relatório, se fala numa
mesa redonda, se parte da tese de doutorado, mestrado, especialização etc.
Objetivos do texto
Geralmente, na introdução do artigo ou do livro, o/a autor/a apresenta
os motivos, as intenções que persegue ao redigir o texto que ora você lê. É
importante conhecer esta intencionalidade, pois ela ajudar a entender o por
que de o texto ser construído, suas potencialidades e limites, – limites pois
todo objetivo seleciona, opera um recorte no que poderia ser abordado,
mas não o foi, dados os objetivos.
48
Estrutura do texto
Qual a seqüência de idéia do texto. Geralmente, também apresentada
na introdução. Um texto é um conjunto coerente com começo, meio e fim,
organizado de acordo com objetivos definidos e para fundamentar uma
tese. Conhecidos os objetivos e as teses, não fica difícil acompanhar esta
seqüência, que é a linha de raciocínio do/a autor/a.
49
Resumo do texto, com paráfrases e citações dos trechos
mais importantes
Feito isso, pode-se dizer que você se apropriou da totalidade do
texto lido, que você o conhece no seu conjunto e que quando for se valer
de algum trecho dele, por paráfrase ou por citação, você saberá de qual
contexto você estará tirando aquela idéia. Só assim você poderá produzir
também um texto seu, coerente, articulando outros textos, que você
conhece em profundidade, fugindo do risco de construir um “Samba do
Crioulo Doido”.
PONTE PRETA, Stanislaw. Samba do crioulo doido. In: AUGRAS,
Monique. O Brasil do samba-enredo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1998. p. 219.
“Foi em Diamantina
onde nasceu JK
que a princesa Leopoldina
arresolveu se casá
Mas Chica da Silva
Tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa
A se casar com Tiradentes.
La la la la
O bode que deu vou te contar (bis)
Joaquim José
Que também é da Silva Xavier
Queria ser dono do mundo
E se elegeu Pedro Segundo.
Das estradas de Minas
Seguiu para São Paulo e falou com Anchieta
O vigário dos índios aliou-se a d. Pedro
E acabou com a falseta
50
Da união deles ficou resolvida a questão
E foi proclamada a escravidão (bis)
Assim se conta a história
Que é dos dois a maior glória
Dona Leopondina virou trem
Dom Pedro é uma estação também
Ôoooooo
O trem tá atrasado ou já passou.”
51
A divisão regional oficial: equívocos e confusões das
regionalizações no estado do Paraná
1
FAJARDO, Sérgio
Introdução
As divisões regionais oficiais permitem uma orientação geral para
definição de recortes espaciais com as mais diversas finalidades. No âmbito
governamental estas têm servido como base referencial do território para
o planejamento e aplicação de políticas públicas, bem como para formação
de conjunto de informações e dados estatísticos sobre o país.
Admitindo-se que é necessário esse parâmetro de recortes regionais,
é primordial o conhecimento das divisões regionais oficiais. Caso contrário,
a confusão e os equívocos na definição das regiões tendem a surgir como
elemento complicador das ações e do planejamento.
Continua
54
1977 Estado do Mato Grosso é dividido em dois: Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
55
natural. Isso é bastante nítido quando se observa atualmente a diferenciação
entre o Nordeste semi-árido, o Norte dominado pela floresta Amazônica ou
o sul de clima mais ameno. Os recortes, no entanto, respeitariam os limites
administrativos das unidades da federação.
Tendo como base as diferenças naturais, essa primeira divisão regional
reflete muito mais que uma tradição geográfica naturalista. Para Castro (1994),
havia entre os brasileiros uma incapacidade de se perceber, à época, diferenças
que não sejam paisagísticas, pois isso significaria abalar o mito consagrado da
unidade territorial. A necessidade de se prevalecer um sentimento de unidade
territorial era base para unidade política e para o nacionalismo.
O fator natural foi também empregado para dividir as regiões em sub-
regiões (espaços mesorregionais). No caso dos espaços microrregionais,
a criação das regiões denominadas “zonas fisiográficas” utilizou como
critérios, aspectos históricos e sócio econômicos. Essas zonas representavam
um nível hierárquico inferior.
3
De acordo com Geiger (1970), o maior problema ao conceber
unidades espaciais econômicas menores, determinadas por unidades
físicas maiores, estava no fato de que essa antiga divisão regional freou a
compreensão dos amplos mecanismos econômicos e sociais que integram
as diversas partes do território nacional num sistema nacional.
Em 1968, é apresentada pelo IBGE uma nova divisão regional do
Brasil. Foram criadas as então denominadas microrregiões homogêneas,
como agregados espaciais do território nacional. O Brasil contava com
22 Estados, 4 Territórios e o Distrito Federal, além de 361 microrregiões
homogêneas que retratavam a realidade sócio-econômica da época,
utilizando informações dos censos de 1960 e estatísticas da produção
agrícola e industrial de 1965 (IBGE, 1989). E, a partir do Censo de 1970,
as estatísticas censitárias começam a ser divulgadas pelas microrregiões
homogêneas, que substituíram as zonas fisiográficas.
Foram individualizadas áreas que se identificam por certa forma
de combinação dos elementos geográficos sempre dentro de
determinado nível de generalização. O País foi dividido em unidades
homogêneas que passaram a ser denominadas Microrregiões
3
Pedro Pinchas Geiger foi um dos geógrafos responsáveis no então IBG, Instituto Brasileiro de Geografia,
pela realização da divisão regional do Brasil no final dos anos 1960. Em seu texto original, apresentado
na I Conferência Nacional de Geografia e Cartografia, realizada no Rio de Janeiro em setembro de
1968, o autor faz argumentações que demonstram o problema da desatualização da então divisão
regional do Brasil. Ele propõe ainda que a divisão ideal para os macro-espaços brasileiros seria a partir
do reconhecimento dos três blocos geoeconômicos: Amazônia, Nordeste e Centro-Sul, o que na prática
nunca ocorreu oficialmente, ficando restrita às análises econômicas do território.
56
Homogêneas. A finalidade dessa divisão regional é servir de base
para a tabulação dos dados estatísticos, em substituição às antigas
Zonas Fisiográficas. Se bem que fatores de ordem econômica
não tivessem sido omitidos, a delimitação das zonas foi baseada
fundamentalmente em critérios de natureza fisiográfica e de posição
geográfica (AMERICANO et al., 1976, p. 172).
4
Somente em 1977 é criado o nível intermediário denominado
mesorregião. O agrupamento das microrregiões homogêneas resultou
nas mesorregiões homogêneas. Essa divisão só se altera em meados dos
anos 1980 com a divisão do Estado do Mato Grosso que representou uma
reorganização das meso e microrregiões homogêneas nesses Estados.
A revisão completa dessa divisão regional ocorre em 1989. O IBGE
justificava as mudanças apontando as inúmeras transformações verificadas
na organização sócio-econômica do país. A reorientação da estrutura
produtiva do território nacional deixava a divisão regional de 1968
desatualizada e anacrônica em relação às atuais formas de organização do
espaço, não correspondendo com a realidade brasileira (IBGE, 1989).
Os critérios para identificação das microrregiões, denominadas
“geográficas” a partir de então, incluíam os parâmetros: processo social
(determinante); quadro natural (condicionante); e rede de comunicação e de
lugares (articulação). Vale ressaltar que a idéia de uma região que considera
elementos do planejamento e aspectos da articulação são encontrados,
por exemplo, nas regiões polarizadas, que no Brasil tem como exemplo as
regiões metropolitanas criadas na década de 1970 (ANDRADE, 1976).
Resultado dessa atualização foi uma readequação de muitas das
meso e microrregiões às novas realidades. Por exemplo: um município foi
incorporado a uma determinada mesorregião em razão da similaridade e
homogeneidade pelo predomínio de certo tipo de produção agrícola, mas
com o desenvolvimento da estrutura produtiva essa identificação não fazia
mais nenhum sentido. Uma série de variáveis estatísticas relativas à produção
agropecuária e industrial, serviços, trabalho e população foram utilizadas
na definição das micro e mesorregiões geográficas (IBGE, 1989).
Além dessa regionalização oficial, há a identificação de espaços
regionais, historicamente construídos e definidos no território. Retomando
a idéia de Geiger (1970), Corrêa (1997) reconhece a existência de uma nova
organização regional do espaço brasileiro resultante de processos sociais e
econômicos, que divide o país em três grandes regiões: Centro-Sul, Nordeste
4
Outro fato relevante foi a institucionalização pelo IBGE das regiões metropolitanas em 1974, com
a divisão regional do Brasil em regiões funcionais urbanas (AMERICANO et al., 1976).
57
e Amazônia. No entanto essa divisão, na prática, é utilizada para fins de
planejamento, como por exemplo, quando define áreas de abrangência
de órgãos, instituições e superintendências de desenvolvimento (casos da
SUDAM e SUDENE). Além disso, essa divisão tem demonstrado ser uma
das mais analisadas caracterizações sócio-espaciais do país.
58
Figura 2 - Divisão administrativa do estado do Paraná em 1950
59
Figura 3 - Mesorregiões geográficas do estado do Paraná
6
Se antes de 1941, ou seja, da primeira divisão regional oficial do IBGE, Guarapuava por muito
tempo constituía um dos poucos municípios nas partes central e oeste do Paraná, quando da
regionalização essa realidade estava modificada. Conclui-se que oficialmente, pelas divisões
60
vigorou até 1968, a zona fisiográfica onde estava localizada Guarapuava já
separava esse município de qualquer vínculo com Oeste ou Centro-Oeste
e isso permaneceu entre 1968 e 1989 quando a microrregião homogênea
de Guarapuava, denominada “Campos de Guarapuava” substituiu a zona
fisiográfica. Na regionalização oficial, a única região que pode ser chamada
de “Centro-Oeste” seria a mesorregião Centro-Ocidental que tem como
município mais importante Campo Mourão. No caso de Irati a confusão
é mais atual. O município pertence à Mesorregião Geográfica Sudeste
Paranaense, e por vezes sua localização é confundida, pela proximidade,
como integrante do Centro-Sul (que abrange Guarapuava e Palmas).
Obviamente, empresas e instituições públicas e privadas possuem suas
próprias regionalizações. Entretanto, as mesmas não podem servir de parâmetro
geral. O que se propõe é o reconhecimento das corretas divisões oficiais para
evitar equívocos nas pesquisas de âmbito acadêmico. Quando a universidade
se apóia num engano, por desconhecimento ou falta de informações, tende a
propagar esse mesmo equívoco. As instituições públicas servem como referência
na sociedade e nada mais do que justo que estejam muito bem embasadas.
Considerações finais
A divisão regional constitui um importante mecanismo da administração
e do planejamento público. Considerando a diversidade de regionalizações
praticadas individualmente por iniciativa pública ou privada, faz-se necessário
reconhecer um parâmetro geral de divisão regional que oriente e identifique
os estudos e pesquisas, bem como para as políticas públicas. Cabe, portanto, à
regionalização oficial organizada e atualizada pelo IBGE esse papel.
O geógrafo tem como uma de suas atribuições legais a regionalização, e
desempenha isso nas instituições em que exerce suas atividades, como IBGE,
IPARDES, prefeituras, universidades, etc. Também um dos papéis da Geografia
no meio acadêmico é de orientar, segundo as contribuições especificamente
geográficas, para uma melhor compreensão espacial do território. Nesse
sentido a vocação regional da Geografia começa na identificação e delimitação
da própria região onde se insere. Como a divisão regional oficial tem um caráter
fixo por se constituir um quadro rígido, como lembram Silva e Linhares (1995),
o maior problema está na necessidade de atualização já que os critérios com os
regionais do IBGE, Guarapuava jamais pertenceu a uma região Centro-Oeste, a não ser enquanto
unidade municipal que abrangia mais da metade do território estadual muito antes da criação
do IBGE. Ou seja: esse município nunca pertenceu a alguma região Centro-Oeste, mas a posição
geográfica de sua área englobava o centro e o oeste do Paraná (Figura 1).
61
quais a Geografia trabalha são dinâmicos. O questionamento acadêmico dos
recortes regionais ou a proposição de reavaliação dos mesmos devem, então,
ser embasados no conhecimento das divisões regionais, seus critérios e usos.
Referências
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Revista Biblioteconomia, Brasília, v. 4, n. 1, jan./jun. 1976.
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ESTATÍSTICA. Boletim de serviço: 1763 (suplemento). Rio de Janeiro, jul.
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default_div_int.shtm > . Acesso em: 19 abr.2008.
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62
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Boletim de Geografia Teorética, Rio Claro v. 10, n. 20, p. 5-32, 1980.
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e das transformações na paisagem regional no território paranaense.
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GEIGER, Pedro Pinchas. Divisão regional e problema regional. Rio de
Janeiro: IBGE, 1970.
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LIMA, Maria Helena Palmer (org.). Divisão territorial brasileira. Rio de
Janeiro: IBGE, 2002.
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PADIS, Pedro Calil. Formação de uma economia periférica:o caso do
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PATTISON, William. As quatro tradições da geografia. Boletim Carioca
de Geografia, v. 1, Rio de Janeiro, 1976.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira; LINHARES, Maria Yedda L. Região e história
agrária. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.8, n.15, 1995, p. 17-26.
63
Anexo
Cartograma: Brasil - Evolução das unidades político-adminstrativas - divisão
regional
64
65
Boa Ventura de São Roque no contexto da
microrregião de Pitanga-PR
1
BINDA, Andrey Luis
2
SCHMIDT, Lisandro Pezzi
Introdução
A preocupação com o desenvolvimento local tem assumido grande
importância no debate acadêmico nos últimos anos e tem direcionado
o conhecimento e avanço nas propostas de intervenção por parte das
políticas públicas.
Constata-se que, a despeito do imenso progresso e avanço
tecnológico alcançados pela humanidade nos últimos cem anos, o modelo
de desenvolvimento adotado gerou também ampliação da desigualdade na
distribuição de bens e serviços e nas condições de vida da população, além
de profunda degradação ambiental (NAHAS, 2005).
1
Licenciado e Bacharel em Geografia pela Universidade Estadual do Centro Oeste-UNICENTRO
– Guarapuava-PR. Discente do Programa de Pós-Graduação em Geografia – Nível Mestrado – da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE – Fco. Beltrão-PR. Bolsista da DS da
CAPES, e-mail: andrey_geobass@hotmail.com.
2
Docente do Departamento de Geografia da UNICENTRO. Doutorando em Geografia pela
Universidade Federal de Santa Catarina, e-mail: lpezzi@bol.com.br.
O presente trabalho constitui resultados parciais de um levantamento
físico e social realizado no ano de 2007 nos municípios que compreendem a
microrregião de Pitanga. Nesse caso, a interpretação dos dados apresentados
tem como foco o município de Boa Ventura de São Roque, considerando o
conjunto de condições físicas e sociais e pelas demais características levadas
em efeito para análise.
O texto apresenta algumas características da microrregião de
Pitanga, seguido da caracterização física, econômica e social do município
de Boa Ventura de São Roque e, em seguida, o contexto desse município na
microrregião de Pitanga.
Materiais e métodos
A seleção dos indicadores foram orientados para a busca de uma
caracterização física e social dos municípios da microrregião de Pitanga.
Para a realização da pesquisa, buscou-se compilar diferentes dados de
natureza secundária, tais como: Índice de Desenvolvimento Humano, Grau
de Urbanização, Produção Agrícola, Atividades Econômicas, entre outros;
disponíveis pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e
Social (IPARDES) e também dados a respeito das características físicas do
município (bases cartográficas e mapas temáticos - IPARDES).
Para alcançar o objetivo, realizou-se os seguintes procedimentos:
- reunião de dados secundários e revisão bibliográfica
- trabalho em gabinete e laboratório: após a compilação e
classificação dos dados mais relevantes à pesquisa, elaborou-se
gráficos e quadros. Além disso, foram elaborados mapas temáticos
através da utilização do software SPRING.
- trabalho de Campo: a partir dos dados levantados nas duas
primeiras etapas, realizou-se um trabalho de campo no município
de Boa Ventura de São Roque, no sentido de realizar verificações in
loco e a aplicação de entrevistas com representantes das Secretarias
da Agricultura e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal.
68
Resultados e discussões
A microrregião de Pitanga
A microrregião de Pitanga está localizada no extremo norte da
mesorregião Centro-Sul paranaense (Figura 1). É composta por seis municípios
(Pitanga, Palmital, Santa Maria do Oeste, Boa Ventura de São Roque, Laranjal
e Mato Rico) que juntos perfazem uma área territorial de aproximadamente
4904,634 km2. A configuração territorial da microrregião de Pitanga é
relativamente recente, visto que os municípios que a compreendem são em sua
maioria (com exceção de Pitanga e Palmital) de instalação recente (menos de
15 anos), desmembrando-se, sobretudo, na década de 90 (IPARDES, 2007).
Figura 1- Localização do município de Boa Ventura de São Roque-PR
69
conforme trabalho realizado pelo IPARDES (2000) onde foram realizadas
projeções referentes às populações até o ano de 2010, percebe-se nitidamente
o processo de esvaziamento populacional da microrregião.
Considerando a população por zona de residência, nota-se para a
microrregião de Pitanga um quadro predominantemente rural, exceção feita
ao município de Pitanga onde é possível perceber um grau de urbanização
de 51,14%. O município de Palmital pode ser considerado a caminho da
urbanização visto seu grau de urbanização de 42,28%. Os demais municípios
apresentam um grau de urbanização entre 14,50 a 23,28% (IPARDES, 2007).
No que se refere aos Índices de Desenvolvimento Humano dos
municípios (IDH-M) que compõem a microrregião de Pitanga, os valores
variam de 0,640 (Mato Rico) a 0,743 (Pitanga). Fato interessante ocorre
comparando os municípios da microrregião com a classificação paranaense
de IDH-M. Fica evidente que se trata de uma área com baixíssimos IDH-M,
visto que quatro de seus municípios estão entre os quinze mais baixos IDH-
M do Paraná (Palmital 387°, Santa Maria do Oeste 392°; Laranjal 394° e Mato
Rico 397°) e mesmo considerando-se os demais municípios (Boa Ventura de
São Roque 301° e Pitanga 186°), percebe-se que a microrregião encontra-se
entre as mais carentes do Estado (IPARDES, 2003b).
Quanto à economia da microrregião de Pitanga, pode-se afirmar,
pautado nas tabulações realizadas com os dados do IPARDES (2007), que o
setor primário é a base econômica da microrregião. Assim, a agricultura e a
pecuária despontam como as principais atividades realizadas na microrregião .
70
planalto paranaense, mais especificamente no bloco planáltico de Campo
Mourão (MAACK, 2002). Os principais rios que drenam a área territorial
do município de Boa Ventura de São Roque, são: Rio Marrequinha, Rio
Bonito, Rio Pedrinho, Rio do Corvo, Rio Carazinho, Rio do Tigre, Rio das
Antas, entre outros.
Observa-se que a maioria dos rios acima mencionados nascem no
extremo sul do município correndo no sentido sudoeste-nordeste em direção
à calha do Rio Ivaí, o principal rio da região, exceção feita a alguns rios, tais
como: Rio Araguaí, Arroio Corrente e Arroio Buriti, que nascem no reverso
dos divisores d’água do rio Ivaí e correm em direção ao Rio Piquiri.
A altitude do município de Boa Ventura de São Roque varia
aproximadamente entre 440 a 1140 m, ou seja, com uma amplitude altimétrica
de cerca de 700 m, porém cerca de 61,03% de suas terras situam-se entre
altitudes que vão de 860 a 1040 m. Cotas altimétricas abaixo dessas ocorrem
em 33,32% e superiores ocorrem em apenas 5,65%. A Figura 2 espacializa as
classes hipsométricas para o município de Boa Ventura de São Roque.
71
médias de 0 a 20%, e a outra referente à metade norte com declividades
superiores a 20% exceto nos topos planos dos morros. A figura 3 mostra de
maneira geral a espacialização das principais classes de declividade.
72
Boa Ventura de São Roque tem uma população total de 6780 pessoas, que
representa uma densidade demográfica de 10,91 habitantes por Km2. No
entanto, estas pessoas estão distribuídas desigualmente no município, pois
apenas 1080 pessoas têm suas residências na zona urbana, sendo que as
demais 5700 pessoas residem na zona rural. Este fato demonstra um grau
de urbanização municipal na faixa de 15,92%.
No que tange à distribuição da população por faixa etária, nota-se
um grande percentual de crianças e adolescentes com idades entre 0 a 19
anos, que correspondem a cerca de 46,49% da população total. Em relação
à população por sexo, há 3536 homens (52,15%) e 3244 mulheres (47,85%)
(IPARDES, 2007). O gráfico 1 mostra a população por faixa etária e sexo
para o município de Boa Ventura de São Roque.
73
Segundo dados do Censo Demográfico de 2000 (IPARDES, 2007), acerca
das atividades econômicas desenvolvidas pela população do município,
aproximadamente 69% das pessoas estão ligadas a atividades relacionadas
à agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e pesca, ao passo
que atividades urbanas, tais como comércio, restringem-se a 4%.
A agricultura do município de Boa Ventura de São Roque é baseada na
pequena propriedade e pautada principalmente no trabalho familiar. Segundo
Pereira (2003), a área média das propriedades é de aproximadamente 20 ha.
Dentre os principais produtos agrícolas elaborados nas pequenas propriedades
estão o milho, soja e feijão; dentre os principais produtos de origem animal
está o leite e a seda (Secretaria da Agricultura Municipal, 2007).
Em relação aos principais produtos agrícolas produzidos no
município de Boa Ventura de São Roque, conforme os dados do IBGE da
Produção Agrícola Municipal (2005), merecem destaque a soja com 44%
da produção total, o milho com 43% e a cevada com 4%, sendo que os
demais produtos juntos somam apenas 9%.
No que tange à pecuária, os principais rebanhos do município são
os de bovinos e suínos, com 28.881 e 19.368 cabeças respectivamente. A
produção de galináceos também merece destaque com um número de
aproximadamente 42.000 animais (IPARDES, 2007).
O município de Boa Ventura de São Roque apresenta um IDH-M
segundo dados do IPARDES (2003b) de 0,711 que o coloca na 301° colocação
na classificação paranaense e segundo na classificação da microrregião,
ficando somente atrás do município de Pitanga com um IDH-M de 0,743.
Porém, há de se evidenciar que mesmo se tratando de um município
pequeno, Boa Ventura de São Roque sofre com problemas semelhantes de
cidades médias e grandes.
Os dados do IPARDES (2003) sobre as taxas de pobreza por município
paranaense trazem informações significativas para Boa Ventura de São
Roque. Em tal estudo, o IPARDES considera como famílias pobres aquelas
cuja renda per capita é de até ½ salário mínimo. Estes dados evidenciam
para o município um número de 800 famílias pobres distribuídas em 1991
na zona urbana e 709 na zona rural, que corresponde a uma taxa de pobreza
que atinge cerca 47,33% da população.
Embora não se possa falar em favelização na sede urbana do
município, já é possível verificar a formação de área carente, como a Vila
Gloeden. Segundo informações obtidas com a Prefeitura Municipal de Boa
Ventura de São Roque (2007), as pessoas que ocupam esse bairro, provêm
da zona rural, que, na ilusão de uma vida mais próspera, venderam suas
74
pequenas propriedades e se estabeleceram na cidade, onde desenvolvem
serviços sem muita qualificação.
75
ficando somente atrás do município de Pitanga que desponta com mais de
50% nessas culturas.
76
Considerações finais
O município de Boa Ventura de São Roque, embora seja de instalação
recente, tem bons resultados nos setores de economia e bem estar social.
Isto se reflete na importante participação do município na agricultura e
pecuária da microrregião.
No entanto, a microrregião de Pitanga carece de políticas em conjunto,
que promovam o desenvolvimento desta parcela do estado do Paraná, que conta
com os mais baixos IDH-M. Além de pensar no desenvolvimento municipal, é
de suma importância que os municípios que compõem a microrregião invistam
em políticas públicas para o desenvolvimento microrregião.
Isto é fundamental, principalmente no presente momento de
implementação dos Planos Diretores, e é nesse viés que espera-se que este
trabalho venha a contribuir, no sentido de evidenciar as potencialidades, mas
também de ressaltar as dificuldades encontradas, afim de que estas possam ser
melhor entendidas e que se busquem alternativas para o seu desenvolvimento.
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estatistica/populacao/censo2000/universo.php?tipo=31&paginaatual=1&
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77
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Santa Maria do Oeste, Laranjal, Mato Rico, Palmital), 2007.
MAACK, R. Geografia física do estado do Paraná. 3. ed. Curitiba:
Imprensa Oficial, 2002.
NAHAS, Maria Inês Pedrosa. Indicadores intra-urbanos como instrumentos
de gestão da qualidade de vida urbana em grandes cidades: discussão
teórico-metodológica. Curitiba: Ipardes, 2005 (Texto para discussão).
PEREIRA, A.C. Desenvolvendo ecoturismo rural em Boa Ventura de São
Roque. Campo Mourão: MR Gráfica e Editora, 2003.
78
Estudo geo-histórico de Mamborê-PR
1
CUNHA, Márcia Cristina da
Resumo: Este trabalho faz parte de um projeto maior cujo tema é “Cidades
pequenas, mapeamento urbano, histórico e cultural”, e trata da microrregião de
Campo Mourão. Nele, foram estudadas as pequenas cidades com a finalidade
de mapear suas características físico-ambientais e sócio-culturais, além de sua
história. No caso específico desta pesquisa, observamos que se trata do município
de Mamborê, para o qual voltamos nossa atenção no processo investigativo. O
presente trabalho trata de um estudo a respeito de espacialidades urbanas e que,
neste caso, em particular, trata da cidade de Mamborê, a qual pertence à região
da COMCAM (Comunidade dos municípios da região de Campo Mourão).
Os passos da pesquisa estão direcionados primeiramente para o levantamento
da história e do planejamento urbano, para posteriormente se investigar a
cultura Mamboreense. Esta pesquisa se propõe estudar uma pequena cidade,
Mamborê, a que pertence à microrregião de Campo Mourão com o intuito de
obter informações destacando seus aspectos geo-históricos. Foram analisados
diversos fatores, desde a ocupação até os dias atuais, as mudanças ocorridas
e o crescimento urbano. O Município de Mamborê localiza-se na região
Centro Oeste do Estado do Paraná 750 metros acima do nível do mar. Situa-
se a 24º17’30” de latitude e a 52º31’36” de longitude. Com uma superfície de
798,6Km2, Mamborê corresponde a 0,4% da área do Estado. Sua população,
no ano de 2000, era de 15.287 habitantes, sendo 8.033 na área urbana e 7254
na área rural. Limita-se, ao norte com Campo Mourão e Farol, ao Sul com
Nova Cantu e Campina da Lagoa, ao leste com Luiziana e ao oeste com Boa
Esperança e Juranda. Mamborê está localizado na região Centro-Oeste do
Estado do Paraná. Sua história começou por volta de 1918 com a procura de
erva-mate. Surgiram então Companhias Exportadoras de erva-mate e com elas
os acampamentos de Lupaí, Memória, Bocaí, Central Santa Cruz, Porto Piquiri
e Natividades, compostos por paraguaios e argentinos. Foi a Companhia
paraguaia Alica que formou o acampamento chamado de Hamam-amburê.
Hamam, na língua tupi-guarani significa Local Distante e Amburrê: Reunião
de pessoas. Simplificado com o tempo, o nome então: Mamburê
Palavras-chave: cidade; projeto urbano; território.
1
Geógrafa. Professora e pesquisadora do Departamento de Geografia da UNICENTRO.
Introdução
O espaço urbano estudado é caracterizado por uma dinâmica que
pode ser modificada ou transformada com o passar do tempo. Mas apesar
das várias transformações que possam vir a ocorrer, uma pequena cidade,
no caso, Mamborê (vide mapa 1), terá sempre seu encanto, assim como
tantas outras cidades, sejam elas pequenas, médias ou grandes. Com essa
perspectiva, as cidades muitas vezes têm seu sentido de acordo com os
olhos que a observam; Marco Pólo, em Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino
descreve a Kublai, a cidade Ândria,
Segundo ele:
Ândria foi construída com tal arte que cada um de suas ruas
segue a órbita de um planeta e os edifícios e os lugares públicos
repetem a ordem das constelações e a localização do astro mais
luminoso: Antares, Alpheratz, Capela, Ceifeidas. O calendário da
cidade é regulado de modo que trabalhos e ofícios e cerimonias se
disponham num mapa que corresponde ao firmamento daquela
2
data: assim os dias da terra e as noites nos céus se espelham .
2
CALVINO, Ítalo. As cidades Invisíveis. Trad. Diogo Mainardi, São Paulo: Companhia das Letras,
1990, p.52.
80
O município de Mamborê foi caracterizado pela exploração da erva-
mate, isso o torna importante para a região, sendo este um dos principais
fatores que contribuíram para o início da exploração do município. Muitos
são os objetivos que levam à ocupação de um município fazendo com que
cresça o número de seus habitantes.
No caso de Mamborê, a exploração da erva-mate e da madeira
trouxe aos moradores a oportunidade da formação de um município que,
aos poucos, foi se desenvolvendo. Essa exploração foi importante para o
município, permitindo assim o início de sua formação.
Cada aspecto geo-histórico a ser estudado merece uma atenção minuciosa,
sendo estes os pontos primordiais da pesquisa, trazendo informações concretas
e objetivas com relação ao município. Vale lembrar que a sociedade tem uma
participação ativa no desenvolvimento de um município, portanto, é de suma
importância inter-relacionar sua atuação ao longo da história no município de
Mamborê, bem como o crescimento urbano. Dessa forma, alguns objetivos se
fizeram necessários para o desenvolvimento do trabalho, tais como: Investigar o
processo de ocupação e organização que se processou até o presente momento.
Procurar identificar o tipo de planejamento urbano, identificar a área urbana,
seus bairros, jardins, vilas, conjuntos, levantar informações com relação aos
aspectos geo-histórico, e averiguar os tipos de festejos que fazem parte da
cultura Mamboreense e sua relativa importância.
Figura 1 - Microrregião de Campo Mourão
81
Metodologia
Nessa pesquisa, o método aplicado foi o método investigativo, com
leituras em obras como Carlo Ginzburg, mais especificamente sua obra “Mitos,
Emblemas, Sinais”, As cidades invisíveis de Ítalo Calvino, fazendo-se necessárias
ainda leituras em várias outras obras, como “A Imagem da Cidade” de Kevin
Lynch e outros. Foi realizado o levantamento fotográfico do município:
ruas, comércio, escolas, lugares, também referentes ao passado e entrevista
com os moradores mais antigos. Visita à prefeitura no setor da Secretaria de
Planejamento Urbano, Cultura e outros que se fizeram necessários. Foram
3 4
feitos levantamentos junto ao IBGE para verificar o IDH da população.
Cada passo da pesquisa foi previamente traçado, com leituras, para
obter um maior conhecimento sobre a cidade, depois visita à prefeitura
para obter a carta do município e planta da área urbana. Consulta à fonte
de Vilson Olipa que fala sobre a História de Mamborê mereceu uma
investigação mais minuciosa. Na seqüência, foram feitas as entrevistas com
os moradores mais antigos do município para investigar o tipo de ocupação.
O planejamento urbano do município foi pesquisado junto à prefeitura,
assim como as manifestações culturais, e também uma pesquisa de campo
nas localidades de maior tradição do município com relação as suas etnias,
com o objetivo de verificar sua importância para a população.
Discussões e resultados
A cidade pode ser verificada pela sua estrutura, número de habitantes,
cultura, enfim. Alguns só consideram cidade aquela que possui certo
número significativo de habitantes, mas mesmo quem mora em uma cidade
pequena, considera o lugar onde mora como sendo uma cidade. E assim se
torna muito relativo o conceito de cidade, sendo um simples aglomerado
de pessoas ou milhares de habitantes em um determinado lugar.
Muitas vezes as cidades são formadas sem planejamento prévio,
crescendo de forma desordenada e imprevista, dando novas formas à cidade
pré-existente que aos poucos se renova. Uma cidade pode ser caracterizada
pela sua história, vias, indústrias, turismo, forma, ou seja, ao se estruturar
vão adquirindo formas e características ao longo do tempo que podem ou
não desaparecer. Nesse sentido, a iniciativa de Vilson Olipa de publicar
3
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
4
IDH: Índice de Desenvolvimento Humano.
82
o livro a História de Mamborê trouxe aos habitantes do município a
oportunidade de compreender melhor a História do lugar onde moram.
Através de sua fonte percebemos a trajetória percorrida pelo município
de Mamborê, desde a sua fundação até os dias atuais. As terras onde se localiza
o atual município de Mamborê já foram território espanhol. Na época em que
vigorava o tratado de Tordesilhas (Século XVII e XVIII), somente a parte Leste
do estado do Paraná pertencia aos portugueses, mas as primeiras intervenções
de exploradores na região só aconteceram por volta de 1918. Vale lembrar que
é um caminho bastante famoso no estado do Paraná e tem sua importância
também para o município de Mamborê, segundo Vilson Olipa:
5
OLIPA, Vilson. História de Mamborê: [s.e], 1998:10.
83
indicado-os com gestos, saltos, gritos de maravilha ou de horror,
6
ou imitando o latido do chacal e o apoio do macho .
6
CALVINO, Ítalo. As cidades Invisíveis. Trad. Diogo Mainardi, São Paulo: companhia das Letras,
1990:41.
7
Kevin Lynch faz um estudo examinado a qualidade visual da cidade estadunidense por meio de
estudo da imagem mental que dela fizeram seus habitantes, concentra-se na clareza ou legibilidade
dada aparente da cidade. Dessa forma pretende indicar a facilidade com que as partes da cidade
podem ser reconhecidas de forma legível, onde seus bairros, vias ou marcas, sejam facilmente
reconhecíveis e organizados. LYNCHE, Kevin. A Imagem da Cidade. Trad. Jefferson Luis Camargo.
São Paulo: MARTINS Fontes, 1997:227.
84
metros acima do nível do mar. Situa-se a 24º17’30” de latitude e a 52º31’36” de
longitude. Com uma superfície de 798,6Km2, Mamborê corresponde a 0,4%
da área do Estado. Sua população, no ano de 2000, era de 15.287 habitantes,
sendo 8.033 na área urbana e 7254 na área rural.
A cultura que se apresenta em uma cidade é de suma importância
para seus habitantes; tradições, prato típico, vestuário entre outros aspectos,
contribuem para a formação de uma cidade. Sendo assim, segue a relação
dos principais eventos culturais do município de Mamborê.
Lazer e entretenimento
- Mamborê Clube de Campo
85
- CTG Galpão da amizade
- AABB
- ARCAM
- ARESMUM
- Comunidade Gavião
Eventos municipais
Agenda cultural
86
- Festas Juninas;
- Festa Folclórica;
Considerações finais
Em 1962, Mamborê foi oficializado como cidade com Perímetro
Urbano. Somente nos anos 90 começam a surgir loteamentos como Jardim
das Américas, Alto da Colina, Santa Luzia, Novo Horizonte, além dos rios
que limitam o seu perímetro. Todavia, sua expansão deve se dar para o Oeste,
que oferece todas as condições topográficas e existência de infra-estrutura
básica, onde está localizado o cemitério municipal, por onde deverá passar a
futura perimetral, através da estrada ali existente, até a saída do Guarani.
Parcialmente, sua expansão deve se dar para o Leste, além de trechos
inadequados em topografia, presenciamos áreas com mata nativa ao
Sudeste, além da rede de alta tensão ali marcante. Ainda a Leste, conferimos
à existência do Clube, Estação da Copel e várias chácaras que devem
referenciar a sua expansão em áreas de lazer. Ao Norte, limita-se também
sua expansão, principalmente porque o novo perímetro deve ficar muito
próximo das áreas consolidadas.
Mamborê é um municio que tem possibilidades de crescer tanto
no aspecto de crescimento urbano quanto na qualidade de vida de seus
moradores. Isso depende de fatores como: infra-estrutura, economia,
educação, entre outros. Independente de sua possível melhora, o município
já tem sua relativa importância para a região da COMCAM, no aspecto
econômico, relacionado com a agropecuária, principal atividade do
município. Dessa forma, nota-se que apesar de uma exploração desordenada
e crescimento urbano não planejado, o município se desenvolveu atendendo
às necessidades de seus habitantes.
Referências
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis: Tradução, Diogo Mainardi, São
Paulo: Companhia das Letras, 1990).
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1 artes de fazer. Tradução de
Ephraim Ferreira Alves, Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1994.
GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo,
companhia de Letras, 1989.
87
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Jefferson Luiz Camargo (trad). São
Paulo: Martins Fontes, 1997.
