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Cobra Norato, de Raul Bopp

Com Cobra Norato, de 1931, cujo tema vem do fundo popular, Raul Bopp compõe, na linha do
"primitivismo" da década de 1920, um dos mais belos poemas inspirados pelo Movimento Antropofágico.

Neste poema, o poeta cria um drama épico e mitológico nas selvas amazônicas, incorporando à moderna
estrutura do verso livre elementos do folclore e da fala regional, fundindo imagens originais com o ritmo
tenso, sintético, sincopado, quase telegráfico.

Profundo e rigoroso artesão da linguagem, Bopp rescreveu seus poemas à exaustão, sempre cortando
excessos, refinando imagens, buscando soluções mais precisas, imprevistas. Soube aliar primitivismo
com elaboração construtiva, estabelecendo na poesia um correlato à prosa do Macunaíma de Mário de
Andrade. Como Macunaíma, em busca do seu talismã e nostálgico de Ci, Mãe do Mato, Cobra Norato sai,
também, na demanda da Rainha Luzia, mãe da filha com quem deseja casar-se, em nome do
crescimento da tribo que constituirá as idades da nação.

É a materialização das coisas que o autor, em seu estudo detalhado da Amazônia, absorveu, tais como
lendas, falares regionais, ritos, para transformar em livro, que não foi bem recebido pela crítica. Sobre seu
livro, Bopp chamou-o de "audácias extragramaticais e uma movimentação de material de camada
popular". No fragmento a seguir, pode-se notar a capacidade imagética de Bopp em Cobra Norato: "Rios
magros obrigados a trabalhar descascam barrancos gosmentos. Raízes desdentadas mastigam lodo." Em
determinado momento do poema, Bopp fala do surgimento do Brasil com seus componentes humanos;
entre estes aponta o negro, que exerce um papel secundário no processo social.

O poema pode ser dividido em duas partes, que estabelecem um contraste. A primeira parte refere-se ao
Brasil industrial - urbano e a segunda parte refere-se ao Brasil interiorano e rural. Mostra um Brasil
dividido entre o interior e a capital, donde o atraso do primeiro revalida forças contra a riqueza do último.

Concebido inicialmente como história para crianças, o poema tem, como já citado, estrutura épico-
dramática, da qual se podem extrair também coros para bailado. "No fundo Cobra Norato representa a
tragédia das febres, a maleita "cocaína amazônica", quando ouviu o mato e as estrelas conversando em
voz baixa" (palavras de Raul Bopp).

Observa-se que o mito da viagem, no tempo e no espaço, é a viga-mestra de Cobra Norato.

O poema Cobra Norato trata da história de um eu poético que mergulha no mundo maravilhoso do sonho,
encarna a cobra lendária da Amazônia e segue para as “ilhas decotadas”, isto é, as terrasdo “Sem-fim”,
em busca da mulher desejada. A aventura de Cobra Norato segue o padrão de unicidade ao descrever a
trajetória do herói mítico: partida/iniciação/retorno. O poema que se inicia com os seguintes versos:

Um dia
hei de morar nas terras do Sem-fim
vou andando caminhando caminhando
me misturo no ventre do mato mordendo raízes

Expressa o desejo do narrador de retornar às origens, portanto, à mãe. O herói vive o momento do sonho,
configurado pelo tempo “um dia”. Ao penetrar no “ventre” da floresta, ele segue por tortuosos caminhos,
logo sente que “(...) o sono escorregou nas pálpebras pesadas”.

Oscilando entre o épico, o lírico eo dramático, é impossível uma classificação rigorosa, em virtude da
liberdade de sua estrutura e a riqueza de sua poesia, produzindo efeitos inesperados pela associação da
linguagem popular, da linguagem infantil e das linguagens tupi e africana: num soturno bate-bate de
atabaque de batuque.

A narrativa é simples: o herói, Cobra Norato (nheengatu da margem esquerda do Amazonas), assumindo
a espiritualidade do autor, sai em busca de sua amada - a filha da Rainha Luzia. Em meio aos mistérios
da Amazônia vai vencendo os mais insólitos obstáculos até encontrar o rival - a Cobra Grande -
finalmente derrotado.

