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FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS DE OLINDA

CURSO DE PSICOLOGIA

Vanessa Mainã Pestana da Silva

A DOR SILENCIADA:
Mulheres vítimas de abuso sexual dentro das instituições cristãs

OLINDA
2023
Vanessa Mainã Pestana da Silva

A DOR SILENCIADA:
Mulheres vítimas de abuso sexual dentro das instituições cristãs

Trabalho de Conclusão de Curso de graduação,


apresentado à disciplina de TCC II, do curso de
Psicologia da Faculdade de Ciências Humanas de
Olinda – FACHO, como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel.
Orientador: Prof.ª Fabiane Gonçalves

OLINDA
2023
Dedico este trabalho a cada mulher
que já teve sua história invalidada
e silenciada em nome da soberania
dos homens e líderes autoritários
da igreja.

O Único que é Soberano nos


acolhe, nos compreende e nos dá
voz.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha orientadora Prof.ª Fabiane Gonçalves por sua dedicação,


auxilio e humanidade durante todo o processo de orientação.
A minha mãe, Maely Pestana, que me deu suporte e sustentação durante os piores
momentos, me incentivando a continuar firme. Também a meu pai, Felipe Gomes, que me
deu o auxílio financeiro durante todo processo universitário.
A meus amigos que me incentivaram desde o princípio, em especial Vanessa
Maria, minha prima, que enxergou minha capacidade em produzir todo conteúdo aqui escrito
e à minha comunidade local, meus queridos irmãos da Igreja Batista ARTE, que me deram
suporte com orações, aconselhamentos e muito acolhimento.
A meu noivo, Johnnys Costa Cavalcante, que em todo momento me fez enxergar
a importância deste trabalho e por me enxergar com tanto carinho, amor e acolhimento
durante os momentos difíceis.
“Aventurar-se no sentido mais elevado, é
precisamente tomar consciência de si próprio."
Soren Kierkegaard
RESUMO

Muito se tem discutido, atualmente, sobre as frequentes ocorrências de abuso que vem
acontecendo dentro das mais diversas instituições cristãs, sejam elas igrejas protestantes
tradicionais ou neopentecostais, pelo mundo. Apesar de existir, ainda, pouca literatura que
fale especificamente sobre o assunto já temos hoje a existência de movimentos que lutam por
esta causa e buscam trazer auxilio às vítimas em conjunto com um trabalho que faça justiça à
estas. Alguns questionamentos norteadores deste trabalho são: o que fazer quando o ambiente
que deveria servir como abrigo se torna o lugar de silenciamento e violência? Como a igreja
tem enxergado a mulher? Como a igreja deve lidar com os casos de abuso e como a psicologia
pode auxiliar neste processo? Estes questionamentos são essenciais para lidarmos de maneira
realista com o assunto do abuso da mesma dentro de instituições cristãs. O ambiente da Igreja
Cristã é imperfeito. Há em nossa sociedade o costume de idealizar instituições religiosas
como sendo aquelas que carregam um certo rigor de perfeição, mas a realidade está distante
disso. A instituição da igreja Cristã promove em seus ensinamentos uma ideia essencial de
louvor ao patriarcado, o que por muito tempo promoveu o grande envolvimento, quase
sempre mais frequente, da figura masculina em comparação com a figura da mulher no
contexto da história da igreja. Este é um dos fatores que influencia a invalidação da mulher
como vítima em casos de abuso dentro destas instituições. As consequências do abuso na
mulher são grandes. Sintomas como culpa, ansiedade, transtornos de sexualidade, questões
familiares etc. são comuns nestes casos. A grande distância entre os campos da teologia e da
psicologia causa também a distância do apoio psicológico às vítimas de abuso dentro destas
instituições, por consequência um diálogo entre estes campos poderia ser veículo de auxílio e
prevenção dentro do ambiente da igreja cristã. Veremos como a psicologia, por meio da ACP
e da teoria Rogeriana, pode auxiliar estas vítimas a se enxergarem e conhecerem dentro deste
processo doloroso de vítima de uma ocorrência de abuso.

Palavras-chave: Instituições cristãs; Vítimas de abuso; Mulher.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 8
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..................................................................................... 10
2.1 Contextualização do ambiente da igreja cristã............................................................. 10
2.1.1 A mulher no ambiente da igreja.................................................................................. 13
2.2 COMO OCORREM OS ABUSOS E OS PRINCIPAIS FATORES QUE
DIFICULTAM AS DENUNCIAS......................................................................................... 14
2.3 COMO A PSICOLOGIA PODE AUXILIAR AS VÍTIMAS DE ABUSO DENTRO
DAS INSTITUIÇÕES CRISTÃS......................................................................................... 20
2.3.1 Psicologia x Igreja......................................................................................................... 23
2.3.2 Como a psicologia pode auxiliar estas vítimas?......................................................... 24
3 CONCLUSÃO..................................................................................................................... 27
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 28
INTRODUÇÃO

Muito se tem discutido, atualmente, sobre as frequentes ocorrências de abuso que vem
acontecendo dentro das mais diversas instituições cristãs, sejam elas igrejas protestantes
tradicionais ou neopentecostais, pelo mundo. Apesar de existir, ainda, pouca literatura que
fale especificamente sobre o assunto já temos hoje a existência de movimentos que lutam por
esta causa e buscam trazer auxilio às vítimas em conjunto com um trabalho que faça justiça a
estas. No entanto, o que mais se percebe nesta conjuntura religiosa e social é o fator da falta
de suporte às vítimas por parte da própria instituição, deste modo, aquilo que deveria ser
exposto e cuidado é, em grande parte das vezes, abafado e posto de lado em prol da
preservação do status da igreja e de seus principais líderes.
Francine Walsh fala um pouco sobre a importância da Lei Maria da Penha 1, também
sobre a criação das Delegacias de Defesa da Mulher, e sobre estas serem um dos grandes
marcos, aqui no Brasil, no sentido de haver um atendimento mais concreto à questão da
violência contra a mulher. A autora define a violência psicológica “como aquela que causa
dano moral ou à autoestima, por meio de manipulação, diminuição ou coerção” e violência
sexual “como todo constrangimento a qualquer tipo de prática sexual” (WALSH, 2022, p.
197) e apresenta dados importantes que revelam que

“a cada nove minutos, uma mulher é vítima de estupro; a cada dois


minutos, uma mulher registra agressão sob a Lei Maria da Penha; a
cada dois minutos, cinco mulheres são espancadas; uma em cada três
meninas será vítima de abuso ou exploração sexual antes dos 18 anos;
e estima-se que apenas 10% dos casos de estupro cheguem a registro
policial.” (WALSH, 2022, p. 198).

Em relação com todos estes fatores chegamos até o ambiente da Igreja, que por uma
pré conceituação histórica foi e continua sendo vista como um lugar de refúgio em relação aos
mais diversos males sociais. Com o decorrer da história da Igreja vão surgindo insatisfações
que a tornam um fator a ser discutido, sendo assim, a igreja e seu papel começa a ser debatido
e, em partes, estabelecido teológica e socialmente, como poderemos ver na continuidade desse
texto. Na sociedade contemporânea ainda existem insatisfações em relação a igreja e seu
papel e, em contraste com tempo de Lutero, encontramos ainda hoje diversas críticas radicais

1 A lei Maria da Penha possui o objetivo de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos
do § 8º do art. 226 da Constituição Federal.
8
à igreja. E com relação ao tema do abuso, o que fazer quando o ambiente que deveria servir
como abrigo se torna o lugar de silenciamento e violência?