OLIPA, Vilson. História de Mamborê. (Mamborê, s.n), 1998.
IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
88
Caracterização da pluviosidade na bacia
hidrográfica do Ernesto - Pitanga-PR
1
LANGE FILHO, Gerson
2
VESTENA, Leandro Redin
1
Bolsista do Programa Educacional Tutorial - PET em Geografia da UNICENTRO. e-mail:
gersonlange86@hotmail.com.
2
Professor do DEGEO/UNICENTRO. e-mail: lvestena@unicentro.br.
ocasiona redução na quantidade hídrica, perda de produtividade agrícola,
essa provoca inundações, assoreamento, movimentos de massa e erosão.
Palavras-chave: estiagem; pluviosidade; Pitanga.
Introdução
As principais características da água são a circulação natural (ciclo
hidrológico ou ciclo da água), a variabilidade (heterogeneidade) espacial e
temporal, apontam Kobiyama et al., (2007).
A precipitação em excesso pode causar sérios problemas ambientais,
como inundações e movimentos de massas, enquanto sua escassez, queda
na produtividade agrícola, racionamentos no abastecimento hídrico,
entre outros.
De acordo com Ayoade (1991, p. 167), a distribuição sazonal da
precipitação é tão importante quanto o volume total, independentemente
da localização da área geográfica estar em clima seco ou úmido.
A precipitação é influenciada por diferentes fatores, dentre os quais
se destacam a temperatura do ar, umidade relativa do ar, radiação solar,
relevo, dinâmica atmosférica, entre outros.
O entendimento da heterogeneidade da precipitação torna-se
indispensável nas atividades de planejamento ambiental, pois, fornece
informações que subsidiam um uso mais correto e racional dos recursos
naturais, principalmente os hídricos, visto que esta influencia na
disponibilidade hídrica.
Segundo Tucci e Beltrame (2000), a precipitação pode ser entendida
como toda água proveniente do meio atmosférico que atinge a superfície
terrestre. Neblina, chuva, granizo, saraiva, orvalho, geada e neve são formas
diferentes de precipitações. O que diferencia essas formas de precipitações
é o estado em que à água se encontra. Para Calasans et al., (2002), a
precipitação, na forma de chuva, neve ou granizo, é o principal mecanismo
natural de restabelecimento dos recursos hídricos da superfície terrestre.
No entanto, para o presente trabalho, o enfoque será dado à precipitação
em forma de chuva, sendo sua importância essencial, pois ela reside na
recarga dos mananciais hídricos superficiais e subsuperficiais de onde
dependem as quantidades demandadas da água para consumo humano,
industrial, agrícola, doméstico e animal.
É convencional classificar a precipitação, de acordo com as condições
atmosféricas que as originam em três tipos diferentes. De acordo com Ayoade
(1991), as precipitações dividem-se em: Convectiva, Ciclônica e Orográfica.
90
A convectiva ou frontal pode ser entendida como causa do
movimento vertical de uma massa de ar ascendente, usualmente mais
intensa do que a precipitação orográfica ou ciclônica. A precipitação
ciclônica é oriunda de movimento vertical do ar em grande escala,
associada com sistemas de baixa pressão como as depressões. A
precipitação é contínua e afeta áreas muito extensas à medida que
a depressão se desloca. Freqüentemente, ela dura de 6 a 12 horas. A
precipitação orográfica é usualmente definida como sendo aquela que
é causada inteira ou principalmente pela elevação do ar úmido sobre
terreno elevado (montanhas) (AYOADE, 1991).
A chuva destaca-se por ser um importante agente modificador da
paisagem, sendo medida diariamente em pluviômetro ou pluviógrafo, o
total acumulado é registrado em milímetros (mm), assim, 1 mm de chuva
corresponde a 1 litro de água em uma superfície plana de 1 m2.
No Brasil, Santos et al., (2001) afirma que a maioria absoluta da
precipitação ocorre sobre a forma de chuva ou pluviosidade; diante disso,
o presente estudo tratara da chuva ocorrida na bacia do Rio Ernesto,
município de Pitanga-PR.
A escolha da bacia hidrográfica do Ernesto, como recorte espacial deste
estudo, deu-se por ser essa manancial da cidade de Pitanga, centro do Estado
do Paraná e por apresentar déficit hídrico em períodos de estiagem. Neste
contexto, o presente trabalho teve por objetivo avaliar a heterogeneidade
temporal da pluviosidade na bacia hidrográfica do Ernesto (BHE).
Materiais e métodos
Área de estudo
A BHE localiza-se na mesorregião centro-sul do Estado do Paraná,
entre as coordenadas geográficas 51º53’26” a 51º42’43” de longitude oeste e
24º49’38” a 24º45’00” de latitude sul, no município de Pitanga (Figura 1).
91
Figura 1 - Localização da BHE no município de Pitanga-PR
92
A BHE, de acordo com Maack (2002), está inserida na região central
do Estado, situada no 3º Planalto Paranaense, na transição do Planalto de
Guarapuava com o de Campo Mourão. O terceiro planalto representa o plano
de declive que forma a encosta da escarpa da Serra Geral do Paraná, sendo
denominada Serra da Boa Esperança, ou escarpa mesozóica. Esta escarpa
é constituída por estratos do arenito São Bento Inferior ou Botucatu, com
espessos derrames de lavas básicas muito compactas do trapp do Paraná,
que mais a oeste, atingem de 1100 a 1750 metros de espessura.
O clima na BHE é o Cfa-Subtropical Úmido Mesotérmico, de verões
frescos e geadas severas e muito freqüentes, com as seguintes médias
anuais: temperatura dos meses mais quentes inferior a 22ºC e dos meses
mais frios inferior a 18ºC; temperatura geral 17ºC; e umidade relativa do ar
80% (SPVS, 1996).
Resultados e discussão
A precipitação pluviométrica anual na BHE, entre os anos de 1966
e 2006, apresentou uma média de 1765 mm, sendo que o evento que
apresentou maior volume pluviométrico dia foi de 157,3 mm/24 h em 28
de setembro de 1998. Nesse mês a pluviosidade foi de 395 mm e o evento
representou aproximadamente 39,8 % do total mensal.
93
Comparando-se à média histórica do período estudado, com a
pluviosidade anual, os anos de 1983 (2691,6 mm) e 1990 (2383,3 mm)
foram os mais chuvosos e os anos de 1988 (1214,9 mm) e 1977 (1229 mm)
os mais secos (Figura 1).
94
Figura 3 - Pluviosidade anual por classe
A pluviosidade média mensal varia entre 130 a 200 mm, à exceção dos
meses de julho e agosto, que apresentam médias inferiores, ou seja, entre 105,2
e 97,8 mm, respectivamente. Os meses com maior média de pluviosidade
foram janeiro (198,1 mm), e outubro (193,9 mm) (Figura 3).
95
que ocorreram desvios negativos foram abril de 1978, agosto de 1999 e
junho de 2002, que não apresentaram pluviosidade (Anexo I).
De maneira geral, quando se avalia a distribuição da pluviosidade
entre as estações do ano, não se percebe um regime sazonal na distribuição
da chuva, portanto, não há um período seco, mas sim uma ligeira diminuição
nos índices pluviométricos. A distribuição da pluviosidade média por estação
no período avaliado foi de 543 mm (31%) no verão, 497 (28%) na primavera,
390 mm (22%) no outono e 345 mm (19%) no inverno (Figura 4).
96
Figura 6 - Coeficiente de variação mensal da pluviosidade
97
Na figura 6, constata-se que a freqüência de períodos de estiagem
igual ou superior a 15 dias ocorre nas estações do outono e inverno, e com
menor freqüência na primavera e verão. Porém, observa-se também que
períodos de estiagem igual ou superior a 15 dias ocorreram em todos os
meses do ano, o que não descarta a necessidade de estudos mais detalhados
das épocas que estes períodos ocasionam maior impacto a população local
devido ao déficit hídrico.
Conclusões e considerações
A pluviosidade média anual na BHE é de 1765 mm, sendo os meses de
julho e agosto os mais secos, e os de janeiro e outubro os mais chuvosos.
Na BHE existem variações significativas na distribuição pluviométrica
mensal e anual, constatadas principalmente pelo coeficiente da variação
mensal, que apresentam valores entre 44,5 a 74,1%.
Os eventos extremos, como longos períodos de estiagem, afetam
à disponibilidade hídrica, que conseqüentemente impõem reduções
significativas na captação de água no manancial, enquanto grandes
quantidades chuva em pequenos intervalos de tempo, como os ocorridos
em 28 de setembro de 1998 (157,3 mm/24 h) favorecem a inundação, o
assoreamento, os movimentos de massa e a erosão. Neste sentido, o
entendimento da variabilidade pluviométrica subsidia ações que visem a
prevenir e amenizar os impactos desta nos períodos extremos.
No entanto, cabe ressaltar que o presente estudo é preliminar e que
futuros estudos devem avaliar os impactos da variabilidade pluviométrica
nas atividades agrícolas e no regime fluvial do Rio Ernesto.
Referências
AYOADE, J. O. Introdução à climatologia para os trópicos. 3. ed. Rio de
Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1991.
BERLATO, M. A.; FONTANA, D. C. El Niño e La Niña: Impactos no clima,
na vegetação e na agricultura do Rio Grande do sul; aplicações de previsões
climáticas na agricultura. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
CALASANS, N. A R; LEVY, M. C. T dos; MOREAU, M. Inter-relações entre
Clima e Vazão. In: SCHIAVETT, A.; CAMARGO, A. F. M. (org). Conceitos
de bacias hidrográficas: teorias e aplicações. Ilhéus - BA: a autora, 2002.
p. 67-90.
98
KOBIYAMA, M.; MENDONÇA, M.; MORENO, D. A.; MARCELINO, I. P.
O.; MARCELINO, E. V; GONÇALVES, E. F; BRAZETTI, L. L. P.; GOERL,
R. F.; MOLLERI, G. S. F.; RUDORFF, F. M. Prevenção de desastres naturais:
Conceitos básicos. Curitiba: Organica Trading, 2006.
LANGE FILHO, G.; VESTENA, L. R. Aspectos morfométricos da bacia
hidrográfica do Ernesto, Pitanga/PR. In: WORKSHOP REGIONAL
DE GEOGRAFIA E MUDANÇAS AMBIENTAIS: DESAFIOS DA
SOCIEDADE DO PRESENTE E DO FUTURO, 1., 2007, Guarapuava.
Anais... Guarapuava: UNICENTRO, 2007. p. 211.
MAACK, R. Geografia física do estado do Paraná. 3. ed. Curitiba:
Imprensa Oficial, 2002.
S.P.V.S. Manual para Recuperação da Reserva Florestal Legal. Curitiba:
Tempo Integral, 1996.
SANTOS, I.; FILL, H. D.; SUGAI, M. R. V. B.; BUBA, H.; KISHI, R. T.;
MARONE, E.; LAUTERT, L. F. Hidrometria aplicada. Curitiba: Instituto
de Tecnologia para o Desenvolvimento, 2001.
STRAHLER, A. N. Quantitative analysis of watershed Geomorphology.
Am. Geophys. Union Trans. 38 (6): 913-920, 1957.
TUCCI, C. E. M.; BELTRAME, L. F. S. Precipitação. In: TUCCI, C. E. M.
Hidrologia ciência e aplicação. Porto Alegre: Editora da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (ABRH), 2000. p. 35-51.
ANEXO
Quadro 1 – Dados de pluviosidade
Ano Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Total
1966 145,7 257,6 92,7 20,7 65,4 130,5 39,0 131,5 62,5 315,0 18,0 133,0 1411,6
1967 130,0 156,5 125,0 26,5 14,0 191,5 120,0 80,0 80,0 127,0 121,0 144,0 1315,5
1968 175,0 40,0 47,5 137,0 49,0 63,0 25,0 92,0 63,0 307,0 81,0 208,0 1287,5
1969 230,0 59,0 70,0 165,0 170,5 192,5 63,0 31,5 222,0 250,0 180,5 93,0 1727,0
1970 120,0 182,5 136,5 93,0 146,5 259,0 13,0 46,0 133,0 143,0 36,0 521,0 1829,5
1971 211,0 110,5 76,0 150,0 189,0 200,0 140,0 13,0 207,8 155,4 55,8 229,0 1737,5
1972 147,5 296,4 118,5 109,4 35,0 80,6 239,3 174,1 234,6 233,8 147,0 88,8 1905,0
Continua
99
Ano Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Total
1973 372,6 120,9 112,0 65,8 103,6 204,0 137,2 218,8 118,3 183,6 82,1 91,0 1809,9
1974 193,7 175,3 119,6 57,1 137,3 175,2 17,5 228,1 32,5 197,2 67,9 121,3 1522,7
1975 172,8 62,0 119,4 37,0 89,1 92,6 59,2 137,9 165,5 175,8 153,0 222,4 1486,7
1976 189,5 67,5 119,9 101,8 212,9 145,5 56,0 157,2 146,1 91,4 182,1 152,4 1622,3
1977 79,0 66,7 123,6 81,4 20,2 73,7 90,0 62,9 117,6 114,3 243,4 156,2 1229,0
1978 88,4 48,6 205,5 0,0 108,6 56,4 311,0 90,9 177,5 63,3 91,8 160,9 1402,9
1979 97,0 291,4 39,1 94,2 261,5 14,0 87,2 163,7 312,7 223,9 132,4 189,3 1906,4
1980 240,2 117,6 127,4 113,6 193,4 104,2 151,2 156,2 319,9 95,5 98,1 390,3 2107,6
1981 98,9 268,4 66,4 168,8 59,7 99,7 9,2 31,4 74,6 316,9 151,9 452,4 1798,3
1982 105,7 69,1 98,3 58,5 114,3 389,8 288,2 94,4 32,4 285,4 341,9 277,0 2155,0
1983 206,7 184,5 259,3 293,0 426,7 327,2 180,2 1,3 320,0 241,5 156,4 94,8 2691,6
1984 223,5 114,9 190,4 230,7 111,8 61,3 43,5 180,3 179,1 96,0 281,9 263,4 1976,8
1985 87,9 94,1 148,3 322,3 128,3 43,3 68,6 27,7 64,4 97,7 47,6 113,1 1243,3
1986 171,6 200,4 96,1 202,7 266,4 20,8 11,0 246,4 104,0 85,2 69,0 220,8 1694,4
1987 202,7 257,6 74,3 217,5 409,9 122,1 71,0 53,1 56,2 132,9 190,6 151,0 1938,9
1988 195,0 133,4 55,7 160,4 255,9 125,6 16,0 2,1 16,5 113,7 29,0 111,6 1214,9
1989 371,8 250,8 177,2 78,8 134,3 91,9 258,9 148,6 229,2 178,9 181,2 102,8 2204,4
1990 421,0 48,8 163,6 180,7 141,3 180,3 199,6 199,6 344,6 225,2 141,3 137,3 2383,3
1991 121,0 78,3 106,2 79,6 68,1 206,6 34,9 115,9 120,1 182,0 130,4 306,8 1549,9
1992 122,2 185,6 214,7 156,4 435,7 93,0 144,1 121,1 185,3 152,8 126,3 89,0 2026,2
1993 204,4 169,0 146,1 84,9 270,6 111,9 193,7 12,3 333,6 155,7 160,2 216,0 2058,4
1994 158,9 164,3 77,4 75,9 202,4 222,4 148,4 6,1 52,8 162,0 158,6 167,0 1596,2
1995 377,3 97,6 135,1 116,0 44,4 122,6 98,8 24,1 275,4 265,5 95,5 132,1 1784,4
1996 265,8 126,5 209,8 38,3 39,0 70,2 39,9 113,5 116,1 240,5 135,4 198,3 1593,3
1997 321,3 287,7 30,0 38,5 78,0 260,7 97,3 102,6 244,0 289,1 170,0 245,0 2164,2
1998 162,5 273,2 211,1 309,1 96,8 88,8 52,9 182,3 395,0 268,6 21,7 121,3 2183,3
1999 189,8 188,0 166,8 149,1 135,4 198,2 61,9 0,0 147,7 76,9 53,8 184,1 1551,7
2000 157,1 141,1 144,4 24,7 82,1 157,9 107,0 133,2 177,7 179,9 150,6 196,9 1652,6
2001 249,6 328,1 67,4 137,9 156,3 132,6 128,9 123,9 220,2 190,8 158,6 146,8 2041,1
2002 370,8 117,7 34,1 21,4 385,4 0,0 91,7 107,1 153,4 208,0 202,5 198,9 1891,0
2003 240,7 207,0 79,7 120,1 61,7 95,4 120,3 33,3 91,9 205,0 139,2 166,1 1560,4
2004 98,1 170,2 87,1 89,8 360,6 124,9 167,3 13,4 74,6 341,6 193,6 52,1 1773,3
2005 196,5 17,9 42,9 144,1 175,0 143,1 83,0 48,1 312,9 488,0 89,3 136,7 1877,5
2006 211,6 74,0 51,4 68,3 8,7 30,6 64,7 93,7 249,0 92,9 149,3 390,6 1484,8
Média 198,2 153,7 116,3 117,6 157,2 134,2 105,6 97,5 169,8 193,9 132,1 189,6 1765,6
Máxima 421,0 328,1 259,3 322,3 435,7 389,8 311,0 246,4 395,0 488,0 341,9 521,0 2691,6
Mínima 79,0 17,9 30,0 0,0 8,7 0,0 9,2 0,0 16,5 63,3 18,0 52,1 1214,9
Des. Pad. 88,27 83,11 56,40 78,28 116,45 82,91 76,63 69,60 100,47 88,38 68,52 101,51 332,18
CV (%) 44,54 54,08 48,52 66,59 74,08 61,76 72,57 71,35 59,15 45,58 51,87 53,55 18,81
100
Grupos juvenis na cidade e na escola: saberes e
práticas para pensar o ensino de geografia1
2
OCTAVIANO, Elisangela Maria
3
TURRA NETO, Nécio
Introdução
Partindo de nossos conhecimentos empíricos, observações e algumas
leituras sobre o assunto, traçamos uma linha de pesquisa comprometida
em relacionar a vida cotidiana dos/das jovens estudantes de oitava série
com o Ensino de Geografia. A Geografia busca continuamente conceituar a
relação sociedade/natureza e nós buscamos, em nossa pesquisa, traçar um
perfil da relação do/da jovem com seu meio urbano. Para isso questionamos:
Como se dá essa relação e como ela pode ser incorporada pelo Ensino da
Geografia? De que modo este estudo permite-nos perceber o processo de
construção de identidades e sua relação com o lugar em que esse/essa jovem
vive? E de que forma isso contribui na percepção de mundo do/da jovem e
das outras culturas?
São essas as perguntas que inicialmente norteiam nossa pesquisa
e que nos fazem pensar numa proposta de intervenção no Ensino
posteriormente.
1
A pesquisa está vinculada à iniciação cientifica bem como ao projeto de extensão universitária
Universidade Sem Fronteiras.
2
Aluna do curso de Geografia - UNICENTRO. e-mail: elisangela.octaviano@yahoo.com.br.
3
Professor do curso de Geografia - UNICENTRO (orientador). e-mail: turraneto@yahoo.com.br.
Alguns pressupostos informam nossa proposta de pesquisa:
- os jovens e as jovens têm necessidade de formarem grupos
de referência, pois a vivência de uma sociabilidade afetiva é
particularmente importante nessa fase de vida;
- essa vivência juvenil é formativa de certos saberes sociais;
- elas acontecem tanto na escola, nos momentos extra-classe,
quanto na cidade, em momentos de tempo-livre, sendo esses
espaços não somente continentes das práticas de sociabilidade, mas
também fatores importantes na qualidade dessas práticas, de modo
que a cidade é também educativa, no sentido em que permite a
construção de relações em que se desenvolvem aspectos formativos
das identidades pessoais e coletivas;
- a educação é, portanto, uma prática sócio-espacial muito mais
ampla que o espaço-tempo da escola, acontece em momentos e
lugares, os mais variados;
- a escola pouco incorpora esses saberes informais.
Nossa pesquisa vem discutir, teórica e empiricamente esses processos
formativos na cidade e na escola, a partir do acompanhamento de grupos
juvenis que se formam nos momentos de sociabilidade.
A partir do reconhecimento desses saberes produzidos na vivência
juvenil, estamos construindo uma proposta de conteúdos e contextos
específicos para o ensino de Geografia. Ou seja, o desafio a que nos
propomos é associar os “saberes da rua” aos “conhecimentos da escola”.
Nesta pesquisa, estamos trabalhando os espaços de sociabilidade
utilizados pelo público jovem, estudantes da oitava série de uma escola
pública, Liane Marta da Costa localizada num bairro de classe média em
Guarapuava – Paraná, sendo que nem todos os alunos da turma estudada
podem ser classificados como pertencentes à classe média, justamente por
a escola atender alunos de diversos bairros. Os espaços de sociabilidade
utilizados por esses/essas jovens ainda estão sendo delimitados e o são a
partir de um estudo em campo e avaliação dos espaços freqüentados por
esses/essas jovens .
Nosso principal objetivo com o desenvolvimento da pesquisa é
desvendar e problematizar as vivências e práticas espaciais/territoriais dos/
das jovens estudantes, nos momentos de sociabilidade, entendidos como
espaços e práticas em que se constroem saberes, para, a partir daí, pensar
102
uma proposta para o ensino de Geografia que seja resultado de uma escuta
e de um esforço de diálogo com esses saberes informais.
Metodologia
Os procedimentos metodológicos básicos se constituem
principalmente da observação participante com a inserção da pesquisadora
em campo, na escola e na cidade para observar o cotidiano dos/das jovens
pertencentes à turma estudada, aplicação de questionários para levantar o
perfil sócio-econômico e territorial dos alunos e alunas da escola-campo,
bem como identificar suas redes sociais dentro da escola e fora dela.
Ao descrever as observações, a pesquisadora se utiliza de algumas
das expressões pelos/pelas jovens utilizadas, como é falada mesmo, na
tentativa de não confundir o sentido de algumas dessas expressões.
Em campo, a pesquisadora tem observado as redes de sociabilidade
construídas dentro da escola e fora dela, sendo que pode ser observado
principalmente que a sociabilidade dos jovens se difere da sociabilidade
das jovens dessa turma, tendo em vista que na idade que estão, ainda se
dividem em grupos de meninas e meninos, são raras as exceções em que
meninas fazem parte dos grupos dos meninos e vice-versa.
Notou-se também que tanto os jovens quanto as jovens não vivem
muito o espaço do bairro em si e menos ainda o da cidade. A turma é
formada por sua grande maioria de alunos com quatorze anos, percebendo-
se que esta é uma fase de transição, na qual os jovens começam se apropriar
dos espaços da cidade.
Os jovens têm um pouco mais de liberdade que as jovens. Nota-
se também outra diferenciação: as adolescentes se restringem mais a um
determinado grupo e não conversam com os outros grupos de garotas,
sociabilizam-se, nos períodos que não estão na escola, mais com as amigas
que fazem na escola do que com outras do bairro e, geralmente têm poucas
amigas no bairro. Saem bem menos de casa que os jovens, pois os pais têm
um certo receio em deixar que elas fiquem nas ruas, pelo muito medo da
violência, da idéia de cidade violenta e impregnada de drogas que a mídia
divulga. Essas jovens então sem muitas opções, geralmente passam horas
“penduradas” ao telefone com a amiga do colégio, ou vão à casa uma da
outra para conversar assuntos variados, sendo que, geralmente, o assunto
principal são os meninos. Vêem muita TV, navegam pela internet e cuidam
dos irmãos menores, outro motivo para ficarem mais em casa.
103
Já os adolescentes se sociabilizam mais com os amigos do bairro
e menos com os da escola, além de saírem com mais freqüência de casa.
Vão ao campo de futebol que têm no próprio bairro ou improvisam um
na rua, usando os chinelos como se fossem as traves dos gols, vão à lan
house e passam horas jogando em rede, batendo papo em chats, no orkut,
enfim, utilizam-se do que a eles é disponibilizado, juntam-se na casa de um
dos amigos do bairro para jogar vídeo game, cuidam dos outros irmãos
menores, têm uma série de atividades.
O que pode-se notar desde o início das observações é que para esses/
essas jovens estar na escola é um imenso prazer, pois ainda é o único lugar
que podem freqüentar com segurança, ou seja, os pais não os proíbem de
ir até ela. Na escola a sociabilidade não tem limites e os momentos também
não. Cada segundo é precioso. Conversam o tempo todo e trocam diversas
informações, tais como: o time que está na liderança de determinado
campeonato, algum CD de jogo que foi lançado recentemente, o garoto
novo que entrou em determinada série, que causa polêmica tanto para
meninas quanto para meninos, que se sentem ameaçados por ele, enfim, os
temas discutidos não têm limites.
Por conta dessa falta de liberdade para se sociabilizar nos momentos
que não estão na escola, e por a escola ser para eles/elas o lugar ideal para
desenvolver a sociabilidade, a professora mal consegue dar aula. Precisa
fazer verdadeiros milagres para chamar a atenção da turma e conseguir que
prestem atenção no conteúdo por ela explicado.
Os/as jovens em questão também alegam que não existem espaços de
sociabilidade nos bairros onde moram. Os poucos espaços de sociabilidade
que existem na cidade se concentram na região central, tornando-se
inviável a ida até esses locais para utilizarem esses recursos de lazer. Mesmo
as distâncias não sendo grandes, há necessidade de se utilizar o transporte
coletivo, pago, que é mais uma dificuldade. Outro problema que dificulta o
acesso, é o fato de os espaços que, na teoria eram para ser públicos, geralmente
serem privados (seria interessante elucidar esta afirmação), tornando-se
mais difícil ainda o acesso desses/dessas jovens a esses lugares.
Para obter dados mais concretos e para poder dividir a turma em grupos
por bairro para posterior aplicação do plano de intervenção, está sendo ainda
aplicado questionários aos alunos em sala de aula. O questionário possibilita
perceber, também, o perfil sócio-econômico, quais os acessos que este/esta
jovem tem na cidade, os locais que conhecem, se trabalham, o que pensam
sobre a escola, se gostam ou não de Geografia e por quê, os materiais que o/a
104
professor/professora utiliza nas aulas de Geografia, se gostam da maneira que
o/a professor/professora de Geografia trabalha.
A partir de toda essa classificação, a pesquisadora estará intervindo
na turma, se utilizando dos dados coletados dos/pelos alunos para
experimentar um método diferente em ensinar Geografia, se embasando
na realidade vivida por esses/essas jovens para trabalhar conteúdos
direcionados e condizentes com a temática.
Discussões e resultados
As cidades oferecem diversas opções de sociabilidade e lazer,
onde seus habitantes cultivam estilos particulares de entretenimento,
mantêm vínculos de relacionamento, criam modos e padrões culturais
diferenciados. Essas opções são lugares como: boates, lanchonetes, a rua,
cinemas, livrarias, casa de jogos, a praça, restaurantes, cafés, barzinhos,
pista de skate, dentre outros.
Em Guarapuava pode ser observada essa dinâmica, porém, numa
proporção bem menor, por existir um número reduzido de espaços de
sociabilidade. Os espaços nesta cidade oferecidos são, na sua quase totalidade
privados, dificultando o acesso da população guarapuavana por se tratar de
uma população não possuidora de muitos recursos financeiros.
Procuramos discutir um pouco as relações que são construídas em
torno das juventudes, assim mesmo, no plural, que é a idéia que sustenta
nosso trabalho e que enfatiza a diversidade de modos de ser jovem existentes;
e da cidade, enfatizando as experiências vividas no meio urbano por esses
grupos sociais, ou não vividas. Partindo disso, traçamos uma proposta de
intervenção no Ensino com conteúdos direcionados para essa questão.
Como afirma Carrano (2000, p. 11), “As cidades se apresentam como
territórios privilegiados para a ação da juventude”, ou seja, é nas cidades
onde as juventudes encontram respaldo para agir à sua forma, adquirindo
suas próprias experiências, conhecimentos e aprendizados, as cidades são,
nesse enfoque, um fator educativo.
Ainda nesse sentido, Magnani (2000, p. ) afirma que as
105
Contrapondo o citado acima, faz-se necessário esclarecer que não
trabalhamos com uma grande cidade e sim com uma cidade média, onde
as opções de lazer são muito menores e os principais espaços de lazer
concentram-se na região central da cidade. Porém, a pouca distância entre
bairros e centro permite a concentração do lazer, ou seja, permite que
jovens que moram nas periferias estejam no centro freqüentemente.
No desenvolver de nossa pesquisa, percebeu-se que, por se tratar de
juventudes um pouco imaturas, estão na fase de ir tomando e conhecendo
os espaços da cidade, que estes/estas jovens não possuem uma relação com
a cidade, não viveram suas próprias experiências no meio urbano. Nota-
se, no entanto, também, com clareza, uma diversidade em ser jovem para
cada um/uma deles/delas. Existe uma heterogeneidade, cada qual tem seu
próprio estilo em se vestir, em falar; as gírias e expressões são diferentes.
Percebe-se que cada identidade é criada a partir de um modelo visto nos
meios de comunicação, TV, revistas, enfim, não assumem uma identidade
por viver em determinado meio.
São também nos espaços da cidade, da rua, do bairro, do condomínio,
que são traçadas a tramas do cotidiano: o dia-a dia, a troca de informações e
de experiências, os inevitáveis conflitos, entre outros. O espaço que estamos
estudando não difere disso, tem a mesma dinâmica. São tecidas redes de
aprendizados, trocas de experiências e pelo simples fato de estarem ali na
rua, no pátio da escola, pelos corredores, na biblioteca, no “campinho de
futebol”, na internet, os jovens desenvolvem sua sociabilidade.
Uma definição preliminar de sociabilidade pode ser aquela trazida
por dicionários populares: sociabilidade aparece então como algo que se
associa, pessoas que gostam de viver em sociedade, que se dá para a vida
social, maneira de quem vive a sociedade (FERREIRA, 2001, p. 642).
Ainda sobre sociabilidade, trabalhamos o conceito proposto por
Simmel (1983, p. 170):
106
Vemos o tempo livre como um tempo específico para a sociabilidade
acontecer, pois a sociabilidade se poupa de atritos com a realidade por meio
de uma relação meramente formal com a realidade. O lazer para os/as jovens,
aparece como um espaço especialmente importante para o desenvolvimento de
relações de sociabilidade, das buscas e experiências através das quais procuram
estruturar suas novas referências e identidades individuais e coletivas.
Dayrell (2004, p. 9) discute a forma com que a sociabilidade reflete
na formação humana do/da jovem e a centralidade que ele/ela atribui às
relações estabelecidas com seus pares, ou seja, as relações estabelecidas
nos seus grupos culturais. Na nossa sociedade, o lazer foi capturado pelo
capital, pela criação de práticas e espaços de lazer que estão intensamente
associadas ao consumo o que interfere ligeiramente na formação da
identidade do nosso objeto de estudo: as juventudes.
Nós vemos que as juventudes têm necessidade em se sociabilizar,
criar vínculos com outras pessoas, do mesmo sexo, de outro sexo e,
principalmente, da mesma idade. Suas referências culturais e identitárias
geralmente baseiam-se nos irmãos mais velhos ou nos amigos.
Considerações finais
Nosso trabalho encontra-se em desenvolvimento, por isso não é
possível tirar muitas conclusões ainda, no entanto, ficou evidente qual o
maior interesse para os/as jovens pela escola: a sociabilidade, por este ainda
ser o principal lugar onde podem realizá-la.
Vale ressaltar que este trabalho é experimental. Trata-se de uma
extensão universitária e que é partindo de nossas observações e conclusões
dessas observações que traçaremos um plano de intervenção em sala de
aula que traz como proposta trabalhar a Geografia de uma forma um pouco
diferente. Procuraremos nos utilizar dos dados obtidos em campo para
proporcionar aulas direcionadas para o cotidiano dos alunos, sendo que
foi observado que a maioria deles não conhece muito bem o próprio bairro
onde mora, por não ter o contato com a rua.
A pesquisa encontra-se em pleno desenvolvimento e, por agora,
essa é nossa contribuição. Assim que a mesma for concluída poderá trazer
novas contribuições.
107
Referências
FERREIRA, A.B.H. Minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2001. p. 642.
CARRANO, P. C. R. Juventudes: as identidades são múltiplas. Movimento,
Niterói, n. 1, p. 11-27, maio 2000.
CITY BRAZIL. Região de Campo Mourão. Disponível em: < www.
citybrazil.com.br/pr/mapapr.gif >. Acesso em 09 abr. 2008.
DAYRELL, J. Juventude, grupos culturais e sociabilidade. Disponível em:
<http://www.fae.ufmg.br/objuventude/textos/aba2004.pdf >. Acessado em:
30 nov. 2007.
MAGNANI, J. G. C. Quando o campo é a cidade: Fazendo Antropologia na
metrópole. In: ______. (org.). TORRES, L.L. (org.). Na metrópole: textos
de Antropologia urbana. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2000. p. 15-87.
SIMMEL,G. Sociabilidade: um exemplo de sociologia pura ou formal. In:
MORAIS FILHO, E. (org.). Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p. 165-181.
108
A geohistória do desenvolvimento no Brasil
1
COSTA, Pierre Alves
Introdução
Pode parecer deslocado discutir o desenvolvimento econômico num
momento caracterizado pela predominância da prerrogativa da política
econômica, enquanto guardiã e pressuposto de qualquer outra política no
espaço nacional, e de uma certa globalização como caminho único para
todas as sociedades contemporâneas.
Partimos do suposto de que crescimento econômico é com certeza
diferente de desenvolvimento econômico; podemos até adotar a bem
conhecida formulação de que o crescimento econômico é condição necessária,
porém não suficiente para atingirmos o desenvolvimento. Um dos nossos
intuitos é destacar a permanência e o aprofundamento da nossa condição
de subdesenvolvimento, agora fortemente qualificado ou, quem sabe,
1
Professor Assistente e Pesquisador do Departamento de Geografia da UNICENTRO-PR. Doutorando
em História pela UFF. e-mail: alvespierre75@hotmail.com.
2
(des)qualificado como um subdesenvolvimento globalizado . Em seguida,
apontaremos algumas considerações sobre a questão dos mitos, em especial
o mito do desenvolvimento econômico, baseados em Furtado (1996).
Os mitos têm exercido uma inegável influência sobre a mente
dos Homens que se empenham em compreender a realidade social. O
primordial intuito do mito é orientar, num plano intuitivo, a construção
daquilo que Schumpeter chamou de visão do processo social, sem a qual o
trabalho analítico não teria sentido.
2
A qualificação globalizado a esta etapa do subdesenvolvimento brasileiro foi introduzida (e
desenvolvida) por Oliveira, Francisco de. A navegação venturosa: ensaios sobre Celso Furtado.
São Paulo: Boitempo Editorial, 2003: p. 114-115.
110
de subdesenvolvimento, agravaram-na, à medida que tivemos,
especialmente na era FHC, uma política de integração da
economia brasileira aos mercados mundiais de forma passiva. Nos
anos noventa, a abertura comercial, a privatização das empresas
estatais, a compra e/ou fusão de empresas nacionais por poderosos
grupos multinacionais organizados sob a forma de firma-rede
transformaram a estrutura produtiva brasileira e transferiram para
esses grupos multinacionais importantes decisões sobre o nosso
próprio padrão de crescimento, comprometendo ainda mais as
nossas possibilidades de desenvolvimento. Tais evidências nos
permitem propor que vivemos o subdesenvolvimento globalizado
(CARLEIAL, 2004, p. 9).
A idéia de desenvolvimento
3
Escrito no início dos anos 1970, tendo sido publicado pela primeira vez em 1974, pela editora Paz
e Terra.
111
das formas de vida dos atuais povos ricos – é simplesmente
irrealizável. Sabemos agora de forma irrefutável que as economias
da periferia nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares
às economias que formam o atual centro do sistema capitalista.
Mas, como desconhecer que essa idéia tem sido de grande
utilidade para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar
enormes sacrifícios para legitimar a destruição de formas de
culturas arcaicas, para explicar e fazer compreender a necessidade
de destruir o meio físico, para justificar formas de dependência
que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo? Cabe,
portanto um simples mito. Graças a ela, tem sido possível desviar
as atenções da tarefa básica de identificação das necessidades que
abrem ao homem o avanço da ciência, para concentrá-las em
objetivos abstratos, como são os investimentos, as exportações e
o crescimento. A importância principal do modelo de The limits
to growth é haver contribuído, ainda que não haja sido o seu
propósito, para destruir esse mito, seguramente um dos pilares
da doutrina que serve de cobertura à dominação dos povos dos
países periféricos dentro da nova estrutura do sistema capitalista
(FURTADO, 1996, p. 88-89).
