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CURSO DE PSICOLOGIA
A DOR SILENCIADA:
Mulheres vítimas de abuso sexual dentro das instituições cristãs
OLINDA
2023
Vanessa Mainã Pestana da Silva
A DOR SILENCIADA:
Mulheres vítimas de abuso sexual dentro das instituições cristãs
OLINDA
2023
Dedico este trabalho a cada mulher
que já teve sua história invalidada
e silenciada em nome da soberania
dos homens e líderes autoritários
da igreja.
Muito se tem discutido, atualmente, sobre as frequentes ocorrências de abuso que vem
acontecendo dentro das mais diversas instituições cristãs, sejam elas igrejas protestantes
tradicionais ou neopentecostais, pelo mundo. Apesar de existir, ainda, pouca literatura que
fale especificamente sobre o assunto já temos hoje a existência de movimentos que lutam por
esta causa e buscam trazer auxilio às vítimas em conjunto com um trabalho que faça justiça à
estas. Alguns questionamentos norteadores deste trabalho são: o que fazer quando o ambiente
que deveria servir como abrigo se torna o lugar de silenciamento e violência? Como a igreja
tem enxergado a mulher? Como a igreja deve lidar com os casos de abuso e como a psicologia
pode auxiliar neste processo? Estes questionamentos são essenciais para lidarmos de maneira
realista com o assunto do abuso da mesma dentro de instituições cristãs. O ambiente da Igreja
Cristã é imperfeito. Há em nossa sociedade o costume de idealizar instituições religiosas
como sendo aquelas que carregam um certo rigor de perfeição, mas a realidade está distante
disso. A instituição da igreja Cristã promove em seus ensinamentos uma ideia essencial de
louvor ao patriarcado, o que por muito tempo promoveu o grande envolvimento, quase
sempre mais frequente, da figura masculina em comparação com a figura da mulher no
contexto da história da igreja. Este é um dos fatores que influencia a invalidação da mulher
como vítima em casos de abuso dentro destas instituições. As consequências do abuso na
mulher são grandes. Sintomas como culpa, ansiedade, transtornos de sexualidade, questões
familiares etc. são comuns nestes casos. A grande distância entre os campos da teologia e da
psicologia causa também a distância do apoio psicológico às vítimas de abuso dentro destas
instituições, por consequência um diálogo entre estes campos poderia ser veículo de auxílio e
prevenção dentro do ambiente da igreja cristã. Veremos como a psicologia, por meio da ACP
e da teoria Rogeriana, pode auxiliar estas vítimas a se enxergarem e conhecerem dentro deste
processo doloroso de vítima de uma ocorrência de abuso.
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 8
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..................................................................................... 10
2.1 Contextualização do ambiente da igreja cristã............................................................. 10
2.1.1 A mulher no ambiente da igreja.................................................................................. 13
2.2 COMO OCORREM OS ABUSOS E OS PRINCIPAIS FATORES QUE
DIFICULTAM AS DENUNCIAS......................................................................................... 14
2.3 COMO A PSICOLOGIA PODE AUXILIAR AS VÍTIMAS DE ABUSO DENTRO
DAS INSTITUIÇÕES CRISTÃS......................................................................................... 20
2.3.1 Psicologia x Igreja......................................................................................................... 23
2.3.2 Como a psicologia pode auxiliar estas vítimas?......................................................... 24
3 CONCLUSÃO..................................................................................................................... 27
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 28
INTRODUÇÃO
Muito se tem discutido, atualmente, sobre as frequentes ocorrências de abuso que vem
acontecendo dentro das mais diversas instituições cristãs, sejam elas igrejas protestantes
tradicionais ou neopentecostais, pelo mundo. Apesar de existir, ainda, pouca literatura que
fale especificamente sobre o assunto já temos hoje a existência de movimentos que lutam por
esta causa e buscam trazer auxilio às vítimas em conjunto com um trabalho que faça justiça a
estas. No entanto, o que mais se percebe nesta conjuntura religiosa e social é o fator da falta
de suporte às vítimas por parte da própria instituição, deste modo, aquilo que deveria ser
exposto e cuidado é, em grande parte das vezes, abafado e posto de lado em prol da
preservação do status da igreja e de seus principais líderes.