“O abuso não acontece somente nos lares. Infelizmente, muitos abusos


se passam no interior das igrejas. A igreja de Cristo deveria ser um
refúgio para as vítimas de todo tipo de violência, e não um ambiente
de perigo. Mas, infelizmente, muitas de nossas igrejas não estão
preparadas para isso, e são poucas as que conhecem as leis que
defendem os vulneráveis e os recursos para ajuda imediata e
emergencial, ou que reconhecem os perigos que trazem aos seus
membros.” (WALSH, 2022, p. 205).

Para a constituição metodológica deste trabalho, cujo método utilizado foi o


bibliográfico narrativo, foram usados livros específicos que abordam a temática do abuso de
forma geral dentro do ambiente da igreja cristã e também artigos nacionais e estrangeiros que
cooperassem com o tema em foco, a princípio falando sobre abuso, sexualidade da mulher,
inclusão, religião e pesquisas que apresentavam dados sobre as principais consequências do
abuso na mulher. Este projeto tem como objetivo identificar as possíveis consequências
psicológicas em mulheres que foram vítimas de abuso sexual dentro de instituições cristãs e
essa construção se dá por meio da contextualização do ambiente da igreja cristã, pelo relato de
como pode acontecer um abuso dentro destas instituições, quais características podem e
devem ser observadas neste ambiente, citando também os principais fatores que dificultam as
denúncias destas ocorrências e por fim fazendo uma diferenciação entre o que é a psicologia e
o que é a igreja, apresentando desta forma alguns possíveis meios dos quais a psicologia pode
se valer para atuar no auxilio a estas vítimas. A abordagem que delineia o presente trabalho é
a ACP (Abordagem Centrada na Pessoa) que possui como principal teórico Carl Rogers,
sendo assim, são aqui apresentadas formas pelas quais a psicologia pode ajudar as vítimas de
abuso dentro de instituições cristãs seguindo uma linha fenomenológica existencial, visando o
aumento da autoestima e bem estar de vida e psíquico daquela mulher, também o auxilio nas
diversas consequências causadas pelo abuso que causam angustia e acarreta em outras
possíveis patologias.

9
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 - CONTEXTUALIZAÇÃO DO AMBIENTE DA IGREJA CRISTÃ

O presente capítulo trará uma contextualização sobre o ambiente da Igreja Cristã tendo
sempre em vista o olhar da relação do abuso com este ambiente e é importante salientar que
por ‘Igreja Cristã’, que possui um campo muito amplo, abordarei apenas algumas instituições
deste grupo como por exemplo as igrejas católicas e igrejas protestantes, que podem ser
subdivididas em: igrejas históricas (presbiterianas, batistas, anglicanas, metodistas,
congregacionais e luteranas), pentecostais (assembleias de Deus, congregação cristã no Brasil
e igreja quadrangular) e neopentecostais, que são consideradas como uma ‘nova onda’ vinda
do pentecostalismo (sara nossa terra, igreja internacional da graça de Deus, igreja universal do
reino de Deus e renascer).2
Sabemos que através de uma construção histórica e social a Igreja, por uma pré
conceituação, foi e continua sendo vista como um lugar de refúgio em relação aos mais
diversos males sociais. Com o decorrer da história da Igreja vão surgindo insatisfações que a
tornam um fator a ser discutido como falado por Denver:

“O tema da igreja não se tornou um centro de debate amplo formal e


teológico até a reforma. Antes do século XVI, a igreja era mais aceita
do que discutida. Era considerada um meio da graça, uma realidade
que existia como a pressuposição do restante da teologia. [...] Com o
advento da crítica radical de Martinho Lutero e outros no século XVI,
a discussão sobre a natureza da igreja se tornou inevitável.” (DEVER,
2018, p. 22).

Desta forma a igreja e seu papel começa a ser discutido e em partes estabelecido teológica e
socialmente. Na sociedade contemporânea ainda existem insatisfações em relação a igreja e
seu papel e, em contraste com tempo de Lutero, encontramos ainda hoje diversas críticas
radicais à igreja, conforme veremos no decorrer deste trabalho, contudo esta conjuntura é
sempre vista como um lugar de leveza, harmonização e acolhimento, também é apresentada
por diversos religiosos e adeptos do cristianismo como um estabelecimento que deve servir às
pessoas e este serviço é tido como uma missão da vida cristã (CILIATO; MOREIRA, 2014).
Observando por essa visão plural e simplista a igreja é um lugar exclusivamente perfeito,

2 É importante frisar que este trabalho terá por foco as principais igrejas consideradas cristãs no Brasil, sendo
assim não contará com outros tipos de religião. O que em hipótese alguma descarta a possibilidade destes
acontecimentos dentro de outras instituições religiosas.
10
entretanto qualquer ambiente onde exista a necessidade de relações humanas, partindo do
próprio conceito cristão de que o homem após a ocorrência da queda 3 vive uma vida caída e
dada aos desejos pecaminosos, é um lugar que precisa lidar com intempéries. O ambiente da
Igreja Cristã é imperfeito. Há em nossa sociedade o costume de idealizar instituições
religiosas como sendo aquelas que carregam um certo rigor de perfeição, mas a realidade está
distante disso. É possível, e é o que acontece por vezes, que diversas dessas instituições
sejam, por meio da distorção do Evangelho ensinado por Jesus e por fatores como medo da
exposição e da perda da ‘boa reputação’, meios de abusos e silenciamento.
Para que haja uma melhor compreensão do ambiente da Igreja Cristã é necessário
falarmos sobre religião, conceito que compõe o ideário daqueles que frequentam estas
instituições. Coutinho (2011) classifica religião como “um conjunto de crenças, rituais e
códigos morais que são compartilhados por seus seguidores” (p. 61) e o teólogo e pastor Yago
Martins define religião como algo que não tem envolvimento apenas com crenças, mas
também com comportamentos e afirma que nossa religião afeta o modo como pensamos e
raciocinamos.

“Na antropologia da religião, nomes como Rudolf Otto, Mircea


Eliade, Viktor Frankl, Herman Dooyeweerd e James K. A. Smith, para
citar os mais conhecidos, definem “religião” em termos mais internos
e íntimos que nossas escolhas litúrgicas. Por mais que cada um desses
autores tenha suas especificidades, a síntese de suas ideias é que a
religião de alguém não é definida apenas em esforços de busca por um
Deus pessoal, mas em qualquer busca por uma origem absoluta de
toda a diversidade temporal do sentido diante do qual temos
sentimento de criatura, em dependência, finitude, êxtase de fascínio e
assombro, e uma energia em atividade militante que afeta nossos
hábitos e comportamentos morais.” (MARTINS, 2020, p. 24-25).