112
tem carregado. É bastante difícil, reconheça-se, libertar a palavra
desenvolvimento de seu ranço historicista, de sua carga ideológica marcada
pela idéia de uma missão civilizadora do Ocidente capitalista e industrial.
Entretanto, trata-se de uma tarefa necessária.
Ressaltamos que:
113
Esta autora ressalta que a finalidade da socialdemocracia resulta tão
pouco da violência vitoriosa da minoria quanto da superioridade numérica
da maioria, e sim da necessidade econômica – e da compreensão dessa
necessidade – que leva à supressão do capitalismo pelas massas populares,
necessidade essa que se manifesta antes de tudo pela anarquia capitalista
(Luxemburgo 1999, p. 75).
Por outro lado, dentro da busca/formulação de uma abordagem
do desenvolvimento sócio-espacial, a autonomia aparece como um
fundamental princípio ético e político norteador de uma reconstrução
do conceito de desenvolvimento. As idéias colocadas a seguir terão como
principal referência o texto “Introdução: Socialismo e sociedade autônoma”
de Cornelius Castoriadis (1983), sendo que sua versão original é datada em
1952. Neste ensaio, o autor faz uma crítica ao regime socialista e propõe
uma sociedade autônoma, reportando-se diversas vezes à Grécia antiga e
sua sociedade democrática. Esta volta a sociedade democrática da Grécia
antiga se explica pelo fato dessa sociedade ser a que mais se aproxima da
concepção de sociedade autônoma de Castoriadis.
Podemos partir da idéia de que o indivíduo nasce ao mesmo tempo e
pelo mesmo movimento do qual emerge a pólis, como coletividade autônoma.
A Democracia (na Grécia Antiga) era, inicialmente igual a isonomia - a
igualdade de lei para todos. A lei é a instituição da sociedade. Por outro
lado, atualmente esta igualdade representa a máscara de uma desigualdade.
Acrescentando, temos a propriedade privada e a liberdade de empresa como
uma máscara institucional da dominação efetiva de uma pequena minoria.
Os direitos individuais são parciais, inacabados, numa sociedade dividida
entre dirigentes e executantes, dominantes e dominados.
A sociedade autônoma implica indivíduos autônomos - e
reciprocamente; sociedade livre, indivíduos livres. A liberdade deve
ser efetiva, social, concreta, com um espaço público de movimento e de
atividade assegurado ao indivíduo pela instituição da sociedade. Dentro
deste contexto, a questão primeira do “Estado” a ser pensada deve ser a
questão da política. Contudo, a desigualdade social é sempre, também,
desigualdade de poder, se transformando em desigualdade de participação
no poder instituído. Com isso, deve-se ter a igualdade de participação de
todos no poder (assegurado por instituições efetivas). Uma sociedade livre
possui o poder exercido pela coletividade.
114
A sociedade autônoma (autonomia individual) concorre com o Poder
coletivo (coletividade). O movimento operário moderno contribui, dizendo
que a participação dos Homens só pode ser igual se iguais forem as condições
sociais efetivas e não somente as jurídicas, que são feitas para todos; e desenvolve
a significação e a aspiração de democracia através da idéia de “República social”.
O único modo concebível de organização da produção e do trabalho é a gestão
coletiva por todos os participantes. Podemos adiantar neste ensaio que a gestão
coletiva é diferente de autogestão (auto-organização).
A liberdade numa sociedade autônoma exprime-se por duas leis
fundamentais: sem participação igualitária no estabelecimento da lei, não
haverá lei. Uma coletividade autônoma tem por divisa e por autodefinição:
nós somos aqueles cuja lei é dar a nós mesmos as nossas próprias leis (aspecto
ativo e positivo, estando ligado à questão da autonomia do indivíduo). Para
que o indivíduo possa pensar livremente, é exigido a criação, a instituição
de um espaço público de pensamento aberto à interrogação; o que exclui o
estabelecimento da lei - da instituição - como imutável.
A instauração de uma sociedade autônoma implica um processo de
mutação antropológica que não pode realizar-se única e centralmente no
processo de produção. A luta pela autonomia, a criação de novas formas de
vida individual e coletiva invadirão todas as esferas da vida social; e dentro
deste contexto, a idéia de “determinação” é um contra-senso.
Conforme Platão, a lei é apenas o último recurso imposto pelos
defeitos da natureza humana e em particular pela impossibilidade do
“Homem real”. Por outro lado, ele redige as leis da cidade, as quais seriam
justas. Conseqüentemente, temos a questão de eqüidade (realização
final de igualdade social efetiva). Na sociedade justa a questão da justiça
permanece aberta, ou seja, existindo a possibilidade socialmente efetiva de
interrogação sobre a lei e o fundamento da lei, desembocando assim num
movimento de auto-instituição explícita.
Em toda a história da filosofia política se desconhece a essência do
social-histórico e da instituição, a relação entre a sociedade instituinte e a
sociedade instituída, a relação entre a coletividade, a lei e a questão da lei.
Na formulação da sociedade autônoma, Castoriadis defende a abolição da
submissão da sociedade instituinte (as pessoas que fazem as leis) à sociedade
instituída (Estado/sociedade civil/constituição/instituições). Esta idéia é
defendida também por Souza (1994, p. 32).
115
O que falta na análise de Castoriadis sobre a sociedade autônoma
é espacializá-la de uma forma efetiva (geograficamente), com uma
territorialidade. Esta questão será muito bem tratada pelo geógrafo
brasileiro Marcelo J. L. de Souza (1994), no texto “O subdesenvolvimento
das teorias do desenvolvimento”, onde o autor procura contribuir
para uma reconstrução radical dos conceitos de “desenvolvimento” e
“subdesenvolvimento”, sugerindo o conceito de territorialidade autônoma
como princípio ético e político norteador de uma reconstrução do conceito
de desenvolvimento (como desenvolvimento sócio-espacial).
Podemos dizer resumidamente que o princípio da autonomia é
de fundamental importância na formulação de um “novo” conceito de
desenvolvimento (que leve em conta não apenas a economia, mas também
a política, a cultura, a sociedade e a ecologia). Este princípio, por isso,
realiza uma análise além das relações do modo de produção, e o que
talvez seja o mais significativo dele seja o fato de discutir a relação entre a
sociedade instituinte e a sociedade instituída, onde deve-se ter a abolição
da submissão da primeira à segunda.
Continuando, devemos ressaltar que a atualidade do debate
sobre desenvolvimento econômico está fortemente determinada pela
disseminação generalizada da interpretação de que a globalização neoliberal
promove o crescimento econômico e é capaz de abranger, assimilar e dar
conta também do desenvolvimento econômico. Isto é um forte engano. Os
próximos parágrafos serão baseados em Carleial (2004).
O desenvolvimento sócio-espacial pode ser visto como um processo de
expansão das possibilidades e alternativas de um país, porém compromissado
com o processo evolutivo das condições humanas de vida. No aspecto
especificamente econômico ainda pode ser compreendido como um processo
que leva ao crescimento da produtividade com redução das desigualdades
sociais e regionais. Portanto, o conceito se insere numa tradição de evolução
das ciências sociais e de modernização das sociedades.
4
1939-45 (nota do autor).
116
o par – trabalho e mercado – propostos por Smith sob inspiração
de Locke, como definidor da modernidade, deixava em aberto a
necessária mediação entre o indivíduo e o coletivo que, ao longo
do desenvolvimento das forças produtivas, assumia concretamente
a forma de gasto público, como argumentam os economistas,
ou ainda, do ângulo das políticas sociais, de propriedade social”
(CARLEIAL, 2004, p. 11).
5
A trajetória de Celso Furtado inicia-se com sua tese de doutoramento em Paris, prossegue ao longo
dos anos na Cepal e continuou presente nos trabalhos que foram desenvolvidos nesta perspectiva
(CARLEIAL, 2004).
117
O ponto de partida da contribuição é o questionamento
da teoria das vantagens comparativas ricardiana, a sua
negação e a proposição de que o país necessitava viver um
períoso de substituição de importações que internalizasse,
no país, a indústria, e alterasse a correlação de forças entre
desenvolvidos (que exportavam máquinas e equipamentos) em
troca dos produtos primários dos subdesenvolvidos. Logo, o
subdesenvolvimento brasileiro era engendrado pelo próprio
movimento de acumulação de capital no nível mundial,
condição que era reiterada permanentemente. As idéias de
6
Celso Furtado e seu desenvolvimento na Cepal serviram de
base para programas e projetos de desenvolvimento em vários
países do mundo subdesenvolvido (CARLEIAL, 2004, p. 13).
6
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (nota do autor).
118
A década de 1980 marcou na América Latina o início da
conscientização sobre a necessidade de haver uma transição para uma nova
fase do processo de industrialização, que favoreça a articulação produtiva
e aumente a competitividade internacional, entendida como um desafio de
caráter sistêmico, que exige uma aproximação convergente da indústria,
recursos naturais, serviços e meio ambiente.
Na América Latina, a competitividade internacional está/estará
vinculada à sustentabilidade ambiental e o fator determinante para
compatibilizar ambas as finalidades (competitividade e sustentabilidade) é
a incorporação e difusão do progresso técnico.
A incidência da competitividade sobre o crescimento, que é
retroalimentado pelo apoio que este último concede à incorporação do
progresso técnico, foi amplamente abordada e exemplificada num estudo da
Cepal. Na ausência do progresso técnico, a competitividade e a sustentabilidade
são difíceis de ser compatibilizadas, já que é impossível conseguir aumento de
produção e redução dos danos ambientais ao mesmo tempo. Por outro lado,
a incorporação do progresso técnico permite compatibilizar os aumentos de
produção com a sustentabilidade ambiental.
A necessidade imperiosa de compatibilizar competitividade e
eqüidade explicaria a relevância e centralidade que o progresso técnico
adquire na proposta da Cepal, por conseguinte, a atenção especial prestada
aos fatores que influenciam a materialização da incorporação e da difusão do
progresso técnico. Devemos destacar o sistema educativo e de capacitação,
a base empresarial e a infra-estrutura tecnológica e de comunicação de que
dispõem os países.
Concluindo, como desafio, Leroy e Acselrad (2000, p. 207-208)
dizem que:
119
afetando de maneira diferenciada os diferentes grupos sociais na condição
dominante do desenvolvimento sócio-espacial.
(Não) Concluindo
É relevante lembramos as idéias do economista e grande pensador
Celso Furtado. Ele defendia o desenvolvimento como responsabilidade
central do Estado, o planejamento como método racional para imprimir
sentido e coerência ao trabalho dos milhões de atores anônimos da
economia, e a redução e a eliminação das disparidades regionais e sociais
como condição de garantia de oportunidades iguais para a auto-realização
de todos os brasileiros.
Em mensagem ao povo brasileiro, enviada para a inauguração da
7
Unctad em junho de 2004, na cidade de São Paulo, Furtado dizia o seguinte:
120
Referências
CARLEIAL, Liana M. da F. Subdesenvolvimento globalizado: a resultante das
escolhas da política econômica brasileira dos anos noventa. Revista Paranaense
de Desenvolvimento, Curitiba: IPARDES, nº. 106, 2004, jan/jul: 7-28.
CASTORIADIS, Cornelius. Introdução: Socialismo e sociedade autônoma.
In : ______. Socialismo ou barbárie. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 11-34.
FAJNZYLBER, Fernando. Progresso técnico, competitividade e mudança
institucional. In: VELLOSO, J. P. dos R. (coord.). A nova ordem
internacional e a terceira revolução industrial. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1992, p. 27-81.
FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1996.
LEROY, J. P. e ACSELRAD, H. Novas premissas para a construção de um
Brasil sustentável. In: RATNNER, Henrique. (org.). Brasil no limiar do
século XXI: alternativas para a construção de uma sociedade sustentável.
São Paulo: Edusp, 2000, p. 207-208.
LUXEMBURGO, Rosa. Desenvolvimento econômico e socialismo. In:
______. Reforma ou revolução. São Paulo: Expressão popular, 1999, p.
69-79.
OLIVEIRA, Francisco de. A navegação venturosa: ensaios sobre Celso
Furtado. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003, p. 114-115.
SMITH, Neil. O desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1998.
SOUZA, Marcelo J. L. de. O subdesenvolvimento das teorias do
desenvolvimento. Princípios, São Paulo,1994, n. 35, p. 27-33.
______. 1995. O território: sobre espaço e poder, autonomia e
desenvolvimento. In: Castro, I. E. de. et alli (org.). Geografia: conceitos e
temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, p. 77-116.
______. Urbanização e desenvolvimento no Brasil atual. São Paulo:
Ática, 1996.
121
O capital estrangeiro no Brasil: algumas
considerações
1
VIDEIRA, Sandra Lúcia
Introdução
Estas reflexões apresentam algumas discussões que percorrem o
processo de internacionalização da economia brasileira, principalmente
a partir de 1990, quando presenciamos políticas de desnacionalização
da economia brasileira e a disseminação de fusões e aquisições nos mais
variados setores, inseridas na onda neoliberal.
A internacionalização da produção, segundo Gonçalves (2003, p.24),
“ocorre sempre que residentes de um país acessam bens e serviços com origem
em não-residentes. Isso significa a existência de fluxos internacionais de bens,
serviços e capital”. Assim, a internacionalização da produção se dará na forma:
de comércio (de bens e serviços), de relações contratuais (transferência de
1
Professora Doutora junto ao curso de Geografia da UNICENTRO – Guarapuava-PR. e-mail:
slvideira@yahoo.com.br.
know-how ou direito de propriedade), e de fluxos financeiros (empréstimos,
2
financiamento, investimento externo direto - IED ).
O autor acima referenciado afirma ainda que, nas economias
nacionais dos países desenvolvidos, quando não há absorção interna do
excedente produzido (bens ou capital), resta procurar um destino para seu
investimento, o mercado internacional.
3
Chesnais (1996) afirma que entre os grupos mais internacionalizados
estão os do setor automobilístico e eletrônico, figurando ao lado dos grandes
bancos e instituições financeiras.
124
de utilidade pública (companhias de gás, redes telefônicas, linhas de bonde,
iluminação pública, produção e distribuição de energia elétrica) enfim,
equipamentos que davam suporte à produção/comercialização primária que
era voltada para o exterior, a exemplo do café e da borracha.
Singer (2001, p.80) contribui ao discutir sobre a evolução da
economia brasileira e sua vinculação internacional afirmando que o atraso
econômico, entendido aqui enquanto a não industrialização, forçou o país
a se voltar para fora:
125
contra 21% dos Estados Unidos, esse quadro só viria a mudar a partir de
1940, quando se consolida a hegemonia do capital estadunidense.
O período da industrialização brasileira, que foi calcada na substituição
das importações, acabou por estimular o fluxo de IED para o país, embora,
em meados de 1930, tenha havido uma certa restrição do capital estrangeiro
no Brasil em alguns setores, como mineração, petróleo e energia elétrica, por
razões de segurança nacional. Entre as duas guerras, a presença de capital
externo no país era significativa. Os britânicos controlavam algumas das
principais empresas de: fumo, papel, fósforo, moinhos, indústrias têxteis e
calçadistas. Os norte-americanos, indústrias de alimentos, equipamentos
ferroviários, lâmpadas, transformadores, aparelhos domésticos,
fonográficos, sacos de papel e cimento. As empresas Ford, General Motors e
Chrysler, aqui desde a década de 1920/30 desenvolviam também atividades
manufatureiras de metalurgia, couro e vidro. O capital suíço estava presente
no setor de curtumes e processamento de alimentos. Os franceses no setor
químico. Os canadenses no setor de cimento. Argentinos em moinhos de
trigo, processamento de algodão, cimento e outros setores. As empresas
líderes no setor químico e farmacêutico eram britânicas, estadunidenses,
francesas e alemãs (GONÇALVES, 1999).
Em 1930, o Brasil já alojava grandes empresas multinacionais, que
dentro da política de substituição das importações também eram bem
recebidas pelo governo brasileiro, encontrando aqui ambiente liberal
e propício para sua instalação, o que estimulou a indústria doméstica.
O crescimento do setor industrial revelou-se significativo, resultando
numa diminuição de bens importados; no entanto, logo percebemos que
atrativos fiscais, embora mais presentes nos fins da década de 1990 no que
convencionou-se denominar Guerra Fiscal, estiveram presentes também em
outras épocas, como os recebidos pela indústria de cimento estadunidense
em 1933, como chama atenção Gonçalves (1999).
“Antes de 1930 o capital estrangeiro recebeu o mesmo tratamento que
o capital nacional, e mesmo em alguns casos, chegou a receber privilégios
especiais”, como taxas mais reduzidas ou isenções. “Nas constituições de
1934 e 1937, em virtude de fatores militares e estratégicos, houve restrições
com relação à presença do capital estrangeiro na mineração, petróleo,
energia elétrica, bancos, seguros, transporte marítimo e aéreo”. No final da
segunda Guerra Mundial, algumas restrições foram eliminadas, permitindo
que entre 1946/62 o capital estrangeiro tivesse um ambiente liberal para
atuação. A partir de 1964, com o golpe de Estado, o governo comprometeu-
se com uma economia mais aberta (GONÇALVES, 1999, p.56-57).
126
Mais precisamente, foi em 1953 que o capital estrangeiro volta
a poder circular sem restrições tanto quanto à remessa de lucro como à
4
repatriação . Em janeiro de 1955, o governo a partir da Instrução nº 113 da
SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito) deu incentivo especial
5
aos investidores estrangeiros , sendo que estes incentivos permanecem até
1961, conforme Gonçalves (1999).
Ainda, o autor em questão esclarece que em setembro de 1962, o
governo instituiu a Lei nº 4.131 que tratava da presença do capital estrangeiro
no Brasil e das remessas dos lucros para o exterior. Uma das principais
características dessa lei foi não considerar como capital estrangeiro os lucros
reinvestidos no país e limitar a 10% a remessa dos mesmos. No entanto, essa lei
foi regulamentada somente em janeiro de 1964, poucos meses antes do Golpe
de Estado, não sendo assim aplicada nos termos em que foi concebida. Em
agosto de 1964, o novo governo aprova a Lei nº 4.390, que alterava artigos da
Lei anterior (a 4.131). Ambos os instrumentos legais foram regulamentados
6
pelo Ato Executivo nº 55.762 de fevereiro de 1965 e vigoram até hoje, com
alterações mais significativas apenas nos anos 1990, com a Lei nº 8.383 de
dezembro de 1991 e reforma constitucional de 1991. O principio básico dessa
legislação é que o investidor estrangeiro volta a receber tratamento idêntico
àquele dado ao capital nacional, como era antes, até a década de 1930.
O cenário que se apresenta nos anos 1970 é de uma economia com
alto grau de internacionalização, fruto dos antecedentes legislativos que
assim o permitiram. Gonçalves (1999) apresenta uma tabela com o grau de
desnacionalização da indústria de transformação em vários países, no final
dos anos 1970, na qual o Brasil ocupa o 6º lugar no ranking, com 32% de suas
indústrias nas mãos do capital estrangeiro, enquanto os EUA apresentam
11,5% e o Japão 4,2%. Embora pareça existir uma atuação generalizada
4
Entre 1947 e 1952, visando proteger o mercado interno, houve restrições quanto à remessa de
lucros, ficando a 8% do capital registrado (GONÇALVES, 1999).
5
Para maiores detalhes ver Gonçalves (1999, p. 59-60).
6
Outras regulamentações foram sendo implantadas após este período, mas sem grande notoriedade. No
entanto, vale destacar a CC5 (Carta Circular n.5 do Bacen de 27/02/1969) que permitia o depósito em
uma conta específica no país, em qualquer banco, para que qualquer pessoa física ou jurídica pudesse
movimentar e remeter livremente para o exterior, facilitando a livre movimentação de capitais entre a
empresa estrangeira que estivesse aqui, com o exterior. A partir de 1996 (Circular 2.677 de 10/04/96)
foram estabelecidos novos parâmetros para a CC5, agora as instituições financeiras eram obrigadas
a registrar no Banco Central essas operações com valores acima de US$ 10 mil. Em 2002 o governo
reforça as normas quanto a remessa de dinheiro para o exterior, assim para estrangeiros movimentar
dinheiro pelo CC5 são obrigados a se inscreverem no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF. A Circular
3.187 de 16/04/2003, também cumpre esse papel ao exigir identificação do remetente e destinatário da
remessa, além do motivo da mesma.
127
dessas empresas no Brasil, vale lembrar que esta se concentrou em setores
que demandavam mais tecnologia, como as de material elétrico, transporte,
química e produtos farmacêuticos. Outro aspecto dessa discussão é que
as empresas aqui instaladas não possuíam o mesmo patamar tecnológico
que suas matrizes, aqui as subsidiárias lidavam com atraso tecnológico e
7
também organizacional .
No início dos anos 1980, diante um cenário de recessão econômica
houve uma desaceleração do crescimento do capital externo no país. As
empresas de capital estrangeiro, tentando se equilibrar com a estagnação
econômica que se iniciava, criam novas estratégias de atuação, como expansão
das exportações, racionalização dos custos, demissão de trabalhadores,
exercício do poder de mercado, além da diversificação dos investimentos
em outros setores produtivos, mas também no setor financeiro, como
forma de ampliar seu capital no mercado especulativo, prática que passa a
8
ser utilizada também por empresas de capital nacional .
Uma reestruturação mais significativa nas empresas estrangeiras passa
a acontecer a partir da década de 1990; a insistente crise iniciada na década
anterior, paralelamente à abertura da economia nacional contribui para o
processo de reestruturação industrial que envolve toda uma remodelação
dos parques industriais e também das formas organizacionais, a eliminação
de linhas de produção é agora substituída por produtos já importados; os
9
processos de fusões e aquisições são cada vez mais presentes .
Os anos 1990 têm como marco a abolição às restrições do capital
estrangeiro no Brasil. As alterações na legislação, ocorridas entre 1991-93,
estiveram orientadas ao favorecimento da saída do capital estrangeiro no
Brasil, no que tange à remessa de lucros e pagamento de tecnologias. O fim
da Lei da Informática em 1994, que impedia a entrada do capital estrangeiro
nesse setor também foi marco importante para o processo de abertura.
Em 1995, a revisão constitucional permitiu que vários setores econômicos
(a exemplo do petróleo, indústria extrativa, navegação de cabotagem,
telecomunicação e serviços) tivessem as barreiras ao capital estrangeiro,
eliminadas ou flexibilizadas. O setor financeiro viveu isso e pode deixar de
10
lado o esquema de reciprocidade até então praticado. Grupos estrangeiros
agora poderiam adquirir participação majoritária ou integral nos bancos,
7
Rattner (1980) apresenta com propriedade as implicações da transferência de tecnologia.
8
Gomes (2005) discute a formação desses conglomerados financeiros no Brasil.
9
Uma discussão mais profunda sobre a reestruturação produtiva da década de 1990 pode ser
encontrada em Araújo (s/d) e Egler (1991).
10
Esse esquema pregava que uma instituição financeira estrangeira teria autorização para funcionamento
no país desde que uma instituição brasileira também o tivesse no país de origem da requerente.
128
e o filão foram os bancos estaduais que começaram a passar por processos
de privatizações, mas também outros setores, como as telecomunicações.
Gonçalves (1999, p.107) reforça que de 1991 a abril de 1998 os investidores
estrangeiros tiveram uma participação de 27,8% nas privatizações, e no que
se refere ao país de origem dos investimentos, os EUA deteve 13,8% das
participações, seguido pela Espanha, 4,5% e Chile com 2,3%.
No contexto das políticas neoliberais, esses processos aquisitivos por
11
meio das privatizações estiveram presentes no fim do século XX com
bastante intensidade, contribuindo, também, para a elevação do estoque do
capital estrangeiro no Brasil, que segundo Gonçalves (1999, p.74 e 125-126)
passou de 45 bilhões em 1994 para 72 bilhões de dólares em 1997. Em 2000
esse total já ultrapassava 103 bilhões de dólares. Em 1995, os EUA eram o
maior investidor no Brasil com 26,03% do estoque, enquanto a Alemanha
possuía 13,98%, a Suíça 6,75%, o Japão 6,38% e a França 4,87%.
O Censo de Capitais Estrangeiros de 2000 mostra um cenário
diferente, apesar de os EUA ainda permanecerem na hegemonia, ele
apresenta uma queda do seu estoque no Brasil, em contrapartida, outros
países ganham evidência, como Espanha, Portugal, Países Baixos e França,
que aumentam consideravelmente seus investimentos no Brasil. Juntos,
estes países representavam 9,43% do total de capital estrangeiro no país,
conforme o Censo de 1995. No seguinte, de 2000, passam a representar
33,72% do total, um aumento de mais de 24 pontos porcentuais. A Tabela 1
mostra os países e suas participações no estoque de capital estrangeiro nos
censo de 1995 e 2000.
11
Na década de 1980 os primeiros sinais das políticas neoliberais eram sentidos na Inglaterra por meio
das ações de Margaret Thatcher. Segundo Ribeiro (1998, p.101) as formas de privatizações lá foram
“variadas e tiveram um custo social e econômico elevado, além de privar o Estado de um patrimônio
construído à custa da população. O beneficiário foi o capital financeiro que passou a controlar o
vasto setor de empreendimentos anteriormente estatal”. Tais processos foram fundamentais para a
mundialização e a intensificação da concentração do capital. Para um aprofundamento da política
e ideologia neoliberal ver Boito Jr. (1999).
129
FRANÇA 2.031,50 4,87 6.930,85 6,73
REINO UNIDO 1.862,61 4,47 1.487,95 1,44
1995 2000
PAÍS PARTICIPAÇÃO PARTICIPAÇÃO
VALOR VALOR
(EM %) (EM %)
CANADÁ 1.819,00 4,36 2.028,30 1,97
ITÁLIA 1.258,60 3,02 2.507,17 2,43
ILHAS VIRGENS (BRITANICAS) 901,22 2,16 3.196,58 3,10
ILHAS CAYMAN 891,70 2,14 6.224,81 6,04
URUGUAI 874,10 2,10 2.106,62 2,04
BERMUDAS 853,10 2,05 1.940,05 1,88
PANAMÁ 677,40 1,62 1.580,41 1,53
SUÉCIA 567,20 1,36 1.578,47 1,53
BÉLGICA 558,20 1,34 656,65 0,64
ILHAS BAHAMAS 509,70 1,22 944,02 0,92
LUXEMBURGO 408,00 0,98 1.034,11 1,00
ARGENTINA 393,60 0,94 757,79 0,73
ESPANHA 251,00 0,60 12.253,09 11,90
PORTUGAL 106,60 0,25 4.512,10 4,38
DINAMARCA 84,91 0,20 478,10 0,46
BARBADOS 37,53 0,10 656,32 0,64
DEMAIS 3.909,65 9,38 6.296,20 6,12
TOTAL 41.695,62 100,00 10.3014,51 100,00
Fonte: Censo de capitais estrangeiros (1995 e 2000). Disponível em www.bacen.
gov.br
12
Fazio (1998) ao analisar a experiência chilena deixa evidente uma série de perdas pelas quais o seu
país passou a partir da década de 1980, quando a adoção da política neoliberal atrelada a abertura
da economia para o capital estrangeiro se fez sentir na perda da capacidade decisória do país, tendo
em vista o poder dos grandes grupos econômicos estrangeiros presentes. No entanto, quanto ao
aspecto das privatizações, diferentemente do Brasil, o Chile não privatizou empresas estratégicas
do país, como a Colbún (hidrelétrica), Codelco (produção cobre) e, ainda, manteve participações
acionárias em outras empresas consideradas de segurança nacional e estratégicas para o país. Para
uma análise destes mesmos aspectos na Argentina, Lozano (1998) é uma boa referência; uma
contribuição para o entendimento deste processo no México, está em Sosa (1998).
130
também, que os investimentos na área industrial têm cedido lugar aos serviços,
principalmente telecomunicações, comércio varejista, energia e área financeira.
Neste panorama, as empresas espanholas têm se apresentado como os principais
investidores. A Tabela 2 ilustra as grandes empresas espanholas na América
Latina, parte delas, figuradas entre os 100 maiores grupos por venda no Brasil,
conforme a Revista Exame Maiores e Melhores de 2004.
13
Até mesmo porque, como mostra Corrêa (2004, p.125) alguns grandes negócios internacionais
envolveram empresas brasileiras na aquisição de empresas localizadas em outros países, como a
compra da empresa argentina Perez Companc pela Petrobrás, do setor petroquímico, a participação
da Ambev em 36,09% da empresa Quilmes do setor de bebidas, argentino; a compra de participação
nas empresas canadenses Birmingham Southeast e Co-Steel pela Gerdau, no setor de metalurgia e
siderurgia, entre outros exemplos.
131
destes grupos diminuíram dada a crescente concentração de capital e
também a associação destes grupos ao capital estrangeiro, fato tão comum
em meados da década de 1990 quando das muitas privatizações.
Isto pode ser confirmado quando observamos o processo
generalizado de desnacionalização que ocorreu no país em vários setores
da economia. Gonçalves (1999, p.142) elenca algumas empresas de grande
porte, de capitais privados nacionais e destaques nos seus setores de atuação
que viveram tal processo, como a Metal Leve, Lacta, Refrigeração Paraná,
Supermercado Bompreço, Cofap, Agroceres, Grupo Renner e os bancos
Nacional-Excel, Garantia, Bamerindus, Real entre outras que passaram
pelo processo de desnacionalização.
De certo estaríamos perguntando agora, mas por que o Brasil? O
autor em questão nos auxilia na explicação. Além das políticas e estratégias
de intensificação das privatizações, na época adotadas pelo governo de
14
Fernando Henrique Cardoso, o Brasil é a 11ª economia do mundo , possui
um grande porte continental e também um mercado consumidor com
potencial para crescer, sendo que a única restrição para tal crescimento é a
15
questão da concentração de riqueza e renda nas mãos de poucos . Freitas
(apud KHALIL, 2004) afirma que a relação entre o número de contas
bancárias e o tamanho da população ainda é baixo no país; na Espanha
existe uma agência para cada grupo de 1.100 pessoas; no Brasil, está
proporção é de uma para 4.500. Nesse sentido, Costa (s/d) apresenta ainda
uma outra consideração:
14
Conforme SPITZ (2006-A e B) o Brasil que já foi a oitava economia do mundo na década passada,
subiu da posição de 15ª para a 11ª em relação a 2005, ficando à frente de todos os países da América
Latina e, também à frente da Índia, Austrália, Rússia e Holanda. No entanto, considerando o PIB
per capita, ocupa o 72º lugar, atrás da Costa Rica, Panamá e Argentina. A pesquisa considerou um
universo de 155 países.
15
A mídia ventila as estatísticas que mostram a situação vergonhosa da distribuição de renda
brasileira, grosso modo a publicação do IPEA – Radar Social 2005, publicada com a finalidade de
expor a situação sócia econômica brasileira confirma o lugar do Brasil nas mesmas. De 130 países
o Brasil ocupa o 129º no ranking, com a segunda pior distribuição de renda, atrás apenas de Serra
Leoa, um cenário brasileiro em que 50% dos mais pobres ficam com 13,3% da renda nacional,
enquanto 1% dos mais ricos fica com 13% dessa renda.
132
têm acesso bancário. Restariam cerca de 15 milhões de clientes
potenciais a serem conquistados.
133
número de participação estrangeira equivale a 60% dos processos efetuados
no período referenciado, acima dos 42% do período de 1992/94. Se nos
ativermos aos processos em geral de fusões e aquisições que ocorreram para
o período de 1995/97, teremos um total de 423 operações, tendo as empresas
16
estrangeiras participando de 251 delas, ou seja, um total de 70% .
Considerações finais
Do exposto, fica evidente que dentro dessa dinâmica de
internacionalização da economia, o papel do Brasil tem se dado muito mais
de forma receptiva que expansiva; ou seja, o país recebeu mais empresas
estrangeiras do que colocou as suas lá fora, confirmando que a globalização
não é homogênea, mas seletiva, seja quanto aos lugares, seja quanto às
empresas. O setor bancário é exemplar nesse caso, embora presenciamos
poucos, mas grandes bancos nacionais nessa empreitada.
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16
Em Gonçalves (1999, p.142-152) existe farto e rico material sobre os processos de privatizações e a
participação do capital estrangeiro nestes processos.
134
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135
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136
A teoria do caos e a geografia: fundamentos e
perspectivas
1
VESTENA, Leandro Redin
Introdução
1
Professor do DEGEO/UNICENTRO.
A Teoria do Caos pode ser entendida a partir de pelo menos três
conceitos básicos: a Teoria de Poincaré ou Efeito Borboleta; a Teoria de
Lorenz; e a de repetições de um mesmo tipo de estrutura, as bifurcações ou
ramificações (GLEICK, 1990).
A Teoria de Poincaré aponta que o bater das asas de uma borboleta,
hoje numa região qualquer da Ásia, causa uma movimentação de ar que, vai
crescendo de forma gradual, atravessando continentes e oceanos, podendo
tomar forma de uma tempestade numa região específica da América.
A Teoria de Lorenz demonstra que pequenos erros mostram-se
catastróficos. Lorenz, no início da década de 1960, ao tentar fazer a previsão
meteorológica, vislumbrou a ordem do caos, da mesma forma que Poincaré
e muitos outros depois dele, perceberam que uma pequena mudança nas
condições do clima hoje pode produzir uma grande catástrofe mais à frente.
Usando um computador para simular o comportamento da atmosfera e dos
oceanos, Lorenz, com base em certas informações fornecidas à máquina na
forma de números, previa o tempo para os dias e meses seguintes na forma
de gráficos. Porém, num certo dia, ele quis que o computador repetisse uma
determinada seqüência de gráficos, digitou os mesmos números iniciais,
mas a máquina respondeu com gráficos diferentes (Figura 1). O motivo da
discrepância estava nos números que ele havia digitado. Na primeira vez, o
computador trabalhou com números com seis casas decimais. Na segunda,
ele digitou números mais curtos, supondo que a diferença era desprezível. Ao
comparar os dois gráficos, percebeu que eles divergiam progressivamente a
partir de certo ponto. Isto é, pequenas diferenças se multiplicam, formando
um efeito cascata. Pequenos erros se acumulam com o tempo.
Figura 1 - Como dois padrões de tempo divergem: das saídas impressas de
Lorenz, de 1961
138
de produzir esse comportamento complexo, abandonou a meteorologia, e os
encontrou nas chamadas equações não-lineares, as mesmas ensinadas nas
aulas de geometria descritiva do antigo curso colegial. Os gráficos produzidos
a partir dessas equações parecem, à primeira vista, a desordem pura, já que
nenhum ponto se repete. Porém, se observar atentamente, pode-se perceber
que eles encerram certo tipo de ordem.
A matemática clássica ou euclidiana consiste na descrição de objetos
físicos que utilizam linhas, círculos, elipses, etc. Este tipo de geometria
é apropriado para descrever sistemas simples, porém, imprópria para
descrever padrões encontrados na natureza, que são significativamente
mais complexos, ou seja, não lineares.
Mandelbrot (1983), a partir disso desenvolve a geometria fractal para
descrever estas entidades naturais, ou seja, capaz de descrever os padrões
irregulares, o caos e o aleatório, encontrados na natureza (XU et al., 1993).
Christofoletti (1997), associando a Teoria Fractal à Teoria do Caos,
colocou que esta relata a história das coisas que acontecem nos sistemas
dinâmicos à medida que evoluem ao longo do tempo, enquanto a geometria
fractal registra as imagens de seu movimento no espaço, ou seja, descreve a
trajetória deixada pela passagem dessa atividade dinâmica.
De acordo com Capra (1996), a geometria fractal, incorpora as
relações e os padrões. “É mais qualitativa do que quantitativa e, desse modo,
incorpora a mudança de ênfase característica do pensamento sistêmico”
Ou seja, enquanto a matemática convencional (euclidiana) trabalha com
quantidades e com fórmulas, a Teoria dos Sistemas Dinâmicos lida com
qualidades e com padrões.
Sendo assim, a Geometria Fractal apresenta grande importância à ciência
geográfica à medida que contribui para o entendimento dos padrões espaciais
apresentados pela natureza. A Geometria Fractal, de acordo com Chistofoletti
(2004), foi um dos mais importantes acontecimentos científicos do século XX.
No Brasil, e principalmente na Geografia, restritos são os trabalhos
que se fundamentam na Teoria do Caos para o entendimento da Natureza.
Neste sentido o presente trabalho visa apresentar, de forma resumida e
clara, os principais conceitos associados à Teoria do Caos e sua importância
para a Geografia.