Francine Walsh fala um pouco sobre a importância da Lei Maria da Penha 1, também
sobre a criação das Delegacias de Defesa da Mulher, e sobre estas serem um dos grandes
marcos, aqui no Brasil, no sentido de haver um atendimento mais concreto à questão da
violência contra a mulher. A autora define a violência psicológica “como aquela que causa
dano moral ou à autoestima, por meio de manipulação, diminuição ou coerção” e violência
sexual “como todo constrangimento a qualquer tipo de prática sexual” (WALSH, 2022, p.
197) e apresenta dados importantes que revelam que
Em relação com todos estes fatores chegamos até o ambiente da Igreja, que por uma
pré conceituação histórica foi e continua sendo vista como um lugar de refúgio em relação aos
mais diversos males sociais. Com o decorrer da história da Igreja vão surgindo insatisfações
que a tornam um fator a ser discutido, sendo assim, a igreja e seu papel começa a ser debatido
e, em partes, estabelecido teológica e socialmente, como poderemos ver na continuidade desse
texto. Na sociedade contemporânea ainda existem insatisfações em relação a igreja e seu
papel e, em contraste com tempo de Lutero, encontramos ainda hoje diversas críticas radicais
1 A lei Maria da Penha possui o objetivo de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos
do § 8º do art. 226 da Constituição Federal.
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à igreja. E com relação ao tema do abuso, o que fazer quando o ambiente que deveria servir
como abrigo se torna o lugar de silenciamento e violência?
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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O presente capítulo trará uma contextualização sobre o ambiente da Igreja Cristã tendo
sempre em vista o olhar da relação do abuso com este ambiente e é importante salientar que
por ‘Igreja Cristã’, que possui um campo muito amplo, abordarei apenas algumas instituições
deste grupo como por exemplo as igrejas católicas e igrejas protestantes, que podem ser
subdivididas em: igrejas históricas (presbiterianas, batistas, anglicanas, metodistas,
congregacionais e luteranas), pentecostais (assembleias de Deus, congregação cristã no Brasil
e igreja quadrangular) e neopentecostais, que são consideradas como uma ‘nova onda’ vinda
do pentecostalismo (sara nossa terra, igreja internacional da graça de Deus, igreja universal do
reino de Deus e renascer).2
Sabemos que através de uma construção histórica e social a Igreja, por uma pré
conceituação, foi e continua sendo vista como um lugar de refúgio em relação aos mais
diversos males sociais. Com o decorrer da história da Igreja vão surgindo insatisfações que a
tornam um fator a ser discutido como falado por Denver:
Desta forma a igreja e seu papel começa a ser discutido e em partes estabelecido teológica e
socialmente. Na sociedade contemporânea ainda existem insatisfações em relação a igreja e
seu papel e, em contraste com tempo de Lutero, encontramos ainda hoje diversas críticas
radicais à igreja, conforme veremos no decorrer deste trabalho, contudo esta conjuntura é
sempre vista como um lugar de leveza, harmonização e acolhimento, também é apresentada
por diversos religiosos e adeptos do cristianismo como um estabelecimento que deve servir às
pessoas e este serviço é tido como uma missão da vida cristã (CILIATO; MOREIRA, 2014).
Observando por essa visão plural e simplista a igreja é um lugar exclusivamente perfeito,
2 É importante frisar que este trabalho terá por foco as principais igrejas consideradas cristãs no Brasil, sendo
assim não contará com outros tipos de religião. O que em hipótese alguma descarta a possibilidade destes
acontecimentos dentro de outras instituições religiosas.
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entretanto qualquer ambiente onde exista a necessidade de relações humanas, partindo do
próprio conceito cristão de que o homem após a ocorrência da queda 3 vive uma vida caída e
dada aos desejos pecaminosos, é um lugar que precisa lidar com intempéries. O ambiente da
Igreja Cristã é imperfeito. Há em nossa sociedade o costume de idealizar instituições
religiosas como sendo aquelas que carregam um certo rigor de perfeição, mas a realidade está
distante disso. É possível, e é o que acontece por vezes, que diversas dessas instituições
sejam, por meio da distorção do Evangelho ensinado por Jesus e por fatores como medo da
exposição e da perda da ‘boa reputação’, meios de abusos e silenciamento.