Então a religião perpassa apenas as questões espirituais e morais e entrelaça-se no


âmbito comportamental, isto significa que a religião em seus diversos desdobramentos e
denominações dentro do campo da Igreja Cristã contribui na formação do comportamento
daqueles que compõem este ambiente e é desta forma que se dá a doutrinação de muitos
daqueles que se denominam membros. Natividade e Dias, tomando por base a discussão do
cuidado pastoral de Michel Foucault, citam que o exercício da confissão deu abertura, nas
sociedades ocidentais que são fortemente marcadas pela cultura judaico-cristã, a uma

3 A queda é tida como o acontecimento que deu início à corrupção moral dos seres humanos e ocorreu quando
o homem e a mulher – criados por Deus – foram enganados pela serpente e comeram do fruto proibido e isso
traz efeitos devastadores e arrasta suas consequências desde a expulsão do casal de dentro do Jardim do Éden
até hoje.
11
regulação e ao controle de certas verdades sobre si e sobre uma gestão de vida que “em muito
extrapolam o campo religioso, de modo a produzir novas dinâmicas de saber-poder, assim
como de controle das populações. O papel do cristianismo é pioneiro neste processo de
interiorização de uma verdade por meio do exame dos mais profundos desejos da carne, de
falar sobre si e, por conseguinte, dos processos de subjetivação” (NATIVIDADE; DIAS,
2022, p. 5). Estudos realizados sobre iniciação sexual na adolescência e juventude revelam
que poucas variáveis possuem tamanha influencia neste âmbito quanto a religião e é partindo
desta visão de poder e controle que o ambiente da igreja, que deveria ser saudável para
auxiliar e acolher aqueles que chegam até ali com suas feridas e dores, se torna um ambiente
abusivo e por vezes impenetrável, trazendo, desta forma, impactos vultosos na vida daqueles
que sofrem com este mal dentro destes ambientes, inclusive quando o sujeito da questão é a
mulher (COUTINHO, 2011).
Mark Dever, pastor batista, teólogo e Ph.D. em História Eclesiástica aponta que uma
igreja saudável possui 9 marcas, sendo uma destas uma liderança bíblica na igreja. O autor
discorre sobre as características que deveriam ser levadas em consideração para a instituição
de um líder dentro da igreja e ressalta que “reconhecer a natureza pecaminosa da autoridade
humana e o fato de que esta autoridade pode sofrer abusos é bom e saudável” (DEVER, 2018,
p. 266). Mark retrata nesta fala algo que por muitos é deixada de lado: ainda que dentro de
uma instituição religiosa, uma liderança pode ser corrompida e se tornar abusiva. É valido
também retratarmos a importância de igrejas saudáveis. Dentro do meio cristão o olhar bíblico
e teológico ressalta que a Igreja4 pertence a Cristo e todo aquele que se utiliza deste meio para
benefícios pessoais e para impor violências como sendo coisas que Deus ensina através do
Evangelho prestará contas disso diante do próprio Deus, revelando deste modo que a Igreja
Cristã – pelo menos no que diz respeito aos próprios ensinamentos bíblicos – deve estar
comprometida com os cuidados sociais e o acolhimento daqueles que frequentam este local,
que tem como uma de suas principais missões refletir o amor de Cristo para todos. Dever cita
que “a igreja não é um acessório, é a forma de seguir a Jesus”, logo espera-se que esta igreja
reflita em suas atitudes o Jesus bíblico ao qual seguem (DEVER, 2018, p. 16). Também deve
ser falado sobre o fato de se ter igrejas comprometidas com essas verdades. Desde o princípio
da fundação e no decorrer da história da Igreja são observadas distinções feitas entre a falsa e
a verdadeira igreja e como descrito por João Calvino, nas Institutas da Religião Cristã, “onde
quer que vejamos a palavra de Deus ser sinceramente pregada e ouvida, onde vemos os

4 Por Igreja falo no contexto estabelecido pelos cristãos de “corpo de Cristo” de modo geral.
12
sacramentos serem administrados segundo a instituição de Cristo, aí de modo nenhum se há
de contestar estar presente em uma igreja de Deus” (CALVINO, 1559, p. 34). Ainda assim é
essencial destacar que qualquer ambiente está suscetível a ocorrências de abuso e como falado
anteriormente no começo deste capítulo, as igrejas são imperfeitas.

2.1.1 A Mulher no ambiente da igreja

A instituição da igreja Cristã promove em seus ensinamentos uma ideia essencial de


louvor ao patriarcado, o que por muito tempo promoveu o grande envolvimento, quase
sempre mais frequente, da figura masculina em comparação com a figura da mulher no
contexto da história da igreja. Podemos observar uma grande discussão e muitas divergências
em relação a este assunto e chegamos a ver alguns desdobramentos deste debate na atualidade
do contexto cristão. Há os que defendam com veemência que o ser masculino se sobrepõe à
mulher por uma ordem divina, há os que fomentam a ideia da superioridade masculina em
todos os âmbitos da vida (chegando até a defender uma certa “masculinidade bíblica” que
sustenta uma personalidade violenta e imponente como algo que deve fazer parte do
verdadeiro homem), há também aqueles que creem que a mulher foi criada exclusivamente
para prestar auxílio às necessidades masculinas e etc. Entretanto, em contrapartida a estes
pensamentos, podemos enxergar também um crescente posicionamento das mulheres cristãs
no combate às falácias disseminadas por esses ideais machistas e misóginos.
No decorrer da história da igreja, inclusive dentro da Reforma Protestante, podemos
encontrar mulheres que lutaram ferozmente por seu espaço merecido. Nomes como Argula
Von Grumbach, Maria Dentière, Olympia Morata, Joana IV de Navarra, Catarina Zell,
Catarina Von Bora, Idelette de Bure, Catarina Parr e Anne Askew 5 podem ser vistos dentro da
história da reforma, ainda que não recebam tanta exposição quanto nomes masculinos.
Mediante isso vale o importante questionamento feito por Maurício Zágari (2021):

“Será que os seres humanos do sexo feminino devem ser inseridos em


contextos eclesiais e missionais como pregação, pastoreio,
evangelismo, ensino e socorro, em razão das similitudes com os seres
humanos do sexo masculino, ou devem ser excluídos, em razão das
diferenças entre eles? A olhos oficiais, a resposta é clara, se tomarmos
por base o pouco espaço que lhes foi reservado ao longo da história da
igreja.” (p. 11).

5 Tais mulheres e seus feitos podem ser encontradas no livro “Reformadoras” de Rute Salviano Almeida e
Jaqueline Souza Pinheiro.
13
E isto apenas se associa ainda mais à verdade de que a mulher, tanto no decorrer da história
quanto na atualidade, não possui um espaço aberto para sua participação de forma efetiva e
ampla neste ambiente. Como a igreja tem enxergado a mulher? Este questionamento é
essencial para lidarmos de maneira realista com o assunto do abuso da mesma dentro de
instituições cristãs. Infelizmente a realidade de muitas, não todas, mas de muitas igrejas
cristãs expressa que a mulher permanece sendo vista como inferior pelas mais diversas
motivações. Francine Walsh afirma que “de fato, existe opressão à mulher neste mundo caído,
e o cristão que ignora isso precisa remover as lentes cor-de-rosa através das quais tem
enxergado a vida” (WALSH, 2022, p. 45). O papel da igreja diante da sociedade e dos mais
diversos males nela encontrada é o de não recusar a realidade dos problemas a ela
apresentada, mas agir em justiça se tornando parte da solução e não do problema como assim
temos visto. Abuso, estupro, preconceito, falta de acesso à educação, desigualdade salarial são
algumas das pautas levantadas na atualidade e que deveriam ser também levantadas e
debatidas pela igreja com o propósito de galgarmos novos patamares da inclusão feminina,
dos direitos e do espaço de fala da mulher e principalmente pela busca de um ambiente
assertivo que deixa de objetificar a mulher e seu corpo e passa a propor uma maior liberdade e
segurança para esta. Walsh (2021) assegura que “quando aqueles que se autodenominam
cristãos não imitam Cristo em amor e proteção às mulheres, tornam-se hipócritas em relação
ao Mestre que afirmam adorar” e segue dizendo que os que negam à mulher o tratamento
digno que ela merece estão pecando (p. 50). A igreja que desfavorece e diminui a mulher
acaba tornando o seu ambiente favorável aos mais diversos tipos de abusos e aqueles que se
calam diante destas ocorrências violam uma premissa bíblica e, muito além disso,
desrespeitam a luta de muitas mulheres que se doam em busca de um espaço de fala que seja
efetivamente seguro, onde possam expor a violência sofrida e ser levada em consideração.

