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Serviços educativos:

A
vitalidade e o potencial trans- na formação integral dos indivíduos ao lon-
formador das sociedades mede- go de toda a vida e expande, de forma extre-

espaços de negociação se (entre outras coisas) pela sua


capacidade criativa, e neste sen-
mamente positiva, o papel e contributo das
instituições culturais e artísticas (museus,
na arena cultural tido, não só pelas expressões e produtos
da criatividade artística mas também pela
teatros, auditórios, bibliotecas) enquanto
plataformas de formação, participação e
diversidade de plataformas e espaços de debate criativo abertas a todos e, portanto,
promoção do pensamento criativo e crítico com uma crucial função social e educativa a
que estas mesmas sociedades são capazes cumprir na sociedade contemporânea.
de gerar e manter em funcionamento.
Esta progressiva transição de paradigmas
: opinião As instituições culturais são elementos tem importantes implicações no posiciona-
Susana Gomes da Silva fundamentais para a construção das re- mento face ao Saber, Conhecimento e In-
Coordenadora sector de Educação e Animação Artística presentações e identidades das comunida- formação, colocando desafios importantes
Centro de Arte Moderna - Fundação Calouste Gulbenkian des e marcas importantes desta vitalidade à afirmação e manutenção da relevância
criativa, uma vez que têm a capacidade de das instituições culturais enquanto espa-
gerar, promover e reflectir a diversidade, o ços de educação não formal, numa acepção
potencial criativo, o dinamismo e a trans- alargada e flexível do conceito.
formação permanentes que caracterizam o
crescimento e evolução das sociedades. Uma das implicações com maior impacto
deste paradigm shift2 é a passagem de um
Em termos de paradigma de referência, nas discurso e uma prática assentes sobretudo
últimas décadas, temos vindo a caminhar (e apenas) no alargamento do acesso dos
da Sociedade da Informação para a Socie- indivíduos à informação (e no caso concre-
dade do Conhecimento e da Aprendizagem, to do tema deste artigo, às manifestações
e, mais recentemente, da Criatividade1. A culturais e criativas da sua sociedade), para
crescente associação da criatividade ao uma nova visão (a Sociedade do Conheci-
conhecimento reforça a importância e a mento) que assenta no reforço da respon-
transversalidade do pensamento criativo sabilidade individual e colectiva na utiliza-
1 Vejam-se a este respeito as conclusões do Congresso ção dessa mesma informação, promovendo
Mundial de Educação Artística realizado pela Unesco em uma atitude de participação activa, crítica e
2006, em Lisboa e, mais recentemente, o Encontro Nacional
de Educação artística realizado no Porto em Outubro de 2007,
onde o ano de 2009 foi declarado o Ano Internacional da 2 Lois Silverman (1995), “Visitor Meaning-Making in
Criatividade. www.educacao-artistica.gov.pt Museums for a New Age”, in Curator, 38/3, pp. 161-169

