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Centro Universitário La Salle -

UNILASALLE
Cisane Bordin de Almeida

Revolta da Chibata

Disciplina: História do Brasil III


Professora: Ana Maria Colling
Rio de Janeiro, 1910.
22 de novembro

O Marechal Hermes da Fonseca, recém


empossado presidente, era recebido com pompas no
Clube da Tijuca, templo da elite carioca.
Sua comemoração, porém, é interrompida por
disparos que rasgam a noite. Em seguida, um
telegrama informa o marechal que os marujos
tomaram os mais poderosos navios da nação.
Marinheiros negros haviam tomado a esquadra.
A República

A República chegou ao país. O cenário parecia


ideal para profundas mudanças na sociedade brasileira.
No entanto, apenas a mudança da forma de
governo não seria suficiente para apagar as cicatrizes
arraigadas na vida do povo.
Uma dessas cicatrizes foi sentida ainda por
muito tempo em nossa Marinha de Guerra.
Marinha nacional

A instituição era desigual aos seus desde o início.


O próprio recrutamento era muitas vezes traumático,
já que apesar da Constituição determinar o
voluntariado, o quadro era completado
compulsoriamente. Os pobres, descendentes de
escravos, os filhos tidos como rebeldes, enfim; a massa
humana disponível era levada para servir na Armada.
Como tinham mais dificuldade em encontrar
outras alternativas de trabalho, muitos negros juntaram-
se às fileiras da Marinha.
Não obstante, as condições de trabalho da
Armada eram as piores possíveis. Além do baixo
soldo, a comida era racionada e o trabalho abundante.
Não havia acomodações aos subalternos, que dormiam
em redes espalhadas pelo navio.
Como se não bastasse, a disciplina rígida sempre
feria os mais fracos. Os castigos eram os mais diversos,
desde a perda de benefícios como licenças, vinhos,
rebaixamento, redução do ordenado, perda do tempo
de serviço, solitária e a temida chibata.
A chibata e seus “iguais”

A temida chibata não era o único castigo


destinado aos marinheiros. Mário Maestri, ao citar um
romance histórico de Octávio Brandão, O Caminho,
nos fala também de palmatórias, ferros (sim, os
mesmos do tempo da escravidão) e da sueca,
especialmente detestada.
Como se não bastasse, não haviam critérios na
aplicação dos castigos, nem cuidado com a saúde do
„indisciplinado‟. Uma briga, xingamentos, ou mesmo
olhar de frente para um superior poderia levar o
marinheiro à perdição.
A modernização da Armada

Vivo contraste com as condições de trabalho dos


marinheiros eram as naves em que eles labutavam. A
modernização da Armada foi proposta pelo Barão do
Rio Branco, e segundo o próprio, para que
pudéssemos falar com os canhões.
O armamento comprado foram dois
encouraçados (Minas Gerais e São Paulo), três
cruzadores, seis contratorpedeiros, seis torpedeiros
menores, três submarinos e um navio carvoeiro. A
Marinha de Guerra brasileira estava entre as maiores
do mundo à época.
Minas Gerais

São Paulo
Esta modernização da Armada mobilizou os
marinheiros brasileiros, que foram mandados à
Inglaterra para aprender a operar as máquinas. Lá, ao
que parece, teriam conhecido a Revolta do
Encouraçado Potemkin. Esse episódio ficaria
profundamente marcado no imaginário destes
homens.
Os marinheiros ingleses não sofriam castigos
físicos desde 1881! Já não era possível que, em pleno
séc XX, sofressem como escravos fugidos! Era um
grotesco disparate: trabalharem nas mais modernas
armas de sua época e serem tratados como animais.
De volta ao Brasil...

