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A Arte Sacra de

Cláudio Pastro na
Basílica de Aparecida
e sua contemporaneidade
História, Cultura e Leitura de suas Obras

Egidio Shizuo Toda


1

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

EGIDIO SHIZUO TODA

A ARTE SACRA DE CLÁUDIO PASTRO NA BASÍLICA DE APARECIDA


E SUA CONTEMPORANEIDADE
História, Cultura e Leitura de suas obras

São Paulo
2013
2

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

A ARTE SACRA DE CLÁUDIO PASTRO NA BASÍLICA DE APARECIDA


E SUA CONTEMPORANEIDADE
História, Cultura e Leitura de suas obras

Dissertação apresentada à Universidade


Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial para a obtenção do Título de Mestre
em Educação, Arte e História da Cultura.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Rizolli

São Paulo
2013
3

T633a Toda, Egidio Shizuo


A Arte Sacra de Cláudio Pastro na Basílica de Aparecida
e sua Contemporaneidade – História, Cultura e Leitura de suas
Obras / Egidio Shizuo Toda – São Paulo, 2013.
191 f. + 1 DVD

Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da


Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2013.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Rizolli
Referências Bibliográficas: f. 137 - 141

1. Basílica de Aparecida. 2. História. 3. Arte Sacra.


4.Comunicação. 5. Cláudio Pastro. I. Título

CDD 704.9480981
4

EGIDIO SHIZUO TODA

A ARTE SACRA DE CLÁUDIO PASTRO NA BASÍLICA DE APARECIDA


E SUA CONTEMPORANEIDADE
História, Cultura e Leitura de suas obras

Dissertação apresentada à Universidade


Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial para obtenção de Título de Mestre em
Educação, Arte e História da Cultura.


Aprovada em: 05 / 08 / 2013

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Marcos Rizolli


Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. João Carlos de Souza


Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

Prof. Dra. Mirian Celeste Martins


Universidade Presbiteriana Mackenzie
5

  DEDICATÓRIA

Àqueles que se dedicam à arte sacra, para auxiliar


a todos que recorrem aos templos como um refúgio
que inspira a contemplação, a oração e a meditação.
6

AGRADECIMENTOS

A Deus, fonte de sabedoria, porque dele recebi a energia vital para trilhar este caminho.

À minha família, meu pai, tias, meus irmãos, cunhados, sobrinhos, que ajudam na
formação do homem como indivíduo e sociedade.

A Léo, amigo e companheiro, pela existência, paciência, dedicação, apoio e carinho.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Marcos Rizolli, pelo apoio, confiança e orientação
constantes, estimulando-me à pesquisa acadêmica contínua e aprofundada.

Ao amigo Dr. José Alberto B. Borges, que abriu os caminhos com Cláudio Pastro.

A Cláudio Pastro pela generosidade em compartilhar sua vida e experiências e por


ceder fotos exclusivas de seu acervo pessoal para este trabalho.

Ao Dom Darci Nicioli por sua atenção em receber e falar do projeto estético da Basílica,
e por franquiar meu acesso às obras e ao Centro de documentação.

À Profa. Dra. Paula Tavares pelo acolhimento e preciosos ensinamentos no Instituto


Politécnico do Cávado e do Ave, em Barcelos, Portugal.

À banca de qualificação, composta pelo Prof. Dr. João Carlos de Souza e pela Prof.
Dra. Mirian Celeste Martins, pelo rigor acadêmico e pelas preciosas observações, que
sem dúvida contribuíram muito na elaboração desta dissertação.

Ao MackPesquisa, pelo apoio financeiro ao trabalho de investigação e pesquisa.

À Bolsa Mackenzie/Santander pelo Intercâmbio Acadêmico Internacional.

A todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a conclusão desta


etapa acadêmica.
7

EPÍGRAFE

“Quer as imagens tenham um efeito de alívio


ou venham a provocar selvageria, maravilhem ou
enfeiticem, sejam manuais ou mecânicas, fixas,
animadas, em preto e branco, em cores, mudas,
falantes – é um fato comprovado, desde há
algumas dezenas de milhares de anos, que elas
fazem agir e reagir.

Algumas, que chamamos Obras de Arte,


oferecem-se complacentemente a contemplar...”

(Vida e Morte da Imagem, Régis Debray)


8

RESUMO

O presente trabalho aborda a importância da obra de arte no ambiente sacro,


como relevante instrumento de educação religiosa no interior da Basílica de Nossa
Senhora de Aparecida, o maior templo católico do Brasil e o segundo maior do mundo.
Trata-se do estudo sobre processo de comunicação e mídia do artista Cláudio Pastro,
responsável pela execução da arte sacra e visual da Basílica, para atingir o grande
público na contemporaneidade. Como o artista cria esta comunicação estética, unindo
todas as partes deste edifício de dimensão monumental, impondo seu estilo único
e atual. Com uma linguagem desenvolvida em estudos no exterior e influências no
passado, o artista busca na arte sacra os ensinamentos da liturgia e atinge povos de
todas as idades, classes sociais e cultura.
A análise de uma obra – “O Cordeiro Imolado”, está apoiada por estudiosos
de arte e arte religiosa, permitindo depreender a que se propôs o artista e com que
profundidade se envolve no mistério do sagrado.

Palavras-chave: Basílica de Aparecida, história, arte sacra, Cláudio Pastro, comunicação.


9

ABSTRACT

This paper discusses the importance of the work of art in the environment
sacrum, as relevant instrument of religious education inside the Basilica of Our Lady
of Aparecida, the largest Catholic church in Brazil and the second largest in the world.
It is the study of the process of communication and media by the artist Claudio Pastro,
responsible for the implementation of the Basilica´s sacred art and visual, to reach
the general public nowadays. On how the artist creates this aesthetic communication,
linking all parts of this building with monumental dimension by imposing its unique and
current style. With a language developed in studies abroad and influences in the past,
the artist seeks in the sacred art the teachings of the liturgy, and reaches people of all
ages, social classes and culture.
The analysis of the work - “The Sacrificial Lamb”, is supported by specialists
of art and religious art,. allowing to deduce which proposed the artist and with which
profundity he is involved in the mystery of the sacred.

Key words: Basilica of Aparecida, history, sacred art, Cláudio Pastro, comunication.
10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 15

Proposta de trabalho 19

Objetivo da pesquisa 20

Referencial teórico 21

Metodologia da pesquisa 22

Abordagem estratégica da pesquisa 24

Abordagem tática da pesquisa 25

Cap.1 A DESCOBERTA DA IMAGEM E A CONSTRUÇÃO DOS TEMPLOS 26

1.1. Contextualização histórica e a descoberta da imagem 27

1.2. Características da imagem de Nossa Senhora 33

1.3. O erguimento das igrejas 34

1.3.1. O santuário reconstruído e sua sagração como basílica 35

1.4. A idealização e os primórdios da construção da nova basílica 36

1.4.1. Inauguração da basílica de Aparecida e suas dimensões 49

1.5. A concepção do acabamento da basílica 51

1.5.1. A visão do artista Cláudio Pastro sobre o templo 52

1.5.2 A visão do reitor da basílica sobre o templo 53

Cap. 2 O MAIS IMPORTANTE ARTISTA SACRO BRASILEIRO DA ATUALIDADE,

SUA OBRA PRIMA E SEU MAIOR DESAFIO 57

2.1. Uma vida rodeada de religiosidade e arte: infância, estudos e saber 58

2.2. A visão da Igreja sobre a escolha do artista 63

2.3. A visão do artista sobre sua escolha pela Igreja 65

2.4. A elaboração da obra de arte 66

2.4.1. As obras de convergência das quatro naves 67

2.4.2. Referências históricas, culturais e estilísticas 79


11

2.4.3. Elementos básicos de análise da obra e sua comunicação 85

2.4.4. A visão da Igreja sobre a obra 88

2.4.5. A visão do artista sobre a obra 91

Cap. 3 LEITURA DA IMAGEM PENSAMENTO: SENSORIAL E APRECIATIVA E A

LEITURA DA SEMIÓTICA DA IMAGEM: SÍGNICA E PERCEPTIVA 95

3.1. A imagem do Pensamento: sensorial e apreciativa 99

3.1.1. As teorias da Imagem através do Pensamento 99

3.1.2. A leitura da Imagem Sacra através das teorias do Pensamento: sensação e

apreciação 104

3.1.3. Aplicação das teorias do pensamento na leitura da imagem nas obras de

Cláudio Pastro 105

3.2. A Semiótica da imagem: sígnica e perceptiva 114

3.2.1. As teorias da Imagem através da Semiótica 115

3.2.2. A Leitura da Imagem Sacra através das teorias da Semiótica: sígnica e

perceptiva 120

3.2.3. Aplicação das teorias de leitura semiótica da imagem, nas obras de Cláudio

Pastro, segundo Carla Prette e Charles Bouleau 122

CONSIDERAÇÕES FINAIS 134

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 137

ANEXOS 142

ANEXO 1 – Entrevista com o artista sacro Cláudio Pastro 142

ANEXO 2 – Entrevista com o Reitor e administrador da Basílica de Nossa Senhora de

Aparecida, Pe. Darci Nicioli 171

ANEXO 3 – Entrevista com Zenilda Cunha, Coordenadora de visitação, sobre a arte

na Basílica de Aparecida e sua simbologia 184


12

ÍNDICE REMISSIVO DAS FIGURAS

Cap. 1. A descoberta da imagem e a construção dos templos.

Fig. 1 – Primeira planta da Basílica Nova 39

Fig. 2 – Placa de responsabilidade civil 39

Fig. 3 – Morro das Pitas antes de 1952 41

Fig. 4 – Trabalhos de terraplanagem 41

Fig. 5 – Benedito Calixto Neto no início das obras 42

Fig. 6 – Dirigentes e o início das obras da Nave Norte 42

Fig. 7 – Etapa das obras da Nave Norte 43

Fig. 8 – Detalhe das portas da Nave Norte 43

Fig. 9 – Fase final da Nave Norte 43

Fig. 10 – Detalhes das obras da Nave Norte 44

Fig. 11 – Construção da Torre Brasília 44

Fig. 12 – Inauguração da Torre Brasília 45

Fig. 13 – Versão reformulada da planta da Basílica Nova 47

Fig. 14 – Versão reformulada da planta da Basílica Nova com as divisões, das capelas

e naves, numeradas 48

Fig. 15 – Vista atual da Basílica Nova 50

Fig. 16 – Vista atual da entrada principal da Nave Sul 50

Cap. 2. O mais importante artista sacro brasileiro da atualidade, sua obra prima

e seu maior desafio.

Fig. 17 – O artista Cláudio Pastro 55

Fig. 18 – Vista aérea do Altar Central 64

Fig. 19 – Painel: “Anúncio aos Pastores” na Nave Sul 66

Fig. 20 - Oratório com o trono de Nossa Sra. na Nave Sul 66

Fig. 21 – Painel: As bem-aventuranças” na Nave Norte 68

Fig. 22 – Painel: “Cristo Pantocrator” na Nave Norte 69


13

Fig. 23 – Painel: “Encontro com Maria” na Nave Oeste 71

Fig. 24 – Painel: “Virgem Imaculada” na Nave Oeste 71

Fig. 25 – Painel: “O Bom Pastor” na Nave Leste 73

Fig. 26 – Painel: “O Cordeiro Imolado” na Nave Leste, visto de longe 74

Fig. 27 – Capela da velas 75

Fig. 28 – Torre Brasília 75

Fig. 29 – Capela São José 76

Fig. 30 – Capela do Santíssimo 76

Fig. – Mini-guia das principais obras e capelas 77

Fig. 31 – Pintura da Arte Egípcia antiga 80

Fig. 32 – Pintura da Arte Bizantina antiga 80

Fig. 33 – Vista das arcadas externas da basílica 85

Cap. 3. Leitura da Imagem Pensamento: sensorial e apreciativa e a Leitura da

Semitótica da Imagem: sígnica e perceptiva

Fig. 34 – Margens da Fóz do Côa 97

Fig. 35 – Réplica de gravura rupestre 98

Fig. 36 – Painel: “O Cordeiro Imolado” na Nave Leste, visto de perto 106

Fig. 37 – Montagem no painel do “O Cordeiro Imolado” com destaque do Cordeiro

Imolado 108

Fig. 38 – Montagem no painel do “O Cordeiro Imolado” com destaque do Grande

Cavalo 108

Fig. 39 – Montagem no painel do “O Cordeiro Imolado” com o destaque da Cruz 110

Fig. 40 – Montagem no painel do “O Cordeiro Imolado” com o destaque do Altar 111

Fig. 41 – Montagem no painel do “O Cordeiro Imolado” com o destaque dos Sete

candelabros 113

Fig. 42 – Montagem no painel do “O Cordeiro Imolado” com o destaque dos Vasos de

incenso 113
14

Fig. 43 – Pintura de “São João Batista” do artista Francesco del Cossa 121

Fig. 44 – Detalhes da pintura de “São João Batista” 121

Fig. 45 – Pintura da Arte Egípcia antiga 125

Fig. 46 – Esquema das Formas na obra do “Cordeiro Imolado” 125

Fig. 47 – Vista dos painéis dos “Fundamentos da Nossa Fé” 126

Fig. 48 – Esquema do Ponto na obra do “Cordeiro Imolado” 126

Fig. 49 – Esquema dos Contornos e Linhas na obra do “Cordeiro Imolado” 127

Fig. 50 – Esquema de Simetria (esquerdo), na obra do “Cordeiro Imolado” 129

Fig. 51 – Esquema de Simetria (direito), na obra do “Cordeiro Imolado” 129

Fig. 52 – Esquema de geometria na teia, na obra do “Cordeiro Imolado” 130

Fig. 53 – Esquema de geometria nos círculos e pentágono, na obra do “Cordeiro

Imolado” 131

Fig. 54 – Esquema de geometria no movimento e composições dinâmicas, na obra do

“Cordeiro Imolado” 132

Fig. 55 – Esquema de geometria e tramas nas paralelas e ortogonais, na obra do

“Cordeiro Imolado” 133


15

INTRODUÇÃO

Lembro de meu pai ter-me convidado para visitar a Catedral do Campo Limpo,
situada na cidade e estado de São Paulo, em 1998. Ao entrar neste templo de
arquitetura moderna, baseada na nova linguagem das igrejas alemãs, onde o altar
fica ao centro, e abaixo do nível da entrada, com os assentos ao seu redor, lembrando
o formato de um teatro de arena das clássicas construções gregas, deparei-me com
um grande painel da Sagrada Família.
Esta nova linguagem arquitetônica das igrejas alemãs, com seu formato
quadrado, suas finíssimas chapas de mármore branco que dão transparência para a
iluminação do ambiente e seus granitos revestindo todo o piso, troca a arquitetura das
antigas igrejas góticas, com sua verticalidade e os arcos ogivais, das igrejas romanas
com sua estrutura retangular, solidez e seus arcos redondos, das igrejas bizantinas e
de formato octogonal e suas cúpulas enormes, para uma arquitetura arejada e clara
que, de uma forma aconchegante e minimalista, nos recebe para acalmar e meditar.
Na parte de trás deste altar, um grande painel se eleva verticalmente em tons
de ocre, branco, amarelo, dourado, castanho e contornos escuros. Maria, José e
Jesus Cristo, cercados de anjos, celebram a Sagrada Família.
Ao tentar continuar minha leitura no interior da catedral, algo me levava de volta
a este painel de linhas simplificadas e cores chapadas. Sua pintura, que lembra uma
grande ilustração, completava a linguagem moderna de toda a arquitetura e me fixou
o olhar para a apreciação, na ânsia de desvendar todo o mistério de construção desta
imagem. Ao voltar à casa de meus pais, esta imagem não mais me saiu da memória.
Passaram-se os anos e, após um convite, fui visitar outro centro religioso,
o maior templo católico do Brasil, a Basílica de Nossa Senhora de Aparecida. Ao
circular pelo seu interior, chamou-me à atenção a linguagem artística dos painéis que
circundavam a parte interna, nas naves norte, sul, leste e oeste. De novo, como em um
redescobrimento, aquelas imagens me prenderam a atenção para desvendar quem
foi o artista que as criara e executara. A associação direta com o painel da Catedral
de Campo Limpo me trouxe lembranças que estavam guardadas na memória e, de
novo, a vontade de saber tudo acerca destas obras. Quem foi o artista, sua história,
16

a criação, suas ideias, influências, estudos, materiais utilizados, sua comunicação e


mensagem. Quem foi o contratante, suas razões, escolha do artista e objetivos. E,
a leitura completa das obras. Como é a leitura do pensamento desta imagem e sua
leitura semitótica.
A necessidade de desvendar estas questões me levou a pesquisar, de forma
mais aprofundada, conhecendo lugares fantásticos para o encontro da arte primitiva,
entrevistando pessoas com histórias incríveis e estudando diferentes materiais para
transformar esta imersão em dissertação de mestrado.
Este projeto baseiou-se no estudo da escolha do artista para o desenvolvimento
do trabalho estético/religioso da área interna da Basílica de Aparecida, o templo e a
história de sua construção, e a leitura da obra com suas interpretações, composição,
formas, características de estilo, técnica, comunicação e influências histórico/culturais.
De que forma foram feitos o templo e as obras, como é passada a mensagem,
quais as ferramentas utilizadas, os elementos e as formas exploradas, os materiais,
as técnicas adotadas, as influências e as referências do autor. Como é a função de
comunicação litúrgica da obra e como o artista atinge os diferentes públicos de forma
eficaz e direta.
Dividido em três capítulos, no primeiro conta a história da construção da Basílica
de Aparecida, desde a escolha do terreno, o Monte das Pitas, na supervisão através
do arquiteto Benedito Calixto Neto, e após sua morte, assumida totalmente pelo Padre
André Sotilo. No segundo capítulo temos a história do artista Cláudio Pastro, numa
entrevista eletrizante, cheia de histórias e informações, e como foi o trabalho e estudo
de execução das obras, objetivos e influências. Já no terceiro capítulo vemos toda
a leitura destas obras que a princípio parece simples, mas, ao entendê-la melhor,
descobrimos sua complexidade. E mesmo assim, o complexo atrae multidões para os
ensinamentos cristãos.
O processo de pesquisa e investigação começou na Universidade Mackenzie,
em São Paulo, sob a maestria e orientação do Prof. Dr. Marcos Rizolli, foi à cidade de
Aparecida no interior do Estado de São Paulo, atravessou o Atlântico até Portugal, por
conta da Bolsa de Intercâmbio Internacional Mackenzie/Santander, sendo orientado
pela Profa. Dra. Paula Tavares no estudo de Leitura da Imagem e Semiótica, passou
17

por outros países como Itália e França para a imersão em Arte Sacra, pela Turquia para
os estudos do bizantino e à Alemanha para o encontro com a Arte Contemporânea.
Outra viagem ao Egito em 2008, e o mergulho em uma das mais fascinantes
artes desenvolvidas na história da civilização, há 6 mil anos, mostra-nos como a arte
egípcia, com suas rígidas regras de conduta, leis de traçado, de frontalidade e de culto
ao divino, encaixa-se no processo de desenvolvimento desta obra atual. A viagem
para a Turquia leva-nos para o encontro da Arte Bizantina e o começo da arte cristã e
como pontos tão distantes geograficamente se entrelaçam no momento da descoberta
da elaboração desta arte contemporânea.
Observei na sequência deste trabalho, que a obra do artista está intrinsecamente
ligada ao processo de evangelização do período bizantino, dos primórdios do
cristianismo, em Constantinopla. Ele se vale da influência da arte do período de
Bizâncio para levar os fiéis a intuir e estabelecer uma relação de empatia com os
principais fatos dos ensinamentos cristãos.
O projeto tratou de um dos maiores templos católicos do mundo. E, não obstante
as suas dimensões, foi possível vivenciar, ao admirar in loco a sua obra, como o
artista foi capaz de levar o observador à introspecção no espaço sagrado do templo e
integrar a comunicação de todos os espaços unindo em uma só linguagem todos os
cantos desta estrutura monumental.
Todos os pontos cardeais representados pela Nave norte, Nave sul, Nave leste
e Nave oeste desta basílica encontram-se em um ponto que é o Altar Central, no
interior da basílica. É o lugar de início da comunicação, que se expande pelas paredes,
contando histórias do nascimento de Jesus Cristo, sua vida pública, sua paixão e
ressurreição. Pelo chão vemos ondas que saem do altar e como um rio esparramam-
se, em contínuo movimento, para atingir todos os cantos e todas as pessoas que por
aí transitam.
Tanto a entrevista com o então vigário Pe. Darci Nicioli, hoje assumindo as
funções de bispo auxiliar de Aparecida, quanto a entrevista com o artista, transcritas
nos anexos 1 e 2, nos permitiram ter uma visão bastante rica dos bastidores desta
obra de acabamento da Basílica de Aparecida.
Os detalhes abrangeram desde o processo de escolha do artista, até os
18

materiais das obras e os de revestimento. Entender o contexto de desenvolvimento da


obra através do artista e da Igreja podemos dizer que foi uma experiência ímpar. Além
disso, o acesso direto às obras, seus detalhes de elaboração, técnicas de azulejaria
e marmoria, bem como ao Centro de Documentação e Memória da Basílica, nos
transportaram para um ambiente de arte monumental, ao tempo em que induzia à
calma, à fruição artística e à meditação diante do mistério religioso.
19

PROPOSTA DE TRABALHO

Pesquisa e execução do projeto individual de Dissertação de Mestrado da


Universidade Presbiteriana Mackenzie em Educação, Arte e História da Cultura, em
parceria com o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, em Barcelos, Portugal. O
resumo apresenta algumas etapas e principais fatores para o desenvolvimento do
projeto e a investigação que resultará na dissertação do mestrado.
Este projeto de pesquisa baseia-se no estudo da escolha do artista Cláudio
Pastro para a execução da arte visual, através do desenvolvimento do trabalho
estético/religioso da área interna da Basílica de Aparecida, o maior templo católico do
Brasil e segundo maior do mundo, suas características de estilo, técnica, comunicação
e influências histórico/culturais. Procura entender como o artista cria esta proposta
estética a partir de sua formação acadêmica e o uso de referências para a construção
do estilo. E, como estas obras são mostradas pelo artista, a forma com que aparecem
para os mais diferentes espectadores e frequentadores deste templo. A leitura da
imagem do painel do Cordeiro Imolado, sua forma e potencialidade. O estudo do
objeto, do desenho e sua representação, e a função da comunicação litúrgica da obra.
20

OBJETIVO DA PESQUISA

Conhecer o trabalho artístico desenvolvido no maior templo católico do Brasil e


o segundo maior do mundo. A proposta é tornar a pesquisa interdisciplinar, associando
a fundamentação da arte histórica nas diferentes escolas, períodos e tendências
existentes: Arte Egípcia, Paleocristã, Bizantina, Moderna e Contemporânea. Buscar
referencial e fundamentação teórica para a Leitura da Imagem.
Como aspecto Cultural, a história da construção da basílica, a negociação do
contratante e do contratado. Conhecimento dos materiais empregados nos painéis,
estudar as linguagens artísticas e e trazê-las para a contemporaneidade. Abordar a
dialética que envolve as necessidades e questionamentos da sociedade moderna.
No âmbito da Educação, entender o emprego da técnica, manuseio e utilização
dos materiais. Como o artista trabalha a sua criação, projeção, execução e finalização
da obra. Estudo da imagem como pensamento, a percepção da forma, linhas, as
cores, a perspectiva, a geometria e suas tramas, os números áureos e a circularidade,
o movimento e as composições dinâmicas. E suas estruturas textuais, visuais e
conceituais.
21

REFERENCIAL TEÓRICO

O referencial teórico sobre a história da Basílica de Nossa Senhora de Aparecida:


Fontes primárias: Fotografias que mostram desde a escolha do terreno e cada
etapa da construção, com publicações em periódicos da Ecos Marianos, Jornal Lince
e Jornal Oesp, que documentaram as ações em cada época. Cortesia do CDM -
Centro de Documentação e Memória Pe. Jorge Antão.
Fontes secundárias: Entrevista com o artista Cláudio Pastro, com o reitor Pe.
Darci Nicioli e com a coordenadora de visitas Zenilda Cunha. Acesso ao Press Kit
Imprensa - Assessoria do Santuário Nacional e Brustoloni (2012).

O referencial teórico sobre a obra na basílica e a história de Cláudio Pastro:


Fontes primárias: Aldred (2008), Cormack (2000), Crispolti (2004), Gombrich
(1999), Kiliçkaya (1991), Pastro (2001), Pastro (1993), Prette (2009), Proença (2009),
Strickland (2004), Wolf (2005), registros fotográficos.
Fontes secundárias: Entrevista com o artista Cláudio Pastro, a coordenadora
de visitas Zenilda Cunha e acesso ao Press: Kit Imprensa - Assessoria do Santuário
Nacional.

O referencial teórico sobre a leitura da imagem:


Fontes primárias: Berguson (1965), Berkeley (2008), Bouleau (1996), Deleuze
(2003), Foucault (2000), Merleau-Ponty (1999), Mondzain (2007), Prette (2009),
Rancière (2008), Rancière (2009).
Fontes secundárias: Orientação com a Profa. Dra. Paula Tavares, Aulas de
Teorias da imagem com o Prof. Dr. Luís Lima.
22

METODOLOGIA DA PESQUISA

A abordagem metodológica para a análise de obra artística no interior da Basílica


de Aparecida baseou-se, por primeiro, no levantamento histórico, para contextualizar
o templo e a imagem milagrosa de Nossa Senhora Aparecida, como repositório de
uma forte devoção à Nossa Senhora da Imaculada Conceição, que foi difundida
durante o processo da colonização portuguesa dos séculos XVII e XVIII, inclusive
sob regras estritas de devoção estabelecidas pelo Estado Português, a exemplo das
características sob as quais a imagem deveria ser moldada e as cores do manto que
deveria cobri-la.
Também fazia-se necessário contextualizar as expectativas dos religiosos
administradores da basílica, quando se decidiram por fazer a encomenda da obra
e, por conseguinte, os critérios adotados para a escolha do artista. Por outro lado,
também o artista havia de ser ouvido, seja para entender os critérios de sua escolha e
quais as referências que adotou para a elaboração, a motivação para a definição dos
materiais aplicados, em função de atender ao propósito da obra e sua perenidade.
Além disso, também a pesquisa de campo se fez necessária, para perceber a
efetivamente as influências anteriores na obra do artista. Isto levou-nos à observação
de campo no Egito, junto a templos e tumbas, para entender a lei da frontalidade
adotada, bem como junto à Istambul, sucedâneo da antiga Constantinopla e berço do
cristrianismo primitivo, para entender as características e propósito da arte bizantina.
Também visitamos diversas igrejas e capelas com obras do artista, visando entender
a correlação com a obra aqui analisada e seu contexto.
Sob o ponto de vista das teorias aplicadas à obra, na leitura da imagem,
epicentro do presente trabalho, buscamos recorrer ao apoio de grandes autores
consagrados na análise da imagem, tal como Maria Carla Prette – com suas exímias
teorias sobre o entendimento da arte (PRETTE, 2009), Jacques Rancière – analisando
a arte sob o ponto de vista estético e também sob o olhar do espectador emancipado
(RANCIÉRE, 2009 e 2010), Charles Bouleau, analisando a geometria adotada pelos
pintores (BOULEAU, 1996), bem como Gilles Deleuze, com sua interpretação sígnica
(DELEUZE, 2003), entre outros.
23

É sem dúvida relevante destacar que, para se chegar ao presente amálgama,


sem dúvida foram imprescindíveis as orientações do Prof. Dr. Marcos Rizolli, especialista
em História da Arte, Linguagens e Semiótica, da Profa. Dra. Paula Tavares, especialista
em Leitura da Imagem e Semiótica, Prof. José Leonelio de Souza, especialista em
História e religião, bem como da banca examinadora desta dissertação, Prof. Dr. João
Carlos de Souza, especialista em História e Cultura Brasileira e a Profa. Dra. Mirian
Celeste Martins, especialista em Arte, Educação e Mediação Cultural.
24

ABORDAGEM ESTRATÉGICA DA PESQUISA

Entrevista com Cláudio Pastro para entendimento da relação do artista com a


obra, bem como biografia. Para ele: “Arte é como água, é imprescindível!” Influência
acadêmica, buscas de referências na história da arte e arte sacra, iconografia aplicada,
cronologia do desenvolvimento do seu estilo. Suas estratégias de comunicação visual.
Entendimento de sua relação com a beleza seguindo um sentido objetivo: “é
ou não é” e de acordo com a sua visão de aprendizado, “gosto não se discute, se
educa”. O sentido da beleza e sua conexão com o sagrado. A beleza e o sagrado
como decoração, educação, comunicação e mensagem. Como transformou sagrado
em beleza revelando a verdade, justiça, certeza, prazer, entusiasmo, admiração,
estupor, amor... e consequentemente as pessoas desejarem frequentar a Igreja.
Pesquisa e fundamentação teórica nas universidades e bibliotecas de Barcelos,
Porto e Lisboa, sob a orientação da Professora Doutora Paula Tavares do Instituto
Politécnico do Cávado e do Ave da cidade de Barcelos. Breve discussão sobre arte,
beleza e estética - suas considerações ao longo da história por grandes filósofos e
artistas, derivando conceitos aparentemente simples, mas de grande profundidade
filosófica, tal como: bellum est id quod visum placet (belo é aquilo que, visto, agrada).
Abordagem interdisciplinar sobre Educação, Arte, História e Cultura.
Comparativo das características predominantes da arte de Cláudio Pastro vis a vis as
artes Egípcia, Paleocristã e Bizantina. Análise da contribuição de Cláudio Pastro para
a arte e em específico para a arte sacra. A visão do artista frente à percepção humana,
sua visão plástica e de comunicação com o sagrado.
Apresentação do projeto contextualizada e lida a partir de imagens fotográficas,
reproduções de obras, ilustrações e conteúdo teórico com o auxílio do Departamento
de Documentação e Imagens do Santuário de Nossa Senhora de Aparecida, da cidade
de Aparecida, em São Paulo, Brasil.
25

ABORDAGEM TÁTICA DA PESQUISA

Intercâmbio acadêmico internacional em Portugal de seis meses (concluído),


para ampliação do estudo em leitura da imagem no Instituto Politécnico do Cávado
e do Ave de Barcelos, Portugal. Co-orientação do projeto com a Profa. Dra. Paula
Tavares e complementação bibliográfica. Estudos e pesquisas em Arte Bizantina em
igrejas e museus em Istambul na Turquia, e em Arte Contemporânea na Alemanha
(concluídos).
Entrevistas com Cláudio Pastro: pesquisa bibliográfica sobre sua obra,
biografia, influências e relações com a arte, cultura, educação, beleza, sagrado e o
contemporâneo.
Entrevista com o reitor da basílica de Aparecida: sua expectativa para o trabalho,
a escolha da linguagem, a comunicação exigida, a motivação estética/religiosa e a
abordagem sócio/cultural.
A Arte Egípcia: pesquisa in loco no Egito (concluída), no Museu do Cairo, nos
templos de Karnak, Luxor e Abu Simbel, visita aos túmulos do Vale dos Reis.
Arte Sacra: pesquisa in loco das igrejas em viagem à Portugal e Espanha
(concluída), influência do estilo Românico, visitas à Basílica de Nossa Senhora de
Aparecida, visitas à Catedral de Campo Limpo.
A Arte Bizantina: visita à Turquia (concluída), estudo das origens do estilo
Bizantino, sua influência na arte sacra e visita à Catedral de Santa Sofia, à igreja de
São Salvador de Chora e ao complexo de museus arqueológicos de Istambul.
A Arte Moderna: visita à Nova Iorque (concluída), visita ao Museu MoMa,
pesquisa sobre a arte moderna e pós-moderna. A Arte Contemporânea: visita à Nova
Iorque (concluída), visita ao Museu Whitney, pesquisa sobre a arte contemporânea.
Visita à Kassel na Alemanha para a Exposição Mundial de Arte “Documenta 13”
(concluída) para a pesquisa sobre a arte e a contemporaneidade.
Registro de imagens em documentação fotográfica de todas as visitas às obras
feitas em seus locais de origem para catalogação e referências.
26

CAPÍTULO 1

A DESCOBERTA DA IMAGEM E A CONSTRUÇÃO DOS TEMPLOS


27

CAPÍTULO 1

A DESCOBERTA DA IMAGEM E A CONSTRUÇÃO DOS TEMPLOS



A abordagem do templo, aqui entendido como a Basílica de N. Sra. Aparecida,
pressupõe uma contextualização do cenário histórico no qual foi descoberta a imagem
de Nossa Senhora e do desenvolvimento de sua devoção, no século XVI.

1.1. Contextualização histórica e a descoberta da imagem

Desde o século XIV, a devoção à Nossa Senhora da Conceição Imaculada


estava incorporada, diríamos, aos princípios do Estado Português e que veio sendo
também disseminada na colônia portuguesa, como um valor irreprensível e inseparável
da própria coroa portuguesa. Com o advento da família de Bragança, essa devoção
de Estado permanecia arraigada na corte portuguesa, ao ponto de Maciel (1940),
citar que, em 25 de março de 1646, as cortes de Lisboa haviam aprovado e Dom João
IV proclamado oficialmente que o reino português e também as suas colônias eram
dedicadas à Nossa Senhora da Conceição Imaculada, inclusive fazendo menção ao
dogma de ser virgem e ter sido concebida sem pecado, destaca José Maciel. Este ato
levava em conta o propósito não só de manipular a conciência popular, mas também
significava um gesto da diplomacia portuguesa de restabelecer seu prestígio junto
ao poderio de Roma e também junto às nações de maior destaque na Europa e que
estavam intimamente ligadas à influência do papa.
Gilberto Angelozzi (1997), mostra em sua obra que na era colonial imperavam
em Portugal, reis que eram católicos e que haviam recebido do papa o Padroado,
ou seja, o direito de evangelizar as nações.Os estandartes de Portugal por isso
incoravam, além das armas reais, também a cruz, que se destacou como forte símbolo
da Coroa Portuguesa nos processos de conquista. Com isso, evidentemente, Portugal
gozava dos favores da Cúria Romana em suas ações nas novas terras conquistadas,
podendo com isso gerenciar os recursos religiosos, os missionários, tanto para a
disseminação da religião, quanto também para auxiliar na vigilância das fronteiras.
28

A nova ordem de missionários que surgia, a Companhia de Jesus, foi aquela que
efetivamente instrumentalizou esse pacto entre a Igreja e o Estado Português no
período das conquistas e colonização de novas terras. Como Lustosa (1991), que
enfatiza em sua obra, graças ao sistema do Padroado, construiu-se uma imagem do
rei como chefe da Igreja, chegando ao ponto de legitimar as ações religiosas.
Sob este enfoque, Alves (2005) faz uma extensa e muito rica análise da
relação entre a Igreja e o estado português, da qual o texto abaixo serve para ilustrar
essa condição:

Em relação à Igreja instituída na América portuguesa, pode-se pensar que a


aceitação do trabalho missionário pelo governo português tenha se efetivado
pela condição de sua autocompreensão, uma vez que esta facilitava a
colonização, já que “[...] os jesuítas estavam na realidade aliados aos
colonizadores. Esta aliança marcou e continua marcando, a catequese no
Brasil”. (HOORNAERT, 1992, p.122).
É importante deixar claro que não é minha intenção dar a entender uma
concepção da instituição Igreja vista como “aparelho ideológico do Estado”
(ROMANO, 1979, p.20). Longe disso: na minha visão, a igreja apresenta-se
como uma instituição dona de um discurso teológico-político que vai além das
formações sociais, de suas estruturas econômicas e das relações políticas
em que atua. Ela é dona de uma doutrina católica que, quando ativada, em
sua prática, é capaz de refletir seu momento teológico, seus motivos e seus

modos de exprimí-los. (ALVES, 2005, p.8).

Este processo de construção da imagem do rei remete-nos, necessariamente,


a Peter Burke (1992), quando examina com grande propriedade as estratégias de
Luiz XIV, para a fixação de sua imagem como soberano inigualável, todo o tempo
associado aos padrões dos antigos heróis de Roma e da Grécia, tornando assim o
seu governo incontestável.

Quanto à função da imagem, ela não visava, de modo geral, a fornecer uma
cópia reconhecível dos traços do rei ou uma descrição sóbria de suas ações.
Ao contrário, a finalidade era celebrar Luís, glorificá-lo, em outras palavras,
persuadir os especatadores, ouvintes e leitores de sua grandeza. Para isso,
29

pintores e escritores se inspiravam numa longa tradição de formas triunfais

(BURKE, 1992, p.31)

Assim, a Coroa Portuguesa, numa atitude política muito mais que devocional,
atrelou fortemente suas ações de conquista ao poder de Roma auferindo com isso,
além do sustentáculo político, tão estratégico à época, o apoio necessário, em recursos
humanos diferenciados de apoio à colonização, como o dos padres jesuítas.
Como consequência direta dessa ação ingestora do Estado na religião,
Brustoloni (2012), faz menção em sua obra que o culto à Imaculada Conceição de Maria
difundiu-se na colônia do Brasil e definiu características próprias para a religiosidade
do povo. Ele inclusive faz menção de que a Imaculada Conceição era forte motivo
de inspiração para as artes e a literatura na época da colonização e que imagens
de Nossa Senhora “eram feitas pelos melhores artistas portugueses e brasileiros em
madeira e terracota; pintores célebres puseram nome e fama às telas da Imaculada
Conceição que executaram”.
A festa à Nossa Senhora era celebrada no dia 8 de dezembro, correndo toda
a solenidade às expensas do governo. E Brustolini (2012), destaca que também no
culto havia interferência do governo. Por determinação de D. João IV, no ano de 1646,
as imagens deveriam conter tez branca no rosto e nas mãos, com manto azul escuro
e forro vermelho granada que deveriam ornar as imagens do título da Imaculada
Conceição. Vem desta época,a cor azul do manto de Nossa Sra.utilizado até hoje.
Também cabe neste momento uma rápida contextualização das condições
sócio-econômicas da Vila de Guaratinguetá, à época da descoberta da imagem. O
povoado de Santo Antonio de Guaratinguetá foi elevado à categoria de vila em 13 de
junho de 1651. Este povoado, situado no Vale do Paraíba, começou a ser ocupado
pelos colonizadores no século XVII, com caçadores de riqueza nas minas, quando
possuía uma população pequena e pobre, constituída de brancos portugueses, índios
e mestiços, conforme destaca Andréa Alves (2005):

Decorrentes da lógica interna do sistema colonial, surgiram, neste período, as


bandeiras, expedições maiores organizadas por comerciantes e aventureiros
30

que visavam, umas, a captura dos índios para mão de obra escrava e
outras, a busca de riquezas minerais. Ainda no séc. XVI, foi encontrada a
primeira mina, na Capitania de São Vicente (atual São Paulo). Depois desta,
muitas outras foram descobertas, em diversos pontos do país, sobretudo na
região de Minas Gerais. Isso criou uma agitação na Capitania de São Paulo,

ocasionando numerosas bandeiras naquela direção. (ALVES, 2005, p.37).