Para que haja uma melhor compreensão do ambiente da Igreja Cristã é necessário
falarmos sobre religião, conceito que compõe o ideário daqueles que frequentam estas
instituições. Coutinho (2011) classifica religião como “um conjunto de crenças, rituais e
códigos morais que são compartilhados por seus seguidores” (p. 61) e o teólogo e pastor Yago
Martins define religião como algo que não tem envolvimento apenas com crenças, mas
também com comportamentos e afirma que nossa religião afeta o modo como pensamos e
raciocinamos.
3 A queda é tida como o acontecimento que deu início à corrupção moral dos seres humanos e ocorreu quando
o homem e a mulher – criados por Deus – foram enganados pela serpente e comeram do fruto proibido e isso
traz efeitos devastadores e arrasta suas consequências desde a expulsão do casal de dentro do Jardim do Éden
até hoje.
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regulação e ao controle de certas verdades sobre si e sobre uma gestão de vida que “em muito
extrapolam o campo religioso, de modo a produzir novas dinâmicas de saber-poder, assim
como de controle das populações. O papel do cristianismo é pioneiro neste processo de
interiorização de uma verdade por meio do exame dos mais profundos desejos da carne, de
falar sobre si e, por conseguinte, dos processos de subjetivação” (NATIVIDADE; DIAS,
2022, p. 5). Estudos realizados sobre iniciação sexual na adolescência e juventude revelam
que poucas variáveis possuem tamanha influencia neste âmbito quanto a religião e é partindo
desta visão de poder e controle que o ambiente da igreja, que deveria ser saudável para
auxiliar e acolher aqueles que chegam até ali com suas feridas e dores, se torna um ambiente
abusivo e por vezes impenetrável, trazendo, desta forma, impactos vultosos na vida daqueles
que sofrem com este mal dentro destes ambientes, inclusive quando o sujeito da questão é a
mulher (COUTINHO, 2011).
Mark Dever, pastor batista, teólogo e Ph.D. em História Eclesiástica aponta que uma
igreja saudável possui 9 marcas, sendo uma destas uma liderança bíblica na igreja. O autor
discorre sobre as características que deveriam ser levadas em consideração para a instituição
de um líder dentro da igreja e ressalta que “reconhecer a natureza pecaminosa da autoridade
humana e o fato de que esta autoridade pode sofrer abusos é bom e saudável” (DEVER, 2018,
p. 266). Mark retrata nesta fala algo que por muitos é deixada de lado: ainda que dentro de
uma instituição religiosa, uma liderança pode ser corrompida e se tornar abusiva. É valido
também retratarmos a importância de igrejas saudáveis. Dentro do meio cristão o olhar bíblico
e teológico ressalta que a Igreja4 pertence a Cristo e todo aquele que se utiliza deste meio para
benefícios pessoais e para impor violências como sendo coisas que Deus ensina através do
Evangelho prestará contas disso diante do próprio Deus, revelando deste modo que a Igreja
Cristã – pelo menos no que diz respeito aos próprios ensinamentos bíblicos – deve estar
comprometida com os cuidados sociais e o acolhimento daqueles que frequentam este local,
que tem como uma de suas principais missões refletir o amor de Cristo para todos. Dever cita
que “a igreja não é um acessório, é a forma de seguir a Jesus”, logo espera-se que esta igreja
reflita em suas atitudes o Jesus bíblico ao qual seguem (DEVER, 2018, p. 16). Também deve
ser falado sobre o fato de se ter igrejas comprometidas com essas verdades. Desde o princípio
da fundação e no decorrer da história da Igreja são observadas distinções feitas entre a falsa e
a verdadeira igreja e como descrito por João Calvino, nas Institutas da Religião Cristã, “onde
quer que vejamos a palavra de Deus ser sinceramente pregada e ouvida, onde vemos os
4 Por Igreja falo no contexto estabelecido pelos cristãos de “corpo de Cristo” de modo geral.
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sacramentos serem administrados segundo a instituição de Cristo, aí de modo nenhum se há
de contestar estar presente em uma igreja de Deus” (CALVINO, 1559, p. 34). Ainda assim é
essencial destacar que qualquer ambiente está suscetível a ocorrências de abuso e como falado
anteriormente no começo deste capítulo, as igrejas são imperfeitas.
5 Tais mulheres e seus feitos podem ser encontradas no livro “Reformadoras” de Rute Salviano Almeida e
Jaqueline Souza Pinheiro.