A fractalidade na Natureza
Na natureza, os padrões fractais são facilmente observados, destaca
Briggs (1992), por descrevem a rugosidade do mundo, sua energia, suas
139
mudanças e transformações dinâmicas. O espalhamento das folhas
de outono nos quintais e jardins; a fratura deixada pela vibração de um
terremoto; a linha costeira sinuosa esculpida pela turbulência dos oceanos e
erosão; os fragmentos irregulares do gelo à medida que as águas congelam;
o espaçamento das estrelas no céu noturno; as nuvens e os penachos
da poluição de uma usina energética espalhando-se na atmosfera, as
ramificações de uma árvore, que marcam o processo de seu crescimento;
a rede de drenagem desenvolvida numa determinada área; entre outros;
todos eles são padrões fractais, sinais da atividade dinâmica trabalhando.
Para explicitar melhor um caso de fractalidade, pergunta-se: Qual o
comprimento do litoral paranaense? A linha da costa é em geral calculada
a partir de imagens de satélite. Mas se as fotografias fossem tiradas de um
avião, as irregularidades seriam mais visíveis e obter-se-ia um outro valor.
Se, em vez de fotografia, fossem medidas diretamente todas as saliências e
reentrâncias, obter-se-ia um valor muito maior. Se, em seguida, fosse usada
uma régua de um decímetro e repetindo a tarefa, obter-se-ia maior precisão
nas medidas dos contornos rochosos, começando a levar em conta a
irregularidade das pedras, e o comprimento final obtido seria ainda maior.
Poder-se-ia repetir esta tarefa indefinidamente, mas sempre reduzindo
a escala de medição da costa, que o seu comprimento iria aumentar, visto
que o comprimento da costa de um país tende para o infinito, embora a
área que a limita seja finita.
O comprimento do litoral depende de como ele é medido. Isto acontece
porque o litoral, ao contrário do que você lê em muitos livros de geografia, não
é uma linha. Perguntar sobre seu comprimento não tem sentido.
A linha de costa é um exemplo de fractal que ocorre na natureza,
exemplo este já destacado no início do tópico. A dimensão de uma
curva fractal é o número que caracteriza a maneira na qual a medida do
comprimento entre dois pontos aumenta à medida que a escala diminui.
Como é possível existir uma “linha” que une dois pontos, mas que não
tem comprimento bem definido? Para ver isso, comece com uma linha simples,
um segmento de reta como o da figura 2A. Essa linha tem um comprimento
bem definido, por exemplo, três quilômetros. Agora, divida o segmento em três
partes iguais e substitua a parte do meio por dois pedaços de igual tamanho,
formando uma entrada ou cavidade (siga na Figura 2A), que você pode pensar
como representando uma baía ou enseada no litoral. Qual é o comprimento
dessa nova linha? É fácil ver que é simplesmente quatro quilômetros, pois cada
pedaço vale um quilômetro. Em cada segmento, proceda do mesmo modo:
divida cada segmento em três partes iguais e substitua a do meio por dois
140
segmentos de mesmo tamanho, de modo que cada segmento original agora
tem quatro pedaços iguais. Qual é o novo comprimento?
A linha total tem 16 pedacinhos, e cada um possui 1/3 km (lembre-
se que cada pedaço de 1 km foi dividido por três). Logo, o comprimento
deve ser 16 vezes 1/3, ou seja, 16/3 = 5,333... km. De novo, o comprimento
aumentou, já que antes era 4 km. Mas esse comprimento ainda é bem
definido, nenhuma surpresa até agora. O que temos por enquanto é uma
linha poligonal composta por certo número de segmentos de reta, cada
segmento com um comprimento bem definido.
Figura 2 - Curva de Koch
141
da cavidade, chamamos de golfo, baía ou enseada) que por sua vez tem
suas pequenas baías, que têm suas pequenas enseadas e assim por diante.
Porém, parecido, mas não idêntico, porque o litoral é irregular enquanto
que a curva de Koch é um fractal regular. Mas isso é fácil de resolver,
pois é possível fazer curvas de Koch irregulares, por exemplo, escolhendo
aleatoriamente qual dos três pedaços deve ser substituído pela cavidade
formada por dois segmentos (Figura 2B).
A diferença mais importante entre o litoral real e uma linha imaginária
como a curva de Koch é que chega um momento em que os detalhes são
tão pequenos (por exemplo, o espaço entre duas rochas à beira-mar) que
não tem mais sentido perguntar onde começa a terra e onde termina o
mar. E isso sem falar em outras complicações, como as ondas e as marés,
que fazem com que a linha de separação entre terra e água seja ainda mais
mal definida, ou seja, o litoral real é ainda mais complicado que um fractal:
seria melhor descrevê-lo como um fractal que muda com o tempo.
Se a curva de Koch (e, de certa forma, o litoral) não tem comprimento,
se ela não é um objeto unidimensional (uma linha), o que ela é afinal?
Intuitivamente ela parece ocupar “mais espaço” do que uma linha, mas
certamente não é um objeto bidimensional que tem uma área medida em
metros quadrados. A curva de Koch é mais que uma linha, porém menos
que uma superfície. De alguma forma, ela parece ter uma dimensão entre
um e dois, ou seja, uma dimensão fracionária.
Assim, conclui-se que os objetos fractais não possuem comprimento,
área ou volume, mas uma outra medida, que se passou a chamar de dimensão
fractal. E ela pode ser calculada da seguinte forma:
Ou seja,
Logo,
142
Isto é,
A dimensão fractal
Uma das ferramentas proposta para a análise dos sistemas complexos
é a dimensão fractal. Ela é definida como sendo a medida do grau de
irregularidades em diferentes escalas; e é relacionada com o aumento da
medida de um objeto enquanto a escala do instrumento de medida diminui.
Serra e Karas (1997) descreveram os fractais como geralmente figuras
de grande complexidade, com detalhes que se multiplicam em suas partes
mais ínfimas, propriedades e características peculiares que os diferenciam
das figuras geométricas habituais.
143
Um fractal possui três características muito particulares: a sua auto-
semelhança; a sua dimensão; a sua complexidade infinita.
A auto-semelhança de um fractal baseia-se no fato de o conjunto
ser constituído por pequenas cópias de si mesmo. Assim, pode dizer-se
que todas as escalas são indicadas para representar um fractal: a sua forma
é independente da escala considerada. No entanto verificamos que esta
afirmação tem limites quando abandonamos os modelos matemáticos e
consideramos objetos naturais.
Distinguem-se, assim, dois tipos de auto-semelhança: a exata e a
aproximada (ou estatística). A auto-semelhança exata é uma abstração, só
existe no seio da matemática.
Nota-se, na figura 3, que o relevo do litoral contém estruturas
encaixadas em outras, ou seja, o relevo do litoral não muda sua aparência
quando observado em diferentes escalas. A propriedade de auto-semelhança
possui extrema importância na mensuração dos padrões espaciais. Neste
nível de compreensão, a estrutura espacial de um fenômeno geográfico
em uma dada escala, pode ser extrapolada para outra, isto é, os arranjos
espaciais mensurados em uma dada escala, podem apresentar estruturas
auto-similares ou equivalentes em outras escalas, destaca Milne (1990).
Figura 3 - Relevo de Costa: exemplo de auto-similaridade
144
Relativamente à auto-semelhança aproximada, embora não seja
também real, pois estamos limitados à escala visível, encontra aproximações
surpreendentes em formas da natureza.
Serra e Karas (1997) citaram como um gênero da propriedade de
auto-similaridade dos objetos fractais a propriedade de auto-afinidade
encontrada em muitos objetos da natureza.
Contudo, os fractais são igualmente formados por mini-cópias, mas
estas não mantêm fixas as proporções originais, ou seja, eles são invariantes
sob transformações anisotrópicas. Isso ocorre quando uma porção menor
do todo parece ter sofrido diferentes reduções de escala nas direções
longitudinais e transversais. Esse escalonamento desigual resultará em
distorções na réplica menor.
Nikora (1994), considerando a estrutura física da bacia de drenagem,
procurou mostrar o multiescalonamento de sua estrutura (Figura 4),
discutindo as propriedades de auto-similaridade e auto-afinidade dos
objetos fractais. Nesse estudo, utilizou redes de drenagem obtidas em
mapas topográficos e com base nas leis de Horton demonstrou as vantagens
destas propriedades. Para o mesmo autor, uma bacia de drenagem inclui em
suas transformações bacias menores ao longo de seus afluentes, ou seja, ao
dividir uma bacia infinitamente, no “limite”, obtém-se um conjunto fractal
de pontos sobre a superfície. Na natureza, esse procedimento termina com
as bacias de drenagem de primeira ordem, cujos tamanhos determinam a
fractalidade da escala interna.
145
caracterizar as propriedades da escala e indicar a associação existente entre
medida e escala, visto que as medidas geomorfológicas, comprimento
dos cursos fluviais, densidade de drenagem e declividade são tipicamente
mensuradas de mapas e usadas na modelagem hidrológica.
Lam et al., (1992), ao observarem as questões relativas à escala,
resolução e análise fractal, colocam que a escala e a resolução têm sido
chave de muitas questões de mapeamento científico. Para os pesquisadores,
os vários dilemas metodológicos de mapeamento envolvem a questão
da escala e resolução. Diferentes processos espaciais operam em escalas
diferentes, assim a interpretação fundamentada nos dados de uma escala
não pode ser necessariamente aplicada para outra escala, dessa forma, um
padrão espacial pode parecer bem definido de acordo com uma escala; mas
com pouca definição em outra.
Gao e Xia (1996) consideraram um fractal como estrutura física que
tem forma irregular ou fragmentada em todas as escalas de medida, sendo
uma de suas características o escalonamento ou invariância geométrica sob
certas transformações. A independência escalar dos fractais é decorrente de
suas propriedades: auto-similaridade e auto-afinidade. A auto-similaridade é
um atributo do fractal exato, onde cada cópia do objeto é escalonada do todo
pela mesma razão, em toda coordenada cartesiana. A propriedade de auto-
afinidade é um atributo daqueles objetos que mesmo sofrendo transformações
longitudinais ou transversais conservam afinidade com a figura original.
Por sua vez, Christofoletti (1997) citou como atributos dos
fractais, o escalante e a aleatoriedade. Para o pesquisador, o escalante se
encontra relacionado com o grau de detalhamento em diferentes escalas
de observação do objeto e a aleatoriedade com as dinâmicas caóticas dos
sistemas, assinalando a imprevisibilidade da forma específica a ser gerada.
Um fractal é um conjunto espacial que manifesta uma relação
escalar, entre o número de seus elementos constituintes e a sua classe de
mensuração (tamanho, densidade e intensidade). Essa definição inclui
fenômenos dinâmicos que podem ser espacialmente representados e,
portanto, fractalmente mensurados. O fractal, usado como adjetivo,
significa a qualidade do objeto de manifestar essa regularidade escalar.
Assim, a propriedade de escalonamento se tornou característica inerente
da fractalidade e a espacialidade, característica do fenômeno analisado.
Logo, uma das formas talvez mais simples de definir um fractal diz
respeito à condição de invariância geométrica do objeto quando observado
em escalas diferentes.
146
De acordo com Christofoletti (1997), a alteração na escala de
observação dos fractais determina uma quantidade de elementos similares
que ocorrem também de forma diferente. A seqüência de alterações
estabelece a noção de escalonamento que pode ser analisado como sendo a
relação entre o tamanho e a quantidade de ocorrências nos diversos níveis
de observação. Sendo assim, a dimensão fractal é o valor do expoente do
escalonamento, relacionando o número de ocorrências desses elementos
com a categoria de seus diversos tamanhos.
A dimensão da curva fractal, por exemplo, é um número que caracteriza
a maneira na qual a medida do comprimento, entre dois pontos, aumenta
à medida em que a escala de observação diminui. Nesse caso, a dimensão
fractal quantifica a complexidade ou irregularidade de um objeto fractal, mas
não sua forma. Portanto, um objeto com menor dimensão fractal é menos
complexo do que um objeto com uma maior dimensão fractal.
Para Christofoletti e Christofoletti (1994), a significância dos
fractais residiu em possibilitar concepções mais amplas a propósito da
dimensionalidade de um objeto. Os pesquisadores enquadraram os valores
do escalonamento da dimensão fractal de modo genérico em:
- Valores entre 0 e 0,99: neste intervalo encontram-se as estruturas
com base em pontos como, por exemplo, o fractal de uma série
temporal de dados sobre a precipitação em determinado lugar;
- Valores fractais entre 1,0 e 1,99: neste intervalo incluem-se as
estruturas espaciais de lineamentos, no caso curvas irregulares, como
as tortuosidades e as sinuosidades das linhas costeiras e os meandros
dos cursos fluviais.
- Valores entre 2,0 e 2,99: inserem-se as estruturas espaciais de
representação bidimensional que uma superfície irregular possui.
Incluem-se aqui a análise do formato de bacias hidrográficas e a
modelagem digital do terreno;
- Valores de 3,0 e 3,99: correspondem às estruturas espaciais
de representação volumétrica de uma categoria de ocorrência no
interior de outro conjunto volumétrico. Por exemplo, servindo
como aplicação para o cálculo de reservas em jazidas minerais em
determinada unidade espacial ou para determinar o volume total
de nuvens em uma unidade volumétrica (local ou regional) da
atmosfera.
147
Na tabela 1, mostra-se uma relação de várias estruturas observadas
na natureza com suas correspondentes dimensões fractais, medidas com
aproximações variáveis, dentro do domínio de escalas em que a propriedade
de similaridade está presente.
DIMENSÃO
ÁREA SISTEMA
FRACTAL
Olho humano ~1,7
Pulmão ~2,2
Cérebro dos mamíferos ~2,6
Ramificação de plantas 2,2 < d < 2,8
BIOLOGIA Proteínas 1,6 < d <-2,4
~1,4 (borda)
Colônias de fungos e bactérias
~1,9 (massa)
Linhas costeiras 1,2 < d < 1,4
Meandros de rios 1 < d < 1,2
Contornos topográficos de montanhas 1,1 < d < 1,3
GEOCIÊNClAS
Objetos fragmentados (granito, carvão,
2,1 < d < 2,6
basalto, quartzo etc.)
COSMOLOGIA Distribuição de galáxias no Universo ~1,2
Aglomerados de metal em catodo ~1,35
Nuvens (projeção do perímetro) ~2,43
ESTRUTURA DA
MATÉRIA Dedos viscosos (produzidos pela injeção de
~1,7
um líquido em outro viscoso)
Fonte: (MOREIRA, 1999)
148
com o detalhamento da observação e dos procedimentos usados na sua
determinação, por exemplo, o estudo da organização estrutural das redes
hidrográficas, considerando as diversas escalas de representação cartográfica
e a utilização de fotografias aéreas ou imagens orbitais.
Apontamentos e considerações
A abordagem fractal surge como um importante recurso
metodológico para o estudo de comportamentos instáveis e aperiódicos em
sistemas dinâmicos determinísticos não-lineares, ou seja, caóticos.
A dimensão fractal relaciona-se com o grau de irregularidade ou
tortuosidade de um fractal e representa o seu grau de ocupação no espaço.
À Geografia, como a ciência que se preocupa com a compreensão do
espaço, mais especificadamente, do onde (dimensão espacial) e do por que
deste onde, a abordagem fractal passa a ter grande importância à medida em
que pode fornecer subsídios à análise espacial integrada e ao entendimento
da organização que os arranjos sociais, culturais e econômicos ganham
sentido no espaço geográfico.
Por fim, espero que os conceitos aqui expostos da teoria do caos
sirvam de inspiração aos estudantes de Geografia e pesquisadores a
utilizarem a abordagem fractal nos estudos geográficos.
Referências
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CAPRA, F. A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 1996.
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na análise geográfica. Geografia, Rio Claro, v. 19, n. 2, p. 79-112, 1994.
149
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1990. 310p.
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SERRA, C. P.; KARAS, W. E. Fractais gerados por sistemas dinâmicos
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VESTENA, L. R., KOBIYAMA, M. A Dimensão Fractal da Rede de Drenagem
da Bacia Hidrográfica do Caeté, Alfredo Wagner/SC. In: XIX SEMINÁRIO
DE PESQUISA XIV SEMANA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE. Anais... Guarapuava:
UNICENTRO, 2008 (no prelo).
150
Interpretação geográfica de um evento
pluviométrico excepcional ocorrido em abril de
1998, Guarapuava-PR
1
AMARAL, Adriano Araújo do
2
THOMAZ, Edivaldo Lopez
Introdução
Gregory (1992), citando Chandler (1976), salienta a relevância que
as condições climáticas de uma cidade têm no planejamento da mesma.
Ainda nos lembra que Chandler, Cooke e Douglas (1976) já consideram
que a mudança de uso do solo de seu ambiente natural para um urbanizado,
produz mudanças particularmente nas feições geológicas, geomorfológicas,
hidrológicas e nos limites da atmosfera.
São vários os estudos que têm sido feitos em relação aos impactos
nos ambientes urbanos, dentre eles a análise da vulnerabilidade das áreas
urbanas em face aos desastres naturais (furacões, ciclones, terremotos,
alagamentos, secas, e etc.), considerando a magnitude e freqüência desses
1
Graduando do 4° ano de Geografia – licenciatura – da Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO) e bolsista do PET (Programa de Educação Tutorial) Geografia.
2
Professor doutor do DEGEO – Departamento de Geografia – da Universidade Estadual do Centro-
Oeste (UNICENTRO).
fenômenos, tanto do fenômeno em si quanto pela sua repercussão nas
organizações sócio-econômicas.
A concepção de clima aqui adotada é a de Monteiro (1971), onde
este aparece como sendo o ambiente atmosférico constituído pela série
e sucessão habitual dos estados da atmosfera acima de um lugar. Esta
concepção nos recomenda que somente a análise rítmica ao nível de tempo,
desvelando a origem dos fenômenos na perspectiva regional, é capaz de
contribuir no estudo de diferentes problemas geográficos da região; o
autor ainda propõe a análise das variações diárias dos elementos climáticos
associados à circulação regional da atmosfera, de modo a buscar a gênese do
fenômeno climático encadeado, no nosso caso, na análise episódica. Então,
ao trabalhar com o paradigma da análise rítmica, procuramos visualizar as
seqüências rítmicas dos tipos de tempo, pois:
3
Estes pontos se referem à Estação Agrometeorológica de Guarapuava-PR monitorada pelo IAPAR
(Instituto Agronômico do Paraná) e integra o SIMEPAR (Sistema Meteorológico Paranaense)
sendo identificada pelo código 02551010.
152
matas de galeria, além de campos limpos (VESTENA e THOMAZ, 2003
citando MAACK, 2002). De acordo com estes mesmos autores (p. 72), o
clima de Guarapuava pode ser caracterizado por ser:
153
Materiais e métodos
Além do ritmo climático, este trabalho baseou-se na proposta de clima
urbano de Monteiro, mais acerca do terceiro canal de percepção humana da
Teoria Clima Urbano (MONTEIRO, 1976) – impactos meteóricos - através
do elemento chuva, de onde articulamos a escala local com a regional.
De início realizou-se uma revisão bibliográfica dos aspectos
climáticos de Guarapuava e região. Após, nos voltamos para a investigação
e análise dos dados climáticos e meteorológicos coletados da estação
agrometeorologica de superfície do IAPAR (Instituto Agronômico do
Paraná) de código 02551010 localizada a 25° 21`de latitude Sul e 51° 30`de
longitude Oeste, na cidade de Guarapuava-PR.
Utilizou-se também de imagens de satélites meteorológicos
METEOSAT-GOES 8 - Geostationary Operational Environmental Satellit
– da América do sul, através do Centro de Pesquisas Tecnológicas (CPTEC/
INPE, 2006), as quais foram ajustadas para a hora oficial de Brasília (-3
GMT) e de cartas sinóticas de superfície ofertadas também pelo INPE.
A abordagem do clima (através do episódio) foi desenvolvida
de acordo com a concepção sistêmica de caixa-preta, sendo a chuva o
output do sistema climático e os alagamentos a resposta em função de
como se organiza a sociedade local modificando a morfologia do sítio
urbano. Enfim, este estudo busca se inserir em uma linha de abordagem
estabelecida para os estudos de climatologia, onde se deixam de lado os
pressupostos do equilíbrio (estados médios da atmosfera elaborados por
técnicas estatísticas) e passam a ser focalizadas as estruturas singulares da
atmosfera, que são resultado de certa desordem no sistema que resulta em
bifurcações a nível regional.
Resultados e discussões
O clima da região no mês de abril – outono - é marcada por
flutuações da MPa e da frente a ela associada, acontecendo assim recuos
devido à ação de massas intertropicais e também desenvolvimento de
intensas ciclogêneses, através da perplexidade das frentes (MONTEIRO,
1963). Como podemos ver no Gráfico 1, tal mês não se apresenta como um
dos meses mais chuvosos na série analisada.
154
Gráfico 1 -Médias mensais de pluviosidade para Guarapuava (1976-2006)
155
isto devido às condições atmosféricas reinantes na época, mas nota-se que há
desvios significativos nos índices de precipitação, como nos anos de 1983 e de
1998 com 319,8 e 518 mm precipitados respectivamente. Também são dignos
de observação as chuvas máximas destes dois anos para o mês de abril, sendo
84,4mm para o ano de 1983 e 119,8 para o ano de 1998.
No que se refere aos eventos acima de 50 mm, o mês apresenta-
se como intermediário na série analisada – 1976/2006 – apresentando
dezesseis eventos significativos para a discriminação, como podemos
observar no gráfico 2.
156
Gráfico 3 - Chuva máxima mensal em 24 horas ocorrida no ano de 1998
157
anteriormente, ficando atrás apenas do ano de 1983 (3168,4 mm) que
também foi afetado pelo fenômeno.
O relatório CLIMANÁLISE/INPE (2006) relata que esta anomalia
na precipitação (Gráfico 2) esteve associada a sistemas frontais que atuaram
no país neste mês. Tanto na região Sul como no Mato Grosso do Sul estes
4
sistemas foram intensificados pela presença de cavados em todos os
níveis, e vórtices ciclônicos em altos níveis. Para exemplificar o excedente,
analisemos o gráfico que se segue.
Continua
4
São áreas caracterizadas por representarem baixa pressão atmosférica que facilitam a movimentação
de sistemas.
158
Dia Sistema atmosférico Pluviosidade (mm)
24 FPA ESTACIONÁRIA 119,8
25 FPA ESTACIONÁRIA 8
26 MPA 1
27 ÁREA. INS 23
28 FPA 60,1
29 FPA ESTACIONÁRIA 16,4
30 FPA 0
31 - 0
159
Chega-se ao dia 23 com o Paraná todo incorporado pelas áreas
instáveis que irão interagir com o quarto sistema frontal – FPA - do mês.
O CLIMANÁLISE/INPE (2006) descreve que o sistema que agiu no dia 23
(101,4mm):
160
Foto 1 - Alagamento no bairro cascavel
161
Neste dia - 25 - a frente – FPA - volta a se estacionar sobre a região, mas
não apresenta precipitação intensa, sendo que a precipitação chegou apenas
8 mm neste dia, e no fim da tarde a frente já demonstra enfraquecimento
do sistema.
Todavia, acredita-se que os alagamentos visualizados nas fotos acima
sejam decorridos dos índices do dia 24. Para isto, os dias 22, com a entrada
do sistema, e o dia 23 com o início dos índices da precipitação foram de
suma importância para o impacto. A combinação desses dias de acúmulo
de precipitação com o processo de urbanização e, conseqüentemente,
a ocupação de várzeas e encostas, através das modificações impostas,
principalmente pelo número cada vez maior de população ocupando áreas
ribeirinhas vieram a contribuir para outros alagamentos no perímetro
urbano de Guarapuava.
Os últimos valores de precipitação (dias 27, 28 e 29) para Guarapuava
estavam associados a um vórtice ciclônico em todos os níveis localizado no sul
do Uruguai. Este, por sua vez, associou-se a um sistema frontal, intensificando-
se e originando uma frontogênese e ciclogênese no extremo sul do Rio Grande
do Sul. Este sistema teve deslocamento pelo interior até MG e MT e pelo litoral
até o RJ, onde enfraqueceu (CLIMANÁLISE/INPE, 2006).
Considerações finais
Neste trabalho, ressaltamos o episódio pluviométrico de caráter
excepcional que causou impactos na organização do espaço na cidade de
Guarapuava. Ressalte-se a importância deste tipo de estudo, principalmente
no que se refere aos associados à climatologia geográfica pois, não se trata
de um retorno a uma perspectiva do excepcionalismo – particularidades
– em Geografia, na perspectiva de se analisar os fenômenos isoladamente,
partindo de uma análise das partes, mas sim, como o próprio trabalho
aponta, de uma discussão associada com o, neste caso, fenômeno atmosférico
regional e que é reflexo de interações com escalas superiores. Assim,
a possibilidade de interpretações se torna cada vez maior e a qualidade
das interpretações é cada vez melhor. É através de ensaios como este que
podemos começar a construir conjecturas sobra a dinâmica da natureza/
sociedade no urbano e, através delas, visualizar como se dão os impactos e
talvez num futuro propor alternativas para a solução e/ou minimização dos
problemas ambientais.
162
Referências
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de Pesquisas Espaciais, 2006.
APAR – Instituto Agronômico do Paraná. Curitiba, 2006.
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Navarro) Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992, 367p.
MONTEIRO, C. A. F. O clima da região Sul. Geografia regional do Brasil.
Tomo I. cap. III. Biblioteca Brasileira, IBGE, 1963.
MONTEIRO, C. A. F. Análise rítmica em climatologia: problemas
da atualidade climática e achegas para um programa de trabalho. São
Paulo. Instituto de Geografia. Universidade de São Paulo, 1971, 21p.
(Climatologia 1).
MONTEIRO, C. A. F. Teoria e clima urbano. São Paulo: IGEO/USP, 1976.
(Climatologia) n. 1.
MONTEIRO, C. A. F. Clima e excepcionalismo: conjecturas sobre o
desempenho da atmosfera como fenômeno geográfico. Florianópolis,
Editora da UFSC, 1991.
PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARAPUAVA-PR, 2005
SIMEPAR - Sistema Meteorológico Paranaense, Curitiba, 2006.
VESTENA, L, R; THOMAZ, E, L. Aspectos climáticos de Guarapuava-
PR. Guarapuava: UNICENTRO, 2003, 106 p.
ZAVATTINI, J. A. O paradigma da analise rítmica e a climatologia geográfica
brasileira. GEOGRAFIA, Rio Claro, v. 26, n. 3, p. 25 – 43, Dez. 2000.
ZAVATTINI, J. A. O tempo e o espaço nos estudos do ritmo do clima no
Brasil. GEOGRAFIA, Rio Claro, v. 27, n. 3, p. 101 – 131, Dez, 2002.
163
Análise teórica das migrações: enfoques
tradicionais e novos enfoques de aporte social
1
BRUMES, Karla Rosário
2
SILVA, Márcia da
1
Professora junto ao Curso de Geografia - Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO
– Campus de Irati-PR. e-mail: kbrumes@hotmail.com.
2
Professora junto ao Curso de Geografia - Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO
– Campus de Guarapuava-PR. e-mail: smarcias@superig.com.br.
de serviços públicos e privados, uma maior proximidade da família e, não
menos importante, a decisão pessoal do sujeito neste contexto.
Palavras-chave: migração; enfoque tradicional; novos aportes sociais de
análise.
Introdução
Entender as mudanças provocadas pela inserção de populações em
determinados lugares, demonstrando a alteração da dinâmica dos mesmos
e as formas como essas transformações ocorrem deve ser um dos objetos de
estudo da Geografia. Isso se explica pela necessidade de se observar o que
foi modificado tanto no local de chegada como no de origem, por exemplo,
assegurando a esta área do conhecimento um campo de investigação amplo
que lhe permita entender as migrações para além de dados quantitativos ou
estatísticos.
O pluralismo causal acompanha a explicação dos processos
migratórios, fato consensual mesmo que o peso de cada premissa causal
inferida dependa de preferências teóricas e das inflexões circunstanciais dos
fenômenos a explicar. De qualquer forma, os fenômenos migratórios são
fatos sociais totais, que se relacionam com os socioeconômicos, culturais,
político-institucionais e outros. A Geografia, enquanto ciência social,
investiga os fenômenos migratórios a partir de uma série de determinações
que vêm se modificando e se combinando com o passar do tempo.
Evidentemente, é muito difícil enumerar todas as séries de estímulos
susceptíveis que originam as migrações, porém, algumas são mais visíveis
3
como as econômicas, as políticas e as religiosas. Estudá-las é importante
porque indica fatores que definem a inserção de milhares de pessoas em
determinadas localidades, que chegam a alterar a dinâmica tanto da área
receptora como a da área de origem. De acordo com Damiani (1999, p. 62),
3
Gaudemar (1976, p. 9), afirma que “os maiores movimentos de populações registrados recentemente ou
ainda os mais importantes fenômenos de transformação profissional brutal, ocorrem devido menos ao
econômico que ao político e a seus desdobramentos militares: os conflitos entre estados, as guerras.”
166
emigração européia, do final do século XIX às primeiras décadas
do século XX, até as migrações a curta e média distâncias, mais
freqüentes. Max Sorre fala da europeização do ecúmeno desde o
século XVI.
Metodologia
Ao mesmo tempo em que este estudo é desafiante diante do conjunto
de temas que se pode abordar, torna-se também prazeroso por permitir a
busca de novos elementos acerca da análise das migrações com base no
princípio de que se pode contribuir com a idéia de que novos conceitos
são construídos, criados e recriados ao longo de um processo. Assim, para
a elaboração deste trabalho, a revisão bibliográfica sobre migração e sua
estruturação no espaço geográfico foi o fundamento principal por permitir
que aos enfoques tradicionais de análise pudessem ser aliados os novos
enfoques de aporte social e utilizados conjuntamente na compreensão deste
fenômeno no meio urbano.
Discussões e resultados
O estudo em questão fundamentou-se nas análises de textos que
relacionam migração urbana como um fenômeno resultante apenas de
influência macro estrutural, em contraposição àqueles que identificam nas
relações sociais, como as estabelecidas pelas redes, como um novo aporte
que coloca outras significâncias na discussão migracional.
Os resultados apontam para a idéia de que as abordagens das
migrações das décadas de 1960 a 1980, no Brasil, faziam referência aos
movimentos intraurbanos, baseados, por exemplo, na dicotomia cidade x
campo. Estes, porém, já não trazem operacionalidade para compreender o
que acontece na sociedade brasileira hoje.
Se, há alguns anos, acreditava-se que para um desenvolvimento
capitalista otimizado a migração tinha papel decisivo, e se o resultado era o de
que o indivíduo seria envolvido positivamente nesta racionalidade, estes fatores
resultaram em um paradigma da migração necessário ao desenvolvimento
167
capitalista, ou seja, o apontamento aqui é único e exclusivo de uma migração
sem qualquer intervenção do sujeito envolvido, já que as condicionantes
estruturais ocupavam o nível mais elevado no poder de decisão.
Todavia, uma análise da migração que sai do nível de determinação macro
e passa ao nível micro, a motivação, seja qual for, se apresenta mais racional,
pois envolve decisões pessoais. Isto não quer dizer que devam ser esquecidas as
contribuições e as discussões existentes entre os anos 1970 e 1980, posto terem
sido elaboradas justamente no momento em que a idéia de desenvolvimento se
atrelava única e exclusivamente ao crescimento econômico.
Entretanto, as dinâmicas encontradas numa sociedade pautada pelas
ações capitalistas, especialmente nas duas últimas décadas, se configuram
em materialidades tão esparsas e diversas que os dispositivos instrumentais
e teóricos acerca das migrações internas elaborados antes dos anos de 1980
não são mais tão eficazes na compreensão da questão migratória nos dias
atuais. Assim, os estudos para o entendimento do que são as migrações,
neste contexto, caminham em direção de se pensar o fenômeno no interior
de um processo vigente do desenvolvimento da economia capitalista
que anteriormente tinha nas migrações um poderoso mecanismo de
transferência de excedentes.
As análises apontam que, após os anos de 1980, um conjunto de
alterações econômicas e sociais fez com que as características do processo
migratório também passassem por transformações, assim como a própria
natureza do migrante. São deixados de lado os estudos que relacionam o
processo de mobilidade social ao processo de mobilidade espacial, o que
resulta em mudança de paradigma, ou seja, os estudos deixam de ser
pautados nas melhorias sociais.
O capitalismo fundamentado nas transferências de excedentes mostra-
se, mesmo no caso do Brasil com suas condições de transição demográficas,
capaz de gerar permanentemente seus excedentes. Observa-se que mesmo
com a taxa de fecundidade baixa em áreas urbanas, por exemplo, os excedentes
demográficos não diminuíram, e isto faz com que a “racionalidade” embutida
na decisão de migrar tenda a não mais considerar a migração com caráter
permanente e sim como uma atividade de risco, uma vez que a mobilidade
social da população passa a ser uma atividade arriscada.
O indivíduo que até o início dos anos de 1980 se estabelecia
permanentemente pensando em gradativamente ir subindo socialmente é
cada vez mais raro, pois ele agora esbarra em toda uma gama de dificuldades
impostas por uma economia capitalista. Assim, a sua decisão vem sendo
substituída por um processo racional transitório. Este, no entanto, não
168
foi um impedimento para que as pessoas deixassem de migrar, uma vez
que elas conseguem uma forma de se adequar à estrutura atual na qual a
migração passa a ter um papel distinto.
Autores como Brito (1988) e Soares (2003), ainda a partir dos
anos 1980, apresentam perspectivas a respeito desta relação, ou seja,
demonstram que começa a haver uma diminuição da mobilidade, uma vez
que o processo de migração, bem como o da mobilidade social acabam por
ser influenciados diretamente pela estrutura econômica brasileira dos anos
4
1980 , década considerada como de grande imobilidade social.
A análise da relação entre migração e mobilidade social visa apresentar
outros elementos para a discussão bastante importantes para caracterizar
algumas manifestações do fenômeno migratório interno brasileiro, em
especial entre as décadas de 1990 e 2000. A partir daí a relação da migração
com a mobilidade social é discussão recorrente em muitos estudos e teorias
(como as das redes sociais) nas quais se chega ao determinante de que os
migrantes são socialmente mais móveis que os naturais das cidades.
Muitas são as análises que apontam que tanto o fenômeno das
migrações, no Brasil, como os papéis desempenhados pelos sujeitos devem
suplantar a idéia histórica das migrações como necessárias e produtivas,
uma vez que o contexto dos entraves de entradas é muito maior e as
seletividades se exacerbam, ou seja, as migrações não devem ser pensadas
somente num âmbito que apenas as redimensione conceitualmente para
que sejam melhor compreendidas. As investigações devem possibilitar que
as migrações possam ser entendidas no sentido de esclarecer quais são as
condições mais satisfatórias para as pessoas se moverem no território.
Com relação à participação dos sujeitos migrantes em meio a uma
série de novas análises, Charlot (2000) lembra ainda que a essência originária
do indivíduo humano não está dentro dele mesmo, mas sim fora, em uma
posição excêntrica, no mundo das relações sociais. Nessa perspectiva,
assim como o ser humano não é um dado, mas uma construção, o migrante
não migra apenas por uma imposição, ou seja, este ato está carregado de
intencionalidades recorrentes ao próprio sujeito. Defende-se, assim, a idéia
4
A década de 1980 foi considerada para muitos estudiosos como a "década perdida". A crise econômica
de 1981 a 1983 mudou completamente o quadro até então favorável à mobilidade estrutural e, por
extensão, às perspectivas de mobilidade social ascendente no país. A queda na taxas de crescimento
do Produto Interno Bruto - 7% a.a, entre 1975 e 1980 caiu para 1% no qüinqüênio seguinte – , com
a conseqüente diminuição no ritmo de criação de postos de trabalho no setor formal, aumento da
rotatividade da mão-de-obra, contratação das vagas na indústria de transformação e na construção
civil nas regiões metropolitanas acabaram limitando as oportunidades de ingresso no mercado de
trabalho e as possibilidades de progressão funcional (JANNUZZI, 2000).
169
de um migrante que é social e cultural, especialmente dentro das várias
redes estabelecidas.
Surge um embate na questão da migração no sentido de compreender
como o migrante pode, dentro de uma estrutura que os deixa imunes a
determinados processos condicionantes e a determinadas situações que
5
ocorrem mediante as forças que agem além das pessoais . Duas noções de
direito vão convergir neste sentido, a saber, o entendimento da evolução
dos estudos de população e dos estudos da própria noção de direito.