Graças à corrida do ouro, nas primeiras décadas do século XVIII, a Vila de


Guaratinguetá experimentou desenvolvimento e riqueza, o que fez dela um entreposto
de mercadorias e de escravos. O ouro das Minas Gerais transitava pela Vila de
Guaratinguetá, para seguir viagem a Portugal através dos portos de Ubatuba em São
Paulo e de Parati, no Rio de Janeiro.
Mas o sonho do ouro foi breve e a vila passou por um longo período de
recessão, até a metade do século XVIII. Segundo comenta Fausto (2002), o povo,
na América portuguesa deste período, apresenta duas faces: nas minas, a riqueza e
o trabalho escravo e, no sertão, a rudeza e o imprevisto, a miséria e fome. No início
da corrida do ouro, a busca de metais preciosos, sem o devido suporte de provisões,
gerou a falta de alimentos e uma inflação que atingiu toda a Colônia.
De fato, isso se constata porque não houve adequada gestão dos recursos
na Capitania de São Paulo, para garantir a ação das expedições ao ouro. Ainda
segundo Fausto (2002), a fome chegou a limites extremos e muitos acampamentos
foram abandonados. Embora, sob o ponto de vista político, a Capitania de São Paulo
estivesse em relativa calma, destaca Brustoloni que o mesmo não ocorria com a regiao
mineradora de Minas Gerais, que desde 1710 estava unida à Capitania de São Paulo
e sob o mesmo governador.
Brustoloni (2012) relata que três levantes haviam ocorrido em Minas e a
situação era tensa. O novo governador, Dom Pedro de Almeida e Portugal, que ficou
conhecido como o Conde de Assumar, tomou posse das duas capitanias em 04 de
setembro de 1717 e em 27 do mesmo mês empreendeu viagem para a Capitania da
Minas Gerais. Nesse caminho, chegou à Vila de Guaratinguetá em 17 de outubro,
lá permanecendo até o dia 30. Brustoloni cita, como fundamentação de seu texto,
documento do Arquivo Histórico Colonia de Lisboa, publicado na Revista do Serviço
31

do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, do ano de 1939, nº3, ps. 295 a 316.
É neste contexto da estadia do Conde de Assumar e sua comitiva na Vila de
Guaratinguetá, que os pescadores da região foram convocados a recolher em suas
redes a maior quantidade de peixes que pudessem. Nessa tarefa, os pescadores
Domingos Garcia, João Alves e Felipe Pedroso encontraram a imagem de Nossa
Senhora da Conceição em duas partes, cabeça e corpo e achadas em lanços de rede
distintos, seguidos segundo a lenda por fartas quantidades de peixe.
É interessante notar que, apesar dos detalhes dos fatos históricos que cercam
a visita do então governador, o Conde de Assumar, serem razoavelmente profusos de
detalhes, o mesmo não ocorreu com essa pesca. Os registros do achado da imagem
são muito posteriores, o mesmo se dizendo da devoção que se instalou a partir da
descoberta. Há registro a respeito no livro de batizados da paróquia de Santo Antonio
de Guaratinguetá, de 1920, de um neto de Filipe Pedroso. Bem como João Alves está
registrado como testemunha de casamento. Igualmente Domingos Garcia figura em
processo de recenciamento de 1765. Por isso, são bastante fortes as evidências de
que os personagens citados a posteriori eram reais e não compunham apenas o mito
de processo devocional.
Brustoloni (2012) revela todo esforço em sua busca para conseguir registros
que tratassem da data efetiva da pesca da imagem, mas apenas se limita a
circunscrevê-la ao período de 17 a 30 de setembro de 1717, durante a estadia do
Conde de Assumar na Vila de Guaratinguetá. Recorrendo aos livros paroquiais, como
de batismos, casamentos e livros do Tombo, o único relato que encontra, das igrejas
locais, é o do I Livro do Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá,
constante dos arquivos da Cúria Metropolitana de Aparecida e que foi inaugurado em
1757, o curioso é que no relato se menciona o ano de 1719, mas que na realidade se
deu em 1717. Abaixo, os fatos oficiais da visita do Conde Assumar:

Notícia da Aparição da Imagem da Senhora


No ano de 1719, pouco mais ou menos, passando por esta Vila para as
Minas, o Governador delas e de São Paulo, o Conde de Assumar, Dom Pedro
de Almeida e Portugal, foram notificados pela Câmara os pescadores para
apresentaram todo o peixe qu pudesse haver para o dito Governador.
32

Entre muitos foram a pescar Domingos Martins Garcia, João Alves e Filipe
Pedroso com suas canoas. E principiando a lançar suas redes no Porto de
José Corrêa Leite, continuaram até o Porto de Itaguassu, distância bastante,
sem tirar peixe algum. E lançando neste porto, João Alves a sua rede de
rasto, tirou o corpo da Senhora, sem cabeça; lançando mais abaixo outra
vez a rede, tirou a cabeça da mesma Senhora, não se sabendo nunca quem
ali a lançasse. Guardou o inventor esta imagem em um tal ou qual pano,
e continuando a pescaria, não tendo até então tomado peixe algum, dali
por diante foi tão copiosa a pescaria em poucos lanços, que receoso, e os
companheiros de naufragarem pelo muito peixe que tinham nas canoas, se
retiraram a suas vivendas, admirados deste sucesso.
Felipe Pedroso convervou esta Imagem seis anos pouco mais ou menos em
sua casa junto a Lourenço de Sá; e passando a Ponte Alta, ali a conservou
em sua casa nove anos pouco mais ou menos. Daqui se passou a morar em
Itaguassu, onde deu a Imagem a seu filho Atanásio Pedroso, o qual lhe fez
um oratório tal e qual, e, em um altar paus, colocou a Senhora, onde todos os
sábados se ajuntava a vizinhança a cantar o terço e mais devoções. Em uma
dessas ocasiões, se apagaram duas luzes de cera da terra repentinamente,
que alumiavam a Senhora, estando a noite serena, e querendo logo Silvana da
Rocha acender as luzes apagadas também se viram logo de repente acesas
sem intervir diligência alguma: foi este o primeiro prodígio, e depois em outra
semelhante ocasião, viram muitos tremores no nicho e no altar da Senhora,
que parecia cair a Senhora, e as luzes trêmulas, estando a noite serena. Em
outra semelhante ocasião, em uma sexta-feira para o sábado (o que sucedeu
várias vezes), juntando-se algumas pessoas para cantarem o terço, estando
a Senhora em poder da Mãe Silvana da Rocha, guardada em uma caixa
ou baú velho, ouviram dentro da caixa muito estrondo, muitas pessoas, das
quais se foi dilatando a fama até que, patenteando-se muitos prodígios que
a Senhora fazia, foi crescendo a fé e dilatando-se a notícia, e, chagando
ao R. Vigário José Alves Vilella, este e outros devotos lhe edificaram uma
capelinha e depois, demolida esta, edificaram no lugar em que hoje está com
grandeza e fervor dos devotos, com cujas esmolas tem chegado ao estado
em que de presente está. Os prodígios desta Imagem foram autenticados
por testemunhas que se acham no Sumário sem Sentença, e ainda continua
a Senhora com seus prodígios, acudindo à sua Santa Casa romeiros de
partes muitos distantes a gratificar os benefícios recebidos desta Senhora.
(BRUSTOLONI, 2012, ps.32 a 48).
33

Uma outra fonte é citada por Brustoloni (2012), mencionando a descoberta


da imagem e a sua veneração inicial é o registro das Ânuas dos padres jesuítas – da
congregação de Santo Inácio de Loyolla, entre os anos de 1748 e 1749, as quais, ao
descreverem as missões pregadas por dois padres de referida congregação, uma
delas na Capela de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, fazem a descrição do
achado da imagem.

1.2. Características da imagem de Nossa Senhora

A imagem de Nossa Senhora que foi encontrada mede 39 centímetros,


incluindo o pedestal. É feita de terracota (argila modelada e cozida em forno).
Pe. Júlio Brustoloni (2012) ainda diz que o primeiro registro formal sobre as
características da imagem constam de referidas Ânuas dos padres jusuítas, onde
consta “(…) Ex argilla caerulei coloris convecta esta imago illa, multis patratis miraculis
clara.” – aquela imagem foi moldada em argila, sua cor é escura, mas famosa pelos
muitos milagres realizados.
A imagem foi vítima de vandalismo. No dia 16 de maio de 1978, Rogério
Marcos de Oliveira quebrou o vidro do nicho onde se encontrava a imagem, ainda na
basílica velha1 e tentou levá-la consigo. Na fuga, deixou cair a imagem, que se partiu
em pedaços. Na ocasião, Maria Helena Chartuni (escultora, pintora e restauradora)
e chefe do Departamento de Restauro do Museu de Arte de São Paulo (MASP), foi
a responsável pela restauração da imagem, que fora fragmentada em 175 pedaços.
Desde então, Chartuni realiza periodicamente a limpeza da imagem com sua equipe.
Foi comprovado pelos peritos durante esse trabalho que a imagem, de terracota,
era originariamente policromada. Tinha a tez branca do rosto e das mãos, com manto
azul escuro e forro vermelho granada. Segundo Brustoloni (2012), concluíram também
que, devido ao fato de ter ficado por muitos anos submersa no lodo das águas do rio
e exposta depois à luz das velas e à fumaça, no oratório dos pescadores, a imagem

1
O Santuário de Nossa Sra. Aparecida passou a ser conhecido como “basílica velha”, a partir do início
da construção do novo templo, em 1955.
34

adquiriu a cor que conserva até hoje, que é de um castanho brilhante.


Também concluíram, os mesmos peritos, que se tratava de uma imagem
da primeira metade do século XVII. Outra conclusão é que o artista executor, era o
escultor paulista Frei Agostinho de Jesus, santeiro e monge beneditino que atuava no
mosteiro beneditino de Santana do Parnaíba, em São Paulo, define Brustoloni (2012).

1.3. O erguimento das igrejas

A Capela de 1745. Embora sem registro formal anterior do achamento da


imagem, Brustoloni (2012) faz relato constante dos arquivos da Cúria Metropolitana
de Aparecida, sob o título “Autos de Ereção e Benção da Capela de Nossa Senhora
da Conceição Aparecida” envolvendo um conjunto de documentos que compunham
o processo de aprovação para se construir uma nova igreja ou capela. Nela o Pe.
José Alves Vilella (pároco da igreja de Santo Antonio de Guaratinguetá de 1725 a
dezembro/1740 e de agosto/1741 a 1745) pediu ao Bispo do Rio de Janeiro, Dom
Frei João da Cruz, que pelos muitos milagres que tem feito a Senhora a todos os
moradores, desejavam eles contruir uma capela com o título de Senhora da Conceição
Aparecida, que se achava até então em lugar pouco decente. Ao que o Bispo concedeu
autorização e recursos.
O mesmo pesquisador, Brustoloni (2012), relata que naquela época uma
condição para se construir uma nova igreja era a doação do terreno e que ele fosse
em lugar adequado tanto para o culto quanto para o desenvolvimento de um novo
povoado. Então o padre recebeu o terreno do Morro dos Coqueiros, por doação de
três escrituras em maio de 1744. Foi a partir deste local que se desenvolveu a cidade
de Aparecida. No início de julho de 1745, foi inaugurada a igreja.
Segundo o historiador Machado (1975), desde que chegaram à coroa lusitana
notícias da capela de Aparecida, El-Rei a reconhece como Lugar Pio para tributos
de gratidão; e, quando a família Imperial chega ao Brasil, os membros da Corte se
apressam em ir conhecer a Capela “muito afamada e muito visitada.” Já o I livro do
Tombo da Paróquia de Guaratinguetá relata que se tratava de igreja de taipa e pilão,
com altar-mor com tribuna, dois altares colaterais, igreja forrada e assoalhada de
35

madeira, com dois púlpitos, sacristia e torre.


Alves (2005), diz que a capela de 1745 passou por inúmeras reformas e
complementações e também foi brindada com uma gravura de Jean Baptiste Debret,
em 1827, na qual ele retrata o Santuário, seus frequentadores, os costumes e a
sociedade, e diversas pequenas casas que eram denominadas de pousadas para os
peregrinos do Santuário.

1.3.1. O Santuário reconstruído e sua sagração como basílica

A partir de julho de 1844, decidiu-se pela reconstrução das duas torres da


capela, que estavam sob risco de ruir e que só acabaram concluídas em 1864. Somente
a partir de 1878 se iniciaram as obras de reconstrução da nave central e das naves
auxiliares. Considerando que, nessa fase da construção, havia ainda forte ingerência
do império na gestão dos bens da Igreja no Brasil, não foi diferente com o santuário,
que sofreu contínuos desvios de recursos por conta de autoridades que ali interferiam.
Um fato notório, detalhadamente contado por Brustoloni (2012), foi o da
tenacidade de um monge beneditino, Frei Joaquim de Monte Carmelo, que afastado
de seu convento de origem na Bahia, obteve autorização do imperador em 1843 para
viver fora do convento e acabou por residir em Guaratinguetá, depois de um sem
número de ações controversas com as autoridades eclesiásticas onde se instalava.
Assim, resolveu se envolver diretamente na reconstrução das naves e da capela mor, o
que ocorreu no período de 1878 a 1888. A inauguração, com características barrocas,
se deu em 24 de junho de 1888.
É interessante observar que a inauguração do novo santuário dedicado à
Nossa Senhora Aparecida situou-se entre dois fatos históricos de grande relevância
para o Brasil, a Abolição da Escravatura, em 13 de maio de 1888 e a Proclamação da
República, em 15 de novembro de 1889.
O Jornal O Lince, de fevereiro de 2008, publicou matéria de destaque, de
evento de 100 antes, quando o Papa Pio X concede em 29 de abril de 1908 o título de
Basílica Menor, inclusive com a menção de que Dom Duarte Leopoldo e Silva bispo
da recém fundada e São Paulo, fora o solicitante dessa honraria para o Santuário de
36

Nossa Senhora Aparecida:

Pio X, Papa. Em perpétua memória.


Segundo o uso e a prática dos Pontífices Romanos costumamos nós com
todo gôsto conceder honras e privilégios aos templos conspícuos que diante
de outros se distinguem por sua construção e pela especial devoção dos fiéis
para que seu culto torne-se mais esplêndido e mais aumente o concurso e a
piedade do povo cristão. Sabendo porém existir um templo nestas condições
dedicado à Imaculada Virgem Mãe de Deus sob o título popular de Aparecida,
nas margens do rio Paraiba no território da Diocese de São Paulo no Brasil,
nós deferindo benignamente os pedidos a nós apresentados por nosso
venerável irmão Duarte Leopoldo e Silva, bispo daquela diocese, em nome
do Clero e de todo o povo, tivemos por bem elevar essa Igreja à dignidade
mais alta. Fazemos isto com tanto mais gosto porque conforme soubemos, o
mencionado templo construído no século XVIII e eminente entre os templos
marianos do Brasil por sua grandeza e obras de arte, atesta claríssimamente
a grande devoção à Virgem que primeiro tal introduzida pelos Luzitanos nesta
parte da América. (…)
(…) Enfim este Templo munido de abundantes paramentos sacros e enriquecido
de indulgências pelos romanos Pontífices, nossos Predecessores, está agora
confiado aos Presbíteros da Congregação do Santíssimo Redentor que
muito se esforçam para promover ali o Culto Divino. A vista de tudo isto e na
esperança certa de que esta nossa concessão seja para a maior glória de
Deus e maior proveito das almas, em virtude de Nossa autoridade apostólica,
pelas presentes letras concedemos para sempre à mesma Igreja da Imaculada
Virgem Mãe de Deus, chamada de Aparecida, sita na margem do rio paraiba
dentre os limites da diocese de São Paulo no Brasil, o título de Basílica Menor
e lhe conferimos todos os direitos, privilégios, prerrogativas, honras e indultos
que de direito competem às Basílicas menores desta augusta cidade.(…)
(…) Dado em Roma, em São Pedro, sob o anel do pescador no dia 29 de Abril
de 1908; quinto ano de nosso Pontificado. (O LINCE, 2008).

1.4. A idealização e os primórdios da construção da nova basílica



Alves (2005) afirma que a necessidade de expandir a área que recebia um
número de fiéis, que crescia cada vez mais, levou à decisão pela construção de um
37

novo, monumental e exuberante templo, em louvor a Nossa Senhora Aparecida e para


dar suporte às romarias, auxiliando na difusão da devoção e da crença no século XX,
algo que já abrangia o norte do Paraná, interior e litoral de São Paulo, sul de Minas e
Triângulo mineiro, Rio de Janeiro, pontos da Bahia, Nordeste e Centro-Oeste (ALVES,
2005, ps. 33-35; BRUSTOLONI, 2012, ps. 29-32).
No dia 23 de novembro de 1939, Dom José Gaspar de Fonseca e Silva,
arcebispo que havia tomado posse na arquidiocese de São Paulo há dois meses,
fez sua visita de ação de graças à Basílica de Nossa Senhora Aparecida, quando
anunciou sua intenção de construir um novo santuário para Nossa Senhora (Ecos
Marianos, no. VII – 1940 – p. 4). Houve duas tentativas frustradas de se adquirir
terrenos para a nova basílica. A primeira, de um terreno situado atrás da basílica
velha, cujos proprietários se recusaram a negociar a área, negando-se a vender “um
palmo sequer”. Em seguida a administração do Santuário adquiriu a região do Morro
do Cruzeiro, com escritura lavrada em 13/09/40. Mas, uma comissão de técnicos
chegou à conclusão de que o solo era impróprio para uma construção do porte que se
pretendia para a nova basílica. Por fim, decidiu-se por uma gleba de 60 alqueires, que
se iniciava no Morro das Pitas, em direção ao Porto Itaguaçu (local onde, em 1717,
foi encontrada a imagem de Nossa Senhora por pescadores). A compra foi acertada
por 300 contos de réis, mas a escritura não pôde ser assinada por Dom José Gaspar,
porque ele foi vítima de um desastre aéreo em viagem à capital do país, à época no
Rio de Janeiro (Ecos Marianos, 1943). A gleba, composta por 10 terrenos, foi
vendida à Cúria Metropolitana de São Paulo, em 1944, já sob a gestão do Cardeal
Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta (BRUSTOLONI, 2012, p. 211).
O local escolhido em Aparecida era conhecido como sendo o “Morro das
Pitas” (pitas = palmeiras em tupi-guarani). O próximo evento histórico foi o ato solene
da benção da pedra fundamental, no dia 10 de setembro de 1946, informação esta
também recuperada junto aos Ecos Marianos – 1953 – p. 26. Consta dos arquivos da
Cúria Metropolitana de Aparecida que em 09/10/1946 foi lançada a Pedra Fundamental,
com a inscrição “Regina Brasiliae”. Na urna depositada, além de documentos, havia
um estojo com terra do local das aparições de Fátima, em Portugal. Nesta mesma
noite a Pedra Fundamental foi violada.
38

É interessante observar, no periódico Ecos Marianos, que uma reportagem


de outubro de 1951 registrava uma ordem de Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos
Motta, que na ocasião era o cardeal arcebispo de São Paulo:

Por determinação do eminentíssimo Sr. Cardeal-Arcebispo, a construção da


Nova Basílica será executada de modo que se apronte o mais breve possível
a grande cripta. Esta decisão visa dar maior comodidade aos peregrinos,
pois constatou Sua Eminência que presentemente a atual Basílica não mais
comporta o número sempre crescente de devotos que procuram aquêle
Santuário (Ecos Marianos – Suplemento do Santuário de Aparecida – 1952
– pag. 33). Essa edição registra, pela primeira vez, uma publicação da planta
da nova basílica. (figura 1)

O projeto arquitetônico ficou sob a responsabilidade do arquiteto Dr. Benedito


Calixto de Jesus Neto. O arquiteto Benedito era neto do pintor brasileiro Benedito
Calixto de Jesus, considerado um dos maiores expoentes da pintura brasileira do
início do século XX, nascido em 14/10/1853, na cidade de Itanhaém e no estado de
São Paulo. A concepção original era de estilo neo-românico, com características de
arquitetura românica e bizantina e na forma de duas cruzes gregas sobrepostas. A cruz
grega, é um antigo tipo de cruz com braços de igual longitude, na planta de Benedito
Calixto Neto, elas aparecem sobrepostas e cruzadas (figura 1). Foi aprovado pela
Pontifícia Comissão de Arte Sacra em 1949 e composta por 4 naves (figuras 1 e 2).
Segundo consta de relatos de “tradição oral”, Benedito Calixto teria buscado inspiração
nas arquiteturas românicas e em viagens feitas à América do Norte. Em Washington,
por exemplo, conheceu o Santuário da Imaculada Conceição, construída no final do
século XIX e início do XX, com características romano-bizantinas, refletindo o Velho
Mundo na América e muito semelhantes ao formato da Basílica de Aparecida. Há que
se destacar também que consta dos Arquivos da Cúria Metropolitana de Aparecida
os primeiros esboços da basílica, feitos pelo famoso arquiteto austríaco Clemente
Holzmeister, que tem muitos projetos assinados na Europa e inclusive no Brasil.
Segundo o Jornal Lince de Aparecida, o Santuário Nacional de Aparecida
é “cópia adaptada” do Santuário Nacional da Imaculada Conceição situado em
39

Washington D.C. (District of Columbia), nos Estados Unidos da América, usando


expressão utilizada pelo padre redentorista Júlio João Brustoloni, um religioso
interessado na história da Imagem e do Santuário em Aparecida, para se referir
ao projeto arquitetônico da Basílica Nova em seu artigo “25 anos de construção da
Basílica Nova”, publicado na revista Ecos Marianos 1982. O primeiro parágrafo do
texto mencionado pelo jornal diz na íntegra o seguinte:

Em setembro de 1947, o Dr. Benedito Calixto de Jesus Neto viajou para

os Estados Unidos, Canadá, México e Peru, a fim de estudar obras de

arquitetura religiosa moderna e coletar dados para a planta da futura

basílica. A 1º de fevereiro de 1949, apresentou ao Sr. Cardeal Motta

o anteprojeto da obra. Apesar do tempo gasto e das viagens, não foi

original, pois o projeto é cópia adaptada (grifo meu) do Santuário da

Imaculada Conceição de Washington. Em julho do mesmo ano, o Dr.

1 2

1. Primeira planta publicada da construção da nova Basílica, projeto de Benedito Calixto Neto, jornal
Ecos Marianos, p.34, 1952. Em torno da plataforma com a imagem teriam mais 8 pequenos altares para
celebrar 9 missas ao mesmo tempo. 2. Placa de responsabilidade civil da terraplanagem, concretagem
e construção da Basílica. Fotos 1 e 2: s/n e 2372. Cortesia do CDM Pe. Antão Jorge.
40

Calixto viajou para Roma onde apresentou seu projeto às autoridades

em arte sacra, que lhe sugeriram algumas modificações (Jornal

Lince, Aparecida, 09/10/2012).

Na primeira planta desenhada e publicada da nova basílica, o altar da imagem


de Nossa Senhora Aparecida foi projetado para o centro da igreja, sob a cúpula.
A ideia era de que em torno da plataforma teria mais oito pequenos altares, o que
permitiria a celebração de nove missas simultâneas (Ecos Marianos, nº. 46, 1949
e Cronologia Histórica da Basílica Nova - em 29/09/12).
O processo de construção teve início com os trabalhos de terraplanagem em
07 de setembro de 1952 (Ecos Marianos, 1953, p. 25 e figuras 2 a 4). Consta dos
Ecos Marianos que nesse ano a administração da Basílica pediu ao então Presidente
da República (Getúlio Vargas) o auxílio de 20 milhões de cruzeiros para as obras
de terraplanagem (Ecos Marianos, 1954, p. 42). Segundo registro do Pe. Julio
Brustoloni, “o Senado aprovou a mensagem do presidente, Dr. Getúlio Vargas, que
propunha a verba de cinco milhões de cruzeiros, elevando-a para dez milhões. A soma
seria entregue em duas parcelas, das quais a primeira e única foi entregue em agosto
do mesmo ano, descreve Brustoloni (2012).
Os trabalhos de terraplanagem das estruturas de concreto ficaram a cargo da
empresa Indústria e Comércio Mariutti Ltda. A construção se inicia pela Nave Norte,
em 11 de novembro de 1955, com a concretagem das colunas (figuras 5 a 10).
Após o término da construção da Nave Norte, iniciou-se a construção da
“Torre Brasília”, que teve suas ferragens doadas pelo então Presidente da República
do Brasil, Juscelino Kubitschek (figura 11), o qual participou da sua inauguração em
10 de janeiro de 1961 (figura 12); O Estado de São Paulo, 05/01/1961, p.7).
É oportuno notar que, por decreto da Santa Sé, de 1965, a construção
deveria ser fiscalizada por uma comissão de 5 representantes oficiais da igreja,
composta à época por: cardeal Agnelo Rossi, como presidente (arcebispo de São
Paulo) e cardeal Carlos Carmelo V. Motta (arcebispo de Aparecida), Dom Antonio de
Macedo (bispo auxiliar de Aparecida), ambos diretamente envolvidos na construção,
além de Dom Antonio Maria Alves de Siqueira, arcebispo coadjutor de São Paulo e
41

3. A área escolhida foi o Morro das Pitas com uma dimensão de 60 alqueires. Ao custo de 300 contos
de réis, fica na direção do Porto de Itaguaçu. Fotografia tirada antes dos trabalhos de terraplenagem.
Foto: 4037. Cortesia do CDM Pe. Antão Jorge.

4. A empresa Mariutti Ltda ficou encarregada pela terraplanagem. Vista aérea do Morro das Pitas onde
seria construída a basílica. Foto: 2706. Cortesia do CDM Pe. Antão Jorge.
42

5. Início das obras de concretagem da Nave Norte. Ao centro, de terno e boina preta, o arquiteto
Benedito Calixto Neto comanda a operação. Foto: 2593. Cortesia do CDM Pe. Antão Jorge.

6. Início das obras da Nave Norte. Da esquerda para a direita: Dom Macedo, bispo auxiliar, padre
redentorista, arquiteto Benedito Calixto Neto e cardeal Dom Carlos Motta. Foto: 2684. Cortesia do CDM
Pe. Antão Jorge.
43

7. Vista de mais uma etapa das obras da Nave Norte. Foto: 2461. Cortesia do CDM Pe. Antão Jorge,

8 9

8. Detalhe das portas de entrada da Nave Norte. Cortesia do CDM Pe. Antão Jorge, foto 2631. 9. Nave
Norte em fase final de concretagem. Foto: 2830. Cortesia do CDM Pe. Antão Jorge.
44

10

10. Detalhe das obras da Nave Norte. Estruturas de madeira para sustentação do concreto das arcadas.
Foto: 3056. Cortesia do CDM Pe. Antão Jorge,

11

11. Construção da Torre Brasília onde se vê ao fundo o Rio Paraíba do Sul, junto ao Porto Itaguaçu,
onde foi descoberta a imagem em 1717. Foto: 2973. Cortesia do CDM Pe. Antão Jorge.
45

12

12. Inauguração da Torre Brasília, com a presença do então presidente da República, Juscelino
Kubitschek de Oliveira e do Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta. Originalmente
denominada de Torre Basílica, foi renomeada para Torre Brasília por conta da doação de sua estrutura
de ferro pelo presidente da República. Foto: cortesia do CDM Pe. Antão Jorge.

Dom José Gonçalves, secretário da CNBB. Por sua vez, os padres redentoristas,
responsáveis pelo Santuário de Aparecida, também tinham constituído uma comissão
de acompanhamento das obras. Referida comissão se reunia mensalmente, para
que nela prestasse contas ao Pe. Noé Sotilo, responsável pela tesouraria e pela
administração dos bens da Basílica.
Terminada a torre, as obras seguiram para a cúpula central. As obras da Nave
Norte e da Torre estiveram sob a responsabilidade da empresa Indústria e Comércio
Mariutti Ltda. Os trabalhos de construção das pilastras da cúpula central também se
iniciaram exclusivamente com essa empresa. Todavia, para o processo de edificação
das 4 abóbodas da cúpula central, a 40 metros de altura, o conselho questionou o
método e os preços apresentados pela empresa, quando se fez uma quotação com
outras empresas, quanto ao estaqueamento para sustentação da cúpula. O processo
46

mais vantajoso foi o da empresa Figueiredo Ferraz, de Guaratinguetá. Ao saber do


valor das concorrentes, a empresa Mariutti baixou imediatamente seus preços para
esse processo, mas não foi aceita sua proposta (Doc. 1 - Atas do Conselho - 15
de abril de 1965).
Em meados de 1972, com a morte do arquiteto Benedito Calixto de Jesus
Neto e da conclusão da cúpula central, optou-se pela dispensa da empresa Mariutti.
Segundo textos históricos, compilando fatos da construção, o autor destacou que com
recursos próprios, máquinas e operários e sob a supervisão do Dr. Luís Alves Coelho,
que não recebia vencimentos, a construção das estrturuas de concreto e alvenaria
passaram a ser feitas pela própria administração do Santuário, sob a gestão do Pe.
Noé Sotilo, o que a tornou muito mais rápida e econômica.
Vale destacar que as plantas e os projetos das Naves Sul, Leste e Oeste, que
estavam em poder do engenheiro e arquiteto Benedito Calixto, não foram entregues
à administração do Santuário, após sua morte. Além das plantas, seis cadernos de
anotações, que eram os “Diários da construção” de Benedito Calixto, sobre a Nave
Norte, a Torre e a Cúpula também ficaram com a família e não foram disponibilizados,
perdendo-se com isso importantes aspectos e sutilezas do período da construção,
que não puderam compor os arquivos da Basílica. Consta que o filho de Benedito
Calixto Neto, o Sr. Quintiliano Calixto, quis cobrar do Pe. Noé Sotilo pela entrega de
referidos documentos, mas ele recusou-se, considerando que elas já haviam sido
pagas anteriormente. Por isso, as plantas tiveram que ser refeitas novamente, pelo Dr.
Luís Alves Coelho. Com isso, o projeto primitivo foi modificado (figuras 13 e 14) (Doc.
2 - Construção da Nova Basílica, 1992 – introdução). Segundo observação do Pe.
Julio Brustoloni, a Nave Sul foi alongada por mais dois lances de colunas, ficando 16
metros mais longa que as demais, preservando porém a mesma fachada das outras
naves (BRUSTOLONI, 2012, p. 217).
A partir da nova estratégia de construção, os trabalhos se aceleraram, tendo
sido concluída a Nave Sul em 1974, a Nave Leste, em 1976, a Nave Oeste, em 1977,
com a conclusão do conjunto em 1980. Brustoloni (2012), ainda lembra que, nesse
ano se concluiu o projeto principal das 4 naves, da torre e da cúpula da nova basílica.
O restante da construção estrutural durou até 1997.
47

13

13. Versão reformulada da planta da Basílica Nova. Com a morte do arquiteto Benedito Calixto Neto,
o projeto foi refeito novamente pelo Dr. Luís Alves Coelho e a construção ficou a encargo e supervisão
do Pe. Noé Sotilo. Em comparação à planta antiga, a Nave Sul foi alongada por mais dois lances de
colunas, ficando 16 mestros mais longa que as demais, mas preservando a mesma fachada das outras
naves. Foto: cortesia do CDM Pe. Antão Jorge.
48

11

14 15

12 8 4 1 5 9 13

10
16 17

14

14. 1 Altar central. 2 Nave Norte e os painéis da Vida pública de Jesus. 3 Nave Sul, o nicho de Nossa
Sra. e os painéis da Infância de Jesus. 4 Nave Leste e os painéis da Ressurreição. 5 Nave Oeste e os
painéis da Paixão de Jesus. 6 Painel do Cristo Pantocrator. 7 Trono de Nossa Sra. 8 Painel do Cordeiro
Imolado. 9 Painel da Virgem Imaculada. 10 Acesso norte. 11 Acesso sul. 12 Acesso leste. 13 Acesso
oeste. 14 Capela São José. 15 Capela do Santíssimo. 16 Capela da velas 17 Torre Brasília. Foto:
cortesia do CDM Pe. Antão Jorge. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.
49

Fato notório durante a construção foi em 1969, foi a muito útil ideia do Pe.
Noé Sotilo de aproveitar o subsolo da Nave Norte como espaço para um salão de
descanso e de convivência social para os romeiros. Além de acomodar, há sanitários
públicos e água potável. O vão entre a laje do piso da nave e o subsolo era de apenas
2 metros e, com a concordância do Cardeal Motta, se iniciou a sua escavação. (Doc.
2 - Construção da Nova Basílica, 1992 – introdução).

1.4.1. Inauguração da Basílica de Aparecida e suas dimensões

Foi inaugurada em 4 de julho de 1980, quando Papa João Paulo II visitou o


Brasil pela primeira vez e lhe outorgou o título de Basílica Menor. Cabe destacar aqui
a terminologia adotada pela Igreja Católica para classificação de Basílica Maior e
de Basílica Menor. As basílicas maiores, também chamadas de basílicas patriarcais,
são 7 e estão localizadas em Roma, sob a autoridade do papa. Outras igrejas, em
diversos países, devido à sua importância, podem receber do papa o título honorífico
de basílica menor.
Durante a inauguração da Basílica de Aparecida, perante uma multidão de
cerca de 300 mil pessoas, João Paulo II celebrou a Santa Missa na Esplanada
do Santuário. Após a Missa de Sagração do Altar, o Papa fez sua consagração
e a de todos os brasileiros a Nossa Senhora Aparecida e deu a bênção final com
a imagem original de Nossa Senhora. Seu último gesto foi declarar o novo templo
“Basílica Menor”, o que viria a confirmar o costume do povo de chamar as igrejas
de Basílica Velha e Basílica Nova (O Estado de S.Paulo, 05 de julho 1980, p.
40). Em 30 de junho de 1980, durante a visita de João Paulo II, o Governo Federal
decretou oficialmente o dia 12 de outubro como sendo feriado nacional de Nossa Sra.
de Aparecida, padroeira do Brasil.
A Basílica (figuras 15 e 16) destaca-se pela sua magnitude e grandeza, por
ser um dos maiores centros da fé católica no Brasil. Considerado pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, em 1984, como o “Maior Santuário Mariano do Mundo”.
Mais de um milhão de fiéis por ali passam anualmente, para visitarem a pequena
imagem, cumprirem com suas devoções, depositarem seus pedidos, pagarem suas
50

15

15. Vista atual da Basílica de Aparecida com a Nave Norte ao centro e a Torre Brasília à direita. Foto:
Egidio S. Toda. Registro em novembro de 2011.

16

16. Entrada principal da Basílica de Aparecida, Nave Sul, onde o Papa João Paulo II celebrou a missa
de inauguração em 1980. Foto: Egidio S. Toda. Registro em setembro de 2012.
51

promessas e participarem das missas e celebrações. No mês de outubro, por conta


da festa da padroeira, é o mês de maior afluxo dos romeiros. Segue a seguir, algumas
curiosidades:
• Extensão: 173 metros • Largura: 168 metros
• 4 naves: 40 metros de altura • Cúpula Central: 70 metros de altura
• Torre: 107 metros de altura • Área coberta: 18.000 m2
• Tijolos da construção: 25 milhões • Volume de concreto: 40.000 m3
• Área construída: 23.300 m2 • Telhado: 257.000 telhas azuis
• Estacionamento: 272.000 m2 • Lotação: 45.000 pessoas
(Press: Kit Imprensa. Administração do Santuário Nacional
de Aparecida: s/data, ps. 28 e 29, visita em 11/2011 e 09/2012).
Segundo estatística reunida por Júlio Brustoloni, o fluxo de romeiros na basílica
mudou significativamente entre 1968 e 1997, evidenciando que a estrutura atual do
templo era uma demanda que não poderia de fato esperar mais tempo. A quantidade
de pessoas passou de 903 mil, em 1968, para 3 milhões em 1979 e ascendendo a 6,2
milhões em 1997. Um crescimento vertiginoso de 687%. Em 2010, portanto passados
outros 13 anos, os registros acusaram 10.380.173 visitantes à basílica.
Por consequência, também o fluxo de veículos coletivos (ônibus) e de passeio
cresceu, de 16.127 e 51.594, em 1968, respectivamente, para 68.025 e 228.332, em
1997. Ou seja, registrou-se um crescimento de mais de 420% nos veículos. Note-
se que esta estatística registrou as concentrações aos domingos. Era sem dúvida
premente uma nova concepção dos espaços de estacionamento, do contrário, se
estabeleceria o caos na cidade e arredores (Brustoloni, 2012, ps.377-378).

1.5. A concepção do acabamento da basílica

Além das quatro naves (norte, sul, leste e oeste) e da cúpula central, o espaço
interno da Basílica também está composto de 5 capelas: Capela do Santíssimo,
Capela da Ressurreição, Capela de São José, Capela do Batismo e Capela das Velas.
Concluída a etapa da construção estrutural do templo, que durou 42 anos,
de 1955 a 1997, uma tarefa não menos importante era a de acabamento da nova
52

basílica. Além dos 182.000 m2 de piso a decorar, as 4 naves com 40 metros de altura,
a cúpula de 70 metros e os enormes vitrais de cada uma das naves e das 5 capelas,
eram um grande desafio, principalmente tendo em vista que essa obra em si mesma
deveria ter um conteúdo evangelizador muito forte.
A nova basílica, como vimos, foi projetada no início da década de 50 e,
portanto, foi adequada ao modelo litúrgico então vigente. Daí decorre o comentário que
fizemos no item 1.1. acima: “na nova basílica, o altar da imagem de Nossa Senhora
Aparecida foi projetado para o centro, sob a cúpula. Em torno da plataforma teria mais
oito pequenos altares, o que permitiria a celebração de nove missas simultâneas”.
A basílica pós concílio tinha realmente que ser revista, em função das novas
diretivas do Concílio Vaticano II2, em que o altar da celebração tem que ocupar o
centro da Igreja. Com isso, a Nave Sul foi adaptada para receber a imagem de N. Sra.
Aparecida, de forma que os fiéis em todas as naves convergissem para o centro da
celebração, o altar.
Foi levando em conta esse contexto que, em 1997, a convite do então Cardeal
Arcebispo de Aparecida, D. Aloísio Lorscheider, o artista plástico Cláudio Pastro
assumiu o processo de conclusão da gigantesca basílica, juntamente com outros
artistas e arquitetos especializados em Arte Sacra.

1.5.1. A visão do artista Cláudio Pastro sobre o templo

Cláudio Pastro define o templo no espaço sagrado hoje como a imagem da


igreja em sua construção e funcionalidade.

O problema está aí: arquitetos e engenheiros não sabem tratar a

questão do espaço sagrado, pois, pastores e fiéis não sabem o que

propor além de um pietismo subjetivo ou ideologias de poder vindas

de qualquer parte, inclusive da própria igreja. É preciso um forte

2
Foi uma série de conferências realizadas entre 1962 e 1965, consideradas o grande evento da Igreja
Católica do século XX, com o objetivo de modernizar a Igreja e atrair os cristãos afastados da religião.
53

fundamento dos valores cristãos na história (e esses se expressam

nas várias manifestações artísticas) para se ter os pés bem no chão

quando se deseja criar, sincera e fielmente, algo novo... Quando

observo um templo budista, uma igreja cristã ou uma cestaria indígena,

estou vendo a imago mundi. A IMAGEM DE MUNDO que os fiéis têm

nas suas respectivas culturas. É UMA ORDEM NO COSMOS.

Ainda segundo Pastro, a busca do Eu e do Ser procurado, começa como um


namoro, uma organização de objetos num exercício de peregrinação para atingir a
harmonia e unidade. Através deste caminho é que se encontra o Centro do objeto
único. O resultado desta procura a esses mundos próprios será o encontro desta
organização pessoal, a busca da tranquilidade e o encontro consigo mesmo. Esta é
a diferença entre os espaços, da casa comum, do estádio de futebol e do sagrado.
No espaço sagrado, o caos fica do lado de fora e o equilíbrio na parte interna. Na
construção do espaço sagrado, nada é feito por acaso, há o encontro do visível
com o invisível como em um relacionamento. As imagens em forma de ornamentos
geométricos nas paredes ou nos pisos das igrejas não são apenas motivos decorativos,
mas são indicativos de orientação. São ramificações que chegam ao centro de cada
um de nós, à paz, ao coração. Estas ramificações, que são as veias do representante
da igreja católica, Jesus Cristo, orientam-nos em direção a um centro, ao Altar, ao
coração deste Cristo (PASTRO, 1993).

1.5.2 A visão do reitor da basílica sobre o templo



Durante entrevista que concedeu, o Pe. Darci Nicioli, atual reitor da basílica,
desde dezembro de 2008 e que também atuou como gestor administrativo no período
de 1997 a 2005, teceu comentários sobre a sua visão do templo e sobre a obra artística
do processo de acabamento da nova basílica, bem como da escolha do artista sacro
Cláudio Pastro (ANEXO 2).
Quanto ao acabamento que estava planejado para o interior da Basílica, com
relação ao trabalho visual e estético. Segundo o Pe. Darci, um dos atributos de
54

Deus é a beleza, por isso construir o belo ajuda as pessoas no seu encontro com
Deus. Dostoievski disse que a beleza salvaria o mundo e intuiu isso muito bem. Isso
norteou o acabamento interno do Santuário Nacional. Todo o trabalho tem sido feito
com o objetivo de fazer com que haja harmonia e que harmonia seja percebida pelo
visitante, que deve fazer parte dela. Destaca:

Não é um museu para ser visitado. É um lugar para estar e interagir,

encontrar com seus irmãos. Quando nós celebramos na Basílica, nós

estamos trabalhando com o sagrado. E a glória de Deus não tem voz.

Então, a Basílica tem que fazer com quem vem aqui se sinta bem, se

sinta acolhido, se sinta em casa, se sinta na Casa de Deus, na casa

da Mãe Aparecida.

Toda a arte realizada no Santuário Nacional tem este objetivo. E devido à


necessidade da harmonia, um único artista foi convidado.
Enfatizou como elementos importantes três aspectos: a) o de que a Basílica
foi concebida antes do Concílio Vaticano II; b) o de que o Concílio Vaticano II quis que
a Igreja abrisse suas janelas para os ventos da renovação entrarem; c) não é somente
o padre, como presidente da celebração, que celebra para a assembléia, mas todos
os participantes são celebrantes.
Esses conceitos mudaram a liturgia, a estética e a arquitetura da Igreja.
…Concebida antes do Concílio Vaticano II, a gente pode entender que a
arquitetura da Basílica foi pensada para uma liturgia anterior ao Vaticano II…. Por
exemplo, a liturgia não pensava em concelebração… que é a idéia de que toda a
assembléia celebra… Isso muda a arquitetura da igreja.
O arquiteto Benedito Calixto pensou que a imagem de Nossa Senhora ficaria
no centro da Basílica, para sua visitação e os altares laterais que a circundariam
permitiriam diversas eucaristías (missas) ao mesmo tempo (figura 1). O Vaticano II,
na década de 60, muda essa concepção. O Cristo é o centro da celebração. Por isso o
altar, um único altar, tem a configuração de hoje. É redondo, para integrar quem esteja
em qualquer das quatro naves. Por isso Cláudio Pastro foi escolhido, para fazer essa
55

mudança de postura eclesial para a Basílica.


