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400 anos
No fim dos anos 1980 a mídia acreditou no fim da história, deixou-se embalar
num triunfalismo besta, entregou-se à inexorabilidade e infalibilidade do progresso
tecnológico e cruzou os braços à espera do fim da Era Gutenberg.
O que há de animador na reforma do Estadão (brevemente seguida pela da
Folha de S.Paulo) é a reversão das expectativas: a imprensa (ou, se preferirem, a mídia
impressa) está vivinha da silva. O portal de notícias também foi mexido, redesenhado,
mas o impacto maior aconteceu no segmento que os futurólogos fashion
consideravam em vias de extinção: o jornal impresso circulou com 502 mil exemplares
e gerou enorme repercussão; seu portal na web continuou semi-clandestino.
Este Estadão redesenhado é um convite à leitura. A reforma foi visual e
conceitual: ofereceu-se mais papel ao leitor, mais conteúdo, mais densidade – mais
jornal.
Quando a Folha seduziu-se pelo modelo do USA Today no início dos anos 1980,
imaginava fazer televisão no papel. Anos depois, a febre da internet levou nossa mídia
impressa a mimetizar o estilo web. Raros foram os veículos que resistiram à algaravia
digital.
O novo Estadão é um reencontro com a solidez e a efetividade de um veículo
que existe há mais de 400 anos. Os 400 anos mais importantes da história da
humanidade, testemunha imbatível das mais formidáveis mudanças tecnológicas,
culturais e políticas. A entrevista de Umberto Eco no caderno "Sabático" não foi
publicada casualmente, é uma tomada de posição. O jornal de Júlio Mesquita voltou a
ter os pés no chão e o coração tomado por ideais.
Lugar da concorrência
Jovens não gostam de ler em papel? Errado: jovens gostam do Facebook mas o
Facebook só funciona na web. Antes das "redes sociais" os jovens adoravam os cartões
da Hallmark & congêneres, serviam para dizer qualquer coisa. Jornais e revistas nunca
pensaram em substituir-se a estes postais. Agora, se jornais e revistas forem
suficientemente atraentes e capazes de estimular e distribuir o inigualável prazer de
ler, os jovens recorrerão a eles enquanto clicam o Facebook para atender necessidades
menos vitais.
Nesta primeira edição do novo-velho Estadão chamou a atenção o abandono
dos carnavalescos infográficos. O gesto contém uma mensagem inequívoca: uma
imagem não vale mil palavras como se apregoava bobamente. Vale o corolário: uma
palavra pode valer mil imagens – atabalhoadas, desconexas, sem contexto.
Há também uma mensagem política embutida na renovação do Estadão:
acabou a influência da Universidade de Navarra, do seu lobby e da sua poderosa rede
de consultorias e entidades. Em outras palavras: a Opus Dei continua na esfera
religiosa – que Deus a conserve lá! – mas foi alijada do comando do processo
jornalístico brasileiro como vinha acontecendo há mais de duas décadas.
O Estadão demarcou-se, individuou-se. Mostrou aos concorrentes que o
caminho da sobrevivência é a concorrência, a pluralidade de ofertas e não o
corporativismo homogeneizador. O adversário de um grande jornal é outro grande
jornal. E se os concorrentes compartilham das mesmas convicções, desatrelem-se,
disputem para ver quem se destaca. O Washington Post e o New York Times jamais
fizeram tabelinha durante o caso Watergate.
Duas opções
Convém lembrar, no entanto, que a primeira edição de um novo projeto
editorial serve apenas de balizamento, paradigma. A qualidade da edição inaugural do
novo Estadão não garante a sua sustentabilidade. Ficou claro que muitas matérias
foram elaboradas com esmero para a ocasião, o lustro festivo é perceptível. Nos
próximos dias será possível avaliar se o novo desenho e o novo conceito estão
amparados por uma estrutura jornalística capaz de produzir a mesma qualidade em
grande quantidade.
A elegância que se filtra do novo design tornará obrigatório novo padrão de
exigência no processo de seleção do material a ser publicado. Numa linda vitrine só
podem ser expostos bons produtos e para cada espaço vazio num jornal é preciso
dispor de, pelo menos, duas opções para preenchê-lo. Não há projeto gráfico que
resista ao fechamento "no tapa", sem possibilidade de escolha.
De qualquer forma, um avanço – o fim do jornal está adiado sine die Pelo
menos no Brasil.
***
No day after (segunda-feira, 15/3, págs. N-1, N-4, N-5), um tropeço e uma
advertência: a grande entrevista com o capo da telecom Oi, Luiz Eduardo Falco, foi
escrita dentro dos padrões acríticos e condescendentes dos antigos cadernos de
negócios (afinal os entrevistados são ou serão anunciantes).
Publicada em outro ambiente, mais politizado e atento, chamaria a atenção a
cândida constatação do entrevistado ao reconhecer que 49% do capital do grupo estão
nas mãos do governo. A Oi não é mais uma simples operadora de telefonia é um grupo
multimídia, dono de um portal de internet (o iG) prestes a qualificar-se para reproduzir
conteúdo da televisão por assinatura. Desconfiava-se, mas até agora ninguém ousou
afirmar que o governo é majoritário numa empresa privada de comunicação.