Mesmo o migrante estando subjugado ao capital e por mais
internalizado que esteja a este fato-processo, ainda sim, ele tem certo
domínio da decisão do ato de migrar. Neste sentido:
5
Não obstante não ser objetivo do trabalho, esta argumentação apresentada faz referência aos
deslocamentos compulsórios, ou seja, a migrações forçadas por determinação de uma estrutura
maior, como o bem comum. A idéia aqui expressada faz referencia a, por exemplo, refugiados do
desenvolvimento como os deslocados para construção de barragens, neste sentido, grupos como o MAB
(Movimento dos Atingidos por Barragens), buscam seus direitos mediantes a uma série de estratégias.
170
Considerações finais
Apesar dos vários enfoques atribuídos ao fenômeno das migrações,
ao longo do tempo, o destaque é para a predominância da dinâmica macro-
estrutural. Dela ocorrem situações como a teoria dos fatores de atração
e de repulsão que seriam os responsáveis por um melhor “bem estar”
do migrante e seu grupo envolvido. Mas entender esta situação limite é
imaginar que o migrante, neste processo, não tem seu papel aludido. É
pensar em um sujeito que apenas é no espaço um ser entregue a algumas
estruturas condicionantes.
A busca por uma maior compreensão da migração e sua inserção
no território deve também ser entendida a partir dos novos papéis
desempenhados pelos migrantes, ou seja, condicionados a outras variáveis
da vida em sociedade, sendo a migração uma escolha fundamentada em
suas crenças, valores, cultura, relacionamentos, representações, que fazem
6
daquele condicionante estrutural um dos elementos significativos .
Uma análise que leve em consideração as possibilidades da incorporação
das redes sociais exige que novas buscas se materializem, uma vez que não é
nada fácil relacionar a dimensão do econômico diante da busca de inserção de
um ideal mais coletivo marcante nos últimos tempos, o que configura ao ato
de migrar complexidade interessante. Diante desta possibilidade de análise,
torna-se invariavelmente complicado superar os anos de pesquisas e estudos
que delegaram a macroestrutura status de uno no processo migratório, uma
vez ser cada dia mais latente o fato de que o processo de decisão de migrar
tem relação com todas as situações que circundam o sujeito. Assim, pode-
se entender o papel desempenhado pelas redes e, mais ainda, as relações
existentes entre elas e que garantem, cada vez mais, um grau de variabilidade
nunca antes apresentado nos estudos migratórios.
Fica claro que as indeterminações presentes nas análises mais recentes,
diante das determinações econômicas passadas, são apenas pontos a serem
incorporados ao variado processo social vigente, uma vez ser necessário o
entendimento de como se dá a análise de sujeito social por meio de uma
extensa e variada pesquisa.
Contudo, não é difícil encontrar na literatura indícios que demonstrem
que alguns estímulos são colocados em prática com a finalidade de que o
processo migratório trouxesse resultados positivos aos territórios de inserção.
6
A idéia de associar migração com variáveis estritamente econômicas origina-se do processo
de industrialização periférica, conforme já explicitado, por exemplo, por Lewis (1954 apud
FERREIRA, 1971).
171
Estas ações são bastante difundidas pelos meios de comunicação, que
alardeiam determinadas situações positivas a respeito de alguns locais que
oferecem empregos (pólos de desenvolvimento), paraísos fiscais e outros.
Algumas reflexões merecem ser deixadas. Em primeiro lugar, não
está se negando a grande influência macro estrutural presente no sistema
capitalista vigente, ou seja, há ainda uma demanda por migrantes em
determinadas localidades devido: a repulsa dos “locais” em ocupar os setores
de baixa produtividade, pois estes (em virtude de uma maior qualificação
e até a uma espécie de prestigio ou regalia natural) ficariam vinculados aos
setores mais “modernos”; a atitudes de governos e/ou empreendedores em
recrutar os desprestigiados, para o cumprimento das tarefas consideradas
de baixo calão, a saber, os migrantes.
O segundo ponto deriva do primeiro. O sujeito diante destas
ingerências vai buscar, de qualquer forma, também fazer parte do processo
de determinações já que agora o faz de modo consciente, ou seja, ele também
é um dos agentes que têm papel definido no processo migratório.
Complexa é, então, a busca por compreender as relações, as
significâncias, as modalidades e teorias que levem a uma melhor definição do
como se abordar os fenômenos migratórios considerando as determinações
macro estruturais e os sujeitos do processo que, agora, atuam no sentido de
não mais serem meros expectadores, mas que também se inserem por meio
das articulações, especialmente por meio das redes.
Em função destas questões, estudos recentes sobre os movimentos
migratórios vêm considerando um conjunto complexo e dinâmico de
elementos econômicos, sociais e estruturais, expressos nas redes em
migração (FUSCO, 2000; FAZITO, 2002; SOARES, 2002).
Referências
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de São Paulo. In: São Paulo em Perspectiva. Movimentos migratórios nas
metrópoles. Fundação SEADE. v. 19, n. 4, Out-Dez 2005, p. 110-120.
BECKER, Olga Maria S. Mobilidade espacial da população: conceito. In:
CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo da C.; CORRÊA, Roberto L. (orgs.).
Explorações geográficas: percurso no fim do século. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1997. p. 45-75; 319-367.
CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto
Alegre: Artes Médicas, 2000. p. 33-51.
172
DAMIANI, Amélia, et al. O espaço no fim do século: a nova raridade. São
Paulo: Contexto, 1999. 220 p.
FAZITO, Dimitri. A análise de redes sociais (ARS) e a migração: mito e
realidade. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS,
13, 2002: Ouro Preto, MG. Anais... Belo Horizonte: ABEP, 2002. (Disponível
em CD-ROM)
FERREIRA, A. H. B. Migrações internas e subdesenvolvimento: uma
discussão. Revista de Economia Política, São Paulo, p. 98-124, jan./abr.
1986.
FUSCO, Wilson. Redes sociais na migração internacional: o caso de
Governador Valadares. In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE MIGRAÇÃO,
2, 2000. Anais... Belo Horizonte: ABEP, 2000. p. 317-342.
GAUDEMAR, Jean Paul. Mobilidade do trabalho e acumulação do
capital. Lisboa: Editorial, 1976. 405 p.
GIANNETTI, Eduardo. O valor do amanhã. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006. 336 p.
JANNUZZI, Paulo de M. Migração e mobilidade social: migrantes no
mercado de trabalho paulista. Campinas: Autores Associados, 2000. 240 p.
SOARES, Weber. Da metáfora a substância: redes sociais, redes migratórias
e migração nacional e internacional em Valadares e Ipatinga. 2002. Tese
(Doutorado). CEDEPLAR/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte. 2002.
173
O estudo da reestruturação urbana do bairro
Vila Carli a partir da pedagogia de projetos: uma
contribuição ao ensino de geografia
1
SANTOS, Patrícia dos
1
Graduada em Geografia Licenciatura – Voluntária do Programa de Educação Tutorial – PET.
UNICENTRO – Guarapuava-PR. e-mail: pati.patita@bol.com.br.
com aplicação da pedagogia de projetos é de que esta forma de ensino
também se dissemine por outras áreas.
Palavras-chaves: pedagogia de projetos; ensino de Geografia; reestruturação
urbana.
Introdução
O presente trabalho busca apresentar atividades realizadas no
Estágio Supervisionado no Ensino Médio II, com alunos da 2ª série do
Colégio Estadual Padre Chagas, em Guarapuava-PR. A temática que se
desenvolveu foi sobre a reestruturação urbana, através da pedagogia de
projetos, conforme orientações ocorridas na própria disciplina de Estágio
Supervisionado II. Para o desenvolvimento da nossa proposta, procurou-
se abordar a dinâmica de transformação do espaço geográfico do Bairro
Vila Carli, a partir da instalação do Cedeteg (Centro de Desenvolvimento
Tecnológico de Guarapuava). Analisou-se, com esse intuito, diversos
setores e agentes, como: comércio, serviços, mercado imobiliário; bem
como as questões ambientais envolvidas no processo. Abordar tal temática
justifica-se pela proximidade do Colégio Pe. Chagas em relação à área do
bairro mais atingida pelos processos de reestruturação urbana. O principal
objetivo foi trabalhar os conteúdos escolares sem compartimentação
dos conhecimentos, uma nova prática de ensino, onde os alunos se
apresentassem também no papel de pesquisadores.
A pedagogia de projetos foi uma das propostas incorporadas pelo
curso de Geografia da UNICENTRO, vinculada às disciplinas de Estágio
Supervisionado II, tanto no ensino fundamental, quanto no ensino médio,
dentro das atuais preocupações com novas práticas metodológicas para o
ensino de Geografia. Por isso, essa proposta impõe-se como o caminho
pelo qual a forma de intervenção no estágio deve ser pensada e executada.
A pedagogia de projetos tem na pesquisa em sala de aula, com alunos e
alunas, o principal eixo organizador da aprendizagem.
Desenvolvimento da proposta
Optou-se por construir com os alunos e alunas, um processo de
pesquisa sobre o processo de urbanização de forma geral, bem como sobre
as transformações que aconteceram na realidade próxima, induzindo-os
176
a mobilizarem-se, recorrerem a metodologias de pesquisa, debaterem e
construírem conhecimentos sobre seu bairro.
A fase inicial para o desenvolvimento partiu da seguinte questão-
problema, induzida aos alunos: Quais foram as transformações sofridas
pelo Bairro Vila Carli, com a implantação do Campus do Cedeteg?
A partir desta questão, buscou-se entender o processo de urbanização
guarapuavana e, de maneira geral, do Brasil, conhecendo assim a própria
história do município de Guarapuava, até chegar ao objeto especifico, que
é o Bairro Vila Carli e ao equipamento implantado que é o Cedeteg. Assim,
foi possível fazer algumas ligações e interações entre outros assuntos, sem
serem separados por conteúdos.
Durante o desenvolvimento, buscou-se identificar os principais
agentes envolvidos nesta reestruturação urbana, quais sejam: o setor
imobiliário, os moradores antigos, os comerciantes que apostam na
dinâmica da área e também os novos moradores, estudantes universitários,
residindo no esquema de repúblicas, que passaram a ser presença constante
no bairro a partir do CEDETEG.
Delimitou-se a área a ser estudada em 26 quadras, tomando
como referência o trabalho de Eing (2003), que já estudou o processo de
reestruturação em pauta. Nesse trabalho, o autor define a área ao entorno do
portão de entrada do CEDETEG, em direção à rodoviária e aos principais
eixos de acesso ao campus, como a localidade onde se apresenta, de forma
mais visível, este processo de transformação que ocorreu e ainda está
acontecendo no Bairro Vila Carli.
Buscou-se, através de referencial teórico, iniciar o processo de
conhecimento da temática a ser abordada, pautando-se principalmente em
trabalhos anteriores sobre a área.
Em seguida, para a verificação das abordagens dos autores, foi
importante percorrer-se a área definida por Eing. Para tanto, estruturou-se
um trabalho de reconhecimento e aplicação de questionários, bem como
mapeamento do uso do solo de 2007 (Eing apresenta esse mapeamento
para os anos de 1985, 1995 e 2003).
A paisagem urbana por si só pode apresentar as diversas
transformações que vêm ocorrendo, mas para comprovação destas análises,
foi importante a coleta de dados. Coube aqui, a aplicação dos questionários
com os moradores e com comerciantes e prestadores de serviços, bem como
a observação dos problemas ambientais. Para a aplicação dos questionários,
a turma foi dividida em grupos. Com os questionários já respondidos, a
tabulação foi organizada posteriormente.
177
Para contribuição da pesquisa, foi realizada uma conversa informal
com um funcionário do serviço de urbanismo da cidade, no caso, a SURG
(Serviço de urbanização de Guarapuava), para se fazer uma comparação
com as respostas dos questionários aplicados.
Com todas estas informações, agrupadas de maneira a entender o
panorama do Bairro em seus diversos aspectos, foi sugerida a construção
de um painel, apresentando tais resultados.
Como o interessante seria que a proposta de projetos também
fosse disseminada entre outras áreas, foi realizada uma apresentação deste
trabalho, em forma de painel, exposição de fotos e apresentação oral, para
outras turmas da escola, tanto para dar crédito para os alunos e alunas que o
desenvolveram, como também uma forma de outros professores conhecerem
a proposta, sendo essa uma iniciativa dos próprios educandos e educandas.
Discussões e resultados
178
quando o professor se faz protagonista das decisões, advertindo que o aluno
deva aprender sobre os conteúdos que ele acha necessário e importante. Neste
caso, o aluno é tratado com uma “esponja” que apenas absorve conteúdos e
saberes e não como agente participativo da situação.
A pedagogia de projetos baseia-se muito mais na construção do
conhecimento por alunos e professores em conjunto, do que na transmissão
simples pelo professor.
Como já se mencionou anteriormente, antes de tudo, segundo
Hernández (1998), é necessária uma problemática, ou seja, questões que,
através da pesquisa, possam ser solucionadas. Desta maneira, o objetivo
é encontrar as respostas para estas perguntas-problemas. Estas questões
podem ser levantadas pelos próprios alunos, de acordo com seus interesses,
juntamente com o professor.
Aqui cabem parênteses ao papel do professor dentro dos projetos de
trabalho. Nessa forma de organização da prática pedagógica, o professor é
focado como um mediador do processo da pesquisa, sua função é orientar
com sugestões, não é ele quem dita o que deve ser trabalhado. O professor
faz parte do processo, sendo também um pesquisador, por isso ele não terá
a função de transmissor do conhecimento, como é o que se tem visto na
maioria das escolas.
A fase posterior, a do desenvolvimento, é tentar encontrar respostas,
para que este problema, citado anteriormente, seja resolvido, ou seja, quais
referências de leitura adotar, que técnicas aplicar (entrevistas, pesquisas
de campo, podem ser algumas opções). Neste momento, o professor
deve procurar desenvolver as habilidades dos alunos, como: observação,
capacidade de síntese, redação e questionamentos, bem como, um das mais
importantes nesta prática, o trabalho em equipe.
No período das conclusões, são feitas as avaliações do processo,
objetivando verificar se respondem àquele problema apresentado. Percebe-
se algo, como se o método de pesquisa, isto é, as estratégias para se chegar às
respostas, foram as melhores e, principalmente, se o problema foi resolvido
e de que forma.
Um fato importante e que pode ocorrer é que, muitas vezes, chegando
a este ponto das conclusões, podem surgir novos problemas a partir daquele
primeiro. O interessante é que isto ocorra, já que dará continuidade a outros
projetos, ressaltando que, para Hernández (1998), os projetos de trabalho
não são uma mera metodologia, mas uma forma de organizar a escola, o
currículo e toda a prática pedagógica.
179
O resultado desta etapa pode ser apresentado em algum tipo de objeto.
No caso em pauta, a materialização deste trabalho foi em forma de painel.
180
(2003), sobre a temática urbanização, voltada para a questão brasileira,
principalmente pautando-se em idéias e conceitos sobre a temática em
Milton Santos (geógrafo), observando como é a reorganização espacial a
partir deste processo, bem como os problemas decorrentes de tal situação.
Com esta leitura, a intenção era de que os próprios alunos apontassem
outras situações decorrentes do processo de urbanização já pensando esta
realidade para o recorte espacial do trabalho no bairro Vila Carli, sendo
que para isso, os educandos receberam um mapa com o recorte da área
a ser estudada. Até o presente momento, a proposta atraiu os alunos para
uma nova realidade que até então passava despercebida por entre eles.
Com base nestes materiais teóricos discutidos em sala, foram
construídos resumos que abordavam a história de construção da sociedade
guarapuavana, para uma compreensão significativa do foco da pesquisa a ser
desenvolvida. Com estes em mãos, foi realizada uma leitura, observando os
pontos de maior importância, surgindo assim, alguns agentes responsáveis
e presentes neste processo.
Como o texto trata do espaço vivido pelos alunos, que no caso é a
cidade e, a partir daí, um bairro, algumas perguntas foram sendo lançadas,
tais como: Quem conhece a história de Guarapuava? Quais foram as
atividades econômicas decorrentes no tempo até a atual configuração do
município? O que diferencia Guarapuava de outras cidades vizinhas e mais
desenvolvidas? Com base nas observações apresentadas por Silva (1995),
sobre a formação socioespacial do município de Guarapuava, foi possível
responder as perguntas citadas anteriormente, levando-os a caracterizar
espacialmente e economicamente o município guarapuavano, entendendo
porque este município se apresenta desta maneira hoje e não de outra. A
partir daí, os próprios alunos descobriram como os agentes interferem
de forma significativa na dinâmica do bairro e neles próprios, pois, estes
sempre estiveram ali nas proximidades da escola, mas não eram observados
da maneira como estão sendo estudados agora.
Os principais agentes ou condicionantes da reestruturação do espaço
urbano do bairro Vila Carli:
Grupo 1 : Moradores; Grupo 2: Estudantes; Grupo 3: Comércio e
Serviços; Grupo 4: principais problemas ambientais.
Para, o trabalho de campo, foi elaborado um roteiro, constando
toda a prática do trabalho, que consistiu na aplicação de questionários,
mapeamento do uso do solo e prováveis questionamentos a serem anotados.
Para a prática do campo, por uma questão operacional, cada grupo ficou
designado por sub-áreas do recorte espacial.
181
O importante nesta pedagogia de projetos, neste momento da
atividade, é que o aluno não é visto como “esponja”, que apenas absorve o
que o professor traz, mas sim sujeito pesquisador, onde cada grupo torna-
se responsável pelo seu próprio trabalho e pelo dos outros colegas. Desta
forma, não se fariam anotações erradas, efetuando-se o melhor possível.
Em relação aos dados coletados, realizou-se todo um processo de
análise e síntese destes. Assim, cada grupo observou e interpretou os dados
em conjunto, surgindo as primeiras idéias sobre o que se havia observado
nas leituras, contrapondo-os com os dados abstraídos do trabalho de
campo. Isso foi importante, pois é uma das maiores dificuldades neste
processo da pedagogia de projetos, pois além de o professor induzir o aluno
a pensar, deve, ele, elaborar o conhecimento, como apresenta Hernandez
(1998), sendo uma das situações menos realizadas nas práticas educacionais
convencionais do ensino básico. O ponto positivo foi que, ainda em passos
lentos, esta fase foi superada com alguns questionamentos levantados por
parte dos alunos, pois muitos pensavam no sentido de projeção para o
futuro, sobre o caso do bairro Vila Carli.
A realização da conversa com o representante da prefeitura no
setor da SURG foi uma sugestão apresentada pelos alunos, já que muitas
dúvidas ainda não tinham sido esclarecidas. Isto é um fator positivo, pois
os próprios educandos sentiram a necessidade de entender de forma mais
consistente, como o processo culminou desta forma no bairro, onde grande
parte delas reside.
Munidos desta bagagem de informações e situações interpretadas
a partir da conversa com o representante da SURG, coube aos alunos
formularem suas idéias a respeito para a etapa final do trabalho, com a
construção do painel, e o mapeamento e a disseminação do trabalho através
da apresentação oral à escola.
Desta maneira, o trabalho contribuiu com resultados significativos
para o entendimento de uma nova proposta de ensino, bem como
resultados ligados à temática, principalmente através do mapeamento de
2003, realizada por Eing (2003), bem como com a situação atual nesta
ação. Do mapa, extraíram-se informações que apenas confirmaram as
indagações que tinham sido expostas, como a grande concentração das
kitinets, bem como a carência de estabelecimentos adequados para atender
a uma demanda, não só de estudantes, mas também de outros moradores.
Como o trabalho, através da pedagogia, foi uma proposta nova que
surtiu efeitos significativos para a turma, surgiu a possibilidade de elaborar
uma apresentação para o colégio, mostrando a importância de se conhecer
182
as transformações no espaço, nas proximidades da referida unidade
educacional. Outros alunos sugeriram a construção de uma maquete
da configuração atual do bairro Vila Carli, mas devido ao pouco tempo
disponível, esta possibilidade ficou para posteriores trabalhados, que virão
a ser desenvolvidos na escola.
O que mais motivou os alunos para a proposta de trabalho foi a
construção do painel e a atividade de campo. Estas sugestões, apresentadas em
grande parte pelos alunos, é que tornam a prática de projeto um fator positivo e
que pode dar certo nas escolas, pois motiva a dar seqüência com outros projetos
de uma maneira fora da tradicional; torna pertinente aquilo que lida com o que
os alunos gostariam que fosse abordado durante os conteúdos anuais.
Como resultado da pesquisa, percebe-se que o Bairro Vila Carli
(observar recorte espacial), é um local que veio a sofrer adaptações para
atender a uma lógica do capitalismo, com a chegada do Cedeteg, ou
seja, teve uma reorganização em seu espaço, iniciando-se esta, com mais
intensidade, há cerca de 10 anos atrás, sendo que ainda se presencia suas
mudanças com os diversos agentes (EING, 2003).
Comércio e serviços
Não apresentam um crescimento tão expressivo nestes últimos quatro
anos, mas ainda assim, grande parte dos estabelecimentos pretende ampliar
seus negócios no mesmo local. São estabelecimentos ditos como de pequeno
porte e sem filiais. Sendo o público alvo os estudantes, justamente por isso,
estão localizados na proximidade do Cedeteg. O que se nota com isso, é que
ainda há uma deficiência em relação à quantidade destes estabelecimentos
voltados para moradores. Esta falta pode ser explicada pelo fato de os
moradores e também estudantes ainda buscarem o que precisam na área
central, já que o bairro fica próximo ao centro. Os principais itens oferecidos
aos estudantes são bares e lanchonetes, mas também estabelecimentos ligado
a fotocópias e encadernação, bem como lan houses.
Residências de moradores
Com a chegada do Cedeteg, houve uma valorização do solo urbano,
sendo em alguns casos, mais de 50%. Com isso, muitos moradores
183
venderam seus imóveis, mudando-se para outros lugares. Isto deve-se à
grande quantidade de estudantes que vieram ocupar esse espaço, sendo que
muitos desses inviabilizaram o sossego dos moradores, em especial, com o
que se denomina de “bagunça”. Ainda persistem os que já residem há mais
de dez anos no bairro e que dividem o espaço com esses estudantes. Em
contrapartida, encontraram-se moradores que pretendem sair desse lugar,
pois consideram que não é mais o mesmo bairro de antes.
Prédios de apartamentos
O mercado imobiliário cresceu e continua crescendo para atender
ao público estudantil que vem de fora. Com isso, o imóvel foi valorizado. É
visível a ocupação de terrenos baldios para a construção de kitinets, tal como
expresso no mapeamento do uso do solo de 2007. Este é o segmento mais
representativo na reestruturação urbana do bairro. Isto se pode observar
no mapa de uso do solo de 2007, comparando-o com a ocupação por estes
prédios no mapeamento realizado em 2003.
Problemas ambientais
Conforme observações de campo, foram visíveis situações que
comprometem a conservação do rio, em especial para sua sustentabilidade
ambiental. As ocupações irregulares que se encontram muito próximas às
margens do rio, estão expostas a alagamentos e a desmoronamentos. A falta
de uma mata ciliar, a poluição, causada pelo lixo jogado, o despejo de esgoto,
entre outras substâncias, bem como o lixo depositado em terrenos baldios,
sendo que muitos desses terrenos estão nas proximidades do rio, sendo
a situação agravada pelo declive, fazem com que esses resíduos cheguem
ao leito e são alguns dos problemas ambientais identificados hoje na área
de estudo. É preciso frisar que essas ocupações irregulares e os problemas
ambientais em torno do rio são mais antigos do que o CEDETEG e não
podem se considerados como resultado da reestruturação urbana do bairro.
Pelo contrário, talvez esses problemas sejam um dificultador ao próprio
processo de reestruturação, pois podem acarretar desvalorização da área.
De qualquer forma, percebe-se no bairro, uma concentração de
uma estrutura formada por moradias, bares, lanchonetes, serviços ligados
à Internet e fotocópias, voltados a atender aos mais novos e capitalizados
moradores do bairro, os estudantes universitários.
184
Trabalhar a questão urbanização através da pedagogia de projetos, foi
de grande valia, pois se pode entender tal temática por outro viés, que no caso
foi da realidade próxima dos alunos, com o caso do bairro Vila Carli. Quem
afirma que a temática urbanização tratada a partir dos métodos tradicionais
fosse surtir tantos resultados e considerações quanto os que ocorreram por
parte dos alunos, sem se tornar uma aula com poucos atrativos? Talvez esteja
aí um dos pontos mais importantes da aplicação deste novo olhar sobre os
conteúdos geográficos do ensino básico: o espaço vivido.
Considerações finais
Conhecer a ciência com a qual se trabalha é parte fundamental
para que se possa organizar, da melhor maneira possível, os conteúdos, os
métodos e a própria prática enquanto professora de Geografia. Só desta
forma, pode-se superar o antigo descaso que se tem encontrado nas escolas
nos últimos anos, quanto ao ensino de Geografia, marcado pela reprodução
do conhecimento, pela memorização e pelo vazio de significado.
É preciso mostrar aos alunos a importância da ciência geográfica,
tanto para o conhecimento quanto para a própria vida em sociedade. Isto
é mais bem tratado, tornando-se algo interessante, através da pedagogia de
projetos, visto que nela, alunos/as e professores/as, são atores cooperativos
na produção de um conhecimento novo.
Torna-se isto um ponto positivo, devido aos resultados satisfatórios
obtidos com a aplicação desta proposta com o ensino médio, já que
os objetivos foram alcançados, visto que, com o projeto, os educandos
puderam, então, construir para si mesmos, uma explicação coerente
e científica sobre o que estão vendo acontecer no seu bairro; bem como
também a considerável contribuição do ensino de Geografia para a vida
desses alunos e para a própria sociedade.
As metodologias utilizadas para tal atividade foram uma das ferramentas
mais importantes para o bom resultado: um embasamento teórico capaz de
desenvolver o senso de análise dos alunos para compreender o processo de
urbanização em Guarapuava; o trabalho de campo, para o reconhecimento
da área de estudo, desenvolvendo a categoria de análise da paisagem, muito
conhecida pelos alunos; a aplicação de questionários com moradores e
moradoras, para escutar a voz de pessoas mais experientes, bem como as
várias opiniões sobre o assunto; o mapeamento do uso do solo, que permite
quantificar, visualizar de forma sistemática, as transformações comentadas.
185
Em todo o percurso, percebeu-se que o papel, enquanto professora,
foi muito importante para estimular o interesse e a curiosidade dos alunos e
alunas. Segundo Hernandez (1998), acredita-se que o professor, na proposta
de trabalho, deva ser o mediador, e fazer parte da pesquisa e não apresentar
conteúdos prontos, para apenas repassar o que já sabe, pois a sua função é
formar também cidadãos, com um senso crítico desenvolvido e aplicado
para as diversas realidades apresentadas. Assim, também se aprendeu
sobre o bairro. Conheciam-se teoricamente os processos estudados, mas
a sua materialização em um bairro particular, foi um aprendizado que se
construiu junto com os alunos e alunas.
A proposta foi positiva, comprovando a possibilidade de sua
aplicação, não somente para retirar a idéia da disciplina de geografia como
algo desestimulador, mas a própria valorização da ciência na sociedade.
Com isso, espera-se também, ter chamado a atenção dos alunos e alunas
para a necessidade de conhecer e se envolver nas questões de produção do
seu espaço próximo, ou seja, entenderem essas transformações como parte
de projetos políticos que poderiam ser mais democraticamente discutidos.
Referências
EING, Alírio Marcelo. Reestruturação urbana no bairro Vila Carli a
partir da instalação do Centro de Desenvolvimento Tecnológico de
Guarapuava – CEDETEG. 2003, 54 fls. (Trabalho de Conclusão de Curso)
UNICENTRO: Guarapuava-PR
HERNÁNDEZ, Fernando; VENTURA, Montserrat. Os projetos de
trabalho: uma forma de organizar os conhecimentos escolares. In: _____
__. A organização do currículo por projetos de trabalho. 5. ed. Porto
Alegre: Artmed, 1998, p.61-91.
SILVA, Joseli Maria. Valorização fundiária e expansão urbana recente
de Guarapuava-PR, 1995, 200fls, (Dissertação de Mestrado). – UFSC,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC.
186
Comparação de taxas de infiltração mensuradas
com infiltrômetros de anel único e anel duplo
1
PEREIRA, Adalberto Alves
2
THOMAZ, Edivaldo Lopes
1
Aluno - ICV-UNICENTRO, e-mail:adalbertoalvespereira@yahoo.com.br.
2
Orientador- Dep. De Geografia/UNICENTRO, e-mail: ethomaz@brturbo.com.br.
Introdução
Infiltração é um dos processos mais importantes dentro do ciclo
hidrológico. Ela é descrita como sendo a movimentação da água através
dos horizontes superficiais do solo (BERTONI e LOMBARDI NETO,
1993), e é através do processo de infiltração que outros vários processos
podem ter início, como o escoamento superficial e subsuperficial que, por
sua vez, podem dar início a processos erosivos como a formação de ravinas
e voçorocas, entre outros.
Após infiltrar, a água é armazenada em poros no interior do solo e
movimenta-se através da força da gravidade e da atração capilar. A força
gravitacional transporta a água verticalmente através do perfil do solo e
a atração capilar movimenta-a em todas as direções, principalmente para
cima (COELHO NETTO, 2007).
A infiltração da água no solo depende de vários fatores, entre eles:
características das chuvas, como intensidade e duração, em chuvas com
intensidade superior a capacidade de infiltração do solo, esta água excedente
irá gerar o escoamento superficial, e a infiltração será reduzida, já em chuvas
de fraca intensidade e longa duração, a taxa de infiltração tende a ser maior,
e o escoamento superficial só terá início após a saturação do solo.
Propriedades do solo como textura, umidade antecedente, porosidade
e densidade aparente, também são fatores que interferem nas taxas de
infiltração do solo. Solos de textura mais grosseira tendem a ter taxas de
infiltração maior que solos de textura fina como os argilosos. A umidade
antecedente controla o volume de água que pode ser armazenada no solo,
quanto maior a umidade antecedente menor a capacidade de infiltração.
Porosidade e densidade aparente são fatores inversamente proporcionais
entre si, em solos porosos e de baixa densidade as taxas de infiltração
tendem a ser superiores, a solos de baixa porosidade e alta densidade.
A topografia do terreno interfere na infiltração de modo que em
áreas declivosas há um favorecimento no escoamento superficial direto,
superfícies onduladas ou planas permitem uma maior infiltração, e geram
um escoamento superficial menos veloz (KARMANN, 2003).
A cobertura vegetal protege o solo contra o impacto das gotas
de chuva (splash) sobre o solo, e aumenta a capacidade de infiltração.
Segundo Coelho Netto (2007, p.120), [...] solos recobertos por florestas
geralmente apresentam os maiores valores de capacidade de infiltração,
especialmente pela formação da serrapilheira [...]. A redução da densidade
de cobertura vegetal é acompanhada pelo decréscimo da infiltração”,
principalmente devido à formação de crostas na superfície do solo causado
188
pelo splash. Duley (1939), citado por Brandão et. al (2006), verificou que
solos descobertos apresentam reduções da taxa de infiltração de até 85%
em relação àqueles protegidos por palha.
A forma de preparo e manejo do solo afeta a infiltração, pois modifica as
propriedades e condições da superfície do solo. Quando se faz o preparo do solo,
rompe-se a estrutura da camada superficial, ampliando a taxa de infiltração, em
contraposição, se este preparo for realizado de forma incorreta ou for removida
a cobertura vegetal, a capacidade de infiltração tende a diminuir.
Alves e Cabeda (1999) apud Brandão et. al (2006), utilizando chuvas
simuladas avaliaram a infiltração em um solo Podzólico vermelho-escuro
sob duas formas de preparo, plantio direto e convencional, e verificaram
que a taxa de infiltração foi quase duas vezes maior na área com plantio
direto do que na área de preparo convencional.
A atividade biogênica (fauna endopedônica e vegetais) pode aumentar
as taxas de infiltração devido à formação de caminhos preferenciais para água,
causado pelo crescimento de raízes e pelas escavações e túneis originados
pela atividade destes animais e vegetais (COELHO NETTO, 2007).
Devido à grande importância em se conhecer o processo de infiltração
da água no solo, vários equipamentos foram criados buscando-se estimar
as taxas de infiltração, entre estes equipamentos estão os infiltrômetros de
anel, que podem ser de anel único. Estes consistem em cilindros metálicos
com altura em torno de 300 mm e diâmetro variando de 100mm a 900mm
ou anel duplo em que o anel interno tem tamanho e altura iguais ao do
infiltrômetro de anel único e o anel externo tem diâmetro duas vezes maior
e altura igual ao anel interno.
Desta forma, o presente estudo busca comparar as taxas de infiltração
obtidas a partir de equipamentos do tipo infiltrômetro (anel único e duplo
anel), para observar suas possíveis diferenças. Além disso, procurou-se
verificar a influência do manejo do solo (sistema convencional e direto) nas
taxas de infiltração.
Materiais e métodos
Os ensaios foram realizados na fazenda experimental do campus
universitário Cedeteg-UNICENTRO, em áreas com duas diferentes formas de
preparo, uma com plantio direto, próximo ao lago superior do campus, e outra
com preparo convencional próximo à estação meteorológica da universidade.
Os solos destas áreas são classificados como Latossolo Bruno
(MENDES, 1984). Estes solos caracterizam-se por apresentarem “avançado
189
estágio de intemperização, cores vivas (brunadas, amareladas e avermelhadas),
boa agregação, estrutura comumente granular.” São solos profundos bastante
porosos e permeáveis, de textura que varia de média a muito argilosa.”
(GUERRA e BOTELHO, 2003)
Para os ensaios de infiltração utilizou-se infiltrômetro de anel único
com 300mm de altura e 100mm de diâmetro, e infiltrômetro de anel duplo
com 300mm de altura e anel interno com 100mm de diâmetro e anel
externo com 200mm de diâmetro. Os infiltrômetros foram cravados a uma
profundidade de 50mm no solo. A Taxa de infiltração foi estimada como
descrito por Guerra (1996), multiplicando-se a infiltração acumulada pela
área do infiltrômetro e dividindo-se pelo tempo acumulado no ensaio. Os
ensaios foram realizados com os dois infiltrômetros no mesmo dia, e horário.
A distância entre um local e outro foi de 50cm, para que não houvesse variação
das condições pedológicas que pudesse interferir nos resultados.
A diferença das taxas de infiltração entre os equipamentos, foi
multiplicada por 100 e dividida pela taxa de infiltração, do infiltrômetro
que registrou o menor resultado de infiltração durante o ensaio, para que
assim obtivéssemos a diferença em porcentagem.
Coletaram-se 4 amostras indeformadas com anel volumétrico de
95,5 cm3 próximo ao local dos ensaios de infiltração, para análise das
propriedades do solo (umidade antecedente do topo do solo, densidade
aparente e porosidade total). As amostras foram numeradas e pesadas, em
seguida, secas em estufa a 105°C por 24 horas.
A umidade antecedente do solo foi estimada em três níveis de
profundidade, sendo, topo do solo, 5 a 10 cm e 10 a 15 cm de profundidade. Para
avaliação da umidade antecedente de 5 a 10 cm e 10 a 15 cm de profundidade
foram utilizadas amostras deformadas de solo, que foram preparadas utilizando-
se o mesmo método das amostras indeformadas já citadas.
Após este preparo das amostras, estimou-se a umidade antecedente
do solo, aplicando a equação descrita por (EMBRAPA, 1997). Em seguida
multiplicou-se o resultado por 100 para que este fosse transformado em
porcentagem.
Equação 1
190
Para se estimar a densidade aparente do solo, utilizou-se a equação 2,
descrita por (EMBRAPA, 1997).
Equação 2
Resultados e discussão
Foram realizados seis ensaios com os infiltrômetros, sendo três na área
com plantio direto e três em área de preparo convencional. Os resultados
obtidos apresentaram uma grande diferença entre os infiltrômetros de
acordo com o tipo de uso da área.
Na área com plantio direto, as taxas de infiltração não apresentaram
grande variação, tendo o infiltrômetro de anel duplo apresentado taxas
ligeiramente mais altas que o anel único; sendo a diferença máxima
registrada de 2,7%, estes resultados diferem de alguns autores (Brandão et.
al 2006; Pinto, Holtz, Martins, 1973), os quais destacam que o infiltrômetro
de anel único superestima as taxas de infiltração devido à dispersão lateral
da água. A infiltração durante o ensaio na área com plantio direto também
se mostrou constante entre os infiltrômetros, não apresentando nenhuma
curva (alta ou baixa) brusca em um curto espaço de tempo.
As taxas de infiltração mensuradas na área de preparo convencional
mostraram diferenças que chegaram até 145,41% entre os infiltrômetros.