De início, o poeta brinca de amarrar uma fita no pescoço de Cobra Norato, estrangula-a e enfia-se na pele
do réptil. Depois de dormir começa a procurar a filha da rainha Luzia, descrevendo a natureza amazônica
e os obstáculos e incidentes da procura:

Mas antes tem que passar por sete portas,


ver sete mulheres brancas de ventres despovoados,
guardadas por um jacaré.

- Eu só procuro a filha da Rainha Luzia.

Tem que entregar a sombra para o bicho do fundo.


Tem que fazer mironga na lua nova.
Tem que beber três gotas de sangue.

- Ah, só se for da filha da Rainha Luzia!

Uma descrição da Floresta Amazônica:

Esta é a floresta de hálito podre


parindo cobras.

Rios magros obrigados a trabalhar


descascam barrancos gosmentos.
Raízes desdentadas mastigam lodo.

A água chega cansada.


Resvala devagarinho na vasa mole.

A lama se amontoa.

.............................................................

Vento mudou de lugar

.............................................................

Um berro atravessa a floresta.

Aqui, Cobra Norato, atolado "num útero de lama", encontra um coadjuvante, seu compadre:

- Olelê. Quem vem lá?


- Eu sou o Tatu-da-Bunda-Seca
- Ah, compadre Tatu
que bom você vir aqui
Quero que você me ensine a sair desta goela podre
- Então se segure no meu rabo
que eu le puxo.

Vem depois a chuva, o mar e a pororoca. O poeta Cobra norato e o compadre roubam farinha, ouvem de
Joaninha Vintém o "causo" do Boto ("moiço loiro, tocador de violão"), vão a uma festa. O compadre
percebe vindo pelas águas algo como um navio prateado:

O que se vê não é navio. É a Cobra Grande.


Quando cmeça a lua cheia, ela aparece.
Vem buscar moça que ainda não conheceu homem.
E vai o poeta levando "um anel e um pente de ouro / pra noiva da Cobra Grande", quando lhe perguntam:

Sabe quem é a moça que está lá em baixo


...nuinha como uma flor?
- É a filha da Rainha Luzia!

O poeta rapta-a e fogem. Cobra Grande os persegue. Mas Pajé-Pato ensina o caminho errado para a
Cobra Grande, que:

esturrou direito pra Belém

Deu um estremeção
Entrou no cano da Sé
e ficou com a cabçea enfiada debaixo dos pés de N. Senhora

Enquanto isso, o poeta vai para as terras altas com a noiva onde se casam e são felizes:

- E agora, compadre
vou de volta pro Sem-Fim

vou lá para as terras altas


onde a serra se amontoa
onde correm os rios de águas claras
entre moitas de mulungu.

Quero levar minha noiva


Quero estarzinho com ela
numa casa de morar
com porta azul piquininha
pintada a lápis de cor

Quero sentir a quentura


do seu corpo de vai-e-vem
Querzinho de ficar junto
quando a gente quer bem bem.

Convida para o casamento muita gente, até a Maleita:

Procure minha madrinha Maleita


diga que eu vou me casar;
que eu vou vestir minha noiva
com um vestidinho de sol.

E acorda, pois o poema era um sonho.

Os fragmentos transcritos a seguir exemplificam alguns momentos da grande força lírica:

A lua nasce com olheiras


O silência dói dentro do mato

Abriram-se as estrelas
As paguas grandes encolheram-se com sono.

A noite cansada parou.

Ai, compadre!
Tenho vontade de ouvir uma música mole
que se estire por dentro do sangue;
música com gosto de lua,
e do corpo da filha da Rainha Luzia
que me faça ouvir de novo
a conversa dos rios
que trazem queixas do caminho
e vozes que vêm de longe
surradas de ai, ai, ai.

Atravessei o Treme-Treme
Passei na casa do Minhocão
Deixei minha sombra para o bicho-do-fundo
só por causa da filha da Rainha Luzia.

No princípio era sol, sol, sol


O Amazonas não estava pronto
As águas atrasadas
derramavam-se em desordem pelo mato.

O rio bebia a floresta

Depois veio a Cobra Grande amassou a terra elástica


e pediu para chamar sono
As árvores enfastiadas de sol combinaram silêncio
A floresta imensa chocando um ovo!

Cobra Grande teve uma filha.

Noite está bonita.


Parece envidraçada.

Dormem sororoquinhas na beira do rio.


Árvores nuas tomam banho.

Jacarés em férias num balneário de lama


mastigam estrelas que se derretem dentro d'água.

