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Eutanásia: "A morte não soluciona a doença que é a vida!

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Numa altura em que a sociedade portuguesa se vê obrigada a abordar determinados


assuntos do âmbito das liberdades individuais e igualdade de direitos e, no seguimento
do referendo que aprovou a interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas,
também estão para breve discussões na praça pública portuguesa acerca das igualdades
de direitos dos casais homossexuais e da legalização da eutanásia.
Neste sentido, e apelando a todos aqueles que inteligentemente apenas optam
depois de ouvir argumentos de ambas as partes, iremos expor a nossa posição contra a
legalização da eutanásia passando a explicar de forma sucinta os argumentos que nos
levam a escolher a reprovação quanto à legalização desta prática.
A palavra eutanásia, derivada do grego, significa “a prática pela qual se abrevia,
sem dor ou sofrimento, a vida de um enfermo incurável”, é muitas vezes interpretada de
forma deliberadamente errónea como significando o direito a uma “morte digna”.
Mascara-se, assim, a dura realidade de enfrentar uma vida pugnada pela dor e
sofrimento escolhendo o caminho mais fácil de acabar com o sofrimento: a morte, em
detrimento da luta pela vida contra a dor. Esta morte que os defensores da legalização
da eutanásia também designam de “suicídio assistido” e diversos outros eufemismos. A
verdade é que a acepção do termo eutanásia designa a acção de uma pessoa que mata
directamente outra, como é o exemplo de um médico que dá uma injecção letal a um
paciente.
Convém, portanto, distingui-lo do eufemismo “suicídio assistido” que denomina
a acção de um indivíduo que, não conseguindo matar-se por incapacidades várias,
solicita auxílio a um outro indivíduo que lhe presta ajuda não directa. Neste âmbito
podemos enquadrar os exemplos de clínicos que fornecem medicação e informações
sobre quais as doses letais para que posteriormente o paciente conclua o processo de
suicídio.
Logo, tendo em conta esta verdadeira acepção dos termos, tão diferentes como
água do azeite, porquê usar suicídio assistido como sinónimo de eutanásia se significam
algo tão diferente? Além disso, não nos esqueçamos que tanto o suicídio assistido como
eutanásia é eticamente reprovável pelo código deontológico médico.
Além da expressão “suicídio assistido” também “homicídio qualificado” é
demasiadas vezes confundido com eutanásia, daí decorre a importância em debater a
semântica dos termos usados como sinónimos para que não se “tome o gato por lebre”.
E, esclarecida que foi a diferença entre eutanásia e “suicido assistido”, torna-se
pertinente distinguir esta última expressão de “homicídio qualificado”.
A linha que os separa é tão ténue que por vezes se torna imperceptível. Ao dar
condições para uma pessoa cometer a eutanásia estamos perante um “suicídio assistido”.
Porém, se a pessoa se encontrar incapacitada de cometer tal acto, mas seja essa a sua
vontade, alguém terá que o fazer. O que nos remete para um “homicídio qualificado”,
que é considerado crime.
A “compaixão por outrem” não é justificação para um “homicídio qualificado”.
Uma mãe nunca poderá pôr termo à vida de um filho alegando que este não terá um dia
um futuro feliz. Se existe compaixão, porque não ajudar a pessoa a viver, porque não
permitir acompanhamentos psicológicos e cuidados paliativos que permitam diminuir,
aliviar a dor psíquica e física do doente?
Portanto, se socialmente é condenável a atitude desta mãe, não poderemos
fechar os olhos a um outro homicídio qualificado, que apesar de aparentemente bem
intencionado, retira a vida de outrem. Não se pode conceder o direito a tirar uma vida e
sair impune.
Mas não só de atribuições erradas de significados a expressões vive o problema
da eutanásia. Também a falta de ajuda, acumulada com outros tantos factores, leva
muitos indivíduos que, não tendo o devido auxílio a nível psicológico, acabem por ceder
ao caminho mais curto e simples da morte por não lhes ter sido prestado um
acompanhamento devidamente personalizado que lhes permitisse repensar essa atitude
extrema.
Pensemos no caso de um alcoólico ou toxicodependente que, farto da vida de
vício que leva, decide por termo à sua vida, casos de que não faltam exemplos. De
imediato estas pessoas obtêm ajuda psiquiátrica para tentar ultrapassar o mau momento
e ganhar de novo vontade de querer viver, tenta-se que o indivíduo ganhe uma auto-
estima para repensar na acção que inicialmente tinha de acabar com a sua existência,
procura-se levar a pessoa a reflectir se a morte será a solução.
