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BELO HORIZONTE
12
2008
ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO “LATO SENSU” EM POLÍCIA COMUNITÁRIA E SEGURANÇA
CIDADÃ
FICHA DE AVALIAÇÃO
Observações:________________________________________________________________
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Professor
ESDHC/SENASP
Belo Horizonte,
Maio de 2009
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Científica.
INTRODUÇÃO
1 Hip hop é o movimento cultural, composto pelas vertentes musical (rap, rappers, mc’s e dj’s), visual (grafite) e
corporal (break ou dança de rua). As grafias podem ser hiphop, Hip Hop ou hip hop. No geral adotamos a última
opção. (N.A.)
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inverso, ou seja, os atores sociais apresentam sua parcela de contribuição e moldam tais
representações culturais.
Não se tratará aqui de um estudo sobre uma potencial “influência” das experiências
pessoais dos compositores com a polícia, mas de uma análise geral do que as letras retratam, e
a possibilidade de alteração de tais percepções e/ou experiências pela implementação de um
novo modelo de policiamento, compatível com uma sociedade democrática.
Assim, o tema “Polícia e juventude” foi delineado e delimitado ao estudo dessa
relação divergente e conflituosa nas áreas de periferia, exatamente as áreas atingidas pelo
programa de prevenção de homicídio mais conhecido e bem sucedido que se tem notícia: o
Fica Vivo! (Programa de Controle de Homicídios).
Diversos estudos acadêmicos vêm sendo desenvolvidos sobre o movimento hip hop,
porém, nestes estudos, a relação entre a juventude e a polícia, apesar de constantemente citada
nas letras, não é focada. No presente trabalho busca-se compreender como o hip hop
representa a polícia, e como a polícia pode inserir-se neste contexto, sendo agentes na
construção do movimento.
Optamos pela utilização das letras de rap produzidas por jovens moradores de áreas
periféricas e/ou de risco, em Belo Horizonte e Região Metropolitana, atendidos pelo programa
“Fica Vivo!” e pelo GEPAR, grupamento especial que integra o complemento de intervenção
estratégica do programa de prevenção de homicídios.
Busca-se, através de uma comparação entre a produção de rap de artistas consagrados
do eixo Rio-São Paulo (ou, no caso do hip-hop, São Paulo-Rio), de artistas menos conhecidos
do grande público, e de rappers locais, verificar se a percepção da relação polícia e juventude,
refletida nas letras de rap, é alterada, ou pode ser alterada pela implementação da filosofia de
polícia comunitária.
Para tal análise, será utilizado como suporte teórico o conceito de representação social,
introduzido na psicologia social por Moscovici, na década de 60. As representações sociais
podem ser apreendidas em inúmeros discursos, seja em palavras, gestos ou imagens. No
presente estudo, as representações são observadas nas letras produzidas por grupos de rap. A
música é uma forma de comunicação e propagação de idéias, que circulam entre os grupos
que fazem parte do hip hop e entre aqueles que são ouvintes e carregam representações que os
sujeitos, no caso, os rappers, constroem socialmente, ancoradas no âmbito da situação real e
concreta desses emissores.
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1 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Ancorar é classificar e dar nome a alguma coisa, já que o que não está classificado e
não possui nome é estranho, inexistente e assustador. A representação é, fundamentalmente,
um sistema de classificação e de denotação, de alocação de categorias e de nomes, um sistema
no qual a neutralidade é proibida, pela própria lógica, já que cada objeto e ser devem possuir
um valor positivo ou negativo, um rótulo que será afixado.
Na obra de Moscovici, vemos que ancorar implica na prioridade do veredicto sobre o
julgamento, e do predicado sobre o sujeito, favorecendo opiniões já emitidas e conduzindo a
decisões apressadas. Tais decisões são geralmente obtidas através de generalizações ou de
particularizações. A generalização reduz as distâncias, ou seja, já se tem o “particular” em
mente, e tenta-se obter uma imagem precisa, selecionando uma característica aleatória e a
utilizando como categoria (judeu, doente mental, policial, etc). A característica se torna co-
extensiva a todos os membros dessa categoria. Já a particularização mantem a distância e
mantém o objeto sob análise, como algo divergente, tentando descobrir que característica ou
atitude o torna distinto.
John Berger, autor da obra “Os modos de ver”, afirma: “A maneira como vemos as
coisas é afetada pelo que sabemos ou pelo que acreditamos. Só vemos aquilo que olhamos.
Olhar é um ato de escolha e tocar alguma coisa é situar-se em relação a ela”( Berger &
Luckman,199, p.10, apud ).
Assim, segundo Moscovici e Flath,
“Em síntese, as representações seriam sistemas de valores, idéias e práticas com
uma dupla função: o estabelecimento de uma ordem que capacita os indivíduos de se
orientarem e dominarem o seu mundo social e a facilitação da comunicação entre
membros de uma comunidade por providenciar aos mesmos um código para
nomearem e classificarem os vários aspectos de seu mundo e suas histórias
individuais e grupais”. (Flath e Moscovici, 1983)
Marco Aurélio Paz Tella, no texto “Reação ao estigma: o rap em São Paulo”, dedicou
um tópico específico para a análise do rap como um processo de construção de
Representações Sociais:
“Um aspecto importante analisado nas letras é a leitura realizada pelos grupos sobre
os fatos da nossa sociedade, sempre a partir do ponto de vista do estigmatizado, que
tanto pode ser o rapper, como um amigo ou um simples conhecido. Os MC's
vivenciam e exprimem o seu sentimento, mas também o de um segmento da
população que mora na periferia. Por isso, muitas vezes são chamados ou se
autodenominam de porta-vozes da periferia. O rap, como uma das artes da cultura
do hip-hop, organiza práticas e comportamentos sociais com o objetivo de expor e
buscar o reconhecimento público em relação aos problemas sociais que os afligem
enquanto grupo. A auto-representação positiva da imagem de pessoas e de grupos
afro-descendentes é recuperada pela valorização de temas que são tratados de forma
pejorativa pela sociedade. Os grupos de rap destacam problemas que têm origem nas
representações sociais impostas aos jovens afro-descendentes que moram em bairros
degradados, propondo a inversão dos estigmas referentes a determinadas questões,
operando uma “reclassificação simbólica de gerações socialmente desclassificadas”
(Lenoir, 1998:88). Nas minhas análises, percebo ser evidente o objetivo dos grupos
de reverterem o perverso processo de introjeção de elementos negativos na auto-
imagem do jovem afro-descendente da periferia e de eliminarem estigmas
construídos pela sociedade branca visando “enfraquecê-lo e desarmá-lo” (Elias,
2000:24).[...]
A conseqüência da postura transmitida nas letras é o estabelecimento de um conflito
com as construções hegemônicas da representação social em relação aos locais onde
moram e àqueles que freqüentam nos momentos de lazer. Em outras palavras,
estabelece-se o conflito com as classificações estigmatizadas que atingem o seu
grupo social, representações sociais que sempre trataram esses bairros como áreas
onde estão os segmentos perigosos da sociedade, em que a violência e a imoralidade
são as principais formas de interlocução social. [...] registra-se que os grupos querem
construir outras representações sociais referentes à sua própria realidade, conforme
os interesses ideológicos dos grupos de rap.
A postura apresentada pelos grupos de rap quanto à mobilização, por meio das suas
letras e dos discursos nos shows, é a de evitar prováveis reflexos sobre os estigmas
impostos a essa fração estigmatizada, como o de “surtir um efeito paralisante nos
grupos” (Elias, 2000:27). Uma das formas usadas pelos rappers é a retaliação do
grupo dominante ou, como sugere Norbert Elias (2000), a contra-estigmatização.
Pode-se verificar isso quando, por exemplo, Mano Brown, na música “Fim de
Semana no Parque”, refere-se ao outro grupo como a “playboyzada”, ou diz “vários
estilos, vagabundas”, ou ainda “queimada sorridente,/a mesma vaca loira circulando
como sempre./Roda a banca dos playboys do Guarujá”. Essa retaliação faz parte da
constituição de fronteiras entre os diferentes grupos da sociedade e tem como
objetivo estabelecer “para si um estilo de vida comum e um conjunto de normas”
com “certos padrões e se orgulham disso” (Elias, 2000:25). O que está em jogo é a
construção de elementos de identificação que serão fundamentais no fortalecimento
da coesão do grupo, excluindo características “ruins” atribuídas ao outro grupo
(Elias, 2000:22).“(TELLA, 2006, p.11)
O termo coronel começou a ser usado no Brasil por líderes políticos locais já no
período da Regência, a partir de 1831, quando foi criada a Guarda Nacional. Os fazendeiros
sustentavam as tropas dos voluntários da pátria, convocando-as e soldando-as, ganhando,
assim, um apoio descomunal nesse período. Aos poucos, a Guarda Nacional foi se tornando
simbólica e foi extinta em 1918 no período de Venceslau Brás. Coronel era a patente
instituída pela Guarda Nacional, e correspondia a um comando municipal ou regional que de
início era concedido a um comando efetivo reconhecido pela Regência. Aos poucos, essa
patente passou a ser concedida a quem se dispusesse a pagar o preço exigido ou estipulado
pelo poder público. As patentes traduziam prestígio e poder, em uma estrutura essencialmente
hierárquica. Na escala local os chefes mais poderosos ocupavam o cargo de coronel. Com a
extinção da Guarda Nacional, esse cargo persistiu, sendo que, o coronel era representado por
aquele que mantinha em suas mãos grandes parcelas do poder econômico e político. O
Coronelismo tem sido entendido por estudiosos como Maria Isaura Pereira de Queiroz como
uma forma de poder político brasileiro, que teve seu auge durante a Primeira República.
Os coronéis são parte integrante do folclore brasileiro, especialmente no nordeste
menos urbano, ainda que tenham também exercido grande influência no restante do país.
2 Artigo consultado via eletrônica, em formato HTML, sem paginação. Não foi consultada a versão impressa.
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Franchini Ribeiro, no artigo “Memórias dos cárceres: breve análise comparativa entre os
relatos de presos políticos no Estado Novo e na Ditadura Militar”,
“A partir de 1935, efetivaram-se os preparativos conscientes para a
instauração de um governo forte: Getúlio Vargas caminhava em direção à ditadura,
sendo a eliminação da esquerda o primeiro passo. No entanto, esta Ditadura não
alterou o tratamento ao penitenciário. As prisões ficaram ainda mais precárias
devido à quantidade de novos presos. O cárcere tornou-se o local de exclusão, por
excelência, dos inimigos políticos e sociais do regime.”(RIBEIRO, 2003, p. 3)
É perceptível na, fala do grande escritor, que a imagem da polícia, como repressora
apenas dos pequenos delinquentes, dos “sujeitos da classe baixa”. O imaginário popular já
era, à época, marcado pela imagem negativa da polícia. O próprio Graciliano, na obra-prima
“Vidas Secas”, retrata a imagem que o sertanejo tem do policial, tudo isso na linguagem crua
do personagem Fabiano. A passagem do encontro com o “soldado amarelo” é um marco no
romance, representando a condição subalterna do retirante, sua insignificância diante da
ordem estabelecida (o Estado, o latifúndio), e sua revolta impotente, pois mesmo quando se
depara com o antagonista em situação desfavorável, não se sente capaz de enfrentar o algoz, e
pensa: “governo é governo”.
