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Pedófilos padres

Gostaria de iniciar dizendo que o que aqui vai escrito é minha opinião pessoal, da qual não pretendo
convencer ninguém. E se alguém quiser me contradizer, ouvirei com a maior atenção, pois acredito que
qualquer crítica só me será útil. Adianto também que é um texto que não tem nada de religioso, pois sendo
eu tão novo na fé, não me atreveria a enveredar por esse caminho, pelo menos em um texto que estou
tornando público.

Não concordo com a classificação "padres pedófilos". Não existem padres pedófilos. Existem pedófilos
padres. Como também não existem "policiais bandidos". Existem bandidos policiais.

Policiais não se transformam em bandidos. O que acontece é que elementos que são bandidos decidem
entrar para a força policial, em busca da proteção que a farda propicia. Portanto são "bandidos policiais",
isto é, bandidos que se transformaram em policiais. Felizmente temos visto, nos últimos tempos, louváveis
esforços da polícia para excluir esses elementos, quando descobertos. Ideal seria melhorar a seleção, para
impedir que eles entrassem, mas, antes tarde do que nunca.

Da mesma forma, penso eu, padres não se transformam em pedófilos. Aqui penso que a seleção é ainda
menos rigorosa que no caso da polícia. Para mim existem pessoas com desvios sexuais que resolvem entrar
para os quadros religiosos, em busca da proteção que a batina poderia propiciar. Até acredito que alguns
procuram esse caminho na esperança de que sua doença acabe sendo sufocada e curada, ou pelo menos
sublimada, pela fé e pela entrega ao ministério. O que temos visto é que em muitos casos isso não
aconteceu. Para estes a cura só viria através de tratamento específico, orientado pela psicologia e pela
psiquiatra. Não incluo aqui a oração, por que acredito que isso eles já fazem, mas não lograram êxito. Por
favor, não estou querendo desmerecer todos os padres. Acredito que a maioria sujeita seu ministério e pauta
sua vida pelos dogmas e doutrinas da sua religião. Também sei que esse crime não é exclusividade desse
segmento. Mas restrinjo-me unicamente aos fatos noticiados nos últimos meses.

O que acontece é que aqueles instintos que seu portador tentou sufocar (no caso dos que o tentaram)
acabam por explodir, levando-o a cometer atos diametralmente opostos ao que se esperaria do seu posto.
Como pode um padre cometer crime tão grave como a pedofilia? Pelo pouco, quase nada, que entendo de
pecado, para mim esse é um pecado enorme. Sim, eu sei, sou um pecador também . . . Será que estou
errado? Não, para mim esses não são padres; são pedófilos que usam batina. Que Deus me perdoe pela
intransigência, mas não consigo ver as portas do céu se abrindo para uma pessoa dessas. Acho que ainda
tenho que orar muito.

A igreja deveria encaminhá-los para tratamento sim, mas afastando-os de seu quadro até que a cura ficasse
comprovada. Acobertar dá no que deu. Um comete pedofilia durante cerca de quarenta anos. Daria até
ensejo para humor negro: o sujeito poderia se "aposentar" por tempo de serviço. Outro executa cerca de 130
(cento e trinta !!!) casos de pedofilia, incluindo uma criança de 4 anos. Meu filho tem 4 anos. Talvez por
isso o tema tenha me incomodado tanto. Não, não é só isso. A coisa é monstruosa mesmo. Perdoar, sim,
frente a um arrependimento verdadeiro e possível. Acorbertar nunca. Negociar uma indenização, e achar
que tudo está resolvido, jamais. Dinheiro de igreja não é para isso. João Carlos de Almeida (Revista Época,
edição 192, 21/01/2002) teólogo e diretor da Faculdade Dehoniana, de Taubaté-SP, afirma: "É bom que
seja grande a repercussão dos casos. A experiência mostra que, quando não há exposição pública, o
religioso que cometeu o abuso não se emenda".

Não posso evitar essas perguntas. Quantos padres terão cometido pedofilia (ou outros crimes) a vida toda
durante todos esses séculos, tendo eles e suas vítimas morrido sem que jamais venham esses casos a serem
descobertos? Como podem esses padres passarem uma vida perpetrando penitências (10 ave-marias, 20
pai-nossos, 30 salve-rainhas . . .) e distribuindo perdões? E os fiéis que freqüentaram as igrejas deles, como
ficam? Terão fé bastante para suplantarem essa situação? E como ficam as obras sociais que a igreja
deveria fazer, frente à drenagem de tal volume de dinheiro gasto para acobertar, sim, acobertar, tais crimes?

Um membro (não me lembro qual) da igreja aqui no Brasil, na região Sul, comparou o caso com o de um
pai de um usuário de droga, que não o entregaria à polícia, mas o protegeria e procuraria tratá-lo. Não
concordo com a comparação. O pai está protegendo um filho gerado por ele, parte de si mesmo, e, no fundo
no fundo, resultado de seus próprios erros. Além do mais o viciado está, pelo menos na maioria dos casos,
prejudicando unicamente a si e sua família, que o gerou. O padre criminoso não é filho da (não foi gerado
pela) igreja, e nem é o resultado de seus erros. E não está prejudicando apenas a si e sua família. Para mim
a comparação é mais uma tentativa de escamoteamento do crime, mero corporativismo, coisa incompatível
com uma igreja.

Após passada a ditadura no Brasil, alguns oficiais tiveram o desplante de dizer que a entidade Exército não
poderia ser responsabilizada pelos atos de tortura, pois foram realizados por pessoas. Ora, não existe
entidade sem as pessoas. Não existe Exército sem as pessoas. Não existe Igreja sem as pessoas. A entidade
é responsável sim. Contra quem você entra com uma ação na justiça trabalhista quando não recebe o que é
devido? Não é contra o gerente de RH, mas contra a empresa. Contra quem você entra com uma ação
quando seu carro cai no buraco? Não é contra o prefeito, é contra a prefeitura.