2.2 COMO OCORREM OS ABUSOS E OS PRINCIPAIS FATORES QUE


DIFICULTAM AS DENUNCIAS

Já sabemos que o ambiente da Igreja Cristã pode ser, por vezes, um ambiente abusivo,
entretanto, diante disso vale questionar como se dá esse tipo de ocorrência em um lugar que
deveria promover segurança e bem-estar às mulheres e aos membros ali envolvidos. Dentro
do cristianismo a igreja trabalha com uma estrutura hierárquica, que em certas ocasiões,
quando falta as observações e cuidados necessários, pode chegar a desenvolver um ambiente

14
propicio para a ocorrência do abuso. João R. Barros II explica um pouco sobre a visão de
Foucault sobre o governo pastoral e discorre que

“A apátheia cristã, tal como a entende Foucault, exerceu um papel


fundamental na conexão entre o governo pastoral e o surgimento da
governamentalidade. Entendida como recusa permanente aos prazeres
da carne, ela possibilitava aos cristãos proceder a uma recusa total de
si. Dita recusa, quando feita de maneira devida, possibilitaria ao fiel
ser salvo por seu pastor. Este, no papel de confessor, usaria das
técnicas de si para construir uma verdade sobre o sujeito que
confessava, subjetivando, subjugando e guiando os passos daquele que
expunha seus sentimentos e desejos de maneira permanente.”
(BARROS II, 2020, p. 18).

Neste ponto da questão vale analisar e levar em consideração o valor atribuído à religião pela
vítima e seu histórico de vida envolvendo o ambiente da igreja. Na fala de Barros II (2020)
sobre o entendimento de Foucault percebe-se factualmente a relevância do pastor ou líder
espiritual sendo elevada ao lugar daquele que serve como um ‘guia’, como um governante
para aquela membresia desamparada com suas dores e situações diárias, o que pode
desencadear em certos indivíduos, mediante a promoção dessa visão, o fortalecimento de
princípios religiosos aprendidos no decorrer da sua história. Essa posição de discipular
alguém eleva o líder a uma posição de poder, pois este é colocado como aquele a quem se
recorre para desabafar, confessar, ser ouvida e atendida, bem como também é visto como
aquele que é um exemplo a ser seguido e, como bem colocado por Barros II (2020), aquele
que exerce esse papel possui a capacidade de construir uma certa verdade sobre quem aquele
sujeito é para ele mesmo. Nos estudos sobre o desenvolvimento humano vemos Papalia e
Feldman (2013) examinando a teoria do raciocínio moral de Kohlberg e os autores explicam a
pesquisa que foi realizada e aonde ela resultou. Kohlberg divide o raciocínio moral e seus
estágios em 3 níveis, sendo o nível I o raciocínio pré-convencional, onde os indivíduos são
guiados por ordens externas a si; o nível II nomeado de moralidade convencional, que seria o
momento da vida onde as pessoas vivem um processo de internalização dos padrões
realizados por figuras de autoridade e o nível III intitulado de moralidade pós-convencional,
onde o sujeito passa a perceber certas incongruências nos padrões morais aprendidos e passa a
ressignificá-los. Papalia e Feldman prosseguem explicando este processo do desenvolvimento
do raciocínio moral.

“Alguns adolescentes, e mesmo alguns adultos, permanecem no nível


I de Kohlberg. Assim como as crianças pequenas, eles procuram evitar
15
punição ou satisfazer suas próprias necessidades. A maioria dos
adolescentes e dos adultos parece estar no nível II [...] Eles se sujeitam
às convenções sociais, apoiam o status quo e fazem a coisa certa para
agradar aos outros e obedecer à lei. Os adolescentes frequentemente
apresentam períodos de aparente desequilíbrio quando passam de um
nível para outro (Eisenberg e Morris, 2004) ou retrocedem para outros
sistemas éticos, como os preceitos religiosos, em vez de para o
sistema baseado na justiça de Kohlberg (Thoma e Rest, 1999).”
(PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 408).

Mediante os dados apresentados pelos autores e na junção ao entendimento proposto


por Foucault sobre o poder pastoral, podemos complementar a ideia de que aquele líder, que
dentro do ambiente da igreja cristã representa uma figura de autoridade exemplar a ser
seguida, exerce o papel de alguém que estabelece e ensina padrões que podem ser fortemente
internalizados por certo indivíduo, principalmente se levarmos em consideração o ponto de
que muitas mulheres de dentro das igrejas chegaram até aquele lugar em um estado de
desamparo pelos mais diversos motivos. E é diante de uma proposta aparentemente saudável
que certas instituições cristãs se utilizam do poder que possuem para que, por meio da
distorção do Evangelho ensinado por Jesus Cristo, possam adentrar os caminhos que levam ao
abuso. Essas atitudes envolvem um enlaçamento emocional que leva líderes religiosos a
manipular suas vítimas de formas veladas e essas distorções do Evangelho envolvem uma
visão, anteriormente citada, que louva o patriarcado e alimenta a soberania masculina.
Atualmente podemos ter acesso, com uma certa frequência, a manchetes,
documentários, postagens, notícias, dentre outros, que denunciam este tipo de acontecimento
dentro das igrejas e através disso podemos perceber um certo padrão que se estabelece dentro
dos relacionamentos abusivos que por vezes são cultivados nestas culturas. Scot McKnight e
Laura Barringer (2022) dizem que toda igreja é uma cultura que cresce e se desenvolve por
meio da constante interação entre líderes e membros por isso uma cultura nunca deve ser
subestimada. É valido afirmar que é por meio da instauração desta cultura, da aceitação da
mesma e da prática que um caminho muito perigoso pode começar a ser trilhado.

“A cultura é importante. A cultura em que vivemos ensina como nos


comportar e como pensar. Aprendemos o que é certo e errado, bom e
mal, ao viver em uma cultura que define esses conceitos. Adquirimos
nossas intuições morais, crenças, convicções – qualquer que seja o
termo de sua preferência – em comunidade, no relacionamento com
outros. A cultura nos sociabiliza para aquilo que é considerado

16
comportamento apropriado. Para os cristãos, isso se aplica a nossas
igrejas, bem como à sociedade de modo mais amplo.” (McKNIGHT;
BARRINGER, 2022, p. 25).

E assim como na sociedade em geral, na igreja também vemos um estabelecimento


hierárquico, onde “os líderes conduzem os membros em determinada direção a determinada
cultura” e essa dinâmica se dá através da apresentação de narrativas e diretrizes, na prática
destas narrativas para que outros enxerguem isso e através de ensinamentos, como um
discipulado que conduz a membresia a dar novas formas às narrativas, a rearticular as
diretrizes, a praticar e a ensinar a outros aquilo que é apreendido na cultura a qual faz parte, e
assim temos a interação entre líderes e membros necessária para a formação e perpetuação de
uma cultura, sendo ela saudável ou não, “uma cultura corrompida arrasta consigo todo mundo
para o fundo do poço.” (McKNIGHT; BARRINGER, 2022, p. 26-29). Este tipo de cultura
corrompida promove ensinamentos imponentes por parte dos líderes que por não exercerem
uma liderança sadia acabam se tornando manipuladores de seus liderados.
É de tamanha importância que também venhamos a compreender como a igreja
enxerga a sexualidade da mulher e o quanto isso ainda representa um tabu neste ambiente.
Foucault (1985) descreve a ligação das ideias da medicina na antiguidade, influenciadas por
Galeno, e enuncia os vínculos existentes sobre a visão do desejo sexual entre a medicina
antiga e o cristianismo, fazendo presente desta forma a ideia da eliminação dos próprios
desejos como algo saudável para o ser humano.