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E isto apenas se associa ainda mais à verdade de que a mulher, tanto no decorrer da história
quanto na atualidade, não possui um espaço aberto para sua participação de forma efetiva e
ampla neste ambiente. Como a igreja tem enxergado a mulher? Este questionamento é
essencial para lidarmos de maneira realista com o assunto do abuso da mesma dentro de
instituições cristãs. Infelizmente a realidade de muitas, não todas, mas de muitas igrejas
cristãs expressa que a mulher permanece sendo vista como inferior pelas mais diversas
motivações. Francine Walsh afirma que “de fato, existe opressão à mulher neste mundo caído,
e o cristão que ignora isso precisa remover as lentes cor-de-rosa através das quais tem
enxergado a vida” (WALSH, 2022, p. 45). O papel da igreja diante da sociedade e dos mais
diversos males nela encontrada é o de não recusar a realidade dos problemas a ela
apresentada, mas agir em justiça se tornando parte da solução e não do problema como assim
temos visto. Abuso, estupro, preconceito, falta de acesso à educação, desigualdade salarial são
algumas das pautas levantadas na atualidade e que deveriam ser também levantadas e
debatidas pela igreja com o propósito de galgarmos novos patamares da inclusão feminina,
dos direitos e do espaço de fala da mulher e principalmente pela busca de um ambiente
assertivo que deixa de objetificar a mulher e seu corpo e passa a propor uma maior liberdade e
segurança para esta. Walsh (2021) assegura que “quando aqueles que se autodenominam
cristãos não imitam Cristo em amor e proteção às mulheres, tornam-se hipócritas em relação
ao Mestre que afirmam adorar” e segue dizendo que os que negam à mulher o tratamento
digno que ela merece estão pecando (p. 50). A igreja que desfavorece e diminui a mulher
acaba tornando o seu ambiente favorável aos mais diversos tipos de abusos e aqueles que se
calam diante destas ocorrências violam uma premissa bíblica e, muito além disso,
desrespeitam a luta de muitas mulheres que se doam em busca de um espaço de fala que seja
efetivamente seguro, onde possam expor a violência sofrida e ser levada em consideração.
Já sabemos que o ambiente da Igreja Cristã pode ser, por vezes, um ambiente abusivo,
entretanto, diante disso vale questionar como se dá esse tipo de ocorrência em um lugar que
deveria promover segurança e bem-estar às mulheres e aos membros ali envolvidos. Dentro
do cristianismo a igreja trabalha com uma estrutura hierárquica, que em certas ocasiões,
quando falta as observações e cuidados necessários, pode chegar a desenvolver um ambiente
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propicio para a ocorrência do abuso. João R. Barros II explica um pouco sobre a visão de
Foucault sobre o governo pastoral e discorre que
Neste ponto da questão vale analisar e levar em consideração o valor atribuído à religião pela
vítima e seu histórico de vida envolvendo o ambiente da igreja. Na fala de Barros II (2020)
sobre o entendimento de Foucault percebe-se factualmente a relevância do pastor ou líder
espiritual sendo elevada ao lugar daquele que serve como um ‘guia’, como um governante
para aquela membresia desamparada com suas dores e situações diárias, o que pode
desencadear em certos indivíduos, mediante a promoção dessa visão, o fortalecimento de
princípios religiosos aprendidos no decorrer da sua história. Essa posição de discipular
alguém eleva o líder a uma posição de poder, pois este é colocado como aquele a quem se
recorre para desabafar, confessar, ser ouvida e atendida, bem como também é visto como
aquele que é um exemplo a ser seguido e, como bem colocado por Barros II (2020), aquele
que exerce esse papel possui a capacidade de construir uma certa verdade sobre quem aquele
sujeito é para ele mesmo. Nos estudos sobre o desenvolvimento humano vemos Papalia e
Feldman (2013) examinando a teoria do raciocínio moral de Kohlberg e os autores explicam a
pesquisa que foi realizada e aonde ela resultou. Kohlberg divide o raciocínio moral e seus
estágios em 3 níveis, sendo o nível I o raciocínio pré-convencional, onde os indivíduos são
guiados por ordens externas a si; o nível II nomeado de moralidade convencional, que seria o
momento da vida onde as pessoas vivem um processo de internalização dos padrões
realizados por figuras de autoridade e o nível III intitulado de moralidade pós-convencional,
onde o sujeito passa a perceber certas incongruências nos padrões morais aprendidos e passa a
ressignificá-los. Papalia e Feldman prosseguem explicando este processo do desenvolvimento
do raciocínio moral.
