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ERGONOMIA DO TRABALHO: UM DIÁLOGO ENTRE TRABALHO PRESCRITO


E TRABALHO REAL
Aline Mayara de Sá
Diana Carolina Teva
Heitor Leon
Jorge Luis Silva
Karine Veiga
Ramon Costa
Victoria dos Santos

Resumo
Perante os atuais indicadores críticos muito recorrentes nas organizações, como rotatividade,
incidentes/acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, tem-se a necessidade de
compreender de que forma a (in)compatibilidade entre trabalho prescrito e trabalho real pode
constituir um fator gerador de vivências de prazer-sofrimento no processo de trabalho. No
decorrer deste artigo, é exposto que o grau de flexibilidade do modelo de gestão do trabalho
pode compor o contexto de produção com indicadores positivos ou negativos. Para o primeiro
caso, ocorre quando o trabalhador possui liberdade e autonomia em relação às adaptações da
tarefa à atividade no processo produtivo. No segundo caso, porém, se constitui perante uma
gestão rígida que não considera o trabalhador como sujeito nem suas respectivas
singularidades, além de impor normas, limites e regras ao trabalhador, restringindo sua
capacidade de criação e compreensão ampla do processo de trabalho.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo possibilitar a reflexão da dicotomia entre


Trabalho Real e Trabalho Prescrito, compreendendo suas características e a variabilidade e o
caráter dinâmico do processo produtivo.
Tal reflexão é importante, uma vez que partindo do conceito de ergonomia, o que
discorre às diferentes ações de melhoria nas condições de trabalho, se torna imprescindível o
estudo da compatibilidade entre o trabalho prescrito (tarefa) e o trabalho real (atividade).
Compreendendo que o grau do conhecimento do operador – isto é, homem que trabalha e não
é um mero executante – em relação ao processo produtivo de trabalho constitui um fator
determinante para a dissolução dessa dicotomia.
Considera-se que, no contexto de produção de bens e serviços, a atividade do trabalho
assume uma dimensão negativa a partir do momento em que se agudiza esse descompasso,
potencializando o sofrimento do trabalhador. Porém, quando diminuída tal discrepância,
configura uma dimensão positiva no processo de trabalho a qual se intensifica as vivências de
realização do trabalhador gerando, assim, o bem estar psico-físico do mesmo.
A pesquisa consiste em revisão bibliográfica de materiais disponíveis nos seguintes
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meios: Scielo, BVS e bibliotecas. A partir desses métodos dispostos, é esperado que
consigamos esgotar a perspectiva de abordagem do tema.

2. TRABALHO

Antes de tecermos qualquer abordagem acerca do tema trabalho, faz-se necessário


uma breve caracterização do conceito. Para Marx:

[...] o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o


homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a
Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele
põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporeidade, braços,
pernas, cabeça e mãos, a fim de se apropriar da matéria natural numa forma útil à
própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e
ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. (1983:149).

A partir da abordagem de Marx sobre o conceito de trabalho, é possível realizar três


diferenciações em relação ao trabalho humano: através do qual, nos distinguimos dos animais;
é uma atividade própria do homem, isto é, compõe sua especificidade; além de constituir-se
de forma dinâmica, assumindo diferentes caráteres históricos. Assim, o homem constitui um
agente (trans)formador, pela ação consciente do trabalho – que difere-se do animal por não se
dar de forma regulada e programada – da sua própria existência.
Não obstante a apreensão do conceito tem-se a necessidade de discorrer sobre os
processos de transformações do trabalho. Outrora, o trabalho assumia, em seu sentido
ontológico, o caráter de atividade fundante e específica dos seres humanos, assim, o homem
seria tal qual ele é enquanto realizasse a ação do trabalho. No entanto, ao longo de diversos
períodos históricos, esse sentido se desvirtuou e ao processo de trabalho atribuiu-se a idéia de
sofrimento. No presente artigo, será tratado além desse aspecto, as experiências de prazer do
processo de trabalho, e em que medida a incompatibilidade entre trabalho prescrito e trabalho
real pode constituir um fator gerador dessas vivências de prazer-sofrimento aos trabalhadores.

3. ERGONOMIA DA ATIVIDADE

A ergonomia se desenvolveu durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945). Profissionais


de diversas áreas como psicologia, antropologia, engenharia e medicina, trabalharam juntos
para resolver os problemas causados pela operação de equipamentos militares complexos e os
resultados foram tão favoráveis que foram aproveitados pela indústria, no pós-guerra. O
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interesse nesse novo ramo de conhecimento cresceu rapidamente, em especial, na Europa e


nos Estados Unidos.
O termo ergonomia é derivado das palavras gregas ergon (trabalho) e nomos (regras).
A definição de ergonomia adotada pela IEA (Associação Internacional de Ergonomia) é:

“Ergonomia (ou fatores humanos) é uma disciplina cientifica que estuda as


interações dos homens com outros elementos do sistema, fazendo aplicações da
teoria, princípios e métodos de projeto, com o objetivo de melhorar o bem-estar
humano e o desempenho global do sistema”. Dul, Jan e Weerdmeester, Bernard
(2004).

