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MÁQUINAS QUÂNTICAS

14/08/2005

A caixa preta não só vem diminuindo de tamanho: vem também


ficando cada vez mais misteriosa

Marcelo Gleiser,
é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover
(EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"

Quando os primeiros computadores foram criados, enchiam salas


imensas, válvulas aquecidas e toneladas de fios dando-lhes a
aparência de monstros tecnológicos. Hoje, laptops têm muito mais
potência de cálculo do que esses seus primeiros antepassados. A
tendência da tecnologia é a miniaturização crescente.

Circuitos de computadores contêm milhões de transistores,


impressos em placas tão pequenas que mal enxergamos os
detalhes a olho nu. E, claro, em nossa pressa urbana, queremos
máquinas ainda menores e mais velozes, pouco ligando para como
a coisa é feita.

Uma pena esse descaso com relação às verdadeiras preciosidades


da engenharia que usamos com tanta freqüência: celulares, TVs a
cabo, DVDs, GPS, ipods, a lista cresce a cada dia. Não me refiro ao
aspecto externo, o design de ponta, mas ao interno, os circuitos
integrados, os processadores, o poder de transmissão vindo de
objetos tão pequenos.

Inevitavelmente, a tecnologia se esconde cada vez mais das


pessoas. No início do século 20, as novidades para o público eram
a luz elétrica e os primeiros carros. Todavia, vem já de lá esta
crescente ocultação da tecnologia dentro da "caixa preta":
apertamos os botões sem saber como as coisas funcionam dentro
da caixa.

Daí que, quando as coisas quebram, ou jogamos fora ou chamamos


os técnicos, aqueles que sabem como abrir a caixa preta e, ao
menos em princípio, consertar o que for necessário. A caixa preta
não só vem diminuindo de tamanho: vem também ficando cada vez
mais misteriosa. A situação piorará ao entrarmos na era das
máquinas quânticas.

Qual a menor máquina que usamos no dia-a-dia? Não muito


pequena, talvez um barbeador elétrico, um ipod, um marca-passo,
um aparelho de audição. Esses exemplos são todos bem grandes,
de dimensões de centímetros. Imagine máquinas milhares de vezes
menores do que isso, com tamanho comparável ao de bactérias.

Sabemos que células são máquinas extremamente sofisticadas,


movidas pela dança das proteínas. Se a natureza pode criar
máquinas tão pequenas, por que não os homens? São as máquinas
quânticas, objetos de porte comparável ao de células ou até
menores, nos limites entre os mundos da física clássica e da física
quântica, que descreve o comportamento dos átomos e das
moléculas.

Osciladores eletromecânicos capazes de vibrar milhões de vezes


por segundo (como comparação, carros funcionam a 3.000 rpm, ou
50 rotações por segundo); detectores sensíveis à presença do
campo magnético criado por um único elétron; em breve,
nanocâmeras que filmam moléculas individualmente.

Essas são algumas da invenções da nanotecnologia, a ciência que


estuda o comportamento de máquinas submicroscópicas. Uma das
aplicações será na medicina: a criação de nanorrobôs pequenos o
suficiente para serem inseridos na corrente sangüínea do paciente,
identificar artérias bloqueadas ou prestes a serem bloqueadas, e
destruir a causa do bloqueio.

Do ponto de vista da física, as nanomáquinas representam uma


nova fronteira do conhecimento, onde as flutuações sempre
presentes no mundo do muito pequeno servem de fonte para as
vibrações utilizadas pelos vários aparelhos. Essa é uma das
diferenças entre o mundo clássico e o quântico: no quântico, não
existe repouso, tudo vibra continuamente.

Em vez de eliminar as vibrações inerentes aos materiais, as novas


tecnologias alçam mão do "se não podemos derrotá-los, que nos
unamos a eles", criando caixas pretas de dimensões moleculares.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College,


em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
Origem do texto: COLUNISTA DA FOLHA
Editoria: MAIS! Página: 9
Edição: São Paulo Aug 14, 2005
Seção: + CIÊNCIA; MICRO/MACRO
Observações: PÉ BIOGRÁFICO

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