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comportamento apropriado. Para os cristãos, isso se aplica a nossas
igrejas, bem como à sociedade de modo mais amplo.” (McKNIGHT;
BARRINGER, 2022, p. 25).
Uma igreja saudável não teme relatar a verdade, antes de tudo se compromete com seu
real papel social de justiça e amor em proteção a vítima, porém, através dos fatos já
apresentados neste capítulo podemos concluir que uma instituição que revela este tipo de
atitude para com as vítimas de abuso já possui uma cultura tóxica fortemente enraizada em
seu sistema. Desmentir a vítima em prol do benefício próprio é uma fuga não só dos
abusadores, mas da própria cultura de uma igreja que promove este ambiente de manipulação
e silenciamento, além disso esse tipo de atitude revela a visão disseminada sobre a mulher
dentro daquela instituição. Um artigo publicado por Eric Schumacher na revista eletrônica
Common Good dos EUA, fala um pouco sobre a importância de uma igreja que dá a devida
atenção às mulheres e não as desprezas, ressaltando que este tipo de cuidado e atenção para
com as mulheres é o reflexo de uma atitude bíblica. Um dos argumentos levantados pelo autor
é fato de José, o pai de Jesus, mesmo estando inicialmente desconfiado de que Maria poderia
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ter se envolvido em um caso de imoralidade sexual, ele decidiu não expor a sua companheira
publicamente e por isso José é descrito, pelo autor do Evangelho de Mateus, como um homem
justo. Eric evidencia que “homens justos não desonram mulheres publicamente [...] desonrar
uma mulher é violar tanto o maior quanto o segundo maior mandamento. Desonrar
publicamente uma mulher é deixar de amar o próximo como a si mesmo – e como ela também
foi feita à imagem de Deus, essa desonra pública é deixar de amar a Deus com tudo o que
você é.”6 (SCHUMACHER, 2023, tradução nossa).
É importante a compreensão de que mentir para manter um império narcisista de
manipulação não é uma atitude que reflete aquilo que inicialmente um cristão deveria refletir.
Bons líderes não agem em descaso com vítimas de abuso, não agem em descaso com as
mulheres e não alimentam em suas instituições este tipo de cultura que desmerece e desonra a
mulher. Toda essa cultura já enraizada em certas instituições dificulta a denúncia das vítimas,
pois trabalham em cima do silenciamento destas que por medo e ameaças decidem não expor
a situação e seus poderosos abusadores.
Uma vez que uma cultura de medo se forma em uma igreja, é quase
impossível voltar atrás. Como disse um historiador da Grécia antiga,
ao se referir a um de seus líderes mais poderosos, “a Tirania [...] era
um lugar encantador, mas não tinha saída. Por isso precisamos
reaprender a pensar de forma bíblica e viver em uma narrativa
diferente, isto é, em uma história de bondade. (McKNIGHT;
BARRINGER, 2020, p. 44).
Pastores e líderes cristãos devem, ainda que seja duro, reconhecer em suas próprias
instituições este perigo e combater este tipo de liderança que se soberaniza a cima de todos, a
cima de Deus, devem tapar as brechas para os narcisistas, ouvir e não silenciar as vítimas e
isso se dá através de um longo caminho de arrependimento e reconhecimento. Há um tempo
este assunto era, por muitos, abafado, atualmente percebemos um novo caminho sendo
trilhado e ainda há muito a se percorrer. Podemos ver nomes como Norma Braga, Francine
Walsh, Jacira Pontinta Monteiro, Rute Salviano, Ana Staut, Carol Bazzo, Bruna Santos,
dentre outras mulheres que têm se levantado em divergência às demais situações de machismo
e desvalorização da mulher dentro das instituições cristãs e, acima de tudo, têm dado voz às
muitas mulheres caladas com o passar do tempo.