Assim como a corporação é responsável pelos atos de seus maus policiais, a igreja católica na sua mais alta
administração tem que ser vista como responsável, embora não culpada, por esses atos tão terríveis, e
excluir aqueles que os cometeram, ou o problema nunca se resolverá.

Também tentar associar o problema da pedofilia debaixo da batina com a questão do celibato não cola pra
mim. A sociedade é razoavelmente tolerante com padres que se insubordinam contra esse dogma, mas
abomina atos de violência sexual cometidos seja lá por quem for. Principalmente contra indefesas crianças.
Quem acreditaria em uma criança que tentasse acusar um padre? Fantasia infantil, diriam. Uma vítima de
pedofilia no Brasil, de 6 anos, disse ter ficado amigo do frei (Alexander Nicolaus Weber, 34 anos, réu
confesso) e pediu para brincar com ele outra vez (Revista Época, edição 192, 21/01/2002). Dá vontade de
chorar.

Se um padre não consegue suportar o celibato, o raciocínio de uma pessoa normal levaria a imaginar que
ele procuraria o serviço sexual de uma profissional, o que seria fácil de se conseguir no mais absoluto
sigilo, ou arranjaria uma concubina. Vez por outra têm sido noticiados casos de padres que deixam a batina,
ou até mudam de religião, para poderem se casar. Mas o que faz a igreja? Levanta-se e não aceita essas
decisões. Massacra aqueles que assim agem. Ameaça de excomunhão. Força-os a voltarem atrás, e
desistirem de uma decisão que teria vindo para acabar com um conflito interior, que é maior que a pretensa
vocação. Porque a igreja é tão rígida com padres que querem casar, e não o é com os que cometem crimes
sexuais? Talvez a prioridade seja evitar redução nos quadros. Problemas só são resolvidos se encarados de
frente.

Um indício, ou até mesmo prova, de que se tenta disfarçar esses crimes é o resultado de uma pesquisa
(Revista Época, edição 192, 21/01/2002) publicada no livro Um Espinho na Carne, de autoria do padre
Gino Nasini, italiano, que informa que 77% de 62 padres pesquisados afirmaram saber de algum ato de
abuso em sua diocese.

A já citada Revista Época fala de uma pesquisa com padres brasileiros, onde várias perguntas foram feitas,
podendo eles escolher três respostas dentre várias para cada pergunta. Selecionei algumas perguntas (e suas
respostas) que mais me impressionaram.

Pergunta: Quais são os motivos para a má conduta sexual?


As opções "perda de valores humanos e espirituais" e "alguma patologia grave na personalidade" não
estavam entre as mais escolhidas. A mais votada foi "falta de lazer e cuidados com a própria saúde".

Pergunta: Como o clero reage diante de casos de má conduta?


A opção "falta de consideração com as vítimas" foi a segunda mais votada.

Pergunta: Diante de um caso de abuso que se tornou público, qual é a política e o procedimento adotados
pela diocese?
A opção "o padre é transferido para outro lugar ou serviço diferente" foi uma das menos votadas. A mais
votada foi "não há contato com a comunidade onde o abuso aconteceu".

Pergunta: Como a vítima é tratada?


Uma das opções mais votadas foi "não é considerada vítima, mas responsável pela provocação".

Pergunta: Se, por acaso, você conheceu alguma vítima de um sacerdote, como observou ou sentiu essa
pessoa?
A opção mais votada foi "disposta a perdoar o agressor".

Pergunta: Se a vítima recorreu ao bispo ou a outro responsável da diocese, você sabe como foi atendida?
As três opções escolhidas foram "notou que o bispo não parecia querer tomar providências", "ninguém
ofereceu ajuda" e "sentiu-se profundamente sozinha".

Finalizando, gostaria de dizer que tenho cada vez mais a impressão de que os crimes em geral estão se
banalizando, talvez por falta de gritos legítimos. Muito tem sido divulgado nos jornais e revistas. Mas sinto
que as pessoas lêem, e só. Cada vez é mais comum, e vai parecendo ficar normal. Por outro lado há a
corrente que, propositalmente ou não, reduz a importância dos crimes. Quando eu era criança, as pessoas
que cometiam tais atos eram chamadas de "tarados". Era uma palavra forte, quase um palavrão.
Incomodava. Hoje se diz "pedófilo". Não incomoda tanto. É, até, uma palavra bonitinha, se olharmos pelo
lado estético, sonoro. Talvez a corrente do politicamente correto tenha seus problemas.

Por que se preocupar com o tom pejorativo da expressão "macumba", substituindo-a por "ritos africanos"
ou coisa que o valha, quando os próprios praticantes chamam o ritual de macumba mesmo? Macumba é
macumba. Espiritismo é espiritismo. Candomblé é candomblé. Gringo é gringo. Acho que a intenção
ofensiva está mais na entonação do que na grafia.

E pedófilo é tarado, e pederasta não é "indivíduo com opção sexual alternativa". As palavras são feias, mas
descrevem exatamente o que deve ser descrito. A tentativa de escolher nomes mais amenos só
descaracteriza o objeto.

Temos visto, também, nos últimos anos, ou nas últimas décadas, uma onda de descrimininalização que, a
meu ver, é perigosa. Começamos com a descriminalização da maconha, passamos depois para a do aborto e
muito se tem falado, outra vez, em eutanásia. Temo que um dia cheguemos à descriminalização do crime.

Que Deus nos proteja.

Devanir Nunes
Analista de Sistemas
Pai de quatro filhos
Protestante

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