Sobre o início dos estudos para o acabamento do interior da nova basílica,
Pe. Darci destacou que esse processo teve início no ano 2000, quando era arcebispo
de Aparecida o cardeal Aloísio Loscheider, sendo ele, Pe. Darci, o administrador da
Basílica na ocasião. Enfatizou que tudo é decidido por um conselho econômico para
dar aprovação nas construções, nos dados, nos projetos, etc. Destacou que existe um
conselho de peritos em teologia e em liturgia, para ajudar a pensar o acabamento e
avaliar as propostas do artista. Todo o processo foi documentado.
Quanto à existência de uma ideia inicial do que deveria ser feito sob o ponto
de vista de acabamento, disse que quando se resolveu terminar a basílica, se tinha
várias noções de como encaminhar o acabamento, porque o arquiteto não deixou
detalhes. Daí a iniciativa de convocar o Cláudio Pastro e também outros artistas para
discutir a questão.
Com a definição do altar central foi dada continuidade a todo o acabamento,
sob o crivo da comissão de especialistas em teologia3, em liturgia4 e em estética.
Uma ideia geral da obra e sua história. Mencionou que, diferente de outros
santuários, que nascem de uma manifestação de Deus, como em Lourdes à Bernadete,
em Fátima aos pastorinhos e em Guadalupe ao índio Juan Diego. Aparecida nasce de
um fato muito simples: três pescadores tiraram peixe das redes e encontraram uma
imagem quebrada. Juntado corpo e cabeça se deu a imagem que nós conhecemos.
Pe. Darci enfatizou mais especificamente:

…É tão simples, como são simples as coisas de Deus. Então talvez seja este
o grande encantamento de Aparecida – a simplicidade. As pessoas que aqui
vêm, vêm trazendo as suas mazelas, as suas dificuldades, as suas dores,
os seus contratempos, os seus sofrimentos, e encontram uma esperança.
Voltam para casa com o coração renovado. Tudo o que é construído aqui no

3
Ciência que se ocupa de Deus, seus atributos e perfeições.
4
Ordem da cerimônia e preces de que se compõe o seviço divino, como se encontra determinado no
ritual eclesiástico; as fórmulas consagradas das orações, rito, Ciência que trata das cerimônias e ritos .
56

Santuário tem este objetivo – o de fazer com que as pessoas renovem as


suas energias, as suas forças, refaçam as suas esperanças. Portanto, a arte
aqui não é pela arte. A arte aqui é para evangelizar… (ANEXO 2)

A seguir, vamos desvendar quem é o criador e responsável pela arte da


Basílica de Aparecida. A história de sua vida, infância, estudos, referências e trabalhos.
Conversamos com o reitor da Basílica, Bispo Darci Niciolli, para explicar a obra que
está sendo desenvolvida e suas razões para a contratação deste artista. Entrevistamos
o artista Cláudio Pastro para entender as obras do retábulo e trono de Nossa Sra., dos
painéis nas quatro naves, o piso e o revestimento da área interna e externa. Conhecer
o significado de seus símbolos, sua mensagem, e como a sua estética e comunicação
visual estão transformando este templo sagrado em uma das maiores referências
contemporâneas da arte sacra mundial.
57

CAPÍTULO 2

O MAIS IMPORTANTE ARTISTA SACRO BRASILEIRO DA ATUALIDADE, SUA


OBRA PRIMA E SEU MAIOR DESAFIO
58

CAPÍTULO 2

O MAIS IMPORTANTE ARTISTA SACRO BRASILEIRO DA ATUALIDADE, SUA


OBRA PRIMA E SEU MAIOR DESAFIO

Peregrino arauto do espaço sagrado, vem marcando, com seu pincel,


santuários e capelas, convidando-nos para celebrar o Mistério da Liturgia,
‘caridade (ágape) experimentada, saboreada e vivida por antecipação no

espaço e no tempo do Sagrado.’ (PASTRO, 1993, p.7)


Segundo Dom Luciano Mendes de Almeida, em seu prefácio de abertura no
livro “Arte Sacra: O Espaço Sagrado Hoje”(em cujo texto se insere a frase citada
acima), Pastro expressa aquilo que crê e ajuda-nos, com sua imagem, a crescermos
acreditando nestes ensinamentos cristãos. Permite-nos uma visão de conjunto da
iconografia cristã através dos tempos e fundamenta as expressões artísticas na
igreja como valores intrínsecos, ajudando a compreender a imagem como lugar de
manifestação do Espírito.

2.1. Uma vida rodeada de religiosidade e arte: infância, estudos e saber

Em um raro momento do artista na cidade de São Paulo, pois seu tempo se


divide entre a capital paulistana onde reside, a cidade de Aparecida onde está o seu
trabalho atual e suas viagens pelo Brasil e o mundo, tive a oportunidade de entrevistá-
lo. Preparando-se para mais uma viagem e uma palestra sobre “As faces de Cristo
no primeiro e segundo milênios”, em Itaici no Estado de São Paulo e marcada para o
dia 08 de setembro de 2012, Cláudio Pastro (figura 17), me recebeu um dia antes em
seu ateliê no bairro de Perdizes, na capital paulistana, no feriado da Independência do
Brasil, para falar sobre a sua vida e trabalho. Ao contrário de uma simples entrevista,
de imaginei duraria 1 hora, Pastro foi extremamente generoso com uma agradável
conversa que durou quase 4 horas. Presenteou-me com com riquíssimas histórias
sobre o homem, o artista e sua obra.
59

17

17. O artista Cláudio Pastro em seu ateliê no bairro de Perdizes, São Paulo. Foto: Lucas Lima. Publicado
na Veja São Paulo em 05 de junho de 2013.

O artista plástico Cláudio Pastro é brasileiro, nascido em 1948 em São Paulo


– SP, na Maternidade São Paulo, um hospital próximo da Avenida Paulista e morou na
altura do número 600 da rua Frei Caneca. Depois, foi viver com a família no Tatuapé,
em frente ao convento das Irmãzinhas da Assumção, cujas primeiras irmãs eram de
origem francesa e os padres holandeses. Naquela época quase não havia padres
brasileiros. Segundo ele, a própria cidade da São Paulo, na década de 50, era uma
cidade européia e que ele, pelo menos aos domingos, tinha a obrigação de falar em
francês na mesa. Rodeado por arte, treinou seus primeiros rabiscos em papéis de
pão, acompanhado por sua mãe. Segundo suas declarações:

(…) Eu me conheço sempre com arte, desde os quatro ou cinco anos de idade.
Minha mãe era modista, era costureira. Então eu ficava de olho em como ela
desenhava as roupas. Naquela época não se tinha grandes elementos. Por
exemplo, papel era uma coisa que não existia para a gente praticamente.
Minha mãe juntava papel de padaria, que era um papel escuro, acinzentado,
60

onde se punha o pão, e a gente desenhava ali. Às vezes ela se sentava na


escada de casa e pedia que eu desenhasse o que eu quisesse, enquanto ela
fazia os desenhos dela (…) Minha avó de origem espanhola, juntava dinheiro
o ano todo para, uma ou duas vezes, ir ao Municipal numa ópera de uma
grande personalidade que vinha a São Paulo. (…) Naturalmente, por mais
simples que a família fosse, havia o elemento arte dentro. (ANEXO 1)

Pastro estudou em colégio estudual e depois fez a graduação de Ciências


Sociais, na Pontifícia Universidade Católica - PUC de São Paulo, que era o mais
barato, concluindo em 1972. Nesse tempo de universitário, dava aulas em cursos de
madureza e de preparação para o vestibular, para sobreviver. Ao concluir a graduação,
já que gostava tanto de arte, foi instigado por amigos a visitar a Europa e lá ficou por
três meses. Desse período ele destaca a sua formação:

(…) minha formação vem muito da contemplação do próprio mistério. Desde


adolescente e jovem, como na igreja era tudo em gregoriano e em latim, onde
ninguém entendia nada, mas não é preciso entender, era preciso ´entrar na
dança`, como se fala, entrar naquele movimento, aquilo era bom. Educou
muito o meu espírito. Me deu um espírito acredito que muito mais forte. (…)
Aquela época, dos anos 60, correspondia aos anos da Ditadura e em termos
de igreja, porque estamos falando de arte sacra, corresponde ao grande

evento do Concílio Ecumênico Vaticano II. (ANEXO 1)

A partir de 1974, através de amigos, começou seus trabalhos com arte. O


primeiro trabalho que, segundo ele, foi o mais consistente ligado à arte, foi num projeto
da Prefeitura de São Paulo, na região da Zona Leste – em Itaquera. Dedicou-se desde
1975 à arte sacra, quando fez a sua primeira exposição individual de pintura no salão
da PUC de São Paulo, na cidade de São Paulo, Brasil. Em 1976/77, por volta do
mês de agosto, um grupo de italianos ligados a seus amigos visitou uma exposição
sua em Itaquera. Entre eles estava o marchand Francesco Ricci. Pastro tinha dez
trabalhos em exposição e ele comprou os dez. A temática já era a de arte sacra. Um
dos trabalhos era uma composição em couro para ser colocada numa porta de capela.
Por volta do mês de novembro, Pastro recebeu cópia dos 10 trabalhos em postais de
61

natal. Em abril do ano seguinte, na Páscoa, o marchand voltou ao Brasil e lhe pagou
os direitos autorais. Segundo suas palavras:

A partir de então voltei as costas para todos os outros pensamentos e passei


a me dedicar exclusivamente à arte sacra. Nessa época, também para
sobreviver, dava aula de cerâmica para madames. Por exemplo, dei aula
na faculdade dos e das salesianas em Lorena. Em Santo André, dei aula de
estética. Eram coisas pra sobreviver, enquanto se firmava o aprofundamento
meu com a arte sacra e também até começar ser conhecido um pouco. Foi
muito difícil. Dificílimo, porque aqueles anos 70 e final de 70 para 80, foi
um período de ditadura, pós Concílio, etc, quando surge na Igreja a famosa
teologia da libertação. E, creio eu, que muito por causa da ditadura, a Igreja
quis enfrentá-la e, nesse confronto, passa a se dedicar, através da teologia
da libertação, mais ao trabalho social do que a ela mesma. Nesse momento
em que eu estava surgindo, fui abafado, porque chamavam arte de luxo. E
não perceberam, intencionalmente ou não, porque era um misto de teologia e
de ideologia, que a arte é o maior ou o único elemento de comunicação mais
universal do ser humano. Um chinês, um japonês, um africano, um índio, se

comunicam conosco pela arte tranquilamente e nós com eles. (ANEXO1)

Voltou à Europa nos anos de 1978 e 1979 e 1981, quando estudou na


Academia de Belle Arte Lorenzo DaVitergo, na Itália, onde fez dois anos de curso
direcionado para arte sacra. Tratavam-se de cursos mais técnicos como, por exemplo,
o conhecimento da pedra do arenito. O conhecimento de técnicas de afresco, técnicas
a óleo, azulejaria, etc. Também fez curso em Barcelona, no Museu Nacional de Artes
da Catalunha. Além disso, se especializou em trabalhos de cerâmica no mosteiro
beneditino de Turnay, na sul da França. Fez também o Curso de Análise Estética
de Obras de Arte no Liceu de Artes e Ofícios, em São Paulo, Brasil, e na Abadia
Beneditina de Tepeyac, no México.
Pastro destaca, entre suas obras que mais lhe agradam, a igreja do mosteiro
das beneditinas, em Itapecerica da Serra. E teve a oportunidade de realizar trabalhos
em diversos outros mosteiros, como o mosteiro do encontro, próximo a Curitiba, em
Mandirituba, onde fez a arquitetura toda do mosteiro. Também é responsável pelo
62

interior da igreja da Trapa, que está num mosteiro trapista no sul do Paraná (Campo
do Tenente). Na cidade de São Paulo está uma importante obra sua, o painel da
Sagrada Família na catedral do Campo Limpo, mas o trabalho que muito lhe agrada
é o da capela das irmãs argelinas:

É uma capela que não tem bancos. É uma igreja que eu acredito que daqui a
mil anos vai estar sempre atual. É muito bonita, na forma de tenda, aberta para
todo o jardim e não tem bancos. Porque no cristianismo também nunca houve
bancos. Foi depois da reforma protestante, por influência do protestantismo,
que os bancos entraram na igreja católica romana. A igreja católica oriental
até hoje não tem bancos, à exceção de uma ou outra aqui no Brasil, que já

sofreu a influência ocidental. (ANEXO 1)

No exterior, destaca um trabalho que fez há três anos - a capela da adoração,


no mosteiro de Helfta, no sul da Alemanha. Segundo ele, Helfta é onde viveu
Gertrudes, uma monja beneditina cisterciense5, do século XII para XIII. Era uma
mulher excepcional. Ela foi uma abadessa de mais de 2000 monjes. Ela fazia parte da
grande trilogia, que era Gertrudes, Mectildes e Hildegard Von Bingen. Ela, juntamente
com os monjes fez a seleção da maior parte das plantas medicinais e verduras hoje
conhecidas. A obra do convento só foi possível porque um grupo de mulheres das
paróquias da Alemanha se cotizaram e compraram essa propriedade onde viveu
Gertrudes. Tudo estava em ruínas, depois de 800 anos. O convento foi reerguido e
Pastro convidado a fazer a capela da Adoração, toda em pedra, onde se diz que santa
Gertrudes teve suas primeiras visões místicas.
Também tem algumas igrejas em Roma. Segundo reportagem da Revista
Veja São Paulo, em mais de 350 igrejas e capelas espalhadas pelo mundo há obras
de Pastro e aponta que na Abadia de Santa Maria, no Tremembé, ele assina um
belíssimo painel, pintado sobre concreto. Segundo Cesar Sartorelli comenta em
referida reportagem, seu estilo é moderno e influenciou muitos artista mais jovens
e que uma das principais características da temática de sua obra são os mistérios

5
Pertencente a congregação de Cister - abadia de Cluny, França.
63

bíblicos e as mensagens de Cristo. Sua mais recente missão, encomendada pela


Arquidiocese do Rio de Janeiro, é a da produção das peças religiosas que serão
utilizadas pelo Papa Francisco quando de sua visita ao Rio de Janeiro, por ocasião da
Jornada Mundial da Juventude, em julho (Veja São Paulo: 05/06/2013, ps. 69-70).
Tem realizado pinturas, vitrais, azulejos, altares, cruzes, esculturas e
presbitérios em igrejas, mosteiros e catedrais nos estados do Brasil, Bélgica, Itália,
Alemanha e Portugal.
Ilustrou os seguintes livros: Os diálogos de São Gregório Magno (Alemanha),
Vida de Santo Antônio (Itália), A Virgem de Guadalupe (Alemanha, Espanha e Brasil),
entre outros. Com frequência é chamado como palestrante, e como docente, ministra
cursos de Estética, Arte Sacra e Litúrgia em seminários, escolas teológicas, mosteiros,
conventos, museus e faculdades.
Cláudio tornou-se um dos maiores nomes da arte sacra contemporânea no
Brasil e reconhecido mundialmente. É responsável pelo projeto artístico de mais de
350 igrejas, capelas, catedrais e basílica no país e no exterior. Também é ilustrador de
livros e docente com mais de 30 anos dedicados a esta arte.
Atualmente trabalha em seu maior desafio, é o responsável pela criação ,
comunicação, desenvolvimento estético e artístico da área interna e externa da
Basílica de Nossa Sra. de Aparecida. Sua obra prima.

2.2. A visão da Igreja sobre a escolha do artista

Em entrevista com o reitor da Basílica, Pe. Darci Nicioli, pedimos que falasse
sobre o processo seletivo do artista para o desenvolvimento da obra de acabamento
do templo (Anexo 2).
Ele esclareceu que esse processo teve início em 1999, quando se resolveu
entrar na fase de acabamento da nova basílica. Foi então constituída uma comissão
especial, composta por teólogos, litúrgos, arquitetos, os principais responsáveis pela
condução da pastoral do Santuário, além da presença do cardeal arcebispo, Dom
Aluízio Loscheider. Foram convocados diversos artistas sacros, dentre eles Cláudio
Pastro. O que mais chamou à atenção na proposta dele foi a sua consistência com
64

as recomendações do Concílio Vaticano II, de que tudo deveria partir do altar central
e não do trono de Nossa Senhora, porque tudo se inicia e finda em Jesus Cristo. Daí
é que derivaria todo o acabamento da nova basílica. O grupo então resolveu, por
unanimidade, optar pelo Cláudio Pastro, pela sua competência, pelas obras realizadas
por ele, não só no Brasil, mas também no exterior, bem como pelos livros editados
por Cláudio Pastro, que mostram um conhecimento bastante profundo da arte sacra.
Mas foram mais de dois anos de análise das propostas de Cláudio Pastro, até que
finalmente seus projetos foram aprovados e se desse início ao processo efetivo de
acabamento. Destacou o Pe. Darci:

… Muito particularmente a escolha dele se deveu ao fato de que não optamos


por uma arte figurativa. Porque a arte figurativa tem um fim em si mesma. Se
você vê, por exemplo, um quadro do Renascimento, o quadro em si esgota
toda a realidade. Nós então preferimos a arte do Cláudio Pastro, que não é
figurativa, é mais representativa, porque ela remete ao mistério. Quando você
contempla a obra de Cláudio Pastro, você não fica na obra. A obra é como um
sinal. É como um símbolo, que remete a um significado. No caso da Basílica,
é importante falar do mistério de Deus que se realiza dentro deste espaço.
Então a obra dele é mais adequada para este nosso objetivo. Fazer com que
quem aqui viesse percebesse a presença do mistério. A atuação do mistério
de Deus, que age neste espaço santo, neste espaço sagrado. Então, a opção
por Cláudio Pastro é justamente porque a sua obra não é figurativa, mas vai

até o mistério… (ANEXO 2)

Com relação ao Comentário do Pe.Darci, de ser a arte de Cláudio Pastro


representativa e não figurativa, embora muita discussão técnica aflore disso, o
próprio artista também reforça esse conceito, porque para além da imediatez que se
apreeende da própria imagem, ela traz consigo um conteúdo simbólico muito grande,
e complexo, na medida em que, da figura simples e de fácil apreensão, o conjunto
remete para todo o processo de vida, paixão e morte de Jesus e de nossa redenção,
em suma, o processo de evangelização. As imagens instaladas sobre os portais são
ainda de um conteúdo simbólico muito grande e de maior complexidade. É o caso do
Cordeiro Imolado, cujos signifcados que traz vão para muito além daquilo que se pode
65

apreender de pronto e que poderemos ver logo a seguir no depoimento do artista (item
2.4.5.), porque estão associados com cenas do Livro do Apocalipse de São João.
Em outro momento da entrevista, o reitor descata como se deu este acordo de
expectativas, entre o artista e a comissão de especialistas da Basílica:

Eu digo que nada, para quem tem fé, acontece por acaso. Cláudio Pastro é o
artista sacro brasileiro da atualidade. O único por sua tamanha competência
e experiência… não posso falar por ele, mas posso interpretar o que ele
pensou. Certamente ele viu nisto a possibilidade de imortalizar-se na arte
sacra. Porque Aparecida é o coração católico do Brasil e o Brasil é o maior
país católico do mundo. Então, entendo que houve um casamento, entre a
competência do Cláudio Pastro e aquilo que nós queríamos e a vontade dele.
E Deus agiu nesse meio, porque o artista recebe esses dons, não por seus
méritos, mas por graça, como nós entendemos na fé. Então, entendo que o
que o Cláudio faz aqui é ser o instrumento de Deus. Deus está trabalhando
nele para se perpetuar. A Basílica quer ser a perpetuação da presença de
Deus. Uma extensão, um instrumento, que vai dizer para nós que a arte que
aqui está já diz como Deus nos ama, como Deus nos escolheu para a vida,
que onde Deus está a vida é abundante e que nós não estamos à deriva
neste mundo. Deus é nosso grande parceiro. Nós nos sentimos acolhidos na
Basílica, que na verdade é o grande útero, onde nós renascemos para a vida

e para a virtude. (ANEXO 2)

E a partir dessa escolha, segundo o reitor, foi dada a continuidade a todo


o acabamento, sempre passando pelo crivo dessa comissão de especialistas, em
teologia, em liturgia e em estética.

2.3. A visão do artista sobre a sua escolha pela Igreja

Segundo a entrevista com Pastro, em 1997, Dom Aluízio Loscheider, então


cardeal arcebispo de Aparecida, lhe escreveu uma carta, pedindo sua colaboração
para participar de uma reunião, juntamente com outras pessoas, arquitetos, artistas.
Nesssa ocasião ele precisou declinar do convite, porque já começara a ter sinais de
sua doença, quando acabou por permanecer três meses internado em um hospital,
66

sob cuidados médicos. Escreveu todavia uma carta a Dom Aloísio, explicando porque
não poderia participar, mas colaborar de longe.
No final de 1999, Dom Aluízio lhe enviou novamente uma carta, convidando-o
para um encontro. Lá chegando, constatou várias pessoas conhecidas suas: a
arquiteta, irmã Laide Somoda, das (irmãs) Pias Discípulas, e outra grande arquiteta,
Regina Machado, que também está ligada à arte sacra. Além dessas pessoas, havia
outras e que totalizavam umas vinte e poucas pessoas, entre arquitetos e artistas.
Nesse momento lhes foi pedido para dizer o que achavam da Basílica de Aparecida,
e o que pensavam que seria possível fazer lá.
Então, ele detalha em sua entrevista:

A gente deu uma primeira idéia. Cada um deu a sua idéia. Depois de uns dois
meses, eu recebo um segundo convite para ir lá (à Aparecida). E percebo
que não éramos mais 20 e sim 10. No terceiro encontro não éramos mais
10, mas 4 ou 5. Então foi havendo uma seleção e eu fui dizendo tudo o que
pensava, como sempre disse, até hoje. E acredito que foi por isso que eu fui
ficando. Ficamos esses nomes que eu já citei e depois, quando eu já tinha
sido transplantado de fígado, um belo dia Dom Aluísio Loscheider veio me
visitar no hospital e disse: “Cláudio, a partir de agora é só você. Fica nas
suas mãos”. Aí eu ainda brinquei com ele: vocês ainda acreditam num pré-
defunto? Eu achava que realmente iria morrer logo, porque é muito duro o
coma, transplante, de fato até hoje estou metido nisso. Mas eu tento (me)

desafiar. Trabalho sem parar (ANEXO 1).

2.4. A elaboração da obra de arte

O objetivo principal da Obra, segundo Cláudio Pastro, é o de fundamentar


a preparação do espaço litúrgico para uma justa e digna Celebração da Assembléia
Cristã. Somente a partir da primeira parte do século XX é que as buscas por novas
experiências e trabalhos relativos ao espaço sagrado tornaram-se preocupações
humanas, o que foi consolidado pelo Concílio Vaticano II.
O Concílio Ecumênico Vaticano II da Igreja Católica (1962 a 1965), avaliou
entre muitos outros aspectos a necessidade da reforma litúrgica integrada à cultura
67

dos povos, dando abertura para importantes revisões na comunicação pastoral e


influindo diretamente num modelo de comunicação artística nas igrejas. Pastro (1993),
ressalta que depois de trinta anos do Concílio e quase um século de buscas, há uma
tranquilidade sobre as realizações no campo das artes em geral, e suas certezas,
titubeações e aberrações na expressão da fé.

2.4.1. As obras de convergência das quatro naves

Na junção das quatro naves, formando uma cruz latina sobreposta à cruz
grega, encontram-se o Altar. A cruz latina, que é a mais comum de todas as cruzes,
representa o supremo sacrifício de Jesus, sua crucificação. Lembra-nos também a
ressurreição e a esperança da vida eterna. Tem 3 braços de igual longitude e o quarto
braço com um comprimento maior em duas vezes. Diferente da cruz latina, a cruz
grega tem todos os braços com o mesmo tamanho. Na junção das duas cruzes, forma-
se uma estrela de 8 pontas. O Altar, que se situa no cruzamento das cruzes latina e
grega, é o centro e coração do templo, bem ao centro e abaixo da cúpula principal da
área interna da nova basílica. Para Pastro, é a razão de ser do espaço sagrado, lugar
do sacrifício cultural, o símbolo tangível do lugar do encontro e da aliança entre Deus
e o homem (figura 18).

Essa é a verdade fundamental própria a toda religião, os pontos centrais e


materiais na vida humana são escolhidos pelo Sagrado que assim sempre
quis se manifestar. No meio o Santuário (microcosmos) o Altar dá testemunho
do encontro e da aliança selada entre Deus e os homens. O Altar é também o
lugar do sacrifício e não é uma mesa qualquer, é neste lugar que se sacraliza
os que dele participam, é o lugar da aliança e da simples troca de dons entre
os homens e Deus. Aí se celebra o Mistério Pascal. Sacrifício = Sacrum

Facere = Tornar Sagrado = Tornar-se UM. (PASTRO, 1993).

A função das obras de convergência das quatro naves é a doutrina cristã. Sua
relação conta a história do cristianismo e a vida, missão, morte e ressureição de Cristo.
Dividida em 34 painéis em azulejos pintados e distribuídos em torno da parte interna
68

18

18. Vista aérea do Altar Central da Basílica de Aparecida na junção das quatro naves, Norte, Sul, Leste
e Oeste. Foto: Arquivo pessoal. Cortesia de Cláudio Pastro.

da Basílica ao alto, apresenta-nos a vida de Cristo celebrada anualmente pela Igreja.


Para dar uma visão mais precisa de como isso se processa na Basílica de Nossa Sra.
Aparecida, vamos discorrer sobre os painéis das suas quatro naves. É interessante
observar que em cada nave é explorada uma etapa da vida de Jesus. Nas naves
Norte, Leste e Oeste temos 8 painéis e na nave Sul são 10 painéis. Vale destacar que,
conforme indicamos no Capítulo 1, após a refacção da planta da Basílica em 1972, a
nave Sul foi desenhada com 16 metros a mais de comprimento em relação às demais
naves. Esses painéis, que estão posicionados acima dos arcos das naves, medem 5
metros de altura, por 7 metros de largura cada um. Sobre as portas das naves, estão
posicionados painéis frontais, com 5 metros de altura e 21 metros de largura.

Nave Sul – tema: “Infância de Jesus”


Seus dez painéis em azulejos são feitos em tons de azul cobalto, mais claro,
e o branco, que são as cores da Imaculada Conceição e representam o Evangelho
69

em formas e cores numa arte que comunica e encanta, para tocar o coração dos
fiéis. Entre um e outro painel do Evangelho, palmeiras circundam as paredes e fazem
referência ao oásis, lugar de repouso e revitalização, que é a função da própria
Basílica. Faz também uma alusão ao nome indígena brasileiro, o Pindorama, que
significa Terra das Palmeiras e, por fim, ao local de aparição da imagem de Nossa
Senhora, o Morro dos Coqueiros.
Estes são os dez painéis dos acontecimentos da infância de Jesus:
1. Anunciação de Maria: “Eis a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo
a tua Palavra” (Lc 1,38).
2. Visita de Isabel: “Você é bendita entre as mulheres e é bendito o fruto do
seu ventre” (Lc 1,42).
3. Nascimento de João Batista: “Ele irá à frente do Senhor para preparar-
lhe os caminhos” (Lc 1,76b).
4. Nascimento de Jesus: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra
aos homens por ele amados” (Lc 2,14).
5. Anúncio aos Pastores: “Nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias,
o Senhor” (Lc 2,11). (figura 19).
6. Apresentação de Jesus no Templo: “Uma espada há de atravessar-lhe a
alma” (Lc 2,35).
7. Visita dos Reis Magos: “Nós vimos sua estrela no Oriente, e viemos para
prestar-lhe homenagem” (Mt 2,2).
8. Fuga para o Egito: “Levante-se, pegue o menino e a mãe dele, e fuja para
o Egito” (Mt 2,13).
9. Perda de Jesus no Templo: “Devo estar na casa de meu Pai” (LC 2,49-b).
10. A Sagrada Família: “E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e graça,
diante de Deus e dos homens” (LC 2,52).
No lugar do Painel frontal da Nave Sul, está o nicho com a imagem de Nossa
Sra. de Aparecida (figura 20), incrustrado numa parede de 40 metros, onde estão como
guardiões os três principais arcanjos: Miguel, Gabriel e Rafael. O oratório em forma
de caixa toda confeccionada em ouro e, onde se encontra a imagem de Nossa Sra.,
foi construído de forma blindada para evitar qualquer ataque como o vandalismo que
70

19

19. “Anúncio aos pastores”. Localizado na Nave Sul, este é um dos dez painéis que conta a Infância de
Jesus. Feitos em tons de azul cobalto e branco, são as cores da Imaculada Conceição. Foto: Egidio S.
Toda. Registro em novembro de 2011.

20

20. Oratório com o trono e imagem de Nossa Senhora de Aparecida, localizada na Nave Sul da Basílica
de Aparecida. A coroa foi doação da Princesa Isabel. A imagem durante o dia fica exposta para o
público e a noite gira para um salão restrito. Foto: Egidio S. Toda. Registro em setembro de 2012.
71

o destruiu em 1978. Este oratório quadrado e com a frente de vidro transparente, tem
em seu interior, atrás da imagem, um círculo com desenho do Sol, e estrelas na parte
de dentro deste círculo. Ao redor do oratório, uma enorme placa também de ouro, com
texturas de peixes em alto relevo, cria uma gigante moldura de sustentação. Estes
peixes guardam relação com o primeiro milagre, de quando foi encontrada a imagem
no Rio Paraíba do Sul. Duas vezes por ano, a imagem é retirada para a sua limpeza
e restauração. Esta retirada é feita por Marilena Chafuri, a mesma que restaurou a
imagem depois de sua destruição. Há um mecanismo que gira a imagem. Durante o
dia a imagem fica virada para a área de visitação ao público e à noite para a Capela
dos Apóstolos, na parte de trás do retábulo. A coroa de Nossa Sra. foi uma doação
da Princesa Isabel, filha de Dom Pedro II, o último Imperadodo Brasil. Zenilda, relata
outras curiosidades:

No retábulo acima do nicho da imagem de Nossa Senhora estão os arcanjos:


Miguel, Gabriel e Rafael. É a simbologia de como os nossos pedidos são
levados aos céus, e como Maria nos devolve os pedidos em graças. E cada
anjo representa um atributo de Deus: Miguel = o poder de Deus (em hebraico,
significa: quem como Deus); Gabriel = Deus anuncia (em hebraico, GABRÍ =
anunciar); Rafael = Deus cura (em hebraico, RAFÁ = curar). Dentro do nicho,
que foi refeito recentemente, encontra-se o oratório onde está a imagem.
Agora, o revestimento em ouro do oratório tem muitos peixes, representando a
imagem no meio dos peixes, em associação à abundância de peixes que veio
na rede, quando ela foi encontrada. Também essa imagem dos peixes remete
ao Apocalipse: “E o Espírito e a esposa dizem: Vem Senhor” (Apocalipse –
capítulo 22, versículo 17). A coroa de ouro utilizada foi doada pela Princesa

Isabel. (ANEXO 3)

Nave Norte – tema: “Vida Pública de Jesus”


Nesta nave os azulejos são feitos em tons de azul anil, mais escuro e os vitrais
em forma de rosácea, em tons mais vibrantes de azul também escuro, com círculos
de cor amarela, ouro e laranja, tendo nas extremidades vidros nos tons de vermelho.
Seguem-se os painéis da vida pública de Jesus:
1. Pregação de João Batista: “Convertam-se, porque o Reino de Deus está
72

próximo” (Mt 3,2).


2. Batismo de Jesus: “É meu Filho amado, que muito me agrada” (Mt 3,15).
3. Tentação de Jesus: “Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra
que sai da boca de Deus” (Mt 4,4).
4. Bodas de Caná: “Façam o que Ele mandar” (Jo 2,5).
5. Pregação em Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me
consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres” (Lc 4,18).
6. Escolha dos Discípulos: “Sigam-me, e eu farei vocês se tornarem pescadores
de homens” (Mc 1,17).
7. As Bem-aventuranças: “Felizes os que promovem a paz, porque serão
chamados filhos de Deus” (Mt 4,9). (figura 21).
8. A Viúva de Naim: “Jovem, eu lhe ordeno, levante-se!” (Lc 7,14).
Painel Frontal da Nave Norte: está localizado sobre a porta principal da

21

21. “As Bem-aventuranças”. Localizado na Nave Norte, é um dos oito painéis que conta a Vida Pública
de Jesus. Feitos em tons de azul anil e branco. Foto: Egidio S. Toda. Registro em novembro de 2011.
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Basílica, cognominada de Porta Santa. É o painel do Cristo Pantocrator (figura


22), ladeado por um séquito de mulheres que se destacaram na vida da igreja, por
seguir, defender e pregar o cristianismo através dos séculos, no Brasil e no Mundo.
As mulheres homenageadas são: Madalena; Marta; Maria; Eunice; Lídia; Dorotéia;
Anastácia; Irene; Inês; Blandina; Águeda; Cecília; Mônica; Luzia; Helena; Catarina de
Alexandria; Escolástica; Clotilde; Genoveva; Walburga; Adelaide; Matilde; Margarida
da Escócia; Hildegardis Von Bingen; Edwiges; Clara de Assis; Ângela de Foligno;
Elisabeth da Hungria; Gertrudes de Helfta; Zita; Brígida da Suécia; Catarina de Sena;
Rita de Cássia; Ângela de Merici; Joana D’Arc; Teresa D’Ávila; Francisca Chantal;
Rosa de Lima; Luíza de Marillac; Margarida Alacoque; Catarina do Canadá; Lee Sooni
(Coréia); Bernadete Soubirous; Catarina Labouré; Francisca Cabrini; Paula Frassinetti;
Nhá Chica; Mazarello; Teresa Lisieux; Maria Goretti; Mariam; Princesa Isabel; Gabriela
Saghedu e Laura Vicuña.
Os desenhos neste painel como as folhas e frutos da oliveira que rodeiam estas

22

22. “Cristo Pantocrator”. Localizado na Nave Norte, este é o painel frontal desta nave. Está posicionado
sobre a Porta Santa e ladeado de mulheres que se destacaram na vida da igreja. Foto: Arquivo pessoal.
Cortesia de Cláudio Pastro.
74

mulheres, indicam as escolhidas, pela sua vida cristã. Os outros azulejos completam
a composição deste painel. As muralhas da Nova Jerusalém são representadas em
ziguezague, as lâmpadas indicam as virgens prudentes, os peixes e as águas em
movimento mostram a vida na Igreja na corrente que vem de Cristo e as flores do
mandacaru e da bromélia representam a presença da Glória no sofrimento da vida em
terras brasileiras.

Nave Oeste – tema: “Paixão de Jesus”


Tanto nos painéis, quanto nos vitrais e rosácea, predominam os tons de lilás
e roxo. Estas Obras simbolizam a conversão e a penitência dos fiéis e faz também
referência ao Evangelho sobre a paixão e Morte do Senhor.
Painéis representativos da paixão de Jesus:
1. Entrada em Jerusalém (Ramos): “Bendito aquele que vem em nome do
Senhor, pois este é o reino dos Céus” (Mt 21,9).
2. Última Ceia – Lavapés: “Vocês devem lavar os pés uns dos outros, em sinal
de humildade” (Jo 13,14).
3. Última Ceia – Sacerdócio: “Façam isto em memória de mim” (Lc 22,19).
4. Jardim das Oliveiras: “Meu Pai, se possível, afasta de mim este cálice, mas
faça-se a sua vontade” (Mt 26,39).
5. Condenação de Jesus: “O meu Reino não é deste mundo” (Jo 18,36).
6. Encontro com Maria: “Não chorem por mim” (Lc 23,28).
7. Maria junto à Cruz: “Mulher, eis aí sua Mãe” (Jo 19,26) (figura 23).
8. Pietà junto ao túmulo: “Filho, eis aí sua Mãe” (Jo 19,27).
Painel Frontal da Nave Oeste: É o painel da Evangelização do Brasil, seus
mártires, aqueles que viveram e morreram em função da doutrina cristã. No centro do
painel se vê a Virgem Imaculada (figura 24), é Maria com o busto de Cristo adulto em
seu útero. Conforme explica Cláudio Pastro: o centro do painel é o capítulo 12 do Livro
do Apocalipse. É a mulher que está grávida para gerar seu filho, que é o Cristo, mas
por estar permanentemente grávida, ela é a imagem da Igreja que gera outros cristos,
que somos nós, cristãos.
De acordo com o Centro de Documentação e Memória (CDM) Pe. Antão
75

23

23. “Encontro com Maria”. Localizado na Nave Oeste, é um dos oito painéis que conta a Paixão de
Jesus. Feitos em tons de lilás e roxo. Foto: Egidio S. Toda. Registro em novembro de 2011.

24

24. “Virgem Imaculada”. Localizado na Nave Oeste, este é o painel frontal desta nave e que representa
a Evangelização do Brasil. Foto: Arquivo pessoal. Cortesia de Cláudio Pastro.
76

Jorge, o Padre José de Anchieta e o índio Tibiriçá, o primeiro índio que se converteu
ao catolicismo e que doou suas terras para a construção do Pátio do Colégio de São
Paulo, são alguns dos homens retratados neste painel. Símbolos de martírio, vitória e
da própria brasilidade permeiam toda a Obra e o material encontrado faz a ponte com
os colonizadores e a nossa terra. Os homens retratados no Painel da Evangelização
do Brasil: Anchieta; Tibiriçá; Cunhau e Uruaçu; Roque Gonzáles; Sepé; Zumbi dos
Palmares; Frei Caneca; Frei Galvão; Padre Ibiapina; Dom Vital; Padre Cícero; Frei
Damião; Dom Hélder Câmara; Alceu Amoroso Lima; Dom Martinho Micchler; Padre
João Burnier; Frei Tito; Vladimir Herzog; Padre Vitor Coelho, Missionário Redentorista;
Santo Dias; Padre Josimo; Padre Ezequiel Ramin; Chico Mendes; Joilson; Crianças
da Candelária; Índio Galdino e Dom Luciano Mendes de Almeida.

Nave Leste – tema: “Ressurreição”


Os azulejos têm predominância do verde claro e esmeralda, representando a
esperança e a perseverança na glória eterna. Na rosácea dos vitrais, de cor turquesa
com círculos em subtons da mesma cor, há referências aos painéis dos Evangelhos
da Ressurreição de Jesus Cristo.
Painéis representativos dos acontecimentos da Ressurreição:
1. Madalena, Pedro e João junto ao túmulo: “Por que vocês estão procurando
entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui! Ressuscitou!” (Jo 24, 5-6).
2. Aparição aos Onze Discípulos: “A paz esteja com vocês. Assim como o Pai
me enviou, eu também envio vocês” (Jo 20,21).
3. Confissão de Tomé: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20,28).
4. Os Discípulos de Emaús: “Fique conosco, pois já é tarde e a noite vem
chegando” (Lc 24,29).
5. Primado de Pedro: “Cuide das minhas ovelhas” (Jo 21,17).
6. No Cenáculo com Maria: “Eram assíduos na oração, junto de algumas
mulheres, entre as quais Maria, a Mãe de Jesus” (At 1,14).
7. Pregação de Pedro: “Aquele que invocar o Senhor será salvo” (At 2,21).
8. O Bom Pastor: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas
ovelhas” (Jo 10,11). (figura 25)
77

25

25. “O Bom Pastor”. Localizado na Nave Leste, é um dos oito painéis que conta a Ressurreição de
Jesus. Feitos em tons de verde claro e esmeralda, representa a esperança e perseverança da glória
eterna. Foto: Egidio S. Toda. Registro em novembro de 2011.

Painel Frontal da Nave Leste: é o painel dos ‘Fundamentos da nossa Fé’. Este
painel faz elo de união com os outros painéis das naves Sul, Norte e Oeste para narrar
os fatos importantes da fé cristã. Cláudio Pastro define esta Obra como:

Um grande quadrado em vermelho, que faz referência ao sacrifício pascal


como o centro de nossa fé: o Cordeiro Imolado e ressuscitado com a cruz,
seu estandarte de vitória, estão em um altar onde se lê ‘redimiste para Deus,
por teu sangue, homens de toda tribo, língua, povo e nação (Ap 5,9). Ao alto,
7 candelabros como lâmpadas acesas fazem referência ao Espírito de Deus
presente na vida da Igreja e a silhueta do cavalo (Ap 19,11) à Segunda Vinda

de Cristo e o desejo da Igreja-Esposa ‘Amém, vem Senhor’. CDM, 2011.

Neste trabalho estão homenageados, da esquerda para a direita, os patriarcas


da Igreja, profetas e apóstolos de Cristo, que são os representantes dos fundamentos
78

da nossa fé. Estão localizados ao lado, esquerdo e direito, do Trono do Cordeiro, ou


o Cordeiro Imolado e ressuscitado com a Cruz (figura 26), num louvor permanente
pois que acredita-se, depois da morte, há a esperança na ressurreição para uma vida
eterna. Mais ao alto, perto de entrelaçados de videira, está a imagem de Jerusalém e
da Igreja, como sinal de união. E logo abaixo, inúmeras folhas de árvores, que estão
no centro da Praça da Nova Jerusalém, simbolizam a árvore, o Cristo crucificado e
seus seguidores, e no final, nas folhas no centro da praça, a cura de todas as nações.
Os patriarcas, profetas e apóstolos são: Abraão; Isaac; Jacó; Moisés; Josué;
Davi; Elias; Isaías; Jeremias; Ezequiel; Esdras; Daniel; João Batista; Pedro; André;
Tiago Maior; João Evangelista; Felipe; Bartolomeu; Mateus; Tomé; Tiago Menor;
Judas Tadeu; Simão Zelote; Matias e Paulo.
Além das quatro naves, ainda temos à nordeste, entre as arcadas, na área

26

26. “Cordeiro Imolado e ressuscitado com a Cruz”. Localizado na Nave Leste, é o painel frontal que
representa os Fundamentos da nossa Fé com homenagens aos patriarcas, profetas e apóstolos. Foto:
Arquivo pessoal. Cortesia de Cláudio Pastro.
79

coberta da basílica, a Capela das Velas (figura 27). Um dos pontos mais visitados,
depois da Imagem de Nossa Sra. e da sala das promessas. No chão, vemos círculos,
com os quais Pastro quis representar as sete virgens prudentes que guardaram o óleo
para o encontro com seu esposo, que é o Cristo. E, as sete virgens imprudentes, que
não quiseram guardar o óleo para o encontro. A noroeste encontra-se a Torre Brasília
(figura 28), onde fica o CDM Centro de Documentação e Memória Pe. Antão Jorge, o
Museu da basílica, a administração e o observatório no último andar de onde pode-se
avistar o Rio Paraíba do Sul e toda a cidade de Aparecida. Na outra extremidade a
sudeste, ainda na parte interna da basílica, fica a Capela de São José (figura 29), com
o painel de Pastro, “O sonho de São José”. No outro lado a sudoeste, fica a Capela do
Santíssimo (figura 30), com um mural de mosaico doado pelo Papa João Paulo II.

2.4.2. Referências históricas, culturais e estilísticas

A simplicidade nos traços, que foge das escolas realistas desenvolvidas


na arte clássica e reforçadas no renascimento, lembram ilustrações, com formas
esquemáticas e convencionais, com suas figuras alongadas e as cores chapadas. E
a linguagem de comunicação simples e direta adotada pelo artista Cláudio Pastro em
seus desenhos e pinturas, nos painéis que circundam toda a área interna da Basílica de
Aparecida, mostra-nos como a fruição age facilmente e como esta ferramenta é eficaz
para atingir o grande público e assegurar a lembrança em sua memória. Observamos
nesses traços referências ancestrais na execução da arte, sua função e competência
para atingir a massa e garantir um alto grau de entendimento, tornando-a perene.
Há mais de 5 mil anos, no norte do continente africano, desenhos e pinturas
retratavam a arte no Egito e era instrumento essencial de comunicação do poder do
Faraó e sua relação com o divino. Esta arte se expressava através da escultura que
representava o Faraó, senhor das duas terras no alto e baixo Egito e sua relação com
os principais representantes do panteão de deuses.
A pintura, além de adornar os palácios, era essencial no processo de culto
aos deuses e homens em seus templos. Estas pinturas serviam também para orientar
os Faraós em suas tumbas, durante o seu processo de passagem para o mundo
80

27

27. Capela das Velas. Localizada entre as Naves Norte e Leste, a capela é a terceira maior visitação da
Basílica, perdendo apenas para a Imagem de Nossa Sra. e a Sala das promessas. Foto: Romeu Melo..

