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14/04/2008
Central Destino de Produção Cap. 30
Inspirada no original de
Janete Clair
Colaboração de
Eduardo Secco
Escrita por
Walter de Azevedo
Likem Queiróz
Direção
Claudio Boeckel e Marco Rodrigo
Direção Geral
Luiz Fernando Carvalho
Núcleo
Luiz Fernando Carvalho
Personagens deste capítulo
Atenção
“ Este texto é de propriedade intelectual exclusiva da TV DESTINO LTDA e por conter informações confidenciais, não
poderá ser copiado, cedido, vendido ou divulgado de qualquer forma e por qualquer meio, sem o prévio e expresso
consentimento da mesma.No caso de violação do sigilo, a parte infratora estará sujeita às penalidades previstas em
lei e/ou contrato.”
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 30 Pag.: 2
PEDRO — Não. Não sei. (p) É que a senhora nem me conhece direito e já me dá
um beijo. Um beijo com todo o respeito, é claro.
BÁRBARA — É claro.
BÁRBARA — Que coisas? Beijar?! Vocês não beijam ninguém aqui em Divinéia?!
Mas então deve ser muito chato viver aqui.
BÁRBARA — Eu sei. Entendi o que você quis dizer. Mas eu sou assim mesmo,
Pedro. Sou expansiva, efusiva. E você mereceu esse beijo de
agradecimento.
PEDRO — Claro.
PEDRO SAI DO JEEP E AJUDA BÁRBARA A DESCER. COMO ESTÁ MACHUCADA, ELA
VAI SE APOIANDO NELE, ABRAÇADA. CORTE PARA CHICA, PARADA À DISTÂNCIA E
VENDO TUDO. ESTÁ FURIOSA.
CHICA — Mas óia só que sujeitinha sem vergonha! Oferecida! Loira azeda dos
inferno! (p) E dá só uma espiada na cara de bocó do ôtro! Só tá fartando
babá em cima dela!
CHICA — Mas se eles acha que isso vai ficá assim, tão é muito do enganado!
Inté parece que Chica Martins nasceu pra leva chifre! Tá pra nascê o
hómi que vai fazê uma coisa dessa!
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 30 Pag.: 3
CORTA PARA
BÁRBARA — Pessoas, eu só torci o pé. Não é pra ficar me paparicando desse jeito.
RITA — Já vorto.
RITA SAI.
DIOGO — Você não quer que eu te leve a outro médico? Deve ter uma cidade
maior aqui por perto. Pedro, qual é a cidade mais próxima?
PEDRO — É Araguaiana.
praticamente impossível para essa loira que vos fala, que vai ficar tudo
bem.
BÁRBARA — Ele me atendeu muito bem. E o Pedro foi um amor de ter ido até lá
comigo e ainda esperado pra me trazer de volta.
PEDRO — Num fiz nada demais. (p) Agora, se ocês me derem licença, eu tenho
que cuidar da vida.
BÁRBARA — De jeito nenhum! Você vai ficar aqui e tomar um lanche com a gente.
BÁRBARA — Eu faço.
CORTA PARA
HEITOR — Você é a última pessoa que eu esperava encontrar por aqui, Chica
Martins.
HEITOR RI.
CHICA — E ocê queria o quê? Que eu tivesse virado uma corderinha que fala
amém pra tudo?
HEITOR — O que eu queria mesmo, era que você tivesse encontrado um outro
caminhoneiro qualquer e sumido de vez por esse mundo.
CHICA FICA SEM SABER O QUE DIZER. HEITOR, DE CERTA FORMA, TEM O PODER DE
INTIMIDÁ-LA, APESAR DE ELA FAZER DE TUDO PARA NÃO DEMONSTRAR.
CHICA — Num é tudo que a gente qué nessa vida, que consegue, Heitor
Gonzaga. Nem mesmo ocê.
HEITOR — Isso é o que você pensa, menina. (p) O que você quer aqui na minha
fazenda?
CHICA — É.
LUCENA — Chica, ocê sabe que aqui é o lugar de trabalho do Pedro, e que...