A ditadura militar foi a mais recente de uma seqüência de regimes autoritários que se
intercalam com breves períodos de democracia, na história do Brasil, desde o Império.
Iniciada em 1964, o regime militar autoritário utilizou-se das estratégias criadas nos
períodos anteriores para legitimar sua estrutura. Todavia, enquanto a o Estado Novo levou o
quartel para a delegacia, e demonizou a figura de Filinto Muller, a ditadura militar aplicou a
repressão, e inclusive a tortura, com as próprias mãos, no interior das dependências das Forças
Armadas.
Ainda assim, o papel das forças policiais não ficou dissociado da repressão. A figura
do delegado Fleury, da Polícia Civil de São Paulo, é emblemática. Seu envolvimento na
repressão e na tortura, durante o período, e conhecido e documentado. Foi um dos
responsáveis pela tortura dos freis dominicanos e pelo assassinato de Carlos Marighella. O
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episódio é narrado no livro “Batismo de Sangue”, de Frei Betto, e inspirou o filme homônimo,
de Helvécio Ratton.
Sergio Paranhos Fleury encarnou o pesadelo do policial corrupto, bárbaro e ambicioso,
que utilizava seus contatos com a “tigrada” (militares das Forças Armadas) para obter
benefícios patrimoniais, intimidando opositores e comandando “Esquadrões da Morte”,
prática disseminada por todo o país. (GASPARI, 2002).
O escritor mineiro Frei Betto, na obra “Batismo de Sangue”, narra as agruras
enfrentadas pelos dominicanos sob o domínio de Paranhos Fleury, culminando com o
assassinato de Carlos Mariguella e o suicídio de Frei Tito Frankort, após sofrer inúmeras
torturas nas dependências do DOPS.
Tanto a República Velha quanto o Estado Novo e a ditadura militar de 1964/1985, tem
em comum a utilização das forças policiais para manutenção dos interesses das classes
dominantes, em detrimento das camadas mais vulneráveis e desfavorecidas.
Segundo Moisés Augusto Gonçalves,
“Essa herança perpassa a construção do Estado-Nação - em sua
cissiparidade com o Estado Lusitano e preservação dos elementos estruturantes da
ordem escravocrata - fazendo-se presente nas tensões/contradições e vicissitudes
que possibilitaram a derrocada da monarquia e a emergência de um ideário
republicano, jamais realizado. A ordem oligárquica calcada na tradição
patrimonialista e inquisitorial domina a cena política no monopólio do exercício de
um poder que sofistica cada vez mais seus mecanismos de legitimação, na
elaboração de uma ideologia que ilegitima outros atores, cerceando sua ascensão à
cena pública, cunhando os contornos de sua periculosidade e ameaça `a ordem
estabelecida. Produz-se assim o discurso das “classes perigosas”, e toda uma
concepção de garantia da ordem pública, que delega às polícias a tarefa de
“profilaxia social”, demarcando um “regime de exceção republicano” nas suas
dimensões de contenção, intimidação social e eliminação dos “indesejáveis”. Este
processo se acentua na era Vargas, na articulação de uma cidadania concedida com
forte repressão aos opositores do regime.” (GONÇALVES, 2003, p. 15)
Luis Flávio Gomes tece severas críticas a esse discurso, o qual seria:
“fruto, ademais, do Direito Penal simbólico somado ao Direito Penal punitivista
(Cancio Meliá). A expansão do Direito Penal (Silva Sanchez, A expansão do Direito
Penal, trad. de Luiz Otávio Rocha, São Paulo, RT, 2002) é o fenômeno mais
evidente no âmbito punitivo nos últimos anos. Esse Direito Penal “do legislador” é
abertamente punitivista (antecipação exagerada da tutela penal, bens jurídicos
indeterminados, desproporcionalidade das penas etc.) e muitas vezes puramente
simbólico (é promulgado somente para aplacar a ira da população); a soma dos dois
está gerando como “produto” o tal de Direito Penal do inimigo.” (GOMES, 2004)
O furor punitivo do legislador e o temível uso do direito penal como vara de condão
repercutem severamente na atuação policial, diante do papel de mantenedora da ordem e da
lei, e diante da hierarquia do sistema de justiça criminal brasileiro.
2. 2. 1 A polícia na literatura
É inegável que a sociedade possui uma imagem negativa da polícia, como é visível nas
manifestações culturais e artísticas, sejam elas populares, sejam eruditas. Eduardo Manoel de
Brito (2007) encontra, na literatura nacional dos primeiros anos da República Brasileira, na
obra de Machado de Assis, Aluízio Azevedo, Lima Barreto e João do Rio, uma imagem
literária que “propicia uma reflexão sobre a origem de imagens negativas cristalizadas da
polícia no imaginário brasileiro” (BRITO, 2007, p. 128).
De acordo com BRITO, (2007, p. 123) “os contemporâneos Aluízio de Azevedo e
Machado de Assis corresponderam a autores que partiram de uns tantos aspectos da realidade
e de modos diferentes deram forma a uma literatura realista brasileira”.
De Aluízio de Azevedo, o romance “O cortiço”, oferece um panorama da imagem da
polícia na literatura brasileira traçando um paralelo entre a polícia-instituição, e a polícia-
indivíduo, representada pelo personagem soldado Alexandre, um policial exemplar na sua
vida pessoal e profissional.
Ainda em BRITO:
“Esse modelo parece não perder a força quando pensamos, por exemplo, nas
situações em que a mídia (escrita e televisiva principalmente) crítica as ONGs e
outras entidades civis por aparentemente não se solidarizarem com os policiais
vítimas da violência criminosa e defenderem os direitos humanos e a dignidade dos
detentos. O raciocínio pode assim ser descrito: se a instituição polícia tem
problemas, ela é, por outro lado, composta de homens com seus dramas pessoais e
seus valores. Colocar sob os holofotes a imagem do policial abnegado, oferecendo
assim um contraponto à instituição problemática, de algum modo permite uma
releitura da polícia. Na narrativa de Aluízio de Azevedo, a truculência policial é
inominada: os policiais são – em um momento da narrativa – chamados de
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Enquanto instituição, a polícia tem uma imagem muito negativa, e surge nos textos
como uma entidade a ser temida: sua presença ou a ameaça de sua presença causa medo, seja
para as crianças (funcionando ela como um bicho-papão), seja para os adultos que passaram
ou não pela experiência do contato com ela.
De acordo com BRITO (2007, 128), mais do que simples ilustrações da realidade
histórica, os textos literários propiciam uma reflexão sobre a origem de imagens negativas
cristalizadas da polícia no imaginário brasileiro: “mancomunada com os poderosos e temida
pelas classes populares; mal aparelhada e mal formada, sujeita a ingerências e servindo como
moeda de troca para favorecimentos vários”.
Na ficção de Jorge Amado, o mais popular dos escritores brasileiros, temos exemplos
de tais concepções sobre a atuação policial, através de personagens diversos.
Em “Tenda dos Milagres”, de Jorge Amado, publicada em 1969, o protagonista é
Pedro Archanjo, mestiço, pobre, capoeirista, freqüentador de candomblé e bedel da Faculdade
de Medicina da Bahia. No decorrer de sua trajetória, o autodidata Archanjo passa a publicar
livros sobre o sincretismo do povo baiano, e é perseguido, ao fazer a defesa apaixonada da
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miscigenação como força essencial da identidade baiana e brasileira. Após sua morte, o
personagem é então revisitado, sofrendo tentativas de apropriação por parte da mesma elite
branca que o perseguira, mas se move do campo erudito para o popular, sendo novamente
apreendida pelos legítimos detentores, através da homenagem de uma escola de samba.
Segundo análise de Marysther Oliveira do Nascimento, colunista do site Brasil
Escola, “ o período apresentado como “tempo” do romance compreende exatamente o final do
século XIX e início do XX, quando, no Brasil, são aplicadas as chamadas teorias higienistas
como base para a criação de um projeto nacional: as diferenças de raça e o evolucionismo das
mesmas tornavam-se o ponto chave para a criação do tipo ideal nacional”
Ainda segundo Marysther Oliveira do Nascimento,
“No livro, fica perceptível a luta ideológica travada entre a cultura popular e a
ciência européia, através dos vários embates, travados entre Pedro Archanjo, o
delegado Pedrito Gordo (Dr. Pedro de Azevedo Gordilho) e o professor Nilo
Argolo, este livremente inspirado em Nina Rodrigues. É perceptível ainda na
perseguição perpetrada pelo aparelho estatal, através dos jornais e da polícia, na
busca de minimizar, ou mesmo exterminar, as práticas culturais desenvolvidas nos
terreiros de candomblé, nas rodas de capoeira e dos grupos de afoxés durante o
Carnaval”(NASCIMENTO, 2006)3
“[...] Num dos últimos domingos vi passar pela Avenida Central um carroção
atulhado de romeiros da Penha: e naquele amplo boulevard esplêndido, sobre o
asfalto polido, contra a fachada rica dos prédios altos, contra as carruagens e carros
que desfilavam, o encontro do velho veículo [...] me deu a impressão de um
Conforme REIS, a capital havia sido remodelada e modernizada para acolher o novo
Brasil “urbano”. Fica “evidente a idéia de que o centro da cidade, com sua nova arquitetura e
equipamentos urbanos, deveria ser desfrutado apenas pelas camadas mais abastadas da
população, enquanto o restante deveria confinar-se às áreas periféricas” (REIS, 2003, p. 242).
Às forças policiais cabia o dever de confinar o restante da população,
predominantemente negra e pobre, às referidas áreas periféricas.
Além do privilégio de uso exclusivo do centro da cidade pelas elites, as críticas de
Bilac deixam transparecer também uma condenação à cultura popular, a qual deveria se
restringir aos locais periféricos.
O ano de 1916 marca a gravação do samba “Pelo Telefone”, cujo sucesso estrondoso o
tornou um divisor de águas na música popular brasileira. Apresenta diversas versões, sendo a
primeira, a versão não registrada mais conhecida, que é:
“O chefe de polícia/ Pelo telefone/ Mandou avisar/ Que na Carioca/ Tem uma
roleta/ Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/
Ninguém mais fica forreta/ É maninha/ Chefe Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom
menino/ Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/ De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O
bacará/ Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/ Tudo é assim” (“Pelo Telefone”,
Donga, 1917)
O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais concorreram para essa
grande repercussão. Trata-se de uma sátira à cumplicidade entre um delegado da polícia e o
jogo ilícito, cuja denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
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“Delegado Chico Palha /Sem alma, sem coração/Não quer samba nem curimba/Na
sua jurisdição/Ele não prendia (2x)/Só batia/Era um homem muito forte /Com o
gênio violento/Acabava a festa a pau/Ainda quebrava os instrumentos/vai pro*/Os
malandros da Portela/Da Serrinha e da Congonha/Pra ele eram vagabundos/E as
mulheres sem-vergonhas/vai pro*/A curimba ganhou terreiro/O samba ganhou a
escola/Ele expulso da polícia/Vivia pedindo esmola/Volta pro*” (“Delegado Chico
Palha”, Tio Hélio e Campolino,
Observa-se também que a súbita interrupção das "festas íntimas" pela polícia era
rotineira, revelando como espaço privado das classes populares era continuamente violado.