28

28. Torre Brasília. Localizado entre as Nave Norte e Oeste, no último andar fica o observatório de onde
se vê o Rio Paraíba do Sul e a cidade. Foto: Egidio S. Toda. Registro em dezembro de 2012.
81

29

29. Capela São José. Localizada entre as Naves Sul e Leste, tem como destaque o painel “O sonho de
São José”, de Cláudio Pastro. Foto: Egidio S. Toda. Registro em dezembro de 2012.

30

30. Capela do Santíssimo. Localizada entre as Naves Sul e Oeste, tem ao fundo como destaque o
painel em mosaico romano doado pelo Papa João Paulo II. Foto: Sanctorum.
82

Mini-guia de localização das principais obras da Basílica de Aparecida: painéis,


torre Brasília, capelas de S. José, Santíssimo e Velas e o trono de Nossa Sra.

1 2 3

12 Sul 4

11 5

Oeste
Leste

10 6

Norte

9 8 7

1 Capela São José. 2 Trono de Nossa Sra. 3 Painéis da Infância de Jesus. 4 Capela do Santíssimo.
5 Painel da Virgem Imaculada. 6 Painéis da Paixão de Jesus. 7 Torre Brasília. 8 Painel do Cristo
Pantocrator. 9 Painéis da Vida Pública de Jesus. 10 Capela da velas. 11 Painel do Cordeiro Imolado.
12 Painéis da Ressurreição de Jesus.
83

dos deuses. Esta passagem o tornaria no grande protetor do povo egípcio e do seu
império, e iria garantir que o sol voltasse a brilhar todos os dias e o Nilo continuasse
tornar suas margens férteis.
Segundo Maria Carla Prette, nas regras da arte egípcia na pintura, o modo
de retratação da figura humana não seguia o modelo realista, mas esquemático e
convencional. Estas imagens não deveriam retratar os indivíduos como eram na vida
terrena e sim em sua natureza e substância, em sua essência, que acreditavam iria
sobreviver após a morte. Por conta disto, os artistas eram obrigados a pintar seguindo
uma código rígido de conduta, com regras precisas que permaneceram imutáveis
durante séculos. Pastro desenvolve seu trabalho baseado nas características,
principalmente, da arte egípcia, como a estilização das figuras, retratadas em plena
juventude, contornos lineares e preenchido com cores. A falta de profundidade sem o
uso da perspectiva, trás as figuras dispostas em um único plano paralelo ao observador.

Os homens e as mulheres não tinham os traços físicos característicos dos


indivíduos, mas representavam tipos masculinos e femininos impessoais,
sempre retratados em plena juventude. As formas eram simplificadas,
estilizadas, desenhadas em contornos lineares, preenchidos com cores. O
corpo era visto de perfil, mas algumas partes – como os ombros, o busto,
o olho – eram vistas de frente. O artista egípcio não representava o espaço
como o via na realidade. Não procurava criar efeitos de profundidade ou de
tridimensionalidade por meio da perspectiva, mas dispunha todas as figuras
sobre um único plano paralelo ao observador, para tornar visíveis todos os
detalhes que, em uma visão em perspectiva, ficariam escondidos (PRETTE,
2009, p.134). (figura 31).

Além disso, as figuras majestosas de Cláudio Pastro na Basílica de Aparecida,


em sua representação do cristianismo, tais como os ícones santos, o uso das suas
auréolas e o uso do dourado, revelam influências adquiridas em outra época da história
da civilização (figura 32).
No meio do mar de Bósforo entre a Europa e a Ásia, havia uma antiga colônia
grega chamada Bizâncio. Neste local, no ano de 330, é fundada pelo imperador
Constantino a cidade de Constantinopla. Sua localização geográfica privilegiada
84

31 32

31. Na arte egípcia as formas eram simplificadas, desenhadas em contornos lineares e preenchidos
com cores. Sem perspectiva, as figuras ficavam sobre um plano paralelo ao observador. 32. Na arte
bizantina, a representação do cristianismo como os ícones santos, usavam auréolas e o dourado.

facilitou o desenvolvimento de uma síntese de culturas greco-romana e oriental. O


termo bizantino, que vem de Bizâncio, é a conjunção de todas estas culturas.
O esplendor da capital do Império Bizantino coincidiu com a aceitação do
cristianismo pela humanidade. A partir deste momento, a arte cristã primitiva, que
era simples e popular, é substituída por uma arte cristã majestosa, representada por
riqueza e poder.
Graça Proença (2009), pesquisadora e historiadora da arte, define que o
objetivo da arte bizantina era o de expressar a autoridade absoluta e sagrada do
imperador, considerado o representante de Deus, com poderes temporais e espirituais.
Como na arte egípcia, uma dessas convenções foi a da frontalidade, seguindo regras
de linguagem estética, uma vez que a postura rígida da personagem representada leva
o observador a uma atitude de respeito e veneração. Ao mesmo tempo, ao reproduzir
85

frontalmente as figuras, o artista respeita o observador, que vê nestas figuras sagradas


seus senhores e protetores.
Além da representação dos santos, passou-se também a retratar as
personalidades oficiais, juntamente com as sagradas, como se compartilhassem
as mesmas características. Proença relata que num mosaico em estilo bizantino do
imperador Justiniano, em Ravena na Itália, aparece o imperador com uma auréola,
símbolo característico de figuras sagradas, como Jesus Cristo, os santos e os apóstolos.
Igual tratamento foi dado à representação da imperatriz Teodora, localizada na mesma
igreja. Esta característica se repete nos mosaicos da Igreja de Santa Sophia.

Os mosaicos eram utilizados na propagação do novo credo oficial, o


Cristianismo, portanto, o tema era a religião em geral, mostrando Cristo como
mestre e senhor todo-poderoso. Uma suntuosa grandiosidade, com halos
iluminando as figuras sagradas e fundo refulgindo em ouro, caracterizavam
estas obras. As figuras humanas são chapadas, rígidas, simetricamente
colocadas, parecendo estar penduradas. Os artesãos não tinham interesse
em sugerir perspectiva ou volume. Figuras humanas altas, esguias, com
faces amendoadas, olhos enormes e expressão solene, olhavam diretamente
para a frente, sem o menor esboço de movimento. (STRICKLAND, 1992)

Na utilização dos materiais encontramos o elo da obra do artista com a


antropologia, a história da civilização e a própria história do cristianismo.

2.4.3. Elementos básicos de análise da Obra e sua comunicação

Ainda criança nos ensinaram a andar, falar e brincar, mas nem sempre nos
ensinaram a sentir, como ouvir, cheirar, degustar, tocar ou ver. De uma forma natural, já

6
Luís Lima, professor e doutor com especialização em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias,
atua na área de investigação em filosofia e estética, leciona a disciplina de Teorias da Imagem, ministrada
no curso de Pós graduação do Mestrado de Ilustração e Animação pelo IPCA-Instituto Politécnico do
Cávado e do Ave, na cidade de Barcelos em Portugal.
86

contida na linguagem humana, aprendemos por nós mesmos a olhar. E é na visão que
se forma a imagem de mundo e de pessoa. Completadas pela audição, olfato, tato e
paladar é que percebemos e apreciamos as diferentes formas de construir, ler e sentir
a imagem. Antes da formação da imagem, a mensagem está sendo decodificada, mas
quando conseguimos montar as imagens é que a comunicação estará estabelecida.
Segundo Luís Lima6, doutor em comunicação e filosofia, e professor de Teorias
da Imagem, no curso de Mestrado em Ilustração e Animação em Barcelos, Portugal
– do qual tive o privilégio de participar em 2012, a imagem pode ser lida de duas
maneiras, sobre as quais retomaremos analisando em detalhes no capítulo de Leitura
da Imagem: a imagem sensorial e apreciativa e a imagem sígnica e perceptiva. A
primeira tem como base o pensamento e as sensações e a segunda se dá através do
significado da percepção. Três forças unem-se para formar a imagem: ARTE, com a
apreciação e percepção, CIÊNCIA, com a observação e experiência, e a FILOSOFIA,
com a reflexão crítica. Nesta ótica é que veremos, sentiremos, refletiremos e a
comunicação estará estabelecida.
Para Maria Carla Prette (2009), historiadora da arte e pesquisadora em leitura
da imagem, a arte é um poderoso meio de comunicação. Desde os primórdios, na
pintura rupestre, o homem começou a usar imagens para se comunicar com seus
semelhantes, quando ainda não havia o recurso da escrita. Estas imagens gravadas
em rochas, pintadas com tintas rudimentares como o próprio sangue e o carvão
vegetal nas paredes ou modeladas em argila, tinham um significado e carregavam
uma bagagem de pensamentos, de sentimentos e percepções.
Estas imagens, vindas de um passado remoto ou próximo, nos permitem
conhecer suas técnicas e nos fazem entender qual era o modo de pensar e sentir de
de uma época. Os ensinamentos, sobre a História da Arte, entram para compreender
a comunicação destes artistas, suas mensagens e por meio de suas obras, captar
visualmente conteúdos muito complexos. É por isso que Prette enfatiza que a
linguagem das imagens é direta, rica e poderosa, como todas as linguagens. Porém,
é preciso conhecê-la (PRETTE, 2009, p. 9).
Além de considerar os aspectos da comunicação entre a obra e o espectador,
como uma linguagem individual, temos que levar em conta também o processo de
87

comunicação de massa, onde o conjunto das obras na basílica tem como propósito os
ensinamentos evangélicos para o grande público. Os conjuntos de painéis de Pastro,
de dimensões monumentais, traços simples, esquemáticos e padrões de cores
facilitam, com sua padronização e organização, o entendimento deste público. Assim,
a estrutura montada através de uma necessidade retroativa, traz esta massa para o
processo de evangelização.
Mauro Wolf (2005), professor e pesquisador em comunicações de massa, cita
em sua obra Teorias da Comunicação de Massa, Horkheimer-Adorno:

Os encarregados dos trabalhos, que envolvem a comunicação com o


grande público, explicam e justificam este sistema do ponto de vista
tecnológico: o mercado de massa impõe padronização e organização, os
gostos do público e as suas necessidades impõem estereótipos e baixa
qualidade. No entanto, é justamente nesse ‘círculo de manipulação e da
necessidade retroativa, que a unidade do sistema se condensa cada vez
mais. O que não se diz é que o ambiente em que a técnica adquire poder
sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem
sobre a própria sociedade. Hoje, a racionalidade técnica é a racionalidade
do próprio domínio’ (Horkheimer-Adorno).
...o que ela comunica foi por ela organizado, com o objetivo de encantar
os espectadores simultaneamente em vários níveis psicológicos. De fato,
a mensagem escondida pode ser mais importante do que a evidente, pois
escapará aos controles da consciência, não será evitada pelas resistências
psicológicas nos consumos, mas provavelmente penetrará no cérebro dos
espectadores (WOLF, 2005, p.75 e 76).

O artista Cláudio Pastro não usa um estereótipo de baixa qualidade como


menciona Wolf, mas usa da simplicidade da forma para que o grande público entenda
sua mensagem e a comunicação como forma de evangelizar. Seus traçados com
linhas delicadas e poucos detalhes que parecem em seus desenhos, suas cores sem
o uso do degrade e tons, melhoram a forma de reconhecimento da arte sacra.O alto
grau de pregnância, com clareza de informação e poucos elementos que envolve a
arte de Pastro, facilita o entendimento dos ensinamentos cristãos.
O trabalho de Cláudio Pastro, executado na Basílica de Nossa Senhora de
88

Aparecida, seguindo padrões rigorosos, alcança de forma eficaz o grande público.


Além do encantamento e do fascínio exercido nesta Obra de Cláudio
Pastro, a partir da somatória de escolas artísticas, vemos a elaboração de uma arte
contemporânea recheada de simbolismos e história, contextualizada por um estilo
moderno, com linhas retas e sinuosas, espessura contínua, desenhos simples e
marcantes, cores trabalhadas e comunicação direta. Sem dúvida, será marcada em
nossa memória para sempre.

2.4.4. A visão da Igreja sobre a obra

O reitor da Basílica de Aparecida, Pe. Darci Nicioli, recebeu-me em uma sala,


na área da sacristia, no interior da basílica numa quarta-feira, dia 12 de setembro de
2012, às 12:00, para uma conversa de aproximadamente 1 hora e 30 minutos.
Durante a entrevista, pude obter alguns detalhes de sua visão sobre a obra na
Basílica. Destaquei-lhe que estarei fazendo uma análise semiótica do altar, do Cristo
Pantocrator, da Nossa Senhora e do Cordeiro Imolado e que gostaria de sua visão
sobre a conceituação dessas obras e os materiais utilizados (anexo 2).
As frases com destaques em negrito não se tratam de títulos e sim dos
assuntos questionados ao reitor da basílica, durante a entrevista.

Sobre os materias e cores utilizados:


Pe. Darci discorre sobre a materialidade utilizada nas obras da basílica:

Nós já encontramos uma obra semi-pronta. A estrutura civil da Basílica já


estava pronta. Era de um estilo românico, que depois foi se mesclando de
outros estilos. Falo da construção civil como um todo, o prédio. E quando
começamos a pensar no acabamento interno, tínhamos com muita clareza
que não poderíamos nos desviar da intuição primeira do arquiteto, Benedito
Calixto. Nós não sabemos se ele pensava em estucar as paredes, isso ele
não deixou escrito. Possivelmente, era esta a intenção original dele. Mas a
Basílica se impôs, como tijolinho à vista.
Então, nós procuramos um material que fosse compatível com o tijolo. Aí,
89

encontramos o azulejo. O azulejo, segundo pesquisas, nasce no mundo


hebreu, que depois pelos mouros, chega ao mundo português e, pela história
da colonização, chega até o Brasil. Então, há um vínculo que nos liga lá
com o início da nossa fé, lá em Ur, na Caldéia. Concluímos por isso em
manter esta linha. Se Nossa Senhora é feita de terracota, de barro cozido,
então vamos deixar o Santuário também no barro cozido, no tijolo. Com isso,
fizemos o revestimento interno com outro tijolo, melhor acabado, que é o
revestimento atual das paredes do Santuário. E no piso colocamos granito,
que é uma pedra brasileira e depois, toda a obra de ornamentação, com a

azulejaria (ANEXO 2), (figura 33)

Além dos materiais utilizados e as relações entre eles, Pe. Darci fala sobre as
cores da obra, seus significados e suas influências.

33

33. Vista das arcadas externas da Basílica de Aparecida, bem como o gradil que faz alusão à Pindorama:
Terra das Palmeiras. E o piso em granito simbolizando as águas do Rio Paraíba do Sul, onde foi
encontrada a imagem de Nossa Sra. Foto: Egidio S. Toda. Registro em dezembro de 2012.
90

…A cúpula, será terminada no formato de mosaico. O mosaico será feito


de pastilhas de vidro, com dourado ou com cores que se liguem de alguma
maneira a toda a arte de azulejaria bizantina, claro. Fizemos com isso um
conjunto tal que todo o material usado aqui interage. Por exemplo, o azul, por
causa da azulejaria de influência portuguesa, sem dúvida nenhuma, também
é o azul de Maria. Azul e branco são as cores de Nossa Senhora, da Virgem,
da Mãe, da Consagrada, da Bendita. E o manto de Nossa Senhora é o manto
azul, não é por um acaso. A partir do azul então vamos fazendo o jogo de
cores, dentro do Santuário, de forma a mantermos a unidade de cores, de

material e de temática. (ANEXO 2)

Sobre o Cordeiro Imolado


Na Nave Leste, no painel dos Fundamentos da nossa Fé, temos o “Cordeiro
Imolado e ressuscitado com a cruz”, como referência ao sacrifício pascal como centro
de nossa fé (Apocalipse 5,9 e 19,11). Conforme o Pe. Darci, quando se fala do
Cordeiro Imolado, vê-se que ressalta o vermelho, o sangue, o sacrifício.
O cavalo do Apocalipse é o contraponto de Maria da Assumpção que está na
Nave Oeste. É o Cristo vencedor. É a Igreja que se realiza. É a Igreja que é o corpo de
Cristo, cuja cabeça é o próprio Cristo. Por isso, o cavalo do Apocalipse está ladeado
pelos apóstolos e pelos patriarcas.
A viabilização destas ideias da obra está analisada no capítulo 3.

Sobre o Cristo Pantocrator


Nave Norte, no painel das mulheres e da vida cristã, temos o “Cristo Pantocrator”.
O Cristo Onipresente e onipotente. Pe. Darci em sua entrevista enfatizou que, se na
Nave Sul nós temos a Mulher vestida de Sol no trono, fazendo o contraponto disto
está o Cristo Rei, o Cristo Senhor, o Cristo douto, o Cristo sábio. O Cristo sabedoria. É
o Cristo professor. O Cristo Senhor da História. Ele preside. Aquele que foi concebido
no seio da Virgem, virou hoje realidade. Isso faz o contraponto.

Sobre a Nossa Senhora da Imaculada Conceição


Na Nave Oeste, no painel da Evangelização do Brasil, temos ao centro o
91

capítulo 12 do Livro do Apocalipse. A mulher que está grávida para gerar seu filho, que
é o Cristo, mas por estar permanentemente grávida, é a imagem da Igreja que gera
outros Cristos, nós cristãos.
Segundo o reitor, a humanidade também é elevada à glória de Deus, por Maria,
a senhora da Assunção. É a humanidade que também é acolhida nos tabernáculos
do Céu. Se Maria é o tabernáculo, no sentido de que em seu útero recebeu Jesus
Cristo, que desceu até a humanidade, Maria representa a humanidade que sobe para
Deus. Se Maria era o tabernáculo de Cristo, Deus abriu os tabernáculos do céu para
recebê-la de corpo e alma. É a prefiguração da nossa ressurreição. Nós também um
dia estaremos na glória, junto de Deus.

Sobre o altar
Em sua entrevista, o Pe. Darci fez questão de ressaltar a importância do altar
como o centro do processo litúrgico e de evangelização.

Na Basílica temos uma cruz grega que cruza uma cruz latina. E, o importante,
o altar, está no centro. Ou seja, tudo o que aqui se realiza é cristológico,
é Jesus Cristo e é para Ele que nós caminhamos. Embora nós chamemos
a Basílica como Basílica de Nossa Senhora Aparecida, nós a entendemos
como a Casa da Mãe, mas para onde nós nos dirigimos para o encontro
pascal, com o Cristo Ressuscitado. Portanto, o centro desta Basílica é a
Eucaristía, que é o centro da Igreja, que faz a Igreja, pois sem Eucaristía não
existe Igreja. Por isso, toda arte e toda a arquitetura da Basílica converge

para o altar central, para o Cristo Jesus.(ANEXO 2)

2.4.5. A visão do artista sobre a obra

Pastro, em sua entrevista sobre a Basílica e sua obra, registrado no Anexo


1, começa suas considerações, enfatizando que a Igreja é neo-românica, porque
Benedito Calixto Neto concebeu a a arquitetura da basílica no período dos neos –
fim do século XIX e primeira parte do século XX. Cita a catedral da Sé, da cidade de
São Paulo, como neo-gótica.
92

Falando sobre o revestimento da Basílica, destaca:

Com que revestir as paredes? Eu sempre pensei no tijolo, porque o tijolo


é a terra brasileira. O tijolo, do ponto de vista físico é termo-acústico. Ele é
ótimo para um lugar aonde vão 30, 50 mil pessoas se agruparem dentro. Ele
é sonoro. O fato de ser térmico é um elemento muito importante, apesar de
que a arquitetura do Calixto Neto é muito boa. Eu sempre digo, brincando,
que a Basílica de São Pedro, em Roma, tem três portas para você entrar e
são as mesmas três para você sair, sendo que uma fica sempre fechada. A
basílica de Aparecida tem 24 pórticos, além da belíssima arcada externa que
dá a volta nela toda. Então ela é extremamente arejada, agradável. Você
pode estar participando com outras 30 mil pessoas lá dentro ou pode estar
participando lá de fora, andando pelas arcadas que são muito bonitas. Aliás,
o Benedito Calixto Neto recebeu um prêmio lá no Vaticano por esse projeto.

Um grande prêmio na época. Acho que foi em 1952 ou 1953. (ANEXO 1)

Pastro também fala de um aspecto muito interessante. Menciona que se


fizesse a opção de pintar a Basílica, o processo de desenvolvimento dos afrescos
seria muito difícil e muito demorado, além de penoso e trabalhoso. Além disso, o
afresco exigiria restauração e com a restauração, sempre ocorrem alterações. Além
disso considerou que, pelo fato de se tratar de um país tropical, a arte sofre muito.
Então seu testemunho sobre a escolha do azulejo foi:

Fiquei pensando, pensando e um dia disse, tem que ser azulejo. Eu conheço
o Carlos Alvano, no Paraná, que trabalha muito bem azulejo, e azulejo é uma
linguagem que aguenta mil, dois mil anos, se ninguém atacar. Quer dizer,
a natureza em si não destrói o azujelo. E depois, pensei mais: é da nossa
tradição Ibérica. Portugal e Espanha nos trouxeram os azulejos. Vêm lá dos
turcos, mas a raiz, o centro do azulejo é a Antiga Babilônia. Porque se você
vai à Alemanha, por exemplo no Bauden Museum, no Pedragon Museum,
você vai encontrar os grandes portais da Babilônia. Aliás, isso me fascinou
há anos atrás e isso ficou em mim. Mas quando fiz o projeto da azulejaria
não pensei nisso. Estava inconsciente. Depois, refletindo é que passei a ter
consciência disso. Então o berço da azulejaria está onde hoje é o Irã e Iraque,
que é, por incrível que pareça, o berço do cristianismo. Porque de lá vem
93

Abraão. Então é o início de judaísmo e do cristianismo, consequentemente.


Então une-se o princípio da fé e da azulejaria lá no Irã e Iraque atuais. São
até coincidências, mas felizes coincidências, que nos permitiram fazer um
bom trabalho (ANEXO 1).

Reforçando a conveniência da escolha dos azulejos, aponta que se trata de


um lugar com alta concentração de pessoas que lá vão rezar. É curioso saber que o
azulejo, segundo ele, recebe o suor com sal e também gordura do nosso corpo. É por
isso que os painéis de azulejo, a 45 metros de altura, tem que ser limpados a cada ano
e esse processo é feito de rapel.
Falando sobre o painel do Cordeiro Imolado, que é muito rico de simbologias,
como o vermelho que predomina, o cavalo apenas na forma de contorno branco, o
cordeiro, os vasos com incenso, o Altar e os candelabros, Pastro prefere tecer suas
considerações, começando pelo vermelho, porque é o símbolo da redenção. Enfatiza
que o cordeiro tem o grande instrumento da paixão, de nossa redenção, que é o
instrumento do martírio e do sangue, que é a cruz, junto dele.

Ele está sobre um altar, com o texto do Apocalipse, se não me falha a


memória, capítulo 5, “redimistes para Deus povos de todas as raças, tribos,
línguas, nações”. Então é Ele que reune todos os povos. É o cordeiro, porque
na tradição judaica e cristã tinha que alguém se imolar por todo o povo. No
passado eram cordeiros e agora, o Novo Cordeiro e único, que é o próprio

Cristo. O fundo vermelho então lembra esta redenção (ANEXO 1).

Ainda falando do Cordeiro Imolado, destaca as sete lâmpadas, porque sete


no judaísmo e em geral no Oriente, é o número perfeito, tal como a natureza tem
sete elementos e é perfeita. Por isso as sete lâmpadas, que indicam também que a
perfeição é o próprio espírito de Deus, que é o espírito do Cristo, a luz plena.
Indagado sobre a razão do cavalo branco, sutilmente delineado e transparente,
explica que, no Apocalipse, são citados diversos cavaleiros, o da morte, o da guerra, o
da praga, etc… e, de repente, a um certo momento, o Filho de Deus vem num cavalo
branco. Na tradição dos povos orientais, pelo menos do Oriente próximo, o noivo, para
94

se casar sempre vem montado num cavalo, que tem de ser branco. No Apocalipse, o
Filho de Deus é o esposo e a Igreja é a esposa. Por isso então, Ele vem sempre em
seu cavalo em cada culto, em cada missa.
No próximo capítulo veremos a leitura completa da imagem. Como entender
a mensagem da obra, a imagem pensamento e a semiótica da imagem, seus signos,
códigos, símbolos, índices e por fim o seu significado. Através de autores e teorias
sobre a construção da imagem, como Deleuze, Crary, Berkeley, Focault, Merleau-
Ponty, Rancière, Berguson, Prette e Bouleau, vamos fragmentar a obra do “Cordeiro
Imolado e Ressuscitado com a Cruz” e descobrir como cada parte desta imagem afeta
a nós como indivíduos e onde encontrar suas formas, linhas, contornos, harmonia,
equilíbrio, movimento e sua contemporaneidade.
95

CAPÍTULO 3

LEITURA DA IMAGEM PENSAMENTO: SENSORIAL E APRECIATIVA E


A LEITURA DA SEMIÓTICA DA IMAGEM: SÍGNICA E PERCEPTIVA
96

CAPÍTULO 3

LEITURA DA IMAGEM PENSAMENTO: SENSORIAL E APRECIATIVA E A LEITURA


DA SEMIÓTICA DA IMAGEM: SÍGNICA E PERCEPTIVA

Luís Lima, em suas aulas de Teorias da Imagem, explica que podemos


mencionar da seguinte forma a leitura da Imagem: através do pensamento encontramos
a imagem sensorial e apreciativa e, através da semiótica, encontramos a imagem
sígnica e perceptiva.
De um lado são construídas as sensações, através da apreciação, do medo,
alegria, calma, angústia, horror, tristezas, calor, repúdio, êxtase, agitação, atração, frio,
tesura... e do outro lado o significado, através da percepção, forma, símbolo, índice,
linha, curva, geometria, cor, perspectiva, dimensão, profundidade, plano, movimento,
espaço...
Desta forma, há a condução de um diálogo entre o observador e a imagem,
explorando seus significados, aspectos técnicos, formais e contextuais. Nesta área do
conhecimento fomenta-se a ampliação e estímulo da observação, contextualização,
interpretação, análise e crítica desta imagem.
No ato da confluência destas informações é que se forma a imagem: a
observação, a contextualização e a interpretação.
O começo do estudo da imagem, como pesquisador, foi na visita e expedição a
um dos mais ricos sítios arqueológico da Europa e do mundo. Localizados a nordeste
de Portugal, numa belíssima paisagem, onde a respiração se perde ao admirar as
escarpas escalonadas, com plantações de videiras e oliveiras que descem no encontro
das águas dos rios Douro e Côa, encontram-se magníficos e raros exemplares da arte
rupestre, em sítio arqueológico pré-histórico, na região da Fóz do Côa, classificada
como patrimônio mundial pela Unesco. Os exemplares da arte rupestre estão
cuidadosamente representados junto ao moderno Museu do Côa, em sua forma e
tamanho naturais, acompanhados de minuciosas explicações dos estudos que ali
tiveram lugar (figura 34).
Datadas de 36.000 anos antes de Cristo, do homem primitivo, gravações nas
97

34

34. Margens da Foz do Côa onde estão localizadas as gravuras ruprestes originais datadas de 36.000
anos Antes de Cristo, no Alto do Rio Douro, Portugal. Foto: Egidio S. Toda. Registro em junho de 2012.

rochas que impressionam pelo domínio da perspectiva e da animação, representam


animais que eram objetos de caça, como forma mística de preservação do alimento.
Neste período, o homem já tinha uma produção artística, que era a representação
da vida cotidiana, a caça. Desde este tempo já se produzia arte, era para marcar
território, para se comunicar ou para produzir imagem (figura 35).
Uma das mais destacadas pesquisadoras de imagem da atualidade, Marie-
José Mondzain, afirma que a pintura é a mais antiga representação da imagem até
a chegada da fotografia. Faz uma análise da arte rupestre e a intenção do homem
primitivo para marcar e deixar vestígios de sua inteligência. Este homem primitivo,
de Cro-magnon, que viveu há cerca de 40 mil anos, morava em cavernas e tinha
notáveis progressos culturais. Desenvolvia utensílios, instrumentos e armas com
razoável acabamento, utilizava como materiais, além da pedra lascada, o chifre da
rena e o marfim e cozinhava seus alimentos por meio de rústicos fogões em suas
98

35

35. Réplica de uma das gravura rupestre encontrada nas margens do Rio Côa, exposta no Museu de
Foz do Côa, Portugal. Foto: Egidio S. Toda. Registro em junho de 2012.

cavernas. Fabricava o arpão e o anzol e foi o inventor da agulha de osso que usava
para costurar suas roupas feitas de peles. Este homem, que era capaz de pensar e
de deter o saber, foi o primeiro a produzir signos e, a partir destes sinais é possível,
milhares de anos depois, ver e perceber as manifestações de seu desejo e interpretar
seu pensamento.
Desde este momento, o homem marca a sua entrada para a história. Com o
espetáculo da arte, ele representa a delimitação territorial e define suas necessidades
e domínios. Este domínio imaginário é a capacidade de colocar o espaço e o tempo
em uma época de confusão cronológica.
Mondzian ainda menciona Leroi-Gourhan para justificar a necessidade
do homem de libertar o pensamento do corpo e da manifestação artística como
comunicação, sem se prender ao tempo. A invenção da imagem e da vida, sem a
presença do homem-artista.
99

A paleontologia descobre o homem no momento em que este se faz ver, ao


dar a ver aquilo que ele quis mostrar-nos. O nascimento do seu olhar está
endereçado ao nosso. Só sabemos alguma coisa deste remoto antepassado
porque ele deixou marcas, traços, gestos, da sua tecnicidade, do seu engenho,
da inteligência no que remeteu. Mas se a paleontologia nos ensina aquilo que
este homem sabia fazer, eu proponho fazer e ver aquilo que este homem
via. Mais ainda, desejo encenar uma ficção verossímil e mostrar que este
homem se apresenta aos milênios que o sucederam como um espectador

(MONDZAIN, 2007).

Podemos assim dar voz ao homem ausente e criar uma prosopopéia. Nós
somos capazes de entender a intenção do homem pré-histórico, através dos seus
sinais. Se temos a capacidade de produzir imagem, podemos receber esta imagem,
criando um circuito de comunicação: produzida, codificada e interpretada. Neste
momento, o homem primitivo, que começa a pensar e a saber, transforma-se em
homem moderno. A pré-história entra na história e a imagem ganha perenidade.

3.1. A Imagem do Pensamento: sensorial e apreciativa

As sensações e apreciações a seguir, de Deleuze, Berkeley, Bergson,


Merleau-Ponty e Crary, são anotações e memórias das aulas de Teorias da Imagem,
frequentadas em maio de 2012 e ministradas pelo Professor Doutor Luís Lima, no
Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, da cidade de Barcelos em Portugal.
A imagem do pensamento é uma leitura da imagem feita de apreciações,
sensações e conceitos. As teorias a seguir descritas, seguindo as fundamentações
teóricas de cada autor, serão instrumentos de análise da imagem do Cordeiro Imolado,
no sub-item 3.1.3.

3.1.1. As teorias da Imagem através do Pensamento

Gilles Deleuze fala da intensidade das imagens. Temos como exemplo a obra
de Edward Munch intitulada de O Grito, as pinturas de Lucian Freud ou as telas da
100

artista portuguesa Paula Rego. Estes trabalhos, com forte apelo no expressionismo ,
trazem com suas figuras distorcidas e às vezes desfiguradas, as forças para a partilha
do sensível (termo também utilizado por Rancière) ou a troca da sensibilidade. A
proposta do artista é, por meio destas formas de expressar seus sentimentos, fazer
o espectador sentir esta força e entender a obra. Quando tal troca é alcançada,
do espectador e da obra, constroem-se a força para a formação da imagem. Nós
recebemos, em toda forma de arte, forças para as construções destas imagens.
No livro ‘A busca do tempo perdido’, de Marcel Proust, o autor conta a história
de um rapaz doente, sua relação com o mundo social e uma viagem alucinada. É a
narração do estilo de vida da alta sociedade, e se criam dúvidas entre o limite racional
e irracional dessa sociedade. Só se consegue compreender esta obra quando se
estabelece a epifania7, que é a sensação de realização ou compreensão da essência
ou do significado de algo. A epifania dos sentidos da percepção do presente e que se
transporta para outro tempo.
O desfecho deste livro é feito em laços, na busca de suas respostas e de sua
entrada para este mundo irreal. A partir da presença do protagonista em um baile de
máscaras e seu encontro com a vice-condessa, é construído o rol das pessoas que
morreram. Na verdade todos estão mortos e aí o livro começa.
Deleuze comenta este livro de Proust. A formação de todo um imaginário:
artistas, músicos, trilhas sonora, cenários... um novo mundo! É a vivência de duas
realidades e a intensidade dos acontecimentos. Vários momentos que se ligam
formando vasos comunicantes. Onde todos os personagens produzem epifanias.
Quando entram em contato uns com os outros, um acontecimento único é formado.
Para Deleuze, é como o Rizoma8 é formado, a criação de uma teia que vai atrair os
personagens. Este rapaz é surdo e mudo e reage por vibrações. Deleuze defende a
ligação dos neurônios pela sinapse, onde o sinal não é cármico, mas físico e material.
Deleuze procura esta relação: da sensação do consciente e da criação da teia que

7
Aparição ou manifestação divina.
8
A noção de rizoma, como um modelo epistemológico ou descritivo, foi adotada a da estrutura de
algumas plantas, cujos brotos podem ramificar-se em qualquer ponto, como raiz, talo ou ramo.
101

entra em contato uns com os outros, da origem como multiplicidade e não como
unidade. Deleuze e Proust acreditam que a origem “Deus”, como criador e imagem,
não é única e sim múltipla.

George Berkeley pode ser considerado o pai das ciências cognitivas. Em


seu livro Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano, cria os conceitos
de simulacro e tatilidade, cria a noção de sujeito que percepciona sendo idealista e
sensorialista. A experiência pode ser simulacra, porque a consciência conhece apenas
as aparências. Para ele, as idéias das “coisas” são iguais à percepção, que por sua
vez é a consciência de ideias colecionadas, e a sensação destas “coisas” é resultado
das fricções, imaginação e criação. Portanto, a percepção vem da memória, que é
sempre friccionada.
Berkeley estuda também a ontologia, o estudo do ser. Ele escreve sobre o
que é o conhecimento humano, onde o ser não existe por si e precisa da relação de
percepção e consciência, quando os corpos reagem por impulso. Para exemplificar
este pensamento, o professor Luís Lima, em sua aula de Teorias da Imagem, conversa
com uma aluna. “Tente lembrar-se, hoje, de fatos marcantes e registros de uma
pessoa, como: data de nascimento, local e outras coisas que falam de lembranças
para a construção de uma imagem. Se fizer as mesmas perguntas daqui há 20 anos,
esta pessoa será diferente”.

Henri Bergson cria a relação entre o corpo e o mundo. Noção fisicalista,


através dos sentidos. O que está à volta é real e suas imagens são iguais à matéria.
A maneira como nosso organismo tem contato com o exterior e como, através deste
corpo, nós conseguimos presenciar as coisas do mundo. Este organismo é o epicentro
e a imagem é material como qualquer objeto.
Berguson acredita que os objetos são imagens e são formadas quando nosso
corpo, como sistema biológico, entra em contato com o mundo exterior. O cérebro é
que dá a liberdade e comanda o tempo e o espaço. Podemos presenciar os objetos e
estes objetos vão afetar o nosso corpo, em maior ou menor intensidade.
A imagem como matéria aparece quando nosso corpo é afetado e reconhece
102

o objeto externo. Tudo se reduz à manifestação e apreciação do corpo. A imagem


interna é formada quando o objeto externo age simultaneamente com o lado interno,
que é o corpo. Assim, interno e externo tornam-se conjunto do mesmo organismo,
transmitem movimento e o corpo reage do lado externo a este movimento.

Maurice Merleau-Ponty defende que, além da obsessão de Bergson, há a


alucinação. O que está na base do conhecimento humano é o espanto dele mesmo.
Assim, consegue-se criar o contato no mundo, esquematizar o corpo para a intenção,
como a criança que olha para o objeto e não para a mão de quem o oferta. O espanto
do olhar é para entrar no objeto que está fora do corpo. Isto é alucinar.
A alucinação, de acordo com Merleau-Ponty, é diferente da apreciação. Pela
visão entramos no mundo, nós não nos vemos andar, mas sabemos onde estamos.
A característica de cada um é a sua maior expressão e assim fica caracterizada a
imagem. Todos nós temos nossa marca única, nossas expressões, nosso olhar. Ele
diz também que as próprias obras são um individuo. É a sua emanação de estilo sobre
a obra observada, quando o corpo é comparado com a obra de arte e os gestos, entre
o braço e a arte, fazem o mesmo movimento e organizam o espaço.

Michel Foucault refere-se ao Panóptico e o olhar para a construção da


Imagem. Panóptico é o grande olho, que tudo vê. Termo criado por Benjamim Benton,
quando o homem precisava ser controlado para ser melhor, para servir melhor. Criada
nos campos de concentração nazista, era a torre que tudo observava e fiscalizava.
Foucault fala de uma sociedade ocidental que caminhou para uma sociedade
controlada, de massificação. Este exemplo mostra a diferença entre o observador
e o espectador. Outro exemplo é mencionado como o desabrochar sensorial que a
imagem sofreu, devido à evolução da tecnologia. Com a criação do caleidoscópio9 no
século XIX, a imagem gerada deste aparelho era o maior exemplo de leitura sensorial
imagética desta época. Ou, a lanterna mágica, que era um projetor de imagens, feito

9
Objeto cilíndrico, em cujo fundo há fragmentos móveis de vidro colorido, os quais, ao refletirem-se
sobre um jogo de espelhos dispostos, produzem inúmeras combinações de imagens.
103

com luz de velas. Dados os exemplos, o panótipo, calendoscópio e a lanterna mágica


e suas relações com a sociedade em cada momento da história, formam as referências
para as construções da imagem. Com a evolução técnológica como ferramenta de
percepção, começam as diferenças entre o observador e o espectador.
A fruição como dimensão estética, segundo Foucault, cria uma nova cultura
de relação social de objeto e imagem. A forma de percepção do observador, que não é
igual a do espectador. O movimento de observação é que faz criar o objeto da imagem.
Assim, o termo espectador é substituído por observador e vê-se de dentro para fora. O
olhar não é a única percepção, mas há outros sentimentos internos envolvidos e não
há uma reprodução da imagem como imagem, mas sim uma releitura através de uma
nova produção, com um novo significado.

Jonathan Crary associa a história da loucura na idade média, os dias de


hoje e sua relação com o sensorial. Antes a relação de um adulto com uma criança,
envolvendo atos sexuais, a pedofilia não era considerada e seu contato era permitido.
A relação de proibido tinha outra conotação, como as visões e alucinações que eram
consideradas loucuras, interpretadas como possessão demoníaca e as pessoas eram
queimadas. As relações mudam com o passar do tempo.
A fantasmagoria do século XIX, como o personagem Frankenstein, é descrita
por Crary. Um monstro criado por fragmentos humanos, que ama o criador que é seu
deus, que por sua vez é a Ciência. Para o autor, a fantasmagoria e loucura como
imagem é a transição do tempo, a relação do homem com a sociedade e como, neste
espaço do tempo em que vivemos, isto nos afeta. Hoje esta relação homem, tempo e
sociedade, está diretamente envolvida com a ciência e o personagem Frankenstein é
como cada um forma esta imagem. Vemos então a evolução da Ciência como forma
de criar a fotografia e o cinema, por exemplo. Novas imagens que levam vantagem
por serem mais próximas das pinturas e das pessoas e assim permitem fazer uma
associação mais fácil. Outras formas de criação das imagens são produzidas como
alucinações e simulação de novas imagens e sua relação do proibido ou permitido.

Jacques Rancière defende que através da somatória de todas as imagens


104

fragmentadas é que se cria uma nova imagem. Como no filme de Godard, é necessária
a exposição de múltiplas imagens para se produzir o sentido. É a multiplicidade
para a construção do entendimento e, a partir do caos, vem a interpretação. Toda
esta informação só funciona como um todo, nós como espectadores vamos ter
esta apreciação, a partir da experiência de cada um. Com a junção de todas estas
experiências estéticas é que podemos construir a nova Imagem .
Em seu livro O Espectador Emancipado, Rancière questiona também a
imagem intolerável. Aquela que à primeira vista parece perguntar quais são os motivos
característicos que nos tornam incapazes de olhar para uma imagem sem experimentar
dor ou indignação, ou qual o limite de tolerância proposto pelo artista para a visão dos
outros. O autor defende uma dialética que conduz à política das imagens. De uma
lado, a imagem desempenha o papel de denunciar a realidade como descrição do
acontecimento real, enquanto do outro lado, a outra imagem denuncia a miragem
como o sentimento produzido destes acontecimentos (RANCIÈRE, 2010, p.125).