6 “Righteous men do not disgrace Woman publicly [...] to disgrace a Woman is to violate both the greatest and
second-greatest commands. Publicly disgracing a Woman is a failure to love your neighbor as yourself – and as
she too is made in the image of God, this public disgrace is a failure to love God with all that you are.” (Texto
original)
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Também vemos novas páginas direcionadas ao suporte às mulheres vítimas de abuso
sexual dentro de igrejas cristãs como a página nossas histórias curam, liberte-se do opressor e
quebrando o silêncio. Isso nos revela o novo olhar que tem sido dado a esta situação dentro de
muitas igrejas, entretanto, novas estruturas precisam ser desenvolvidas dentro das próprias
igrejas, visando um suporte apropriado para estas vítimas em casos de abuso e denúncias
precisam ser feitas, os verdadeiros culpados devem ser responsabilizados, inclusive as
próprias instituições. As igrejas cristãs têm o dever de se abrir a este debate, além do mais não
são simplesmente acontecimentos que se dão nas esferas sociais a parte da igreja, antes
acontecem dentro das instituições e este tipo de ocorrência, como ela se dá, os processos que
levam até o ato em si do abuso são coisas que merecem atenção e demandam urgência.
20
evoluir para a completa aversão ao sexo. A violência sexual pode
gerar outras consequências, conforme ressaltado por Mattar et al.
(2007), como problemas familiares e sociais, abandono dos estudos,
perda do emprego, separação conjugal, abandono da casa e
prostituição, como parte dos problemas psicossociais relacionados a
essa dinâmica. (SOUZA et al, 2013, p. 99).
Além dos diversos danos psíquicos e físicos causados à vítima do abuso, o fenômeno
da culpa perpétua a vida dessas vítimas com bastante frequência, pois a culpa é imputada a
essa mulher pela própria instituição de forma velada e aquilo que deveria ser nomeado de
abuso passa a ser apenas um pecado, que na maioria das vezes pode ser tolerado quando o
sujeito que precisa de defesa é um homem. A relação estreita entre culpa e pecado que
permeia os ensinos religiosos cristãos também conduz facilmente a vítima a este lugar de
culpabilização e autopunição.
Farias (2016) define a culpa através de um olhar fenomenológico como uma “dívida
com um modo de ser que, em última instância, desejaria que fosse seu modo de ser mais
próprio”, dessa forma essa falta e a distância entre o Self (eu) real e o ideal se torna motivo de
angustia para o indivíduo. Outra consequência que pode ser observada em vítimas de abuso é
o TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático) que pode ser desenvolvido após uma
experiência traumática onde a pessoa reagiu à situação com medo, impotência ou horror
(FIGUEIRA; MENDLOWICZ, 2003, p. 13). A tríade psicopatológica do TEPT é a
revivescência do trauma, esquiva e entorpecimento emocional e hiperestimulação
autonômica. Sobre as revivescências do trauma Figueira e Mendlowicz (2003) afirmam que
este sintoma é muito específico do TEPT e que as revivescências podem se apresentar em
forma de sonhos vívidos, pesadelos, sentimentos incontroláveis e lembranças repentinas da
experiência traumática. “Estes fenômenos são dolorosos e tentam repetidamente tornar-se
21
conscientes e dominar a atenção da pessoa. [...] Essas recordações intrusivas comumente
provocam sentimentos de medo, terror, raiva, impotência, vulnerabilidade, vergonha, tristeza
e culpa.”. Com relação à esquiva e entorpecimento emocional, os autores relatam que a
esquiva é uma tentativa de evitar qualquer coisa que relembre aquela vivencia,
“classicamente, o paciente evita falar, pensar ou ir a locais associados ao trauma. Em alguns
casos, pode ocorrer o fenômeno da amnésia psicogênica”, essa evitação pode levar o
indivíduo a situações mais complexas como o desenvolvimento de um vício ou a utilização de
mecanismos dissociativos. No entorpecimento psíquico a vítima se utiliza da indiferença para
anestesiar as angustias ocasionadas pelo trauma, contudo isso pode levar a uma generalização
onde a pessoa pode tornar-se indiferente inclusive a hábitos anteriormente prazerosos. No
último sintoma da tríade psicopatológica do TEPT está a hiperestimulação autonômica, que é
mais passível de observação pois envolve o âmbito psicofisiológico, desta forma sua
manifestação é através da insônia, hipervigilância, irritabilidade e sobressalto excessivo.