Aliás, outros sambas, como “A Polícia já foi lá em Casa” (Olegário Mariano e Júlio
Cristobal), de 1929, e “Se a Polícia Deixasse” (Rafael Mujica e Martinez Grau), de 1927,
denunciam em seu título, ainda que de forma divertida, a mesma arbitrariedade.
cinco dias, envolveram cerca de 50 mil pessoas (sendo 16 mil guardas nacionais), fizeram 34
mortos e 1 mil feridos.
No Brasil, verificou-se também uma evolução musical. Conforme Ligia Vieira César,
no livro Poesia e Política nas Canções de Bob Dylan e Chico Buarque:
“Em meados da década de 50, em decorrência da evolução natural do samba-
canção, começou a surgir nos redutos da classe média carioca uma nova batida,
rítmica, descontínua, que já vinha sendo muito usada nos Estados Unidos; a batida
do samba, outrora uma tentativa de reprodução dos bumbos e tambores, passa a
privilegiar o telecoteco do tamborim, som a inegável influência do be-bop
(concepção jazzística, posterior ao swing).
(...) só a partir de 1958 é que, em termos musicais, a bossa-nova rompeu com a
herança do samba “tradicional”.
(....) essas letras retratavam dramas passionais do samba-canção, com uma temática
bem leve, de acordo com o espírito do cenário da zona sul do Rio, falando do mar,
do sol, do amor, do barco, da garota de praia; entretanto, a partir de 1962,
identificadas com o meio universitário, com os objetivos da União Nacional dos
Estudantes e do Centro Popular de Cultura, essas composições passaram a fazer
parte de uma política engajada, denominada pelos letristas e teóricos dessa corrente
de “samba participante”. Essa vanguarda participante, essas canções politizadas,
estão nas composições de Zé Keti, João do Valle e Edu Lobo, e nas vozes de Nara
Leão e Maria Bethania.” (CÉSAR, 1993, pp. 89-90)
Nessa mesma década de 60, no Brasil, o golpe militar novamente submergia o país em
um período de autoritarismo, a partir de 1º de abril de 1964, fase denominada por Elio
Gaspari “ditadura envergonhada”, até a edição do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro
de 1968, dando início à fase da “ditadura escancarada”. Nesse período, as polícias brasileiras
institucionalizaram um modelo de combate ao crime que, sem o necessário planejamento a
longo prazo, se perdia em ações meramente repressivas, “reproduzindo um padrão de
policiamento violento, desrespeitador dos direitos individuais e flagrantemente
discriminatório quanto aos pobres, aos negros e aos homossexuais, entre outros segmentos
minoritários”, como afirma o ROLIM (2006).
Em “Juca”, composta por Chico Buarque em 1965, ecoa uma vertente do samba de
Noel Rosa, onde com humor e ironia, a atuação policial contra os “malandros”, como ainda
eram vistos muitos dos adeptos do samba:
“Juca foi autuado em flagrante/Como meliante/Pois sambava bem diante/Da janela
de Maria/Bem no meio da alegria/A noite virou dia/O seu luar de prata/Virou chuva
fria/A sua serenata/Não acordou Maria/Juca ficou desapontado/Declarou ao
delegado/Não saber se amor é crime/Ou se samba é pecado/Em legítima
defesa/Batucou assim na mesa/O delegado é bamba/Na delegacia/Mas nunca fez
samba/Nunca viu Maria” (Juca”, Chico Buarque)
prosseguiram sendo estigmatizadas nas letras, ainda que de forma implícita, exigida para
escapar da censura.
O próprio Chico Buarque, por exemplo, chegou a utilizar-se de “alter-egos”, para
driblar a censura, tamanha a perseguição. Dois desses alter-egos, Leonel Paiva e Julinho da
Adelaide, “compuseram” a letra de “Acorda Amor”, no início da década de 70, celebrizando
os versos: “chame, chame o ladrão!”.
“Acorda amor/Eu tive um pesadelo agora/Sonhei que tinha gente lá fora/Batendo no
portão, que aflição/Era a dura, numa muito escura viatura/Minha nossa santa
criatura/Chame, chame, chame lá/Chame, chame o ladrão, chame o ladrão/Acorda
amor/Não é mais pesadelo nada/Tem gente já no vão de escada/Fazendo confusão,
que aflição/São os homens/E eu aqui parado de pijama/Eu não gosto de passar
vexame/Chame, chame, chame/Chame o ladrão, chame o ladrão/Se eu demorar uns
meses/Convém, às vezes, você sofrer/Mas depois de um ano eu não vindo/Ponha a
roupa de domingo/E pode me esquecer/Acorda amor/Que o bicho é brabo e não
sossega/Se você corre o bicho pega/Se fica não sei não/Atenção/Não demora/Dia
desses chega a sua hora/Não discuta à toa não reclame/Clame, chame lá, chame,
chame/Chame o ladrão, chame o ladrão, chame o ladrão/(Não esqueça a escova, o
sabonete e o violão)” (“Acorda amor”, Chico Buarque)
“Veraneio Vascaína”, que faz alusão ao modelo da viatura policial do DF, e às cores
da caracterização, seria uma “homenagem” dos autores à tropa de choque da PM...
A maioria das letras e manifestações desse período eram oriundas de uma minoria,
branca e elitizada, com acesso fácil às gravações de grupos internacionais, tendo mais
influência do movimento punk inglês, como Clash e Sex Pistols, e do rock.
Na década de 90, Chico Science fundiu o maracatu, ritmo nordestino típico, com o
soul e o rap, fundando um movimento que se denominou “Mangue Beat”, da qual foi o maior
expoente, juntamente com sua banda, a Nação Zumbi. Chico Science faleceu em 2 de
fevereiro de 1997. Uma de suas letras, “Banditismo por uma questão de classe”, retrata a
função da polícia em diferentes épocas, mas sempre sobre a mesma ótica de dominação e
perseguição aos desvalidos, protegendo os interesses das classes dominantes:
“Há um tempo atrás se falava de bandidos/Há um tempo atrás se falava em
solução/Há um tempo atrás se falava e progresso/Há um tempo atrás que eu via
televisão/Galeguinho do Coque não tinha medo, não tinha/Não tinha medo da perna
cabiluda/Biu do olho verde fazia sexo, fazia/Fazia sexo com seu alicate/Oi sobe
morro, ladeira córrego, beco, favela/A polícia atrás deles e eles no rabo
dela/Acontece hoje e acontecia no sertão/quando um bando de macaco perseguia
Lampião/E o que ele falava outros ainda falam/"Eu carrego comigo: coragem,
dinheiro e bala"/Em cada morro uma história diferente/Que a polícia mata gente
inocente/E quem era inocente hoje já virou bandido/Pra poder comer um pedaço de
pão todo fudido/Banditismo por pura maldade/Banditismo por
necessidade/Banditismo por uma questão de classe!” (Banditismo por uma questão
de classe – Chico Science)
Caetano Veloso, em 1993, no álbum “Tropicália 2”, a dupla Caetano e Gil lança a
canção “Haiti”, retratando mais uma vez o papel desempenhado pela policia e pelos órgãos
estatais na criminalização da pobreza:
“Quando você for convidado pra subir no adro/Da fundação casa de Jorge
Amado/Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos/Dando porrada na nuca
de malandros pretos/De ladrões mulatos e outros quase brancos/Tratados como
pretos/Só pra mostrar aos outros quase pretos/(E são quase todos pretos)/Como é
que pretos, pobres e mulatos/E quase brancos quase pretos de tão pobres são
tratados/E não importa se os olhos do mundo inteiro/Possam estar por um momento
voltados para o largo/Onde os escravos eram castigados/E hoje um batuque, um
batuque/Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária/Em dia de
parada/E a grandeza épica de um povo em formação/Nos atrai, nos deslumbra e
estimula/Não importa nada:/Nem o traço do sobrado/Nem a lente do fantástico,/Nem
o disco de Paul Simon/Ninguém, ninguém é cidadão/Se você for ver a festa do pelô,
38
e se você não for/Pense no Haiti, reze pelo.../O Haiti é aqui/O Haiti não é aqui/E na
TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado/Diante de qualquer, mas
qualquer mesmo, qualquer, qualquer/Plano de educação que pareça fácil/Que pareça
fácil e rápido/E vá representar uma ameaça de democratização/Do ensino de
primeiro grau/E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital/E o
venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto/E nenhum no marginal/E se, ao
furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual/Notar um homem mijando na esquina
da rua sobre um saco/Brilhante de lixo do Leblon/E ao ouvir o silêncio sorridente de
São Paulo/Diante da chacina/111 presos indefesos, mas presos são quase todos
pretos/Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres/E pobres são
como podres e todos sabem como se tratam os pretos/E quando você for dar uma
volta no Caribe/E quando for trepar sem camisinha/E apresentar sua participação
inteligente no bloqueio a Cuba/Pense no Haiti, reze pelo/O Haiti é aqui/O Haiti não
é aqui” (“Haiti” – Caetano Veloso)
O primeiro samba gravado, Pelo Telefone, já citado, recebeu, no século XXI, uma
releitura, na composição de Gilberto Gil, “Pela internet”, do álbum Definitive Bossa Samba
and Pop, lançado em 2002. Observemos a temática da ineficácia policial e também do
envolvimento de policiais em atividades escusas, que permanece:
“Rap da Policia”
Composição: Indisponível
“No primário não fui bem/No ginásio eu fui mal/Mas hoje eu tô bem/Sou
policial!/Eu peço documento e a profissional/Sou invocado e nojento/Sou
policial!/Já chego dando dura/Já chego dando pau/Eu tenho viatura/Sou policial!/Eu
vou com o braço fora eu faço carnaval/As baininha mi adora/Sou policial!/Eu sou
polícia/Sou valentão/Eu tenho farda, cacetete e três oitão/Se alguém for assaltado,
tiroteios em geral/Sempre chego atrasado/Sou policial!/Se é pra subir no morro,
vamo embora, tchau/Não vou subir que eu morro/Sou policial!/Se tem boteco, eu
paro/Serro lanche legal/Na saída eu não pago/Sou policial!/Ladrão com escopeta,
AR-15 e FAL/E eu com uma Beretta/Sou policial!/Eu sou polícia/Sou valentão/Eu
tenho farda, cacetete e três oitão/Se tem bandido no pedaço, não entro nem a pau/Eu
39
É preciso considerar que a polícia sempre será a mão armada do Estado. As forças
policiais são aquelas que, no âmbito interno do território de um país, detém o monopólio do
uso legítimo da força. A força que respalda a autoridade de polícia é inseparável de todas as
suas ações, ainda que permaneça como potencial na maioria quase absoluta dos casos. Tais
assertivas estão formuladas em diversos autores que estudam o tema, entre eles, Luis Eduardo
Soares, Luis Flávio Sapori, Roberto Kant de Lima.
