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1.

Os estudantes reclamaram, na semana passada, a demissão da Senhora Ministra da


Educação, protestando contra a figura do director de escola.
Nas duas marchas da indignação, em Lisboa, onde estive presente, 120 000
professores aprovaram moções rejeitando a figura do director de escola.
A Plataforma Sindical dos professores chama comissários políticos aos futuros
directores de escola.
Os jornais falam, no mesmo parágrafo, do guloso suplemento remuneratório dos
directores de escola e do prato de lentilhas que Jacob vendeu a Esaú.
Compreendam, pois, que eu não deva nem queira permanecer em silêncio, nesta
sessão de tomada de posse como director da escola secundária de Paredes.
2. Nós, os membros do Conselho Executivo que hoje cessa funções, tomámos posse no
dia 9 de Junho de 2005. Completámos os 3 anos de mandato, portanto, no passado dia
9 de Junho de 2008, dia em que a legitimidade democrática de que estávamos
investidos foi substituída por uma espécie de unção administrativa, que tolhe e
embaraça quem desconfia da santidade dos óleos da tutela.
Solicitámos por isso ao Senhor Presidente da Assembleia de Escola que, à medida da
lei, desencadeasse com urgência o processo de eleição do director.
Mandava a prudência que eu não me tivesse apresentado como candidato a director.
Lembre-se o Verão quente de 2005, marcado por uma inédita, e, à época, abusiva,
requisição civil dos professores vigilantes dos exames nacionais. Lembre-se a
duplicação do horário de trabalho dos professores mais velhos. Lembre-se a reforma
fruste da educação, que todos conhecemos, contestada nas manifestações gigantescas
de Lisboa e nas duas greves que paralisaram a escola.
Vacilei, contudo, na virtude cardeal, quando deixaram em cima da minha secretária
de trabalho um rol de folhas assinadas pela esmagadora maioria dos professores e
funcionários da escola, a solicitar que me candidatasse ao cargo de director. Como
já tinha vacilado naquele Março marçagão, com cheiro de Abril, enquanto descia
pela avenida da Liberdade, respirando o ar puro da solidariedade, bem longe da
abafação que se vivia na escola.
3. A verdade é que este não é um tempo para faltas, omissões ou cobardias.
Basta os que – porque estão doentes ou porque estão velhos – já solicitaram a sua
resignação, aliás, justa e merecida.
Por mim
Não me conformo com a falta de autonomia da escola pública e com esta tradição
secular de obediência submissa que faz vergar os joelhos e perder altura; Não me
conformo com os discursos macios que querem encher a escola de objectividade, de
mensurabilidade e de constrangimento; Não me conformo com os programas
disciplinares mal feitos e com as disciplinas que são só áreas curriculares e não
têm programas; Não me conformo com a concorrência desleal dos cursos por
equivalências ou por competências, que se concluem num par de semanas; Não me
conformo com o número esmagador de 17 disciplinas dos alunos do ensino básico; Não
me conformo com uma escola de falsas ilusões que não promove a cultura, nem o
método, nem o rigor, nem a exigência, nem a disciplina, nem o trabalho; Não me
conformo com as actividades de recreio que infantilizam os alunos, confundem os
pais e diminuem os professores, e são desonestamente conhecidas como aulas de
substituição; Não me conformo com a lei do subsídio que distingue os alunos à
porta da cantina pela cor do bilhete que exibem; Não me conformo com o estatuto do
aluno nem com direitos associativos e reivindicativos de crianças com 10 anos de
idade; Não me conformo com a maré viva de dinheiro arrastado pelo ensino
profissional a troco de aprendizes incompetentes e de estatísticas balofas; Não me
conformo com um sistema competitivo perverso de acesso ao ensino superior que
distribui de forma igual a angústia pelos filhos e pelos pais; Não me conformo com
a avaliação do desempenho dos professores porque abjuro a avaliação do desempenho
dos pais; Não me conformo com o estatuto da carreira docente que separa, divide e
afronta os professores; Não me conformo com os pais que não reconhecem o trabalho
supletivo excepcional da maioria dos directores de turma; Não me conformo com o
vencimento ofensivo que o Estado paga aos funcionários administrativos e aos
auxiliares educativos; Não me conformo com a quota de 5% de excelentes na
avaliação anual dos funcionários nem com os efeitos práticos dessa avaliação – um
aumento líquido de 17 euros para 3 anos consecutivos de classificação excelente;
Não me conformo com um sindicato manso que não reage à despromoção do vínculo
laboral dos funcionários públicos que perderam no dia 1 de Janeiro de 2009 a
nomeação definitiva que os ligava ao Estado; Não me conformo com a falta de
qualidade dos transportes escolares; Não me conformo com o frio regelado das
nossas salas de aulas; Não me conformo com uma escola sem balneários individuais
que protejam a intimidade dos alunos; Não me conformo com uma escola sem posto
médico e com quartos-de-banho medievais; Não me conformo com a falta de condições
de trabalho dos professores; Mas também não me conformo com a requalificação
escolar, se o preço a pagar for o do ajuste directo até 1 milhão de contos; Não me
conformo com a escola a tempo inteiro – espécie de entidade adoptante afectiva que
absorve o tempo e o direito dos pais a estarem com os filhos; Não me conformo com
o fim da gestão democrática das escolas e deixo aqui o compromisso público de
renunciar ao lugar de director da escola se a maioria dos professores reclamar um
exercício incompetente. Não me conformo com o dia do prémio do diploma porque a
escola não presta tributo ao dinheiro mas aos anjos da catedral de Chartres;
Finalmente, não me conformo com a avaliação dos professores porque depende de um
“perfil ideal de aluno” e eu acredito que a liberdade tem asas de oiro.
4. Reforço a preferência, já manifestada em outro lugar, pela
subjectividadeão em vez da objectividade, pela conversação em vez da comensuração
e pela persuasão em vez do constrangimento.
É urgente tomar o espaço de intervenção. O núcleo da questão é, claro, a autonomia
da escola. Está visto que o caminho a percorrer não pode ser apenas o da auto-
avaliação e o da avaliação externa – caminho que, à sombra da política real,
apenas valida o príncipe de Salina; é necessário mudar mais do que uns fragmentos,
e escolher novos parceiros para o caminho – necessariamente os pais e a autarquia.
O sentido só pode ser o da crença na comunidade educativa local inscrita na matriz
anglo-saxónica do associativismo. O que se propõe é aceitar o desafio que o futuro
próximo há-de trazer, o de desligar a escola do poder central e vinculá-la ao
poder local. Fora deste caminho, a escola pública irá transformar-se lentamente na
escola daqueles que estão fora do arco social; os outros, como já está a
acontecer, rumarão para as escolas particulares.
Uma última palavra de enorme satisfação para dizer que os professores João
Ribeiro, Paula Costa e Marília Gomes aceitaram fazer parte da próxima direcção
executiva da escola.
Queria também reconhecer publicamente, à professora Maria Manuel Fernandes, o
serviço prestado à escola e a dedicação carinhosa e permanente aos alunos,
principalmente àqueles que mais precisavam – os do regime educativo especial.
5. Por singular coincidência esta cerimónia coincide com a tomada de posse do
presidente dos Estados Unidos. Faço aqui o voto de que alguma da chuva de
esperança que parece abençoar o novo presidente possa cair também na nossa escola.
Muito obrigado.
Francisco Queirós
Director da Escola Secundária de Paredes

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