Era o momento de mobilização. No retorno ao


país, os marujos se organizaram clandestinamente.
Usavam hotéis e pousados como ponto de encontro
para esperar a conclusão dos navios e conspirar.
Edmar Morel, o mais famoso biógrafo de João
Cândido - figura proeminente na revolta – o marujo
contava que elas já tinham se dirigido à jornais, na
expectativa de conseguir apoio do restante de população.
Mas apesar das recusas, prosseguiram no seu intento. A
organização foi rigorosa, embora os detalhes do plano de
ação ainda sejam obscuros.
Os líderes

O nome que sempre nos vem à mente quando


lembramos da Revolta da Chibata é o de João Cândido
(dreadnougth Minas Gerais). Porém além dele,
marinheiros como Francisco Dias Martins e Ricardo
Freitas (cruzador Bahia), Manuel Gregório do
Nascimento (São Paulo) entre outros, tem atuação
destacada.
Além deles, marinheiros de outros navios
também estariam envolvidos. E foi a bordo do
cruzador Bahia que ã tensão tomou conta da
marujada.
A viagem ao Chile

Foi numa viagem ao Chile que esta tensão


ganhou contorno mais frenéticos. Durante esta viagem
diversos marinheiros teriam sido chicoteados, embora
os livros registrassem apenas a pena „solitária‟. Quando
oito marinheiros foram castigados por “jogo a dinheiro
depois do toque de queda.”
Esse castigo teria feito que Francisco Martins
escrevesse um alerta anônimo ao comandante da
embarcação. Sob o pseudônimo de Mão Negra, ele
teria pedido no bilhete o fim da chibata e alertava
cuidado.
O cúmulo

Foram porém as 250 chibatadas levadas por


Marcelino Rodrigues de Menezes que precipitaram os
acontecimentos. O motivo foi mais uma vez pequeno
comparado ao castigo: um leve corte de navalha no
rosto num cabo protegido pela oficialidade. O castigo
foi aplicado como sempre: em frente à toda a
tripulação, totalmente fardados e dispostos no convés.
A revolta marcada para o dia 25 foi adiada para
o dia 22, devido aos ânimos exaltados da tripulação.
“Naquela noite o clarim
não pedia silêncio e sim
combate”
A tomada da nave

A tomada do navio foi rápida. João Cândido a


descreveu da seguinte maneira: “Cada um assumiu seu
posto e os oficiais de há muito já estavam presos nos
seus camarotes. Não houve afobação. Cada canhão
ficou guarnecido com cinco marujos, com ordem de
atirar para matar contra todo aquele que tentasse
impedir o levante. (...) Às 22h30, quando cessou a luta
no convés, mandei disparar um tiro de canhão, sinal
combinado para chamar à fala os navios
comprometidos.”
Foi uma luta rápida, porém intensa, nela tombou
o comandante do Minas Gerais, João Batista das
Neves.
Marinheiros no Minas Gerais
As tentativas dos oficiais de reconquistar a
embarcação foram frustradas, já que eles não tinham
apoio da tripulação. O comando do navio foi dado a
João Cândido. No São Paulo foi tudo ainda mais
rápido, pois os oficiais sabiam que era improvável que
batessem os marujos. Estes demonstraram cuidado ao
evitar derramamento de sangue, pois sabiam da sina de
seus irmãos russos. Além disso, já tinham a certeza da
vitória.
Enquanto no São Paulo tudo correu
calmamente, no Bahia a situação foi mais dramática.
No Bahia o primeiro morto foi um marinheiro,
seguido do primeiro-tenente Mário Alves, que resistiu
a acabou baleado depois de duas horas de combate.
O Deodoro seguiu o Bahia à adesão, bem como
os navios-escola Benjamin Constant e o Primeiro de
Março e o cruzador República. Neste últimos os
oficiais foram apenas retirados das embarcações.
As naves rebeladas repeliram os fracos ataques e
enfim, a revolta venceu.
No total morreram vinte marinheiros.
As tentativas do governo