Marcos Rolim sustenta que:
“ se o emprego legítimo da força e de outros métodos coercitivos – mesmo quando
tratado como uma possibilidade ou uma “autorização genérica” – diz respeito à
essência do mandato policial, não parece ser possível compreender a atividade
policial com base nessa definição e, muito menos, projetar a partir dela uma idéia
reformadora e democrática para o papel da polícia.”(ROLIM, 2006, p. 27)
Se a resposta for SIM para todas essas perguntas, não peça permissão. Faça.
g) Ajuda às pessoas com necessidades específicas – valorizar as vidas de pessoas
mais vulneráveis: jovens, idosos, minorias, pobres, deficientes, sem-teto, etc. Isso
deve ser um compromisso inalienável do policial comunitário;
h) Criatividade e apoio básico – ter confiança nas pessoas que estão na linha de frente
da atuação policial, confiar no seu discernimento, sabedoria, experiência e
sobretudo na formação que recebeu. Isso propiciará abordagens mais criativas para
os problemas contemporâneos da comunidade;
i) Mudança interna – o policiamento comunitário exige uma abordagem plenamente
integrada, envolvendo toda a organização. É fundamental a reciclagem de seus
cursos e respectivos currículos, bem como de todos os seus quadros de pessoal. É
uma mudança que se projeta para 10 ou 15 anos;
j) Construção do futuro – deve-se oferecer à comunidade um serviço policial
descentralizado e personalizado, com endereço certo; A ordem não deve ser
imposta de fora para dentro, mas as pessoas devem ser encorajadas a pensar na
polícia como um recurso a ser utilizado para ajudá-las a resolver problemas atuais
de sua comunidade.
Não se trata de uma crítica às policias brasileiras, mas uma constatação de que a
estrutura das forças policiais, no mundo todo, favorece tal prática. Ainda em Rolim, é
destacado que existe uma cultura policial surpreendentemente comum, apesar das inúmeras
divergências entre as estruturas policiais dos diversos países:
“A natureza idêntica das funções, o fato de serem titulares dos mesmos poderes de
pressão, o peso da hierarquia e o isolamento social dos policiais concorrem para que
muitas semelhanças sejam observadas e o corporativismo seja uma constante
(proteção recíproca, defesa da instituição contra ataques externos etc.). O autor
também observa que os policiais são, quase sempre, muito conservadores do ponto
de vista político e moral. Por outro lado, ao longo da sua experiência histórica, as
polícias foram consolidando um tipo especial de saber, interpretado por seus
membros como fundamental à própria sobrevivência individual. Por isso, os valores
culturais da tradição policial estão legitimados, primeiramente, pela idéia de que são
eles os que podem “salvar sua vida”, o que lhes confere uma extraordinária eficácia.
Como regra, tais noções não possuem qualquer comprovação empírica, nem há base
46
teórica para elas. Pelo contrário, as evidências acumuladas em torno das regras de
conduta capazes de oferecer maior segurança aos policiais e reduzir seus riscos de
vitimização apontam para noções e procedimentos muito distintos daqueles que eles
mesmos costumam valorizar. Constatação que termina não exercendo qualquer
impacto na consciência média dos policiais, porque o arcabouço ideológico da
subcultura institucional a que estão vinculados afirma que o saber científico é
abstrato ou “teórico demais”, guardando pouca relação com os “desafios práticos”
vividos na linha de frente. Ali,“o melhor apoio” é aquele oferecido pela pistola,
enquanto a teoria aprendida na academia será sempre um obstáculo a ser superado.
Assim, para todos aqueles que estão acostumados a um tipo de abordagem
repressiva e que imaginam que a atividade policial seja exclusivamente isso, será,
por certo, bastante difícil operar uma transição para um modelo fundado em outras
premissas; um modelo em que, por exemplo, a repressão esteja subordinada a uma
racionalidade preventiva. Por óbvio, a resistência à inovação oferecida pelas
instituições policiais não é apenas motivada por diferenças culturais ou ideológicas.
Ocorre que o atual modelo de polícia tem permitido também que determinados
interesses particulares, articulados ilegalmente e mesmo em estreita colaboração
com grupos criminais, tenham fincado raízes nas instituições policiais. Reformas,
então, também ameaçam práticas altamente lucrativas já acomodadas na instituição,
e que beneficiam parte das elites policiais.” (ROLIM, 2007, p. 34-35)
Assim, as resistências encontradas nas polícias brasileiras também são percebidas nas
congêneres estrangeiras. A armadilha mais comum é a criação de “núcleos” especializados em
polícia comunitária. Dessa forma, é possível adotar o discurso, mas não alterar a prática. As
relações com a comunidade, as ações vistas como “assistenciais”, poderiam ser deixadas a
cargo desses grupos especializados, e assim as instituições poderiam deixar de se preocupar
com a questão.
A busca de “efeito auréola”, ou seja, de uma mera melhora automática da imagem,
sem alteração profunda na estrutura, é percebida em todo o mundo. Skolnich e Bayley, citados
por Rolim (2007), sustentam que há grande apreço e adesão à idéia de PC, mas não há uma
compreensão unívoca sobre seu significado. Por um lado, ninguém se opõe ao tema, o que lhe
assegura popularidade. Por outro, essa mesma ausência de oposição permite que seja usado
por chefes de policia em todo o mundo visando legitimar práticas antigas com o novo rótulo.
Como foi exposto acima, sobre as diferenças entre o policiamento tradicional e o
policiamento comunitário, este último não se foca tão somente no crime, mas também na
desordem e nas chamadas “quase-criminais”, quais sejam, aquelas chamadas emergenciais
que, embora no momento da ligação não tenham uma nítida natureza criminal, podem vir a
desencadear uma sucessão de eventos violentos, como, por exemplo, as chamadas de
violência doméstica, que muitas vezes inicialmente não são mais que desavenças.
De acordo com Rolim, as experiências com projetos de policiamento comunitário
surpreendem muitos policiais envolvidos, ao perceberem, no contato direto com a
comunidade, que os problemas mais “sérios”, na avaliação dos sujeitos envolvidos, não se
referem a crimes graves, mas em questões bem mais prosaicas, como brigas de vizinhos,
47
acúmulo de sujeira nas ruas, dificuldade de acesso aos serviços públicos, etc. Se problemas
dessa natureza são os que mais afligem as comunidades, seria correto que os policiais se
comprometessem em auxiliar no seu enfrentamento.
Essa questão emergiu com clareza a partir da elaboração da “teoria das janelas
quebradas”, de Wilson e Kelling. De acordo com essa teoria, o abandono emite uma
mensagem que estimula os infratores a persistir nas ações ilegais e a torná-las
progressivamente mais graves, em uma espiral de decadência.
No entanto, de forma paradoxal, a Teoria das Janelas Quebradas tem amparado as
políticas de tolerância zero, como a que foi adotada na cidade de Nova Iorque na década de
1990. A política de “tolerância zero” para com as pequenas transgressões e condutas anti-
sociais, segundo Rolim, “não demonstrou qualquer resultado sólido na diminuição do crime,
e, uma vez aplicada, tende a desfazer os laços de confiança entre as comunidades e a polícia,
além de estimular condutas arbitrárias e violentas”(ROLIM, 2006, p. 72).
Na experiência de Nova Iorque, as reclamações de cidadãos sentindo-se agredidos ou
desrespeitados pela polícia cresceu 41% desde o início da política de tolerância zero, e em
apenas dois anos o total das indenizações pagas pela prefeitura às vítimas de brutalidade
policial praticamente dobraram, conforme dados de Bruce Shapiro, no artigo “When justice
kills, de 1997, citado em ROLIM, 2006.
A experiência de Polícia Comunitária no Brasil começou da prática para depois se
difundir para a teoria. Pelo menos é o que se aduz em CERQUEIRA (1999, p. 86): “no Brasil
não houve estudos ou reflexões acadêmicos sobre o policiamento comunitário anteriores à sua
aplicação pelas polícias”. E conforme Rolim,
“De resto, como não poderia ser diferente, ainda se observa um estranhamento entre
as atividades policiais e os ambientes de pesquisa acadêmica. As responsabilidades
aqui devem ser divididas entre os governos, as polícias e as universidades.
Historicamente, a academia pouco ou nenhum valor deu ao tema da segurança
pública e à própria atividade policial. Questões dessa natureza foram vistas pela
tradição universitária brasileira como “secundárias” ou mesmo nada relevantes para
a pesquisa. Ainda hoje, poucas são as instituições de ensino superior que dispõem de
centros de pesquisa em segurança pública, ou que estruturaram programas
consistentes na área. Com a possível exceção da experiência em curso em Belo
Horizonte, realizada pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública
(Crisp–UFMG), pode-se afirmar que as universidades brasileiras não alcançaram
uma interação efetiva com as polícias e que não influem decisivamente para a
seleção das políticas públicas na área. Na outra ponta, os governos raramente
recorreram às universidades para projetos integrados à segurança pública, e as
possibilidades de mobilizar a pesquisa acadêmica para conhecer os temas da
criminalidade e da violência, ou para avaliar a própria atividade policial, foram e
seguem sendo subestimadas pelos gestores. As instituições policiais, por seu turno,
tendem a ver a aproximação com as universidades como uma desvalorização das
competências e saberes profissionais de seus membros. Intuem, também, que uma
formação teórica mais sólida e o recurso às pesquisas em segurança são capitais
específicos, que podem provocar deslocamentos nas relações de poder, o que
48
costuma ser interpretado como uma ameaça aos interesses estabelecidos nas
corporações.” (ROLIM, 2007, p. 38)
Temos assim, em Minas Gerais, que a filosofia de Polícia Comunitária foi estabelecida
pela Polícia Militar no ano de 1993, quando o Comando-Geral publicou a Diretriz de
Planejamento de Operações n.º 3008, normatizando o assunto.
De acordo com a Diretriz nº 4, de 2002, do Comando Geral da PMMG:
“A gestão da segurança pública, ao adotar a filosofia de policia comunitária, busca
mudar a missão básica, tradicionalmente reativa e focada no chamado "combate ao
crime" para um novo paradigma - comunidade, polícia e demais órgãos do sistema
de defesa social integrados na busca de soluções para os graves problemas da
segurança pública no país. A interação procura dar respostas a uma extensa gama de
"problemas comunitários de segurança pública", incluindo não só o "controle" do
crime e da delinqüência (em contraposição ao antigo conceito de "combate ao
crime"), mas outros fatores de "promoção da segurança", aí incluindo a
neutralização da "sensação de insegurança" trazida pelo "medo da desordem" e das
conseqüências da "degradação de áreas urbanas", via de regra prevalentes em
regiões periféricas de grandes centros urbanos.”(PMMG, 2002)
• Qualificação do policial;
• Uso da força legalmente admitida;
• Compreensão dos aspectos ideológicos, econômicos e sociais e outros
indicadores do fenômeno criminal;
• Ações éticas e técnicas pautadas no respeito aos direitos e fundamentais do
homem;
• Contribuição com a evolução do direito e da justiça;
• Superação das concepções discriminatórias contra os setores sociais
desprotegidos;
• Estruturação técnico-científica dos dados e conhecimentos produzidos no âmbito
da investigação;
• Busca de solução pacífica para os conflitos de relevância criminal;
• Proposição e busca de parcerias para aperfeiçoamento das atividades de Polícia
Comunitária;
Observe-se, todavia, que a simples institucionalização de modelos não garante sua
internalização pela organização e seus membros.