Por entre trouxas de macegas


passa uma suçuarana com sapatos de seda.

Ventinho manso penteia as folhas de embaúba.


A paisagem se desfia num pano.

Cunhado Jabuti torceu caminho


- Dê lembranças à dona Jabota.

Enquanto é noite
com todo esse céu espaçoso e tanta estrela
vamos andando e machucando estradas
mais pra adiante.

Resumo

No ventre da noite, o poeta estrangula a Cobra Norato e enfia-se em sua pele elástica para sair dos
confins da floresta amazônica em direção a Belém do Pará, em busca da filha da Rainha Luzia, com
quem ele quer se casar.

O primeiro passo da caminhada é apagar os olhos, escorregar no sono e entrar na floresta cifrada. Sob a
sombra fechada das árvores, entre sapos beiçudos, charco, lama, atoleiros provocados pelas águas dos
rios, Norato avança e cumpre as missões impostas pelo mascarão que encontra no meio do caminho:
passar por sete portas, ver sete mulheres brancas de ventres despovoados, guardadas por um jacaré;
entregar a sombra para o Bicho do Fundo; fazer mirongas na lua nova; beber três gotas de sangue.

Norato cumpre as provas, mas não encontra a moça. Avança sozinho pela selva insone. O entusiasmo
inicial cede a um certo desalento: 'Onde irei eu que já estou como sangue doendo das mirongas da filha
da rainha Luzia?'

A região torna-se lúgubre. É a floresta de hálito podre, de raízes desdentadas saltando do lodo. Na Escola
das Árvores, uma árvore velha enfileira impiedosa as jovens árvores condenadas a produzir as folhas que
cobrem a floresta. 'Ai, ai, ai,' gemem elas, 'somos escravas do rio'.

Cobra Norato alcança o fundo da floresta, onde a terra é fabricada e as árvores passam a noite tecendo
folhas em segredo. Está perdido em um escuro labirinto de árvores. A atmosfera pesada prenuncia
tempestade. Pernaltas movem-se devagar, miritis abrem os grandes leques vagarosos, sapos coaxam
com vigor. Desaba a chuva violenta: o vento saqueia as vegetação, nuvens negras se amontoam, lagoas
arrebentam, árvores se abraçam.
Norato atola-se em um útero de lama, de onde sai graças à ajuda do tatu que se transforma também em
companheiro de viagem. Vem um período de descanso e também de tristeza. Onde afinal andará a filha
da rainha Luzia? O tatu propõe que partam para o lago Onça-poiema. Cobra Norato refresca-se nas
águas do rio, comunga com os animais que por ali pastam. Quando partem novamente para o interior
abafado da floresta, a noite já está se fechando.
O tatu avisa: começa naquele dia a maré grande. Os dois rumam, pelo mangue, paras as bandas do
Bailique. Querem ver chegar a pororoca. Quando a lua cheia aponta, vem a onda inchada, rolando em
vagalhões. Na força da enchente, eles navegam para uma polpa de mato onde Norato descansa e cisma:
'o que é que haverá lá atrás das estrelas?' Mas a fome aperta e dois vão para o patirum roubar tapioca.
Na casa das farinhadas grandes, as mulheres trabalham nos ralos mastigando os cachimbos. Joaninha
Vintém conta o causo do boto que a surpreendeu enquanto lavava roupa. Vendo a animação da festa,
Norato e o tatu viram gente. Cantam, dançam os chorados de viola, bebem cachaça. Na hora de partir,
Joaninha Vintém quer ir junto, mas Norato não aceita. Pegam o corpo que ficou lá fora e continuam
viagem.
Mais adiante, uma pajelança. A onça curuana entra no corpo do pajé, que examina os doentes de sezão,
de inchado no ventre, de espinhela caída. Faz benzedura de destorcer quebranto, fuma, defuma, até
tontear e cair. No meio da floresta, o som longínquo de um trem Maria-fumaça acorda o mato.
Ao longe, flutuando no rio, Norato vê um navio com casco de prata e as velas embojadas de vento. Navio
não, corrige o tatu. É a Cobra Grande. Quando começa a lua cheia, ela aparece para buscar moça
virgem. Enquanto a visagem vai se sumindo paras bandas de Macapá, Norato resolve: quer ver o
casamento da Boiúna.
A caminho das bodas, Norato pede ao vento que o deixe passar, encontra-se com o saci e com o pajé-
pato que lhe arreda o mato em troca de cachaça. O herói e o tatu vaõ com força, nem se escondem para
ver as moças tomarem banho na ponta do Escorrega. O tatu está aflito, apressado, mas Cobra Norato
avisa: 'Devagar que chão duro dói'.