HEITOR — Deixa, Lucena. Hoje é domingo. É dia de descanso. (p) Você pode ir
procurar o seu namorado, Chica Martins. (p) Eu deixo.
CHICA — Eu vô embora que ganho mais. Num me fartava mais nada nessa
minha vida. Tê que agüenta Heitor Gonzaga!
HEITOR — Essa moça é abusada demais. Sabe que eu me divirto com o jeito
dela? Adoro ficar provocando até ela explodir.
LUCENA — Chica num costuma aparecê por aqui. Quase nunca vem procurá
Pedro. Deve de tê acontecido arguma coisa.
HEITOR — Lucena, se é ou não importante, pra mim não faz a menor diferença.
Tenho muita coisa na minha cabeça pra perder meu tempo pensando em
Chica Martins. Toca em frente.
CORTA PARA
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 30 Pag.: 6
ANDRÉ — É assim que vai ser daqui pra frente. O senhor aqui e eu bem longe.
Vou esquecer que tive um pai. (p) Vou esquecer que tive o senhor como
pai, até porque, nunca foi. Meu pai é o Pedro! Ele que cuidou de mim!
JULIANO — Ocê faça isso! Faça isso e num me apareça mais por aqui! Na minha
vida num têm mais lugar pra essas coisa.
ANDRÉ — Essas “coisas” sou eu. É isso mesmo que eu sempre fui pro senhor!
Não se preocupe. O senhor nunca mais vai olhar pra minha cara, Beato
Juliano! Nunca mais!
ANDRÉ SAI E PASSA POR BRISA, QUE ESTÁ SURPRESA COM A BRIGA.
ELE PASSA POR ELA E VAI EMBORA. BRISA CORRE ATÉ O CASEBRE, DE ONDE
JULIANO OBSERVA O FILHO IR EMBORA.
BRISA — Beato, mas que doidêra é essa? Por que o André saiu daqui brabo
desse jeito?
JULIANO — Vai atrás dele, Brisa. André tá nervoso. Conversa com ele.
BRISA — Eu?!
JULIANO — É. André tá precisando de um ombro pra desabafá. Vai atrás dele. Faz
isso por mim.
JULIANO — Me faça mais um favor. (p) Num falá pra ele que eu lhe mandei. Num
quero que ele saiba.
CORTA PARA
GAVETA, APANHA UMA VELA E A ACENDE EM CIMA DE UMA PEQUENA MESA QUE
FICA DEFRONTE À GRAVURA, DEPOIS AJOELHA-SE.
JULIANO — Me perdôa, meu pai. (p) Eu sei que vivo pedindo isso. Conheço os
meus erro e também sei que esse talvez tenha sido quase tão ruim quanto
o outro. (p) Eu nunca quis fazê o meu André sofrê. Foi por isso que esses
anos todo eu fiquei longe, fiquei distante dele. (p) Acalma o coração do
meu menino. Faz... Faz com que ele esqueça de mim. Faz ele vivê a vida
dele. Faz ele sê feliz. Só num deixa ele sabê. Ele num merece sofrê ainda
mais. Que seja eu que carregue essa dor e não ele. Dá o sofrimento do
meu filho pra mim. Pra mim.
CORTA PARA
RITA — Dá licença?
RITA — Só pra avisá que tá quase tudo pronto. Se ocês quisé já pode ir pra
sala de jantar pra eu servi a merenda.
DIOGO — Eu ajudo.
BÁRBARA OLHA ESPANTADA PARA O PAI E SORRI. ELE RETRIBUI. CLOSE NO ROSTO
DE PEDRO, QUE MOSTRA NÃO TER GOSTADO DA CHEGADA DE HEITOR, E NO DE
PREOCUPAÇÃO DE EDUARDA.
CORTA PARA
Sonoplastia: “TREM DAS SETE” – RAUL SEIXAS. TOMADA AÉREA DAS MONTANHAS
MOSTRANDO O TREM CRUZANDO A PLANICE E SOLTANDO SUA FUMAÇA BRANCA.