Qualquer experiência de Policia requer que aconteça uma reforma mais ampla das
estruturas policiais e mesmo sociais, do relacionamento com o público e com o sistema de
justiça criminal, conforme sustenta Cláudio Beato (BEATO, apud ROLIM, 2006, p. 95)
Dentro do contexto de Polícia Comunitária, como exposto anteriormente, o Programa
Fica Vivo!, de controle de homicídios em áreas vulneráveis, e a iniciativa do GEPAR (Grupo
Especial de Policiamento em Áreas de Risco), têm apresentado bons resultados, conforme
pesquisas do CRISP-UFMG.
Antes de aprofundarmos no tema do estudo, trataremos perfunctoriamente de ambas as
propostas.
5 O Programa de Controle de Homicídios teve o seu nome, posteriormente, alterado para Fica Vivo! O pedido de
mudança foi feito por moradores do Morro das Pedras que não gostavam do nome original, que associava uma
imagem negativa à comunidade: a de um local violento. Segundo morador da região, a caracterização negativa
da comunidade constitui um empecilho no momento de procurar emprego, pois os empregadores têm medo de
contratar pessoas oriundas de regiões violentas. O nome Fica Vivo! foi proposto pela organização não
governamental Terra Azul. (apud LEITE, 2003),
51
6 Os núcleos do Fica Vivo” passaram a denominar-se Núcleos de Prevenção, uma vez que abrigam também o
Programa Mediação de Conflitos, entre outros programas de prevenção à violência.
52
“A primeira avaliação dos resultados do Programa demonstrou que após seis meses
da sua implantação, o número de homicídios na região piloto, o Aglomerado Morro
das Pedras, havia reduzido em 47%. Em outras regiões violentas de Belo Horizonte,
o número de homicídios também diminuiu, mas em nenhuma delas esse número
caiu tanto quanto no Morro das Pedras. Baseado nas informações do seu estudo e
nas discussões realizadas, o CRISP elaborou, então, o Programa de Controle de
Homicídios.
O programa foi estruturado como um grupo de trabalho que implementaria
intervenções definidas conjuntamente. Este grupo seria formado por vários
parceiros, como instituições públicas e privadas, organizações não governamentais e
a própria comunidade, que se relacionariam de forma horizontal. Os representantes
das instituições parceiras fariam o papel de interlocutores entre a sua instituição e o
programa, o mesmo acontecendo entre os representantes da comunidade e a
comunidade.” (LEITE, 2007, p. 74)
Para enfrentar o problema da violência, são necessárias ações que visem minimizar as
desigualdades relacionadas a gênero, raça, perfil etário.
“Além disso, atitudes e práticas culturais prejudiciais, que discriminam as pessoas e
as fazem sentir inferiores devem ser combatidas. Pessoas com baixa auto-estima são
mais vulneráveis aos chamados dos traficantes para aliar-se ao tráfico, já que nessa
atividade elas receberão a valorização que muitas vezes não encontram na família,
na escola e na comunidade.
Alterar os determinantes culturais, sociais e econômicos que contribuem para a
violência, através de medidas que redistribuam a renda e assegurem oportunidades
de acesso equânime a serviços e oportunidades, é fundamental se o objetivo é
reduzir a desigualdade e conseqüentemente, a violência.” (LEITE, 2007, p. 84)
7 O FicaVivo! é citado como modelo de boas práticas no site do Escritório contra Droga e Crime das Nações
Unidas –UNODC http://www.unodc.org/brazil/pt/best_practices_fica_vivo.html, no portal Children in
Organized Armed Violence –COAV <http://www.coav.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?
infoid=1502&sid=26&UserActiveTemplate=_es> e em vários outros meios de comunicação nacionais e
internacionais. (apud PEIXOTO, ANDRADE e AZEVEDO, 2008)
53
3.3 GEPAR
coletes a prova de balas; duas lanternas com pilhas; e um binóculo de longa distância e visão
infravermelho.
As demais Unidades Operacionais da Polícia Militar, especialmente as especializadas,
desenvolverão ações/operações nas áreas críticas que possuírem o GEPAR, quando forem
desencadeadas em conjunto com integrantes desse grupamento, mediante solicitação formal
do seu comandante.
Conforme SILVEIRA,
“o GEPAR não poderia utilizar os policiais tradicionais pois estes já estavam
estigmatizados e porque eles provavelmente não saberiam lidar com as exigências
de comportamento de uma polícia comunitária. Sendo assim, foram selecionados
novos policiais, que passaram por treinamento, freqüentando aulas de direitos
humanos e polícia comunitária.
Uma característica marcante do GEPAR é a sua preocupação em ter um bom
relacionamento com a comunidade, para conquistar a sua confiança, o que propicia
um melhor trabalho da polícia, ao ter os moradores como seus aliados. Para isto, os
policiais envolvem-se no dia a dia das comunidades, interagindo com os seus
cidadãos e conhecendo a região. Esta postura é baseada na atuação da polícia
comunitária, presente principalmente em cidades do interior e constitui uma
inovação em políticas de cidades de grande porte, no Brasil, como aponta
representante do GEPAR.” (LEITE, 2007, p. 91)
9 http://www.comunidadesegura.org/pt-br/node/37964
56
10 Em entrevista concedida ao jornalista Chris Campion, em agosto de 2005, “Orphaned at the age of eight when
his mother, Sabrina, a bisexual drug dealer addicted to her own product, was murdered, Jackson was brought up
by his grandparents in South Jamaica, Queens. He was out selling crack at 12 and by his mid-teens was
overseeing a local drug operation that brought in over $5,000 a day. But his meteoric rise in the drug world
inevitably set him up for a fall. In 2000, aged 25, he miraculously survived being shot nine times at close range
during a hit by rival drug dealers. Ironically, it had come at the point when Jackson was trying to reinvent
himself as a rapper.” http://www.guardian.co.uk/music/2005/aug/21/popandrock2
Trecho da auto-biografia do rapper: “50 continued in his chosen profession, despite a series of arrests and a spell
in a court-mandated drug rehabilitation programme, as well as six months in the Monterey Shock Incarceration
Correctional Facility in New York State. After Monterey, in 1996, he met Run DMC's Jam Master Jay, who
encouraged him to become a rapper - but progress proved slow.”
http://www.guardian.co.uk/music/2005/aug/21/5
11 Comentário de usuário do portal “Central do Rap”: “P... aewww o cara pode ter sido carcereiro o que eh
diferente pra um rapper sendo que a maioria paga uma de que foi do crime , mas aí que ele eh talentoso no rap eh
mano ! Tah fazendo som muito melhor que o 50 Cent nos ultimos cds…(sic)
(http://www.centraldorap.com/content/view/5808/2/) acesso em 13 de junho de 2009
58
No entanto, para o grande público, o rap nada mais é do que um estilo musical e de
vestuário, permeado por temáticas de sexo, mulheres, carros, jóias, armas e drogas, temática
difundida pelos vídeo-clips e letras como a de “In da club”, “Candy Shop” e .”Pimp, todos de
50 Cent. “In da club” exalta a um estilo de vida dissoluto, regado a sexo casual e excessos de
álcool e drogas, além de retratar as mulheres como objetos, que são atraídas somente pelo
sucesso e pelo dinheiro, como no refrão “Você pode me achar no clube/Garrafa cheia de
Bub/Mamãe, tenho o que você precisa/você precisa se sentir ligada/quero fazer sexo, não
quero fazer amor/venha me abraçar, se quiser transar.
No Brasil, o rap ainda é um reduto das periferias. Com a exceção de Racionais,
Gabriel o Pensador e MV Bill, que atingiram a grande mídia televisiva, a difusão é restrita, a
comercialização é quase sempre independente.
Outros artistas no entanto já se inpiraram no estilo, como O Rappa e Charlie Brown Jr,
artistas estes que conseguiram alcançar o mainstream.
Em muito contribui, atualmente, a difusão pela internet como forma de articulação. Na
rede virtual, rappers dos quatro cantos do país se encontram e divulgam suas produções e
suas idéias, criando uma teia de inclusão, que pode ser vista como um dos grandes atrativos
da cultura hip-hop para os jovens de periferia.
4.1 Histórico
a situação política até sexo e drogas, passando pela espiritualidade e, é claro, por
uma reflexão sobre o cotidiano das comunidades – mas falavam de coisas mais
simples, como convidar todos a dançar, davam vazão a estados de espírito
momentâneos, etc. Assim surgia o rap, a expressão dos jovens pobres e negros que
iria servir como referência para o desenvolvimento da “cultura Hip Hop”. Junto com
ele, como elemento indissociável, nascia também a “arte“ do DJ (Disk Jockey), pois
os MCs jamaicanos faziam seus comentários ao som de uma remixagem de raggaes
(chamadas versões “dub”) já conhecidos, o que resultava na criação de novas
composições feitas a partir dos fragmentos de outras músicas.
Na década de 70, vários jovens jamaicanos deixaram a ilha para tentar a sorte nos
Estados Unidos, devido a uma crise econômica e social alarmante que os deixava
sem qualquer perspectiva de futuro.
(...) encontramos duas versões para o registro da primeira gravação de um disco de
rap: para o hip-hopper Raphis12 , aconteceu em 1978 com o disco do grupo Fatback,
que trazia a música King Tim Ill; para Hermano Vianna e Spensy Pimentel, isso
aconteceu em 1979 , com o single do grupo Sugar Hill Gang, Rapper’s Delight (...).
Divergências à parte, a diferença de datas é insignificante. O que importa para nós é
que o rap iniciava na década de 70, em Nova York, a sua marcha para a difusão que
hoje se espraia para além das populações dos guetos. Dez anos depois, no dia 21 de
setembro de 1986, o jornal New York Times publicava matéria sobre a difusão do rap
da qual Hermano Viana reproduz um significativo trecho:
“A música rap, popular principalmente entre os adolescentes urbanos desde que
apareceu no final da década de 70, estourou este ano. O rap costumava ser
programado pelas rádios apenas na área de Nova York, onde nasceu, e em
Washington, Filadélfia e outras grandes cidades. Mas com o sucesso do último
compacto do Run-DMC, ‘Walk This Way’, e do ál bum Raising Hell, o rap está
sendo ouvido em todosos lugares”(GEREMIAS, 2006 p.18;20;23-24)
De acordo com ANDRADE, o hip hop sempre teve em sua proposta inicial a paz,
canalizando energias que poderiam estar voltadas para a criminalidade na produção artística.