“Entre essas recomendações dietéticas e os preceitos que se poderá


encontrar mais tarde na moral cristã e no pensamento médico, as
analogias são numerosas: princípio de uma economia estrita visando a
raridade; temor das desgraças individuais e dos males coletivos que
podem ser suscitados por um desregramento da conduta sexual;
necessidade de um domínio rigoroso dos desejos, de uma luta contra
imagens e de uma anulação do prazer como fim das relações sexuais.”
(FOUCAULT, 1985, p. 145).

Assim, partindo da visão, já disseminada erroneamente com o passar dos tempos, de


que a mulher seria mais dada aos desejos impróprios por conta da atitude de Eva no fator da
Queda da humanidade, esse tipo de cobrança é quase sempre depositada sobre a mulher, que é
geralmente enxergada, nos casos de abuso dentro de instituições cristãs, como aquela que
causou e despertou o desejo em seu abusador por ser alguém demasiadamente sensual. Vemos
no quadro pós-Queda o próprio Deus responsabilizando Homem e Mulher pelo
17
acontecimento, contudo, ainda hoje permanecemos vendo a mulher sendo a única
culpabilizada nesta história e é perceptível o quanto o pecado original influenciou a visão da
humanidade. “A mulher herdou todas as mazelas, conseqüentemente, a responsabilidade por
tudo de errado que acontece no mundo. [...] Eva foi condenada e junto a ela, as mulheres”
(CAVALCANTI, 2005, p. 24). A cena não é diferente quando observamos um cenário de
abuso em uma igreja cristã. O padrão na maioria dos casos é similar e quase sempre é a
mesma história que se repete, onde a mulher, vitima, é culpabilizada e os agressores são
plenamente isentos da responsabilidade por seus atos. Scot McKnight e Laura Barringer
descrevem um pouco do que ocorre padronizadamente quando casos de abuso são
denunciados e expostos:

“Muitas vezes, quando um pastor é acusado de conduta indevida, a


reação inicial é negar, esquivar-se, irar-se ou demonizar quem faz a
acusação. Em geral, as alegações são recebidas pelo pastor, presbítero
ou outro líder com negação veemente, seguida de imediato de uma
narrativa alternativa daquilo que "realmente aconteceu". Esse novo
relato lança sementes de dúvida sobre a veracidade, a estabilidade e as
motivações do acusador; procura minimizar a seriedade das
acusações; insinua que palavras ou ações inocentes foram
compreendidas ou interpretadas equivocadamente; e, com frequência,
procura ampliar o foco da acusação e abranger não apenas o pastor,
mas também os presbíteros ou o conselho da igreja, o ministério e a
igreja em si, como se questionar a integridade ou o comportamento do
pastor fosse um ataque contra toda a igreja. Também não é raro a
liderança da igreja garantir que a questão já foi investigada, tratada e
resolvida internamente.” (McKNIGHT; BARRINGER, 2022, p. 15).

Uma igreja saudável não teme relatar a verdade, antes de tudo se compromete com seu
real papel social de justiça e amor em proteção a vítima, porém, através dos fatos já
apresentados neste capítulo podemos concluir que uma instituição que revela este tipo de
atitude para com as vítimas de abuso já possui uma cultura tóxica fortemente enraizada em
seu sistema. Desmentir a vítima em prol do benefício próprio é uma fuga não só dos
abusadores, mas da própria cultura de uma igreja que promove este ambiente de manipulação
e silenciamento, além disso esse tipo de atitude revela a visão disseminada sobre a mulher
dentro daquela instituição. Um artigo publicado por Eric Schumacher na revista eletrônica
Common Good dos EUA, fala um pouco sobre a importância de uma igreja que dá a devida
atenção às mulheres e não as desprezas, ressaltando que este tipo de cuidado e atenção para
com as mulheres é o reflexo de uma atitude bíblica. Um dos argumentos levantados pelo autor
é fato de José, o pai de Jesus, mesmo estando inicialmente desconfiado de que Maria poderia

18
ter se envolvido em um caso de imoralidade sexual, ele decidiu não expor a sua companheira
publicamente e por isso José é descrito, pelo autor do Evangelho de Mateus, como um homem
justo. Eric evidencia que “homens justos não desonram mulheres publicamente [...] desonrar
uma mulher é violar tanto o maior quanto o segundo maior mandamento. Desonrar
publicamente uma mulher é deixar de amar o próximo como a si mesmo – e como ela também
foi feita à imagem de Deus, essa desonra pública é deixar de amar a Deus com tudo o que
você é.”6 (SCHUMACHER, 2023, tradução nossa).
É importante a compreensão de que mentir para manter um império narcisista de
manipulação não é uma atitude que reflete aquilo que inicialmente um cristão deveria refletir.
Bons líderes não agem em descaso com vítimas de abuso, não agem em descaso com as
mulheres e não alimentam em suas instituições este tipo de cultura que desmerece e desonra a
mulher. Toda essa cultura já enraizada em certas instituições dificulta a denúncia das vítimas,
pois trabalham em cima do silenciamento destas que por medo e ameaças decidem não expor
a situação e seus poderosos abusadores.

Uma vez que uma cultura de medo se forma em uma igreja, é quase
impossível voltar atrás. Como disse um historiador da Grécia antiga,
ao se referir a um de seus líderes mais poderosos, “a Tirania [...] era
um lugar encantador, mas não tinha saída. Por isso precisamos
reaprender a pensar de forma bíblica e viver em uma narrativa
diferente, isto é, em uma história de bondade. (McKNIGHT;
BARRINGER, 2020, p. 44).

Pastores e líderes cristãos devem, ainda que seja duro, reconhecer em suas próprias
instituições este perigo e combater este tipo de liderança que se soberaniza a cima de todos, a
cima de Deus, devem tapar as brechas para os narcisistas, ouvir e não silenciar as vítimas e
isso se dá através de um longo caminho de arrependimento e reconhecimento. Há um tempo
este assunto era, por muitos, abafado, atualmente percebemos um novo caminho sendo
trilhado e ainda há muito a se percorrer. Podemos ver nomes como Norma Braga, Francine
Walsh, Jacira Pontinta Monteiro, Rute Salviano, Ana Staut, Carol Bazzo, Bruna Santos,
dentre outras mulheres que têm se levantado em divergência às demais situações de machismo
e desvalorização da mulher dentro das instituições cristãs e, acima de tudo, têm dado voz às
muitas mulheres caladas com o passar do tempo.