No entanto, quando se trata de um doente terminal ou deficiente nunca se fala
em procurar ajuda para tentar modificar esta ideia, pelo contrário, apelida-se de
coitadinho que vive em sofrimento atroz e merece exercer o seu direito à
autodeterminação e liberdade, merece decidir se deve ou não por termo à sua vida.
Nestes casos fala-se em eutanásia como sinónimo de uma “morte digna”, “liberdade de
escolha do momento da própria morte” ou “acto final de autonomia e
autodeterminação”.
Agora sejamos coerentes. Se “todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e em direitos, dotados de razão e consciência”, tal como se pode ler no Artigo
Primeiro da Declaração Universal dos Direito do Homem, também se deve proporcionar
aos deficientes e doentes terminais, tal como aos toxicodependentes e alcoólicos, o
devido apoio em nome da igualdade.
O código deontológico da saúde obriga a facultar aos doentes terminais e
incapacitados todo o apoio a fim de melhorar ao máximo a qualidade de vida do
paciente no tempo que lhe resta, o que acontece com os cuidados paliativos em cerca de
95 % dos casos, segundo dados divulgados em 2005 pela Organização Mundial de
Saúde.
No entanto, até a data, os países cuja lei da eutanásia está legalizada (Holanda,
Bélgica, Suíça e Estado do Oregon, nos E.U.A.) recorrem à utilização de comprimidos e
injecções letais de veneno que quando não funcionam são ajudados pelo monóxido de
carbono ou no último e mais macabro dos casos o uso de um saco plástico para
assegurar que a morte ocorre de facto, o que é tudo menos uma “boa morte”.
Assim, com a eutanásia falsificam-se os fins terapêuticos da Medicina e em
especial dos cuidados paliativos de manter e respeitar a dignidade humana do
nascimento à morte e garantir “a integridade moral e física dos pacientes”, amputando-
se ao ser humano a capacidade de escolher o seu destino, declarando quando e onde se
deve morrer. É nesta forma inteligente de manipulação do direito humano à
autodeterminação, garantido no artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos do
Homem, que os defensores da eutanásia se apoiam para legalizar esta acção.
Quem defende a prática da eutanásia sustenta que qualquer indivíduo que possua
uma doença que provoque dor extrema, desespero, que incapacite física, psicológica ou
mentalmente e lhe retire a vontade de viver e essa mesma pessoa se aperceba que faça o
que fizer, aconteça o que acontecer vai padecer, tem o direito de ter uma morte assistida,
uma “boa morte”.
A única certeza desta vida é a morte. E nesta vida todos nós temos problemas
que provocam dor, sofrimento, angústia, aperto, aflição e nos tiram a vontade de viver.
A morte de uma pessoa próxima (da mãe, da namorada, do filho…), problemas
financeiros que podem arruinar totalmente a vida de uma família, entre imensas outras
dificuldades.
Todos nós, portanto, que sofremos desta terrível doença que é a vida merecemos
uma “boa morte”? Ou devemos apoiar-nos na compaixão, no amor, no carinho daqueles
que nos são mais próximos e se preocupam connosco, nos profissionais de saúde
especializados em cuidados paliativos. É a eles que devemos recorrer para ter uma réstia
de esperança e ganhar novo folgo para lutar.
Como se pode contactar pelos argumentos precedentes, a eutanásia é um assunto
demasiado complexo para se resolver através da legalização e banalização desta acção.
Nem todos os casos são iguais e por diversas vezes as pessoas podem não estar na posse
total das suas capacidades psíquicas para tomar decisões coerentes acerca do seu futuro.
O que sucede nestes casos de ausência das capacidades na sua totalidade é, tal como
demonstram dados dos países em que a eutanásia é legalizada, a decisão sobre o futuro
do paciente transitar para um familiar ou amigo que tem o poder de sentenciar a sua
morte.
Se tal sucedesse, também crianças doentes que não podem tomar as suas
próprias decisões seriam dadas como “casos perdidos”, sem terem a hipótese de
mostrarem ao mundo o seu verdadeiro valor. Uma pessoa poderá estar condenada a
passar o resto dos seus dias numa cama, mas não a impossibilita artística ou
intelectualmente de poder dar grandes contributos à humanidade e, consequentemente,
ser útil.