3.1.2. A Leitura da Imagem Sacra através das teorias do Pensamento: sensação


e apreciação

Na continuação da leitura da imagem sacra recorremos à obra do Pe. Luiz


Claudemir, que organizou o livro A Casa de Barro – Residência dos Missionários
Claretianos. Esta casa está situada na cidade de Batatais, no interior do Estado de São
Paulo e é o lugar que acolhe sacerdotes, irmãos, diáconos e estudantes que vivem
em comunidade para poderem trabalhar juntos, em equipe. Neste lugar encontra-
se a capela que, em 2010, passou por uma reforma que contou com a participação
do artista Cláudio Pastro. Neste livro, o próprio artista determina o espaço sagrado
como o lugar da organização de nosso próprio mundo e de nosso estado mental e
emocional. A busca da tranquilidade, da calma e da alegria, do esvaziar da mente com
a meditação para encontrar a paz e de nós mesmos.
Pe. Luiz Claudemir menciona Pastro em seu livro e diz que o espaço sagrado
cristão se manifesta pela liturgia, ela é que anima toda a vida da igreja e do cristão.
É um microcosmo reorganizado e redimido onde o Divino nos permite renascer,
105

recuperar. Enquanto o universo, morada do Criador, é usurpado, corrompido, nesse


espaço, dedicado só ao Senhor, é Ele quem se manifesta (Teofania). Esse lugar é o
limiar entre o céu e a terra, que acolhe nossas duas dimensões, a divina e a humana,
sendo, assim, um espaço de oração, de adoração e de repouso.
O lugar mistagógico10 é um espaço que orienta, educa e é referencial, pois
conduz-nos ao centro de nossas vidas. Sua organização e seus objetos são sinais
eloquentes que nos ajudam a caminhar com o Senhor em direção ao centro a ao fim
de nossas vidas. É um lugar de aprendizado, com qualidade de vida.
É onde festejamos a celebração, onde somos convidados pelo Senhor a
partilharmos sua vida; essa partilha é o que chamamos de Eucaristía. É um lugar de
oração e louvou onde o silêncio, de tensão e atenção (vigilância) em presença do
Invisível. É o local do Mistério Pascal, onde o rito realiza o esponsal Divino-Humano,
as núpcias do Cordeiro, Cristo, com alegria.

É a Jerusalém Celeste que desce do céu para participarmos na catolicidade


da dimensão verdadeira de ser cristão: homem novo, descendente do Novo
Adão, com postura nova de sabedoria e discernimento para viver bem e

renovado na cidade dos homens (BOTTEON, 2011, p. 43).

3.1.3. Aplicação das teorias do pensamento na leitura da imagem nas obras de


Cláudio Pastro

Localizado na parte superior da Nave Leste, ao centro do painel dos


“Fundamentos da Nossa Fé”, temos a imagem do “Cordeiro Imolado e ressuscitado
com a cruz”. Faz referências ao sacrifício pascal como centro da fé de cada um e ao
Livro do Apocaíipse, capítulo 5, versículo 9 e capítulo 11, versículo 19 (figura 36).
A partir das teorias de Deleuse, Berkeley, Bergson, Merleau-Ponty, Foucault,
Crary e Rancière, analiso abaixo esta obra, do Cordeiro Imolado e Ressuscitado com
a Cruz de Claudio Pastro, na Basílica de Aparecida.

10
Da antiga Grécia traz o significado de uma introdução aos mistérios do sagrado.
106

36

36. Painel do Cordeiro Imolado e Ressuscitado com a Cruz, localizado na Nave Leste, é o painel frontal
do “Fundamentos da nossa Fé. Foto: Arquivo pessoal. Cortesia de Cláudio Pastro.

Buscaremos em cada autor, seu olhar específico para a leitura de cada


parte fragmentada desta obra e assim a construção da imagem pensamento. Para
a teoria de Deleuse, a leitura do vermelho que envolve todo o painel de acordo com
a interpretação da intensidade, imaginário e a somatória das imagens múltiplas, da
cor e a relação com o animal, para o entendimento da imagem como um todo. Na
teoria de Berkeley será utilizada a memória, experiências e bagagem cultural para o
entendimento do grande cavalo. Para a leitura da cruz utilizaremos a teoria de Berguson
e como a imagem matéria reage em nosso corpo através da vida e morte. Separamos
o Altar para as teorias de Merleau-Ponty, que defende a alucinação e a emanação da
obra como indivíduo. Foucault teoriza a relação social, a análise foi desenvolvida da
relação do painel do Cordeiro Imolado com a comunicação de massa. A leitura dos
7 candelabros foi embasada na teoria de Crary e a relação do homem, sociedade e
tempo com as simulações. E por fim, a teoria de Rancière somando todas as partes
fragmentadas para a formação da imagem e o intolerável.
107

Deleuse e a intensidade do autor, imaginário e a imagem múltipla. Sua


relação com a cor e o quadrado vermelho.
Chama a atenção um vermelho vibrante que ocupa a maior parte da base
do painel, em contraposição aos delicados traços das demais figuras. A vermelhidão
mostra a força do sangue que é derramado pelo ferimento aberto do Cordeiro numa
visão angustiante e hipnótica (figura 37). Os olhos se prendem para o entendimento
e o desvendar da causa desta violência brutal. Como em um cerimonial, com as
lanternas iluminando este evento, o Cordeiro está sobre um altar em momento de
espera e entrega de sua vida. Há um eterno derramar de sangue que ocupa toda a
área desta cena.
Nesta energia imagética, é curioso não vermos um cordeiro sofredor, mas em
pacífica e tranquila posição com pequenos movimentos na cabeça e pata, talvez porque
Ele saiba que voltará... Este pequeno cordeiro frágil e indefeso só mostra detalhes
de sua dor ao levantar a pata esquerda e ao olhar para o céu como um último suspiro
de vida. Com um grito constante, pede ao grande cavalo que o ajude no transporte
para uma outra dimensão, uma nova vida pós morte, para a sua ressurreição.
Ao voltarmos para o vermelho, imaginamos nesta cor um grande alerta, o
rubro indicando atenção. Este vermelho nos hipnotiza e fixa nosso olhar para todos os
elementos que, em primeira instância parecem simples, mas diante destas múltiplas
imagens mostram a sua complexidade.

Berkeley e a consciência colecionada e sua lembrança para a construção


da imagem do grande cavalo
O grande cavalo (figura 38), de silhueta e contornos vazados se opõe ao
cordeiro na cor que simboliza sua pureza. Posicionado logo atrás, este cavalo
envolve o cordeiro com imenso poder e proteção. Suas linhas delicadas, feitas só
por contornos, deixando a parte interna do animal em uma transparência, que nos
remetem ao invisível, ao sobrenatural.
Como num vulto que sombreia o cordeiro que está morrendo, abaixa sua
cabeça para ouvir o seu clamor. É ele que levará o pequeno animal para a última
viagem de renascimento e, ao levantar a grande pata direita, sela o pacto determinado.
108

37

37. Montagem sobre o painel do “Cordeiro Imolado e Ressuscitado com a Cruz” com destaque
do Cordeiro Imolado. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.

38

38. Montagem sobre o painel do “Cordeiro Imolado e Ressuscitado com a Cruz” com destaque
do Grande Cavalo. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.
109

De acordo com Pastro, o cavalo representa o cavalo branco do Apocalipse, que no fim
dos tempos vai trazer o Cristo ressuscitado.
Em sua postura ereta e de obediência, se prepara para carregar o pequeno
passageiro agonizante e galopar nesta longa viagem transcendental. O encontro do
tangível e o intangível, do visível e o invisível, do material e imaterial, do corpo e o
espírito do desencarnar para renascer.

Bergson e a imagem matéria e a noção fisicalista através dos sentidos


na leitura da cruz
Em primeiro plano temos a cruz (figura 39). É um sinal conhecido desde 5.000
anos antes de Cristo, são dois braços, vertical e horizontal, que se cruzam no centro
e se prolongam para o infinito. Considerando os braços na horizontal, é o símbolo da
interpenetração de duas esferas opostas, do Céu e da Terra, do tempo e do espaço.

É vista por tribos africanas como símbolo do caminho, da encruzilhada, onde


os vivos e mortos se cruzam. Por sua vez, tem o significado que abrange o
Cosmos: os homens, os espíritos e os deuses. Na Ásia, o eixo vertical da cruz
é um símbolo de energia ativa e refere-se ao princípio masculino, enquanto o
eixo horizontal corresponde à energia passiva da água, o princípio feminino
(PASTRO, 1993, p. 192).

Pastro, em seu livro “O Espaço Sagrado Hoje”, reforça seu significado como
sendo o símbolo maior do cristianismo. É o símbolo da Redenção Universal, da
Reconciliação e da Paz. É a vitória da vida quando um homem de nome Jesus esteve
ali de braços abertos, num gesto de reconciliação e confraternização. Este Homem-
Deus uniu em si os dois extremos, como as traves em que esteve pregado. A cruz
lembra, de um extremo, a morte e o mundo presente como trave horizontal e, no outro
extremo, aponta para cima, para a eternidade e para a ressurreição, na trave vertical.
Ali, “tudo está consumado”.

Merleau-Ponty e a alucinação, a obra como indivíduo e a emanação com


a leitura do Altar
110

39

39. Montagem sobre o painel do “Cordeiro Imolado e Ressuscitado com a Cruz” com destaque
da Cruz. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.

Logo atrás da cruz e abaixo do cordeiro temos o Altar (figura 40). O Altar é
o centro, a razão de ser do espaço sagrado, é o lugar do sacrifício cultual. Esta é a
verdade fundamental própria a toda religião. É neste lugar que se efetua o encontro
de Deus e o homem, é o lugar da oferenda, do rito do sacrífico do cordeiro imolado.
Como uma sólida rocha, esta base de pedra maciça escura tem inscrito o
texto do livro do Apocalipse, capítulo 5 versículo 9, onde diz: “Redimiste para Deus,
por teu sangue homens de toda tribo, língua, povo e nação.” E, em suas pontas sobre
o Altar a primeira e última letras do alfabeto grego, Alpha e Ômega que representam
o princípio e fim, a razão de tudo e para onde tudo conflui.
A simbologia deste altar, diferentemente do altar do templo que induz à
celebração, é a de um local sagrado de imolação, à semelhança dos sacrifícios que
os próprios judeus e outros povos realizavam. A grande distinção neste caso é a de
que o cordeiro, retratado por um animal presente em muitas profecias do judaísmo
no Antigo testamento, representa o próprio Deus redentor. Em suma, o mistério é a
realidade presente.
111

40

40. Montagem sobre o painel do “Cordeiro Imolado e Ressuscitado com a Cruz” com destaque
da Altar. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.

Foucault e a relação do espectador, observador e o objeto da imagem. A


mensagem e a comunicação de massa do painel
Ao primeiro instante, os desenhos de linhas simples nos atinge de forma fácil
e direta. A intenção como condição primária é o estímulo ao comportamento, é o
agente para a obtenção de uma resposta. Neste caso é constituída uma unidade, um
necessita do outro numa reciprocidade. O estímulo precisa de uma resposta e uma
resposta depende de um estímulo, defende Mauro Wolf ao citar F. H. Lund (WOLF,
2005, p.10).
Para atingir esta sociedade de massa e cada um como indivíduo é necessário
acentuar a simplicidade do modelo de emissão e recepção, mesmo que reconhecida
a natureza complexa do estímulo e a heterogeneidade da resposta.
Mauro Wolf em seu livro “Teorias das comunicações de massa” defende que
os meios de comunicação se organizam para a superação das formas comunitárias
precedentes e nas quais grande parte desta massa, mesmo com colocações
112

heterogêneas de pensamento, concordavam de forma igualitária. É uma sistema


nervoso simples, que se estende para tocar cada olho e cada ouvido, numa sociedade
caracterizada pela escassez de relações interpessoais.

Crary e a relação do homem, sociedade e o tempo na leitura dos


candelabros e vasos de incenso
Acima do cordeiro e da silhueta do cavalo se observa os 7 candelabros (figura
41), equivalentes à menorah judaica, que é o símbolo da perfeição. Acompanham
essa rica simbologia os dois vasos laterais de incenso (figura 42), cuja fumaça se
eleva, como transportando para a divindade o sacrifício que está sendo realizado no
altar. Ao longo de toda a história da igreja católica e de outras religiões, o incenso é
um instrumento de elevação do espírito.
Representadas desde a antiguidade, na cultura egípcia, as chamas iluminam
o caminho para a outra vida, depois da morte. Estes candelabros irão mostrar a trilha
que o espírito irá seguir para o seu destino. Na Idade Média acreditavam que o fogo
tinha propriedades de transformação da matéria. E, para outras culturas, o fogo
simboliza a renovação da vida, o eterno.
Originário do Antigo Egito, o incenso era feito de resina de goma e resina
oleosa de árvores aromáticas e eram utilizadas em cerimonias religiosas. Na igreja
católica o incenso, além da elevação a Deus, é também um símbolo de oração. O ritual
egípcio empregava o incenso em muitos sacrifícios, além de servir para perfumar
ambientes, sendo queimados de manhã e à tarde.

Rancière e a soma das partes fragmentadas para a formação da imagem


e a imagem intolerável do painel
Com um grande número de figuras sobrepostas, em um fundo vermelho,
temos o cavalo, os 7 candelabros, o cordeiro ferido, a cruz, o altar, as escrituras, e
nas laterais, os vasos e sua fumaça. Com esta multiplicidade de elementos criam-
se códigos para uma imagem de intenso significado. O sacrifício, como o sofrer e a
morte, é passagem para o encontro de uma nova vida. A ressurreição.
A eminência de que cada objeto tenha características únicas não impede que
113

41

41. Montagem sobre o painel do “Cordeiro Imolado e Ressuscitado com a Cruz” com destaque
dos Sete Candelabros. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.

42

42. Montagem sobre o painel do “Cordeiro Imolado e Ressuscitado com a Cruz” com destaque
dos Vasos de Incenso. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.
114

a soma de todas estas características construa uma segunda interpretação, uma nova
imagem. Este painel, que aparentemente parece ser de fácil entendimento, mostra-
nos uma complexa mensagem de elementos codificados, ora separados, ora juntos,
para a construção do significado final do Cordeiro Imolado.
Apesar da violência visual do vermelho, que é o sangrar do animal até a sua
morte, o artista cria uma tolerância para que o espectador continue sua observação e
entendimento. A mensagem verdadeira é que a partir do ato cruel, que é o sacrifício
e a morte, vem o renascer. A denúncia da miragem, que vem da tranquilidade e a
passividade do cordeiro e da cor, como sinônimo do sangue, não constroem uma
imagem intolerável.

3.2. A Semiótica da Imagem: sígnica e perceptiva

Maria Carla Prette (2009), em seu livro Para entender a Arte, mostra-nos
uma das formas de como ler uma obra de arte e compreender como esta arte é um
poderoso meio de comunicação. Para significar é preciso conhecer a bagagem cultural
de cada indivíduo, seu pensamento, seu sentimento e suas percepções. Quando
estamos diante de uma obra de arte, é preciso dispor de algumas informações prévias
que ajudam no significado, como: autor, título, data que foi realizado, dimensões, a
localização, técnica utilizada, materiais e o gênero. Com base nestas informações
estabelecemos códigos e subcódigos para determinar sua categoria, como: pintura,
escultura, arquitetura ou artes aplicadas, e seu gênero: arte sacra, arte profana,
temas mitológicos, realista, histórica, retrato, natureza morta... E, a partir desta base,
podemos proceder à sua leitura.
Prette ainda menciona como a leitura descritiva, mais chamada de denotativa,
nos diz, o que se vê na obra, seus detalhes reais, suas cores, formas, a descrição
pura daquilo que se está percebendo com o olhar, ouvir, degustar, cheirar... sem uma
preocupação com a emoção, ou a sua representação. É a leitura pura e simples e seu
significado imediato. E como a leitura interpretativa, também chamada de conotativa,
constitui a parte mais complexa da leitura. Interpretar a obra significa compreender a
proposta do artista, sua mensagem e o que este artista quer passar como comunicação.
115

A interpretação requer um tempo maior para entender a imagem, é como os elementos


das formas, cores, detalhes afetam emocionalmente. A sensibilidade é explorada em
todos os sentidos para construir a mensagem e a representação da imagem. É a
releitura, a ressignificação.
É importante examinar o contexto histórico, ambiental, cultural e religioso
onde a obra foi criada, e a linguagem da estrutura expressiva, ou seja, a linguagem
das formas utilizadas pelo artista. Esta linguagem, que é caracterizada pelas formas,
linhas, cores, espaço, tem por fim dar significado aos signos, símbolos e índices.
Muitos artistas se valem da experiência de outros artistas, através da herança de
conhecimento deixadas, para buscar referências. A questão é descobrir quais são
estas referências e como os modelos antigos foram retomados e reinterpretados.
Esquema de leitura da obra de arte ou texto visual segundo Carla Prette:
A. Código material, identificação do autor e código da tipologia do tema.
B. Leitura descritiva (denotação) e leitura interpretativa (conotação) do tema.
C. Inserção da obra em seu contexto histórico, ambiental, cultural e religioso
e leitura da estrutura expressiva e linguagem formal do artista.
D. Decodificação dos simbolos e da mensagem (função comunicativa)
E. Referência a modelos precedentes ou a derivados.
A semiótica da imagem é uma leitura feita de percepções, signos e conceitos.
As teorias a seguir descritas, seguindo as fundamentações teóricas de cada autor,
serão instrumentos de análise da imagem do Cordeiro Imolado, no sub-item 3.2.3.

3.2.1. As teorias da Imagem através da Semiótica

Carla Prette: A percepção da Forma, do Espaço e da Cor


Forma: Com o funcionamento de nosso sistema de percepção visual, vamos
desvendar a forma e seus significados. Todos os objetos existentes vêm da natureza
ou são construídos pelo homem, e chegam até nossa visão como formas unitárias
autônomas ou compostas em diversas partes. Prette acredita que esta observação
acontece por comparações de dimensões menos definidas que são os fundos. A visão
destes objetos acontece através de contrastes de cor ou forma e nossa mente está
116

organizada para reconhecer estas variações.


Ponto: O ponto é a menor unidade perceptiva que nossos olhos podem ver.
Para Wucius Wong, em seu livro Princípios da Forma e Desenho, o ponto, além do
círculo que é a forma mais comum, pode também ser representado como quadrado,
triângulo, oval ou outra forma irregular e seu tamanho é relativo. Se este ponto
aparecer em uma área grande de visão ele vai ficar pequeno e quando aparecer em
uma área pequena, ele fica grande. Suas principais características são: seu tamanho
comparativamente pequeno e seu formato razoavelmente simples.
Contornos e linhas: O contorno pode ser percebido através de contraste, mas
não necessariamente com a nitidez em suas linhas. Na natureza, esta observação é
mais eficaz, como por exemplo, a lua em noites de céu limpo, sem nuvens. O contraste
do céu escuro evidencia a relação de figura e fundo. As linhas de contorno, por sua
vez, favorecem o reconhecimento de objetos e figuras coerentes, quando percebidas.
Este reconhecimento é instintivo de modo que facilite a construção de uma boa forma,
e dê direção, lógica e sentido ao observador. O desenho linear ou de traço é o meio
mais simples de representar algo, ou agrupar objetos em uma composição. Este traço
pode ser uniforme, acentuado ou técnico, e, pode ser apenas um contorno ou indicar
características de um objeto.
Simetria: Nossa percepção está condicionada a agir diante das formas
simples e regulares, com mais facilidade. Na natureza encontramos as formas
simétricas, de ordem geométrica, nas estruturas vivas orgânicas e inorgânicas. Das
estruturas orgânicas temos como exemplo a borboleta com sua simetria axial bilateral,
onde o eixo é o próprio corpo com seus desenhos dispostos simetricamente. Esta
regularidade forma em nossa percepção visual um fator estético harmonioso. Das
estruturas inorgânicas, temos nos cristais de neve um sistema de simetria central, e
de igual distância em relação ao centro.
Características da cor: Para a pintura, a produção de cores demandou uma
necessidade de produzir variadas impressões cromáticas aos nossos olhos. Desta
necessidade foram criadas as tintas de cores puras, amarelo, vermelho e azul, com
o grau máximo de saturação e de intensidade cromática. Através das cores puras
ou primárias, é possível obter todas as outras cores. Denominam-se cores quentes
117

aquelas que vão do amarelo ao vermelho e cores frias, as cores que vão do verde
ao azul. As cores quando justapostas se destacam diferentemente, dependendo do
contexto onde se encontram, as cores luminosas dão a impressão de avançar ao
observador e aquelas mais escuras ou frias, de afastar.
As cores que percebemos são produzidas pela luz. A luz do sol, aparentemente
branca, é, na verdade, composta pelas sete cores do arco-íris. Quando a luz do sol
ilumina um objeto, algumas dessas cores são absorvidas pelo objeto, enquanto as
outras são refletidas na direção dos olhos que as percebem. É nesse o fenômeno, na
direção dos olhos que as percebem, que nos permitem dizer qual a cor dos objetos.
Cor pigmento é a substância material que, conforme sua natureza, absorve, refrata
e reflete os raios luminosos componentes da luz que se difunde sobre ela. A cor-
pigmento é a substância usada para imitar os fenômenos da cor da luz. Essas tintas
podem ser extraídas de vários materiais, alguns de origem vegetal, outros de origem
animal ou mineral. As cores primárias de cor-pigmento, das quais conseguimos obter
todas as outras, são: Azul ciano, rosa magenta e amarelo, ou no termo em inglês,
cyan, magenta e yellow.
Podemos dividir as cores em primárias: as cores que não podem ser formadas
pela soma de outras cores (são irredutíveis) Vermelho, Amarelo e Azul. Secundárias:
cores formadas pela mistura de duas cores primárias em iguais quantidades ou iguais
intensidades. Verde, Violeta e Laranja. Terciárias: resultam das diferentes misturas das
cores em intensidade e quantidade diferente. Para a psicodinâmica das cores, a cor
é vista e impressiona a retina. A cor é sentida e provoca emoção. A cor é construtiva,
pois tendo um significado próprio, possui valor de símbolo, podendo assim, construir
uma linguagem que comunique uma idéia.

Charles Bouleau: O significado através da trama e da geometria
A arte monumental: Determina-se monumental a escala maior que a do
homem, de acordo com o volume de sua massa e as dimensões de seu tamanho. A
arte monumental está associada ao espaço que nos rodeia e percebemos de forma
distinta seu objeto. A contemplação acontece não só através da visão, mas, observando
todo o movimento que envolve este objeto. A percepção do movimento do espaço de
118

seu entorno e assim a apreciação de sua unidade, o movimento de circulação, de


distância, de passeio para aproximar e penetrar em suas diferentes partes. A escala
monumental é baseada no homem e em si mesma, é ele próprio que estabelece as
medidas. No Egito, os faraós que eram considerados representantes divinos, têm em
suas características o gigante. Eram reproduzidos por meios de estátuas dez vezes
maiores, e às vezes, 50 vezes maiores que ele próprio. Os egípcios empregaram o
método de confrontar sobre si mesmo as medidas de grande e pequeno, e usaram
nos colossos, as figuras com dimensões de nossa escala. Ao lado da imagem do
faraó, há sempre uma multidão de pequenos personagens em tamanho natural.
A geometria do renascimento: Perspectiva é a forma de geometria aplicada
na Idade Média e estava vinculada à pintura. A perspectiva utilizada pelos renascentistas
e chamada de “racional” se opõe à perspectiva “expressiva”, provavelmente conhecida
pelos Antigos. Sua geometria não é só a construção do espaço, mas também a de
criar a ilusão como fonte de evocação quase mágica e, determinar as composições de
suas formas. A perspectiva “italiana”, mais linear e abstrata, com sua rede de linhas
retas conflui em um ponto, como em uma teia de aranha. A riqueza decorativa desta
rede chamou a atenção dos artistas e abriu inúmeras possibilidades de criação e
combinações. Uma de suas combinações, é a utilização da composição e distribuição
das formas para a cosntrução da imagem bidimensional, sem profundidade.
Os números áureos e a circularidade: A proporção divina na Idade Média
se apoia na composição, por regra geral, sobre uma figura pitagórica e segue seu
completo traçado até as últimas consequências, muitas vezes escondidos aos olhos
desatentos. A proporção áurea se baseia, quase sempre, na figura do pentágono
envolvendo todas as suas partes. O círculo no renascimento era a figura preferida dos
arquitetos, sua pureza como relação direta com os santos, sua simplicidade e o seu
simbolismo em relação à terra, ao sol e a lua, contribuem para que se converta como
base preferida dos ornamentos.
O movimento e as composições dinâmicas: Escrito em 1584 por Gio Paolo
Lomazzo, O Trattato serve como referência de uma nova estética que pode ser abstrata
e, baseadas nas proporções. Guiada pela visão e pelo instinto, sua beleza não reside
na natureza e sim, pela clareza das linhas que o artista se expressa. Através desta
119

clareza e da graciosidade de suas linhas estabelecem-se parâmetros com o fogo e a


figura piramidal, além da linha serpentina e sua relação com a serpente e o círculo e
a relação com o Sol. Duas forças, orgânica e inorgânica, que agem com movimentos
contínuos e levam graça e sublimação. Estes movimentos foram denominados pelos
pintores como a fúria da figura. A linha serpentina é a primeira expressão de um novo
ideal, com suas linhas curvas, mostra a sinuosidade e movimentação da figura, já a
chama do fogo ondulante evoca as curvas e também representa a vida em movimento.
Já Prette (2009), descreve as formas que são dinâmicas, modeladas por forças que
as modificam continuamente. Todas estas forças da natureza, da água, do fogo, do
ar e da terra, estão presentes em nossa memória visual, como por exemplo, a forma
da fumaça, corrente dos rios, posição e intensidade do sol e da lua, da chama, das
nuvens que se mudam conforme o vento e outras forças desta natureza. A água e
sua fluidez, o balanço da bandeira que acompanha a direção do vento, ou mesmo
energias irreversíveis como o cogumelo da explosão da bomba atômica ou a terra
fragmentada pela secura de seu solo.
A trama pictórica do século XIX: Reina a simplicidade. As linhas ortogonais
vêm determinadas por pequenos quadrados centrais, formados pelas diagonais do
retângulo maior (quadro). As horizontais se opõem violentamente às verticais, traçados
rígidos cortando uns contra os outros, a buscar sempre a sensação de pequenas
unidades. Calçado pela simplicidade técnica, esta trama tem como armadura o
retângulo, em quase todos os casos. Esta armadura não é como um estilo, mas
os pintores procuram os efeitos mais díspares através de suas linhas. A força e o
traçado, nas paralelas e direções ortogonais, são marcados pela grande predileção
nos quadrados obtidos pela projeção dos lados, maior e menor, do quadro e partir
desta formação dos quadros construir as demais figuras.
Soluções para a arte na idade contemporânea: A pintura como linguagem.
Os pintores empregam palavras de uso comum, a imposição da sintaxe pessoal e
os elementos reconhecidos no mundo exterior. Portanto, para se construir uma obra,
projetam as fórmulas de seu espírito sobre a diversidade das coisas. Assim, a obra se
converte em uma síntese, à qual devem contribuir todos os recursos da arte. Com uma
nova linguagem, desenvolvida a partir do século XX, alguns pintores enfrentaram as
120

novas situações sobre o uso da terceira e da quarta dimensão, outros as harmonias e as


cores puras e um terceiro grupo se preocupou com as linhas geométricas que regulam
a composição plana. Charles Bouleau (1996), esclarece algumas investigações:

Estas investigaciones modificaron profundamente el propio vocabulario. Los


elementos reconocibles fueron sustituidos por formas a veces alusivas, a
veces puramente geométricas, y hasta fortuitas, que seguían sin embargo
siendo signos y que nos aportaban un mensaje, sobre todo cuando las

organiza un principio intelectual (BOULEAU, 1996, p.223).

Toda a arte tem um significado e carrega uma bagagem de pensamentos,


de sentimentos, de percepções. A linguagem das imagens é direta, rica e poderosa
e para conhecê-la será preciso interpretar os signos e entender suas percepções.
Com a ajuda da leitura de Prette, através da forma, espaço e cor, e pela geometria
de Boleau na arte monumental, geometria do renascimento, números áureos, pelo
movimento, pelas tramas do século XIX e pelas soluções da Idade Contemporânea,
vamos desvendar o mistério.

3.2.2. A Leitura da Imagem Sacra através das teorias da Semiótica: sígnica e


perceptiva

As imagens sacras e seus significados foram codificadas pela Igreja,


acredita Prette (2009). As figuras escolhidas como culto e a arte deveriam servir
como instrumento de divulgação e de ensinamentos para o povo. Hoje em dia fica
difícil identificarmos todos os santos que compõem a arte sacra desde os primeiros
séculos, mas com base no sistema de signos iconográficos, como as figuras, objeto e
símbolos, muito rico e variado, conseguimos ler estes conteúdos. Denominados como
atributos, estes signos são determinados pelas auréolas que circulam em volta das
cabeças, como um halo de luz em sinal de santidade, as marcas na palma da mão
como sinônimo das chagas da crucificação e o livro que indica um doutor da Igreja em
obras de teologia, entre outros signos.
121

Alguns signos específicos diferenciam os santos. São atributos, e podem ser


mais que um, que se dividem entre principais e secundários.

Tomamos como exemplo a imagem de uma pintura do século XV, pintado


por Francesco del Cossa e exposta na Pinacoteca de Brera, em Milão (figura
43). Temos a obra que representa São João Batista. É um texto visual,
carregado de atributos, símbolos e significados. Segundo o Evangelho, João
foi o precursor de Cristo, a quem batizou no Rio Jordão (de onde vem o
nome Batista). Podemos identificá-lo pelo atributo principal (figura 44): o
bastão com a imagem do cordeiro (símbolo de Cristo). Veste uma pele de

43 44

43. Pintura sacra de São João Batista, que foi o precursor de Cristo, do artista Francesco del Cossa,
século XV, exposto na Pinacoteca de Brera, Milão. 44. Detalhes carregados de atributos e significados:
bastão com a imagem do Cordeiro que é o símbolo de Cristo, vestimenta de pele de camelo para provar
que viveu no deserto uma existência de privações, o lagarto pintado aos seus pés é o símbolo deste
ambiente árido e selvagem.
122

camelo (atributo secundário) e explica porque viveu no deserto


uma existência de privações. E o lagarto pintado aos seus pés é o

símbolo deste ambiente árido e selvagem (PRETTE, 2009, p.15).

A arte sacra de Cláudio Pastro é envolvida por signos sagrados,


principais e secundários, e carregado de uma grande simplicidade e de
delicada beleza. De acordo com a estética, entendemos que a construção de
uma semiótica própria, vai de acordo nestes signos encontrados na remota
história. A sacralidade dá-nos a sensação de bem-estar e invoca uma leveza.
É o resultado do equilíbrio criado do caos exterior e a paz interior, do ser, do
templo e dos signos sacros, culminando para uma adoração ao sagrado.
Desde a similaridade com a arte desenvolvida do Egito antigo,
suas fontes de influência transitam pela arte paleocristã, bizantino e pelo
barroco brasileiro, derivando para uma arte sacra contemporânea e atual
que conquistou o Brasil e o mundo e que vem ganhando sempre novos
apreciadores e pesquisadores desta nova linguagem. Esta arte fala por si
mesma, por meio de seus materiais, de suas formas e de sua iconografia.
Sua arte monumental exerce uma força que desafia o homem a reorganizar
seus pensamentos e entrar em uma nova dimensão.
Com uma técnica desenvolvida na Itália, França, Espanha, México e
Brasil o artista mostra como inovou e criou parâmetros para um novo estilo
estético, moldado através do uso de materiais, formas, traçados e cores. A
linguagem, que se aproxima do desenho como ilustração, é percebida em
toda a sua obra.

3.2.3. Aplicação das teorias de leitura semiótica da imagem, nas obras


de Cláudio Pastro, segundo Carla Prette e Charles Bouleau

As leituras da semiótica da imagem a seguir estão representadas


em esquemas, tramas e geometria, sobre a obra do “Cordeiro Imolado,
nas montagens que se encontram no intervalo deste capítulo.” Imagem do
123

“Cordeiro Imolado e ressuscitado com a cruz”, com referências ao sacrifício pascal


como centro da fé e ao Livro do Apocalipse, capítulo 5, versículo 9 e capítulo 11,
versículo 19.
A imagem analisada é de uma fotografia e também da percepção da obra
original na basílica. Como está localizada há 15 metros de altura, além da leitura do
original, também foi preciso da ajuda de uma fotografia da obra para a análise. A cor
dourada da cruz nesta fotografia, dos vasos laterais, da escrita e dos candelabros,
aparece no tom dourado escuro muito próximo da cor castanho escuro. Originalmente
ela é dourada e, dependendo da posição do observador, esta cor aparece mais clara
ou mais escura.
Buscaremos em cada autor, seu olhar específico para a leitura de cada parte
fragmentada desta obra para a construção da semiótica da imagem. Para a teoria de
Prette, a leitura foi feita pela construção da forma, ponto, contornos e linhas, simetria,
e as características da cor. Na teoria de Bouleau será decifrada a arte monumental,
a geometria no renascimento, números áureos e a circularidade, o movimento e
as composições dinâmicas, a trama pictórica do século XIX e sua relação com a
contemporaneidade.

A leitura das obras de Pastro de acordo com os estudos de Carla Prette


Forma: Logo de imediato observamos a forma de um quadrado vermelho, que
é a base do sacrifício do Cordeiro, e envolto em uma moldura branca. Com formas
simplificadas, recheadas de curvas em uma delicadeza similar à arte egípcia, o painel
é composto por dois vasos com fumaças que lembram dois pilares, uma cruz fincada
no altar de duas pontas, a figura de um cordeiro branco, contornos de um grande
cavalo e sete candelabros pendurados.
Nesta moldura branca, os vasos, com formas triangulares, estão situados à
direita e à esquerda do quadrado vermelho, e estão decorados com faixas chapadas e
frisos brancos, exalando uma fumaça continuamente.O altar, de tom castanho escuro
com duas pontas, apresenta na ponta da esquerda o símbolo de alfa em dourado, e
na ponta da direita o símbolo do ômega na mesma cor dourado escuro. No centro
deste altar há a inscrição do texto do Apocalipse também em dourado, “Redimiste
124

para Deus, por teu sangue homens de toda tribo, língua povo e nação”. Uma cruz em
tom de dourado, em primeiro plano, brilha como o texto da Escritura, de mesmo tom.
Destaque para a figura do Cordeiro, de cor branca, que se revela no fundo vermelho.
A figura de contorno vazado, do grande cavalo, se confunde com o mesmo fundo
escarlate. Acima e pendurados, encontram-se os sete candelabros dourados, em
formas triangulares e sua luz circular (figura 36).
Suas formas com traços simplificados lembram a arte egípcia e a arte para
o culto, os vasos laterais a queimar o incenso, os candelabros e a própria cruz,
fazem menção a este culto. O animal como simbolismo divino, como o cordeiro e sua
representação de Jesus, o filho de Deus e o grande cavalo que irá carregá-lo para a
ressurreição. A bi dimensionalidade de seu painel de azulejos e suas cores chapadas
como o vermelho, branco e os tons de castanho escuro e dourado, reforçam a relação
com a arte do antigo Egito (figura 45).
Além do quadrado vermelho, o retângulo do altar, os círculos da luz dos
candelabros, a forma triangular aparece com bastante intensidade. Observamos os
triângulos nos vasos laterais, nos candelabros, e nas junções dos vasos com a parte
superior do candelabro central, das extremidades horizontal da cruz e sua ponta
vertical inferior e o retângulo reaparece na forma não definida das fumaças dos vasos
laterais (figura 46).
Ponto: Quando entramos no interior da basílica, ao chegarmos à ala leste,
vemos de longe um ponto vermelho que se destaca dos demais painéis, pela cor
(figura 47). Ao nos aproximarmos, este ponto vermelho torna-se quadrado, e dentro
dele aparece outro ponto, formado pelo contraste do branco com o vermelho, que é
a figura branca do cordeiro imolado bem ao centro deste quadrado rubro (figura 48).
Contornos e linhas: Todas as figuras são construídas com linhas retas e
curvas, mostrando uma delicada construção figurativa. O grande quadrado de linhas
retas, formado pelo contraste do vermelho e do branco, é base deste painel. A figura
da cruz em linhas retas no tom dourado, que clareia ou escurece, dependendo da
posição do olhar, sem contorno definido, aparece através do contraste do castanho
escuro e o fundo vermelho. O altar em castanho escuro também com suas linhas retas
e angulares, como um retângulo, sem contorno definido, revela o texto da Escritura
125

45

45. Pintura antiga egípcia no interior da tumba de Ramsés I. A Lei da frontalidade predomina
nos desenhos e suas representações. Pés e cabeça para o lado e tronco e corpo para frente.

46

46. Esquema das formas sobre a obra do Cordeiro Imolado. Círculos em azul, retângulos em
verde e triângulos em vermelho. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.
126

47

47. Vista dos painéis que compõem os Fundamentos de Nossa Fé. No alto de 15 metros do chão, de
longe vê-se o ponto formado pelo quadrado vermelho. Foto: Arquivo pessoal. Cortesia: Cláudio Pastro.

48

48. Esquema do ponto sobre a obra do Cordeiro Imolado. Nota-se a formação do ponto na figura central
do Cordeiro, e única de cor branca, no quadro vermelho. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.

só de contornos no dourado escuro. O cordeiro branco, com contornos definidos em


castanho escuro, figura ao centro. Logo atrás, o grande cavalo, só com contornos
brancos e linhas curvas, se funde ao vermelho. Os candelabros dourados, com listras
e um fino contorno branco, mostram uma luz circular, sem contorno definido formado
através do contraste do vermelho com a luz branca. Nas laterais, vasos dourados, sem
127

contornos definidos, formados apenas pelo contraste do fundo branco com o dourado,
deixam subir em linhas sinuosas sua fumaça. Na sequência dos candelabros iguais,
é formada uma linha horizontal que atravessa o quadrado vermelho e, na junção
dos vasos e suas fumaças são formadas, na direita e na esquerda, linhas verticais a
atravessar a moldura branca (figura 49).
Simetria: Se dividirmos o painel ao meio, através de um eixo vertical, temos
a distribuição das formas regulares e elementos, num equilíbrio visual e harmonioso
que agrada aos olhos atentos. Do lado esquerdo três candelabros e meio dividem o
espaço com metade da cruz e altar e um vaso com sua fumaça. A massa de texto
com a letra alfa também é dividida de forma igual, assim como o quadrado vermelho
e a parte traseira do grande cavalo, que distribui seu peso com a metade frontal do
cordeiro branco. Do outro lado, o lado direito, temos as mesmas figuras e elementos,
apenas modificada com a letra ômega do altar e invertida com a parte da frente do

49

49. Esquema dos contornos e linhas sobre a obra do Cordeiro imolado. Os contornos estão em traçados
contínuos e as linhas imaginárias em tracejados. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.
128

cavalo e a traseira do cordeiro. Se a divisão for através do eixo horizontal, temos na


parte superior o peso dos candelabros que se contrapõem com o peso dos vasos e o
altar. O grande contorno suave do corpo do cavalo se equilibra com o corpo pequeno,
mas marcante, do cordeiro (figuras 50 e 51).
Característica da cor: A cor pura e primária, como o vermelho, aparece com
grau máximo de saturação e intensidade cromática, num efeito devastador que chama
a nossa atenção e nos hipnotiza. A maior área desta obra está coberta por esta cor
de escarlate pulsante e rubro intenso. O branco, o dourado e a cor secundária do
castanho escuro, vêm como contraponto deste intenso vermelho. As cores luminosas,
como o branco e o vermelho, avançam em nossa direção como a luz do sol e seus
raios ultras violeta, já a cor escura como o castanho escuro, afasta-se de nós.
Uma cor especial utilizada pelo artista, o dourado, faz os dois papéis. Dependendo
do posicionamento dos olhos e a luz natural do dia, a cor dourada fica com mais
luminosidade aproximando-nos ou, mais escura, afastando-nos.
Para a leitura sobre a psicodinâmica, há uma leveza causada pelos brancos
laterais, alegria e agitação na cor quente vermelha, na sobriedade do castanho ou
dourado. O conceito psicológico das cores utilizadas está relacionado com associações
subconsciente em face das experiências recentes e das vivências anteriores. A
utilização destas cores ativa a mente, estimula, desperta e instiga o observador,
provocando seus impulsos e instintos.

A trama e a geometria de Charles Bouleau nas obras de Cláudio Pastro


Arte monumental: De grandiosa dimensão, o painel de 5 metros de altura por
7 metros de largura, atinge sua condição de monumental. Sua escala, que ultrapassa
as proporções da medida do homem atual, age em um campo visual acima da linha
do horizonte, numa altura aproximada de 15 metros, como no céu celeste, numa
contemplação incessante. O movimento do espaço que envolve a obra e a quantidade
de observadores a percebê-la, atestam sua categoria de arte monumental (figura 47).
A geometria no renascimento: Como uma perspectiva italiana, mais
abstrata e linear, o painel forma uma teia a partir do centro. É a partir deste centro
que são determinados os planos para estabelecer a profundidade da obra. A partir da
129

50

50. Esquema de simetria sobre a obra do Cordeiro Imolado. Os elementos da esquerda são
iguais ao da direita nas formas, quantidade e tamanho. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.

51

51. Esquema de simetria sobre a obra do Cordeiro. Os elementos se diferem nos animais e
nas letras alfa e ômega, mas há um equilíbrio. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.
130

sobreposição de suas formas, em primeiro plano vemos a cruz, na sequência o altar


com o Cordeiro Imolado, depois os contornos do grande cavalo, seguindo os sete
candelabros e por fim, o imenso quadrado vermelho (figura 52).
Os números áureos e a circularidade: Os círculos, formas preferidas nos
quatrocentistas, aparecem como ornamentos na obra do Cordeiro Imolado. Como a luz
do sol, aparecem em volta das chamas dos candelabros pendurados e nas fumaças
que ladeiam o quadro vermelho. Observamos os meios círculos, que se unem, para
formar uma delicada textura repleta de linhas sinuosas. O pentágono, formado na
união dos pontos áureos, é percebido através dos pontos localizados na parte superior
do candelabro do meio, nas extremidades dos candelabros, das pontas, esquerda e
direita, na pata traseira direita do cavalo e, por fim, na pata dianteira esquerda do
mesmo cavalo (figura 53).
O movimento e as composições dinâmicas: Num primeiro momento, tudo
parece calmo e estático. Ao observarmos mais detidamente, notamos os movimentos

52

52. Esquema de geometria e tramas sobre a obra do Cordeiro Imolado. A teia é formada a partir do
cordeiro e atinge todos os outros elementos, como uma planta. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.
131

53

53. Esquema de geometria e tramas sobre a obra do Cordeiro Imolado. Os círculos e o semi-círculos
estão presentes como ornamentos. A partir dos pontos áureos do pentágono saem as retas para
posicionar todos os elementos. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.

delicados que expressam toda a dinâmica da obra. Movimentos de articulação dos


animais, nas cabeças, a do cavalo para baixo e a do Cordeiro para cima. O levantar
das patas, da direita do cavalo e da esquerda do Cordeiro. Movimentos da natureza,
como a fluidez da água, a derramar o sangue do ferimento do Cordeiro. Também
da natureza vem o movimento do vento, com as fumaças a sair dos vasos laterais
e o movimento do fogo nas labaredas dos candelabros. Para Bouleau, algumas
linhas e formas fazem referências a elementos que lembram os movimentos. As
linhas serpentinas que saem dos vasos laterais lembram o rastejar das serpentes
em constante movimento, e a forma piramidal que lembra o formato do fogo em
movimento incessante. O triângulo, das pirâmides, aparece em todo o painel, nos
candelabros, nos vasos, e também não tão visível, mas mesmo assim presente, na
junção dos candelabros das pontas com a base da cruz e, na junção dos vasos com
132

o cruzamento da mesma cruz, que é o centro do painel (figura 54).