Na casa da Boiúna, um cururu se posta de sentinela. Norato esgueira-se pelos fundos da grota e avista a
noiva, que não é ninguém menos que filha da rainha Luzia. Mas Cobra Grande acorda e começa a
perseguição sem fim. Norato pede a tamaquaré, seu cunhado, que corra imitando seu rastro e entregue o
seu pixé na casa do pajé-pato. Em cima da hora! Cobra Grande passa rasgando caminho. Chega à
morada do pajé que lhe ensina o caminho errado: 'Cobra Norato foi pra Belém se casar'. E lá se vai a
Boiúna direto para Belém. Entra no cano da Sé e fica com cabeça enfiada debaixo dos pés de Nossa
Senhora.

Cobra Norato volta para o Sem-fim, para as terras altas onde a serra se amontoa. Leva consigo a noiva,
para estar com ela numa casa de porta azul piquininha pintada a lápis de cor. É lá que ele espera pela
gente do Caxiri Grande, por Joaninha Vintém, pelo pajé-pato, por Augusto Meyer e Tarsila, por todo povo
de Belém, de Porto Alegre e de São Paulo para a festa de casamento que há de durar sete luas e sete
sóis
Antes do baile verde (livro), de Lygia Fagundes Telles

Antes do baile verde, livro de contos de Lygia Fagundes Telles, publicado em 1970, é uma das obras
mais marcantes da carreira da autora. Os contos inseridos nesta coletânea foram escritos entre 1949 e
1969. Nesse sentido, um pensamento inicial pode recair sobre o questionamento de haver ou não
evolução qualitativa e conseqüente amadurecimento do autor, resultantes de vinte anos de investida
criativa.

Antes de serem publicados, os contos antigos foram revistos pela autora, sofrendo cortes, acréscimos,
mudanças de palavras ou de expressões. De acordo com a própria Lygia, entretanto, isso não alterou a
fisionomia original de cada trabalho.

A maior parte das narrativas segue um mesmo padrão e os vinte anos que transcorrem entre a confecção
do primeiro e do último conto que compõem a coletânea passariam despercebidos, se a data de
publicação não constasse expressa no livro.

Os temas são considerados o ponto forte deste trabalho de Lygia, principalmente ao se observar o
período em que foi concebido. Adultério, insatisfação conjugal, desmistificação dos papéis familiares –
talvez possam ser considerados temas banais, exaustivamente explorados. Entretanto, a autora abordou-
os há meio século, época em que a família conjugal é o modelo dominante e que a autoridade máxima na
família é conferida ao pai, o chefe da casa, “e garantida pela legislação que incentiva o moralismo
tradicional, a ‘procriação’, o trabalho masculino e a dedicação da mulher ao lar”.

As personagens captadas pela câmera da autora representam as famílias urbanas brasileiras de classe
média alta, com aparência distinta diante da sociedade, mas com dramas e conflitos comuns a qualquer
ser humano, que, na maioria das vezes, tentam esconder dentro dos armários ou debaixo dos tapetes.
Dessa maneira, o perfil de uma classe sócio-econômica específica é delineado para exibir temáticas
universais, os jogos de poder envolvidos nas relações entre homens e mulheres, os conflitos, os valores
morais, os desequilíbrios.

As personagens são construídas simultaneamente com o enredo. Os detalhes são importantes nessa
composição – os gestos, a interação estabelecida com as outras personagens, as associações simbólicas
empregadas pelo narrador. Praticamente em todos os contos da coletânea as personagens femininas
apresentam importância crucial. São elas que assumem atitudes que desafiam as normas do
comportamento adequado, ameaçam as regras sociais e reformulam os padrões de conduta, mesmo
quando não estão no papel de protagonistas.