O GADO CORRE, ASSUSTADO COM O BARULHO. ALGUMAS MULHERES E CRIANÇAS
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 30 Pag.: 8
CORTA PARA
ESTRADA — Claro.
FRIDA — Peça para a sua mãe vir até o hospital. Diga que eu preciso muito falar
com ela.
ESTRADA — Acho que sim. Nunca vi dona Frida com essa cara. (p) Vamo pra casa.
Tenho que dá o recado pra mãe.
CORTA PARA
BÁRBARA — Pai, eu queria fazer uma daquelas cenas bem bregas em que a
mocinha sai correndo e gritando :”Papai! Papai!”. Acontece que o meu
pé não deixa.
BÁRBARA — Pode ficar tranquilo, Dr Heitor. A sua filha está inteira. Já fui ao
médico e ele falou que foi só uma torção.
HEITOR — Talvez seja melhor nós irmos até Cuiabá. Eu mando preparar o avião
e logo nós estamos lá.
BÁRBARA — Não precisa, pai. Eu tô bem. Foi mais o susto mesmo. Aliás, o Pedro
foi um herói. Pegou o cavalo dele e sai correndo atrás de mim.
HEITOR — O Pedro?
BÁRBARA — E na hora que o senhor chegou nós estávamos indo tomar um lanche
pra comemorar a permanência da loira maravilhosa aqui, nesse mundo
tão sem graça.
BÁRBARA — Absoluta.
HEITOR — Então... Vamos ao lanche porque eu também estou com fome por
causa da viagem.
PEDRO — É melhor não. Eu tenho umas coisa pra fazê em casa. Fica pra uma
próxima vez.
HEITOR — Deixa ele, Bárbara. Não ouviu o rapaz falando que tem coisa pra
fazer?
PEDRO SAI.
CORTA PARA
PEDRO — O que esse peste desse homem veio fazê aqui? Devia de tê ficado lá
pra São Paulo. Mais um pra arreliá a minha vida! Mais um!
CORTA PARA
ELE PARA E OLHA PARA TRÁS E ASSIM ELA CONSEGUE CHEGAR ATÉ ANDRÉ. ESTÁ
CANSADA.
ANDRÉ — Aconteceu alguma coisa? Por que você estava atrás de mim?
BRISA — Isso sô eu que lhe pergunto. Ocê saiu desembestado da casa de seu
pai. Ocês brigaram, foi?
ANDRÉ — É. Brigamos sim. Você conhece o beato Juliano, Brisa. É teimoso que
nem uma mula. Empacado! E parece que tá ainda pior! (p) Eu fui até lá
pra ter uma conversa com ele, tentar resolver as pendências que nós
temos, mas como sempre, as coisas acabaram seguindo por outro rumo.
(p) Mas isso é problema que eu mesmo tenho que resolver. Deixa pra lá.
BRISA — André, eu quero ajudá ocê. Conversa comigo. Quem sabe eu num
posso fazê arguma coisa? (p) A gente se conhece há tanto tempo, num é?
Pode confiá em mim.
ANDRÉ — Eu confio em você, Brisa. É melhor a gente ir pro carro. Você ainda
tá cansada de correr atrás de mim. Lá a gente conversa melhor.
CORTA PARA
CORTA PARA
ZÉ MARTINS ENTRA.
ZÉ MARTINS — Pára já com isso, Chica Martins! Vai acaba com a casa toda!
ZÉ MARTINS — Então ocê dê com a cabeça na parede pra vê quar das duas quebra
primeiro.
CHICA — Pai!
ZÉ MARTINS — Me dá o abajur.
ZÉ MARTINS — Pra uma filha que tá querendo quebrá a casa toda, é sim! (p) Será que
ocê póde se acarmá e me dizê o que foi que aconteceu pra lhe deixá
arreliada desse jeito?
CHICA SE SENTA.
ZÉ MARTINS — Quem é o peão sonso mais o véio mau caráter que ocê tava falano?