191
Tendo o infiltrômetro de anel duplo apresentado taxa de infiltração superior
ao infiltrômetro de anel único no primeiro ensaio, já em ensaios seguintes o
infiltrômetro de anel único demonstrou resultados superiores.
192
causarem fraturas e rachaduras no mesmo, criando assim caminhos
preferenciais à água, após a água preencher estas fraturas a velocidade de
infiltração se estabiliza, como podemos observar na figura 2.
Nota-se também que o infiltrômetro de anel único registrou uma
alta repentina na infiltração entre 30 e 35 minutos de ensaio, alta que se
manteve constante até os 70 minutos de ensaio, decrescendo em seguida, e
mantendo-se próximo à velocidade de infiltração do anel duplo.
Média ± Média ±
Ensaios 1 2 3 1 2 3
D. Padrão D. Padrão
Densidade aparente
1,65 1,59 1,55 1,59 ± 0,05 1,54 1,55 1,55 1,54 ±0,005
(g/cm3)
Porosidade
37,5 40 41,3 39,6 ± 1,93 41,7 41,4 41,2 41,4 ± 0,25
total (%)
Continua
193
U Topo
m do 25 22 18 21,6 ± 3,51 18 23 24 21,6 ± 3,21
i solo
d
a 5 a 10
40 35 29 34,6 ± 5,50 35 38 38 37 ± 1,73
d cm
e
10 a
(%) 40 37 29 35,3 ± 5,68 38 41 40 39,6 ± 1,52
15 cm
Conclusão
Conclui-se, com a realização deste trabalho, que para ensaios de
infiltração ambos os infiltrômetros podem ser utilizados desde que sejam
levadas em conta as suas capacidades e limitações, pois, de acordo com
Bertoni e Lombardi Neto (1993), “a velocidade de infiltração varia de
acordo com o método utilizado e dos equipamentos; assim, só pode obter-
se uma estimativa aproximada da verdadeira infiltração”.
Parcialmente, avaliou-se de acordo com os dados obtidos, que a taxa
de infiltração tem uma maior variação de acordo com área que se estuda
e da forma de manejo que se realiza nesta, do que pelos equipamentos
utilizados. Portanto, não se pode concluir qual dos infiltrômetros é o mais
aconselhado para aplicação, devido à semelhança dos resultados. Por outro
lado, o número de repetições não foi suficiente para determinar diferença
entre as técnicas. Deste modo, mais mensurações devem ser realizadas para
194
que se consigam resultados mais concretos sobre a variação de infiltração
obtidas pelos dois infiltrômetros de anel simples e duplo.
Referências
BERTONI, José; LOMBARDI NETO, Francisco. Conservação do solo. 3.
ed. São Paulo: Ícone, 1993. 355p.
BRANDÃO, Viviane Dos Santos; CECÍLIO, Roberto Avelino; PRUSKI,
Fernando Falco; SILVA, Demetrius David da. Infiltração da água no solo.
3º ed. Viçosa: Ed. UFV, 2006. 120p.
COELHO NETTO, Ana Luiza; AVELAR, A . de S. Hidrologia de encosta
na interface com a geomorfologia. In: GUERRA, Antônio José Teixeira;
CUNHA, Sandra Baptista da. Geomorfologia: conceitos, técnicas e
aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. p. 103-138
COELHO NETTO, Ana Luiza. Hidrologia de encosta na interface com
a geomorfologia. In: GUERRA, Antônio José Teixeira; CUNHA, Sandra
Baptista da. Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 7. ed.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. p. 93-148
EMBRAPA. Centro nacional de pesquisa de solo. Manual de métodos de
análise de solo. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. 212p.
GUERRA, Antônio José Teixeira; BOTELHO, Rosângela Garrido M. Erosão
dos solos. In:GUERRA, Antônio José Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista
da. Geomorfologia do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
p. 181-228.
GUERRA, Antônio José Teixeira; Processos erosivos nas encostas.
In: GUERRA, Antônio José Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista da.
Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 7. ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2007. p.149-210.
KARMANN, Ivo. Ciclo da água, água subterrânea e sua ação geológica.
In: TEIXEIRA, Wilson; TOLEDO, Maria Cristina Motta de; FAIRCHILD,
Thomas Rich; TAIOLI, Fábio. Decifrando a Terra. São Paulo: Oficina de
Texto, 2003. p. 113-138.
KIEHL, José Edmar. Manual de edafologia: Relações Solo-Planta. São
Paulo: Agronômica Ceres, 1979.
195
MARTINS, J.A. Infiltração. In: PINTO, N. L. De S.; HOLTZ, A.C.T.;
MARTINS, J.A. (org). Hidrologia de superfície. 2º ed. São Paulo: Edgard
Blücher, 1973. p. 44 – 55.
MENDES, Waldemar. Limitações do uso dos solos do estado do paraná
por susceptibilidade á erosão. Rio de Janeiro: Embrapa-SNLCS, 1984.
196
Sociedade de risco e poluição hídrica
1
SANTOS, Ariodari Francisco dos
2
BERTOTTI, Luiz Gilberto
1
Professor Adjunto do Departamento de Biologia/UNICENTRO. Pesquisador do Núcleo de
Pesquisas Ambientais. e-mail: bertotti@unicentro.br.
2
Professor Adjunto do Departamento de Geografia/UNICENTRO. Pesquisador do Núcleo de
Pesquisas Ambientais. e-mail: ariodari@unicentro.br.
os aspectos do mundo físico que não sofrem intervenção humana) e o fim
da tradição (onde a vida não é vivida como destino) (GIDDENS et al.,
2000). Natureza e tradição, com a modernidade, se dissipam.
Risco sempre representa conotação negativa, visto referir-se à
possibilidade de evitar um resultado indesejável, mas também pode ser
visto positivamente no sentido de tomar iniciativas ousadas diante de um
futuro problemático (GIDDENS, 1995).
O risco fabricado é o risco criado pelo progresso do desenvolvimento
humano, especialmente pelo progresso da ciência e da tecnologia, é aquele
que se refere a novos tipos de riscos para os quais a história tem a nos
oferecer pouquíssima experiência prévia, onde muitas vezes nem sabemos
realmente que riscos são estes e não conseguimos estimá-los com precisão
em termos probabilísticos. Este risco está aumentando em todas as direções
da vida humana, acompanhando a ciência e tecnologia (GIDDENS, 1995).
Segundo Beck (1995), o “risco ecológico”, resulta da potência diruptiva
– “revolucionária” – da tecnologia, como culminância de um processo de
dominação técnico-científica da racionalidade instrumental. A potência
destrutiva das técnicas avançadas da química, do nuclear e da engenharia genética
se caracterizaria por seu caráter espaço-temporal ilimitado/indeterminado.
Ele definiu a sociedade capitalista industrial como a “sociedade de risco” e o
processo de modernização como um “retorno à incerteza” (era da insegurança
e/ou da incerteza). O avanço da modernização mostra as ameaças produzidas
pela sociedade industrial. O conceito de “sociedade de risco” designa, portanto,
“[...]uma fase no desenvolvimento da sociedade moderna, em que os riscos
sociais, políticos, econômicos e individuais tendem a escapar das instituições
para o controle e a proteção da sociedade industrial”. Neste caso, as instituições
da sociedade industrial tornam-se os produtores e legitimadores das ameaças
que não conseguem controlar.
Nessa perspectiva, não há “risco zero” na utilização de descobertas
científicas em geral. O mundo moderno há muito vem sendo moldado pela
influência da ciência e das descobertas científicas. A cada dia novas inovações,
novas tecnologias vão influenciando nossas vidas (GIDDENS, 1995).
As incertezas exigem preocupação; devemos estar preparados contra
danos futuros não seguros, procurando diminuir a probabilidade do mesmo
(dano). A prevenção deve ser praticada tanto ante o perigo como ante o
risco, pode-se também ocorrer que tomamos precauções em relação a
perigos que não podem atribuir a decisões próprias (LUHMANN, 1991).
A “sociedade de risco” é a fonte para o “retorno à incerteza”, sentimento
generalizado na sociedade moderna. Beck situa a “crise ecológica” como
198
uma crise institucional profunda da própria sociedade industrial. Essa
incerteza está na base da crescente resistência, especialmente dos paises
europeus, em consumir produtos derivados de Organismos Geneticamente
Modificados (OGMs) e na exigência de maiores cuidados na disseminação
de tais produtos (ACSELRAD, 2000).
O risco, vale lembrar, incorpora duas dimensões: a primeira refere-se
à identidade entre o possível e o provável, aspectos que pressupõem alguma
forma de aprender a regularidade dos fenômenos. A segunda refere-se à
esfera dos valores: risco pressupõe colocar em jogo algo que é valorizado.
Inevitavelmente, pois, a incorporação da noção como um dos aspectos
fundantes da sensibilidade moderna foi fruto de transformações sociais
e tecnológicas. As transformações sociais, os contornos da sociedade de
risco são definidos a partir de duas reorientações. A primeira poderia ser
resumida como a progressiva laicização da sociedade e a segunda está
associada às transformações nas relações econômicas e sociais que foram
resumidamente contempladas no que veio a ser chamado de capitalismo
comercial. A perda de hegemonia da Igreja católica e a ascensão do
protestantismo nos países do Norte da Europa favoreceram uma forma
de racionalidade condizente com a formatação da revolução científica. Já
a abertura do comércio favoreceu o desenvolvimento de novas estruturas
políticas, incluindo aí a noção de soberania sobre territórios nacionais
que levou à emergência do estado/nação. A transformação tecnológica é
a emergência da teoria da probabilidade como o fator mais relevante para
a formatação do conceito moderno de risco. Esta é uma história curiosa.
Apesar das brilhantes realizações dos pensadores da Grécia Clássica e da
civilização arábica, nenhum desses povos chegou a formular o conceito
matemático de probabilidade. Aos gregos certamente faltava um sistema
de notação numérica que permitisse o cálculo probabilístico; e aos árabes,
após Maomé, muito provavelmente faltava uma filosofia capaz de pensar o
futuro como possível de controle (ACSELRAD et al., 2002).
O acúmulo de conhecimento científico, gerado por muitas pessoas
trabalhando livre e criativamente, deveria necessariamente conduzir à
emancipação humana e ao enriquecimento da vida diária. O pensamento
iluminista abraçou a idéia de progresso e buscou ativamente romper
tradição, procurando desmistificar e dessacralizar o conhecimento para
liberar os seres humanos. Esse pensamento era permeado por um otimismo
desenfreado na ciência e no conhecimento como meios fundamentais para
produzir liberdade, igualdade e progresso humano. O domínio científico da
natureza prometia liberdade da escassez, da necessidade e da arbitrariedade
199
das calamidades naturais. O desenvolvimento de formas racionais de
organização social e de modos racionais de pensamento prometia a
libertação das irracionalidades do mito, da religião, da superstição, da
libertação do livre arbítrio do poder, bem como do lado sombrio da nossa
própria natureza humana (HARVEY, 1992). Weber também criticou o
sonho iluminista de alcançar a felicidade pela ciência, afirmando que
isso não passou de um otimismo ingênuo. Diferente do que acreditavam
os pensadores do iluminismo, é ilusório acreditar que o conhecimento
científico atingiria o “ser verdadeiro”, a “verdadeira natureza”, a “verdadeira
felicidade”. Segundo ele, o processo de nacionalização da sociedade moderna
não significa um progresso humano ou um maior conhecimento das
condições gerais da vida. “A intelectualização e a racionalização crescente
não equivalem, portanto, a um conhecimento geral crescente acerca das
condições em que vivemos” (WEBER, 1979).
Weber não acreditava na historia da humanidade como um
“progresso” unilinear na direção da perfeição moral ou da racionalização
tecnológica cumulativa. Apontou, no entanto, para o processo crescente de
racionalização e o conseqüente desencantamento do mundo. Não mais os
elementos mágicos e as crenças, mas a ciência passa a explicar a realidade
e o mundo. [...] não há forças misteriosas incalculáveis, mas que podemos,
em principio, diminuir todas as coisas pelo cálculo. Isso significa que o
mundo foi desencantando. Já não precisamos recorrer aos meios mágicos
para dominar ou implorar os espíritos, como faziam os selvagens, para
quem esses poderes misteriosos existiam. Os meios técnicos e os cálculos
realizam o serviço. Esse processo de desencantamento não acontece apenas
em relação à religião e seus mitos. Há também um desencantamento
resultante da desvalorização do “conhecimento tradicional”, ou seja, formas
de produção e/ou relação com a natureza e o mundo que não se encaixam
na lógica científica ocidental. Os avanços tecnológicos recentes aprofundam
essa desvalorização, lançando mão inclusive de mecanismos jurídicos legais
(leis de proteção da propriedade intelectual) (ACSELRAD, et al., 2000).
A ciência e a tecnologia não apresentam as soluções para a crise
ambiental, mas constituem a instância de poder sobre a informação e sobre
a avaliação do risco, configurando uma “irresponsabilidade organizada” que
reproduz o poder dos técnicos. Não só a sua aplicação, mas a própria técnica
é denominação metódica, científica, calculada e calculante (sobre a natureza
e sobre o homem). Determinados fins e interesses da dominação não são
autorgados à técnica apenas “posteriormente” e a partir de fora – inserem-se
na própria construção do aparelho técnico .... (HABERMAS, 1994).
200
Modernização, ciência e tecnologia
Weber (1958) destacou os processos de intelectualização e racionalização
da sociedade moderna através do crescente progresso científico. A tendência
geral para a racionalização na sociedade moderna ocidental é resultado,
segundo ele, de uma combinação de diversos fatores com a expansão do
mercado capitalista e a institucionalização do progresso científico e técnico.
Habermas (1994), seguindo na trilha de Weber, define o surgimento
da modernização e modernidade, a partir do século XVIII, no seio desse
racionalismo capitalista ocidental. O “projeto da modernidade”, para ele, é
um “projeto inacabado”, representou um extraordinário esforço intelectual
dos pensadores iluministas para desenvolver a ciência objetiva e liberar os
seres humanos através do domínio da razão sobre a natureza.
Os saltos científicos e tecnológicos das ultimas décadas, especialmente
nas áreas de biotecnologia, informática, telecomunicações, robótica e uso de
novos materiais, têm sido caracterizados como parte de uma terceira “revolução
industrial”. Mais recentemente, tais mudanças no setor industrial passaram a
ser percebidas como partes de um novo processo, chamado globalização.
Segundo essa perspectiva, as mudanças nos campos industriais,
científico e tecnológico são parte das mudanças econômicas, políticas,
sociais e culturais do desenvolvimento mundial. As mudanças tecnológicas
são acompanhadas, por exemplo, pela superação das fronteiras nacionais,
permitindo a livre circulação de mercadorias.
As novas técnicas de comunicação, associadas ao progresso nos meios
de transporte de massa, estariam provocando o “encolhimento do planeta”.
A globalização trata efetivamente de um processo de transformação do
espaço e tempo. Trata-se, portanto, de uma “ação à distância”, ou seja, uma
aproximação entre o local e o global, intensificada devido, “nos últimos
anos, ao surgimento da comunicação global instantânea e ao transporte de
massa” (GIDDENS, 1995).
Modernização da agricultura
A industrialização da agricultura vem acontecendo, desde os anos
de 1960, através do que se convencionou chamar de Revolução Verde.
As mudanças da base tecnológica ocorreram através da introdução de
inovações químicas e biológicas na agricultura. A utilização maciça de
fertilizantes químicos e pesticidas permitiu ampliar a produção agrícola
em grande escala. Complexos industriais, construídos para a produção de
aramas químicas, passaram a produzir insumos para o setor agrícola.
201
A introdução recente de novas tecnologias, especialmente
de engenharia genética, na produção agropecuária representa um
aprofundamento do sistema implantado pela Revolução Verde. Não
há mudanças significativas na lógica de produção, nem no processo de
industrialização e artificialização da agricultura na natureza. A abordagem
continua sendo reducionista, com um processo produtivo baseado no uso
intensivo de produtos e fertilizantes químicos (CORDEIRO, 1999).
Ao longo do século passado, a ciência e a tecnologia invadiram
nossas vidas, o mundo animal e o meio físico num grau sem precedente,
tendo como experimentos objetos involuntários à humanidade e toda a vida
existente no planeta (GIDDENS, 1995). A poluição causada pela agricultura
pode ocorrer de forma pontual ou difusa. A poluição pontual refere-se, por
exemplo, à contaminação causada pela criação de animais em sistema de
confinamento, onde grande quantidade de dejetos é produzida e lançada
diretamente no ambiente aquático ou aplicada nas lavouras. Já a poluição
difusa é aquela causada principalmente pelo deflúvio superficial (erosão),
a lixiviação e o fluxo de micrósporos que, por sua vez, estão relacionados
com as propriedades físicas do solo como infiltração e a porosidade. Assim,
solos mais arenosos teriam o processo de lixiviação e fluxo de micrósporos
favorecidos. Já em situações onde os solos são manejados de forma
incorreta (preparo excessivo do solo, associado ao insuficiente aporte de
biomassa), poderá ocorrer a degradação de sua estrutura favorecendo,
então, ao deflúvio superficial. Por outro lado, em solos bem manejados que
têm uma estrutura formada por agregados estáveis e uma boa distribuição
de poros, o processo de erosão é reduzido. Nessas condições, porém, o
risco de contaminação das águas passa a ser principalmente pelo fluxo de
micrósporos (MERTEN e MINELLA, 2002).
202
A água nutre florestas, mantém a produção agrícola, a biodiversidade
nos sistemas terrestres e aquáticos. Portanto, os recursos hídricos superficiais
e os recursos hídricos subterrâneos são estratégicos para o homem e todas as
plantas e animais. Ela funciona como fator de desenvolvimento, pois é utilizada
para inúmeros usos diretamente relacionados com a economia. Os usos mais
comuns e freqüentes dos recursos hídricos são: água para uso doméstico,
hidroelétrica, industrial e especialmente na irrigação. Também é carreadora e
receptora de dejetos oriundos dos processos de urbanização. Os usos múltiplos da
água aceleram-se em todas as regiões, continentes e paises. Estes usos múltiplos
aumentam à medida em que as atividades econômicas se diversificaram e as
necessidades de água aumentam para atingir níveis de sustentação compatíveis
com as pressões da sociedade de consumo, a produção industrial e agrícola.
A urbanização acelerada aumenta enormemente as demandas para grandes
volumes de água, aumentando também os custos do tratamento, a necessidade
de energia para distribuição da água e pressões sobre os mananciais.
Os impactos quantitativos nos recursos hídricos são crescentes e
produzem grandes alterações nos estoques de águas superficiais e subterrâneas.
Há casos evidentes de uso excessivo de recursos hídricos superficiais que
resultaram na redução quantitativa acentuada e em desastres de grandes
proporções. Além dos impactos quantitativos, há muitos outros impactos
na qualidade da água, que comprometem os usos múltiplos e aumentam as
pressões econômicas regionais e locais sobre os recursos hídricos.
Os resultados de todos estes impactos são muito severos para as
populações humanas, afetando todos os aspectos da vida diária das pessoas,
a economia regional e nacional e a saúde humana. Estas conseqüências
podem ser resumidas:
Degradação da qualidade da água superficial e subterrânea; aumento
das doenças de veiculação hídrica e impactos à saúde humana; diminuição
da água disponível “per capita”; aumento do custo de produção de
alimentos; impedimento ao desenvolvimento industrial e agrícola, devido
ao comprometimento do uso múltiplo, aumento dos custos de tratamento
de água:
Devemos controlar constantemente a qualidade da água que se bebe,
qualquer fonte pode estar contaminada; não considerar que é seguro beber
água engarrafada, pois a maioria das fontes de abastecimento de água estão
contaminadas pelos mais diversos poluentes, uma vez que a maioria dos
produtos químicos sintéticos são recentes.
Existem mais de centenas de milhares de produtos químicos sintéticos
no mercado e outros tantos milhares são lançados anualmente e seus efeitos
203
são pouquíssimos conhecidos. A qualidade das águas superficiais é reflexo
não apenas dos processos naturais, como também das contradições da
sociedade e das formas de apropriação e exploração do espaço (SOUZA et
al., 1990). E fato comum a localização dos centros urbanos e industriais às
margens ou nas proximidades de rios, os quais adquirem a dupla função
de abastecimento de água e de local de deposição dos resíduos do uso da
água. O desmatamento as margens dos rios, a erosão, o assoreamento e a
poluição dos cursos da água resultam da utilização desordenada do solo,
que é um risco de constante preocupação em estudos ambientais, visto que
graves impactos sobre a qualidade da água, bem como sobre o ecossistema
envolvido nesse processo (SOUZA et al., 1990).
A inadequada utilização dos recursos hídricos resulta, geralmente,
em conseqüências danosas ao meio ambiente, seja pela degradação
ambiental, seja pelo comprometimento da qualidade da água para
consumo humano. Os efeitos da poluição dos rios por diferentes cargas
são as alterações estéticas dos rios, deposição de sedimentos, depleção de
oxigênio dissolvido, contaminação por patógenos, eutrofização e danos
ao ecossistema (BIZZONI, 2000). Junto com a contaminação das águas
de esgotos urbanos, há que se considerar a grande variedade de poluentes
característicos produzidos pela agropecuária, especialmente detritos
animais, esterco líquido, estrume, praguicidas e fertilizantes, enquanto os
industriais poluem com resíduos químicos e biológicos, metais pesados,
ácidos e sólidos em suspensão, hidrocarbonetos, dentre outros. O arraste
dos detritos desses poluentes atinge os rios pela ação da água pluvial pelas
chuvas (FELLEMBERG, 1980).
Considerações finais
Os riscos que ocorrem e que poderão ocorrer relacionados à
contaminação de recursos hídricos derivam preponderantemente das
atividades antrópicas e raramente de causas naturais.
Os impactos das atividades antrópicas estão relacionados
especialmente às rodovias, exploração agropecuária, expansão urbana e
industrial sem planejamento.
É necessária a interferência do poder público e do apoio da sociedade
para coibir e prevenir o risco da contaminação e exploração dos recursos
hídricos, necessário para sobrevivência.
204
Referências
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ambiente e democracia. In: IBASE/CUT/IPPUR. Movimento Sindical e
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205
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206
O desenvolvimento urbano-industrial de Duque de
Caxias-RJ nas décadas de 1940 a de 1980
1
BUENO, Karoline
2
COSTA, Pierre Alves
Introdução
A estrutura metropolitana do Rio de Janeiro tende, segundo M.
Abreu (1987, p. 15), a ser de núcleo hipertrofiado, concentrador da maioria
da renda e dos recursos urbanísticos disponíveis, rodeado por estratos
urbanos periféricos sempre mais necessitados de serviços e de infra-
estrutura à medida que se distanciam do núcleo, e sendo útil para moradia
e local de funcionamento de algumas outras atividades às grandes massas
de população de baixa renda.
Podemos dizer que é a partir de fins dos anos 1920 e nos anos 1930,
que Caxias passa realmente a ser atingida pela expansão urbana da cidade do
Rio de Janeiro. Os projetos implantados pelo Estado nas décadas de 1930 e
40 proporcionaram a sobrevivência de um campesinato nas áreas periféricas
3
do terceiro e quarto distritos , a ocupação urbana e a incorporação da
1
Acadêmica de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO. Bolsista
PIBIC/UNICENTRO. e-mail: karoline.bueno@hotmail.com.
2
Professor e pesquisador do Departamento de Geografia da UNICENTRO. Doutorando em História
Social pela Universidade Federal Fluminense – UFF. e-mail: alvespierre75@unicentro.br.
3
A emancipação de Duque de Caxias (DC) ocorreu no último dia de 1943, em meio ao agitado
ambiente do Estado Novo (1937-45), a partir de Decreto Lei 1055, do então interventor estadual
Amaral Peixoto. Os distritos de Caxias, São João de Meriti, Xerém e Estrela se emanciparam do
município de Nova Iguaçu, passando a compor o município de Duque de Caxias. O novo município
cidade ao projeto de desenvolvimento industrial do Estado Novo (1937-
45). A cidade passou a ser conhecida como a cidade do motor, do trabalho
e do trabalhador. A crescente movimentação de pessoas que trabalhavam
na cidade carioca e residiam em Caxias produziu uma outra imagem da
cidade, a de dormitório (M. SOUZA, 2002).
passou a ser formado por três distritos: DC, São João de Meriti e Imbariê. Em 1947, São João de
Meriti se emancipou de DC e em 1954, parte do distrito de Imbariê deu origem a outros dois
distritos: o de Campos Elíseos (3º) – onde se instalou a Refinaria Duque de Caxias, nos anos 1960;
e o de Xerém (4º) – onde se instalou a Fábrica Nacional de Motores nos anos 1940. (M. SOUZA,
2002 e M. SIMÕES, 2007).
4
COSTA, 2007, p. 113.
208
e em 70 contavam com sete milhões e 173 mil. Esse crescimento
populacional é um reflexo, em última análise, da estrutura rural
5
deficiente do estado do RJ.
5
Revista Tendência, março de 1975.
6
Instituto Brasileiro de Administração Municipal, sediado na cidade do Rio de Janeiro.
7
O GLOBO, 25 de maio de 1975; p. 14-15.
8
O atual estado do Rio de Janeiro até 1974 dividia-se em dois: estado da Guanabara (o que hoje
corresponde á cidade do Rio de Janeiro) e estado do Rio de Janeiro (cuja capital era a cidade
de Niterói). A fusão dos dois estados ocorreu com a Lei Complementar nº 20de 01/07/1974 e
concretizada em 15/03/1975.
209
A RMRJ foi dividida, por essa pesquisa, em quatro áreas: núcleo,
periferia imediata, periferia intermediária (Jacarepaguá, Nilópolis, São João
de Meriti, Campo Grande, Nova Iguaçu, Caxias e São Gonçalo); e periferia
distante (todo o restante da RMRJ). Para o presente artigo, destacaremos a
situação da periferia intermediária, onde encontra-se Caxias.
A Periferia Intermediária tem altas taxas de crescimento populacional,
com centro de serviços adequados aos padrões de consumo da população
pobre, um crescimento industrial restrito apenas a algumas áreas, com
uma infra-estrutura inexistente ou precária. Congrega 80% da população
total dos antigos estados da Guanabara e Rio de Janeiro. Sua densidade
populacional é muito superior à do resto do estado: 1.095 hab./km2, contra
51,9 hab./km2. Tem 85% da população urbana e 22,3% da rural. Embora no
contexto metropolitano a população rural seja ínfima: apenas 3,4%.
A População Economicamente Ativa (PEA) representava 81% do
total do estado; 79,2% dos estabelecimentos industriais do estado e 77,7%
do valor gerado por eles; 75,7% do total de prédios, embora apenas 56%
deles tinham água encanada.
A cidade do Rio empregava 65% da PEA da RMRJ e Caxias e Nova
Iguaçu empregavam de 5 a 10% da PEA. A produção industrial do Rio
representava 72,8% do valor global da RMRJ e a de Caxias representava
12,5% do valor global da RMRJ.
A topografia de DC apresenta, em grande parte, planícies e pequenos
relevos, assumindo, entretanto, na sua região Norte, fisionomia montanhosa,
onde se sobressaem vários montes e destaca-se a Serra da Estrela. Dessa
região derivam-se várias nascentes d’água que se constituem tributárias
da Represa de Xerém – manancial que contribui substancialmente para o
abastecimento do Rio de Janeiro.
Está localizado em ponto estratégico e privilegiado, qual seja na
confluência das duas mais importantes e principais rodovias brasileiras:
Washington Luiz e Presidente Dutra (Rio-São Paulo). A rodovia Washington
Luiz que transpondo Brasília, conduz ao Pará, estado mais setentrional
do país, passando antes por inúmeras cidades importantes. Ainda em
ramificação, alcançam-se os estados da BA, SE, AL, PE, PB, RN e CE. A
rodovia Presidente Dutra é a artéria que, passa por São Paulo, o maior
parque industrial da América Latina.
Em 1950, era facilmente comprovável sua situação de cidade
dormitório, em relação ao expressivo mercado de trabalho do Rio de
Janeiro. Entre 1950 a 1965, com a instalação da Refinaria Duque de Caxias
(REDUC) e outras pequenas fábricas, ou seja, com o surto industrial que
210
sofreu, passou Caxias à nítida posição de subcentro metropolitano, com área
de influência que lhe extravasa os limites municipais e alcança até mesmo
certos bairros da Guanabara; o que gerou conseqüentemente um mercado
de trabalho cujo crescimento tende a aproximar-se do demográfico, mas que
ainda não acompanha a expansão da oferta de mão-de-obra, proporcionado
pelo célere crescimento populacional.
O crescimento populacional de Caxias foi ainda maior nos anos
1950, alcançando 161% – 241.026 habitantes em 1960, sendo o maior
índice da baixada. Diversos fatores contribuíram para este crescimento,
como: construção de rodovias, baixo preço dos lotes oferecidos, mínima ou
total ausência de exigências burocráticas, tarifas do transporte ferroviário
unificadas e subsidiadas pelo governo, eletrificação total das linhas.
Some-se a isso, a atração de trabalhadores para dar conta da construção e
funcionamento de mais duas empresas estatais que se instalaram em Caxias:
a REDUC, com a construção iniciada em 1958 e concluída em 1961; e a
primeira empresa petroquímica brasileira – FABOR (Fábrica de Borracha
Sintética), em 1962.
Mas a REDUC também acabou alterando outras condições do
município, pois sua instalação se constitui um marco no crescimento da
poluição das águas da Baía da Guanabara, causado pelo despejo de seus
efluentes líquidos. É, sem dúvida, a principal atividade poluidora da Baía.
Seus efluentes líquidos contêm grandes quantidades de óleos e graxas,
metais pesados (inclusive cádmio e mercúrio), fenóis e carga orgânica.
Os manguezais remanescentes, situados no litoral de Caxias, foram
9
particularmente impactados pela poluição da refinaria.
Em relação à infra-estrutura urbana, a situação era de abandono.
Conforme os dados da Agência de Estatística do Município de DC, em 1957
havia 10 mil crianças em idade escolar fora da escola. Das 20.152 crianças
de 5 a 14 anos, apenas 7.761 sabiam ler e escrever. Dos 92.459 habitantes,
aproximadamente 14.048 homens e 17.741 mulheres eram analfabetos.
A maioria das escolas públicas foi instalada em residências ou prédios
alugados, sem a menor infra-estrutura.
Na área da saúde, a situação era ainda pior. Existia apenas o Posto
Médico do Sandu e os consultórios médicos particulares. A alternativa
era buscar atendimento no Distrito Federal. A obtenção de água potável
continuava a ser um grande problema. Existiam apenas bicas e carros pipas.
Conforme Lemos (1980, p. 59), a água era insalubre, imprestável para beber,
9
AMADOR, 1992, p. 247.
211
obrigando que fosse apanhada em locais privilegiados e na maioria das vezes,
distante das residências. Outra alternativa era a compra nos carros pipas, o
que, representava uma fonte de renda para os funcionários da prefeitura.
Mesmo sendo o único município (da periferia intermediária) que tem adutora
própria, com 54,6% dos seus prédios ligados à rede de abastecimento d’água,
DC é sobrecarregado na questão de abastecimento de água e não atende à
demanda, sendo, por isso, comum o uso de poços nas residências.
No final da década de 1960, o parque industrial era constituído, na
sua maioria, por pequenas e médias empresas. As três grandes empresas
presentes nessa época são: REDUC, FABOR e a Fábrica Nacional de
Motores (FNM).
Em 1970, dentre os municípios da Baixada, Caxias era o que
apresentava maiores reservas em áreas livres, possibilitando várias
alternativas para localização da atividade industrial. Configura-se no
município com o mais rápido avanço industrial, não apenas na Baixada,
mas em todo o antigo estado do Rio de Janeiro.
O crescimento industrial de DC caracterizou-se por duas etapas
de implantação: a primeira, representada por fábricas tradicionais que se
instalaram ao longo do eixo da antiga Rio - Petrópolis e Estrada de Ferro
Leopoldina; a segunda após a abertura da BR-135 (Rio-Brasília) que,
deslocando o eixo de atração, permitiu a localização de novas fábricas,
influenciadas pela instalação do Complexo REDUC-FABOR.
Neste mesmo decênio (1970), DC possuía dois hospitais municipais e
já contava com faculdades (Administração, Ciências Contábeis, Pedagogia
e Letras, da Associação Fluminense de Educação; Faculdade de Educação
com o curso de Pedagogia anexa ao Instituto de Educação Roberto Silveira,
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da FEUDUC), 214 unidades de
ensino fundamental e 22 de ensino médio; biblioteca e teatros.
Na época, Duque de Caxias arrecadava para a União um bilhão, 304
milhões 643 mil cruzeiros (IBGE, 1973); para o estado Cr$ 34 milhões 460
mil; e para a prefeitura cerca de Cr$ 460 mil.
Possuía também uma estação rodoviária servida pela Rede Ferroviária
Federal. E contava com os Jornais: Folha da Cidade, O Recado, O Rio de
Janeiro, O Municipal e Baixada Fluminense.
Figurava entre os municípios brasileiros com maior índice de
arrecadação de impostos, graças à REDUC, à Fiat Diesel e a mais de 600
outras fábricas e 3.000 estabelecimentos comerciais.
Seus 575 mil habitantes (aproximadamente) sofriam permanentemente
com a falta de água, luz, rede de esgotos, coleta de lixo, limpeza, conservação
212
e policiamento. Continuava como cidade dormitório, fornecendo mão-de-
obra para o Rio de Janeiro.
Em 1970, quando o município contava com 431.397 habitantes, só
30.284 trabalhavam ali. Destes, 12,18% ocupavam-se a agricultura, 47,99%
na indústria e 40,73% no comércio e serviços. No mesmo ano, o município
possuía 109.513 edificações, sendo que apenas 40% eram ligadas à rede de
água, 24% à de esgotos e 70% à energia elétrica.
Nos quatro distritos existem bairros que são verdadeiras favelas e
onde a baixa condição de vida gera a alta criminalidade.
A falta de água, decorrente da seca na região dos mananciais é o
principal problema enfrentado atualmente pela população de DC. Os
moradores dizem ter aprendido a conviver com a precária condição de vida e
passaram a considerar normal a presença de lixo, poeira, lama e buracos nas
ruas, o esgoto mal-cheiroso escorrendo pelos valões, os assaltos, a ausência
de iluminação pública e a falta de ônibus, de telefones e de escolas.
No início dos anos 1980, perdeu aquela que foi sua principal característica
durante décadas: a criminalidade, o banditismo armado que nada deixava
a desejar aos melhores filmes de faroeste. Surge uma acelerada ocupação
10
industrial, que segundo muitos, é responsável pelo declínio da violência.
Estima-se que, diariamente, mais de 300 mil pessoas deslocam-se
para trabalhar em cidades próximas. Em 1983, DC já contava com 826
fábricas, principalmente de pequeno e médio porte, sendo que, no final de
1982, as fábricas empregavam 26 mil pessoas, apresentando um crescimento
do número de fábricas na região de 6% ao ano.
Conclusões
As transformações sócio-econômicas sofridas por Caxias, revelam
que a cidade perdeu a característica de tão somente “subúrbio dormitório”
do Rio de Janeiro, desenvolvendo uma economia própria e passando a
se constituir também numa cidade industrial. Nas décadas de 1970 e 80,
começou a se consolidar o Pólo Petroquímico de Duque de Caxias; e, no
início deste século, Caxias recebeu o Pólo Gás-Químico. Porém, apesar de
todo este crescimento econômico, verificado principalmente a partir dos
anos 1960, Caxias continua com graves problemas sociais, destacando-se a
precariedade no abastecimento de água e no tratamento do lixo e esgoto.
10
O GLOBO, 13 de março de 1983.
213
Fontes
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15/2/1976, 1/8/1976, 28/3/1977, 18/2/1978, 12/10/1978, 21/7/1979,
8/10/1981, 13/12/1981, 11/10/1982, 18/12/1981, 28/7/1982.
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HISTORIADOR, 15. Guarapuava. Abril de 2007, em DVD.
O GLOBO. Rio de Janeiro (Arquivo Jornal O Globo) - 27/8/72, 3/6/1974,
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O HOMEM da capa preta (filme), 1986. Direção: Sergio Rezende.
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Dissertação (Mestrado em História).
215
Políticas territoriais no Brasil: criação e extinção do
Território Federal do Iguaçu
1
CORADELI, Robison Tiago
2
FERREIRA, Sandra Cristina
1
Graduando em Geografia - Universidade Estadual do Centro-Sul do Paraná – UNICENTRO. e-
mail: robsontiago_geo@yahoo.com.br.