A estrutura mais utilizada pela autora para a elaboração dos contos é a do diálogo entre duas
personagens. Assim, apesar da força das personagens femininas: a “rainha do lar”, a “tia solteirona”, a
“mulher fatal”, a “amante” –, também desfilam diante do leitor outras personagens, como o “marido ideal”,
o “homem apoltronado”, o “irmão perfeito”, o “louco”, caracteres familiares, mas que trazem consigo
sempre alguma surpresa. Essa galeria de tipos e os duelos que eles travam em busca da satisfação das
próprias necessidades chocam-se com as expectativas dos leitores, que observam os padrões morais e
sociais dominantes caírem por terra em confronto com a busca da felicidade.

A narrativa de Lygia apresenta grande agilidade. A autora utiliza linguagem clara, concisa, descartando
tudo o que poderia ser considerado desnecessário para a ficção. Aparentemente, tem pressa, parece não
haver tempo a perder – por isso, dispensa o supérfluo. O emprego dos diálogos, por meio dos quais autor
e narrador constroem as personagens, desenvolvem o enredo, transmitem as informações ao leitor, é
feito de maneira primorosa e também contribui para a rapidez narrativa de Lygia.

Sempre que possível, mostra os fatos ao invés de contá-los para o leitor, tirando proveito das
características determinantes do modo showing de narrar, a imitação verdadeira, a mimese, as falas
diretas, o modo dramático, como que propiciando que a história se conte por si mesma. Assim, na maioria
dos contos, o leitor tem a sensação que o narrador se esconde e que ele, leitor, é também personagem e
observa os fatos acontecerem diante dos próprios olhos.
Existem momentos de ousadia e coragem, principalmente com relação à seleção de temas, mas, na
maioria das vezes, Lygia Fagundes Telles pode ser classificada como prudente no ato de escrever. A
autora não explora todos os artifícios narrativos que os recursos retóricos da linguagem disponibilizam.
Lygia, de certo modo, limita o uso de recursos praticados na “modernidade”, ou seja, aqueles que buscam
uma ruptura radical com os moldes tradicionais. Assim, ao que parece, evita experimentações. Ao invés
disso, pode-se perceber no modo de narrar traços marcadamente realistas. Em suma, em Antes do Baile
Verde, sugere, mas não corre riscos.

Aparentemente, pela maneira como Lygia Fagundes Telles utiliza os recursos técnicos para compor os
contos – a autora preocupa-se em obter verossimilhança. E isso é conseguido, principalmente, pela forma
como institui o narrador em cada história. A escolha do tipo de narrador é o fator principal na
determinação de como a história será contada. É por meio da posição do narrador, ou seja, do foco
narrativo adotado, que o autor fará com que o leitor veja a história. Além de outras conseqüências que
advirão dessa escolha, também conseguirá ou não a obtenção de verossimilhança na obra. Lygia tem
habilidade suficiente para proporcionar ao leitor a visualização da trama e, ainda, para fazê-lo acreditar
nos fatos narrados.

São 20 histórias que evocam um clima de desencanto e dissipação.

Na introdução de Antes do baile verde, a autora explora obstinadamente o desencontro das personagens,
expõe a face dramática das fraquezas humanas, veda os caminhos da redenção. São trechos levam o
leitor a refletir sobre as inquietações do ser humano, colocando-o frente à frente com as aflições do
cotidiano, fazendo-o sofrer com o desajuste e o desamor vividos pelas personagens.

São vários os contos da coletânea que tratam de temas que evidenciam o desequilíbrio, a tensão e a
insatisfação do homem em suas relações, principalmente as afetivas. A solidão, o egoísmo, a infidelidade,
a insatisfação no casamento, são abordados nos contos de Lygia Fagundes Telles, em situações
extremamente comuns, que proporcionam certa intimidade entre personagens e leitores. Os eventos
narradas e os sentimentos descritos são tão conhecidos, a linguagem empregada é tão clara, que a
verossimilhança atinge grau máximo nesses contos.

Uma das circunstâncias preferidas por Lygia para a construção de seus contos parece ser a do momento
em que os relacionamentos amorosos chegam ao fim. O homem maduro, que substitui a esposa ou
companheira – também madura – por uma mulher mais jovem, muitas vezes na tentativa de recuperar a
própria juventude perdida, está presente em “A Ceia”, “A Chave” e “Um Chá Bem Forte e Três Xícaras”.

Em Antes do baile verde, Lygia Fagundes Telles aborda o inexplicável em três contos: “Venha Ver o Pôr
do Sol”, “A Caçada” e “Natal na Barca”.