Portanto, a eutanásia jamais poderá ser vista como “tratamento médico”. Se tal
questão se colocasse estaríamos apenas a renunciar à dignidade e grandeza do doente,
assim como ele próprio o estaria a fazer. Convertendo-se num objecto do qual se desfaz
quando, e sublinho, aparentemente já não tem utilidade.
Assim, a forma como os problemas são superados só dignifica a pessoa e a faz
valorizar a dádiva que possui e a identificar quem são as pessoas que o reconhecem
como ser imprescindível. A morte não soluciona a doença que é a vida.
Não existem, portanto, casos perdidos. No entanto, a eutanásia é defendida por
ser, teoricamente, a última opção possível em situações terminais. Será, assim, praticada
apenas em situações em que mais nada há a fazer para aliviar o sofrimento do paciente.
Situações em que a “esperança” já não vive.
O carinho, o amor, a amizade oferecida por todos aqueles que nos amam ajuda
sempre a superar a maioria dos obstáculos que a vida nos coloca no caminho e há que
enfrentar. É este um apoio psicológico necessário que auxilia qualquer pessoa. Nem
sempre isso basta, é verdade! E outros métodos há que aliviam a dor física. Falo do uso
correcto de analgésicos ou calmantes. Pode ser que o uso destes fármacos tenha como
efeitos colaterais a aproximação da morte, ou até da perda de consciência. Neste ponto o
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, analisando o seu relatório, é de
parecer que, e passo a citar, “é ética a aplicação de medicamentos destinados a aliviar a
dor do paciente, ainda que possa ter, como efeito secundário, redução do tempo útil de
vida, atitude essa que não pode ser considerada eutanásia”. Deixar claro que não se está
a matar o doente por meio de fármacos para aliviar o seu sofrimento, mas sim a aliviar o
seu sofrimento por meio de remédios adequados, ainda que correndo o risco de que a
morte se aproxime mais velozmente.
Havendo sempre estas soluções médicas concluímos que nunca haverá uma
“última opção”, não existindo, por isso, lugar à eutanásia.
Concluindo a nossa exposição, quando se fala eutanásia pensa-se imediatamente
na vontade do doente em morrer, no direito do próprio em por termo à sua vida. No
respeito da vontade última de um doente decidir sobre se deve por temo à sua vida, no
seu direito em decidir sobre a sua autodeterminação em nome da liberdade. Sempre
houve doentes e incapacitados, a diferença é que eram considerados, actualmente são
um estorvo: abandonados a viver com a sua dor na solidão. O suicídio sempre foi uma
opção, no entanto, nas sociedades contemporâneas fala-se da eutanásia.
Pois bem, nos países em que a eutanásia está legalizada liga-se a eutanásia a
critérios de utilidade económica tal como se eliminam sapatos ou outros objectos
avaliando a utilidade que ainda possam vir a ter. O que é grave é que esta ideia não
existe na cabeça dos deficientes e doentes terminais mas na daqueles que estão
convencidos que viverão muitos anos e se acham no direito de construir uma sociedade
pautada por regras que lhes parecem perfeitas, ideias essas contrarias às da natureza
emancipadas de qualquer critério que não seja o bem-estar. Mata-se por decreto pois
ultrapassa-se a vontade daquele que pretende acabar com a sua existência, passando esta
decisão para o seu representante legal ou colectivo de juízes que decide a sua morte. As
circunstâncias de decisão tomam-se por parte de outro que não o próprio, argumentando
que tal opção foi iniciativa da vítima não se apoiando contudo, na maioria dos casos, em
depoimentos ou documentos autenticados por este.
Assim, não seria já a pessoa a escolher o seu destino de querer viver ou morrer e,
tal como sucede na Holanda, a decisão passará para os médicos, familiares e até
parlamentos que decidem se acabar ou não com a vida de uma pessoa pesando a sua
utilidade como se avaliassem um qualquer objecto, ditando a morte de um ser humano
por factores materialistas, vendo-se livre desse fardo. Aproveita-se a extrema debilidade
física e emocional de um doente tentando persuadi-los das vantagens de uma boa morte
a fim de evitar um acompanhamento correcto no apoio a não desistir e viver com
dignidade.
Podemos assim concluir que desaparece a liberdade de escolher o próprio
destino, desvanece o direito à autodeterminação e transformam-se as pessoas em
objectos à mercê de interesses económicos e falsos critérios de utilidade social.

Nota: esta é a versão escrita que serviu de suporte ao vídeo gravado em formato
DVD. Um ensaio argumentativo de Mário Matos, João Pereira e Ana Sofia

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