6 “Righteous men do not disgrace Woman publicly [...] to disgrace a Woman is to violate both the greatest and
second-greatest commands. Publicly disgracing a Woman is a failure to love your neighbor as yourself – and as
she too is made in the image of God, this public disgrace is a failure to love God with all that you are.” (Texto
original)
19
Também vemos novas páginas direcionadas ao suporte às mulheres vítimas de abuso
sexual dentro de igrejas cristãs como a página nossas histórias curam, liberte-se do opressor e
quebrando o silêncio. Isso nos revela o novo olhar que tem sido dado a esta situação dentro de
muitas igrejas, entretanto, novas estruturas precisam ser desenvolvidas dentro das próprias
igrejas, visando um suporte apropriado para estas vítimas em casos de abuso e denúncias
precisam ser feitas, os verdadeiros culpados devem ser responsabilizados, inclusive as
próprias instituições. As igrejas cristãs têm o dever de se abrir a este debate, além do mais não
são simplesmente acontecimentos que se dão nas esferas sociais a parte da igreja, antes
acontecem dentro das instituições e este tipo de ocorrência, como ela se dá, os processos que
levam até o ato em si do abuso são coisas que merecem atenção e demandam urgência.

2.3 COMO A PSICOLOGIA PODE AUXILIAR AS VÍTIMAS DE ABUSO DENTRO


DE INSTITUIÇÕES CRISTÃS?

Como já estruturadas anteriormente, as ideias até aqui compreendem o fato de que a


religião possui fortes influências sobre a aceitação e nomeação de ideais internalizados por
aqueles que fazem parte do círculo religioso e se incluem nas mais diversas denominações,
incluindo as cristãs. Esse tipo de poder de domínio atribuído às autoridades de dentro das
igrejas coloca sobre estes a responsabilidade de amar, cuidar e ensinar o evangelho conforme
a bíblia de forma saudável – inclusive psicologicamente. Diante disto como a igreja deve lidar
com os casos de abuso prestando apoio psicológico e como a psicologia pode atuar no auxílio
à estás vítimas?
É essencial a pontuação dos principais fatores causadores de angustia que estas vítimas
podem desenvolver em consequência deste tipo de experiência negativa dentro destas
instituições. Sintomas psíquicos, comportamentais, sexuais, relacionais e orgânicos podem se
manifestar com frequência após as ocorrências.

No Brasil, o Ministério da Saúde (2011) delineia os impactos que a


violência sexual acarreta para as vítimas. Entre as principais
consequências estão lesões físicas, gravidez indesejada, doenças
sexualmente transmissíveis e o impacto psicológico. Também são
citados os danos à saúde mental, como ansiedade, depressão e
suicídio. Mattar et al. (2007) acrescentam outros aspectos, como
sentimentos de medo da morte, sensação de solidão, vergonha e culpa.
Na mesma direção, Drezett (2000) relata que podem ocorrer
transtornos da sexualidade, incluindo vaginismo, dispareunia,
diminuição da lubrificação vaginal e perda do orgasmo, que podem

20
evoluir para a completa aversão ao sexo. A violência sexual pode
gerar outras consequências, conforme ressaltado por Mattar et al.
(2007), como problemas familiares e sociais, abandono dos estudos,
perda do emprego, separação conjugal, abandono da casa e
prostituição, como parte dos problemas psicossociais relacionados a
essa dinâmica. (SOUZA et al, 2013, p. 99).

Além dos diversos danos psíquicos e físicos causados à vítima do abuso, o fenômeno
da culpa perpétua a vida dessas vítimas com bastante frequência, pois a culpa é imputada a
essa mulher pela própria instituição de forma velada e aquilo que deveria ser nomeado de
abuso passa a ser apenas um pecado, que na maioria das vezes pode ser tolerado quando o
sujeito que precisa de defesa é um homem. A relação estreita entre culpa e pecado que
permeia os ensinos religiosos cristãos também conduz facilmente a vítima a este lugar de
culpabilização e autopunição.

A culpa está associada ao pecado original, ou seja, à desobediência


deles. [...] Ao pecar, o homem tem intenção consciente de fazê-lo, mas
sente a punição interna da consciência, manifestada pela culpa, que
deverá levá-lo ao arrependimento e à expiação. Tendo cada qual
religião sua punição externa, organizada que avalia o pecado por uma
escala moral, mostrando ao pecador sua punição em vida ou após a
morte. [...] A culpa religiosa está associada à culpa moral, visto que,
quando se desvia dos padrões ditados pela moral como certos ou
errados, bons ou maus, surgem à culpa e a vergonha. Desta forma a
religião contribui para os comportamentos mais escrupulosos que
geram o sentimento de culpa, mas não quer dizer que seja a
responsável por todo mal-estar do indivíduo com relação ao pecado
(culpa) (MONTEIRO, 2019, p. 21-22).

Farias (2016) define a culpa através de um olhar fenomenológico como uma “dívida
com um modo de ser que, em última instância, desejaria que fosse seu modo de ser mais
próprio”, dessa forma essa falta e a distância entre o Self (eu) real e o ideal se torna motivo de
angustia para o indivíduo. Outra consequência que pode ser observada em vítimas de abuso é
o TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático) que pode ser desenvolvido após uma
experiência traumática onde a pessoa reagiu à situação com medo, impotência ou horror
(FIGUEIRA; MENDLOWICZ, 2003, p. 13). A tríade psicopatológica do TEPT é a
revivescência do trauma, esquiva e entorpecimento emocional e hiperestimulação
autonômica. Sobre as revivescências do trauma Figueira e Mendlowicz (2003) afirmam que
este sintoma é muito específico do TEPT e que as revivescências podem se apresentar em
forma de sonhos vívidos, pesadelos, sentimentos incontroláveis e lembranças repentinas da
experiência traumática. “Estes fenômenos são dolorosos e tentam repetidamente tornar-se
21
conscientes e dominar a atenção da pessoa. [...] Essas recordações intrusivas comumente
provocam sentimentos de medo, terror, raiva, impotência, vulnerabilidade, vergonha, tristeza
e culpa.”. Com relação à esquiva e entorpecimento emocional, os autores relatam que a
esquiva é uma tentativa de evitar qualquer coisa que relembre aquela vivencia,
“classicamente, o paciente evita falar, pensar ou ir a locais associados ao trauma. Em alguns
casos, pode ocorrer o fenômeno da amnésia psicogênica”, essa evitação pode levar o
indivíduo a situações mais complexas como o desenvolvimento de um vício ou a utilização de
mecanismos dissociativos. No entorpecimento psíquico a vítima se utiliza da indiferença para
anestesiar as angustias ocasionadas pelo trauma, contudo isso pode levar a uma generalização
onde a pessoa pode tornar-se indiferente inclusive a hábitos anteriormente prazerosos. No
último sintoma da tríade psicopatológica do TEPT está a hiperestimulação autonômica, que é
mais passível de observação pois envolve o âmbito psicofisiológico, desta forma sua
manifestação é através da insônia, hipervigilância, irritabilidade e sobressalto excessivo.
“nesse estado de hiper-reatividade psicofisiológico o paciente pode estar de tal modo
hiperestimulado que estímulos mínimos fazem com que seu coração dispare, sua respiração se
acelere e seus músculos se contraiam.” (FIGUEIRA; MENDLOWICZ, 2003, p. 14-15).
É diante disto que pode se perceber os mais diversos danos causados a uma vítima de
abuso e mediante a apresentação dos sintomas e consequências é de grande importância a
reflexão sobre a forma que a instituição cristã tem lidado com as frequentes ocorrências de
abuso dentro de suas divisões. O grande distanciamento entre as visões teológicas e
psicológicas também se enlaçam nas motivações pelas quais o tema do abuso tem sido
colocado de lado dentro destes ambientes, e diante da observação de como se dá as
ocorrências e de suas consequências nas vítimas, fica claro que este acontecimento não é
simplesmente de ordem teológica, mas também psíquica e social, sendo assim se faz
necessário uma aproximação entre estes dois polos – teológico e psicológico – para um
auxilio eficaz a estas vítimas. Essa possível aproximação serviria como veículo de apoio e
prevenção dentro das igrejas cristãs, que se mostram em sua maioria fechadas para este
dialogo, já que expor qualquer ocorrência deste tipo dentro de suas instituições seria também
expor a fragilidade do sistema teológico disseminado em tal ambiente. A problemática
apontada envolve uma profundidade e seriedade bem maior do que essa atenção seletiva pode
oferecer às vítimas e é neste momento, onde a falha sistêmica da instituição cristã é revelada,
que se mostra de grande relevância o envolvimento do apoio psicológico. Mediante isto, é

22
importante a delimitação do papel da igreja e da psicologia no tratamento oferecido às
vítimas.