Do ponto de vista temático, apesar das intertextualidades apresentadas, nessas três narrativas citadas
(“Venha Ver o Pôr do Sol”, “A Caçada” e “Natal na Barca”), Lygia consegue ser mais original do que no
resto da coletânea.

Aventura-se a sair do cenário urbano, com a típica família brasileira burguesa dos anos setenta, com seus
conflitos a girar em torno da traição e/ou do fim de uma relação amorosa.

Estruturalmente, apesar de continuar empregando o modelo básico de trechos em focalização externa


intercalados com diálogos travados entre as personagens, o narrador alcança êxito com as estratégias
empregadas. O narrador fornece as informações aos poucos, criando um clima de suspense e,
conseqüentemente, prendendo a atenção do leitor.

Seja em uma situação possível de acontecer, como em “Venha Ver o Pôr do Sol”, ou em acontecimentos
surrealistas, como em “A Caçada”, o importante é que o clima de mistério é estabelecido e mantido pelo
narrador, até o final.

Em estilo afiadíssimo, ela povoa suas histórias com personagens oprimidos. Freqüentemente volúveis, às
vezes criminosos. Nada se explica: alguns objetos ou detalhes são suficientes para marcar o clima. Pode
ser uma penteadeira em desordem ou um fio de pérolas enrodilhado num bolso e as personagens
começam a se questionar, raivosas, enlouquecidas de ciúmes. Algumas possibilidades surgem
ameaçadoras, improváveis. E terrivelmente perturbadoras. Assim, junto com a leveza de cetins e
purpurina, surge uma morte. E há a nudez de madame e seu camareiro chinês. Tiros, lutos, casamentos
tardios.

Estão presentes no livro algumas histórias emblemáticas como "O jardim selvagem" e "Meia-noite em
ponto em Xangai".

Uma jovem se prepara para ir a um baile carnavalesco onde as fantasias devem ser todas verdes.
Enquanto ela se maquia para o baile, colocando lantejoulas no saiote verde que cobre o biquíni, seu pai
agoniza no quarto ao lado. Esse ambiente teatral e angustiante do conto "Antes do baile verde" dá a
tônica do livro homônimo.

Narrativas turbulentas, de diálogos cuidadosamente esculpidos e marcadas por finais em aberto, como no
conto "Natal na barca", em que uma mulher atravessa o rio com o filho no colo, sem que o leitor saiba se
a criança está mesmo viva. Os finais das histórias de Lygia provocam o imaginário do leitor. Há sempre
uma cartada, uma surpresa, um susto.

A autora demonstra uma coragem singular para trabalhar pontos mais delicados da condição humana
através de personagens cínicos, amargos e, principalmente, cruéis como no clássico conto "Apenas um
saxofone", onde uma mulher pede ao amante que se mate como prova de amor.

Nas páginas de Antes do baile verde, a autora propõe ao leitor participar ativamente, perseguir os rastros,
preencher as lacunas, desvendar os segredos dos interstícios do texto. “É como se viessem à tona os
eflúvios de uma matéria em combustão lá no fundo, e sutilmente fossem nos penetrando” (Coelho, 1993,
p. 245). Pelo uso técnico da elipse e da sugestão, Lygia convida o leitor para um mergulho em sua ficção,
do qual, supostamente, sairá modificado.

Leia, na íntegra, o conto "O moço do saxofone", publicado na obra Antes do baile verde.

Vejamos a seguir, comentários de alguns contos inseridos nesta obra.

Conto ANTES DO BAILE VERDE

Nesta história, uma jovem se prepara animada para o grande baile a fantasia de sua cidade, em que
todos devem comparecer vestidos com roupas verdes. No quarto ao lado, seu pai doente agoniza em
seus últimos minutos de vida. A jovem, movida pela vontade egoísta de se divertir num simples baile ao
invés de assumir a responsabilidade inconveniente de cuidar do pai, inventa a todo momento as maiores
desculpas para si mesma. Leia mais...

Conto O MENINO

Com o título escolhido a autora sugere a impressão de que a história versará sobre um tema relacionado
à infância. Imagina-se que seja sobre algum evento que aconteceu a esse menino ou sobre algo que
tenha realizado.

Apesar do menino ser o protagonista da história, o tema principal do conto não é infantil. Assim, o título do
texto pode ser considerado como uma “pista falsa” que a autora utiliza com a intenção de causar surpresa
no leitor. Leia mais...