“nesse estado de hiper-reatividade psicofisiológico o paciente pode estar de tal modo
hiperestimulado que estímulos mínimos fazem com que seu coração dispare, sua respiração se
acelere e seus músculos se contraiam.” (FIGUEIRA; MENDLOWICZ, 2003, p. 14-15).
É diante disto que pode se perceber os mais diversos danos causados a uma vítima de
abuso e mediante a apresentação dos sintomas e consequências é de grande importância a
reflexão sobre a forma que a instituição cristã tem lidado com as frequentes ocorrências de
abuso dentro de suas divisões. O grande distanciamento entre as visões teológicas e
psicológicas também se enlaçam nas motivações pelas quais o tema do abuso tem sido
colocado de lado dentro destes ambientes, e diante da observação de como se dá as
ocorrências e de suas consequências nas vítimas, fica claro que este acontecimento não é
simplesmente de ordem teológica, mas também psíquica e social, sendo assim se faz
necessário uma aproximação entre estes dois polos – teológico e psicológico – para um
auxilio eficaz a estas vítimas. Essa possível aproximação serviria como veículo de apoio e
prevenção dentro das igrejas cristãs, que se mostram em sua maioria fechadas para este
dialogo, já que expor qualquer ocorrência deste tipo dentro de suas instituições seria também
expor a fragilidade do sistema teológico disseminado em tal ambiente. A problemática
apontada envolve uma profundidade e seriedade bem maior do que essa atenção seletiva pode
oferecer às vítimas e é neste momento, onde a falha sistêmica da instituição cristã é revelada,
que se mostra de grande relevância o envolvimento do apoio psicológico. Mediante isto, é
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importante a delimitação do papel da igreja e da psicologia no tratamento oferecido às
vítimas.
Dessa forma fica claro que a igreja possui como objetivo questões sociais e não só
aquilo que diz respeito ao espiritual e teológico. Na própria Bíblia vemos um relato do que
seria o verdadeiro evangelho segundo Tiago, que descreve que “a religião pura e sem mácula
para com o nosso Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se
incontaminado do mundo” (BÍBLIA, Tiago 1:27).
A psicologia, apesar de ser uma ciência relativamente nova, tem como principal objeto
de estudo o Ser Humano e sua psique, seus processamentos internos, sua cognição, seus
comportamentos, sua existência. “Essencialmente, as pessoas que trabalham no campo da
psicologia tentam dar sentido às perguntas: "O que o motiva a agir assim?" e "Como você vê
o mundo?". Essas ideias bastante simples abrangem muitos temas diferentes e complicados,
7 A palavra TOV no hebraico significa ‘bom’ e está relacionada à um atributo de Deus, que é Sua bondade.
23
que incluem emoções, processos mentais, sonhos, memórias, percepção, personalidade,
doença e tratamento.” (KLEINMAN, 2015). É partindo disto que é válido pontuar que a
psicologia está posicionada em um lugar de auxílio a certo indivíduo que se encontra em
sofrimento psíquico e que por isso não está em condições de elaborar bem seus sentimentos
ou de processar de forma saudável os acontecimentos de sua vida. É mediante essa colocação
que a psicologia pode proporcionar às vítimas de abuso dentro de instituições cristãs o auxílio
necessário para lidar com as consequências desenvolvidas por este acontecimento. A
psicoterapia não é um processo que modela a vida do sujeito tornando-a perfeita e sem
problemas, mas dentro do processo psicoterapêutico cada indivíduo tem a oportunidade de se
expor para si mesmo com suas dores e angustias e em face disso promover um
autoconhecimento que pode o conduzir à autoaceitação e acolhimento de si e de suas
vivências.
A igreja possui uma estrutura hierárquica e dentro daquela cultura que tem suas
hierarquias, o pastor ou líder são encarregados do papel de conselheiros. O aconselhamento é
algo comum neste meio e é essencial a diferenciação do aconselhamento pastoral e do
processo psicoterapêutico. Um pensamento muito disseminado dentro das igrejas hoje é o de
que por se existir o aconselhamento pastoral certa pessoa não precisa ir ao psicólogo pois
aquele aconselhamento basta para solucionar as questões apresentadas. Um pastor ou líder
pode trazer respostas que sejam realmente eficazes em certos casos, contudo diante de uma
questão psicossomática existem processamentos ali envolvidos que são de uma ordem mais
profunda e de domínio do profissional da área da psicologia, desta forma, igreja e consultório,
psicologia e teologia são objetos distintos e que produzem resultados divergentes no auxílio e
apoio às vítimas de abuso.