A dança tentaria reproduzir os movimentos limitados dos soldados que voltavam da guerra do
Vietnã, bem como movimentos das hélices dos helicópteros utilizados na guerra, tendo como
objetivo manifestar o protesto e o descontentamento. O grafite, em princípio usado para
demarcar territórios, passa a servir também para revelar dor, exaltação, repúdio a uma forma
de opressão.
Já o rap seria o elemento de maior força do movimento: é impossível ignorar o rap, o
que alcança exatamente o objetivo dos hip hoppers, de obter uma visibilidade que lhes é
negada, alcançando poder e voz.
Segundo CONTIER, o movimento cultural é definido pelos hip hoppers como:
“uma cultura de rua, e surgiu nos guetos de Nova Iorque (na área do Bronx, em
especial) e envolvia um Dj e um Mc. Essas duas figuras entrosavam
harmoniosamente os sons oriundos da máquina e da voz. O DJ re-elaborava esses
sons nas Pick-ups e o MC improvisava os seus cantos sobre essas estruturas
harmônicas re-inventadas pelo DJ.
Num primeiro momento, o MC cantava frases e refrões baseando-se nas
improvisações do DJ. Nesta fase da História do rap, o MC não entoava um rap na
sua totalidade, apenas algumas de suas partes. Em sua essência esses trechos
improvisados serviam para agitar a festa, onde todos os participantes cantavam os
refrões e frases. Paulatinamente os DJs foram criando estilos de discotecagem:
scratches, mixagens, cortes e back to back..Na realidade, os atritos entre a agulha e
60
Durante toda a década de 80, o rap foi difundido nos Estados Unidos e no mundo. Nos
Estados Unidos, onde nasceu o rap como hoje o conhecemos, o indústria fonográfica fatura
milhões de dólares com o estilo musical que nasceu nos guetos, e a proposta inicial de paz e
denúncia foi substituída, em certos casos, por uma temática de agressão e violência,
apresentando letras sexistas, e vídeos que exploram a sexualidade e a sedução da imagem,
sendo criticado por alguns ativistas negros, como o cineasta Spike Lee.
No Brasil, segundo CONTIER (2005, p. 2), “o Hip Hop chegou nos inícios da década
de 80, através do break (dança) ,paradoxalmente trazido por agentes sociais pertencentes às
camadas sociais mais ricas da sociedade. Alguns brasileiros que viajavam para o exterior ao
retornarem para o Brasil introduziram o break nas danceterias dos chamados bairros nobres de
São Paulo.”
Todavia, Luiz Geremias novamente aponta: o hip-hop chegou primeiro ao Rio, através
do funk:
“havia a filosofia que embalou os sonhos dos Panteras Negras, o grupo político que
fez da radicalização do protesto negro sua bandeira de luta nos Estados Unidos da
década de 60, uma sociedade que ainda absorvia as idéias de Malcolm X,
considerado o profeta do orgulho negro. Tratava-se de um apelo à união da raça em
torno de um modo de se vestir, de dançar, de ser, de ter e demonstrar uma “atitude”,
termo muito usado pelos Hip Hoppers de hoje.” (GEREMIAS, 2006, p. 38)
A cisão entre o largo São Bento e a praça Roosevelt foi fundamental para essa prática
cultural, pois, a partir desse momento os excluídos sociais (office boys, por exemplo)
identificaram-se com o verdadeiro conceito de rap, num espaço geográfico diferenciado.
Assim, o Rap tornou-se um gênero musical com uma certa autonomia em face do break.
Muitos grupos musicais surgiram a partir dos fins dos anos 80. Em 1988 foi lançado o
primeiro registro fonográfico de Rap brasileiro através da coletânea "Hip-Hop Cultura de
Rua" pela gravadora Eldorado. Desse disco participaram Thaide & DJ Hum, MCDJ Jack,
Código 13, entre outros grupos.
O rap nascia e era cantado na rua, e as bases eram palmas, batidas de latas ou o “beat
box” – imitação do som da base com a boca, conforme GEREMIAS (2006). As primeiras
letras eram ingênuas e simples, mas ainda assim, já insinuavam a declamação de cunho
político-social que assumiriam mais tarde, como este trecho, dos BB Boys, dupla formada
pelos futuros “Racionais” Mano Brown e Ice Blue:
"BB Boys é o nosso nome/BB Boys somos nós/ Periferia é o nosso exemplo /e o rap
é a nossa voz/ Põe polícia na parada e nem se liga na real/ a farda é uma jaula que
só cabe um animal./ Aqui não é gueto americano, é periferia brasileira..."
O refrão de “Os Homens da Lei”, de Thaide e DJ Hum, deixava claro, desde aquela
época, o que esses jovens pensavam da sociedade, de suas leis e dos homens fardados que as
faziam cumprir. O foco era a polícia, e o bordão martelava: “Os homens da lei são todos
porcos”. E Thaíde declamava:
“Se eles são os tais, eu quero ser também/ ser mal educado e não respeitar ninguém/
bater em qualquer jovem, sem motivo nenhum/ andar em liberdade e sem trampo
algum/ você tem o rabo grande se escapar da morte/ se ela nunca te parou, você tem
sorte”.
12 Todas as conclusões aqui apresentadas foram extraídas do estudo “Juventude e polícia”, de Silvia Ramos,
publicado no Boletim Segurança e Cidadania, ano 05/nº12 – outubro de 2006
65
Diversos estudos acadêmicos vêm focando o papel do rap como agente mobilizador.
Entre os estudos, temos o de TELLA, do rap como reação ao estigma, o de MATSUNAGA,
sobre as representações da mulher no movimento hip hop (2007), os de ANDRADE, que
reuniu diversos escritos sobre o rap na obra “Rap e educação, rap é educação”, de 1999, e de
GEREMIAS (2006), “apontando como principal fator a ser considerado o fato desse
movimento cultural viabilizar, para os jovens negros das periferias e favelas, a passagem de
objetos do discurso jurídico-policial para o de sujeitos de seu próprio devir”.
Como constantes, percebemos nas letras analisadas a afirmação do pertencimento, da
negritude e valorização dos espaços de origem. É comum a citação dos locais de residência,
dos nomes das favelas e cidades, como em “Mágico de Oz”, dos Racionais:
“Jardim Filhos da Terra e tal, Jardim Hebron, Jaçanã, Jova Rural, Piqueri e Mazzei,
Nova Galvão, Jardim Corisco, Fontális e então, Campo Limpo, Guarulhos Jardim
Peri, JB, Edu Chaves e Tucuruvi, Alô Dodi, Mimosa e São Rafael, Zachi Narchi tem
lugar no céu”.
(Mágico de Oz – Racionais MC’s)
Na letra de “Lado B”, da coletânea Nova Contagem tem hip hop, o grupo Kamikaze
cita diversos locais da região de Nova Contagem.
Em “Conexão Alto Vera Cruz-Havana”, Renegado cita a comunidade do Alto Vera
Cruz, região de periferia de Belo Horizonte.
A favela é local de afirmação, de pertencimento. Na letra de Kamikaze e Russo APR,
“D’Stilo”, os rappers declamam:
“Vou, eu sei que vou, os loucos piram e gritam ho!, eu sei que vou/As loucas piram
e gritam rá! É o que há/Favelado tem estilo, eu vou, tem brilho!/De favelado sou
mais um e sempre bato no meu peito/Por onde vou mostro atitude compromisso e
respeito/É desse jeito, quem não entende é melhor ficar ligado/Porque desse lado da
favela estamos sempre preparados /pra rimar representar/Na humildade sempre
chegar/Seja na norte leste oeste ou sul/ não vamos parar/Noroeste é o lugar, lado b
onde se concentra/Kamikaze e APR na junção ninguém agüenta/Ainda mais somos
ativistas e estamos na pista/Noite a noite, dia a dia, sempre na
correria/Representando a periferia em qualquer lugar que a gente entrar/tem um
67
papo pra passar neste lugar onde muita gente não compreende que o rap é a
mudança e vai invadir a sua mente!
Refrão:
Vou, eu sei que vou, os loucos piram e gritam ho!, eu sei que vou/As loucas piram e
gritam rá! É o que há/Favelado tem estilo, eu vou, tem brilho! (2x)
Tem muito mano que anda revoltado/porque foi tirado de favelado/mas se liga
parceiro, não é bem por aí/sou favelado sim, e tenho muito orgulho de mim/o
favelado tem estilo. Yo!, de ponta a ponta/porque segura aqui sempre as suas
broncas/ vários negos de responsa que já ta no esquema/ sempre batendo de frente
contra os problemas / porque na periferia é assim, de correria em correria é que
favelado brilha
[...]
E como Sabotage diz: rap é compromisso!
[...]
O meu artigo é assim pros home eu sou suspeito/ independente do que pega meu
estilo é desse jeito/ pra preto, pra branco, pra boy ou favelado/ aqui é o Kamikaze
fortalecendo os aliados/E as aliadas, que na posso esquecer/ a discussão de gênero é
bom para crescer/Pra surpreender e ser surpreendido/Por isso que o MC tem que ter
estilo/e sabedoria pra poder chegar mostrando de verdade o que é ser um gangsta/se
você acha que matar é uma boa causa/ se você mata alguém hoje e amanhã alguém
te mata/então você me fala se isso é alegria, viver correndo todo dia da polícia
[...]
(“D’Stilo – Kamikaze e Russo APR)
“Fala sério, o que é que te faz rapper de verdade/Fama, mulher, colete, platina
As quadrada, us ladrão! Cadê a ideologia?/não faço rap click, blá, blá, blá/Só mando
idéia certa e pra quebrada melhorar/Me encara, me olha, me julga, condena/Pensa,
se acha, se julga o dono do esquema”
(Renegado – “Do Oiapoque a Nova Iorque”)
da militar/A fita é muito louca, louco, não não não/o segurança agora vai comer na
minha mão/Temos que ser ligeiro pra dar fuga e não rodar/ as dez horas abre o cofre
antes do malote ser marcado
(Deita deita deita todo mundo reage não/isso aqui é um assalto, eu só quero o do
patrão, o gerente ta na mão/O segurança ta escoltado, agora abre o cofre ou nós atira
ta ligado?/ahn, veja agora aí parceiro, todo mundo de joelho)
Tales pega o malote, mano amarra o gerente/Chegou a hora da fuga, Deus ajude daí
pra frente
(Vamo vamo vamo entra no carro, pisa fundo, os policia ta chegando vai embaçar
pra vagabundo)
Refrão:
Vida de ladrão, louco, é só função/se marcar encontra vala ou cadeia sem perdão/
sem futuro pra ladrão, escuta só/ é melhor tomar cuidado senão garra no B.O (2x)
A central da polícia foi comunicada, os ratos vinham seco preparando a emboscada/
com a armadilha montada em frente ao Big Shopping/cortei na Praça da Gloria pra
não trombar com o choque/sinal fechado, transito lotado, a agitação do povo me
deixou meio assustado/ o mano tentou descer tentou esquivar da viatura, o PM
estranhou mando ele deitar na rua/ tentando se defender, ele arriscou, puxou a pt/
não teve tempo de pensar, nem de respirar/ tomou altas rajadas, caiu no chão/
naquela situação, sinal abriu pisei na tábua/ fiquei cego aliao ver o irmão que no
chão sangrava/vida excomungada, o que resta pra família, um barraco mal acabado e
quatro filhas desnutridas/ mas fazer o que se a vida é uma roleta russa/todo dia uma
batalha e nem sempre venço a luta/e que Deus ajude, e guarde a alma dele/ as boas
alegrias de onde ele esteve/cheguei no estaleiro, maloquei o malote com o dinheiro/
agora é (?) eu gasto com as mina e os parcero
Refrão:
Vida de ladrão, louco, é só função/se marcar encontra vala ou cadeia sem perdão/
sem futuro pra ladrão, escuta só/ é melhor tomar cuidado senão garra no B.O (2x)
Malditos invejosos que querem minha cabeça/destruir minha vida e só trazer
tristeza/Os olhos de thundera só me seca e quer atrasar, fazer eu desandar, prá poder
me enquadrar (Eu sinto cheiro de enxofre no ar!) Alguma treta embaçada eu sei que
está para rolar/vai saber/recebi uns telegramas anônimos falando de um assalto ao
banco/querendo uma parte, senão denunciava/ quem será esse comédia desse cara/
se eu descobrir quem é cabeça vai cair
(som de telefone)
Meu celular/Alô, quem é, me diz aí!
