A caixa preta não só vem diminuindo de tamanho: vem também
ficando cada vez mais misteriosa
Marcelo Gleiser, é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
Quando os primeiros computadores foram criados, enchiam salas
imensas, válvulas aquecidas e toneladas de fios dando-lhes a aparência de monstros tecnológicos. Hoje, laptops têm muito mais potência de cálculo do que esses seus primeiros antepassados. A tendência da tecnologia é a miniaturização crescente.
Circuitos de computadores contêm milhões de transistores,
impressos em placas tão pequenas que mal enxergamos os detalhes a olho nu. E, claro, em nossa pressa urbana, queremos máquinas ainda menores e mais velozes, pouco ligando para como a coisa é feita.
Uma pena esse descaso com relação às verdadeiras preciosidades
da engenharia que usamos com tanta freqüência: celulares, TVs a cabo, DVDs, GPS, ipods, a lista cresce a cada dia. Não me refiro ao aspecto externo, o design de ponta, mas ao interno, os circuitos integrados, os processadores, o poder de transmissão vindo de objetos tão pequenos.
Inevitavelmente, a tecnologia se esconde cada vez mais das
pessoas. No início do século 20, as novidades para o público eram a luz elétrica e os primeiros carros. Todavia, vem já de lá esta crescente ocultação da tecnologia dentro da "caixa preta": apertamos os botões sem saber como as coisas funcionam dentro da caixa.
Daí que, quando as coisas quebram, ou jogamos fora ou chamamos
os técnicos, aqueles que sabem como abrir a caixa preta e, ao menos em princípio, consertar o que for necessário. A caixa preta não só vem diminuindo de tamanho: vem também ficando cada vez mais misteriosa. A situação piorará ao entrarmos na era das máquinas quânticas.
Qual a menor máquina que usamos no dia-a-dia? Não muito
pequena, talvez um barbeador elétrico, um ipod, um marca-passo, um aparelho de audição. Esses exemplos são todos bem grandes, de dimensões de centímetros. Imagine máquinas milhares de vezes menores do que isso, com tamanho comparável ao de bactérias.
Sabemos que células são máquinas extremamente sofisticadas,
movidas pela dança das proteínas. Se a natureza pode criar máquinas tão pequenas, por que não os homens? São as máquinas quânticas, objetos de porte comparável ao de células ou até menores, nos limites entre os mundos da física clássica e da física quântica, que descreve o comportamento dos átomos e das moléculas.
Osciladores eletromecânicos capazes de vibrar milhões de vezes
por segundo (como comparação, carros funcionam a 3.000 rpm, ou 50 rotações por segundo); detectores sensíveis à presença do campo magnético criado por um único elétron; em breve, nanocâmeras que filmam moléculas individualmente.
Essas são algumas da invenções da nanotecnologia, a ciência que
estuda o comportamento de máquinas submicroscópicas. Uma das aplicações será na medicina: a criação de nanorrobôs pequenos o suficiente para serem inseridos na corrente sangüínea do paciente, identificar artérias bloqueadas ou prestes a serem bloqueadas, e destruir a causa do bloqueio.
Do ponto de vista da física, as nanomáquinas representam uma
nova fronteira do conhecimento, onde as flutuações sempre presentes no mundo do muito pequeno servem de fonte para as vibrações utilizadas pelos vários aparelhos. Essa é uma das diferenças entre o mundo clássico e o quântico: no quântico, não existe repouso, tudo vibra continuamente.
Em vez de eliminar as vibrações inerentes aos materiais, as novas
tecnologias alçam mão do "se não podemos derrotá-los, que nos unamos a eles", criando caixas pretas de dimensões moleculares.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College,
em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu" Origem do texto: COLUNISTA DA FOLHA Editoria: MAIS! Página: 9 Edição: São Paulo Aug 14, 2005 Seção: + CIÊNCIA; MICRO/MACRO Observações: PÉ BIOGRÁFICO
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