A Trama pictórica do Séc. XIX: Em toda a obra reina a simplicidade. A
simplicidade das linhas e contornos, a simplicidade das formas, a simplicidade das
cores, a simplicidade dos materiais e a simplicidade da composição. Do ponto de vista
técnico, a armadura do retângulo aparece com força nesta obra e é responsável pelos
diversos efeitos que a compõem. Da parte superior do candelabro do meio descem as
diagonais para os vasos, que servem como base para as outras diagonais. As linhas
paralelas verticais, a partir dos sete candelabros, e as linhas paralelas horizontais, a
partir do altar e da cruz, cortam-se construindo as ortogonais que é a base da trama
do século XIX (figura 55).
Soluções da Idade Contemporânea: A contemporaneidade se revela na
pintura como linguagem. Os azulejos pintados, e queimados no Paraná, trazem uma
arte figurativa de estilo único e pessoal com referências no passado, mas extremamente

54

54. Esquema de geometria e tramas sobre a obra do Cordeiro. Nos traçados contínuos, em amarelo,
vemos todos os movimentos, e sua dinâmica, visíveis, como a fumaça e os biomecânicos. E nos
tracejados, os invisíveis como o triângulo e a relação com o fogo. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.
133

55

55. Esquema de geometria e tramas sobre a obra do Cordeiro Imolado. As paralelas principais, em
amarelo, foram formadas a partir das linhas dos candelabros. A partir destas paralelas formam-se as
ortogonais para a base da construção dos elementos. Montagem sobre foto: Egidio S. Toda.

atual. As cores puras, do vermelho, branco e do dourado, e suas linhas geométricas


de contornos delicados, ora retas ora sinuosas, regulam a composição de sua obra,
plana. Pastro utiliza uma sintaxe própria para expressar a liturgia e todo o ensinamento
cristão. Estuda de forma nada comparável a distribuição dos elementos, reconhecidos
por todos, para formar um novo conjunto, e o conjunto para compor toda a obra.
A função do pesquisador é dar continuidade e aprofundamento às grandes
descobertas que envolvem a Arte, Ciência e Tecnologia. Uma grande surpresa
aconteceu durante meus estudos em Arte Bizantina em Istambul, na Turquia. Por
isso, a próxima etapa deste trabalho de pesquisa e investigação, deverá ser o de
desvendar as relações, proximidade, referências e intuição da igreja primitiva, com
o processo de comunicação que o artista Cláudio Pastro aplica tão apropriadamente
nos dias de hoje, na obra da Basílica de Aparecida.
134

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentre os anseios, expectativas e descobrimentos da linguagem artística


que o artista Cláudio Pastro desenvolve na Arte sacra e que começaram na Catedral
do Campo Limpo, culminando na Basílica de Aparecida, como a construção de sua
Obra Prima, tive a felicidade de estudar e pesquisar com a ajuda da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, o Mack-Pesquisa e a Bolsa de estudos e intercâmbio
acadêmico Santander e concluir com satisfação este projeto.
Com as aulas de conhecimento e saber, passadas pelo corpo docente da
Pós-graduação da UPM Mackenzie através do Programa de Educação, Arte e História
da Cultura, associada à aceitação pelo Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, de
Barcelos, Portugal, sob co-orientação da Professora Doutora Paula Tavares em um
período de 6 meses, tive o privilégio de adicionar informações importantes e cruciais
para a elaboração desta pesquisa.
A complementação deu-se com as viagens e estudos sobre a Arte Bizantina
,pela Turquia e os estudos em Arte Contemporânea, pela Alemanha.
Com um projeto multidisciplinar, abrangendo as áreas de História, Arte e
Cultura, vimos no Capítulo 1 a história e a cultura sobre a aparição da imagem da
Nossa Senhora da Imaculada Conceição e a necessidade da construção da Basílica
de Nossa Senhora de Aparecida. No capítulo 2, tivemos uma visão geral sobre todas
as obras que foram e que ainda estão sendo desenvolvidas no interior deste templo.
Capelas, naves, Altar central, áreas internas e externas, sua linguagem, os materiais
utilizados e sua comunicação. Já no capítulo 3, deu-se a leitura completa do painel
do “Cordeiro Imolado e Ressuscitado com a Cruz”, que faz parte dos painéis da Nave
leste, nos “Fundamentos da Nossa Fé”, representando a ressurreição de Cristo.
Depois de reunir tantos elementos de pesquisa, tornou-se possível chegar
com mais propriedade à análise da obra do artista na Basílica de Aparecida e sua
contribuição para a comunicação religiosa e para o culto. De partida, o entendimento
do contexto sociológico de per si permite compreender o quanto a religiosidade
mariana já estava arraigada no patrimonio religioso da população do Brasil, enquanto
colônia, principalmente nas Capitanias de São Paulo e do Rio de Janeiro, de onde
135

partiam as expedições à busca do ouro. Nesse afã também carregavam consigo a


religiosidade, que se impregnou na população do Vale do Paraíba do século XVIII.
Nesse contexto, a descoberta da imagem de Nossa Senhora e a realização dos
milagres, nela concentrou todas as energias devocionais dos povos locais e para
aqueles distantes, para onde se dirigiam as expedições. O agregamento de sempre
mais devotos levou à necessidade de construção de duas capelas, da Basílica Velha
e finalmente da atual Basílica, na condição de Santuário Nacional.
É nesse contexto histórico que a administração do Santuário de Nossa Senhora
Aparecida, ao concluir a obra civil da nova basílica, se vê ante o desafio de promover o
seu acabamento interno de forma tal que fosse um elemento importante na propagação
da fé. A escolha de Cláudio Pastro, entre outros 20 artistas especializados, evidencia
o cuidado que se teve em garantir que o artista escolhido levasse em conta na obra
todo esse patrimônio devocional que tivemos oportunidade de ver ao longo do primeiro
capítulo. De fato, pudemos observar pelo passado histórico e atividades atuais de
Cláudio Pastro, que ele é um artista sacro de profundo conhecimento litúrgico, que foi
capaz de imprimir em sua mensagem artística o conteúdo liturgico e evangelizatório
que dele se esperava, sem perder de vista o zelo e o esmero pela construção da obra
de arte. O material utilizado, principalmente da azulejaria dos painéis, até o detalhe do
acompanhamento de sua queima, são rica evidência do esmero a que nos referimos.
Por fim, chegamos à leitura completa da imagem, com a leitura da Imagem
Pensamento e a Semiótica da Imagem, cuja análise semiótica está profundamente
baseada nas teorias da imagem de Carla Prette e de Charles Bouleau e do pensamento
baseados nos teóricos, Gilles Deleuze, Henri Berguson, George Berkeley, Michael
Foucalt, Maurice Merleau-Ponty, Jacques Ranciere, entre outros e as aulas de Teoria
da Imagem pelo mestrado em Ilustração e Animação, do IPCA de Barcelos.
Através destes teóricos, da Leitura da Imagem, pudemos observar com que
proporcionalidade e presteza o artista executa a sua obra, além de fazer reminiscência
ao passado distante da arte egípcia e aos primórdios dos ensinamentos cristãos com
a arte bizantina. O artista, seguindo padrões rigorosos, alcança de forma eficaz o
grande público e nos remete ao pensamento de Horkheimer – Adorno, referido por
Wolf, que nos permitimos rememorar:
136

As obras de linguagem simples paralisam a imaginação e a espontaneidade,


pela sua própria constituição objetiva. Elas são feitas de modo que sua apreensão
adequada exija por certo presteza de intuito, dons de observação, competência
específica, mas também proíba por completo a atividade mental do espectador …
(WOLF, 2005, p.79).
A elaboração desta dissertação, como gostaríamos de registrar, foi um
exercício muito gratificante, porque antes de chegar à análise técnica da obra de
arte, suportada por tantos autores especialistas, dos quais lançamos mão, tivemos
a oportunidade de contato frequente com as obras de arte da Basílica, franqueadas
pelo seu reitor, Pe. Darci Nicioli, bem como uma longa conversa com o artista, Cláudio
Pastro, para compreender os motivos que o impulsionaram.
137

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CMA – Cúria Metropolitana de Aparecida. I Livro do Tombo da Paróquia de Santo
Antônio de Guaratinguetá.
Doc. 1: Atas do Conselho Administrativo Interno da Basílica – Centro de Documentação
e Arquivo - CDM – Centro de Documentação e Memória da Basílica de Nossa Senhora
Aparecida.
Doc. 2: Autor desconhecido - Construção da Nova Basílica – Documentário e Notícias
– 1955 a 1988. Aparecida, CDM – Centro de Documentação e Memória da Basílica de
Nossa Senhora Aparecida, 1992.
Foto no. 2372: Placa de responsabilidade civil pela obra – Arquivo do CDM - Centro de
Documentação e Memória da Basílica Nacional de N. Sra. Aparecida.
Foto no. 4037: Morro das Pitas – antes dos trabalhos de terraplenagem – Arquivo do
CDM - Centro de Documentação e Memória da basílica Nacional de N. Sra. Aparecida.
Foto no. 2706: Morro das Pitas – trabalhos de terraplenagem - Arquivo do CDM -
Centro de Documentação e Memória da Brasília Nacional de N. Sra. Aparecida.
Foto no. 2593: Início das obras de concretagem da Nave Norte (observa-se o
arquiteto Benedito Calixto ao centro de terno e boina) - Arquivo do CDM - Centro de
Documentação e Memória da Basílica Nacional de N. Sra. Aparecida.
Foto no. 2684: Início das obras da Nave Norte (da direita para a esquerda: cardeal
Dom Carlos Motta, arquiteto Benedito Calixto, um padre redentorista e Dom Macedo
– bispo auxiliar) - Arquivo do CDM - Centro de Documentação e Memória da Basílica
Nacional de N. Sra. Aparecida.
140

Foto no. 2461: Vista das obras da Nave Norte - Arquivo do CDM - Centro de
Documentação e Memória da Basílica Nacional de N. Sra. Aparecida.
Foto no. 2631: Nova vista das obras da Nave Norte – Arquivo do CDM - Centro de
Documentação e Memória da Basílica Nacional de N. Sra. Aparecida.
Foto no. 3056: Vista das obras da Nave Norte – estruturas de madeira para sustentação
da concretagem das arcadas - Arquivo do CDM - Centro de Documentação e Memória
da Basílica Nacional de N. Sra. Aparecida.
Foto no. 2830: Vista Geral das obras da Nave Norte – Arquivo do CDM - Centro de
Documentação e Memória da Basílica Nacional de N. Sra. Aparecida.
Foto da Inauguração da Torre da Basílica (com a presença do então presidente da
República, JuscelinoKubitschek e do Cardeal Motta) - Arquivo do CDM - Centro de
Documentação e Memória da Basílica Nacional de N. Sra. Aparecida.
Foto da Planta do Santuário- Arquivo do CDM - Centro de Documentação e Memória
da Basílica Nacional de N. Sra. Aparecida.
Ecos Marianos, no. VII – 1940.
Ecos Marianos, no. VII – 1949.
Ecos Marianos da Basílica Nacional – A planta da Basílica Nova – 1952.
Ecos Marianos – Suplemento do Santuário de Aparecida – 1952.
Ecos Marianos – Suplemento do Santuário de Aparecida – 1953.
Ecos Marianos do Santuário de Aparecida – 1982.

Periódicos
Jornal O Lince – Aparecida – 09 out 2012.
Jornal O Lince – Aparecida – Ano 2, nº14, fev 2008).
Jornal OESP – O Estado de S.Paulo, 05 jan 1961.
Jornal OESP – O Estado de S.Paulo, 05 jul 1980.
ZACCARO, Nathalia. O artista do Papa. Revista Veja São Paulo, 05 jun 2013.

Assessoria
Press Kit Imprensa. Assessoria do Santuário Nacional, 2012.
141

Internet
Cronologia Histórica da Basílica Nova ou Santuário Nacional de Nossa Senhora da
Conceição Aparecida – http://www.a12.com/santuario/media/arq/ Cronologia_do_
Santuario.pdf - em 29/09/12.

Entrevistas
CUNHA, Zenilda. Orientadora de visitas do Santuário Nacional de Nossa Senhora
Aparecida. Aparecida, São Paulo, em 24/11/2011.
PASTRO, Cláudio. Artista de arte sacra. São Paulo, São Paulo, em 07/09/2012.
NICIOLI, Darci. Reitor do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida. Aparecida,
São Paulo, em 12/09/2012.

Aulas
LIMA, Luís Filipe Monteiro. Teorias da Imagem. Mestrado de Ilustração e Animação
pelo IPCA-Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, Barcelos, Portugal, em 17, 18, 24
e 25/05/2012.
142

ANEXOS

ANEXO 1
ENTREVISTA COM O SACRO PLÁSTICO CLÁUDIO PASTRO

1º. BLOCO
Eu sou Egidio Shizuo Toda. Hoje é 7 de setembro de 2012, às 18h35. Entrevista
com o artista sacro brasileiro Cláudio Pastro, responsável pela arte interna da basílica
de N. Sra. Aparecida. Esta entrevista faz parte da pesquisa de mestrado em Arte,
História, Comunicação e Cultura, pela Universidade Mackenzie.

1. Egidio - Sobre sua História. Poderia falar um pouco de sua infância e


adolescência?
Pastro - Minha infância e adolescência já faz tempo, uma vez que estou com
64 anos. Eu vivi a infância e adolescência numa época muito boa, quando graças a
Deus não tinha televisão e os meios de comunicação como tem hoje. Para mim isso
era ótimo, porque eu vivi. Não havia qualquer coação, da parte dos professores e dos
pais, para que você fosse isso ou aquilo. A gente acreditava que a vida, em termos de
opções profissionais, era uma resposta à vocação. Então foi um período maravilhoso.
Minha infância … eu nasci na rua Frei Caneca, quando a Av. Paulista não era assim.
Era muito diferente. Nasci num hospital próximo da Paulista (Maternidade São Paulo)
e morávamos na altura do número 600 da rua Frei Caneca. Depois, nós fomos viver
em frente às Irmãzinhas da Assunção, cujas primeiras irmãs eram de origem francesa
e os padres holandeses. Naquela época quase não havia padres brasileiros. A própria
cidade da São Paulo, na década de 50 era uma cidade européia. Imagine que, pelo
menos aos domingos, tínhamos a obrigação de falar em francês na mesa. E na igreja,
as Irmãzinhas da Assunção eram mulheres firmes. A missa era naquela época em
latim, mas já tínhamos algumas missas rezadas de frente para o povo e algumas em
português. Muito antes do Concílio Vaticano II. Quem é católico sabe que isso era
terrível, porque naquela época, por exemplo, nós católicos éramos proibidos de ler
a bíblia. Isso faz parte também da nossa história e precisa ser contado. Mas nós já
143

líamos (a bíblia) com elas, com as irmãs. E havia alguns movimentos. Por exemplo,
nós crianças, adolescentes e depois jovens fazíamos parte de algumas equipes, que
eram chamadas: “equipe Partis”, “equipe Lumen Christi”, “equipe Gaudium Christi”,
através das quais disputávamos de tudo, desde conhecimento, até jogos, futebol
e outras coisas, fazendo parte então da igreja que era no próprio convento das
Irmãzinhas da Assunção. Depois elas perceberam que eu gostava de arte. Eu me
conheço sempre com arte, desde os quatro ou cinco anos de idade. Minha mãe era
modista, era costureira. Então eu ficava de olho em como ela desenhava as roupas.
Naquela época não se tinha grandes elementos. Por exemplo, papel era uma coisa
que não existia para a gente praticamente. Então minha mãe juntava papel de padaria,
que era um papel escuro, acinzentado, onde se punha o pão, e a gente desenhava ali.
Então, às vezes ela se sentava na escada de casa e pedia que eu desenhasse o que
eu quisesse, enquanto ela fazia os desenhos dela.
2. Egidio – então nessa época eu imagino que você se descobriu como artista
plástico, nesses ensaios, papéis, nesses primeiros contatos com esses materiais? E
a sua mãe pode ser considerada a pessoa que o instigou a desenvolver esse trabalho
artístico?
Pastro – não necessariamente. Um pouco talvez indiretamente. Mas, por
exemplo, na igreja, tudo era muito bonito, muito elegante, tudo era muito cuidado.
Então por exemplo não se falava na igreja em hipótese alguma. O que se fazia eram
pequenos sinais para se falar fora. As mulheres tinham que se vestir muito bem – de
preferência todas as mulheres usavam véu. E se a camisa era como a minha (de
mangas curtas) punha também um véu na mulher, porque isso já era indescente,
naquela época. Os homens tinham que usar paletó. No fundo da igreja havia uma
série de casacos para quem não tinha paletó.

2º. BLOCO
3. Egidio – a outra pergunta é sobre o início da carreira como artista plástico,
como foi e se alguém em particular o instigou?
Pastro – antes de mais nada é preciso dizer que a minha formação vem muito
da contemplação do próprio mistério. Desde adolescente e jovem, como na igreja
144

era tudo em gregoriano e em latim, onde ninguém entendia nada, mas não é preciso
entender, é preciso “entrar na dança”, como se fala, entrar naquele movimento, aquilo
era bom. Educou muito o meu espírito. Me deu um espírito, acredito que muito mais
forte, porque que eu vejo que hoje as pessoas são muito descentralizadas, não estão
centralizadas em si. Aí, respondendo à sua pergunta, eu penso que recebi muito
no convento das Irmãzinhas da Assunção, mas depois eu quis fazer Belas Artes.
Estudei sempre no Estado (em escola estadual). Naquela época os professores eram
excelentes e eles achavam que eu deveria fazer Belas Artes. Naquela época só havia
duas escolas de Belas Artes em São Paulo: o Liceu de Artes e Ofícios, onde hoje é a
Pinacoteca e a FAAP. Aquela época, dos anos 60, correspondia aos anos da Ditadura
e em termos de igreja, porque estamos falando de arte sacra, corresponde ao grande
evento do Concílio Ecumênico Vaticano II.
Nesse período, o papel era caro, o lápis era caro, porque tudo era importado.
Máquina fotográfica era caríssima e era luxo. Então nessa época, eu e minha família
não tínhamos condições. Aí, fui fazer o que era de moda na época, e era o curso
mais barato – foi o de ciências políticas - ciências sociais, pela PUC de São Paulo.
Terminei em 1972 e não aguentava. Eu nunca ouvi tanta bobagem na minha vida.
Em casa o estímulo era o contrário. Em casa eu chegava e desenhava, abusava da
mente. Quando terminei a faculdade, queria comprar um apartamento, como todo
jovem. Mas uns amigos meus, aos quais eu agradeço até hoje, me disseram: não, vai
pra Europa, você é novo. A Europa tem muita arte e assim você fica conhecendo muito
mais. De fato resolvi ir para a Europa. Eu tinha dado aulas em cursos de madureza
e de vestibular que estava começando (isso foi a fonte de algumas economias). Fui
para a Europa e fiquei encantado. Fui por um mês e fiquei três meses. Quando você
é jovem passa fome, vive com sanduíches, qualquer coisa serve.
Aí visitei alguns países da Europa, e quando voltei para o Brasil, durante um
ano não queria trabalhar. Eu achava aqui terrível, porque tudo é muito abrutalhado,
em termos de trabalho. E na Europa, era arte por toda parte. Nessa época meu gosto
pela arte foi se acentuando mais ainda.
4. Egidio – qual o primeiro lugar que você visitou?
Pastro – primeiro foi a Itália. Depois fui à França, fui à Espanha, à Portugal, à
145

Alemanha e à Inglaterra.
5. Egidio – Chegar à Europa pela Itália foi proposital?
Pastro – pela Itália, porque eu tinha amigos de lá no Brasil, que nesse caso
me ajudaram um pouco.
6. Egidio – Essa saída teve relação com a instituição na qual você estudava
à época?
Pastro – não. Fui por conta própria. Naquela época o professor ganhava muito
bem. É preciso saber disso. A tal ponto que ao invés de um mês na Europa eu fiquei
três e mais um ano sem trabalhar,porque eu podia. O ano de 73 foi o ano que eu não
trabalhei. Depois, através de amigos, comecei meus trabalhos. O primeiro trabalho
meu mais consistente, ligado à arte, foi num projeto da Prefeitura de São Paulo, na
região da Zona Leste – em Itaquera. E aí comecei a me dedicar mais à arte, quando
em 1976 ou 77, veio um grupo de italianos, amigos de amigos de amigos meus, entre
os quais um grande marchand, Francesco Ricci, que numa exposição de Itaquera eu
tinha 10 trabalhos e ele comprou os dez. A temática já era a temática sacra. Fiz uma
composição em couro para ser colocada numa porta de capela. Quando ele comprou
os 10 trabalhos era o mês de agosto. Por volta do mês de novembro, eu recebi cópia
dos 10 em postais de natal. Em abril do ano seguinte, na Páscoa, ele veio ao Brasil
e me deu dinheiro de direitos autorais. Então foi um estímulo muito grande. A partir
de então voltei as costas para todos os outros pensamentos e passei a me dedicar
exclusivamente à arte sacra.
Nessa época, também para sobreviver, dava aula de cerâmica para madames.
Por exemplo, dei aula na faculdade dos e das salesianas em Lorena. Em Santo André,
dei aula de estética. Eram coisas pra sobreviver, enquanto se firmava o aprofundamento
meu com a arte sacra e também até começar ser conhecido um pouco. Foi muito difícil.
Dificílimo, porque aqueles anos 70 e final de70 para 80, foi um período de ditadura,
pós concílio, etc, quando surge na Igreja a famosa teologia da libertação. E, creio eu,
que muito por causa da ditadura, a Igreja quis enfrentá-la e, nesse confronto, passa
a se dedicar, através da teologia da libertação, mais ao trabalho social do que a ela
mesma. Nesse momento em que eu estava surgindo, fui abafado, porque chamavam
arte de luxo. E não perceberam, intencionalmente ou não, porque era um misto de
146

teologia e de ideologia, que a arte é o maior ou o único elemento de comunicação


mais universal do ser humano. Um chinês, um japonês, um africano, um índio, se
comunica conosco pela arte tranquilamente e nós com eles. Enquanto a linguagem
é muito racional. Quando Gutemberg, aliás eu acho Gutemberg o homem mais chato
do mundo, criou a linguagem, era para nós ficarmos pensando e escrevendo e não
vivendo.
E também a arte tomou outros rumos nos últimos séculos,depois do
Renascimento. No caso cristão, então foi a morte da arte na Igreja, do renascimento
para cá. O grande pintor Matisse, que faleceu nos anos 50, que era da turma de
Picasso, e até disputavam a mesma mulher, dizia que o renascimento foi a desgraça.
Porque o renascimento tem toda uma outra postura, que é muito mais naturalista,
muito mais realista, cujo foco não é mais uma linguagem simbólica, como em todos
os povos e culturas primitivas. Então, por exemplo, a arte no primeiro milênio do
cristianismo, é uma arte que não se faz por encomenda. Se faz para celebrar um fato.
Os índios fazem arte para celebrar um fato. Ninguém encomenda um trabalho de
índio, pelo menos entre os índios. Em todos os povos primitivos (desde arte rupestre
– observação do entrevistador), a arte é celebrativa. Só na sociedade ocidental é que
ela vive o que nós vivemos hoje, e é o fim dela (da sociedade) tenho certeza, porque
ela fica remoendo em volta de si, e botando pra fora os seus vômitos. Ela não gira em
torno do cosmo. Na sabedoria das religiões, você faz parte de um cosmo muito maior
do que você mesmo. E o homem ocidental está preocupado só consigo mesmo, por
isso é que ele morre.
6. Egidio – Como foi a opção pela arte sacra?
Pastro – eu penso que desde criança. Tivemos a sorte de mudar de casa,
para outra em frente o convento das Irmãs da Assunção. Isso era no Tatuapé, na Zona
Leste. Tive essa sorte de receber muita cultura do lado delas. Também dos padres
franceses e holandeses, também da minha família, minha avó. Por exemplo, minha
avó de origem espanhola, ela juntava dinheiro o ano todo para, uma ou duas vezes,
ir ao Municipal numa ópera de uma grande personalidade que vinha a São Paulo.
Também do lado italiano do meu pai, de quem recebi meu nome, Pastro. Naturalmente,
por mais simples que a família fosse, havia o elemento arte dentro. Também percebo,
147

fazendo correlação com o que acontece hoje, que o dinheiro não era o centro da
família. Era o bem estar, era outro mundo.

3º. BLOCO
7. Egidio – Pastro, conte-me sobre a sua formação profissional e acadêmica.
Pastro – eu sou formado em ciências sociais. Nunca trabalhei com isso. Para
remuneração trabalhei com cursos, tanto de madureza quanto de preparação para
vestibular e até aulas de estética na faculdade. Mas quando o marchand me deu o
impulso primeiro, aí voltei à Europa e lá fiquei nos anos de 78 e 79, voltando em 81. Foi
quando estudei muito. Estudei na Academia de Belle Arte Lorenzo DaVitergo, na Itália,
onde fiz dois anos de curso direcionado para arte sacra. Mas os cursos eram mais
técnicos. Então, por exemplo, o conhecimento da pedra do arenito. O conhecimento
técnicas de afresco, técnicas a óleo, etc. Mas aí fiz outros cursos também, em paralelo,
por exemplo, na Catalunha, em Barcelona, no Museu Nacional de Artes da Catalunha.
Fiz também um curso muito bom de cerâmica no mosteiro beneditino de Turnay, na
sul da França. Então foram vários cursos que me ajudaram muito. Mas acredito que
o que mais me ajudou foram as viagens e as amizades, porque arte é uma coisa que
você tem que vivenciar. Não adianta ser muito teórico, muito embora eu pesquise
muito. Sou muito conhecedor, acredito eu, tanto em arte sacra quanto em liturgia.
Porque para fazer arte sacra você tem que conhecer profundamente liturgia. Então
não pode ser só arte sacra. Aliás não é só uma questão do tema. Arte sacra é uma
questão muito profunda. Por isso que nos meus cursos e livros faço bem a distinção
entre arte religiosa, que é intimista, subjetiva, devocional, e arte sacra, que é a arte do
culto. É bem diferente. A maior parte das vezes, a arte religiosa, devocional, contradiz
a própria fé. No caso, a fé cristã.
A gente encontra isso em outras religiões, por exemplo, é muito diferente o
budismo na China continental e no Tibet e no Japão, do budismo na China insular de
Formosa, onde já é um budismo decadente. Estabeleço o mesmo paralelo da arte
sacra e da arte religiosa. E assim outras religiões têm o mesmo problema, como o
islamismo, etc.
8. Egidio – Vamos falar um pouco sobre o trabalho. Além do trabalho que está
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sendo desenvolvido na Basílica de Aparecida, que outros você gostaria de destacar?


Pastro – há vários que gosto muito. Por exemplo, fiz a igreja do mosteiro das
beneditinas, aqui em Itapecerica da Serra. É uma igreja voltada para o sagrado. Entre
as monjas, e deveria ser também entre os monjes, mas o homem é mais fraco do
que a mulher, a educação da fé cristã é muito mais sadia. Então lá pude fazer a igreja
delas que considero um excelente trabalho. Depois, trabalhei em outros mosteiros.
Fiz o mosteiro do encontro, próximo a Curitiba, em Mandirituba, onde fiz a arquitetura
toda do mosteiro. Fiz o interior da igreja da Trapa, que está num mosteiro trapista
no sul do Paraná (Campo do Tenente). Aqui em São Paulo, que eu considero um
belissimo trabalho, não só a catedral do Campo Limpo, mas o trabalho que mais
considero é uma capela das irmãs argelinas. É uma capela que não tem bancos. É
uma igreja que eu acredito que daqui a mil anos vai estar sempre atual. É muito bonita,
na forma de tenda, aberta para todo o jardim e não tem bancos. Porque no cristianismo
também nunca houve bancos. Foi depois da reforma protestante, por influência do
protestantismo, que os bancos entraram na igreja católica romana. A igreja católica
oriental até hoje não tem bancos, à exceção de uma ou outra aqui no Brasil, que já
sofreu a influência ocidental. No exterior, eu gosto muito de um trabalho que fiz há
uns três anos atrás que foi a capela da adoração, no mosteiro de Helfta, na Alemanha.
Helfta é onde viveu Gertrudes, uma monja beneditina cisterciense, no século XII para
XIII. Era uma mulher excepcional. Ela fazia parte da grande trilogia, que era Gertrudes,
Mectildes e Hildegard Von Bingen. Quem a conhece, ela, juntamente com monjes,
no sul da Alemanha, fez a seleção da maior parte das plantas medicinais que nós
conhecemos hoje. Ela foi uma abadessa de mais de 2000 monjes. Ela, juntamente
com os monjes, num mosteiro que me falha a memória, no sul da Alemanha, junto
ao lago de Constança, junto à Alemanha, Áustria e Suiça, desenvolveram as verduras
que hoje nós conhecemos e comemos. Por lá também, pouco antes ou pouco depois
dessa mesma época, nasceu a cerveja como nós conhecemos hoje. Mectildes foi
outra grande mulher, e a Gertrudes, que foram o baluarte na Alemanha nesse período,
entre os séculos XII e XIII. Então fui convidado para essa igreja de Helfta. Helfta
fica ao lado da cidade de Eisleben, que é a cidade onde nasceu Lutero, do lado da
Alemanha Oriental. Quando fui trabalhar o muro de Berlim já tinha caído. Percebi
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que a Alemanha Oriental ainda era extremamente atrasada, mesmo agora, porque ela
está se desenvolvendo aos poucos. É interessante, porque as mulheres alemãs nos
últimos 10 ou 15 anos conquistaram novamente essas terras onde viveu Gertrudes,
reuniram dinheiro de todas as mulheres das paróquias da Alemanha, compraram essa
propriedade em que tudo estava em ruínas, depois de 800 anos. E aí se levantou tudo
e inclusive fui convidado para levantar a capela da Adoração, onde se diz que santa
Gertrudes teve suas primeiras visões místicas. É uma igreja bonita, toda em pedra,
que foi trabalho meu. Depois também tem algumas igrejas em Roma.
9. Egidio – sobre Roma: gostaria de comentar sobre uma observação de meu
orientador de mestrado, de que Cláudio Pastro é o único artista brasileiro que tem
uma obra exposta no Museu do Vaticano.
Pastro – não sei se sou o único. Em 1995 me foi pedido que eu criasse uma
imagem do Cristo para o terceiro milênio. Então eu preparei, baseado nos Cristos
Pantocrator, senhor do universo, que o Brasil não conhece porque nós não vivíamos
a 1000 anos atrás, 1500 anos atrás.Baseei-me nisso por que? Primeiro porque a Igreja
está voltada para o Concílio Ecumênico Vaticano II, e então se é ecumênico envolve
tanto o tempo cronológico como também todo o espaço e ecumênico, quer dizer, não
a ligação com igrejas não cristãs, abertura sim para todos, mas a idéia era de unidade
com as igrejas cristãs separadas. Então, por exemplo, graças ao Concílio Ecumênico,
de 50 anos atrás, dele participaram os padres e monges da Igreja Oriental. Então
mudou muito a cabeça da Igreja Católica. E nós recebemos uma grande influência
da Igreja Oriental na arte. Porque a Igreja católica romana, desde o século XI ela
chutou os artistas. A partir de então só chama os artistas quando têm grande nome,
para fazer um grande trabalho. Enquanto que na Igreja Oriental os artistas fazem
parte dos chamados grandes ministérios. Então têm bispo, padre, diácono e artista.
Assim o artista está envolvido pela igreja. Ele não é um simples artista, mas faz parte
dos cânones da igreja, em todos os sentidos. E aí, por exemplo, depois do Concílio
Vaticano ll, da década de 60 para cá, os católicos romanos, quer dizer, os católicos
do ocidente, não têm uma arte sacra precisa. Têm só uma arte religiosa e de baixa
qualidade. São esses santinhos que a gente vê por aí.
10. Egidio – sobre a basílica de Aparecida. Que tipo de demanda foi recebida
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do bispo e padres da Basílica de Aparecida. E, se eles já tinham uma idéia precisa do