CHICA — É uma safada, sem vergonha, que tava agarrano o Pedro! O peão
sonso!
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 30 Pag.: 13
CHICA — Não.
ZÉ MARTINS — Tô lhe desconhecendo, Chica. Não que eu ache que ocê devia de bate
na moça, mas do jeito que ocê é.
ZÉ MARTINS SE SENTA.
ZÉ MARTINS — Mas o que será que esse peste veio fazê aqui?
CHICA — Num é de hoje que tão falano que ele ia passa uns tempo aqui por
Divinéia. Pois é. O hóme chegô.
ZÉ MARTINS — É. Toda vez que esse aí aparece por aqui, acontece um monte de coisa
ruim. Boa coisa ele num veio fazê.
CORTA PARA
ANDRÉ — Brisa, tudo o que eu mais quero é ser amigo do meu pai. Recuperar o
tempo que nós perdemos no passado. Mas ele não deixa, parece que não
quer que a gente se aproxime. (p) Eu sei que somos pessoas diferentes, e
que eu passei muito tempo afastado, só que agora eu estou disposto a
assumir o papel de filho, só que pra isso ele tem que se permitir ser meu
pai, o que não acontece. Nunca aconteceu! E pra completar, ele sente um
carinho muito grande pelo Pedro, um carinho que ele nunca sentiu por
mim. É como se eu fosse o filho adotado, e Pedro fosse o filho dele de
verdade. Não tô querendo culpar o Pedro por isso, mas a verdade é que
eu não consigo mesmo entender.
ANDRÉ — Um pouco?!
BRISA SORRI.
BRISA — Tá certo. Ele é muito cabeça dura, mas no fim acaba cedendo, é só ter
um pouquinho de calma. A verdade é que ele num tava esperano ocê
aparecê por aqui. Nem ele e nem ninguém. De repente ocê chega e tudo
vira de cabeça pra baixo.
BRISA — E nem eu tô falano que fêz. O que eu tô dizeno é que ocê chega, ele
toma aquela surra. É muita coisa aconteceno ao mesmo tempo. Beato já
tem aquele jeitão. É muita coisa pra cabeça dele. (p) Me escuta, André.
Tá tudo muito fresco, muito novo. Daqui a um tempo ocês vão consegui
se entendê. Eu tenho certeza disso. Agora, o que num póde é ocê também
fica bateno de frente com ele o tempo todo. Aí a coisa complica!
BRISA — Não?
BRISA — Ocê fala de mim, mas eu tenho certeza que também continua sendo o
mesmo bom moço de sempre. Com o coração do tamanho do mundo.
ANDRÉ — Sabe que voltar pra Divinéia, rever a cidade, rever você. Tudo isso me
fez ver como eu gostava da vida que levava. (p) Foi uma das melhores
épocas da minha vida. A gente só dá mesmo valor às coisas depois que
elas vão embora.
ANDRÉ — Você é uma pessoa muito especial, Brisa. É muito bom saber que eu
ainda posso contar com a sua amizade.
ANDRÉ — Brisa, nem vi o tempo passando. Preciso voltar pra fazenda. Quer que
eu te deixe em casa?
BRISA — Não. Eu tava ino vê o seu pai. Acho que ainda vô dá uma passada lá.
ANDRÉ VAI ATÉ O CARRO, ENTRA, ACENA E DEPOIS VAI EMBORA. BRISA
ACOMPANHA TUDO. DEPOIS QUE O RAPAZ SAI, O SORRISO DESAPARECE DE SEU
ROSTO.
BRISA — Brisa, sua besta! Quando é que ocê vai tomá coragem e dizê que ainda
gosta dele? Quando?
CORTA PARA
DONANA — Padre, o senhor pode passá a semana intêra com esse falatório pra
cima de mim que num vai adiantá de nada.
DONANA — Num têm mais, Padre. Num têm mais. Num adianta que eu num vô
concordá com o que aquela lá tá quereno. Num vô. Num tá certo ela
chegá e querê manda em tudo.