(‘Schuengue, ta embaçado/o Tales rodou/ os polícia qué o dinheiro prá rachar com o
promotor/já descobriram sua caxanga e tão indo praí/querem sua cabeça de bom
morto/então é melhor fugir’)
Daqui já escuto o barulho da sirene/querem minha cabeça na sala do tenente/não vou
dar mole essa fita/não vou para o xadrez/não quero ver minha coroa apenas quatro
vez ao mês/o sistema é uma furada/embaça só de pensar/fica vivo nesta vida ta
difícil se marcar/vou me jogar, pegar as nota e viajar/aqui no Estaleiro tá embaçado
prá morar/já peguei as nota, to saindo fora...
(‘Mão na cabeça, vagabundo!’) (som de tiros)
Refrão:
vida de ladrão, louco, é só função, se marcar encontra vala ou cadeia sem
perdão/sem futuro prá ladrão/ é melhor tomar cuidado senão garra no B.O.(2x)”
(Vida de ladrão – Schuengue - Coletânea Nova Contagem tem hip hop)
Em “Tô ouvindo alguém me chamar”, dos Racionais, é contada a história de dois
amigos, e ambos entram para “o crime”. Ao final, depois de segurar vários “B.O.s”14, um
deles é morto a mando do ex-parceiro, e, caído ao chão, esvaindo-se em sangue, pensa que, se
sair dali, irá mudar:
14 B.O. é o Boletim de Ocorrência, geralmente o documento elaborado pela Polícia para o registro inicial do
fato. “Segurar o B.O”, ou “agarrar no B.O.” significa assumir o crime, a autoria, ou ser preso em flagrante
69
O grupo Racionais MC’s foi formado na cidade de São Paulo em 1988 e é integrado
por Mano Brown (Pedro Paulo Soares Pereira), Ice Blue (Paulo Eduardo Salvador), Edy Rock
(Edivaldo Pereira Alves) e o DJ KL Jay (Kleber Geraldo Lelis Simões). Em 1988 participou
da coletânea "Consciência Black", primeiro lançamento do selo Zimbawe, com as músicas
“Pânico na Zona Sul” e “Tempos difíceis”.
O primeiro álbum próprio foi lançado em 1990, mas a consagração só viria em 1993,
com o lançamento de “Domingo no parque”, que, segundo GEREMIAS (2006: p. 50) “era a
explosão de uma filosofia que revertia o discurso da mídia da classe dominante: bandido era o
playboy, que tinha tudo e não queria dividir nada, e dava voz ao ódio dos jovens da periferia
paulistana.”
“Aos 18 anos de idade a primeira besteira/ Eu fiz um filho com a mina que já não
era firmeza,/Muleque burro e virgem foi pela beleza/Pergunto para deus como tudo
isso pode me acontecer,/Mas onde começou tudo isso,/Foi onde tudo pode acontecer
e essa mina da onde você a conheceu/A mina foi no role não pague pra ver./Pra eu
ser mais específico e claro/Foi um lugar denominado samba do capão/Apenas 2
minutos de conversa e o destino daquela mina/Meu opalão/deveria ter me
ligado”(“Baseado em fatos reais” – Detentos do Rap)
Além da trajetória como rapper, MV Bill já lançou livros, nos quais retrata a realidade
das periferias, como Cabeça de Porco, escrito em parceria com Celso Athayde e Luis Eduardo
Soares, Falcão - Meninos do Tráfico e Falcão - Mulheres e o Tráfico, estes últimos em
conjunto com Celso Athayde.
Dos eventos que o Crime Verbal já participou estão o Arena da Cultura em Belo Horizonte (MG),
Evento do Movimento Nacional dos Direitos Humanos em São José da Lapa (MG), Fórum Social Mundial em
Porto Alegre (RS), Evento da Pastoral do Negro em Cataguazes (MG), BH canta e dança em Belo Horizonte
(MG), Festival América do Sul em Corumbá (MS), 7º Encontrão do Movimentos Enraizados em Nova Iguaçu
(RJ), Gira Praça, Festival de música e dança em Sabará (MG) e em vilas e favelas de Belo Horizonte.
A coletânea Nova Contagem tem hip hop! foi lançada como resultado da oficina de rap
coordenada por Flavio da Silva Paiva, o Russo APR, educador social em Nova Contagem, no
Núcleo de Prevenção à Criminalidade.
74
As faixas são:
A região onde atualmente se situa Nova Contagem foi inicialmente projetada para
atender a um programa de moradia popular, mas cresceu desordenadamente, e a partir de
1993, inúmeras famílias de baixa renda ocuparam o local. Atualmente, de acordo com dados
17 Conforme Nélson Maca, professor da UCSal (Salvador) e ativista do coletivo Blackitude Hip Hop, “posse” é
o nome que se dá aos coletivos de ativistas do hip hop. Genericamente, equivale às expressões coletivo, núcleo,
grupo ou, até mesmo, cooperativa, que tradicionalmente definem grupos de mobilização político-social ou
artística. São pequenos grupos. A literatura especializada costuma falar em 40, 50 pessoas, mas esses números
são de difícil definição. Há casos de posses com 10 integrantes ou menos, com 50 ou mais. Depende muito de
vários fatores, principalmente da força da cultura nas comunidades. Já existem iniciativas locais e nacionais,
estabelecendo redes integradas de posses, chegando, por vezes, a multiplicar em muito os números hipotetizados
acima.
75
do Censo do IBGE do ano de 2000, a região conta com 75.000 pessoas, em aproximadamente
11 bairros.
O bairro está situado na divisa de municípios entre Contagem e Esmeraldas, e durante
muito tempo possuiu o mais alto índice de homicídios da região. A localidade enfrenta
problemas relativos a disputas de gangues, tráfico de drogas, prostituição infanto-juvenil.
O Núcleo de Prevenção de Nova Contagem foi inaugurado em setembro de 2005, e
atualmente conta com mais de 25 oficinas, entre elas as de rap, grafite, capoeira, dança de rua,
dança do ventre e percussão.
Dentro do tema de polícia comunitária, a relação com a polícia, que apesar de tão ou
mais freqüente como os demais temas (periferia, crime, mulheres, drogas, racismo) será
objeto de estudo.
Para a reflexão sobre as representações da polícia no hip hop, analisaremos as letras de
rap dos artistas escolhidos, representativos do cenário do hip hop nacional. Tal
representatividade foi escolhida a partir da recorrência dos nomes em pesquisas na internet, e
em conversas com integrantes do movimento hip hop.
76
A coletânea “Nova Contagem tem hip hop” será o referencial utilizado nas
comparações com a produção dos artistas consagrados, e que, apesar de socialmente
engajados, não tem apoio direto do poder público em suas produções. Tendo a coletânea sido
patrocinada pelo Programa de Controle de Homicídios – Fica Vivo!, e com apoio da
Prefeitura Municipal de Contagem, serão as produções dela extraídas utilizadas como “grupo
de controle”, a fim de mensurar, através de análise comparativa, a influência dos programas
de polícia comunitária nas representações de polícia do movimento hip hop.
As reflexões estão divididas entre quatro temas, pela importância que consideramos
possuir cada um deles: violência policial, corrupção policial, preconceito e discriminação
policial e confiança na polícia.
18 Brutal Question: Police Violence, Public Trust By SAM ROBERTS Published: Thursday, March
21, 1991 - “In 1935, Police Commissioner Lewis Valentine of New York City interrupted a line-up to berate the
arresting officers. Why, he demanded, had they brought in a murder suspect without first "mussing him
up?"(…)“That knowledge will be vital as the department imposes its policy of community policing, which
depends on popular support. Enlisting the public will be more difficult if the police are feared as much as the
criminals.” (disponível em <www.nytimes.com> Acesso em 14 de junho de 2009)
77
“Vem de colete preparado pra guerra/Vem engatilha a mente solta ideia e descarrega
mais não seca/não vem com esses conversas/mão de pilantra chora quando o dedo
escorrega”
Conforme Roberto Kant de Lima, em texto escrito em 1997, questiona os motivos para
o mau desempenho dos policiais, indagando se seriam decorrentes do despreparo ou de
fatores de outra ordem, e, ainda, questionando se o que é chamado de mau desempenho seria
realmente isso, ou se seria um desempenho de acordo com um modelo que, em suma, legitima
as ações questionadas (uso letal da força, de maneira desproporcional). O estudioso propõe
então uma análise da formação policial no Brasil, ainda marcada por concepção autoritária do
emprego da polícia. Considera ainda que os policiais não estão imunes aos valores culturais
de uma sociedade preconceituosa e hierarquizada.
79
O uso da força letal pela polícia muitas vezes seria justificado pelo “calor dos
acontecimentos”, realizando uma ruptura entre a teoria das academias de polícia e a realidade
da rua. Kant de Lima observa que o treinamento policial serve exatamente “para controlar
reações espontâneas no profissional, e que a diferença entre os transgressores e os policiais
não devia ser pelo seu poder de fogo, mas o treinamento profissional destes, pelo Estado”.
(LIMA, 1997, p. 242).
Kamikaze, de Nova Contagem:
“É o Kamikaze, do lado B diretamente Nova Contagem/Tomando de assalto as ruas
da comunidade/ É o Kamikaze, é o Kamikaze...
[...]aqui o sofrimento é o que mais nos afeta, morte nas esquinas e vielas/ é o que
resta/ eu vejo todo dia mas tenho que ficar calado/porque a morte na favela anda
sempre na favela/aqui você sai e não sabe se volta/porque é constante o rolê da
ROTA... “
(Lado B – Kamikaze)
(...) Se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal, por menos de um real, minha
chance era pouca. Mas se eu fosse aquele moleque de touca, que engatilha e enfia o
cano dentro da sua boca, de quebrada, sem roupa, você e sua mina, um, dois, nem
me viu: já sumi na neblina (...)