2.3.1 Psicologia x Igreja

Através de um olhar teológico o papel da igreja seria o de fazer Jesus Cristo


reconhecido pelo mundo, seja em suas anunciações faladas e ensinadas ou em suas atitudes,
reproduzindo as atitudes do próprio Cristo. Dentro desta conceituação geral está o fato de que
a igreja é um corpo em movimento, sendo assim, como já abordado anteriormente, este corpo
possui e é atravessado por uma cultura, contudo, por seus mais diversos desdobramentos, cada
instituição possui sua própria cultura delimitada. Scot McKnight e Laura Barringer (2022)
definem as diferenças de uma instituição que possui uma cultura tóxica e uma que possui uma
cultura de bondade, chamada TOV7, pelos autores, quando surge em seu interior casos de
abuso.

Quando há uma alegação contra um pastor, um líder ou um voluntário


da igreja, aquilo que o pastor ou a liderança faz primeiro revela a
cultura da igreja, se ela é tóxica ou tov. Se a reação é confissão e
arrependimento, ou compromisso de descobrir a verdade caso todos os
fatos ainda não sejam conhecidos, é provável que essa igreja tenha
uma cultura saudável e tov. Em contrapartida, se o primeiro instinto do
pastor é a negação, alguma forma de narrativa do que "realmente
aconteceu" ou um posicionamento defensivo contra "aqueles que
desejam atacar a igreja ou o ministério", há elementos tóxicos
operando na cultura dessa igreja (McKNIGHT; BARRINGER, 2022,
p. 54).

Dessa forma fica claro que a igreja possui como objetivo questões sociais e não só
aquilo que diz respeito ao espiritual e teológico. Na própria Bíblia vemos um relato do que
seria o verdadeiro evangelho segundo Tiago, que descreve que “a religião pura e sem mácula
para com o nosso Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se
incontaminado do mundo” (BÍBLIA, Tiago 1:27).
A psicologia, apesar de ser uma ciência relativamente nova, tem como principal objeto
de estudo o Ser Humano e sua psique, seus processamentos internos, sua cognição, seus
comportamentos, sua existência. “Essencialmente, as pessoas que trabalham no campo da
psicologia tentam dar sentido às perguntas: "O que o motiva a agir assim?" e "Como você vê
o mundo?". Essas ideias bastante simples abrangem muitos temas diferentes e complicados,

7 A palavra TOV no hebraico significa ‘bom’ e está relacionada à um atributo de Deus, que é Sua bondade.
23
que incluem emoções, processos mentais, sonhos, memórias, percepção, personalidade,
doença e tratamento.” (KLEINMAN, 2015). É partindo disto que é válido pontuar que a
psicologia está posicionada em um lugar de auxílio a certo indivíduo que se encontra em
sofrimento psíquico e que por isso não está em condições de elaborar bem seus sentimentos
ou de processar de forma saudável os acontecimentos de sua vida. É mediante essa colocação
que a psicologia pode proporcionar às vítimas de abuso dentro de instituições cristãs o auxílio
necessário para lidar com as consequências desenvolvidas por este acontecimento. A
psicoterapia não é um processo que modela a vida do sujeito tornando-a perfeita e sem
problemas, mas dentro do processo psicoterapêutico cada indivíduo tem a oportunidade de se
expor para si mesmo com suas dores e angustias e em face disso promover um
autoconhecimento que pode o conduzir à autoaceitação e acolhimento de si e de suas
vivências.
A igreja possui uma estrutura hierárquica e dentro daquela cultura que tem suas
hierarquias, o pastor ou líder são encarregados do papel de conselheiros. O aconselhamento é
algo comum neste meio e é essencial a diferenciação do aconselhamento pastoral e do
processo psicoterapêutico. Um pensamento muito disseminado dentro das igrejas hoje é o de
que por se existir o aconselhamento pastoral certa pessoa não precisa ir ao psicólogo pois
aquele aconselhamento basta para solucionar as questões apresentadas. Um pastor ou líder
pode trazer respostas que sejam realmente eficazes em certos casos, contudo diante de uma
questão psicossomática existem processamentos ali envolvidos que são de uma ordem mais
profunda e de domínio do profissional da área da psicologia, desta forma, igreja e consultório,
psicologia e teologia são objetos distintos e que produzem resultados divergentes no auxílio e
apoio às vítimas de abuso.

2.3.2 Como a psicologia pode auxiliar estas vítimas?

Uma vítima de um abuso se encontra em um momento de grande fragilidade


emocional, as consequências são as mais diversas e tem resultados nos comportamentos, no
corpo e na elaboração das emoções. Sendo assim o papel do psicólogo no processo
psicoterapêutico nestas situações é o de prestar apoio àquela vítima da melhor forma,
buscando sempre desenvolver a autonomia do paciente e não sua dependência. É importante o
desenvolvimento de uma relação onde o profissional se disponha a um verdadeiro
entendimento de cada caso, dentro de seus próprios desdobramentos e subjetividade.

24
Conforme o teórico Carl Rogers explica, o desenvolvimento de uma relação transparente,
envolvendo afetividade, liberdade, compreensão empática e aceitação por parte do terapeuta
pode desencadear no paciente uma motivação interna que o conduza a mudança. O
estabelecimento deste tipo de relacionamento traduz o que Rogers chama de relação de ajuda
e ele diz que essa expressão diz respeito a “uma relação na qual pelo menos uma das partes
procura promover na outra o crescimento, o desenvolvimento, a maturidade, um melhor
funcionamento e uma maior capacidade de enfrentar a vida” (ROGERS, 2017, p. 26). Para o
autor quando o psicólogo consegue firmar com o paciente este tipo de relação, o processo
psicoterapêutico se torna proveitoso e eficaz, desta forma, quando um paciente

encontra alguém que ouve e aceita os seus sentimentos, ele começa,


pouco a pouco, a tomar-se capaz de ouvir a si mesmo. Começa a
receber mensagens que vêm do seu próprio interior — a perceber que
está com raiva, a reconhecer quando tem medo, e mesmo a tomar
consciência de quando se sente com coragem. À medida que começa a
se abrir mais para o que se passa nele, torna-se capaz de perceber
sentimentos que sempre negou e reprimiu. Pode ouvir sentimentos que
lhe pareciam tão terríveis, tão desorganizadores, tão anormais ou tão
vergonhosos, que nunca seria capaz de reconhecer que existissem
nele. Enquanto vai aprendendo a ouvir a si mesmo, começa
igualmente a aceitar-se mais (ROGERS, 2017, p. 38).