Conto O JARDIM SELVAGEM

Em O Jardim Selvagem, de 1965, a personagem que atua como narrador é uma criança, e será sob o seu
ponto de vista que o leitor verá os temas adultos – a relação matrimonial, o preconceito, a morte – serem
analisados. Leia mais...

Conto VERDE LAGARTO AMARELO


Em Verde Lagarto Amarelo, escrito em 1969 e inédito até a publicação de Antes do baile verde, o tema
desenvolvido no conto está relacionado à importância da infância e às conseqüências dos dramas infantis
na vida de duas personagens adultas. Leia mais...

Conto A CEIA

Em A Ceia, de 1958, o leitor é apresentado ao último encontro entre um casal, Alice e Eduardo. A
perspectiva empregada nesse conto é a narração de focalização externa. Leia mais...

Conto A CHAVE

O conto A Chave, escrito em 1965, volta ao tema da diferença de idade entre os cônjuges. O leitor é
colocado em contato com os pensamentos de uma personagem, Tomás, desde as primeiras palavras do
conto. A personagem Tomás é também o narrador, e será sob sua perspectiva que a história será
contada. Leia mais...

Conto UM CHÁ BEM FORTE E TRÊS XÍCARAS

Novamente os temas da traição, dos desencontros no casamento, da velhice versus juventude, são
abordados em Um Chá Bem Forte e Três Xícaras, de 1965. Leia mais...

Conto EU ERA MUDO E SÓ

Para construir a narrativa em Eu Era Mudo e Só, de 1958, Lygia Fagundes Telles empregou um narrador
autodiegético, a personagem Manuel, o marido que se sente oprimido com o casamento. É por meio do
olhar de Manuel que o leitor conhece a esposa, Fernanda. Leia mais...

Conto AS PÉROLAS

Em As Pérolas, conto de 1958, o pano de fundo para tratar o tema é novamente um diálogo entre marido
e mulher. Entretanto, diferentemente dos protagonistas de Eu Era Mudo e Só, as personagens que
formam o casal apresentado em As Pérolas, Tomás e Lavínia, se amam. Leia mais...

Conto OS OBJETOS

Em Os Objetos, conto escrito em 1969 e inédito até a publicação de Antes do baile verde, a autora mais
uma vez apresenta ao leitor uma cena do cotidiano de um casal em desarmonia, Lorena e Miguel, que
tiveram um passado feliz mas que, no “presente” (no momento da ação), enfrentam problemas,
principalmente pelo desequilíbrio mental de Miguel. São abordados temas como a solidão, a loucura, o
fim do amor. Leia mais...

Conto VENHA VER O PÔR DO SOL

Em Venha Ver o Pôr do Sol, o narrador é do tipo heterodiegético, quanto à sua relação com a história –
ou seja, existe uma voz, ausente da história, que narra os eventos. Leia mais...

Conto A CAÇADA

Em A Caçada, de 1965, Lygia Fagundes Telles emprega um narrador extradiegético, com relação ao nível
narrativo, e heterodiegético, quanto à sua relação com a história, ou seja, a voz que conta está ausente
da história. Leia mais...

Conto NATAL NA BARCA

Fantasia e realidade voltam a se encontrar no conto Natal Na Barca, de 1958, narrativa linear que tem
como tema a força da fé, a existência de milagres, a vida e a morte. Leia mais...
Sermão da Sexagésima, de Pe. Antônio Vieira
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O Sermão da Sexagésima foi um dos mais famosos, entre tantos. Foi proferido na Capela real de Lisboa
em março de 1655. Através dele, o pregador esmerou-se na retórica, contando com sua memória
prodigiosa e rara habilidade no domínio da palavra.

As palavras de Vieira transformaram-no em um orador digno de fé e despertavam nos ouvintes uma


paixão transformadora.

O sermão é um todo de 10 pequenos capítulos e é considerado seu mais importante sermão: uma crítica
monumental ao estilo barroco, sobretudo ao Cultismo. Como foi pregado na Capela Real, em Portugal,
podemos concluir que o auditório era particular, composto por católicos da nobreza portuguesa da época.
O autor procura se aproximar do auditório dirigindo-lhe perguntas que ele mesmo, o autor, responde. O
autor procurou no sermão a adesão do auditório à sua tese principal de que se não havia conversões em
massa ao catolicismo na sua época era por culpa dos pregadores de então.