(Racionais, Capítulo 4, versículo 3, do álbum Sobrevivendo no Inferno, 1997)
O rapper questiona a posição do policial, que no caso era o policial militar da tropa de
choque, o qual seria pago para humilhar, e não para cumprir o dever de guardar o
estabelecimento, obedecendo aos ditames da lei. A função da pena é “ressocializar” o infrator,
mas todo o teor da composição, de maneira crua, contrapõe a realidade do “sistema” aos
objetivos da legislação.
“falam que aqui estão nos reeducando
mas é mentira, na verdade estão nos marginalizando
a coisa aqui é ruim é pior que imagina
já me ensinaram até a refinar cocaína”
descendo a viela,/Não quero dar tiro pra encher minhas panelas/Sou cria dos
humilde, meu clima é diferente/Faço através do verbo, pois a minha chapa é quente
Não dá pra se envolver crime é necessidade/Os mano mete bronca por passar
dificuldade/Com filho pra criar, sistema demolidor/Faz de um pai de família um
terrivel matador/Sem saúde sem escola sem futuro garantido/Por morar no Taquaril
sou chamado de bandido/Tomar tapa na cara de gambé folgado/Falar da minha
mãe,eu tenho que ficar calado/Poe terror ni morador, de doze e escopeta /parece que
essa raça tem parte com o capeta/Cachorro do governo defendendo o
patrimônio/Quando invade os barraco é a face do demônio/Se a justiça é cega, a de
Deus né não/Meu povo é lembrado só em tempo de eleição/Corrupto safado, suas
mina ta do lado/Pagando de furor, se vendendo por trocado/Buraco do Brasil,
playboyzinho mimado/Lembra do quilombo isso aqui foi meu passado/Favela é meu
refugio, uma lei severa
Proceder e atitude por aqui é o que impera/Tomador de conceitos Taquaril é meu
lugar/Crime verbal a família que veio reivindicar/A mídia sobe o morro, olha tudo e
acha graça/Wisky é melhor com o ibope da nossa desgraça/Por ganância de dinheiro
nossa vida é filmada/Estudantinho costa quente que só fala palhaçada/Venha com
seu livrinho, diploma de doutor/Hip hop é a cultura, eu sei o meu valor/Aprendi de
outro jeito, a rua é minha escola/Preferi o hip hop que um saco de cola/A lei é do
silencio, ninguém aqui vê nada/Conversado na quebrada toma pá! de rajada/Toda
hora o balaio, putz! tá lotado,/O povo da quebrada só anda pendurado/Menor fora
de escola, com filho pra criar/Com mão bem calejada, prefere não roubar/Construir
um barraco, com suor e sacrifício/Seu sonho se acaba em uma área de risco/Os
crentes vêm dizendo: Deus seja louvado/E hoje em dia por aqui Deus seja
lembrado/Isso aqui é uma guerra, quem entrou pede socorro/O sonho da molecada é
comandar o morro/No boteco da esquina um vacilo foi cobrado/Cheirou não pagou,
amanheceu todo furado/Aqui é crime verbal/Resgatando a molecada que é o futuro
da nação
Zona leste taquaril tá bem representado/Seu futuro, maluco, depende do seu passado
Seu moleque sua preta, um almoço de domingo/Não todo acabado pela merda de um
cachimbo/Pela merda de um cachimbo/Apenas quatro malucos que a favela
aplaudiu/Representam minha quebrada /Zona leste, Taquaril”(“Lei severa” – Crime
Verbal)
“E a polícia agride peão e ainda chama de bandido/E é detido agredido mas depois é
liberado pois não devia nada a eles mesmo assim foi escamado [...]
Só queremos a paz, só queremos a paz, pro povo da periferia”
No trecho acima, não são sequer utilizados subterfúgios ou sutilezas, o recado é claro e
direto: não é possível confiar na polícia.
Em “Cidadão Comum Refém, de MV Bill (grifos nossos):
“Toda vez a mesma história, criança correndo mãe chorando chapa quente/tiro pra
todo lado silêncio na praça o corpo de um inocente/chega a maldita polícia, chega a
polícia o medo é geral/armado fardado carteira assinada com o ódio na cara pronto
para o mal/mais um preto que morre ninguém nos socorre a comunidade na cena a
arma dispara o cambio comenta parece até cinema não é/é real, as armas não são de
brinquedo/quando a policia invade a favela espalha terror e medo/é gente da gente
que não nos entende usam de violência/o corpo estendido no chão ao lado uma poça
de sangue conseqüência do despreparo daqueles que eram pra dar segurança/e
87
Autoridade vem e invade sem critério nenhum/o som da sirene o cheiro de morte
derrubaram mais um/na frente do filho eles quebraram o pai/o Zé povinho fardado
vem entra mata e sai/sem ser julgado corrompido alienado revoltado fracassado/vai
pintando esse quadro/o quadro do filme da sua vida (da sua vida)/o quadro de vidas
e vidas da maioria esquecida/decorrente do descaso e da corrupção/moleque cresceu
não tinha emprego então virou ladrão/menor bolado por aqui tem de montão /morre
um nasce um monte com maior disposição /(...)
Não é somente a favela/que é condenada a viver a luz de velas tática de guerra/ tiro
não me enterra/capitão do mato 5 pra atirar e não erra/depois que descobre que o
cara deitado no chão era inocente/revolta na mente favela que sente, ódio toma conta
de muita gente/todo mundo pra rua querendo bota fogo no pneu/querem se
manifestar por que alguém morreu/só a mãe que vai chorar sabe o que perdeu/tem
rua fechada carro parado camisa na cara piloto assustado/relógio roubado busão ta
quebrado neguinho bolado caminhão saqueado/batalhão de choque de porrete na
mão/tiro para o alto pra assustar multidão/tira o pino da granada de efeito
moral/nessa hora todo mundo apanha igual marginal/e xinga o pobre de preto
botando geral pra correr/saia voado se não quer morrer/se pegar te esculacha/bomba
de gás bala de borracha/a manifestação que era pra ser contra violência/deixa mais
feridos como conseqüência/manda a molequada pra casa/tira a barricada a pista
liberada não acontece nada multidão se cala/hoje eu vo falar tudo que acontece na
favela não abala ninguém/pedir ajuda a quem veja o que tem o povo ta sem somos
do bem/falta ou não alguém/só resta o choro e o lamento da família dos amigos/que
perderam muitos queridos/procure Deus e diga amém/de boca fechada para o seu
próprio bem/teve um menor de camisa na cara/que deu uma pedrada no guarda que
tava/baixando a porrada e que não aceitava/que aquilo rolava/o morro chorava/peço
proteção de quem não teme nada/só mais confusão e mais gente machucada/favela
ocupada o medo dominando/quem é trabalhador fica em segundo plano/o sangue
marcando/o povo enterrando/imposto pagando/desacreditando/justiça clamando/por
Deus implorando/por almas orando/com a vida jogando/Favela ocupada por uma
semana vivendo em clima de tensão/quem tenta esquecer não consegue se lembra
quando vê o sangue no chão/a comunidade ainda assustada aos poucos retorna ao
seu dia-a-dia/lágrima seca mente prepara o corpo pra próxima covardia.
5.5 De polícia
Apenas essa letra foi encontrada, com uma imagem distinta da polícia. Interessante
notar que a temática de auto-afirmação e visibilidade se repete na letra composta por dois
policiais militares de São Paulo.
CONCLUSÃO
91
Mesmo nos locais onde houve a implantação de programas como o “Fica Vivo!” ,
GEPAR e PROERD, a relação ainda é tensa, e se reflete nas manifestações espontâneas
oriundas das letras de rap produzidas por artistas das comunidades, como é o caso de APR
(Ibirité, cujo rapper, Russo, é oficineiro do Fica Vivo em Nova Contagem), Crime Verbal e
Renegado (ambos da região do Taquaril e Alto Vera Cruz, também atendidos por núcleos do
Fica Vivo!), Kamikaze e Schuengue, ambos de Nova Contagem, região Noroeste de
Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte, atendida pelo Programa Fica Vivo!
desde 2005.
O que se conclui é que as únicas exceções encontradas na pesquisa, ou seja, letras que
fossem favoráveis ou neutras à polícia, são oriundas das próprias forças policiais, com no
caso, o “De polícia”, ou são aquelas cujos autores, por motivações religiosas ou ideológicas,
desviam o foco da atuação policial.
92
Com motivação religiosa, temos duas composições na “Coletânea Contagem tem hip
hop”, de Ergon (“Escuridão sem retorno” e “Fik Sperto”), que dirigem seu discurso para o
enfoque religioso, buscando conscientizar os ouvintes através da religiosidade.
Outros, como Renegado, opta por um discurso mais afirmativo, de protagonismo
social e ativismo político, pela melhoria das condições do local e dos negros em geral. Na
canção “Conexão Alto Vera Cruz/Havana”, promove o intercambio de ritmos e idéias com o
rapper Cubanito, de Cuba, valorizando a tradição e a cultura negra latino-americana.
Com isso podemos concluir que a representação da polícia entre os jovens de periferia
permanece na mesma idéia que já predominava há quase 100 anos, nas primeiras letras de
samba.
Irá o rap brasileiro alterar sua percepção? Sem uma profunda alteração da cultura
policial e social nacional, não se apresenta a hipótese como provável.
Quando falamos da cultura policial, nos referimos cultura de “combate” ao crime, que
se traduz em combate ao criminoso, em um discurso de oposição nós (os de “bem”,
trabalhadores, honestos” vs. eles (os bandidos, “vagabundos”, “marginais”)
O discurso de contraposição é repetido nas letras de rap, que opõe eles (a periferia) e
os outros (incluindo no grupo “estranho” polícia, “playboy”, governo, político, “doutores”,
etc).
No estudo de Silvia Ramos sobre o projeto Juventude e Polícia a dualidade é
apresentada, enfrentada e superada, passando os jovens e os policiais a se enxergarem como
“nós”, e não uns contra os outros, em oposição.
Quando se supera a aparente “rivalidade” entre jovens de periferia e forças policiais,
uns e outros encontrando pontos que os unam, em lugar de questões divergentes, existe a
esperança de efetivamente se implantar um policiamento cidadão, condizente com os ditames
do estado democrático de direito.
Assim, concluí-se que a atuação policial, como atualmente se apresenta, constitui um
fator dificultador da implementação das estratégias de polícia comunitária, complicada pela
representação social cristalizada na comunidade excluída. Se não fosse o rap, seria outro
ritmo, mas a manifestação espontânea permanece.
O que se sugere é que a estrutura do sistema de justiça criminal brasileira como um
todo tem contribuído para a manutenção de uma relação de tensão e desconfiança, que impede
o bom funcionamento das forças policiais e da implantação real da democracia.
As propostas de implantação da Polícia Comunitária constituem uma maneira de
superar as divergências históricas, e construir, a médio e longo prazo, um relação saudável,
93
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94
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