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 30 Pag.: 17
PADRE LUÍS — Mas o projeto dela não é ruim. Têm muitas coisas boas.
DONANA — Pode tê. Num tô duvidano. O poblema é que ela qué manda. Qué bota
o bedelho em tudo e isso num é certo. Num é certo com nenhuma das
muié que a vida intêra ajudaram na quermesse enquanto a baronesa lá
ficava com a bun...
DONANA — Padre, será que o senhor num vê que aquela cobra surucucu só tá
quereno aparecê? Ela num tá nem aí pra Santa! O que aquela lá qué é
aparecê! Aparecê e arreliá eu, Chica, Brisa, Nara, Dona Frida e todo
mundo que sempre colocô a mão na massa.
PADRE LUÍS — Donana, eu peço que a senhora use de seu bom senso. Sabe com a
dona Hilda é. Daqui a pouco ela esquece isso. Vamos deixar as coisas do
jeito que estão. Aposto que na semana que vem ela nem se lembra mais
dessa quermesse.
HILDA ENTRA.
HILDA — Eu mesma. Quer dizer que o senhor acha que eu vou me esquecer da
quermesse?
HILDA — Foi sim! Eu posso ser velha, mas ainda ouço muito bem. Além de
esclerosada, me chama de surda. Abusado!
HILDA — Então quer dizer que a parteira velha já veio até a igreja pra ficar
fazendo fofoquinha? Pra ficar jogando o padre contra mim?
DONANA — E desde quando arguém precisa de fazê isso? Como se as pessoa num
lhe conhecesse.
PADRE — Senhoras...
DONANA — Eu vim aqui só pra alertá o Padre que essas mudança aí que ocê tá
fazeno, vão é transforma a quermesse numa bela duma porcaria!
HILDA — De você!
HILDA CHEGA BEM PERTO DE DONANA. CONVERSAM OLHANDO NOS OLHOS UMA
DA OUTRA. DURANTE O DIÁLOGO, PADRE LUÍS É INTERROMPIDO VÁRIAS VEZES,
MAS NUNCA CONSEGUE FALAR.
HILDA — Escute aqui, sua... Piolhenta! Se você pensa que vai acabar com a
minha quermesse, está muito enganada!
DONANA — Minha? Minha quermesse! Mas óia só a bestice dessa daí! Minha
quermesse. Como se a festa fosse pra ela e não pra Santa!
HILDA — Pode ir tirando o seu cavalinho da chuva, porque a quermesse vai ser
exatamente como eu quero, e ninguém vai meter o nariz!
DONANA — Isso é o que ocê pensa! Só uma véia muito abilolada que nem ocê pra
acha que ia fazê o que quisesse e que eu ia ficá com os braço cruzado,
olhano sem fazê nada!
DONANA — Tudo isso só pra dispois falá que a barraca dela foi a que vendeu
mais! Que coisa mais feia! Devia inté de tê vergonha duma coisa dessa!
Imagina! Usa a festa da Santa, uma coisa tão importante, tão bonita, só
pra se aparecê!
HILDA — Mas era só isso que me faltava. Parteira, você acha mesmo que pode
comigo? (pausa) Será que mesmo depois de tantos anos, você não
conseguiu ver o seu lugar? (p) Essas roupinhas que você usa, por
exemplo. Se é que nós podemos chamar isso de roupa.
PADRE LUÍS COMEÇA A FICAR CHOCADO COM AS COISAS QUE HILDA PASSA A
FALAR, MAS DONANA CONTINUA TRANQUILA, NÃO SE IMPORTANDO COM O QUE
OUVE.
HILDA — Não paro! Não paro porque ela precisa ouvir. Alguém precisa trazer
essa mulher de volta à realidade! Precisa fazer com que ela veja quem é.
Ou seja, precisa fazer com que ela veja que não é nada! Absolutamente
nada! (p) Olha só. Uma matuta. Não fala direito, não se comporta direito.
Não deve nem saber comer. Você usa talheres? Acho que não. Deve
comer com a mão.
DONANA — Deixa, Padre. Deixa ela falá. (p) Acabô? Terminô de sortá o veneno?