A ergonomia é, em seu sentido estrito, a parte da ciência que se propõe a utilizar


conhecimentos de vários ramos científicos (arquitetura, engenharia, medicina, etc) de modo a
adaptar/adequar o ambiente ao homem. Já a ergonomia em seu sentido amplo, também
conhecida como macroergonomia, se destina a analisar todo o processo de trabalho dentro de
qualquer sistema, voltando-se para análises e projetos (design) e, para isso, estuda-se a
influência do contexto externo, o ambiente interno da organização, os equipamentos e a
arquitetura.

4. TRABALHO REAL E PRESCRITO

A exposição dos conceitos de trabalho prescrito e trabalho real torna-se fundamental


para a discussão entre a dissociação de ambos a partir de uma perspectiva teórica da
ergonomia da atividade. Diante disso, será introduzido, a princípio, o conceito do trabalho
prescrito a partir da definição de tarefa.
Partindo de um resgate histórico, percebemos que a formalização do trabalho prescrito
surgiu no seio do desenvolvimento capitalista, no fim do século XIX, e ganhou expressividade
no decorrer do século seguinte. Este dispositivo se tornou fundamental frente às necessidades
do sistema de organizar e controlar a realização do trabalho dentro dos modelos
organizacionais. Modelos estes que definiram, de forma bastante explícita, o lugar e o papel
do homem no processo produtivo.
A construção de uma teoria que dispõe sobre a execução do trabalho prescrito objetiva
regular, segundo Daniellou, F; Laville, A; Teiger, C. (1989) "a maneira como o trabalho deve ser
executado: o modo de utilizar as ferramentas e as máquinas, o tempo concedido para cada
operação, os modos operatórios e as regras a respeitar” (p. 48). Nesse sentido, as tarefas
compõem a dimensão prescrita do trabalho e, assim, é interpretada como aquilo que se espera
que o trabalho faça.
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De forma sintética, compreende-se por conceito de tarefa a realização do trabalho


prescrito em função de objetivos pré-estabelecidos em determinadas condições, para um
indivíduo ou para o coletivo. Portanto, por vezes, a tarefa é classificada como a face visível do
trabalho prescrito.
Em contrapartida ao conceito de trabalho prescrito tem-se o conceito de atividade,
noção que constitui a definição de trabalho real.
Pode-se entender o trabalho real como respostas às imposições determinadas
externamente e tem como ênfase o papel das pessoas, que fazem atuam como protagonistas
ativos do processo produtivo, diferentemente do trabalho prescrito que tem como
protagonistas, principalmente, as regras que regulam os modos operatórios do processo
produtivo. Além disso, a atividade do trabalho é um processo de regulação e gestão das
variabilidades e do acaso, sendo assim, são necessárias adaptações do que for prescrito para as
reais situações de trabalho.
Considerando seu caráter de instabilidade, o processo de trabalho assume um caráter
singular, visto que é realizado por indivíduos diferentes, em contextos variáveis, e por isso as
estratégias de regulação devem se adaptar para alcançar o objetivo prescrito. Sob essa
perspectiva que Noulin (1992) afirma que:

(...) o homem que trabalha não é mero executante, mas um operador no sentido de
que ele faz a gestão das exigências e não se submetendo passivamente a elas. Ele
aprende agindo, ele adapta o seu comportamento às variações, tanto de seu estado
interno (fadiga...) quanto dos elementos da situação (relações de trabalho, variações
da produção, panes, disfuncionamentos...), ele decide sobre as melhores formas de
agir, ele inventa 'truques', desenvolve habilidades permitindo responder de forma
mais segura seus objetivos... em uma palavra: ele opera. Assim, sua atividade real
sempre se diferencia da tarefa prescrita pela organização do trabalho. (p. 26).

5. A DISPARIDADE ENTRE TAREFA E ATIVIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES

A discrepância entre trabalho prescrito e trabalho real é um fator apontado,


sistematicamente, como gerador do mal-estar do trabalhador. Esse descompasso atribui
dificuldades ao processo de trabalho e, assim, gera uma sobrecarga de trabalho e um aumento
do custo humano da atividade.