O tema do Sermão da Sexagésima é a “Parábola do semeador”, tirada do Evangelho segundo São Lucas:
Semen est verbum Dei (A semente é a palavra de Deus). Neste sermão, o Padre Vieira usa de uma
metáfora: pregar é como semear. Vieira resume e comenta a parábola: um semeador semeou as
sementes que caíram pelo caminho, pelas pedras ou entre os espinhos. Apenas parte delas caiu em terra
boa. Nele Vieira usa de uma metáfora: pregar é como semear. Traçando paralelos entre a parábola
bíblica sobre o semeador que semeou nas pedras, nos espinhos (onde o trigo frutificou e morreu), na
estrada (onde não frutificou) e na terra (que deu frutos), Vieira critica o estilo de outros pregadores
contemporâneos seus (e que muito bem caberia em políticos atuais), que pregavam mal, sobre vários
assuntos ao mesmo tempo (o que resultava em pregar em nenhum), ineficazmente e agradavam aos
homens ao invés de pregar servindo a Deus. Vieira examina a culpa do pregador, considerando sua
pessoa, sua ciência, a matéria e o estilo de seus sermões e sua voz.

No Sermão, seu autor interessava saber o motivo de a pregação católica estar surtindo pouco efeito entre
os cristãos. Sendo a palavra de Deus tão eficaz e tão poderosa, pergunta ele, como vemos tão pouco
fruto da palavra de Deus? Depois de muito argumentar, Vieira conclui que a culpa é dos próprios padres.
Eles pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus, afirma. Dito de outra maneira, o
jesuíta reclama daqueles que torcem o texto da Bíblia para defender interesses mundanos. No sermão
proferido, o Padre também procura criticar a outra facção do Barroco, logo a utilizar o púlpito como tribuna
política.

Padre Antônio Vieira, um mestre da persuasão, ensinava que “o sermão há de ser duma só cor, há de ter
um só objeto, um só assunto, uma só matéria”. É a regra daunidade do discurso persuasivo.

Pe. Antonio Vieira empregava diversos elementos de retórica no sermão analisado e podemos afirmar
que sua palavra produziu muito fruto, visto que sua obra se mantêm como pensamento válido depois de
300 anos de sua morte.

O assunto básico do sermão, à primeira vista, é a discussão de como é utilizada a palavra de Cristo pelos
pregadores. Um olhar mais profundo mostra que o autor vai além do objetivo da catequese, adotando
atitude crítica da codificação da palavra. Percebe-se, também, que o Sermão é usado como instrumento
de ataque contra a outra facção do Barroco, representada pelos chamados cultistas ou gongóricos.

Em O Sermão da Sexagésima, Vieira expôs o método que adotava nos seus sermões:

1. Definir a matéria.
2. Reparti-la.
3. Confirmá-la com a Escritura.
4. Confirmá-la com a razão.
5. Amplificá-la, dando exemplos e respondendo às objeções, aos "argumentos contrários".
6. Tirar uma conclusão e persuadir, exortar.
Nota: O contexto histórico da época do Padre, uma época onde várias atitudes tomadas pelo catolicismo
eram apoiadas inclusive pelo próprio poder temporal - já que não é simples separar a Igreja e o Estado
português neste momento da história -, como converter almas ao cristianismo.

Nessa época, o mundo assistia a Santa Inquisição atuando a pleno vapor, que inclusive fez visitações ao
Brasil colonial nas regiões Nordeste e Norte, além de em outras terras pertencentes ao Império Colonial
Português como Angola, Madeira e Açores, e que Goa possuía o seu próprio tribunal do Santo Ofício;
também assistia-se a imposição do cristianismo para muitos índios no Brasil; além dos negros africanos
que para cá foram trazidos e também foram-lhes imposto o catolicismo.

Considerando o contexto de conversões forçadas da época do Padre Vieira e analisando apenas o


sermão que fora pregado em 1655, o padre aparenta ser contra a conversão forçada que imperava no
período. No entanto, em alguns sermões ele justifica a escravidão, tanto indígena quanto a negra, com
argumentos religiosos, como o de que no juízo final esses escravos terão suas almas salvas, no Céu
serão servidos pelo próprio Deus, ou ainda, a comparar o sofrimento dos escravos ao martírio do próprio
Cristo

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