que queriam ou isso foi um processo evolutivo consigo?
Pastro - Em 1997, Dom Aluízio Loscheider, que era o cardeal arcebispo de
Aparecida, me escreve uma carta, pedindo minha colaboração, se eu queria participar
de algum encontro, uma reunião, juntamente com outras pessoas, arquitetos, artistas.
Infelizmente tive que responder (negativamente), porque foi o primeiro momento, em
1997, que comecei a ter sinais de minha doença. Justamente naquela época tive que
permanecer três meses na cama, sob cuidados médicos, então não pude participar.
Escrevi uma carta (a Dom Aloísio) explicando porque não poderia participar e que
poderia colaborar de longe. Eu detestava Aparecida. Era cafona à bessa! Kilt à bessa.
Tudo de extremado mal gosto. Popularesco no sentido negativo da palavra. Era feio
à bessa. Então escrevi tudo isso. E de longe, porque não frequentava Aparecida,
porque nunca gostei, fiz alguns croquisinhos, que depois saíram no meu livro editado
pela Loyolla, chamado “Guia do Espaço Sagrado”, que está na quinta edição. E um
dos elementos era um baldaquino, uma espécie de nicho, onde ficava N. Senhora,
feito de concreto, que eu coloquei na minha planta, com uma setazinha, dizendo: “isso
tem que ir para o inferno”. Foi a minha sorte, porque era o que eles achavam e não
sabiam o que fazer. Então não participei em 97. Quando foi no final de 99 tive uma
segunda chamada. Dom Aluízio me enviou novamente uma carta, me convidando
para um encontro. Eu percebi então que de 97 a 99 não houve nada nesse sentido.
Em 99 ele me convida, mas eu chegando vi que havia várias pessoas conhecidas
minhas. Eu via a arquiteta, irmã Laide Somoda, das (irmãs) Pias Discípulas, havia
também uma outra grande arquiteta, Regina Machado, que também está ligada à
arte sacra. Havia também outras pessoas. Nós éramos umas vinte, vinte e poucas
pessoas, entre arquitetos e artistas. Quando terminou essa primeira reunião, eles
pediram para nós o que achávamos de Aparecida, e o que pensávamos que seria
possível para Aparecida.
A gente deu uma primeira idéia. Cada um deu a sua idéia. Então eles já
perceberam alguma coisa. Aí, depois de uns dois meses, eu recebo um segundo
convite para ir lá (à Aparecida). E percebo que não éramos mais 20 e sim 10. No
terceiro encontro não éramos mais 10, mas 4 ou 5. Então foi havendo uma seleção e
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eu fui dizendo tudo o que pensava, como sempre disse, até hoje. E acredito que foi
por isso que eu fui ficando. Ficamos esses nomes que eu já citei e depois, quando
eu já tinha sido transplantado de fígado, um belo dia Dom Aluísio Loscheider veio me
visitar no hospital e disse: “ Cláudio, a partir de agora é só você. Fica nas suas mâos”.
Aí eu ainda brinquei com ele: vocês ainda acreditam num pré-defunto? Eu achava que
realmente iria morrer logo, porque é muito duro o coma, transplante, de fato até hoje
estou metido nisso. Mas eu tento (me) desafiar. Trabalho sem parar.
11. Egidio – a próxima pergunta é inevitável. Por que você aceitou esse
trabalho, em função da seriedade da realidade que você vivia?
Pastro – não acredito com a maior sinceridade que foi por orgulho meu, porque
sabia que a tarefa era duríssima. Também, graças a Deus, eu tinha e tenho pessoas
que me assessoram muito bem. Imagine, em Aparecida, os empregados registrados
são 1.800. Mas eu trabalho numa equipe de cinquenta e poucas pesssoas, entre
arquitetos e engenheiros. Depois tem onde fazemos a azulejaria, porque ela (a
Basílica) está sendo revestida na maior parte por azulejos, que é no Paraná, em
Campo Largo. Ali temos umas 30 pessoas e um excelente pintor de azulejos, que é
meu amigo há muitos anos e que me é muito fiel. Se eu fizer um pingo errado, ele
copia o pingo errado. Então isso para mim é muito importante para um bom trabalho.
E a equipe que trabalha em Aparecida é realmente muito boa. Tudo o que é granito
vem de uma outra equipe também grande, de trinta pessoas. Então eu aceitei porque,
como se diz na gíria, eu entendia do riscado. Porque você não pode imaginar o que
tem por detrás.
Quando comecei o trabalho, tinha padres que achavam que eu deveria
transformar as janelas, porque janela para rezar tem que ser gótica. E eu dizia, mas
o edifício que é o que determina o estilo das janelas não é gótico, ele é basilical
românico, como nos séculos IV, V e VI.
Egídio: o próprio arquiteto Benedito Calixto define a basílica como neo-
românica.
Pastro – e de fato é neo-românica, porque ele concebe a arquitetura da basílica
no período dos neos – fim do século XIX e primeira parte do século XX. Então, nós
temos a catedral da Sé de São Paulo que é neo-gótica. Apesar de um certo ecletismo,
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ela é neo-gótica. Então tinha padre que queria revestir todo o interior da basílica com
mármore. Aí eu disse, então vamos entrar num grande túmulo… Depois tinha outros
que queriam que fizesse com gesso o barroco. E eu dizia, meu Deus, o barroco já
morreu fazem três séculos. No Brasil ficou um pouco mais, mas já morreu. Não há
nada de barroco na vida atual. Ainda mais depois do Concílio.
Um outro detalhe. Com que revestir as paredes? Eu sempre pensei no tijolo,
porque o tijolo é a terra brasileira. O tijolo, do ponto de vista físico é termo-acústico.
Ele é ótimo para um lugar aonde vão 30, 50 mil pessoas se agruparem dentro. Ele é
sonoro. Tem tudo isso. O fato de ser térmico é um elemento muito importante, apesar
de que a arquitetura do Calixto Neto é muito boa. Eu sempre digo, brincando, que a
Basílica de São Pedro, em Roma, tem três portas para você entrar e são as mesmas
três para você sair, sendo que uma fica sempre fechada. A basílica de Aparecida tem
24 pórticos, além da belíssima arcada externa que dá a volta nela toda. Então ela é
extremamente arejada, agradável. Você pode estar participando com outras 30 mil
pessoas lá dentro ou pode estar participando lá de fora, andando pelas arcadas que
são muito bonitas. Aliás, o Benedito Calixto Neto recebeu um prêmio lá no Vaticano
por esse projeto. Um grande prêmio na época. Acho que foi em 1952 ou 53.
Então pensei também, se eu for pintar a Basílica, primeiro que o afresco é
muito difícil e muito demorado, penoso, trabalhoso, duro. Depois se for pintar numa
outra técnica de afresco, sempre vai ter restauração. E quem conta um conto, aumenta
um ponto. Quem vai restaurar, já vai modificando. E nós somos um país tropical, onde
a arte sofre muito. Depois é um lugar cheíssimo de gente. Por exemplo, nos painéis
de azulejo, na semana passada, tinha funcionários de rapel limpando os azulejos a 45
metros de altura. O azulejo recebe, da multidão que vai lá rezar, o suor com sal e por
incrível que pareça, recebe também gordura do nosso corpo. É impressionante. Os
painéis são limpos a cada ano, ou no máximo, a cada dois anos, com muito cuidado e
sempre a gente percebe que tem sal e tem gordura.
Essa também é uma razão porque escolhi os azulejos. Fiquei pensando,
pensando e um dia disse, tem que ser azulejo. Eu conheço o Carlos Alvano, no
Paraná, que trabalha muito bem azulejo, e azulejo é uma linguagem que aguenta mil,
dois mil anos, se ninguém atacar. Quer dizer, a natureza em si não destrói o azujelo. E
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depois, pensei mais: é da nossa tradição Ibérica. Portugal e Espanha nos trouxeram
os azulejos. Vêm lá dos turcos, mas a raiz, o centro do azulejo é a antiga Babilônia.
Porque se você vai à Alemanha, por exemplo no Bauden Museum, no Pedragon
Museum, você vai encontrar os grandes portais da Babilônia. Aliás, isso me fascinou
há anos atrás e isso ficou em mim. Mas quando fiz o projeto da azulejaria não pensei
nisso. Estava inconsciente. Depois, refletindo é que passei a ter consciência disso.
Então o berço da azulejaria está onde hoje é o Irã e Iraque, que é, por incrível que
pareça, o berço do cristianismo. Porque de lá vem Abraão. Então é o início de judaísmo
e do cristianismo, consequentemente. Então une-se o princípio da fé e da azulejaria
lá no Irã e Iraque atuais. São até coincidências, mas felizes coincidências, que nos
permitiram fazer um bom trabalho.
Egídio: na verdade, você já começou falar, mas iria lhe pedir uma idéia geral
da obra de Aparecida. O que você acha importante de tudo isso que está sendo
construído. Tem o revestimento, o próprio tijolo, que tem a ver com a terra, os azulejos,
o uso do dourado que é uma referência ao bizantino.
Pastro – o ouro em todas as religiões é o material da divindade. Como o
ouro é o material mais nobre, é o material que reluz de si mesmo, é o material da
presença do sagrado naquele lugar. Por isso que no passado também os reis que
eram determinados, escolhidos pela divindade, também usavam o ouro e estavam
revestidos de deus, do sagrado.
Então, optei pelo azulejo por isso que acabei de falar. Mas o mais importante na
basílica, por exemplo, o tijolo é importante pelo que já falamos, dos aspectos técnicos.
Mas também por que? A imagem de Aparecida, que tem quase 30 centímetros, ela
também é de barro cozido, de terracota. E, nós temos o barro vermelho aqui, a chamada
terra roxa, no Brasil, sobretudo no Brasil Centro-Sul. E depois, uma coisa que é mais
importante, também nós somos de barro. Se você pega a leitura bíblica do gênesis,
somos criados à imagem e semelhança, e quando Deus insufla na narina de Adão, a
partir do boneco de barro, surge o primeiro homem. Então, isso é muito importante.
Agora,na concepção do interior, o primeiro pensamento meu foi, quando eu
digo meu, às vezes sou eu, às vezes é a nossa comissão. Dois ou três anos depois até
chamamos uma comissão de liturgia para ajudar e também os padres, por exemplo o
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Pe. Darci, que é o atual reitor, é um homem que se dedica 24 horas pela Basílica. Ele
tanto se preocupa com o mosaico na cúpula, quanto se preocupa com uma poeirinha
no chão que não varreram. Ele ama a Basílica. Isso é muito importante. Você vê que a
Basílica hoje é considerada pelos estrangeiros como uma das mais bem organizadas
do mundo. Você veja, a Basílica de Aparecida tem dois mil banheiros. Nenhuma
basílica, Lourdes, Fátima, Guadalupe, nenhuma delas tem metade disso. Nós temos,
por exemplo, fraudários, locais para esquentar leite para bebês, tem pronto-socorro.
A parte de alimentação dentro (do território da Basílica) é bem cuidada. Tudo é muito
bem cuidado. Imagine até que o pessoal que ainda vai a cavalo, tem estrebaria paraos
cavalos, com alimentação gratuita. Isso não existe no resto do mundo igual.
Agora, ainda respondendo à sua pergunta, quando a gente concebeu o
interior da Basílica, a primeira coisa que pensei era que a Basílica tinha que ser,
como no passado, nas antigas basílicas e catedrais cristãs, deveria ser uma Bíblia
Pauperam, quer dizer, biblia dos pobres. Quer dizer, a leitura nossa não é o be-a-bá
de Gutemberg, mas é a imagem nossa, que é através da arte. Assim no passado,
nossos antepassados, pré-Gutemberg, aprenderam a bíblia pela imagem. Então é a
palavra em forma e cor. O nosso povo ainda é muito simplista e muito ignorante na
fé, a tal ponto que nós estamos rodeados de mil bobagens, em termos de fé. Então
pensei em educá-los através da arte.
Uma função é a função didática. A primeira função, antes da didática…
imagine, são 36 painéis, de 7 comprimento x por 5 de altura, com cenas do evangelho.
Então nós temos uma educação através do evangelho. Depois tem painéis nos
extremos. Então o trabalho, antes de ser didático, quando as pessoas entram, é para
elas ficarem cheias de estupor, de admiração pelo espaço. Isso se chama mistagogia,
na linguagem religiosa. A função da arte é conduzir as pessoas para o fim que é Deus.
Então, se o espaço é completamente diferente do exterior, e que não copia shopping,
não copia banco, não copia nada da nossa vida externa, esse caos externo, elas
vão entrar numa harmonia. E ali é um cosmos, um universo fechado. Isso que me
interessa. E agora, aos poucos, isso está acontecendo. E é interessante. Pessoas
hiper cultas, especialistas em isso e aquilo, e pessoas simplórias, analfabetas, sentem
o mesmo prazer de estar lá. Isso pra mim é uma conquista . E não é só minha. É tudo
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isso que nós estamos vivendo em conjunto. Está nascendo, está nascendo. Acredito
que daqui há uns 7 a 9 anos a gente conclua o interior.
Egídio: vou abrir um parêntesis. Na sua arte veio para atingir a todos. O que
se vê é que é uma arte mais simplificada e de fácil entendimento.
Pastro – Bem colocado. Ela(a arte) tem que ser universal e atingir inclusive
de outras religiões. Aí é o problema do renascimento,que estragou com tudo. Ele ficou
preocupado com a realidade. Ficou preocupado com proporções, ficou preocupado,
por exemplo em revestir as pessoas de cenas do evangelho com roupas da época
(do renascimento). Às vezes as figuras são figuras da família do mecenas. Mas ele (o
artista) teve que colocar nas cenas o rosto (do mecenas) porque era ele que estava
pagando, o duque tal, o cardeal tal…
O Pe. Darci sempre fala para mim, Cláudio, eu gostaria que a Basílica se
tornasse um centro tão bonito de arte que quem venha ao Brasil sinta que não pode ir
embora sem passar por Aparecida. E já está acontecendo isso. Então há grupos cada
vez maiores de estrangeiros, de turistas que vêm . Então não precisa ser cristão no
ambiente. Não precisa ser de nenhuma religião. Explicitamente ela é cristã (a igreja),
lógico, mas você se sente bem, vale a pena estar lá. A razão última do Evangelho,
no caso do cristão, mas eu digo que de todas as religiões, é a felicidade do homem.
O próprio homem corrompe o universo que é belo. E as religiões criam pequenos
microcosmos, para salvar (resgatar) o homem.
Egídio: a grande reforma que teve na Igreja, o Concílio Vaticano II, que faz
50 anos, facilitou essa mudança da linguagem na arte saca. Isso ajudou de fato,
fortaleceu a sua arte?
Pastro – se não fosse o Concílio, aliás como uma monja, amiga minha, sempre
diz. Agora ela já está mais de idade. Ela sempre diz, Cláudio, vá em frente. Você é
um homem do Concílio. Quer dizer, houve esta grande abertura. Realmente mudou.
Houve abertura. Agora, eu acredito que toda essa abertura, porque não foi a partir
do Concílio. Acho que teve o pré-Concílio, que do final do século XIX e toda primeira
parte do século XX, onde já haviam grandes movimentos litúrgicos, de religiosos,
sobretudo nos mosteiros baneditinos, que estavam pedindo essa reforma.
Você vê, a Basílica de Aparecida, com toda aquela grandiosidade basilical, de
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edifício da realeza, ela foi construída, a meu ver, porque no final do século XIX vieram
para o Brasil, depois daquela besta chamada Marquês de Pombal, que destruiu com
toda a religião na colônia portuguesa. Era tão burro o homem que ele destruiu com
a educação em Portugal e em todas as colônias. Porque a educação estava na
mão dos religiosos. A partir de Marques de Pombal, Portugal definhou, desapareceu,
ficou no que é. Então, o que a gente percebe é que no finalzinho do século XIX, as
pessoas não sabem disso, vieram recuperar o cristianismo do Brasil, levas de monges
beneditinos, que reforçaram os mosteiros, desde Olinda, até São Paulo, que estavam
na decadência final, por causa do Marquês de Pombal, que eram de origem alemã. Os
mosteiros na Europa estavam lotados. Quando não eram alemães eram os franceses.
Em Aparecida, os redentoristas foram alemães, os que chegaram. Então, toda aquela
reforma litúrgica, que ia acontecer 50, 60 anos depois no concílio, na década de 60, já
começou lá, na Alemanha e na França. Na Bélgica, nesses países. Então, a Basílica
em si não é só genialidade do Benedito Calixto Neto. Ele foi influenciado por esses
alemães,que já conheciam o pré-concílio. Já estavam imbuídos dessas idéias. Por
isso que nós temos uma basílica gostosa, arejada. Eu detestava. Hoje eu amo.
Egídio: separei 4 obras, porque minha pesquisa não suporta eu analisar
todas as obras da basílica. A basílica foi escolhida para a pesquisa, por conta da
sua dimensão, da sua importância, por ser a segunda maior do mundo. A primeira
mariana do mundo. Então escolhi quatro, que é o altar central, o Cristo Pantocrator,
o Cordeiro Imolado e o Capítulo XII, que é a mulher vestida de sol. Então a gente vai
focar mais nessas obras. Ao centro, no altar central, temos o encontro das quatro
naves, em forma de cruz latina. O centro é o coração do templo, o lugar do sacrifício.
É a razão de ser do espaço sagrado. E é nele que se dá o testemunho do encontro
e da aliança sagrada selada entre Deus e os homens. O mistério pascal. Está correto
esse entendimento?
Pastro – está. A única coisa é que a cruz é cósmica. No projeto a cruz é
cósmica ou grega. Quer dizer, os quatro lados são iguais. Tem um pouquinho, quatro
metros de diferença na nave sul, onde está Nossa Senhora. Aí dá um ar de latinidade,
mas não é. Continua cósmica. Depois tem também os quatro cantos de cruz de Santo
André,onde estão as capelas – capela do Santíssimo, capela de São José e as duas
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capelas de passagem que nós ainda não determinamos. Então, quem olha passando
de avião, do alto e quem olha a planta também, vê uma estrela. Então é a estrela
polar, para chamar à atenção que é a estrela guia do povo brasileiro, em relação à fé
cristã. Essa é a idéia principal. Então, você me pergunta sobre o altar.
Egídio: sim. Na verdade era uma análise sensorial, apreciativa e depois vou
pedir uma análise sígnica, em cima das formas, das cores, da realidade. Então a
primeira é mais sensorial.
Pastro – É. O que acontece, o Benedito Calixto, juntamente com os redentoristas
alemães, tinham colocado o altar na ponta, onde hoje está Nossa Senhora, porque
era antes do concílio, a missa era de costas para povo, etc. Aí de fato nós pensamos
que o altar tinha que ser debaixo da cúpula central, porque realmente reúne, dos
quatro cantos da terra, norte, sul, leste e oeste, os povos. Então tem esse sentido
central, de centralidade. Depois também, a questão do altar em si, tem todo seu
significado. O centro do cristianismo é o altar, onde é celebrado o Cristo e, onde já
desde o século II, III, se diz que o altar é Cristo. São Cirilo, de Jerusalém, ele vai dizer
que o altar é Cristo, quer dizer, encarna naquele lugar. E o profeta Ezequiel, que vai
dizer antes, muito antes, na época do cativeiro, do segundo cativeiro, que foi o da
Babilônia, ele vai dizer que ele viu no templo, saindo do altar, uma água, que essa
água fertilizava o mundo. Então agora essa água é o espírito de Jesus, a graça, como
a gente chama, que vai em direção aos quatro cantos da terra. E isso também está
ligado ao Livro do Apocalipse, que vai dizer nos capítulos sobretudo XXI e XXII, que
são os capítulos finais, que quando desce a Jerusalém Celeste naquele lugar, porque
desde uma capelinha na roça, até uma catedral, todo espaço sagrado cristão é a
Jerusalém Celeste, que desce do céu naquele lugar. Então, desce naquele lugar, ele
vai dizer o evangelista João, eu não vi templo nenhum. Então, a concepção antiga de
templo morre e agora é uma praça. E no meio dessa praça tem a fonte da vida, e tem
a árvore da vida, que é a árvore que Adão perdeu no paraíso, e que Jesus recupera
na cruz, que é a nova árvore de Davi.
Então, essas questões todas têm que ser levadas em conta, é evidente. Então,
por isso, o altar, que é um bloco de pedra, de quatro toneladas, então a idéa é, quando
a pedra cai na água, ela forma círculos concêntricos. Os que estão mais perto, são
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perfeitos, os que estão mais distantes vão perdendo a perfeição e se dissipando. Essa
ideia é, quanto mais perto do Cristo, mais a gente é um homem novo, um homem
perfeito. Na linguagem antiga, santo. Santidade.Sagrado. Quando mais distante do
Cristo, a gente não sabe pensar, a gente não sabe nada, vai enfraquecendo. Então
isso se vê também no desenho do piso, onde nós fizemos esses círculos, com um
desenho de água. Isso foi a concepção que eu tive, na manhã do dia 09 de agosto de
2001, quando às sete da noite do mesmo dia eu entro em coma. Coincidentemente foi
isso. Historicamente foi isso. Então, a água que eu bolei, depois desses círculos em
volta do altar, altar mesa e altar espaço, que a gente chama de presbitério, nos quatro
grandes corredores essa água continua e vai em direção aos quatro pontos cardeais.
Esta água tem um desenho em zigue-zague, que é o desenho, a concepção indígena
de água. Porque fora da basílica, nas arcadas externas, eu coloquei uma outra
concepção de água, em movimento, como a gente conhece. Curvas. Então, essas
curvas externas não correspondem mais à graça que sai do Cristo, mas corresponde
agora ao rio Paraíba do Sul, onde a imagem foi encontrada. Porque quando comecei a
trabalhar, as pessoas me viam lá com o crachá, passavam e perguntavam: como é que
eu vou visitar a imagem? Porque é tão grande, quem conhece Aparecida. Aí pensei,
ôpa, na arcada, vou bolar essa água em movimento, vou chamar de Rio Paraíba, que
passa na frente de Nossa Senhora, então não sai da água, que você chega lá. Então
esse foi outro pensamento.
A questão é de sutilezas. Na beleza e na cultura. Misturar essa sutileza do
Antigo Testamento e do Novo Testamento bíblico, internamente na basílica, a sutileza
da nossa cultura, que não é só indicar o rio Paraíba, mas as curvas, que são muito
importantes e que a gente vê nos calçadões de Copacabana, vê nos trabalhos de
Niemayer e vê em outros trabalhos. Por exemplo, na basílica, entre uma cena e
outra do evangelho, têm pequenos painéis de palmeiras, não sei se vocês notaram,
separando uma cena da outra. Essas palmeiras não são gratuitas. Essas palmeiras
estão aí porque, primeiro, indica ser esta Jerusalém Celeste, onde as pessoas vão. É
o lugar do repouso. É o lugar de se refazer tomando aquela água. Então, é um oásis.
São pequenos oásis que existem no mundo, os lugares sagrados. E, depois, uma
outra coisa. O nome de Aparecida, quando não era Aparecida, que era só a vilazinha
159

dos pescadores, era chamada, onde está a velha cidade, era chamada de Morro dos
Coqueiros, que são palmeiras. E depois, o nome de Brasil, indígena, é Pindorama,
terra das palmeiras.

4º. BLOCO
7. Egidio – ...
Pastro – por exemplo tem esses detalhes. Por exemplo, o gradil, que antes
eram umas separações horrorosas, de muro, em cima de muro, etc, até o gradil. O
gradil são palmeiras que se abrem, fazendo essa referência (a Pindorama).
Então, ali tudo tem um símbolo, um sinal marcante, que quando não é cristão
em si, é misturado com a nossa brasilidade indígena. Sem ser demais explícito, porque
aí é feio. Aí torna-se feio. Porque, por exemplo, explicitar demais o índio, explicitar
demais o branco, explicitar demais o negro, nós não somos isso. Nós somos uma
fusão imensa de raças. São pequenos detaques que a gente vai colocando.
8. Egidio – Os estudos quanto à linha, forma, cor, projetos e desenvolvimento
e execução do altar foram organizados como? De que forma? Através da aprovação
em reuniões, dos materiais…?
Pastro – sempre eu passo pela santa inquisição. Santa inquisição quer dizer
que eu às vezes faço o projeto e apresento para pessoas, entre aspas,” ignorantes”.
E que me julgam. Então isso é um sofrimento terrível para mim. Acho que é por isso
que eu perdi o fígado. Brincadeira. Perdi o fígado já lá no começo… Não mas…
têm pessoas que entendem perfeitamente, mas têm pessoas também que não são
obrigadas a entender de questões estéticas. Mesmo na questão religiosa, também.
Por isso que também eu tive que aliar a questão da mistagogia da educação do nosso
povo, que é uma pedagogia para educar na fé cristã, com a preocupação de que,
predominantemente, a temática dentro da basílica, é a do Apocalipse, que é o último
livro da Bíblia, e é… o Apocalipse não é um fato que vai acontacer, mas é um fato que
acontece hodiernamente, cujo centro é a revelação do Cristo, cada dia na Missa, na
Eucaristía. Se você pegar toda a composição da Missa, ela é Apocalipse. E o centro
do Apocalipse é tanto o Senhor, que aparece e desaparece, aparece e desaparece,
e o Cordeiro Pascal, que é imolado em cima daquele altar, e que é o próprio Senhor,
160

que é o próprio Cristo também.


9. Egidio – Os materiais utilizados em torno daquele espaço, como é a escolha
do material?
Pastro – É uma ironia, porque por exemplo nós não temos escapatória. O
ouro vem da Alemanha.Pode até vir do Brasil, mas foi totalmente… como vou falar…
purificado, totalmente feito para pintar o azulejo, e queimar a mil graus, etc. Então,
vem da Alemanha. E a porcelana, que nós temos nas três cúpulas: a capela de S.
José, a capela do Santíssimo Sacramento, e a capela do Batistério e em volta de onde
está Nossa Senhora, que é chamado popularmente trono, mas é o retábulo de Nossa
Senhora, todo em ouro, com aqueles três arcanjos que descem, essa porcelana é
japonesa. Porque a porcelana é o material (…em) que o ouro aguenta (… quente e …)
bem na queima. A cerâmica é mais fraca, muito embora nós pusemos uma excelente
cerâmica em painéis também com ouro e que está indo muito bem.
10. Egidio – A queima é feita no Brasil?
Pastro – Lá no Paraná, com o artista que trabalha comigo. O resto tudo é
brasileiro, cerâmica, tijolo. Tudo é brasileiro. E, sobretudo, os operários. Operários
assim braçais, que trabalham como pedreiros, e que são artistas também. Que
trabalham também na serralheria, etc.. São cerca de 400 homens que trabalham com
afinco e dedicação.
O bonito é você chegar às seis e meia da manhã na Basílica. Então os
funcionários estão chegando, porque começam o trabalho às 7 horas. E nem sempre
eles trabalham dentro da Basílica. As oficinas ficam fora, há uns 200 metros, etc.
Mas eles chegam na Basílica e é impressionante, porque todo mundo se põe em
oração, antes de entrar para o trabalho. Então, é uma coisa que eles amam, o fato de
estarem lá. Não é um trabalho como outro qualquer. Isso é muito importante. Chama-
se dedicação.
11. Egidio – Eles sabem que estão lá fazendo parte de uma História, da Fé.
Isso é realmente muito importante.
Na ala Norte, no painel das mulheres e da vida cristã, temos o Cristo
Pantocrator, o Cristo Onipresente e Onipotente. Qual é o contexto dessa imagem
nos painéis centrais, por que foi escolhida exatamente essa, juntamente com as
161

outras figuras, e quais foram os estudos com a linha, forma, cor, projetos, material,
desenvolvimento e execução?
Pastro – A Nave Norte é a porta principal. A Nave Sul, que é o oposto, tem
o retábulo de Nossa Senhora. Então Nossa Senhora, além de estar dentro de um
totem de ouro, porque aquele totem tem 45 metros, como é de ouro, então é o lugar
da teofania. Quer dizer, ali Deus se manifesta realmente no Brasil. E a primeira
manifestação para os brasileiros é através desta imagem boba, simples, porque é um
pedacinho de barro, de terracota, e que ainda foi, há uns vinte anos atrás quebrada
em 140 pedaços. 140 e poucos pedaços… então é uma coisa insignificante, mas que
tem uma significância imensa. Então ali, eu coloquei envolto neste totem de ouro,
onde fica o nicho da virgem, eu coloquei toda uma forma de sol, porque ela é a mulher
do capítulo 12 do Apocalipse, que o dragão quer comer o filho que vai nascer. Então
o filho que vai nascer, agora no cristianismo, o primeiro foi o Cristo, mas agora essa
imagem dessa mulher é a própria Igreja, que é a esposa do Cristo. E o filho que via
nascer é todo cristão, que é batizado, que é outro Cristo. Isso é muito importante.
Depois o nicho em si eu coloquei em bronze, com banho de ouro e dezenas, centenas
de peixinhos, em volta dela. Isso já é um nicho de dois por dois metros, porque, como
ela foi encontrada no meio de uma pesca, que foi o primeiro grande milagre, a grande
pesca “e o encontro delas, então o nicho está desta forma” (sic).
Então, ela é a mulher vestida de sol, que ela é a imagem da Igreja, a esposa
do Cristo, que foi ele que fundou a Igreja, não foi nenhum pastor por aí, e, do outro
lado, como você salientou, temos o Cristo Pantocrator, que vem pela porta. Ele é o
Sol. Enquanto ela está revestida de sol, ele está dentro de uma placa de ouro. Então
ela está revestida dele. Então é o amado, Ele e a amada, Ela, que é a Igreja, a imagem
nossa, do povo. Então os dois vêem ao encontro. Ela está rodeada, desde Eva, pelas
mulheres do Antigo Testamento, até a rainha Ester. Então, todas as mulheres, Eva,
Sara, Débora …. até a rainha Ester, são as mulheres que prefiguraram a Virgem Maria.
Então, a Virgem Maria, hoje, é a nova Eva, de um novo povo, de uma nova humanidade.
Ela é a nova Sara, mulher de Abraão, mãe dos crentes, assim como Abraão é o pai
dos crentes. E termina como a rainha Ester. Pela sua beleza e formosura, no cativeiro
da Babilônia, o rei ficou fascinado por ela e ela então intercedia pelo seu povo e o rei
162

concedia a liberdade ao povo judeu. Então agora ela é a intercessora por nós, junto
ao rei, que aí no caso é o Cristo.
Mas é interessante porque este rei que entra, que é o Pantocrator, Onipotente
no presente, que é o próprio Cristo, e aliás no Apocalipse é bonito, porque logo no
primeiro capítulo, quando São João tem a grande visão de que o Céu se abre com
terremotos, relâmpagos e etc, ele desmaia, porque percebe que o Senhor do Universo
é aquele seu amigo de Nazaré. Então esse é o grande sentido. Então esse lugar
não é um lugar qualquer. É o lugar dessas revelações. Dessas aparições. Então aí,
para complementar, assim como a Virgem é a principal num séquito de mulheres
do judaísmo, agora o Cristo é seguido por mulheres da história da Igreja. A primeira
é Madalena, do lado esquerdo termina com Joana D`Arc. No outro lado a primeira
é Tereza D´Ávila, a grande doutora da Igreja, e a última mulher, quando eu estava
pintando, fazendo o projeto, assassinaram a irmã Doroty, lá no Pará, na Amazônia.
Então eu botei a irmã Doroty. Mas aí eu fiquei pensando, será que a santa inquisição
vai me permitir, porque … Mas aí eu falei, está no papel e eu vou deixar. Em última
análise, se não permitem, a gente corta ela. É a última mesmo. E aí foi interessante,
porque no dia em que cheguei lá, com os rolos debaixo do braço, assim…, o padre
Darci veio correndo me dizendo, Cláudio, esqueci de te telefonar. Você tinha que
colocar a irmã Doroty. Aí eu disse, pode deixar que o papa Cláudio “ já canonizou-a”!
É bom. São detalhes que ninguém sabe… Então isso é muito bonito.
As naves Norte e Sul da Basílica, são naves femininas. Porque o espaço
desta Basílica é sobretudo feminino. A virgem, Nossa Senhora, a Igreja, que é a
esposa do Cristo, etc. As naves Leste e Oeste elas são masculinas. Separei para eles
não brigarem. Na nave Leste, o centro é o Cordeiro e atrás do Cordeiro é o cavalo
branco. Isso é muito importante. E, à direita e à esquerda, nós temos uma procissão
de homens, que são os patriarcas do judaísmo e do cristianismo, os profetas, até
o último dos profetas, que é o maior de todos, que é João Batista. Do outro lado,
do Cordeiro e do cavalo branco, temos então os apóstolos. Aí nós temos todos os
fundamentos da nossa fé. Do lado oposto, na nave Oeste, nós temos a evangelização
do Brasil. Os fundamentos da fé cristã no Brasil. Então o centro é a Virgem, também
vestida de Sol, com o menino no peito, que vai ser gerado, porque Nossa Senhora na
163

pequena imagem, é a imagem da Conceição, quer dizer como ela foi concebida, então
ela não tem o menino. Aí eu botei ela com o menino, é o centro, do outro lado está
o Cordeiro Pascal e ela está envolta por homens da nossa história do cristianismo,
desde Anchieta, passando por grandes índios cristãos, no Rio Grande do Norte,
no Rio Grande do Sul. Então tem Frei Damião, tem padre Cícero, tem pessoas até
desconhecidas. O primeiro, do lado direito da Virgem, por exemplo, é o Dom Euder
Câmara. O último nessa lateral, quando eu estava trabalhando, faleceu o Dom Luciano
Mendes de Almeida, então colocamos o Dom Luciano Mendes de Almeida, que foi um
grande bispo, sobretudo aqui em São Paulo. Jesuíta e bispo.
Assim dá para perceber que a Basília vai se completando.
Então aí tem a questão das linhas, das cores… Algumas pessoas dizem: às
vezes parece uma arte egípcia. Não é essa a questão. A questão é que na tradição
religiosa cristã, nas raízes da arte cristã, está o mundo helênico, que era Egito, Grécia
e Roma. Então nesse cadinho há também um pouco de judaísmo, para não dizer
muito e não diretamente. Muito embora para eles não seja permitida a forma humana,
mas nós sim, por causa da reencarnação. Então a forma humana é revalorizada,
pelo próprio Cristo e entra na nossa história, assim como entrou no Egito, na Grécia
e Roma. E as formas muito hieráticas, muito nobres, é para dizer que nós somos
dessa descendência nobres também. Isso é para acentuar, quem olha, que todos nós
somos de uma estirpe nobre. Isso é muito importante, sobretudo para as pessoas
mais simples, ou para as pessoas que estão em desespero.
Se eu sou dessa mesma raça, desse mesmo povo, eu não estou, entre aspas,
“corrompido pelo mundo”. Essa é a idéia.
12. Egidio – Do painel do Cordeiro Imolado, nós temos vários símbolos, desde
o vermelho, o próprio cavalo que é só um contorno, tem o cordeiro, que é todo branco.
Por que o cavalo está bem sutil, só em traços?
Pastro – Eu vou começar pelo vermelho. O vermelho é o sangue, que é o
símbolo da redenção. Por isso que o cordeiro tem o grande instrumento da paixão,
da nossa redenção, que é o instrumento do martírio, que é a cruz, junto dele. Ele
está sobre um altar, com o texto do Apocalipse, se não me falha a memória, capítulo
5, “redimistes para Deus povos de todas as raças, tribos, línguas, nações”. Então
164

é Ele que reune todos os povos. É o cordeiro, porque na tradição judaica e cristã
tinha que alguém se imolar por todo o povo. No passado eram cordeiros e agora, o
Novo Cordeiro e único, que é o próprio Cristo. O fundo vermelho então lembra esta
redenção. É por isso.
Depois nós temos, não sei se você está lembrado, têm sete lâmpadas. Sete,
no judaísmo e em geral no Oriente, é o número perfeito. Nós vivemos no Ocidente
o sistema binário, que é o sistema burro, um mais um são dois, dois mais dois são
quatro… é um sistema fechado. O sistema do número sete é porque a natureza tem
sete elementos. Então ela é perfeita. É o símbolo da perfeição. Então aí nós temos as
sete lâmpadas, que indicam também que a perfeição é o próprio espírito de Deus, que
é o espírito do Cristo. Daí então as sete luzes. É a luz plena.
Depois nós temos sutilmente delineado um cavalo branco. Porque, no
Apocalipse, que tem vários cavaleiros, o da morte, o da guerra, o da praga, etc…,
de repente, a um certo momento, o Amado, o Senhor, vem num cavalo branco. Na
tradição dos povos orientais, pelo menos do Oriente próximo, o noivo, para casar-se
sempre vem montado num cavalo, que tem de ser branco. Então ele é o esposo e a
Igreja é a esposa. Por isso então Ele vem sempre em cada culto, em cada missa.
É muito bonito. Você vê que cada figura tem uma simbologia, em cada
patriarca, em cada profeta, cada apóstolo tem uma riqueza de simbologia. E a cor.
Aquela nave, a nave Leste, predomina a cor turqueza. A nave da paixão e morte é a
cor lilás. A nave Norte predomina um azul que eu chamo de azul petróleo e a nave Sul
é um azul bonito, é um azul meio colonial.
13. Egidio – E a última imagem, que é a do Capítulo XII, que também tem esse
predomínio do dourado, que é luz e a Conceição eternamente grávida?
Pastro – Sim.
14. Egidio – Agora vamos entrar no tema da comunicação, que é o último
bloco, ok?
Pastro – Não. Não tem problema. Eu falo com gosto.

5º. BLOCO
15. Egidio – Gostaria que você falasse um pouco da sua formação. No início
165

quando lhe perguntei sobre a sua formação profissional, esqueci-me de mencionar


os beneditinos alemães. Então vou repetir a pergunta sobre os seus estudos com os
beneditinos alemães.
Pastro – Na realidade tudo começou com os beneditinos franceses, do sul,
de Turnai. Que é a mesma raiz dos beneditinos que foram para o Paraná, perto de
Curitiba. Hoje desapareceu esse mosteiro, infelizmente, o do Brasil. Mas na França,
continua.
16. Egidio – Então, o último bloco é sobre a comunicação da obra. Qual é a
principal mensagem da obra?
Pastro – Você diz da minha obra como um todo ou da Basílica?
17. Egidio – como um todo na Basílica de Aparecida.
Pastro – a questão é a mesma que é válida para qualquer igreja, qualquer
capela, de tradição cristã católica. Porque você sabe, as nossas raízes estão lá no
começo, nos primeiros séculos. No início. Não tem outra raiz. Então dá para observar
na conversa nossa que as coisas se misturam, todas as raízes. Então a preocupação
é a mesma, a catolicidade. O que quer dizer isso? O mais importante da catolicidade,
que não é a uniformidade, são diferentes povos crentes, raças, que professam uma só
fé. Então essa é a idéia, que seja um lugar acolhedor. Que seja um lugar de repouso.
E que também, realmente quem deseja ser educado pela fé, também a minha obra
é uma obra escrita. Por isso, o ícone oriental, bizantino. Eles não dizem que pintam
um ícone. Eles dizem que escrevem um ícone. Porque, é aquilo que eu dizia contra
Gutemberg, a minha escrita ela tem forma e cor. Diferente da escrita texto, be a bá,
que é uma escrita muito limitada.
São Gregório de Nissa, no século IV, foi um grande homem da Igreja. Irmão
de outro imenso homem que foi Basíleo, o grande, São Basíleo o grande. Irmão
também de outra imensa mulher que foi Santa Macrina. Então, São Gregório de Nissa
dizia, deixa-me ver se me lembro das palavras dele…, pelo menos no sentido, mas
são essas: “a palavra permite-nos diferentes interpretações. Só a imagem coloca-nos
diante de uma presença.” É diferente a atitude do homem. Quando você pega um
texto bíblico e lê, quem garante que estamos lendo todos com o mesmo raciocínio,
com a mesma concepção? Cada um entende a seu modo. E quem explica também,
166

por melhor que seja bem formado, porque ele é um ser humano. A imagem não. Nos
coloca diante de uma presença. Por exemplo, em frente de uma imagem do Cristo,
é lógico que aquela imagem não é o Cristo. Mas indica a presença do invisível para
mim, ali. Então eu tenho toda uma outra atitude, e também a assembléia toda, a igreja
toda tem uma outra atitude. Por isso que também fazer arte sacra não é para qualquer
um. Não é desenhar bem, não é esculpir bem. Tem que colocar o espírito na obra e o
espírito não meu, de Cláudio Pastro, é não é fácil.
18. Egidio – o seu trabalho tem uma imagem contemporânea, que vai de
encontro a uma história do passado. O que você poderia acrescentar?
Pastro – para mim fica sempre isso,por exemplo, a arte atual ela parte do
indivíduo ou de um grupo fechado de indivíduos, que a gente chama de panelinha.
E aí entram os modismos. Na arte sacra, você tem que ter um pé no passado e um
pé no presente. Então tem que casar o antigo com o novo. E é esse casamento
que continua uma história que não é minha. Independe de mim. O cristianismo, se
eu existir ou não existir ele continua a mesma coisa. Então eu preciso entrar nessa
corrente. A gente diz que o artista de arte sacra ele tem que se despojar de si mesmo.
Por isso eu fico muito triste que aparece muito o meu nome, Cláudio Pastro, mas
isso porque é normal. Mas veja, no passado, até por volta do século XI e XII, você
não vai encontrar nenhuma obra, assinada por nenhum artista. Os artistas, como no
caso dos nossos índios, são aqueles que celebravam algum momento da vida de
esplendor e pouco importa se é Benedito, João, Afonso, tanto faz. Não interessa isso.
É a celebração. Por isso que na Igreja Oriental, também os artistas fazem parte dos
sagrados minitérios, porque ele é continuidade do padre, ele é continuidade do bispo,
porque tanto quem faz música, como quem pinta, como quem constrói a igreja, é tudo
continuidade da mesma celebração. Por isso que não deixam nome. São raros os que
deixaram nome assim no passado. Por exemplo, na Igreja Oriental é muito forte, eu
sou apaixonado por ele, Teófano o grego. Ele foi o mestre de Rublióv, aquele também
famoso monge artista, que pintou a Trindade. Não sei se vocês conhecem ou ouviram
falar. São coisas belissimas da arte sacra mundial.
19. Egidio – também o próprio Gioto…
Pastro – aí já é mais tarde. É um grande homem, mas aí já começa o período
167

leve da decadência.
20. Egidio – eu vou entrar num ponto delicado, porque você já se antecipou
nele, que é: percebo a lei da frontalidade nos traços das figuras em seus painéis.
Uma linguagem que foi percebida desde a arte egípcia e continuou na arte bizantina.
Também percebo a simplicidade na forma dos desenhos, como a arte egípcia, que
era para ser eterna. O uso do dourado, a auréola, é uma referência ao bizantino, e do
próprio azulejo utilizado em seus painéis. Quais são as influências em suas obras?
Pastro – são todas essas que você acabou de dizer.
21. Egidio – Ótimo. Então há uma concordância de que há uma referência, e
a busca de uma influência?
Pastro – sim. A arte sacra não é complicada. Ela é simplesmente a colocação,
não mais e não menos, daquela palavra que é o espírito da coisa. Então é evitar a
interpretação pessoal. Isso é muito importante. E também é uma arte que tem de
ser simples. De uma simplicidade que tanto um adulto, um idoso, um letrado, como
uma criança analfabeta, entendam o mesmo mistério. Esse é o segredo. O mundo de
hoje é bobo. A televisão, as imagens, são imagens passivas, você engole tudo. Você
não corresponde, sab e? A arte está se enfraquecendo porque ela não é celebrativa.
Ela é demais subjetiva. Eunão estou falando contra certas coisas. Mas, por exemplo,
o grafismo que têm nas cidades, particularmente em São Paulo, que tem muito, se
torna em certos momentos sujeiras. Eu sempre digo que é o vômito da pessoa que
ela coloca na parede. Então, será que nós temos o direito de sujar o universo? Para
mim isso é muito forte. Colocar idéias minhas assim, sujando o universo? Não, isso eu
não vou fazer nunca. Até pode ser que a minha arte não seja explêndida. Porque eu
não sou um grande artista, no sentido de desenvolver a arte. Sei o que estou fazendo,
não é? Mas é mais para entrar naquela questão do cosmos, porque no cosmo há uma
harmonia e não o caos. Volta ao princípio de tudo.
Porque também tem uma palavra evangélica muito importante. O Cristo vai
dizer a um certo ponto: “sede perfeitos como o vosso Pai do céu é perfeito”. É muita
pretensão. Mas é esse caminho que tem que ser tomado. O caminho do subjetivo,
o caminho do individualismo, como a gente vive hoje, é o caminho do caos. Cada
um fala uma língua. E quer impor a sua comunicação. E não é uma comunicação do
168

eterno, do cosmo, mas é uma comunicação de hoje. Imagina hoje. Hoje não existe, já
passou. É bobo isso. O amanhã já vai virar passado. É bobagem isso.
22. Egidio – Dentro da percepção em cima do seu trabalho, que é o traço
simples, de fácil entendimento, a comunicação direta, que consegue atingir o grande
público, desde os intelectuais até as pessoas mais simples, então eu percebo que isso
é muito forte. Daí vem a última pergunta: Qual o propósito da obra? E, se está dentro
desse contexto?
Pastro – é isso que acabamos de falar. É não desarmonizar o que é
harmonioso, que é o cosmos. É não fazer, não colocar na obra o meu parecer. É a
objetividade do mistério que vive em nós. Então, por exemplo, hoje cada vez mais
é discontada as religiões do mundo. Por exemplo, no extremo oriente o budismo é
perseguido. No islamismo, querem acabar com o islamismo, que também está sendo
perseguido, para ser ocidentalizado. Então são essas guerras que estamos vivendo.
O no cristianismo, particularmente na igreja católica, ela é perseguida também pelo
governo, não só o atual mas por toda a nossa história dos últimos cem anos, como
também pelas próprias idéias individualistas das pessoas, onde religião não entra.
Então o homem vive apavorantemente só. Ele não se comunica com o invisível. Ele
não vive em presença do invisível.
Este é o fator das religiões. Isso faz com que o homem fique equilibrado,
saudável. Enquanto que o individualismo que é a proposta de tudo, de emprego e
de tudo na sociedade… Imagina o que eu vou fazer tendo um grande emprego, com
30 anos me aposentando e depois morrendo. Eu não fiz nada. Isso não acrescentou
nada para a vida.
23. Egidio – É interessante que, durante o período em que estive em Portugal,
fui visitar Istambul, fui à Haiya Sophia e conheci uma igreja, que se chama São
Salvador de Chora. E o impacto que eu tive, quando entrei na igreja, foi o mesmo
impacto que eu percebi também na Basílica de Aparecida, que é a forma mais fácil de
entendimento e de comunicação.
Pastro – isso para mim é um elogio. Fico muito feliz.
24. Egidio – E o trabalho é belíssimo.
Pastro – porque o princípio é o mesmo, porque o verdadeiro artista e na
169

arte sacra mais ainda, ele persegue a simplicidade. Falar muito com pouco ou com
nada até. Eu sempre digo, em hebraico o número um é Deus. O judeu religioso não
pronuncia o número um. Ele pula. Porque Deus é um nome impronunciável. Então eu
sempre digo, quanto mais perto do nada, mais perto de Deus.
25. Egidio – É interessante você mencionar isso, Pastro, porque eu usei
aqueles audio guides, para entender a história e todo o processo. E quando foram
construídos os painéis nessa igreja, a função era passar a liturgia para as pessoas
que não sabiam ler. Essa comunicação é de fácil entendimento, eu percebo, também
na Basílica de Aparecida. Isso eu acho que é muito importante.
Pastro – o que eu acho interessante, não é uma questão de orgulho, porque
isso é uma bobagem. No passado, quando eu comecei, os padres, porque lá viviam
trinta e poucos padres redentoristas, e não é que a maior parte é muito culta. Isso
não é próprio dos redentoristas. Tem um ou outro culto, mas a maior parte é simplista,
pelo próprio princípio do fundador, Santo Afonso, que foi trabalhar com gente bem
simplória. Então no começo eles diziam, mas o povo entende a sua arte? E eu dizia,
o povo entende, você é que não entende. Primeiro você coloca o preconceito de um
entendimento de cabeça. Isso não existe.
Quando você entre num espaço desses, como você falou lá em Istambul,
Constantinopla, como entrar na Basílica, ou até em outras igrejas bonitas que deve
ter por aí, é essa separação do mundo, essa coisa de sujeira do mundo, que nesses
espaços sagrados, cristãos ou não cristãos, você se sente bem. Esse é o primeiro
ponto. É o esplendor, a admiração, que, como alguns dizem para mim: “mas o mundo
não é assim”. Eu sei que sim, o mundo é caótico, é corrupto, é sujeira de toda a
espécie, etc. Esse espaço dá a verdadeira dimensão de quem nós somos. Nós não
somos para esse sujeira, nós fomos criados para a grandeza de vida. A vida é bela.
Eu vejo em Aparecida pessoas simplórias que falam: eu não quero sair daqui.
Aí eu digo: ôpa, é esse o objetivo. Não é preciso entender mais nada. Resolveu o seu
problema. Aqui você percebe que você volta para o seu centro, que a gente chama de
substância. E substância é o ser da razão de ser. Você se encontra com o seu ponto
central da vida, quando a pessoa chega a esse êxtase, vamos chamar assim. Por isso
que na pintura muitos também me criticam: ah, você faz as pessoas às vezes com os
170

olhos muito arregalados. Isso é um êxtase. Quando você entra em êxtase, quando há
o impacto, os seus olhos arregalam e a pupila se dilata. Esse é o momento de você
verdadeiro. Por isso que é como o bebum. O bebum ele passa a fazer tudo, porque ele
sai da dimensão da terra, e ele toma a dimensão verdadeira dele. Aí ele se revela. Só
que é de um ponto de vista negativo. É também como a droga. A droga é justamente
porque nós não temos essa linguagem do sagrado hoje. Não só não temos, como é
negada também pela sociedade.
26. Egidio – Muito obrigado. Eu queria agradecer.
Pastro – imagine. Eu espero depois ter uma cópia de uma coisa dessas. O que
seria muito bom. Amanhã vou sair às seis da manhã, porque vou fazer essa palestra
sobre a imagem do Cristo. E ainda eu preciso continuar. Estou na metade ainda. Mas
a idéia é também essa, não é. Se as pessoas sentem nessas imagens alguma coisa
diferente. Alguém me disse ainda hoje de manhã: mas o Cristo não vai ter tênis, nem
gravata? Esse é um outro problema. Eu não posso colocar tênis e gravata no Cristo,
quando o Cristo é uma coisa que por dois mil anos, no imaginário coletivo, Ele já se
formou, como sendo filho de Deus, já se formou na forma e era isso.
Quem disse que o homem, daqui há dez anos vai usar tênis ou usar gravata?
Então isso é coisa (transitória…) é como a roupa do renascimento. Hoje ninguém usa
roupa do renascimento. Passou a moda.
171

ANEXO 2

ENTREVISTA COM O REITOR E ADMINISTRADOR DA BASÍLICA DE NOSSA SRA.