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Conforme o teórico Carl Rogers explica, o desenvolvimento de uma relação transparente,
envolvendo afetividade, liberdade, compreensão empática e aceitação por parte do terapeuta
pode desencadear no paciente uma motivação interna que o conduza a mudança. O
estabelecimento deste tipo de relacionamento traduz o que Rogers chama de relação de ajuda
e ele diz que essa expressão diz respeito a “uma relação na qual pelo menos uma das partes
procura promover na outra o crescimento, o desenvolvimento, a maturidade, um melhor
funcionamento e uma maior capacidade de enfrentar a vida” (ROGERS, 2017, p. 26). Para o
autor quando o psicólogo consegue firmar com o paciente este tipo de relação, o processo
psicoterapêutico se torna proveitoso e eficaz, desta forma, quando um paciente
26
lubrificação vaginal, perda do orgasmo ou até mesmo a evolução para uma completa aversão
ao sexo. Por fim Rogers pontua que quando existe uma condição de não ameaça, um ambiente
sem apontamentos e julgamentos ao “eu”, abre-se um espaço onde “essas experiências
inconsistentes podem ser percebidas, examinadas e a estrutura do “eu" as revista, ao fim de
assimilá-las.” (SIMÕES, 1960, p. 70). Quando aquele paciente vivencia todas essas
experiencias do processo psicoterapêutico, se conhece e se aceita e assimila seu auto estrutura
ele é conduzido a um lugar de troca, onde suas percepções e simbolismos distorcidos são
substituídos “por um contínuo processo de valorização, fornecida pelos seus próprios sentidos
e pelo seu organismo total.” (SIMÕES, 1960, p. 70), passando a vivenciar uma autoaceitação
e também uma boa aceitação do outro, isto se dá por meio do processo psicoterapêutico
eficaz, processo este que deve ser buscado e incentivado em auxílio à vítima pela instituição
cristã.
CONCLUSÃO
Diante de tudo que pôde ser abordado nesta leitura até aqui fica claro e bem delimitado
que a instituição cristã tem muito a observar e melhorar no seu auxílio às vítimas de abuso
dentro de suas divisões. Em conjunto com a psicologia, estas instituições podem e devem
trazer à tona estas questões, se mostrando abertas a um diálogo visando um apoio eficaz a
estas mulheres por meio do processo psicoterapêutico, lugar onde esta mulher poderá
simbolizar suas questões, sejam elas conscientes ou não, trabalhando uma autoaceitação de
seu campo fenomenológico e de sua autoestrutura psíquica.
Neste beste processo também existe a influência de como a instituição onde se deu a
ocorrência lidou com a questão, sendo assim, que o distanciamento entre as visões teológica e
psicológica possa ser analisado em prol de uma aproximação entre estes dois polos para um
auxílio eficaz a estas vítimas. Essa possível aproximação serviria como suporte e prevenção
dentro das igrejas cristãs, que geralmente decidem não lidar com o abuso como algo que deve
ser combatido com urgência. Que o olhar prestado às vítimas dentro destas instituições cristãs
seja de suporte e acolhimento e que em todo silenciamento possa ser dado um basta. E
principalmente, que todo tipo de abuso seja denunciado e que as vítimas possam ser
encaminhadas a um serviço psicoterapêutico onde posa se tratar das graves consequências
causadas pelo abuso.
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Portanto, às igrejas cristãs resta o entendimento de que a mesa é para todos e que a
igreja, cumprindo seu papel de reproduzir as atitudes de Jesus, deve incluir e dar voz em lugar
de segregar e silenciar. Este ambiente deve promover a ideia de que “quando houver mais
pessoas em sua vida do que lugares à sua mesa, não aumente os muros; amplie a mesa.”
(WALSH, 2022, p. 78). A igreja precisa ampliar a mesa e não aumentar seus muros,
acolhendo as vítimas, trabalhando de forma preventiva dentro de suas instituições, expondo e
nomeando os casos de abuso, não tornando o abusador a vítima e promovendo politicas
psicológicas que auxiliem as mulheres neste lugar de dor e angustia.
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