2
Professora do Departamento de Geografia - Universidade Estadual do Centro Sul do Paraná –
UNICENTRO. e-mail: sheidecke@hotmail.com.
quanto das aspirações da população, exigindo reorganização e tempo para
a retomada de novos rumos.
Palavras-chave: políticas territoriais; Território Federal do Iguaçu;
Laranjeiras do Sul.
Introdução
O presente trabalho busca contribuir com a discussão sobre o processo
de criação do Território Federal do Iguaçu e as questões que envolvem tal
decisão, que é acima de tudo política. Assim, buscaremos apresentar, num
primeiro momento, as principais decisões políticas do governo de Vargas,
desde o seu primeiro mandato em 1930 até o fim da ditadura imposta por
ele no ano de 1945.
Ao assumir o poder, Vargas faz muitas reformas na economia e na
vida política do país, contribuindo para que o Brasil pudesse em décadas
seguintes concretizar sua industrialização. Além de incentivar a ocupação e
nacionalização de áreas de fronteira, com seu projeto “Marcha para Oeste”,
onde discutiremos com um Território especifico, o do Iguaçu, criado com a
fusão de parte do território do Paraná e Santa Catarina e que logo após da
saída de Vargas do poder foi extinto.
Finalizando o trabalho, enfatizaremos como a capital do território na
época, a cidade de Laranjeiras do Sul que foi envolvida nesse processo, encontra-
se na atualidade e o que representou para a região a criação do Território.
Metodologia
Buscaremos construir o trabalho por meio de uma revisão
bibliográfica com o resgate histórico do momento político vivido pelo país,
e a criação do Território do Iguaçu (1944 -1946). Entendemos que a reflexão
teórica, permitirá compreender a contribuição de tais ações políticas no
contexto sócioespacial e na organização do território paranaense. Para
tanto, pretendemos analisar/discutir as particularidades pertinentes ao
tema e os principais agentes envolvidos no processo.
218
A política de Vargas: avaliando resultados
Para compreendermos o momento político da criação do Território
buscaremos analisar e discutir a presidência do Brasil na época e as suas
principais características de governança para que possamos situar o leitor
com o momento político da época.
Quando Getúlio Vargas assumiu o poder, em novembro de 1930
encontrou o Brasil numa situação econômica bastante preocupante,
sofrendo ainda com colapso da bolsa de Nova York em 1929, que afetou a
economia do mundo inteiro, e com a queda da bolsa do café, no mercado
internacional, que fez com que saísse do país muito capital.
Para tentar conter a crise, num primeiro momento, Vargas tentou
implementar uma política de caráter ortodoxo, buscando contrair o gasto
público, o crédito e a emissão de moeda. Entretanto, perante a gravidade da
crise, não foi possível sustentar apenas essas medidas, obrigando o governo
a adotar uma política voltada para a sustentação da atividade econômica.
(CORSI, 2004)
A mais importante foi a defesa do café, que introduziu um imposto
sobre cada saca exportada, ampliou o crédito interno e retirou do mercado,
entre 1930 e 1934, mais de 50 milhões de sacas, das quais cerca de 34 milhões
foram destruídas, impedindo assim um colapso cafeeiro, o que contribuiu
para manter o nível de atividade no comércio, na indústria, nas finanças e
nos serviços.
A sustentação da atividade econômica associada à desvalorização
da moeda e ao controle das operações cambiais, contribuiu para a criação
de condições favoráveis ao desenvolvimento industrial. “No entanto, a
política econômica adotada no período não visava intencionalmente
fomentar a industrialização, mas sim neutralizar os efeitos negativos da
crise internacional” (CORSI, 2004, p. 24).
A economia recuperou-se a partir do crescimento das atividades
vinculadas ao mercado interno, destacando-se o setor de bens de produção.
Esses desempenhos favoráveis no setor industrial marcam o início da
expansão industrial, determinando à dinâmica da acumulação de capital.
Outras medidas também contribuíram para a retomada da economia,
como: a criação de órgãos de regulação e fomento de setores específicos,
como por exemplo, o Instituto do Açúcar e do Álcool, o Conselho Federal
de Comércio Exterior, o Departamento de Produção Mineral, o chamado
reajustamento econômico, que perdoou 50% das dívidas dos proprietários
rurais contraídas até 30 de junho de 1933, a proibição de importações
de máquinas e equipamentos para os setores da indústria, a isenção de
219
tarifas sobre importações de equipamentos para alguns setores industriais
considerados importantes, a reforma educacional.
Destaca-se a introdução da legislação trabalhista e a criação do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1932. Medidas que visavam
regular a relação entre o capital e o trabalho no espaço urbano. Uma série de
direitos trabalhistas foram sendo introduzidas, entre elas o descanso semanal
remunerado, regulamentação do trabalho das gestantes e dos menores, férias
remuneradas, aposentadorias, salários mínimo, as quais foram sistematizadas
em 1943, na Consolidação das Leis do Trabalho, que vigoram até hoje.
Também foram introduzidos os sindicatos corporativos por categorias,
controlados pelo Estado, sendo esse seu principal problema, já que sendo
impostos de “cima” para “baixo” representavam uma ambigüidade
220
de que gozavam os Estados federativos. Simbolicamente bem representada
pela queima das bandeiras dos Estados, tal centralização fará com que o
espaço dos Estados fosse transformado num espaço sobre o qual pairava
uma autoridade central, superior. Entre outras medidas, disso fará prova
Getúlio Vargas ao intervir em vários Estados para impor a orientação
centralizadora do novo regime (NASCIMENTO, 1985).
No ano de 1937, Vargas fecha o Congresso promulga uma nova
Constituição de 1937 baseada nas constituições de caráter fascista da Itália
e da Polônia, e inicia o período ditatorial conhecido por Estado Novo. Uma
das características desse regime são as conquistas políticas por vias golpistas.
Quando Vargas implantou o Estado Novo, o fez com a justificativa de frear
as fortes ameaças de golpes comunistas no país. Decretou moratória da
divida externa e instituiu o controle rígido do câmbio. Significando um
confronto direto com os credores externos. E ao nacionalizar as quedas
d’água, os recursos minerais da indústria de base, os bancos e as companhias
de seguro pareciam confirmar a radicalização.
Entre os órgãos criados pelo governo na época do Estado Novo está o
DIP – departamento de imprensa e propaganda – que acabou por controlar
os meios de comunicação e que procurou garantir uma “boa imagem” do
governo de Vargas. Além disso, o governo de Vargas agiu diretamente com
a classe trabalhadora, moldando-a de modo a garantir o propósito de seus
objetivos, ou seja, desenvolver a industrialização nacional baseando-se em
uma substituição de importações.
A criação dos territórios é uma forma de exemplificar a ação
nacionalista do governo Vargas. No âmbito interno, Vargas procurava
garantir a ocupação e a nacionalização das áreas de fronteira, para tentar
conter o isolamento e trazer uma enorme região para econômica nacional.
Assim, ele cria o projeto “Marcha para Oeste” que já vinha sido pensado
desde seu primeiro ano de governo em 1930 e que buscava a criação de
territórios federais em áreas de fronteira.
Entretanto, sem abandonar a idéia de desenvolvimento calcado
no mercado interno e na indústria, sendo que a implantação da grande
siderurgia era considerada fundamental.
Além do extraordinário reforço à industrialização dado pelo
Estado, são bem representativas dessa fase, em que se acaba a construção
do território, as medidas extinguindo as barreiras alfandegárias entre os
estados, estabelecendo um imposto de consumo sobre as mercadorias em
todo o país, e abolindo a capacidade que tinham os Estados Federados de
legislarem sobre comércio exterior. É dentro desse quadro de transformações
221
fundamentais para o território que, pouco a pouco, será implantada uma
enorme infra-estrutura de transporte (rodovias Rio - Bahia, Belém - Brasília,
etc.) e de comunicações, para permitir a circulação dos bens industriais
produzidos pelo “centro” (São Paulo notadamente) em direção à “periferia”
(os antigos espaços federados agora subordinados). É este o “modelo” de
território que prevalece no Brasil até hoje (NASCIMENTO, 1985).
É nesse contexto que acaba por ser criado o Território Federal do
Iguaçu, que teve como capital o município de Laranjeiras do Sul.
222
Uma das propostas de Vargas, com o Estado Novo, era o fortalecimento
das áreas fronteiriças, e para isso ele criou o projeto “Marcha para o Oeste”
com a idéia de criação de Territórios Nacionais em áreas de fronteira, para
possibilitar sua colonização e ocupação.
O Território Federal do Iguaçu nasce nessa idéia, com a fusão da parte
Oeste e Sudoeste do Paraná e Oeste de Santa Catarina. Toda essa região
encontrava-se abandonada pelas autoridades locais, sendo freqüentes a
presença de estrangeiros, principalmente de paraguaios e argentinos.
Temendo uma possível ocupação desse território pelos argentinos,
Vargas criou o território Federal do Iguaçu. “Um ato de ocupação
definitiva da faixa de fronteira, para assim romper o isolamento e afastar
definitivamente o perigo estrangeiro para a soberania nacional, que rondava
a região” (LOPES, 2002, apud MUSSOI 2004, p. 34).
Quem explorava os recursos disponíveis eram os paraguaios e
argentinos, principalmente a erva-mate e a extração de madeira. Além
disso, “impressionara a situação de desnacionalização que constataram
na região: a língua corrente era o guarani e o espanhol, o dinheiro era o
peso argentino, a navegação do Rio Paraná era controlada pela Argentina
[...]” (WACHOWICZ, 1982. apud MUSSOI, 2004, p. 18), evidenciando
a desnacionalização encontrada na região de Laranjeiras do Sul nesse
período. Além desses problemas, a população enfrentava também omissão
do governo no atendimento às necessidades básicas, assim como precárias
vias de acesso, que dificultavam a vida dos moradores.
Vargas sabia de todos esses problemas, devido uma revolução
que acabou por acontecer nessa região, chamada “revolução tenentista”,
revelando à nação todos esses problemas de desnacionalização.
O Território Federal do Iguaçu teve dois Governadores, Major Garcez
do Nascimento e Frederico Trotta. O primeiro paranaense foi nomeado em
06 de janeiro de 1944, permanecendo no governo até o final de fevereiro
de 1946, o segundo, nomeado em seis de fevereiro de 1946, entrou em
exercício em cinco de março, permanecendo mesmo após a extinção do
território em 18 de setembro de 1946.
Entretanto, o decreto presidencial que criou o território, não definiu
sua capital. Medidas complementares foram tomadas através do decreto
lei nº. 5.839 na qual estabelecia que a capital do território fosse a cidade de
igual nome. Tal empasse perdurou por oito meses, quando em 31/05/1944
pelo Decreto-Lei nº. 6.650 foi feito uma retificação dos limites do território,
ampliando sua área e definindo sua capital, correspondente a Vila de
Xagu, ex-Laranjeiras, desmembrado do município de Guarapuava. Dessa
223
maneira Laranjeiras do Sul deixa da condição de vila para se tornar capital
do Território, com o nome de Iguaçu.
A escolha da vila Xagu, ex–Laranjeiras, não é ainda muito esclarecida,
sabe-se que esta decisão foi tomada pelo Major Garcez do Nascimento,
primeiro governador do território, que após percorrer todo Território
Federal do Iguaçu optou por Laranjeiras uma vez que a BR 277, que estava
em construção, provavelmente passaria na cidade (MUSSOI, 2004). Como
também por a cidade ficar mais próxima de Guarapuava e seus serviços.
Após ser considerada capital do Território, várias melhorias foram feitas
na cidade, dentre elas o plano Urbanístico, criação de um hospital, escola, plano
rodoviário e outras das quais, como cita Mussoi (2004, p. 101) “O Governo do
Território realizou também inúmeros serviços de utilidade pública, tanto na
Capital como nos demais municípios”, evidenciando as reformas realizadas
em toda região, que ficou durante muito tempo abandonada pelos seus
respectivos Estados, e as melhorias para suas populações.
A cidade e toda a região do Território passaram por um processo
rápido de crescimento econômico e social, com medidas que privilegiavam
o povo e uma conseqüente melhoria na economia da região. Embora, quem
mais lucrasse com o Território fosse Laranjeiras do Sul, pois muitas reformas
foram feitas na cidade, buscando apresentar a cara de uma capital Federal,
foram muitas as melhorias feita nos demais municípios que compreendiam
o Território.
No ano de 1945, em virtude de manifestações da sociedade para a
redemocratização do país, o regime de Vargas tinha se tornado insustentável.
Assim, o Alto Comando do Exército, apoiado por uma significativa parcela
da sociedade civil, depôs Getúlio Vargas em 20/10/1945, decretando o fim
do Estado Novo. Devido a essa instabilidade na política nacional tornou-se
fácil para que Paraná e Santa Catarina se mobilizassem para a reconquista
do território perdido.
Em dezembro desse mesmo ano, ocorreram eleições para presidente
da Republica e novos parlamentares. Eurico Gaspar Dutra saiu vencedor
e ele apoiava o fim do Território. Os Territórios Federais não votaram
em parlamentares, só para presidente, sendo um dos fatos da falta de
representatividade via Assembléia dos Territórios.
A Assembléia Nacional Constituinte foi o fórum no qual Paraná, Santa
Catarina e Mato Grosso, travaram uma verdadeira batalha para extinção do
Território do Iguaçu e de Ponta Porá, sendo a liderança do Paraná.
Após aprovada a Constituição Federal de 1946, o projeto de Emenda
Constitucional propondo a extinção do Território Federal do Iguaçu foi
224
apresentado pelo deputado paranaense Bento Munhoz da Rocha, no dia
10/06/1946 recebendo 119 assinaturas, com apoio unânime dos 10 deputados
paranaenses e dos dois senadores. Com relação à Santa Catarina, apenas dois
deputados assinaram esse projeto, evidenciando a liderança paranaense.
Para que a Emenda tivesse êxito havia a necessidade de mobilizar a
população do Território para o apoio à decisão. Entretanto, a população não era
favorável à extinção, pois temiam o retrocesso, o abandono das autoridades e o
retorno da vida difícil da qual levavam. Assim, foi criada uma comissão composta
por um professor, José Loureiro Fernandes, e um engenheiro, Antonio Batista
Ribas, pessoas influentes em Iguaçu para convencer a população. Eles pediam
a população para que mandassem cartas, telegramas, memórias enviadas ao
Presidente da República e a Assembléia pedindo a reincorporação.
Alguns telegramas pedindo a extinção do território têm uma origem
duvidosa, (MUSSOI, 2004), o que provocou revolta no povo do Território
e da imprensa local.
Outro aspecto que merece destaque:
225
Considerações finais
Pode-se perceber, com o trabalho, o quanto decisões que extrapolam
a vontade local e os agentes locais, influenciam no processo de criação e
organização de um Território. Embora o caso de Laranjeiras do Sul represente
uma especificidade, na cidade, os agentes locais não tiveram participação
nas decisões que afetavam seu território. Entretanto, acreditamos que devido
ao momento político e como se encontrava a região, a criação do Território
Federal do Iguaçu foi de fundamental importância para a cidade.
Os mesmos mecanismos extra-locais que deram uma relativa
importância para a cidade no cenário nacional num determinado momento,
foram também os responsáveis pelo abandono da questão antes priorizada,
demonstrando a predominância de ações centralizadoras e autoritárias,
aplicadas pela equipe de Vargas que se servia das forças regionais, locais
para seus projetos e os desfazia à medida que mudavam os interesses e
alianças político-econômicas (COSTA, 2001). Evidencia-se também, a falta
de continuidade dos projetos quando ocorre a troca de governo.
Torna-se difícil tecer considerações sobre como a região estaria
se o Território não tivesse sido extinguido. No caso apresentado, além
dessa questão da criação e extinção do território, a cidade passou por um
processo de fragmentação territorial intenso com a emancipação direta
ou secundária de doze municípios que pertenceram a seu território nesse
primeiro momento, desestruturando-a política, social e economicamente
(CORADELI, 2006). Atualmente, Laranjeiras do Sul encontra-se na região
do Estado do Paraná com a maior incidência de famílias pobres; como
também entre as cidades que não apresentam alto crescimento no índice
de desenvolvimento humano municipal (IPARDES, 2000), bem diferente
de outras capitais federias da região sul como Curitiba, Florianópolis e
Porto Alegre.
Considerando esses fatos, acreditamos que se o Território tivesse
sido mantido, a realidade poderia apresentar diferenças e a organização
do território paranaense seria outra. Quanto à capital do Território, tais
fatos foram impactantes para a cidade tanto no âmbito administrativo,
quanto das aspirações da população, exigindo reorganização e tempo para
a retomada de novos rumos.
226
Referências
CORADELI, R.T. Formação de novos municípios: políticas de
desenvolvimento ou estagnação para pequenas cidades no centro sul do
Paraná. In: SEMANA DE GEOGRAFIA, 15., 2006. Anais... Guarapuava:
UNICENTRO, 2006, p.196.
CORSI, F. L. O longo caminho da industrialização. História Viva, São
Paulo, v. 4, p. 22-30, 2004.
COSTA. Wanderley Messias da. O Estado e as políticas territoriais no
Brasil. Ed. Contexto. São Paulo, 2001.
MUSSOI, Arno, Bento. Administração Pública do Território Federal do
Iguaçu. Curitiba, (Monografia de pós-graduação da Faculdade do Brasil)
Faculdade do Brasil, 2004.
NASCIMENTO, A . Produção Histórica do território Brasileiro e Teoria
Geral do Estado: notas críticas sobre uma discussão. In: REVISTA, n.º1,
Dezembro de 1985 - p. 76-90.
NOGUEIRA, A. J. F. M. . O trabalho sob a tutela do Estado. História Viva
- Grandes Temas - Edição Especial Temática - Ediouro, Brasil e Portugal,
v. 4, p. 30 - 37, 11 ago. 2004.
227
A globalização no contexto local e global:
modernidade e complexidade
1
BERTOTTI, Luiz Gilberto
2
SANTOS, Ariodari Francisco dos
Introdução
O presente artigo é o resultado de uma abordagem sucinta referente
à globalização no contexto local e global, diante deste desafio procurou-se
reconstruir um “dialogo” com a participação de alguns autores de renome
internacional, dentre eles, Anthony Giddens.
Nas sociedades modernas as influências culturais e econômicas são
evidentes, em função de diversos fatores dentre os quais a penetração dos
meios de comunicação e a globalização do mercado. Contudo, a identidade
1
Professor Adjunto do Departamento de Geografia/UNICENTRO. Pesquisador do Núcleo de
Pesquisas Ambientais. e-mail: bertotti@unicentro.br.
2
Professor Adjunto do Departamento de Biologia/UNICENTRO. Pesquisador do Núcleo de
Pesquisas Ambientais. e-mail: ariodari@unicentro.br.
de cada uma delas é caracterizada pelo seu modo de vida nos lugares que
construíram e nos quais habitam.
E nesse sentido, observamos importantes transformações políticas,
sociais e econômicas que têm atingido de forma direta ou indireta toda a
sociedade, seja ela local ou mundial.
Essas transformações são capazes de dar origem aos “riscos de
grande conseqüência” que se originaram do impacto do desenvolvimento
técnico-industrial sem limites sobre o homem, como consumidor e
produtor, sobre a natureza e também sobre a sociedade e sua organização.
Nessa perspectiva, Giddens (1991) identifica a origem das crises nas quais
enfrentamos estes “riscos”, sendo uma delas o impacto do desenvolvimento
social contemporâneo sobre as geobiocenoses.
É nesses sistemas de interações complexas que se observa o avanço
do modelo atual de desenvolvimento em busca desesperada de matéria-
prima proporcionando mudanças significativas na paisagem natural.
O capitalismo contemporâneo
Saul (2003, p.1) menciona que o capitalismo contemporâneo é visto por
Giddens como um novo modelo de integração social, norteado por laços que
se estendem muito além das fronteiras clássicas das comunidades e das nações,
levando em si um novo significado de organização social e política que desafia
as atuais gerações a repensarem as gêneses da experiência democrática.
As análises da economia capitalista contemporânea devem ter suas
referências, em termos metodológicos, a partir do arcabouço teórico que
procura descrever o organismo reprodutivo deste sistema. Nessa configuração,
como é notório por meio da economia política formulada por Marx, um
conjunto determinado de leis de movimento e reprodução orienta e conduz
o funcionamento dessa economia por meio de uma regularidade particular.
Estando esta sintetizada no conceito de ciclo econômico, a qual, por sua vez,
está inserida a crise como sendo uma de suas formas básicas. Portanto, no
modelo capitalista, a produção, o excedente e a acumulação do capital, ao
tempo em que estão logicamente relacionados entre si, também se articulam
de acordo com ritmos, volumes e proporções desiguais no tempo e no espaço,
decorrendo dessa dimensão o surgimento da crise, denominada em geral de
superprodução (MARX, 1986).
No que se refere ao ciclo econômico, a dinâmica capitalista é
identificada, em sua formulação clássica, representando a composição de
um processo logicamente encadeado, decorrido em um certo período de
230
tempo. Os elos dessa cadeia de fenômenos econômicos são representados por
um período inicial de crescimento, cuja marca dominante é a acumulação
rápida do capital; no período seguinte, a superacumulação passa a ser o traço
dominante. O desenlace deste processo, ainda dentro desse período, acontece
com a abertura da crise em si mesma, qual seja, um período durante o qual
haverá desaceleração da acumulação e sub investimento (KATZ, 2000).
3
“Tornou-se uma espécie de palavra da moda. Muitas vezes dita, mas raramente com o mesmo
significado. Trata-se na verdade, de um daqueles conceitos tão amplos, que é empregado por
diferentes pessoas para explicar fatos de natureza completamente diversa, sendo que, mesmo
quando qualificada como econômica, ainda assim, pode ser associada a uma grande variedade de
fenômenos” (CARDOSO, 1996).
231
A necessidade de um caminho
Existe uma certa correspondência na escala temporal entre a
veiculação do conceito de capitalismo global e o debate sobre a necessidade
de um terceiro caminho nas articulações políticas nacionais. Dos anos
oitenta em diante, tornou-se uma espécie de lugar-comum no pensamento
político a veiculação da idéia de que o processo de globalização havia criado
uma nova fronteira afetando não apenas a democracia representativa,
o conceito de soberania e a identidade nacional. Esse processo teria
estreitado consideravelmente a margem de manobra macroeconômica,
fazendo com que a diferença entre esquerda e direita se reduzisse à maneira
como se manipulam receitas e despesas para alcançar macro-resultados.
A questão de que tipo de resultados buscar fica posta de lado (Gonzalez e
Hoffmann, 1999), dando margem ao surgimento de diferente concepção
de região, o “regionalismo aberto”, que circula como característica central
do movimento da globalização e de abertura dos mercados nacionais e sua
reunião em blocos regionais.
A terceira via em sua vertente britânica, mais do que uma mera reflexão
sobre o impasse diante das condições emergentes na vida política, ou uma
reação contra a apatia e a incapacidade da esquerda para enfrentar a revisão da
“ortodoxia” da política democrática. A intenção não é apenas de apontar para
a solução dos problemas propostos pelo movimento da globalização, como
também para a fundamentação dessa solução através de sua sustentação num
corpo de conceitos, cujo sentido é mostrar que ela se encontra na própria
dinâmica daquele movimento. Muito embora as noções sociológicas e o
conhecimento da vida social não possam ser aplicados imediatamente em
planos de intervenção social por parte de órgãos governamentais ou de grupos
poderosos, “o impacto prático das teorias sociológicas estão constitutivamente
envolvidos no que a modernidade é” (GIDDENS, 1991, p. 24).
Na perspectiva do autor, a resolução dos dilemas da vida na
atualidade tem seu núcleo estratégico definido pelo processo de ajuda aos
cidadãos para abrir caminho através das “revoluções” do nosso tempo. Ou
seja, a globalização, a transformação na vida pessoal e o relacionamento
com a natureza. Esse processo implica um novo tipo de relacionamento
do indivíduo com a comunidade, através da redefinição de direitos e
obrigações (SAUL, 2003).
232
Transformação e risco
Essa transformação deve levar em conta a questão do risco, conceito
este que em qualquer campo de saber científico ou tecnológico em que
venha a ser utilizado, tem um único e preciso significado: probabilidade
de ocorrência de um evento de interesse, mantendo-se especialmente o
lado ativo do risco, isto é, a oportunidade e a inovação - o lado “não ativo”
representado por segurança e responsabilidade (GIDDENS, 1999, p. 73).
O enfrentamento do risco é inerente à atividade empresarial e à
força de trabalho. Os agentes devem assumir riscos com responsabilidade,
nas esferas dos mercados, governamentais, empresariais e do trabalho. O
Estado deixa de ser referência para conflitos derivados da desigualdade.
A questão da desigualdade se resolve pela eliminação das discrepâncias
criadas pela “meritocracia”. Ela deve ser conduzida através de reformas que
proporcionem oportunidades de formação pessoal e iniciativa individual.
O bem estar positivo deve voltar-se para a formação de capital humano por
meio do qual se encaminharia o desenvolvimento da capacidade cognitiva
e emocional, elementos decisivos da “inclusão” (GIDDENS 1999, p. 113
- 127). Deve se entender que o conflito entre capital e trabalho não existe
mais. O que hoje ocorre é uma disputa em torno e dentro de mercados, e o
decisivo é ser competente e superar os riscos, ou assumir a incompetência e
aceitar o destino que a nova economia reserva para os incompetentes.
O trabalhador deve ter o espírito do empresário, da competição e
da aceitação de desafios. Ambos são “empreendedores sociais”. A empresa
é o modelo tanto de competição quanto de criação de riqueza e nele deve
inspirar-se a sociedade tanto civil quanto política (Estado ou governo). Ela
passa a ser o nervo do “novo interesse público”. O risco é a característica da
modernidade tardia ou da sociedade pós-tradicional, termo que Giddens
(1991) prefere à noção de pós-modernidade, por entendê-la sem precisão.
A matriz do risco, que deriva da análise das questões ecológicas como um
dos dilemas que dominam o debate em torno das novas direções da social-
democracia, serve, assim, de núcleo em torno do qual se estabelecem os
elos de ligação entre a teoria social e o programa político. Os elementos
componentes da matriz do risco, inovação e oportunidade, segurança
e responsabilidade, são os campos representativos dos novos valores da
social-democracia renovada e os articuladores de toda a trama que define
os novos princípios sociais e políticos que devem caracterizar o novo Estado
e a nova sociedade civil.
Na matriz do risco, opera-se a articulação entre o dinamismo da
sociedade pós-tradicional e a subjetividade típica do novo individualismo,
233
essencialmente sensível às questões morais da nossa época. Trata-se de um
“individualismo institucionalizado” (expressão de Ulrich Beck assumida por
Giddens), no sentido de que não se refere mais à manifestação de interesses
pessoais como no antigo individualismo, sinal de decadência moral e uma
ameaça constante à solidariedade social, mas de um esforço perene pela
produção dessa solidariedade e de ampliação da democracia (GIDDENS,
1999, p. 46-47). Enquanto na velha social-democracia a questão da
responsabilidade ficava submersa na “provisão coletiva” garantida pelo Estado,
o novo individualismo implica o despertar do sentido de responsabilidade
que anima a busca do equilíbrio entre o indivíduo e a sociedade.
De outro lado, na matriz do risco, fica evidente que o elemento que
serve de ligação entre o lado ativo e o lado não-ativo do risco tem a mesma
origem da matriz, isto é, a questão ecológica, e tem correspondência
também com a estratégica noção de “conservadorismo filosófico”. O
conservadorismo filosófico implica a combinação entre modernização e
conservadorismo e se apresenta como a forma mais adequada para enfrentar
a nova combinação entre risco e responsabilidade. Essa combinação de
modernidade e conservadorismo é só aparentemente contraditória.
Para Giddens, ela é a forma pragmática de enfrentar as mudanças
decorrentes dos avanços da ciência e da tecnologia e das relações sociais
derivadas, que são os elementos fundantes da nova economia mista. Na
verdade, na perspectiva do autor, o social se traduz em práticas com extensão
espacial e duração temporal que são constituídas a partir de relações de
confiança, funcionando esta como base da segurança ontológica (Giddens
1991, p. 95) que liga as subjetividades às instituições ou às estruturas e aos
sistemas. É importante referir que a noção de segurança ontológica parece
ser um dos conceitos centrais de toda a teorização social do autor, marcando
presença desde seus primeiros trabalhos. A noção desempenha papel decisivo,
por exemplo, no desenvolvimento da idéia de dualidade de estrutura e,
conforme Giddens, na conseqüente superação da oposição freqüentemente
reiterada no debate teórico em sociologia entre ação e estrutura.
Defendendo-se de seus críticos, Giddens, em 2000, volta a reiterar
seus argumentos acrescentando, entretanto, alguns aspectos novos quanto
à sua fundamentação. Em primeiro lugar, reitera que o debate entre
esquerda e direita perdeu substância e grande parte da sua significação para
entendimento do que ocorre na sociedade contemporânea. Em segundo
lugar, aponta três áreas que emergem como decisivas na esfera do poder:
governo (ou Estado), economia e “comunidades” da sociedade civil. Em
terceiro, a ordem social, a democracia e a justiça social não admitem o
234
predomínio de uma esfera sobre outra. Segue-se a necessidade de elaboração
de um novo contrato social fundado no princípio antes mencionado da
“inexistência de direitos sem responsabilidade” a ser aplicado a todos, ricos
e pobres, empresas ou indivíduos. Em quarto, refere-se à esfera econômica
e, particularmente, à criação da nova economia mista, ancorada na “nova
economia da informação” ou “economia do conhecimento”. A seguir,
considera como objetivo a consolidação de uma “sociedade diversificada”
baseada em princípios igualitários. Porém, a terceira via não admite o
igualitarismo de renda e sim o igualitarismo de oportunidades. E, por
último, vem a necessidade de levar a sério a globalização. Ela não tem
apenas aspectos negativos. Tem os aspectos positivos e estes devem ser
maximizados pelo programa da terceira via (GIDDENS, 2000a, p. 50-4).
A caracterização do movimento que inspira a renovação política
contida na proposta da terceira via aparece reforçada nesse texto, indicando
com maior detalhe a articulação entre a globalização, as condições
econômicas emergentes, sua determinação sobre mudanças na vida
cotidiana e o surgimento de uma “cidadania reflexiva”. A globalização em
curso é diferente de movimentos análogos anteriores (GIDDENS 2000a, p.
65). De acordo com Giddens, o fenômeno da globalização, em sua natureza,
causas e conseqüências, não se reduz ao mercado global e deve ser entendido,
também em suas características sociais, políticas e culturais (GIDDENS
2000a, p. 68). Não parece haver dúvidas sobre o fato de que o processo
econômico em curso está no centro das transformações da sociedade
contemporânea. A intensidade do processo de globalização é influenciada
diretamente pela revolução na tecnologia da informação, induzindo à
globalização da “economia do conhecimento”, o que, combinando-se com
aspectos mais amplos do processo, gera mudanças na natureza da atividade
econômica (GIDDENS 2000a, p. 69).
Ao definir as prioridades que a nova política deve promover, Giddens
dá ênfase à questão educacional e do incentivo ao capital humano: “A
força chave no desenvolvimento do capital humano deve ser obviamente
a educação. É o principal investimento público para impulsionar tanto a
eficiência econômica quanto a coesão cívica” (GIDDENS, 2000a, p. 73).
Trata-se, na concepção de Giddens, de uma virtude do processo
de globalização que, induzindo uma pressão para baixo, estimularia o
desenvolvimento do espírito comunitário nas esferas locais (devolution).
Neste caso, o termo comunidade é empregado, esclarece Giddens, não no
sentido de recuperação de velhas formas de solidariedade, mas como uma
tendência de renovação social e material de grupos, em bairros, pequenas
235
cidades e outras áreas locais mais amplas. A elevação do nível de auto-
organização indica a condição reflexiva de uma sociedade, e isso revelaria
a inexistência de “fronteiras permanentes” entre governo (ou Estado) e
sociedade civil (GIDDENS, 1999, p. 89-90).
Dentre as ambigüidades e ambivalências de Giddens, a questão da
sociedade civil adquire uma dimensão extremamente significativa. No
ano de 1973, criticando a teoria do Estado capitalista em Marx, Giddens
expressa a sua discordância com a forma em que é sustentada, naquele
autor, a relação entre Estado e sociedade (GIDDENS, 1975, p. 342).
Em 1985, afirma que não se utiliza o conceito por ver nele, a partir das
análises de Marx, uma fonte de equívocos (GIDDENS 2001, p. 93). Em
1994, voltará a insistir na idéia, ao tratar de desenvolver a linha de força
de uma política radical (alternativa à social-democracia clássica). Diz ele,
argumentando a respeito da necessidade de restabelecer a solidariedade
danificada pelas condições vigentes no sistema de mercado sem controles,
processo que envolveria certo conservadorismo filosófico e preservaria
valores associados até então ao pensamento socialista: É importante não
interpretar isso no sentido da idéia de uma revitalização da sociedade civil,
que goza de tanto prestígio entre certos setores da esquerda. O conceito
de uma “sociedade civil” intermediária entre indivíduo e o Estado é [...]
suspeito quando se aplica às condições sociais atuais. Hoje devemos falar
mais propriamente de re-ordenamento das condições da vida individual e
coletiva, o que indubitavelmente produzirá novas formas de desintegração
social, porém também oferecerá novas bases para gerar solidariedades
(GIDDENS, 2000b, p. 81).
Existem formas de barganha diversas, dentre as quais, a que atua no
campo do gerenciamento dos riscos, a relacionada com os acordos em torno
de temas econômicos, como salários e contratos, e a barganha que funciona
no terreno do debate sobre questões ecológicas (GIDDENS 1996, p. 374). O
conceito de política regenerativa é uma forma de exercício de reflexividade
social que se opera no espaço que vincula o Estado à mobilização reflexiva da
sociedade em seu conjunto: “A política regenerativa é uma política que tenta
criar as condições de possibilidade para que indivíduos e grupos sejam capazes
de fazer coisas - ao invés de esperar que lhes façam as coisas - no contexto das
preocupações e objetivos sociais globais” (GIDDENS, 2000b, p. 85-86).
Resumindo as transformações que se operaram na vida econômica
nos últimos tempos, Giddens observa que, na velha economia, a
manufatura dominava o campo de articulações entre manufatura, finanças
e conhecimento.
236
A nova economia
Na nova economia, a economia global, o setor de finanças adquiriu
maior autonomia, submetendo os setores produtores. O conhecimento
tornou-se menos subserviente à manufatura, na medida em que se fez
questão-chave da produtividade. Os mercados financeiros cresceram de
forma diversa guiados pela crescente complexidade do conhecimento
que envolve seu funcionamento. Em tais condições, o controle do capital
manufatureiro e a regulação dos mercados financeiros permaneceriam
sendo as tarefas mais importantes dos governos de centro-esquerda. Mas,
na medida em que uma outra dimensão da economia tornou-se mais
importante, o governo necessita construir uma “base de conhecimento” que
liberte o potencial da economia fundada na informação (GIDDENS 2000a,
p. 72-73). Essa base é constituída fundamentalmente por trabalhadores
polivalentes, cujo saber “é a propriedade mais valiosa que as empresas
dispõem”, e a inovação e a busca de “nichos de mercado”, tendo em vista que
o ciclo dos produtos é muito mais rápido hoje do que nos tempos da velha
economia (GIDDENS, 2000a, p. 69-70). É no contexto de “devolution”,
isto é, no processo de indução da autonomia local pelo movimento de
globalização (Giddens, 2000a, p. 62-153) que conceitos como life politics e
life-style bargaining, compreendendo estilos de atuação política, vivenciados
nas comunidades, dão sentido mais adequado à concepção giddensiana
de sociedade civil como uma das três faces do poder na sociedade
contemporânea, ao lado do mercado e do governo (Estado) (GIDDENS
2000a, p. 51). É ainda dentro da perspectiva, desta “pressão para baixo”,
que a questão da inovação se revela em potência plena como parte central
da economia baseada no conhecimento, como produto de redes e projetos
realizados em processos de colaboração (GIDDENS 2000a, p. 79).
Neste contexto, o risco é a condição do jogo político e o sucesso
depende da capacidade emocional e reativa dos indivíduos e dos grupos.
A confiança é o suporte deste arranjo de riscos e oportunidades, cuja
regra é “não há direitos sem responsabilidades”, e o investimento social
privilegiado na política da terceira via deve ser orientado para a promoção
do capital humano em substituição do sustento econômico típico do bem
estar negativo, que estimulava a ignorância e a ociosidade.