O marechal imediatamente deu ordens para


atacar os rebeldes. Mas nada planejado surtiu efeitos.
Misteriosamente, ordens perdiam-se no caminho, a
munição para o contra-ataque sumia e os telegrafistas
informavam secretamente os marujos das medidas.
As exigências dos marujos eram justas: pediam o
fim da chibata, melhores salários, e a reforma do
código de disciplina, bem como anistia para os
marinheiros envolvidos no evento. Mas o governo não
cederia facilmente à um bando de marinheiros negros.
Negociações

O marechal imediatamente deu ordens para


atacar os rebeldes. Mas nada planejado surtiu efeitos.
Misteriosamente, ordens perdiam-se no caminho, a
munição para o contra-ataque sumia e os telegrafistas
informavam secretamente os marujos das medidas.
As exigências dos marujos eram justas: pediam o
fim da chibata, melhores salários, e a reforma do
código de disciplina, bem como anistia para os
marinheiros envolvidos no evento. Mas o governo não
cederia facilmente à um bando de marinheiros negros.
No Senado, as opiniões divergiam. Os rebeldes
haviam disparados dois tiros de aviso contra a cidade e
realizavam em alto-mar manobras que demonstravam
sua capacidade em bombardear a cidade. Queriam
apenas ser tratados como cidadãos, a todo momento
deixavam clara sua submissão à República, no entanto,
não retrocederiam até conseguir o que queriam.
Curiosamente, o senador baiano Rui Barbosa –
que anteriormente formulara uma medida que
permitia os castigos – era o defensor da marujada.
Marujos à bordo do Minas Gerais e de lenço
vermelho, João Cândido.
A bordo do Minas Gerais

José Carlos de Moraes, oficial reformado e


deputado pelo Rio Grande do Sul, foi o escolhido para
negociar com os marujos. Quando subiu à bordo do
Minas Gerais, ficou surpreso com a ordem que
imperava na embarcação. Nem os cofre nem as
cabinas dos oficiais haviam sido violadas. Nada de
excessos na bebida e no jogo.
Os marinheiros deixavam claro com isso que seu
intento não era mudar a ordem estabelecida, mas sim
conquistar condições dignas de continuar no serviço da
Armada.
O Malho, 03 de Dezembro de 1910.
O marinheiro chicoteado, Marcelino, foi
avaliado pelo comandante como uma “tainha lanhada
para ser salgada” .
Já no Senado, Pinheiro Machado insistia em
não conceder a anistia a marinheiros armados. Diante
da demora na disposição da anistia, os marinheiros
acabam por enviar telegrama ao Senado dizendo que
confiam em sua palavra e que esperariam a anistia
desarmados. Às 22h do dia 24 os navios entravam
novamente na Guanabara.
Possivelmente tenha sido essa sua perdição.
A população apoiava os rebeldes,
e o governo teve de ceder -
temporariamente - às suas
pressões.
A traição

Mesmo com a anistia e o fim da chibata os


marinheiros sabiam que o governo não os receberia de
braços abertos. Muitos cogitaram deixar a Marinha e
fugir, embora poucos tenham o feito.
Já o governo se preparava para aplicar as devidas
punições aos revoltosos. Dias depois era aprovado em
todas as instâncias o projeto que permitia a oficialidade
expulsar sumariamente qualquer marinheiro “cuja
permanência se tornar inconveniente à disciplina”.
Ou seja, os marujos negros seriam chutados sem
discrição e sem direitos,.
Porém nem o governo nem a Marinha estavam
contentes. Menos de um mês depois, nova tensão
surge nos barcos da Armada. Dessa vez o comandante
do cruzador-ligeiro Rio Grande do Sul dá uma lista
dos suspeito de conspiração ao comando da Marinha –
para que sejam expulsos. Surpreendentemente, sua
lista é recusada.
O comandante Pereira da Cunha deixa a
embarcação e vai à terra. Quando retorna encontra os
oficiais mobilizados. O segundo em comando havia
mandado prender a ferros um marujo.
É evidente que tudo foi previamente preparado.
Os oficiais estavam a espera que os marinheiros
viessem em socorro do colega. Ficaram esperando
pacientemente a posição do comandante.
A situação transbordou quando este assumiu o
castigo. Minutos depois o navio estava às escuras, e a
tripulação atacou. Mas antes mesmo da meia-noite as
marujos escutaram as ordens e abandonaram armas. A
agitação, no entanto, fora suficiente para agitar o
Batalhão Naval na Ilha das Cobras.
Vista da Ilha das Cobras: Morro do Castelo e ancoradouro.
O começo do fim