Ruth Scheeffer Simões (1960) discorre um pouco sobre a teoria da personalidade e o


comportamento de Rogers e pontua que “a teoria Rogeriana é apresentada sob a forma de
proposições explicativas” (p. 65) e dentre elas estão algumas bastante relevantes como a
pontuação de que todo indivíduo de forma subjetiva vive em mundo de experiências que está
continuamente em mutação e do qual ele é o centro. Uma vítima que experiencia um abuso
possui maneiras de simbolizar aquilo que se insere em seu campo fenomenológico e por meio
do processo psicoterapêutico este sujeito pode trazer à consciência fatos que anteriormente
eram simbolizados de forma inconsciente, logo que “muitas das nossas experiências
sensoriais e viscerais não são conscientes” (SIMÕES, 1960, p. 65). É partindo disto que o
psicólogo deve se colocar neste lugar de afeto e acolhimento para com o sujeito diante de si,
estimulando – através de interrogatórios, exame, análise, observação – aquele paciente a
simbolizar emoções e sentimentos tornando-os conscientes.
Outra pontuação importante é a de que o sujeito reage ao ambiente como ele é sentido
e percebido, reafirmando a ideia de subjetividade de cada pessoa. Cada experiência pode ser
interpretada de uma forma particular logo que “o indivíduo não reage a uma realidade
absoluta mas à sua percepção da realidade” (SIMÕES, 1960, p. 66), sendo assim aquilo que
25
pode ser instrumentalizado em um processo psicoterapêutico se diferencia do que pode se
precisar em outro, da mesma forma aquilo que é simbolizado por certo individuo se diferencia
do que outro simboliza, apesar da similaridade dos casos em relação a como se dão os casos
de abuso dentro de instituições cristãs. É importante salientar que dentro do campo
fenomenológico experiencial aquilo que é percebido e traz significação para o fenômeno é
parte da estrutura do “eu”, assim, o foco do profissional é a modificação da percepção do
fenômeno que se mostrou àquela paciente por meio da experiência inserida no campo
fenomenológico e que se tornou uma percepção estruturante daquela vivência por conta de
como ela foi percebida. Aquilo que é parte e constitui o “eu” do indivíduo se dá por
experiências anteriormente vivenciadas e à medida que certo fenômeno se mostra a um
indivíduo essa experiência percebida pode ser “1. ignoradas porque nenhuma relação é
percebida com a estrutura do "eu"; 2. simbolizadas, percebidas e organizadas, em certa
relação com o "eu"; 3. negadas ou simbolizadas de maneira distorcida porque a experiência é
inconsistente com a estrutura do "eu".” (SIMÕES, 1960, p. 69). É possível ao sujeito que
vivência esse tipo de conflito religioso, moral e emocional que se adote um certo
comportamento que não seja congruente com seu auto-conceito e partindo disto “qualquer
experiência inconsistente com a estrutura do “eu" pode ser percebida como uma ameaça e
quanto mais forem inconsistentes essas percepções, mais rigidamente a estrutura do "eu" se
organiza para se defender.” (SIMÕES, 1960, p. 70). Não é incomum encontrarmos mulheres
vítimas de abuso dentro de instituições cristãs que vivenciam este comportamento
incongruente com seu próprio conceito de si e em grande parte das vezes, nestas situações, a
instituição tem atitudes em resposta a vítima que alimentam o sentimento de não
pertencimento, culpa, incompreensão e falta de acolhimento, que por consequência segue um
rumo de silenciamento e não compreensão destas vítimas. Segundo Simões (1960) a reação
do indivíduo muda quando a percepção da experiência também é modificada. Por meio do
processo terapêutico a forma como a mulher se enxerga, quais os papéis foram estabelecidos
por outros para ela e a sua posição de vítima que não possui culpa podem ser revistos e
percebidos de uma forma mais real e saudável.
Uma terceira pontuação da teoria rogeriana sobre a personalidade e o comportamento
é a de que o organismo do indivíduo reage ao seu campo fenomenológico, ou seja, há um
enlace entre o físico e o psíquico. Como já demonstrado no início deste capítulo o corpo
manifesta aquilo que não é bem processado internamente e no caso de uma vítima de abuso
algumas das possíveis consequências físicas podem ser vaginismo, dispareunia, diminuição da

26
lubrificação vaginal, perda do orgasmo ou até mesmo a evolução para uma completa aversão
ao sexo. Por fim Rogers pontua que quando existe uma condição de não ameaça, um ambiente
sem apontamentos e julgamentos ao “eu”, abre-se um espaço onde “essas experiências
inconsistentes podem ser percebidas, examinadas e a estrutura do “eu" as revista, ao fim de
assimilá-las.” (SIMÕES, 1960, p. 70). Quando aquele paciente vivencia todas essas
experiencias do processo psicoterapêutico, se conhece e se aceita e assimila seu auto estrutura
ele é conduzido a um lugar de troca, onde suas percepções e simbolismos distorcidos são
substituídos “por um contínuo processo de valorização, fornecida pelos seus próprios sentidos
e pelo seu organismo total.” (SIMÕES, 1960, p. 70), passando a vivenciar uma autoaceitação
e também uma boa aceitação do outro, isto se dá por meio do processo psicoterapêutico
eficaz, processo este que deve ser buscado e incentivado em auxílio à vítima pela instituição
cristã.

CONCLUSÃO

Diante de tudo que pôde ser abordado nesta leitura até aqui fica claro e bem delimitado
que a instituição cristã tem muito a observar e melhorar no seu auxílio às vítimas de abuso
dentro de suas divisões. Em conjunto com a psicologia, estas instituições podem e devem
trazer à tona estas questões, se mostrando abertas a um diálogo visando um apoio eficaz a
estas mulheres por meio do processo psicoterapêutico, lugar onde esta mulher poderá
simbolizar suas questões, sejam elas conscientes ou não, trabalhando uma autoaceitação de
seu campo fenomenológico e de sua autoestrutura psíquica.
Neste beste processo também existe a influência de como a instituição onde se deu a
ocorrência lidou com a questão, sendo assim, que o distanciamento entre as visões teológica e
psicológica possa ser analisado em prol de uma aproximação entre estes dois polos para um
auxílio eficaz a estas vítimas. Essa possível aproximação serviria como suporte e prevenção
dentro das igrejas cristãs, que geralmente decidem não lidar com o abuso como algo que deve
ser combatido com urgência. Que o olhar prestado às vítimas dentro destas instituições cristãs
seja de suporte e acolhimento e que em todo silenciamento possa ser dado um basta. E
principalmente, que todo tipo de abuso seja denunciado e que as vítimas possam ser
encaminhadas a um serviço psicoterapêutico onde posa se tratar das graves consequências
causadas pelo abuso.

27
Portanto, às igrejas cristãs resta o entendimento de que a mesa é para todos e que a
igreja, cumprindo seu papel de reproduzir as atitudes de Jesus, deve incluir e dar voz em lugar
de segregar e silenciar. Este ambiente deve promover a ideia de que “quando houver mais
pessoas em sua vida do que lugares à sua mesa, não aumente os muros; amplie a mesa.”
(WALSH, 2022, p. 78). A igreja precisa ampliar a mesa e não aumentar seus muros,
acolhendo as vítimas, trabalhando de forma preventiva dentro de suas instituições, expondo e
nomeando os casos de abuso, não tornando o abusador a vítima e promovendo politicas
psicológicas que auxiliem as mulheres neste lugar de dor e angustia.

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