HILDA SORRI
DONANA — Não vai mais perdê. (p) Eu posso sê tudo isso aí que ocê falô. Minhas
roupa pode parecê uns farrapo. Eu posso num sabe me comportá nos
lugar chique que nem ocê. Muitas vez eu como memo com as mão. Só
que essas mão aqui serve pra muita coisa. Serve pra ajudá os ôtro. Serve
pra trazê as criança pro mundo. Serve pra ajudá a vida a nasce.
DONANA — Fazia tempo que ocê tava mereceno e procurano isso. Quem sabe de
agora em diante ocê num pensa duas vez antes de abri essa boca imunda
pra falá dos ôtro. (p) Padre, o senhor me adescurpa por isso.
CORTA PARA
DONANA PARA, MAS NÃO OLHA PARA HILDA. A CAM MOSTRA QUE ELA SORRI.
HILDA — Se você pensa que isso vai ficar assim, você está muito enganada!
Ninguém bate na cara de Hilda Maria Gonzaga! Ninguém!
DONANA — Há, sei. Seu muito bem das mardade que ocê é capaz de fazê. Eu
posso se velha como ocê disse, mas a memória ainda tá boa.
AS DUAS ESTÃO PRÓXIMAS E DONANA FALA BAIXO, PARA QUE APENAS HILDA
OUÇA.
DONANA — Eu me alembro muito bem do que ocê mandô fazê há quase trinta
anos atrás.
DONANA — Eu fico olhano pra essa sua cara nojenta e me pergunto como é que
ocê consegue se olha todo dia no espelho. Ocê num tem vergonha, não?
DONANA — Cala a boca. Cala a boca antes que eu perca a cabeça de novo e lhe dê
outro tapa. (p) Como é que uma pessoa que faz o que ocê faz tem
coragem de entrá numa igreja e querê fazê uma festa pra Santa? Ocê num
devia nem de passá aqui na porta. Vô lhe dizê uma coisa. Escuta bem. A
Santa não qué gente que nem ocê por perto dela. Ocê é má. Ocê num
presta. Ocê é tudo contrário do que a nossa santinha é. (p) Ela num
merece que ocê coloque essas suas mão suja na festa dela.
HILDA ESTÁ PERPLEXA E SURPRESA. SEM SABER O QUE DIZER. DONANA SE VIRA E
CAMINHA EM DIREÇÃO À PORTA. HILDA PARECE SE RECUPERAR.
HILDA — Eu não vou dar ouvidos ao que você está dizendo, velha! Não vou!
HILDA — Posso! Posso e quero ver quem é que vai me impedir! Ouviu bem,
Donana? Eu não quero você, nem Chica, nem Brisa e nenhuma outra
descamisada miserável como você na minha quermesse! E se alguma
aparecer, eu mando colocar pra fora! Entendeu, bem? Eu boto pra fora!
DONANA — Ocê pode ficá tranqüila que nenhuma de nóis vai aparecê.
DONANA — Eu vô fazê uma festa pra Santa como nunca se viu aqui em Divinéia.
Vô junta tanta gente, mas tanta gente, que vão lembrá dela daqui a um
monte de tempo. Mas num vai se a festa que essa aí qué fazê. Só que vai
sê no mêmo dia. Na mêma hora.
DONANA — Ocê sabe que eu faço. Sabe que eu vô fazê. Aí nóis vamo vê que festa
a Santa prefere. Que festa que vai tê mais gente. (p) Qual vai sê a festa
da Santa de verdade.
DONANA — Num tenho medo de fogo. (p) Também num tenho medo de capanga,
Hilda Maria. As mesma mão que deram na sua cara foram as que
colocaro eles tudo no mundo. Quero vê qual deles vai tê coragem de
acabá comigo.
PADRE — Dona Hilda, por favor, esqueça isso tudo que aconteceu. Nós estamos
dentro de uma Igreja. Essa história toda não tem o menor cabimento.
PADRE — A senhora.
HILDA — Padre!