Das tentativas de adesão à nova revolta temos


poucos dados. Sabe, por exemplo, que poucos navios
poderiam auxiliá-los, já a maioria havia sido
previamente desarmada.
Os marujos da primeira revolta deixaram claro,
por meio de telegramas constantes sua fidelidade ao
governo. Manobraram para longe, temendo açular a
tripulação, e quando receberam ordens, atiraram
contra os companheiros do Batalhão. Mas tudo já
estava previamente decidido, independente de como
agissem.
A repressão

O batalhão da Ilha das Cobras seria o exemplo.


O governo invadiu o Minas Gerais e o São Paulo, mas
a tripulação não esboçou reação.
Foram expulsos mais de 1.200 marinheiros
nacionais. Mas aos líderes foi reservado outro destino.
João Cândido foi preso com mais dezoito
companheiros em uma cela na Ilha das Cobras. Lá já
estavam presos mais de seiscentos marinheiros
envolvidos, ou não, na revolta. Em uma cela para dois
prisioneiros, recém lavada com cal, o oficial os tranca e
leva a chave consigo para a terra.
Era dezembro. A cal era para
que os prisioneiros não gritassem,
pois ficavam com a garganta seca.
Os gritos durante a noite foram
abafados com o rufar dos
tambores.

Aos poucos, os gritos diminuíram e


pela manhã já haviam cessado.
Apenas dois sobreviveram, um deles João
Cândido. Ele faleceria muito mais tarde, aos quase
noventa anos. Sua memória, no entanto, guardou até o
fim da vida os momentos de desespero vividos na ilha
das cobras. No óbito dos companheiros, consta apenas
insolação.
Não só isso. Houve ainda o caso do navio
Satélite . Saído do Rio com destino a Amazônia, partiu
dia 25 de dezembro de 1910. Nele estavam 250
marinheiros envolvidos nas revoltas, junto com outros
prisioneiros comuns: prostitutas, desocupados, etc. O
comandante recebeu uma lista, onde mais tarde foram
assinalados com uma cruz os que sobreviveram a
funesta viagem.
Tidos como subversivos, foram enviados para
trabalhos forçados no Acre. Durante o trajeto,
todavia, muitos prisioneiros foram assassinados,
torturados – esperando assim gravar a imagem da
tragédia nas cabeças dos revoltosos.
O Governo era „generoso‟: dava trabalho,
contando que muitos padecessem na lida insalubre.
Parte foi vendida a seringueiros, condenados à uma
semi-escravidão.
Considerações

Como podemos encarar um movimento tão caro


a evolução da cidadania nacional, no entanto legado ao
esquecimento? Primeiro movimento organizado a
alcançar mudanças efetivas, a Revolta da Chibata serve
uma cicatriz da frágil compleição dos direitos básicos
em nosso país.
Entender e conhecer os fatos que desembocam
na revolta dos marinheiros negros é fundamental para
que possamos compreender a dificuldade do
reconhecimento garantido pela Constituição: igualdade
e liberdade.
Referências
MAESTRI, Mário. Cisnes negros: uma história da Revolta da Chibata. São
Paulo: Moderna, 2000. 112 p. (Polêmica
Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 5, nº 53, fevereiro de 2010.

Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 1, nº 9, abril de 2006.

Nossa História. Ano 3, nº 29, março de 2006.


http://www.projetomemoria.art.br/

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