237
claramente delimitado em suas fronteiras políticas, sociais e culturais,
definindo assim o limite das práticas que emergem em seu interior, ao
abrigo de “contaminações” de fora. O processo de globalização introduziu
forças de integração/deslocamento no âmago das práticas institucionais e
identitárias. Desta maneira, cada sociedade se transforma numa articulação
de contextos regionais, culturais, econômicos, políticos, discursivos, etc.
(APPADURAI, 1990; BURITY 1994 p. 45-48). Os álibis apresentados pela
teoria da modernização (liberal ou marxista) para justificar a seqüencialidade
e discrição dos “estágios” - a saber, a flagrante situação de pobreza e exclusão
social e a fragmentação da soberania nacional e das identidades coletivas -,
são articulados da imprevisibilidade dos pontos de conflito e das formas de
negociação ao surgimento de novas questões e eixos de agregação de forças,
e à intensa pressão colocada pelos novos agentes sociais sobre governos
locais ou nacionais. Em todos os casos, a possibilidade de que as questões,
repertórios de ação, alcance da intervenção dos atores se projete para além (e
aquém) das fronteiras do estado/nação realça o vínculo entre a experiência
recente dos movimentos sociais o processo de globalização (BURITY, 1994).
Globalização e desenvolvimento desigual são, portanto, duas faces
de um mesmo processo. Por um lado, como observa Giddens (1990
p.175), é um processo que “fragmenta ao coordenar”, introduzindo assim
“novas formas de interdependência, nas quais, uma vez mais, não existem
‘outros’. Estas criam novas formas de risco e perigo ao mesmo tempo em
que promovem amplas possibilidades de segurança global”.
238
mais pobres da África ou do sul da Ásia. Seriam o “Brasil moderno” e o
“Brasil arcaico” ou atrasado.
Alguns autores denominam esses contrastes de dualismo ou
dualidade. Eles argumentam que o “Brasil moderno” seria o motor do
progresso, sendo o “Brasil arcaico” um empecilho para o desenvolvimento.
Nesses termos, o grande problema para o Brasil seria resolver esse dualismo,
modernizando as áreas arcaicas ou atrasadas. Já outros autores criticam
essa visão, argumentando que essas são duas faces de uma mesma moeda,
ou seja, que um desses brasis não existiria sem o outro. Eles afirmam que
o atraso de certas áreas (ou a pobreza de certos setores sociais) seria uma
condição necessária para o tipo específico de crescimento econômico que o
Brasil adotou nas últimas décadas, o chamado “capitalismo selvagem”.
Considerações finais
Para Giddens, o processo de globalização é visto como um novo
modelo de integração social orientado por laços que se estendem muito
além das fronteiras tradicionais das comunidades e das nações, levando
em si um novo sentido de organização social e política que desafia as
atuais gerações a repensarem as raízes da experiência democrática. Esse é
o sentido do programa da terceira via e também o sentido da teoria social
de Giddens. Num plano mais geral, observa-se que a teoria e seu programa
político delineiam-se no interior da tendência que parece dominar a
cena na atualidade, a percepção de um novo ambiente sociológico, onde
a indução pelo mercado domina como centro ético político, a partir do
qual se processa uma ampla redefinição das relações sociais, políticas e
econômicas, tanto no plano local quanto no plano global.
Segundo Giddens, os perigos ambientais que ameaçam os
ecossistemas da Terra são hoje muito mais presentes e disseminados na
sociedade global. Esses exemplos ilustram o que ele denomina de “dialética
do local e do global” (p.27). Nessa dialética, tanto a cultura quanto a
economia e as dimensões sociais têm papel preponderante.
Referências
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In: FEATHERSTONE, Mike (ed.). Global Culture: Nationalism, Globalization
and Modernity. London/Newbury Park/New Delhi, SAGE, 1990.
239
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política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP,
1989. p. 11–72 .
BURITY, Joanildo A. Radical Religion and the Constitution of New
Political Actors in Brazil: the Experience of the 1980s. Inglaterra, 1994.
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B. de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
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GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo:
UNESP, 1991.
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Society. Development and Change, v. 27, 1996, p. 365-377.
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GIDDENS, Anthony. The Third Way and its Critics. Cambridge: Polity
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GIDDENS, Anthony. O Estado-nação e a violência. Trad. Beatriz
Guimarães. São Paulo: EdUSP, 2001.
GONZALES, Felipe; HOFFMANN, Stanley. European Union and
Globalization. Foreign Policy, n. 115, p. 28-43, 1999.
240
HUTTON, Will; GIDDENS, Anthony. On the edge. London: Vintage,
2001.
KATZ, Claudio. Ernest Mandel e a teoria das ondas longas. In: Revista da
Sociedade Brasileira de Economia Política, Rio de Janeiro, 7 Letras, nº 7,
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MARX, Karl. O capital – crítica da economia política. São Paulo: Nova
Cultural (Os Economistas), vols. I, IV e V, 1985, 1986.
241
O estudo geográfico das festas como manifestações
culturais
1
SIDOR, Simone de Fátima
Introdução
Este trabalho tem a intenção de discutir o referencial teórico que estou
empregando no estudo da Festa de Nossa Senhora do Belém, em Guarapuava,
meu objeto de estudo na iniciação científica voluntária e no TCC.
A Festa de Nossa Senhora de Belém está sendo abordada, na pesquisa,
numa perspectiva espaço-temporal, enfocando seu significado diante da
sociedade, destacando suas dimensões política, econômica e social, bem
como suas relações com o espaço e a territorialidade, por serem essas
dimensões bastante incorporadas dentro da geografia cultural preocupada
com as festas populares. A pesquisa em si objetiva observar: quais foram as
transformações por que passou a festa? Qual a função da festa hoje para a
sociedade guarapuavana? Como as transformações no espaço urbano e na
sociedade local foram absorvidas pela festa, que também se transformou?
Como o estudo de campo, apesar de finalizado, ainda está em fase
de sistematização, não tenho condições nesse momento, de apresentar os
dados e as discussões que eles ensejam. Apresento somente, nesse texto,
uma discussão sobre a história da Geografia Cultural; uma discussão
sobre o estudo geográfico das festas populares; as metodologias que me
embasaram na pesquisa de campo (observação participante e entrevistas);
e, por fim, alguns rápidos apontamentos sobre a festa de Nossa Senhora do
Belém, apenas para evidenciar que há muitas questões a serem abordadas
pela geografia no seu estudo e para argumentar que, pelo estudo dessa festa
em particular, podemos conhecer muito das transformações socioespaciais
pelas quais passou esse lugar que é Guarapuava, ao longo do tempo.
Observação participante
Escolher uma metodologia para a pesquisa de campo é dos fatores
decisivos quanto ao seu sucesso. Entendo que, para isto, é necessário, além
de saber o que estudar, também saber quais meios serão utilizados para
a produção do material empírico a ser observado. Algumas importantes
244
sugestões foram dadas por Cicourel (1980, p. 118), no que se refere ao início
do trabalho de campo;
245
A observação participante nos permite interagir no grupo estudado,
tendo contato direto com o objeto de estudo, porém, Cicourel (1980, p.
93) nos alerta para o perigo de “virar nativo”, tornar-se cego para muitas
questões cientificamente importantes. Outra recomendação importante
para este autor é quanto ao dia-a-dia da pesquisa.
246
Penso que cada grupo social a ser estudado difere de outros, pois
cada sociedade tem cultura e suas tradições próprias de cada lugar, ainda
que não devamos perder de vista que essas diferenças são produzidas
também na relação com outros grupos de outros lugares. Neste caso, seguir
à risca esses passos, pode correr o risco de perder informações ou deixar
de observar fatos que poderiam ajudar no andamento da pesquisa.
A pesquisa tem o objetivo de informar sobre algo que ainda não
conhecíamos sob aquele ponto de vista, ela tanto nos ajuda a entender
determinadas situações que já conhecíamos, como pode nos despertar a
atenção para acontecimentos que nos passaram despercebidos ou que não
tínhamos o conhecimento de sua existência e, então, poder estudá-los.
247
Os progressos da Geografia Cultural só passaram a ser sentidos após
1980, quando autores como Jackson buscaram uma aproximação, através
da Antropologia, entre a Geografia Cultural e a Geografia Social. Outros
autores buscaram várias aproximações e relações com as idéias já presentes
na escola de Berkeley dos anos de 1920, revitalizando e renovando a tradição
dos estudos das paisagens culturais (JACKSON e COSGROVE, 2000).
Nessa linha, o novo conceito de paisagem, conforme Jackson e
Cosgrove (2000, p 18), pode ser entendido da seguinte forma:
248
No século XX, presenciou-se uma “virada cultural” que, para Hall
(1997), citado por Turra Neto (2007), foi uma verdadeira “revolução cultural”.
Para Turra Neto (2007), a cultura não é mais considerada apenas
uma variável dependente de outras forças sociais, mas ela passa a ser
considerada “condição constitutiva da vida social”. Entendendo que toda a
prática social tem também um sentido cultural, o próprio conceito do que
é cultural ampliou-se e os estudos se multiplicaram numa infinidade de
temáticas, desde os considerados espaços sagrados da religião, aos espaços
profanos da prostituição de rua, desde o estudo das populações ribeirinhas
aos grupos punk da cidade.
A Geografia Cultural mostra como podemos entender e definir a
cultura, analisando um determinado grupo, observando suas diferenças
e relações com outros grupos, como se dá o processo de inserção social.
Vermos a juventude produzindo seu jeito de ser jovem e sua identificação
ou não com o contexto cultural em que se produziu, contribui com o
entendimento de que há uma espacialidade inerente a essas práticas
culturais, que cabe à Geografia interpretar.
Para entendermos a cultura não podemos analisar somente as formas
espaciais, mas sim os sujeitos que dão vida a este espaço, que o produzem e
o reproduzem constantemente nas suas práticas cotidianas. Gomes (2001,
p 95) destaca a oportunidade de aprofundarmos esta discussão.
249
As festas como manifestações culturais
As festas populares se apresentam como um amplo campo de estudos
de diversas ciências, como a Sociologia, a Antropologia, História e, em bases
ainda iniciais, a Geografia, com alguns poucos autores que se dedicam a
essa temática. Na Geografia, os estudos têm se pautado pela consideração
dos aspectos ligados à temporalidade e espacialidade desses rituais, no
reconhecimento dos agentes formadores desses eventos, suas relações e as
vinculações da festa com processos de natureza econômica, política, cultural
mais amplos, da sociedade local em suas articulações com o mundo.
Para Amaral (1998), citado por Maia (1999):
250
atrativos e chama a todos para participarem. Pode ser um jornal,
a TV, rádio, panfletagem, carros de som e outros meios. Tem a
característica de tornar a festa um espetáculo atraente aos olhos do
público;
251
espaço eclético, polissêmico, aberto, articulador dos diferentes
atores que dela participam.
Para Del Priore, a festa pode ter um sentido social político, religioso ou
simbólico, e em muitos casos ela pode ter todos esses sentido juntos. A festa
pode ser vista como uma possibilitadora de aproximações, visto que os grupos
que dela participam facilmente se identificam dentro do espaço festivo.
252
Assim, podemos pensar no jogo de escalas que envolve essa festa em
particular, que articula as orientações da Igreja Católica Romana com a fé
local, em procissão, missa e fé.
A Festa de Nossa Senhora de Belém teve uma participação de
políticos, porém não deixou de ter seu sentido religioso reafirmado diante
de seus fiéis. Houve a participação de renomes do estado e da cidade, tanto
na missa solene com no almoço festivo. Contou também com o apoio da
prefeitura da cidade na divulgação e em assuntos econômicos. A prefeitura
se encarregou da organização do Show do Pe. Reginaldo Manzotti, realizado
na Praça da Fé (praça onde se realizam vários eventos ecumênicos), que
encerrou as festividades do dia da padroeira. Essa parceria é uma novidade
na história da festa, que com o Show do Padre acabou ganhando também
uma dimensão espetacular que antes não tinha. A questão que lançamos
diante desse fato é se a tendência da festa é para a espetacularização, como
forma mesmo de manter-se.
No presente momento, ainda estou analisando os depoimentos
recolhidos e as observações feitas no trabalho de campo. Ao todo foram
entrevistadas doze pessoas, entre padre, senhoras, jovens, que nos darão
uma diversidade de visões sobre o mesmo evento e sobre o seu envolvimento
ao longo do tempo com ele, bem como de sua transformação.
Por isso não posso ainda ter informações precisas, nem muitas
conclusões, pois seriam precipitadas, mas já se pode perceber que este ano
a festa passou novamente por algumas metamorfoses, que foram percebidas
apenas por algumas pessoas, outras, porém, só serão percebidas daqui há
alguns anos.
Últimas palavras
A Geografia Cultural traz para o debate novas temáticas para o campo
mais amplo da Geografia Humana. Incorporar a dimensão cultural à suas
análises pode contribuir para ampliar sua compreensão sobre a produção
do espaço para além das dimensões econômica e política. Ao se preocupar
com o estudo das festas populares de natureza religiosa, essa geografia
volta-se, inevitavelmente, para uma reflexão sobre a tradição e o tradicional
em suas conexões com o moderno, a modernização e a urbanidade.
Os estudos empíricos mostram que as tradições não são simplesmente
deslocadas pela modernidade, como dizem muitos teóricos da aculturação. São
elas que, na verdade incorporam elementos modernos como forma mesmo
de continuarem se reproduzindo. Por outro lado, a tradição e o tradicional
253
sempre se refazem em novos contextos e em diálogo com eles. Tal é o caso da
Festa Nossa Senhora de Belém. Seu estudo pode nos levar a pensar nas formas
próprias como esses amalgamas se deram e se dão em Guarapuava.
Compreendemos a festa como um ponto de encontro, onde novas
relações são constituídas e antigas reafirmadas. Essas ligações ultrapassam
a barreira do tempo e do espaço e se estendem em diferentes escalas como
conexões sociais. A festa não é tida como um passatempo do povo, mas sim
como um conjunto de valores partilhados e explicados através da fé.
A festa de Nossa Senhora de Belém poderia ser uma festa como todas as
outras, porém ela é especial porque engloba características muito únicas. Nela
podemos ver a expressão da diversidade cultural guarapuavana coexistindo
no mesmo espaço. Todos unidos no mesmo ritual festivo, com significados
culturais, sociais e políticos específicos. Ela pode ser observada entre dois pólos:
um que engloba a novena e a missa solene, com a benção das velas como seu
ponto crucial; e o outro como as festividades onde a sociedade reanima seus
laços entre conversas e divertimentos, na pura interação do festar.
Podemos observar que festa possa ter passado por um “empobrecimento”
se olharmos pelos aspectos estéticos e participativos, No seu início vinham
muitos festeiros das regiões rurais, tornando a festa quase um espetáculo.
Hoje, ao contrário, se vê que apenas a sociedade urbana participa, com exceção
de alguns fazendeiros. Por outro lado, podemos observar que ela ganhou um
formato mais familiar, pois, logo após os jantares, todos se retiram mostrando
realmente que o ponto alto da festa é a religiosidade.
Certamente meu trabalho não dará conta de lidar com toda essa
complexidade. O desafio que me coloquei foi de participar da festa e,
pela participação, perceber sua particularidade. Talvez caro leitor, você
também queira encarar esse desafio: participe ao menos uma vez e perceba
que esta não é uma festa comum e que ainda há muitos questionamentos
a serem desvendados.
Referências
CICOUREL, Aaron. Teoria e método em pesquisa de campo. In:
GUIMARAES, Alba Zaluar. Desvendando máscaras sociais. 2. ed. Rio de
Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1980.Cap. 4. p. 87-121.
CHRISTOFOLETTI, Antonio. As perspectivas dos estudos geográficos.
In: Perspectivas da geografia. São Paulo: Difel. 1980, pg. 10-31.
254
COSGROVE, Denis, JACKSONM, Peter. Novos rumos da geografia
cultural. In: CORRÊA, Roberto Lobato, ROSENDAHL, Zeny (orgs).
Geografia cultural: um século (2). Tradução de Tânia Shepherd. Rio de
Janeiro. Ed UERJ, 2000. p. 15-31.
DEL PRIORE, Mary. Festas e utopias no Brasil colonial. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
FERREIRA, Luiz Felipe. O lugar festivo: a festa como essência espaço-
temporal do lugar. Espaço e cultura – N 3 –(Dez. 2006)- Rio de Janeiro:
UERJ, NEPEC, pg. 07-21.Dez. 1996.
GOMES, Paulo César da c. A cultura pública e o espaço: desafios
metodológicos. In: ROSENDAHL, Zeny. CORRÊA, Roberto Lobato
(orgs.) Religião, identidade e território. Rio de Janeiro. Ed UERJ. 2001.
p. 93- 113.
MAIA, C.E.S. Ensaio Interpretativo da dimensão espacial das festas
populares: proposições sobre festas brasileiras. In: ROSENDAHL, Z;
CORREA, R.L. (org). Manifestações da Cultura no Espaço. Rio de Janeiro:
Ed. UCRJ, 1999, p. 191-218.
SENA, Ana Lígia. Festa de nossa padroeira Nossa Senhora de Belém. Diário
de Guarapuava. Guarapuava, 2 e 3 de fevereiro, 2008. Ano X. Edição 2282.
p. 11-14.
TURRA NETO, Nécio. Geografia cultural, juventudes e ensino de
geografia: articulações possíveis. Texto Digitado, 2007. p 1- 19.
255
Resumos
Museu de Ciências Naturais de Guarapuava: um
espaço de informação, cultura e lazer
1
VERONEZZI, Fernando
1
Graduando em Geografia da UNICENTRO – Guarapuava-PR.
259
Monitoramento hidrogeomorfológico do Faxinal
Anta Gorda - Prudentópolis-PR
1
KOLISKI, Carlos Alberto
2
THOMAZ, Edivaldo Lopes (Orientador)
260
avanço de uma lacuna pouco estudada, contribuindo significativamente
para a Geografia.
Palavras-chaves: faxinal; extrativismo; criadouro comum; monitoramento
hidrogeomorfológico.
1
Graduanda em Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
2
Graduanda em Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
3
Professor do Departamento de Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
261
familiarização com o universo simbólico e lingüístico do grupo estudado.
Vale ressaltar, que a observação participante possui limitações práticas. É
necessário que as pesquisadoras tenham tempo disponível para o trabalho
com o grupo estudado, permitindo entender o meio social em que vivem.
Sendo utilizada em grande escala, torna-se ineficiente, comprometendo
seu desempenho. É a partir dessa metodologia que cada uma de nós está
construindo sua pesquisa empírica com grupos juvenis, em escolas de
Guarapuava. Também é importante frisar que a observação participante não
é a única metodologia empregada. Trabalhamos também com questionários,
entrevistas e grupos focais. Contudo, é ela que inicia nossas pesquisas e que
informa a construção das outras metodologias.
Palavras-chaves: observação participante; metodologia; geografia cultural.
1
Graduando em Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
2
Graduando em Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
3
Professora do Departamento de Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
262
fotografias foram tiradas onde as estruturas de abatimento permitiam
acesso, já que suas aberturas possuem um pequeno diâmetro assim como
os túneis. Devido a estes fatos, não foi possível usar escalas padronizadas,
mas pequenos animais e insetos que se refugiam dentro dos dutos dão
indicativos do tamanho das feições. Sobre as estruturas de abatimento
que estão na parte mais alta da encosta, podemos notar que estão sempre
junto a raízes das árvores, onde o solo é notadamente menos denso e mais
úmido, podendo até mesmo exfiltrar água se perfurado. Essa diferenciação
de densidade pode acumular nas raízes das árvores vermes, formigas, grilos
e outros animais que servem de alimento para animais maiores, como por
exemplo, tatus. Esses animais, quando estão à procura de alimento, escavam
pequenos buracos descontínuos, podendo originar então os dutos. Os
animais escavadores ainda não puderam ser determinados, mas é sabido
que estão presentes tanto na parte externa do sistema de túneis, quanto
na parte interna, uma vez que foram encontrados sedimentos revolvidos
no pé das árvores e dentro dos túneis, todos contra o fluxo superficial de
água. A presença de animais escavadores de médio porte explica em parte a
falta de simetria entre as estruturas de abatimento com as marcas do fluxo
superficial, o pequeno diâmetro das estruturas e a existência de túneis em
solos rasos em média e baixa encosta.
Palavras-chaves: bioturbação; túneis; estrutura de abatimento.
1
FRANDOLOZO, Marcos Augusto
263
porcentagem é água potável, e devido ao mau uso e o grande número de casos
de poluição, por meio da indústria e pela população em geral, essa água torna-
se cada vez mais escassa e poluída, tornando-se imprópria para o consumo
humano. A poluição hídrica, além de restringir a utilização, gera uma série de
doenças pelo contato e pelo consumo dessa água pela população residente em
áreas próximas a rios e córregos. No trabalho de sensibilização, iniciaremos
com a discussão do conceito de meio ambiente e como que o homem se insere
nesse contexto. Faremos, no decorrer do trabalho, uma atividade de campo
com o intuito de contextualizar a teoria com a prática, aproveitando o contato
com a população para realizar entrevistas. Coletaremos algumas amostras
de água, em diferentes partes do rio, para análise bacteriológica. Com tais
atividades, nosso objetivo, portanto, é verificar, pesquisar e propor alternativas
para os problemas referentes aos recursos hídricos, junto com a comunidade
escolar e comunidade geral, esclarecendo de forma adequada a dinâmica que
compõe o ciclo hidrológico, a relação homem-meio e como estabelecer uma
convivência equilibrada com o rio, a partir de práticas pensadas e orientadas
para a preservação e conservação dos recursos hídricos.
Palavras-chaves: meio ambiente; recursos hídricos; sociedade; alagamento;
poluição.
264
da geografia e da história do Paraná, tratando especialmente das explorações
do território e do povoamento do oeste paranaense. Lembramos que o autor
era sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Paranaense e
sócio correspondente honorário do Conselho Nacional de Geografia, não
sendo um membro efetivo neste último caso. Para a realização deste trabalho,
primeiramente foi feito o mapeamento de todas as obras do autor que se
encontram disponíveis na Biblioteca Municipal Padre Ruiz de Montoya,
na cidade de Guarapuava-PR. Assim, percebemos os diversos estilos que
permeiam a obra do autor, sendo que estes variam desde escritas religiosas até
estudos científicos na área da medicina, abordando ainda temas pertinentes à
geografia e à história. Nos estudos religiosos, Ribeiro pesquisa intensamente
a vida de São Lucas, visto que este é considerado o protetor dos médicos,
profissão exercida pelo autor. Nos estudos científicos dedicasse a várias
questões, sendo recorrente em seus escritos, a questão das águas medicinais.
Já nos estudos de cunho geográfico e histórico, procuramos perceber nos
escritos do autor, partindo de nossas leituras teóricas, suas concepções de
geografia e de história, tendo claro que o pesquisador sempre se volta para
suas fontes com problemáticas estabelecidas a partir de seu tempo e de sua
realidade. Foi possível perceber em nossa pesquisa que Ribeiro foi um grande
intelectual e que seus estudos permitem uma análise interdisciplinar; no caso,
enfocaremos a interdisciplinaridade em relação à história e à geografia. Esses
campos do conhecimento permitiram uma melhor articulação na construção
do saber em relação a obra de Ribeiro.
Palavras-chaves: multidisciplinaridade; geografia; história.
1
Graduando em Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
2
Professora do Departamento de Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
265
dos diálogos dos outros campos do saber científico, analisar as configurações
do poder e seus reflexos no cotidiano dos municípios brasileiros, neste caso
no de Guarapuava. Assim, o objetivo é o de estudar as relações de poder
político por meio do aprofundamento da abordagem dos conflitos e das
alianças político-econômicas locais-regionais, tendo como recorte temporal as
eleições de 2004 e 2006 e como enfoque a eleição municipal de 2002, com a
identificação e a análise da participação de atores sociais que se expressam na
produção, reprodução e organização do território, como resultado do interesse
dos mesmos. A metodologia da pesquisa teve como fundamento coleta dados
junto à justiça eleitoral, entrevista com algumas ‘lideranças’ de grupos político-
econômicos e pesquisa em jornais locais. Como primeira etapa de estudos
foram realizadas leituras para a construção do referencial teórico. Os conceitos
de poder, poder local e poder político local puderam ser compreendidos em
sua vinculação com as relações políticas. No poder local é possível a observação
de um complexo relacionamento entre poder político e uma rede de poderes
difusos que posicionam-se diferentemente perante o poder político e, de acordo
com os atributos que lhes são próprios, podem disputar com ele a capacidade de
decisão. Landislau Dowbor (1994) afirma que somos condicionados a acreditar
que as formas de organização de nosso cotidiano pertencem naturalmente a
uma misteriosa esfera superior, o Estado. Para conquistarmos melhorias na
qualidade de vida, cidadania e democracias efetivas é necessário resgatar a força
da comunidade, o chamado “poder local”. Um mecanismo de ordenamento
político e econômico que já deu prova de eficiência, em particular nos países
desenvolvidos como os europeus.
Palavras-chaves: poder; Guarapuava; político; econômico; conceito.
1
Graduanda em Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
2
Professor do Departamento de Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
266
predominantemente familiar, dispondo tão ou mais de tecnologias quantos
os grandes produtores. Porém, a sua necessidade de produzir sem interferir
na decisão de como, quando e onde investir seu capital, diferencia-o do
produtor patronal. A principal dificuldade do pequeno produtor em
produzir está na carência em torno de questões como conhecimento, terra
e capital. Muitos deles não obtêm a renda estimada para sua sobrevivência
no campo, fazendo com que busquem alternativas para a complementação
de sua renda, e muitas vezes estas acabam por ultrapassar os limites de
sua propriedade. Tem-se observado também um menor índice de êxodo
rural, que parcelas destes são de mulheres que partem em busca condições
melhores de trabalho, o que explica uma tendência no índice de participação
das mulheres nas atividades relacionadas ao campo. A complementação da
renda agropecuária familiar pode ser notada em sistemas de pluriatividades,
nas quais se destacam a produção de aves e suínos, que acabam por inserir
o pequeno produtor nas cadeias agroindustriais, ressaltando a relação
do campo com o processo de industrialização e urbanização. Além da
pluriatividade outra atividade significativa pode ser identificada resolução
da complementação de renda, é o fenômeno denominado “colono-
operário”, no qual o trabalhador do campo acaba sendo mão-de-obra
barata, não qualificada e de fácil exploração por parte da empresas urbanas.
Fica evidenciado nas relações acima citadas, que cada vez mais se torna
complexa a inserção da produção agropecuária no espaço urbano, e que o
produtor vê-se acuado nas exigências desse mercado consumidor que se
tornou mais competitivo.
Palavras-chaves: pequeno produtor; agricultura familiar; complementação
de renda.
1
FAGUNDES, Beatriz
1
Professora de Geografia do Colégio Carneiro Martins – Guarapuava-PR.
267
problemática da água no saber cotidiano. Partimos da idéia de que a água,
além de pertencer ao ecossistema natural, também pertence a universos
culturais. Atualmente, tem se difundido uma imaginação sobre a água ligada
à escassez e poluição, ou seja, a água tornou-se um problema. Verificamos
que na sociedade moderna são basicamente três dimensões que participam
na formação do senso comum sobre a problemática da água: o conhecimento
científico, com seu raciocínio complexo e abstrato; a divulgação midiática,
que transforma este conhecimento em imagens e reportagens; e a vivência
cotidiana, com suas experiências e tradições (inclusive religiosas). Para
analisar esta construção do saber, nos apoiamos na Teoria das Representações
Sociais criada por Moscovici em 1961. Teoria incorporada pela Geografia
Cultural quando esta, a partir de 1960, começou a abordar temas envolvendo
a subjetividade e a representação do espaço em seus estudos. A pesquisa
contou com metodologias qualitativas como: observações, entrevistas,
mapas mentais, desenhos e textos, com crianças, adolescentes e adultos do
Bairro Alto da XV (Guarapuava-PR), além de entrevistas com professores/as
de escolas do bairro e análise de livros didáticos de geografia que abordam a
temática. A pesquisa mostrou que a escola é um importante ator formador
e difusor do pensamento científico sobre a problemática da água, porém os/
as alunos/as, e até mesmo os/as professores/as são fortemente influenciados
pela mídia, que informa também os livros didáticos. Verificamos que as
ações construídas e incorporadas ao cotidiano, informadas por essas
representações sociais, principalmente, relacionadas à economia doméstica
de água, estão muito influenciadas, não pela realidade do nosso “mundo
vivido” mas, por realidades de mundos geograficamente distantes, trazidas
ao nosso cotidiano pela mídia. A pesquisa também revelou que muitas
vezes as representações são ambíguas e contraditórias (água natural versus
água no sentido cultural, água em outros ambientes versus água encanada),
mostrando que a educação ambiental necessita, diante desta problemática,
inter-relacionar, de forma direta, os conhecimentos científicos e midiáticos
com a situação local e problematizar saberes e práticas tidas hoje como
naturais no cotidiano.
Palavras-chaves: água; representação social; problemática da água.
268
Políticas públicas e planejamento: condições básicas
para o desenvolvimento sócioespacial em novos
municípios: o caso de Goioxim-PR
1
ZORZANELLO, Liamar Bonatti
2
FERREIRA, Sandra Cristina (Orientadora)
1
Graduanda em Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
2
Professora do Departamento de Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
269
Prefeitura Municipal, IBGE, IPARDES e outras fontes que contribuam para
o desenvolver da pesquisa.
Palavras-chaves: políticas públicas; desmembramento de municípios;
planejamento; desenvolvimento.
270
relacionados ao processo de ocupação, uso do solo e impactos ambientais
produzidos pelo excessivo uso do solo agrícola. O segundo passo consistirá
nos dados de campo. Nesta fase a primeira etapa evolverá coleta de dados
de fontes secundárias, caso dos recenseamentos do IBGE, dos cadastros
do INCRA. De posse dos dados bibliográficos e de campo, se partirá
para a terceira etapa do trabalho, esta compreendendo análise dos dados
coletados. O relatório final será base de discussões acadêmicas no âmbito
da geografia agrária.
Palavras-chaves: ocupação humana; impactos ambientais; noroeste do
Paraná.
271
regulador de temperatura, impedindo a formação de “ilhas de calor”,
promovendo melhorias no clima, na qualidade do ar, água, solo etc. - Fator
psicológico. O ambiente urbano tem suas especificidades; cuidar dele é
uma forma de manter as melhores condições de vida das pessoas, pois é
neste ambiente que as pessoas desenvolvem as suas atividades diariamente,
seja em casa, no trabalho ou em outros lugares da cidade. Assim, falar
de ambiente é falar de um ambiente construído, no qual, as áreas verdes
existentes são apropriadas pelo homem urbano de diversas maneiras e
com várias intenções. Estas áreas têm uma função na cidade, uma razão
de ser. Neste sentido é que, com esta pesquisa, espera-se aqui distinguir as
diferentes formas de como estes locais são apropriados e com isso entender
como devem ser aplicadas para cada uma delas, levando sempre em conta
que cada local tem sua especificidade, e assim sendo devem de ser tratadas
de modo diferente pelas gestões governamentais.
Palavras-chaves: áreas verdes; políticas públicas; Guarapuava.
272
administração pública dessas instituições ao longo do seu desenvolvimento.
Além desses problemas, os bancos públicos enfrentavam pressões
internas dos próprios bancos nacionais que, na tentativa de não deixar
bancos estrangeiros crescerem no Brasil, influenciaram as privatizações.
A privatização dos bancos públicos ainda é questionável pelo fato de esses
bancos terem sido construídos com dinheiro público do contribuinte, uma
vez que o sistema privado desprezava certos segmentos. A importância
dos bancos públicos também foi fundamental no desenvolvimento do
território, pois enquanto as instituições privadas se concentravam nas
regiões mais rentáveis do ponto de vista do capital; as estaduais eram
implantadas em diferentes lugares desempenhando assim, importante papel
na integração das regiões através de uma extensa rede de agências, atuando
em diferentes áreas onde o sistema financeiro privado não tinha interesse.
Diante disso, a atual configuração do Sistema Financeiro Nacional, em que
pequeno grupo de bancos privados nacionais e internacionais controlam
grande parte do mercado financeiro, é resultado das inúmeras mudanças de
ordens políticas, econômicas e tecnológicas que se dão em escala mundial e
que corroboram para o acúmulo de capital dos grandes grupos econômicos.
Palavras-chaves: bancos públicos; fusões; privatizações.
273
ocorrem dispersas na superfície da encosta. Trata-se de movimentos muito
lentos, gerados provavelmente pelo adensamento ou afundamento de camadas
de solo, resultantes da remoção de alguma fase sólida, líquida ou gasosa do
solo. A área de estudo localiza-se em encosta junto ao rio das Pombas,
município de Guarapuava (PR), morfologicamente é caracterizada por perfil
retilíneo-convexo e apresenta relevo dissecado a moderadamente dissecado.
Esse rebaixamento do solo é conhecido como subsidência, e é gerado pelo
carreamento de partículas de solo em subsuperfície e posterior desabamento
de parte do teto do túnel. A subsidência pode ocorrer em relevos cársticos
ou onde há prospecção de águas subterrâneas, devido à troca de porosidade
água – ar. O trabalho tem como objetivo a identificação e o cadastramento das
formas e feições relacionadas à subsidência do terreno em encosta afetada por
erosão em túneis, bem como reconhecimento dos processos que as originam as
feições. Na encosta estudada, essas estruturas aparecem relacionadas à erosão
em túneis. A metodologia utilizada consiste no levantamento dos componentes
dimensionais – largura, altura e profundidade – da feição erosiva. São efetuadas
observações diretas relativas ao funcionamento da subsidência com registros
sistemáticos dos mecanismos erosivos dominantes no processo de formação de
túneis da área, através de marcas de erosão superficial e feições associadas, bem
como das características gerais do ambiente, como tipo de cobertura vegetal
e marcas de animais escavadores. Os resultados preliminares indicam que a
subsidência do solo predomina sobre o abatimento do teto do túnel em área e
número. Essas formas erosivas resultam da dinamicidade do processo erosivo
e este, por sua vez, resulta da conjugação de mecanismos erosivos atuantes e
que predominam no sistema encosta. A montante do sistema de túneis nas
depressões converge o fluxo superficial concentrado, este assume maior volume
e velocidade da média para a baixa encosta passando a escoar em subsuperfície
ao encontrar estruturas de abatimento, levando para dentro do sistema de túneis
grande quantidade de água com matéria orgânica (serrapilheira) e fazendo com
que as feições erosivas em túneis evoluam com a ação mecânica da água.
Palavras-chaves: túneis; subsidência; estruturas de abatimento.
274
O capital e o Estado enquanto categorias clássicas
na análise da produção do espaço urbano
1
FERREIRA, Sandra Cristina
1
Professora do Departamento de Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
275
de capital, a produção de mais valia, é a força que impulsiona a sociedade
capitalista. GOTTDIENER(1993:93).
Palavras-chaves: espaço urbano; capital; Estado.
276
Identificação da flora e fauna do litoral paranaense:
o caso da Ilha do Mel-PR
1
PUSSINI, Nilmar
2
FREDER, Amarildo
3
FERREIRA, Juliano
4
FERREIRA, Sandra Cristina (Orientadora)
1
Graduando em Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
2
Graduando em Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
3
Graduando em Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
4
Professora do Departamento de Geografia – UNICENTRO – Guarapuava-PR.
277
mesmas se faz necessárias para que assim, com melhor conhecimento
sobre suas características possa se garantir a sobrevivência desse meio
natural tão importante, não só para nosso Estado, mas para o meio
ambiente em geral.
Palavras-chaves: fauna e flora do litoral paranaense; Ilha do Mel;
caracterização litorânea do Paraná.
278
reconhecimento das propriedades físicas dos minerais utilizando-se de testes
de ácido clorídrico, observação em lupa, risco com ponteira, cor do traço
em cerâmica, dureza utilizando vidro, imã para identificação da presença ou
não de magnetismo. Os minerais coletados na Escarpa da Esperança foram
encontrados em rochas provenientes do topo de derrame de trapp, algumas
foram encontradas em rochas sãs e outras em rochas com algum grau de
alteração (intemperismo) com aproximadamente 1% de capacidade de
absorção de água. Foram encontrados os seguintes minerais: calcita6, fluorita,
chabazita e saponita, pertencentes ao grande grupo dos Carbonatos; das
Zeólitas e dos Filosilicatos. Esses minerais ocorrem em zona muito fraturada
na rocha e em vesículas com dimensões de até 3 cm.
Palavras-chaves: minerais secundários; rochas vulcânicas; Escarpa da
Esperança.
279
(Footnotes)
1 BSCH (Banco Santander Central Hispano) corresponde ao
grupo controlador do Santander no Brasil.
280
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Diagramação Editora UNICENTRO
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