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alargada dos indivíduos e comunidades nos Os serviços educativos habitam os espaços Isso requer tanto um reconhecimento da O papel da acção educativa não é o de mera
espaços e manifestações de representação intermédios de ligação, mas são (ou deve- sua importância dentro das instituições tradução e descodificação das mensagens,
identitária e cultural existentes. Uma pers-riam ser) estruturais e orgânicos na sua li- (numa lógica de coerência e consistência em conceitos, experiências presentes na pro-
pectiva que desloca a atenção das institui- gação com a instituição e sua programação termos de missão e objectivos ao nível da gramação cultural de teatros e museus,
ções para as pessoas e dos conteúdos para como um todo. Deveriam funcionar como programação geral) como um conhecimento mas o da construção de redes partilhadas
os processos de construção e participação, plataformas, interfaces de comunicação próximo das comunidades a que se dirigem, de significados, zonas onde se encontram
reequacionando todas estas relações. uma vez que ocupam o espaço da media- de forma a promover a eficácia e consistên- os indivíduos, os objectos e as ideias e se
ção entre os objectos (materiais ou imate- cia da sua acção (dentro e fora de portas). desenham e negoceiam sentidos para o
Para além disso, enquanto instrumentos riais) e os sujeitos, entre as instituições e mundo que nos rodeia. Nesse sentido os
para a criação de espaços democráticos e os indivíduos, entre as ideias dos criadores/ Numa sociedade intercultural as zonas de serviços educativos ajudam a construir
inclusivos de acesso, construção e debate produtores e as ideias dos fruidores/consu- maior vitalidade e transformação situam- pontes importantes para dois factores fun-
do saber, as instituições e projectos cul- midores e neste sentido não podem cum- se nos pontos de contacto entre fronteiras: damentais à vitalidade e qualidade da vida
turais cumprem ainda a dupla função de prir meramente uma função tradicional de espaços de hibridismo e diversidade cultu- cultural e artística de qualquer comunida-
responder às exigências de lazer e fruição transmissão/reprodução de saberes. ral. Todos os indivíduos são público-alvo, de - a relevância e a participação.
da sociedade de consumo contemporânea. todos os públicos são plurais, toda a acção
E é justamente nesta zona de cruzamento A sua razão de ser, a A excessiva focalização educativa implica plurivocalidade. A Sociedade do Conhecimento e da
entre o lazer e a aprendizagem que residem sua relevância, decorre na “formação dos Criatividade exige maiores responsa-
alguns dos espaços mais promissores para justamente da sua res- públicos do futuro” tem A excessiva focalização na “formação dos bilidades aos seus cidadãos ao assumir
o desenvolvimento de novos modelos de ponsabilidade no dese-
conduzido muitas vezes públicos do futuro” tem conduzido mui- que todos os indivíduos são agentes
actuação, o que coloca às instituições cul- nho e desenvolvimento tas vezes à desvalorização dos públicos do activos da sua própria construção de
à desvalorização dos
turais novos desafios e abre oportunidades de espaços de encontro presente e, consequentemente, à perda de conhecimento.“Saber é participar” e nes-
para o desenvolvimento de novas estraté- que enriqueçam e pro-
públicos do presente oportunidades de construir relações mais te sentido “conhecimento e identidade
gias de relacionamento com os públicos/ longuem a programação plurais e inclusivas. Tal como a excessiva social estão estreitamente interligados”
consumidores (reais e potenciais), repen- cultural das instituições em que se situam, escolarização das iniciativas e programas 3
. Os serviços educativos são, a meu ver,
sando e redesenhando os espaços e as for- diversificando abordagens, promovendo educativos de museus, teatros e auditórios, essenciais na promoção desta consciên-
mas para este encontro, um dos territórios, reflexões e debate, desenhando estratégias tem reforçado a aproximação tradicional à cia enquanto espaços de negociação e
por excelência, dos serviços educativos. e ferramentas para uma fruição mais in- ideia de missão educativa, e associado de discussão participada, e, neste sentido,
formada, contribuindo para a construção forma demasiado directa estes serviços à permitem a fundamental expansão da
Assiste-se hoje a uma proliferação dos ser- de experiências perduráveis no tempo e escola e às crianças e jovens numa linha arena cultural nas suas múltiplas ma-
viços e projectos educativos na maioria dos para o desenvolvimento do pensamento que não explora o seu potencial enquanto nifestações criativas, colocando-as ao
equipamentos culturais. Associados à ne- criativo. espaços de educação não formal nem cativa serviço de todos como instrumentos de
cessidade de formação de públicos, a maio- aqueles que se situam fora deste universo. reflexão, mudança e intervenção.
ria destes serviços/projectos é encarado É preciso, portanto, alargar as funções
de forma funcional e instrumental como que lhe são tradicionalmente atribuídas, Se a aprendizagem se faz ao longo de toda 3 Roschelle (1995), “Learning in Interactive Environments:
Prior Knowledge and New Experience”, in Public Institutions
aliados fundamentais na sua captação, na tornando-os mais flexíveis e ambiciosos a vida, os programas de serviço educativo for Personal Learning, ed. Falk, John H. and Dierking
justificação de números e investimentos nas abordagens e nos programas, suficien- deverão dirigir-se a todas as faixas etárias
feitos e na formação de novas e futuras temente capazes de promover a globalida- e proporcionar uma ampla gama de estra-
audiências. No entanto, embora nenhum de nas grandes premissas subjacentes aos tégias e actividades de forma a enquadrar
destes objectivos esteja fora da sua esfera desafios da contemporaneidade e a “loca- diferentes perfis e estilos de aprendizagem,
de acção, a excessiva instrumentalização lidade” nas acções, programas e relações diferentes expectativas e percursos, dife-
destes espaços limita o seu verdadeiro po- que desenvolvem para a realidade em que rentes agendas e motivações.
tencial, e em última análise, a sua verda- se inserem.
deira razão de ser.

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