5.1. EXPERIÊNCIA DE PRAZER

Assim, à medida que o trabalhador se insere numa organização flexível, a qual


valoriza sua individualidade e reconhece o seu papel e suas respectivas competências, cria-se
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as condições favoráveis para a circunstância de prazer que está diretamente relacionada à


autonomia e controle; à descentralização nas iniciativas e decisões; à liberdade no processo
produtivo; à compreensão ampliada do processo de trabalho. Sob a ocorrência desses fatores,
estimula-se os sentimentos de satisfação, contentamento e prazer do trabalhador.
De acordo com Ferreira e Barros s.d:

Pesquisas desenvolvidas por Mendes (Mendes e Abrahão, 1996; Mendes, 1999;


Mendes e Tamayo, 2001) demostram que as vivencias de prazer ocorrem quando a
organização do trabalho permite que o trabalhador utilize estratégias de trabalho
para ajustar e adequar o prescrito à realidade de trabalho. Segundo Ferreira e
Mendes (2001), o sujeito vivencia o prazer, representado pela sensação de bem-
estar, motivação e satisfação de trabalho quando também é permitida a expressão da
sua individualidade e da criatividade. (p. 10).

5.2. EXPERIÊNCIA DE SOFRIMENTO

A dicotomia entre o trabalho prescrito e o trabalho real pode constituir um fator


decisivo no processo produtivo, quanto a sua eficiência e eficácia. Daniellou, Laville e Teiger
(1989); Ferreira e Araújo (1998); Abrahão (2000); Guérin e cols. (2001); Mendes e Abrahão
(1996) afirmam que esse descompasso impacta negativamente na organização, variando de
acordo com a função do trabalhador e com o nível que se adéqua.
Percebe-se que quanto maior a rigidez da gestão do trabalho, menor será a margem de
estratégias do trabalhador para adaptar a atividade à tarefa, agravando assim, suas
dificuldades e potencializando seu sofrimento.

6. CONCLUSÃO

Diante do estudo bibliográfico do presente artigo, constatou-se que as vivências de


desprazer e sofrimento do trabalhador são decorrentes de um modelo de gestão do trabalho
sob a ótica taylorista-fordista. Pois tal modelo desconsidera e ignora a singularidade de cada
trabalhador, a complexidade do processo de trabalho, além de intensificar o controle do tempo
e dos resultados, desta forma, é construído um cenário favorável à insatisfação dos
trabalhadores potencializando assim, as vivências de sofrimento. Apesar de ser extremamente
limitador, o modelo de gestão com orientação Taylor-Fordista ainda é vigente dentro das
organizações.
Segundo Guérin e cols. (2001):

"(...) a atividade de trabalho é uma estratégia de adaptação à situação real de


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trabalho, objeto da prescrição. A distância entre o prescrito e o real é a manifestação


concreta da contradição sempre presente no ato de trabalho, entre 'o que é pedido' e
'o que a coisa pede'. A análise ergonômica da atividade é a análise das estratégias
(regulação, antecipação, etc.) usadas pelo operador para administrar essa distância
(...)". (p. 15).

As experiências prazerosas, em contrapartida, se dão em função de um modelo de


gestão de pessoas, de orientação antropocêntrica. Nesse sentido, configura-se um cenário com
indicadores positivos que geram o sentimento de gratificação, liberdade, reconhecimento e
realização no trabalho. Este modelo se torna eficaz a partir do momento em que o objetivo do
estudo é proporcionar melhores condições de trabalho, adaptando o contexto ao trabalhador.
Conclui-se, então, que dentro de qualquer processo de trabalho, cujo objetivo é criar
condições favoráveis à saúde do trabalhador, se faz necessário considerar a singularidade de
cada trabalhador, valorizando e estimulando sua capacidade de criação e de intervenção no
processo, a fim de cumprir com os objetivos estabelecidos. Se for desejado superar os limites
criados pelo modelo de gestão rígido, é necessário inverter o processo de concepção do
trabalho, reforçar a importância do trabalhador, ressaltando e valorizando suas competências,
além de criar condições que dêem liberdade ao trabalhador dentro do processo produtivo.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

• DANIELLOU, F.; DURAFFOURG, J.; KERGUELEN, A. Compreender o


trabalho para transformá-lo. A prática da ergonomia. São Paulo: Edgard
Blücher, 2001;
• DANIELLOU, F; LAVILLE, A; TEIGER, C. Ficção e realidade do trabalho
operário. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 17, n. 68, 1989;
• DUL, JAN E WEERDMEESTER, BERNARD. Ergonomia Prática. tradução
Itiro Iida, ed. Edgard Blücher, 2ª edição revisada e ampliada. São Paulo, 2004;
• FERREIRA, M.C; BARROS, P.C.R. (In)Compatibilidade do Trabalho
Prescrito – Trabalho Real e vivências de prazer-sofrimento dos
trabalhadores: Um diálogo entre a ergonomia da atividade e a psicodinâmica
do trabalho. S.d;
• GUÉRIN, F.; LAVILLE, A.; NOULIN, M. Ergonomie. Toulouse: Éditions
Techniplus, 1992;
• VIDAL, M.C. Ergonomia na Empresa: Útil, Prática e Aplicada. ed.Virtual
Científica, 2ª edição. Rio de Janeiro, 2002;

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