PADRE LUÍS HESITA UM POUCO, MAS DEPOIS SAI. DONANA SENTA EM UM DOS
BANCOS, PROCURANDO SE RECUPERAR. LÁGRIMAS DE ÓDIO ROLAM POR SUA
FACE.
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 30 Pag.: 23
HILDA — Velha desgraçada! Maldita! Você vai me pagar por isso! Eu devia ter
acabado com você há muito tempo. Naquela época. (p) Mas não faz mal.
Nós sempre podemos terminar o que deixamos pela metade. Sempre!
CORTA PARA
DONANA SAI DA IGREJA, MAS PARECE NÃO SE SENTIR BEM. ESTÁ ABALADA COM A
BRIGA. IVONE E ESTRADA DE FERRO VEM ANDANDO E PERCEBEM. CORREM ATÉ
LÁ PARA AMPARÁ-LA.
IVONE — Me ajuda aqui, Estrada. Vamo levá ela inté o banco da praça.
ESTRADA SAI.
IVONE — O que foi que aconteceu, Donana? Me fala o que a senhora tá sentino.
IVONE — Achei que a senhora ia caí quando lhe vi. Tá branca que nem papel.
Inda bem que Estrada me deu o recado de dona Frida e eu tava passano
por aqui.
DONANA — Tomara que num seja o que eu tô pensano. (p) Tomara que ninguém
mais tenha...
DONANA PARA DE FALAR, MAS IVONE ENTENDE QUE O MEDO DELA É DE QUE
MAIS ALGUÉM TENHA MORRIDO NA EPIDEMIA.
CORTA PARA
LEONOR — Amanhã eu explico tudo com calma. (p) Não sei. Eu ainda não sei o
que fazer. (p) Eu espero que sim. Obrigada, Carmem.
LEONOR — Não. (p) Mais ou menos. Era uma colega minha de trabalho. Queria
saber do Vinícius.
LEONOR SE SENTA.
LEONOR — Eu sei que não, mas eu queria ficar ao lado dele. Meu filho precisa de
mim, Arthur. Precisa como nunca precisou antes.
LEONOR — Não. Tirei há dois meses. Mesmo que eu tire uma licença, não sei por
quanto tempo o Vinícius vai ficar assim.
LEONOR — Como é?
LEONOR — E vou viver de quê? Eu não sou rica como você, Arthur. Preciso
trabalhar pra sobreviver. Tenho conta pra pagar.
ARTHUR — Eu sustento vocês, ué. Tenho dinheiro. Também acho que agora é
hora de você ficar do lado dele.
LEONOR — Eu não vou nem responder, Arthur. Você sabe a minha opinião...
ARTHUR — As coisas mudaram, Leonor. Não adianta ocê ficá querendo enfrentar
isso tudo sozinha. (p) Isso que tá acontecendo com a gente vai mudar as
nossas vidas. Tá na hora de a gente botá uma pedra no que passou e
tentar viver daqui pra frente. (p) O Vinícius precisa de você ao lado dele.
Não vai faltar nada pra vocês.
LEONOR — Arthur, eu não aceito. Sei que você tá com as melhores intenções, mas
a minha resposta é não. (p) Eu vou dar um jeito.
ARTHUR LEVANTA E VAI ATÉ O FILHO. PASSA A MÃO PELOS CABELOS DELE.
ARTHUR — Ocê fica tranquilo, meu filho. O pai vai dá um jeito de ocê ficá do
meu lado.
CORTA PARA
HILDA — Saia da minha frente, Mundica! Saia da minha frente ou eu, hoje,
mato você! E eu não estou brincando.
HILDA — Eu já disse que hoje não! Vou pro escritório e não quero ser
incomodada por ninguém!
CORTA PARA
HILDA — Essa velha vai aprender! Nunca mais vai fazer o que fez! Ah, Donana,
você não deveria ter me provocado.
HILDA — Você diz que nenhum capanga vai ter coragem de lhe matar? Isso é o
que nós vamos ver!
FIM DO CAPÍTULO