DE APARECIDA, PE. DARCI NICIOLI

Sou Egidio Shizuo Toda, hoje é 12 de setembro de 2012, às 12h30. Estou


entrevistando o Pe. Darci Nicioli, reitor da Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Esta
entrevista faz parte da pesquisa de mestrado em Educação, História, Arte e Cultura,
da Universidade Mackenzie.

1º BLOCO
Egidio - Pe. Darci, gostaria que o Sr. falasse um pouco sobre sua história na
Basílica. Quando o Sr. assumiu e qual tem sido o seu principal desafio?
Pe. Darci - Eu sou reitor do Santuário Nacional. A basílica é o templo. O
Santuário Nacional é o complexo que gira em torno do templo. Eu assumi como
reitor no ano de 2008, mas antes já tinha sido administrador do Santuário por 9 anos.
Portanto, a minha vivência no Santuário é grande. A minha função aqui é a de ser
como um maestro numa orquestra sinfônica – ser aquele que consegue provocar
a harmonia entre os vários setores e trabalhos que o Santuário realiza. A missão
precípua do Santuário é evangelizar. Tudo aqui é feito neste sentido. Levar a boa nova
de Nosso Senhor Jesus Cristo ao coração das pessoas, pelas mãos carinhosas de
Nossa Senhora Aparecida. Ela é a estrela da evangelização. Então, é através dessa
imagem, do carinho que o povo tem à N. Sra. Aparecida (porque ela é a imagem da
Mãe de Deus), que continua na verdade a missão de Maria na história da salvação,
que é apresentar Jesus.
Então, aqui no Santuário não fazemos outra coisa senão anunciar Jesus
Cristo pelas mãos carinhosas de Nossa Senhora. E quando eu digo que o reitor é
o maestro, imagine você que nós somos quase 1.500 funcionários, nós temos uma
obra social, que adota crianças, que cuida de crianças e de adolescentes. Também
de idosos. Então este é um ramo do santuário que procura evangelizar pelas obras.
Nós temos também uma equipe de construção. Você está escutando aí o reflexo
172

do que é construção. O santuário é um canteiro de obras. Então, é importante que


alguém esteja à frente, no comando deste trabalho do santuário, da Basílica de Nossa
Senhora. Porque construir uma igreja não é construir uma casa ou qualquer outro
edifício. Toda igreja tem que ser um lugar de encontro com Deus.
Quem entra numa igreja deve sentir a presença de Deus e vontade de com
ele entrar em contato. Daí a necessidade de estar orquestrando essa construção para
que surta esse efeito. Depois, nós temos um setor comercial, para arrebanhar fundos
no sentido de manter toda esta obra. Ligada ao Santuário Nacional nós temos uma
rádio nacional, que é a Rádio Aparecida e uma tv, também de projeção nacional, que
é a TV Aparecida. E também evangelizamos através das novas mídias, como o portal
“a12.com” . Imagine você então como é complexo o Santuário Nacional. O reitor é
aquele que coordena essas várias equipes, de forma que todo mundo trabalhe e não
se desvie do seu objetivo, evangelizar.
Egidio - Vamos falar agora do trabalho que está sendo desenvolvido. Do
trabalho visual e estético. Que tipo de acabamento que estava planejado para o
interior da Basílica?
Pe. Darci – O primeiro princípio a ser colocado é que um dos atributos de
Deus é a beleza. Então, não combinaria construir um lugar onde Deus se faz presente,
em que as pessoas vêm para o encontro com Deus, se não fosse belo. A propósito,
Dostoievsky disse que a beleza salvaria o mundo. Ele intuiu muito bem. É um dos
atributos de Deus. E Ele é o Salvador. Então, isto nos norteou para o acabamento
interno do Santuário Nacional.
Todo o trabalho que é feito tem este objetivo: fazer com que haja harmonia
e que esta harmonia seja percebida pelo visitante. E que o visitante seja parte desta
harmonia. Não é um museu para ser visitado. É um lugar para eu estar e interagir.
Quando nós celebramos na Basílica, nós estamos trabalhando com o sagrado. E
a glória de Deus não tem voz. Então, a Basílica tem que fazer com que quem vem
aqui se sinta bem, se sinta acolhido, se sinta em casa, se sinta na Casa de Deus,
na casa da Mãe Aparecida. Toda a arte realizada dentro do Santuário Nacional tem
este objetivo. E aqui, por causa da necessidade de harmonia, nós convidamos um
único artista, porque tínhamos medo da diversidade de estilos, da confusão de estilos.
173

Então, ao invés de estar construindo Pentecostes, estaríamos construindo uma Babel,


uma confusão.
A Basílica foi concebida antes do Vaticano II. O Concílio Vaticano II foi um
acontecimento para a Igreja Mundial, em que o Papa João XIII quis que a Igreja
abrisse suas janelas para os ventos da renovação entrarem. Tudo isso mudou a
liturgia da Igreja e, consequentemente, também a estética de uma Igreja, a arquitetura
de uma Igreja. Ora, se a Basílica foi concebida antes do Concílio Vaticano II, a gente
pode entender que a arquitetura da Basílica foi pensada para uma liturgia anterior ao
Vaticano II. Por exemplo, a liturgia não pensava em concelebração. Concelebração é
a ideia de que toda a assembleia celebra. Não é somente o padre que celebra para a
assembleia.
O padre é o presidente da celebração, mas toda a assembléia, todos os
participantes são celebrantes. Ora, isso muda a arquitetura da igreja. Se antes se
pensava em ter Nossa Senhora no centro e assim o arquiteto Benedito Calixto pensou
na arquitetura da Basílica, numa visão anterior ao Concílio Vaticano II, nossa Senhora
ficaria no centro da Basílica, para sua visitação e os altares laterais seriam altares
para as eucaristías. Cada padre celebrava a sua eucaristía.
Quando veio o Vaticano II, na década de 60, muda essa concepção. Ora,
então Nossa Senhora não é o centro de nossa fé. Nossa Senhora é um instrumento
que Deus usou para seu filho aqui estar. Tira a Nossa Senhora do centro. Nossa
Senhora vai para a lateral. Vem Cristo para o centro. Por isso o altar, como está
construido hoje. Veja, o altar é redondo, para que ninguém da assembléia celebrante
se sinta marginalizado, ou atrás, ou à frente, ou privilegiado. Não.
Todos nós somos concelebrantes em igual importância. E da celebração todos
participam igualmente. Portanto, então, o altar redondo. Nossa Senhora vai para a
lateral. De forma que, veja como a idéia de comunhão, protagonizada pelo Vaticano II
influencia a mudança na liturgia, que influencia a mudança na arquitetura. A partir daí
então, desde a concepção de Benedito Calixto para o acabamento da Basílica, houve
uma mudança de postura eclesial e eclesiológica. Então, nós convidamos o Cláudio
Pastro para dar continuidade à obra, mudando a obra inicial de Benedito Calixto.
Egidio – a partir de que gestão da reitoria se começou a estudar o acabamento
174

do interior da basílica. Como foi feita essa organização e se existe documentação


dessas mudanças?
Pe. Darci – Sim. Existe documentação. Tudo aqui é decidido por um conselho
econômico para dar aprovação nas construções, nos dados, nos projetos, etc. E
há também um conselho de peritos em teologia, em liturgia, para ajudar a pensar o
acabamento. Se o artista faz a proposta, no caso o Cláudio Pastro, essa proposta
passa pelo crivo de análise desses especialistas, para depois ser referendada pelo
conselho econômico, e depois para a construção. Este processo teve início no ano
2000, quando era arcebispo de Aparecida o cardeal Aloísio Loscheider. O administrador
da Basílica era eu. Iniciou-se o processo já comigo.
Egidio – já havia uma idéia inicial, uma pretensão, do que deveria ser feito?
Pe. Darci – Digo que quando resolvemos terminar a Basílica tínhamos várias
noções de como encaminhar o acabamento, porque o arquiteto não deixou detalhes.
Então, ao convocarmos o Cláudio Pastro, convocamos também outros artistas. Mas
quando da primeira proposta feita, que foi do altar central e não do trono de Nossa
Senhora, porque ela não é a mais importante, é Cristo. Então, a partir do altar central
começamos a pensar no acabamento de toda a Basílica. Foi aprovado o projeto do
Cláudio Pastro. E a partir daí demos continuidade a todo o acabamento, sempre
passando pelo crivo desses especialistas, em teologia, em liturgia e em estética.

2º. BLOCO
Egidio – Pe. Darci, quantos especialistas/artistas foram envolvidos na
discussão e como se deu o processo seletivo?
Pe. Darci – Nós escolhemos, como eu disse, um grupo de arquitetos, teólogos
e liturgos e o processo se deu com a presença de Dom Aluízio Loscheider, do provincial,
que era o Pe. José Ulisses da Silva, do reitor do Santuário na época, o Pe. Joércio
Gonçalves, eu como administrador. Estavam presentes também Domingos Zamboni,
que é um teólogo. Também participou o Domingo Sávio da Silva, padre redentorista,
que é biblista … (posso passar depois o nome de todos os que participaram, porque
não me vêm à memória agora).
Este grupo então resolveu optar pelo Cláudio Pastro, pela sua competência.
175

Pelas obras realizadas por ele, não só no Brasil, mas também no exterior. Pelos livros
editados por Cláudio Pastro, que mostram um conhecimento bastante profundo da arte
sacra. Muito particularmente a escolha dele se deveu ao fato de que não optamos por
uma arte figurativa. Porque a arte figurativa tem um fim em si mesma. Se você vê, por
exemplo, um quadro do Renascimento, o quadro em si esgota toda a realidade. Nós
então preferimos a arte do Cláudio Pastro, que não é figurativa, é mais representativa,
porque ela remete ao mistério.
Quando você contempla a obra de Cláudio Pastro, você não fica na obra. A
obra é como um sinal. É como um símbolo, que remete a um significado. No caso da
Basílica, é importante falar do mistério de Deus que se realiza dentro deste espaço.
Então a obra dele é mais adequada para este nosso objetivo. Fazer com que quem
aqui viesse percebesse a presença do mistério. A atuação do mistério de Deus, que
age neste espaço santo, neste espaço sagrado. Então, a opção por Cláudio Pastro é
justamente porque a sua obra não é figurativa, mas vai até o mistério.
Egidio – ainda quanto à escolha do artista, quanto tempo durou esse processo?
Pe. Darci – Nós começamos o processo de conversar sobre o assunto em
1999 e começamos de fato as obras em 2001. Então, tivemos aí um espaço de dois
anos a dois anos e meio entre o estudo do que o Cláudio Pastro apresentou, até a sua
escolha, para depois iniciarmos com ele.
Egidio – a escolha do Cláudio Pastro foi uma unanimidade?
Pe. Darci – Sim, foi, entre aqueles que compunha a comissão litúrgica.
Egidio – o cronograma de desenvolvimento da obra de acabamento foi definida
pelo bispo ou pelos padres da basílica?
Pe. Darci– A própria obra foi ditando seu cronograma. Pedimos a ele que por
primeiro fizesse a concepção do presbitério. O presbitério é o conjunto central, onde
está o altar, e todas as peças que compõe o presbitério, o altar da celebração, o altar da
palavra, o ambão do comentarista e todo aquele conjunto. A partir daí é que definimos
o piso do Santuário. A partir do altar de Cristo, em forma de ondas, representando os
sacramentos, as bençãos e as graças que brotam do Cristo, a água se distribui pela
igreja toda. Neste momento se definiu o piso. Ao definir o piso, definimos também as
paredes do templo. As balaustras nas paredes seguem a mesma temática da água.
176

Lembrando, as graças e bençãos que brotam do Cristo, lembrando o lado aberto de


Cristo, de onde emanam os sacramentos. A chaga do lado aberto de Cristo, por onde
correu sangue e água, lembrando o achado nas águas do Rio Paraíba. Toda esta
temática. Isto definiu também, que foi o próximo passo depois do piso, o trono de
Nossa Senhora.
Do trono de Nossa Senhora, onde se colocou a mulher vestida de sol, ladeada
pelas mulheres do Antigo Testamento, desde Eva, passando por Lívia, Rebeca,
Raqueu, as mulheres lutadoras do Antigo Testamento, sendo Nossa Senhora um
divisor de águas, entre o Antigo e o Novo Testamento, pois dela nasce Jesus Cristo.
Dela Jesus Cristo se encarna. Cessa a lei antiga e começa a lei nova do Amor. Então,
ela é o divisor de águas. Portanto as mulheres do Antigo Testamento tem Nossa
Senhora como o divisor de águas, num dos veios da Basílica, que é o veio feminino.
Se de um lado está o trono, com as mulheres do Antigo Testamento, com
Nossa Senhora ao meio, do outro lado começa com Maria Madalena, a mulher que
contemplou a Ressurreição. Seguem, depois de Maria Madalena, todas as mulheres
fortes dos primeiros anos do cristianismo, passando pela Idade Média, pela Idade
Moderna, atravessando o Cristo Pantocrator, então o Senhor sobre o mundo, até a
irmã Doroti, passando por mulheres fortes, também do Brasil. Na época que estava
sendo feito o painel das mulheres, Doroti foi a mulher martirizada pela fé em Jesus
Cristo. Então esse é o veio feminino.
Como numa cruz grega, o outro lado é o veio masculino. Se temos de um lado
os patriarcas e os apóstolos, nós temos do outro lado os homens fortes do Brasil, Dom
Luciano Mendes, Dom Elder Câmara, Tristão de Ataíde, Pe. Victor Coelho de Almeida,
Frei Damião. Há então o veio masculino da Basílica. Veja então como que o programa
foi sendo definido a partir da definição do artista sobre o altar central, terminando
agora na grande obra que pretendemos concluir até 2016, da grande cúpula. Ele
concebeu então a Cruz, como a grande árvore da vida, ladeada por pássaros da fauna
brasileira. E, nas paredes que sustentam a cúpula, a fauna e a flora em extinção. Em
síntese, a Eucaristia redime a humanidade e redime o cosmos. Redime o homem
novo. Então Deus, que deu a sua vida por amor, nos resgatou através do Novo Adão.
Se pelo Antigo Adão entrou o pecado, pelo Novo Adão que é Cristo, fomos resgatados
177

para a vida. Não só o homem como ser criado, mas toda a criação. Então, temos
o esplendor da criação presente sobre o altar da Eucaristia, porque Deus redime o
homem e redime o cosmos. Queremos terminar a obra em 2016 para o jubileu dos
300 anos em 2017. Nossa Senhora foi achada em 1717 e em 2017 se completam os
300 anos da pesca milagrosa.
Egidio – Pe.Darci, por que o artista Cláudio Pastro aceitou este trabalho?
Houve condições?
Pe. Darci – Eu digo que nada, para quem tem fé, acontece por acaso. Cláudio
Pastro é o artista sacro brasileiro da atualidade. O único. Eu digo por sua tamanha
competência e experiência. Então, Cláudio também certamente, não posso falar por
ele, mas posso interpretar o que ele pensou. Certamente ele viu nisto a possibilidade
de imortalizar-se na arte sacra. Porque Aparecida é o coração católico do Brasil e o
Brasil é o maior país católico do mundo.
Então, entendo que houve um casamento, entre a competência do Cláudio
Pastro e aquilo que nós queríamos, e a nossa vontade e a vontade dele. E Deus
agiu nesse meio, porque o artista recebe esses dons, não por seus méritos, mas por
graça, como nós entendemos na fé. Então, entendo que o Cláudio faz aqui é ser o
instrumento de Deus. Deus está trabalhando nele para se perpetuar.
A Basílica quer ser a perpetuação da presença de Deus. Uma extensão, um
instrumento, que vai dizer para nós que a arte que aqui está já diz como Deus no ama,
como Deus nos escolheu para a vida, como onde Deus está a vida é abundante e
que nós não estamos à deriva neste mundo, Deus é nosso grande parceiro. Nós nos
sentimos acolhido na Basílica, que na verdade é o grande útero, onde nós renascemos
para a vida e para a virtude.

3º. BLOCO
Egidio – o senhor poderia dar uma idéia geral da obra e sua história, embora
ao longo desta entrevista já tenhamos uma visão disso?
Pe. Darci – Aparecida nasce de um fato muito simples. Diferente de outros
santuários, como Fátima, Lourdes e Guadalupe, por exemplo, que nascem de um
evento maravilhoso, o encontro do ser humano, com uma teofania, uma manifestação
178

de Deus na aparição das imagens. Lurdes apareceu àquela devota, Fátima aos
pastorinhos, Guadalupe ao índio Juan Diego. Aparecida não tem isso, por um fato
muito simples: três pescadores foram buscar o seu pão. Trabalharam, tiraram peixe
das redes para o seu sustento e encontraram uma imagem quebrada.
A imagem de Nossa Senhora Aparecida é reciclada. Primeiro encontraram o
corpo e depois a cabeça. Juntado corpo e cabeça deu a imagem que nós conhecemos.
Então o que é que tem de fenomenal nisso? É tão simples, como são simples as
coisas de Deus. Então talvez seja este o grande encantamento de Aparecida – a
simplicidade. Depois, as pessoas que aqui vêem, vêem trazendo as suas mazelas,
as suas dificuldades, as suas dores, os seus contratempos, os seus sofrimentos, e
encontram uma esperança. Voltam para casa com o coração renovado.
Tudo o que é construído aqui no Santuário tem este objetivo – o de fazer
com que as pessoas renovem as suas energias, as suas forças, refaçam as suas
esperanças. Portanto, a arte aqui não é pela arte. A arte aqui é para evangelizar. E é
para falar desta simplicidade – de um Deus que nos ama e que quer se encontrar com
os seus fiéis. Por isso, nós cunhamos uma frase que norteia a nossa ação em tudo
o que acontece aqui no Santuário: “acolher bem também é evangelizar”. É isto. É o
espírito do Santuário Nacional.
Egidio – vou estar fazendo uma análise semiótica do altar, do Cristo Pantocrator,
da Nossa Senhora e do Cordeiro Imolado. No altar central temos o encontro das
quatro naves, em forma de cruz latina. O centro é o coração do templo, lugar do
sacrifício, é a razão de ser do espaço sagrado e é nele que se sá o testemunho do
encontro e da aliança selada entre Deus e os homens, o Mistério Pascal. Está correto
esse entendimento?
Pe. Darci – Sim. Primeiro que é uma cruz latina, com o intercepto de quatro
capelas, como aquela cruz de Santo André. Então nós dizemos que é uma cruz grega.
Uma cruz grega que cruza uma cruz latina. E, o importante, o altar, está no centro.
Dizendo que o centro desta Basílica e tudo o que aqui se realiza é cristológico, é
Jesus Cristo e é para Ele que nós caminhamos. Embora nós chamamos a Basílica
como Basílica de Nossa Senhora Aparecida, nós a entendemos como a Casa da Mãe,
mas para onde nós nos dirigimos para o encontro pascal, como você disse, com o
179

Cristo Ressuscitado. Portanto, o centro desta Basílica é a Eucaristia, que é o centro


da Igreja, que faz a Igreja, pois sem Eucaristia não existe Igreja. Por isso, toda arte e
toda a arquitetura da Basílica converge para o altar central, para o Cristo Jesus.
Egidio – Pe. Darci, quais foram os estudos com a linha, forma e cor, projetos
e materiais, desenvolvimento e execução desta obra?
Pe. Darci – Nós já encontramos uma obra semi-pronta. A estrutura civil da
Basílica já estava pronta. Era de um estilo românico, que depois foi se mesclando de
outros estilos. Falo da construção civil como um todo, o prédio. E quando começamos
a pensar no acabamento interno, tínhamos com muita clareza que não poderíamos
nos desviar da intuição primeira do arquiteto, Benedito Calixto. Nós não sabemos
se ele pensava em estucar as paredes, isso ele não deixou escrito. Possivelmente,
era esta a intenção original dele. Mas a Basílica se impôs, como tijolinho à vista.
Então, nós procuramos, a partir do tijolo, um material que casasse com o tijolo. Aí,
encontramos o azulejo.
O azulejo, segundo pesquisas, nasce no mundo hebreu, que depois pelos
mouros, chega ao mundo português e, pela história, chega até o Brasil. Então, há
um vínculo que nos liga lá com o início da nossa fé, lá em Ur, na Caldéia. Então,
concluímos, vamos manter esta linha. Nossa Senhora é feita de terracota, de barro
cozido. Então vamos deixar o Santuário no barro cozido, no tijolo. Com isso, fizemos
o revestimento interno com outro tijolo, melhor acabado, que é o revestimento atual
das paredes do Santuário. E no piso colocamos granito, que é uma pedra brasileira e
depois, toda a obra de ornamentação, com a azulejaria.
E agora, vamos ousar. A cúpula, será terminada em mosaico. O mosaico é
pasta de vidro, ou com dourado ou com cores que se liguem de alguma maneira
a toda a arte de azulejaria bizantina, claro. Fizemos com isso um conjunto tal que
todo o material usado aqui se conversa. E o azul, por causa da azulejaria, influência
portuguesas, sem dúvida nenhuma, que também é o azul de Maria, azul e branco
são as cores de Nossa Senhora, da Virgem, da Mãe, da Consagrada, da Bendita. E o
manto de Nossa Senhora é o manto azul, não é por um acaso. E a partir do azul então
vamos fazendo o jogo de cores, dentro do Santuário, de forma que mantivéssemos a
unidade de cores, de material e de temática.
180

Egidio – no começo do ano, obtive uma bolsa pelo Mackenzie – Santander,


passei 6 meses em Portugal, estudando a leitura da imagem, a teoria da imagem e
também estava tentando encontrar a conecção dos azulejos do Cláudio Pastro com
os azulejos portugueses e também com os azulejos Otomanos e por isso fui até a
Turquia fazer essa pesquisa. Fui muito interessante o seu comentário, porque casa
exatamente com aquilo que eu pesquisei.
Na Nave Norte, no painel das mulheres e da vida cristã, temos o “Cristo
Pantocrator”. O Cristo Onipresente, onipotente. Estou certo?
Pe. Darci – O Cristo Senhor.
Egidio – qual o contexto desta imagem nos painéis centrais? Quais foram os
estudos com a linha, formas e cores, projetos, materiais, desenvolvimento e execução
desta Obra?
Pe. Darci – Se nós temos a Mulher vestida de Sol no trono, fazendo o
contraponto disto está o Cristo Rei, o Cristo Senhor, o Cristo douto, o Cristo sábio. O
Cristo sabedoria. É o Cristo professor. O Cristo Senhor da História. Ele preside. Aquele
que foi concebido no seio da Virgem, virou hoje realidade. Isso faz o contraponto.
Depois, em outro eixo da Basílica nós dizemos que a humanidade também é elevada
à glória de Deus, por Maria, a senhora da Assunção. É a humanidade que também
é acolhida nos tabernáculos do Céu. Se Maria é o tabernáculo, no sentido de que
em seu útero recebeu Jesus Cristo, que desceu até a humanidade, Maria assunta
aos céus representa a humanidade que sobe para Deus. Se Maria era o tabernáculo
de Cristo, Deus abriu os tabernáculos do céu para recebê-la de corpo e alma. É a
prefiguração da nossa ressurreição. Nós também um dia estaremos na glória, junto
de Deus.
Como contraponto de Maria da Assumpção está o cavalo do Apocalipse, que
é a outra ponta. É o Cristo vencedor. É a Igreja que se realiza. É a Igreja que é o corpo
de Cristo, cuja cabeça é o próprio Cristo. Por isso o cavalo do Apocalipse está ladeado
pelos apóstolos e pelos patriarcas.
Egidio – vou retomar um pouco. Na Nave Leste, no painel dos Fundamentos
da nossa Fé, temos o “Cordeiro Imolado e ressuscitado com a cruz”, como referência
ao sacrifício pascal como centro de nossa fé (Apocalipse 5,9 e 19,11). É isso mesmo?
181

Pe. Darci – Exato.


Egidio –qual o contexto desta imagem nos painéis centrais? Quais foram os
estudos com a linha, formas e cores, projetos, materiais, desenvolvimento e execução
desta Obra?
Pe. Darci – Quando nós falamos do Cordeiro Imolado, você vê que ressalta
o vermelho, o sangue, o sacrifício. Quando você vê o Cristo Pantocrator, você
vê o dourado, o o metal que fala da divindade, da pureza excelsa, da dureza, da
durabilidade, etc. Daquilo que não se deteriora, que fala de Deus. Igualmente a Virgem
da Assumção fala mais do azul da Virgem. É a humanidade que entra na glória do céu.
Esses detalhes da arte, das formas, das cores usadas nos painéis, acho que você
pode obter melhor com o Cláudio Pastro. A simbologia mais fina. Mas o sentido é este
que lhe falei.
Egidio – Na Nave Oeste, no painel da evangelização do Brasil, temos ao
centro o capítulo 12 do Livro do Apocalipse. A mulher que está grávida para gerar seu
filho, que é o Cristo, mas por estar permanentemente grávida, é a imagem da Igreja
que gera outros Cristos, nós cristãos. Estou correto?
Pe. Darci – Está correto. Ela está ladeada por homens da Igreja. Você vê um
Helder Câmara, você vê um Tristão de Ataíde, você vê um Victor Coelho, Luciano
Mendes de Almeida.
Egidio – repetindo a pergunta, qual o contexto desta imagem nos painéis
centrais? Quais foram os estudos com a linha, formas e cores, projetos, materiais,
desenvolvimento e execução desta Obra?
Pe. Darci – O sentido é esse que você acabou de dizer. A Igreja que está
continuamente gestando o Cristo. É Ele o espírito que vem a nós. É Ele o esposo,
cuja esposa amada não pode deixar de ser fiel ao seu esposo, tal qual o esposo não
pode deixar de ser fiel à sua esposa amada, a Igreja. É uma linguagem até “erótica”,
por causa o Amor e da Fidelidade, do esposo para com a esposa. Do Amor que gera
a vida, num envolvimento tamanho que um se identifica com o outro, tanto o Cristo
com a sua Igreja, quanto a Igreja com seu Cristo. O que é a Igreja sem o Cristo? Seria
simplesmente uma organização, como qualquer outra, Rotary Clube, Lyons Clube,
Maçonaria. O que a difere é que não é apenas uma organização societária, ela é a
182

esposa do Cristo.
Egidio – o senhor teria documentos que falam sobre a definição das imagens,
os projetos, os traçados?
Pe. Darci – temos isso digitalizado na Engenharia, com todos os passos que
vão sendo dados, até chegar onde chegamos hoje com a Basílica.
Egidio – poderia ter acesso a essa documentação?
Pe. Darci – temos um setor chamado CDM = Centro de Documentação e
Memória. Você precisa vir falar com a Dorotéia, explicar o que precisa e ela vai lhe
mostrar.

4º. BLOCO
Egidio – vamos passar ao último bloco sobre a COMUNICAÇÃO DA OBRA
Egidio– sobrea mensagem – tem algo a acrescentar?
Pe. Darci – Não. Acho que já comentamos tudo acima.
Egidio – dentro da linguagem e estilo que está sendo desenvolvido, observo
uma linguagem contemporânea, que vai de encontro à história do passado. Tive
oportunidade de discutir isso com o artista Cláudio Pastro, sobre as influências da Arte
Egípcia, com a lei da frontalidade, os traços simplificados, que eram característica
da Arte Egípcia para dar perenidade à obra, indo muito além de seu tempo. Também
influências do Bizantino, que é a prevalência do dourado, os mosaicos, o uso da
auréola. O que o Pe. Darci gostaria de acrescentar sobre o tipo de imagem que está
sendo desenvolvida e revista depois do Concílio Vaticano II?
Pe. Darci – O Vaticano II pede uma liturgia simples, sóbria e prática. Deve-se
tirar tudo o que rebuscado da liturgia, justamente para desvestí-la da pompa e buscar a
simplicidade, porque Deus mora na simplicidade, Deus mora na harmonia, Deus mora
na beleza, que não é rebuscamento, mas que é simples. Então, dentro desta filosofia
do Vaticano II, da simplicidade, sobriedade e praticidade, a obra de Cláudio Pastro se
encaixa muito bem dentro desses critérios. Porque não é interesse do artista, dentro
desta perspectiva, falar da forma, mas falar do mistério. Ser o instrumento revelador
do mistério de Cristo.
A arte de Cláudio Pastro remete para algo superior ao próprio homem. E é
183

justamente isto que nós buscamos dentro do Santuário de Nossa Senhora, que é
a superação do possível, é a busca do impossível. E é aí que Deus mora. Somente
Deus responde pelo impossível. Então, desvestir tudo aquilo que pode atrapalhar.
Tirar o humano da arte, para revelar o que há de divino na arte, como Dom, como
manifestação do Artista Maior, do Criador, que é Deus. Cláudio Pastro, neste sentido,
é o co-criador, ajuda a Deus na sua criação, ajuda Deus a revelar-se, ajuda o humano
a tocar o mistério, a superar o possível para atingir o impossível. Então, o tipo da arte
do Cláudio Pastro é de uma arte mistério, não figurativa.
Egidio – gostaria de agradecer o tempo que o senhor dispendeu com a gente,
a abertura de sua agenda para este encontro. Muito obrigado.
Pe. Darci - Ressalto que esta é uma leitura pessoal. A leitura técnica fica por
conta do artista.

184

ANEXO 3

ENTREVISTA COM ZENILDA CUNHA, COORDENADORA DE VISITAÇÃO, SOBRE


A ARTE NA BASÍLICA DE APARECIDA E SUA SIMBOLOGIA

Sou Egidio Shizuo Toda, hoje é 24 de novembro de 2011, às 09h30. Estou


entrevistando Zenilda Cunha, responsável pela apresentação das obras da Basílica
de N. Sra. Aparecida a visitantes. Esta entrevista faz parte da pesquisa de mestrado
em Educação, História, Arte e Cultura, da Universidade Mackenzie.
Zenilda Cunha é a Coordenadora de visitação da Basílica de Aparecida. Uma
de suas tarefas é acompanhar, as pessoas ou grupos, para mostrar as Obras deste
grande santuário, seus significados, comunicação e função litúrgica. A apresentação
das Obras de arte sacra que estão expostas nas áreas interna e externa deste templo,
os materiais utilizados para o revestimento das paredes, pisos e telhados, todos os
painéis de azulejos, afrescos, esculturas, portões, capelas e o Grande Altar Central.
A entrevista com Zenilda foi feita durante uma destas visitas e acompanhada,
além da Coordenadora, por mais duas pessoas.

Egidio - Há outros artistas além de Cláudio Pastro com obras aqui na Basílica?
Zenilda - Sim. As madonas de madeira, da Madona apoiando Jesus numas
das quedas a caminho do Calvário e a outra da Madona recebendo o Cristo morto
nos braços, são de Walter Frasson Os painéis de cimento das capelas é do escultor
Adélio Sarro. E fora da basílica nós temos os painéis com os mistérios do rosário,
que são de Marco Aurélio Funchal. As imagens do apóstolos (sobre os corredores
externos que ligam as capelas do Batismo e da Ressurreição ao prédio da Basílica)
foram feitas por Alexandre Moraes - são feitas de cimento com decopage de bronze.
Ele também é responsável pelas esculturas do Morro do Presépio.

Zenilda começa a visitação. Vista de um dos quatro grandes símbolos num


dos cantos das arcadas externas ao redor da Basílica.
Esta é a nossa roda da vida. Porque aqui nós temos o (qui) Xi e o Ro em
185

grego Cristos é o ungido de nossas vidas, é a roda de nossas vidas e o círculo tem o
significado do infinito. Aqui dá para explicar muito bem também a questão da planta
do Santuário. O Santuário é uma construção de 1955 e o arquiteto responsável era
Benedito Calixto de Jesus Neto (ele é neto do pintor Benedito Calixto). Aqui dá para
explicar muito bem a intenção da planta do Santuário.
O Santuário tem o formato de uma cruz grega e latina. Latina – que são as
naves principais no formato da cruz que Cristo que simboliza o sacrifício. E a cruz
grega que é formada pela outras alas representadas pelas capelas de passagem
onde temos as madonas e as capelas de São José e do Santíssimo, que formam uma
cruz grega, perfeita em todos os lados. E a cruz grega ela significa “vitória”. Então a
cruz grega sobreposta à cruz latina forma uma estrela guia. Eu diria que o santuário é
uma estrela guia que, através de Maria, nos conduz até Jesus.
E a gente olha aqui, tem essa trama preto e branca, que é uma referência à
forma indígena da água. Uma referência aos indígenas que acolheram a evangelização.
Essa roda representa então um todo, desde a evangelização dos indígenas até a
evangelização presente hoje.

Vista do piso das arcadas externas ao redor da Basílica


Vocês observam essas ondas partindo aqui do círculo e que na realidade
contorna todo o Santuário. Elas representam as águas do Rio Paraíba. Então, nas
arcadas nós vamos caminhar sobre o Rio Paraíba do Sul, através do qual nós vamos
ser conduzidos até Maria. E a água tem um simbolismo muito grande dentro da visão
litúrgica, no sentido de que nós fomos batizados, mergulhados com Cristo e a ação do
Espírito Santo é contínua em nossas vidas. Então, as águas são a ação do Espírito
Santo que nos conduzem até Jesus. E a gente vai, a gente não se perde nunca. Quem
está com Maria não se perde nunca.”

Vista do gradil ao longo das arcadas externas da Basílica


Um dos nomes indígenas para o Brasil era Pindorama – terra das palmeiras.
Os desenhos deste gradil são uma referência a essa nome indígena para o Brasil e
também uma referência ao primeiro morro – o Morro dos Coqueiros, onde foi contruída
186

a primeira capela de Nossa Senhora, onde hoje está a Matriz Basílica, que hoje nós
chamamos Basílica Velha.

Os tijolos da Basílica
Por que o tijolo que reveste a Basílica? O tijolinho, dentro da religiosidade, é
uma referência ao fato de que nós viemos do barro moldado por Deus, assim como
uma referência à pequenina imagem (imagem milagrosa de Nossa Senhora), que
é feita de terracota, de barro cozido. Por isso é que a Basílica não é revestida de
mármore. Nós somos o pó de Deus, assim como a pequenina imagem encontrada
no rio. Uma curiosidade que se tem é a de quantos tijolos. A última contagem, feita
há diversos anos atrás, alcançava 25 milhões de tijolos. Mas de fato hoje já estão
beirando os 30 milhões – isso só na construção. E no revestimento (a contagem) é de
1 milhão e 200 mil tijolos e 257 mil telhas azuis.

Porta Santa
E caminhando, porque estamos sob a ação do Espírito Santo que conduz
a nossa vida, nós chegamos à Porta Santa, na Nave Norte. Este é o coração de
entrada do Santuário. As pessoas têm dúvidas, porque como são quatro lados
iguais, mas esta é a entrada principal, com a face voltada para o rio (Paraíba
do Sul), como as antigas igrejas. Esta foi a primeira das quatro naves que foi
construída. Essa imagem de Nossa Senhora da Assunção está aqui desde maio
de 1955. E esta ala, que é a Nave Norte, a partir de novembro de 1955 e há uma
simetria perfeita entre todas as alas.
Neste símbolo da entrada principal nós vemos o círculo, que representa o
infinito e o brasão de entrada, onde consta ‘Basílica Nacional de Nossa Senhora
Aparecida’, onde nós temos: as chaves que simbolizam Pedro; temos esta haste, com
este guarda-chuva branco, que é o GOLFALORO, o símbolo de Basílica Menor e que
representa a proteção de Deus sobre nós. Temos o sino, que é o chamado de Deus
em nossas vidas. A flor-de-liz eráudica, que simboliza a nobreza de Deus, e então
a cruz de Cristo e a estrela guia, justamente nos conduzindo a Maria. Nós também
temos os peixes que somos nós, os novos cristãos e também, como uma referência
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à questão da pesca milagrosa de Nossa Senhora, e uma referência ao Alfa e ômega,


no sentido de Ave Maria.

Os vitrais sobre a Porta Santa representam os dedos da mão de Deus.


Capela das Velas
Continuando, nós temos a Capela das Velas, um dos pontos mais visitados,
depois de Nossa Senhora e a sala das promessas. Se a gente olha para o chão,
vemos estes círculos, com os quais Cláudio Pastro quis representar as sete virgens
prudentes, aquelas que guardaram o óleo para o encontro com seu esposo, aqui
representado como o Cristo. E as sete virgens imprudentes, que não quiseram guardar
o óleo para o encontro com o seu esposo.
Aqui encontramos no chão simbolizada a “Sarsa Ardente” – lembrando o
chamado de Deus a Moisés – tire suas sandálias e venha até mim. É aqui a simbologia
de Cristo nos chamando a estar aqui, ela tem o mesmo nome da cruz que está sobre
o presbitério, sobre o altar principal da Basílica, que é a “Cruz do Nada”, onde Cristo
está invisivelmente presente no meio de nós.
E nós temos inclusive aqui dois “menorás” investidos, que representam a
Santíssima Trindade, mais os elementos da natureza (terra, água, ar e fogo) e os
pontos cardeais.

Arcadas e monogramas
Neste outro ângulo das arcadas externas nós temos o monograma do Sol e da
Lua. Jesus é o Senhor do tempo, do espaço, do cosmo. Ele é o centro de todo o nosso
universo. Daqui nós vamos para a Jerusalém Celeste. As águas nos acompanham
ao longo das arcadas. É como se fossem várias cidadelas, uma entermeando com a
outra, formando a assembléia de Deus.
Caminhando sobre ele, pelas arcadas externas, passamos em frente à
imagem original da Mãe de Deus, encontrada no rio onde está o Porto Itaguaçu.
Entre as arcadas externas, no piso do adro principal, na face norte, temos o brasão
da Basílica. A forma indígena de cestaria simboliza a terra brasileira que recebeu
o Mistério Cristão. No ângulo noroeste, entre a Basílica e a Torre Brasília, temos o
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monograma grego de Cristo ou a Roda da Vida.


Aqui na arcada externa leste, também temos os painéis de marco aurélio
Funchal, sobre os mistérios do rosário. Temos os quatro mistérios da glória, propostos
pelo Papa João Paulo II.
Chegamos ao monograma da Jerusalém Celeste – o conduzir do povo até
o templo sagrado – conduzir os peregrinos até a casa do pai. Por isso, esse é o
monograma que está voltado para a Rodovia Presidente Dutra, por onde afluem os
peregrinos, os romeiros. É interessante lembrar que os peregrinos juntavam e juntam
dinheiro a vida toda para visitar a Jerusalém terrena. Aqui no Brasil esta também é a
realidade. Muitos romeiros juntam suas economias todo o ano ou mais tempo, para
vir um dia no ano visitar Nossa Senhora. A Jerusalém Celeste tem como imagem o
Santuário. E o fluxo é: nós como peregrinos vimos pela estrada e somos conduzidos
à Jerusalém Celeste, a casa do Pai. A gente termina justamente nas costas da Capela
de São José, o pai adotivo de Jesus. E quando se entra na capela, temos dois painéis,
um que é a apresentação do Menino Jesus ao templo – José e Maria foram peregrinos
levando Jesus até o templo. E lá dentro o templo é o Santuário de Aparecida.
O círculo da abundância dos peixes, uma referência ao primeiro milagre de
Nossa Senhora está exatamente na ala da Basílica voltada para o Porto Itaguaçu,
onde foi encontrada a imagem em 1717. Este círculo, não é sem sentido que está
atrás da Capela do Santíssimo, com a seguinte leitura: a abundância dos peixes é o
alimento para os homens e nós novos cristãos somos chamados a buscar o alimento
espiritual, que é Cristo.

O Santuário representa os quatro pontos cardeais.


O altar da Senhora Aparecida
O rio continua e se estende até os pés de Nossa Senhora.(mostrar o rio).
Somos conduzidos pelo Espírito Santo até Maria, que vai nos trazer Jesus. Quando
chegamos ao pé da rampa que leva ao altar de Nossa Senhora, temos os peixes, que
são uma referência à abundância dos peixes, um dos milagres, de quando foi achada
a imagem de Nossa Senhora. Também é uma linguagem litúrgica, nós novos cristãos
somos chamados a estar com Jesus, através de Maria.
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Nós vamos ver muito ouro, com tons em branco e as várias tonalidade de
azul. Estas são referências às terras da Mesopotâmia, associadas com o pai da
fé judaica e cristã - Abraão. Os azulejos também são uma homenagem à nossa
herança Ibérica (Portugal e Espanha). Pode-se observar muitos detalhes indígenas
como referência aos índios, porque esta região, de Aparecida e de Guaratinguetá,
era uma região de índios, puris e colorados, que existiam aqui na região. Este painel
tem caráter religioso e histórico.
A imagem, depois de encontrada (em meados de outubro de 1717), é
colocada na casa dos próprios pescadores. Depois é feito um pequeno oratório
onde hoje é a igreja de São Geraldo, que é pequenina. Depois vai para a primeira
capela, de 1745, que recebe uma ampliação de 1834 a 1888, que é a Basílica Velha.
Depois a imagem veio para a Nova Basílica. Estamos perto da celebração dos 300
anos de encontro da imagem.

Os painéis ao redor do Grande retábulo


Junto ao nicho onde está a imagem de Nossa Senhora, Cláudio Pastro
desenvolveu 4 painéis, painéis 1 e 2 à esquerda e painéis 3 e 4 à direita.
No painel 1 temos a cena do encontro da imagem, com a flora da região, os
três pescadores (Domingos Garcia, Felipe Pedroso e João Alves). Temos o vilarejo dos
pescadores, e garças brancas, que são uma referência à cidade de Guaratinguetá =
palavra indígena que significa “terra das garças brancas”. Uma referência ao encontro
da imagem na cidade de Guaratinguetá. Cabe um parênteses. O lugarejo da época,
pertencente a Guaratinguetá, cresceu tanto que se transformou em cidade – a cidade
de Aparecida, em honra de Nossa Senhora.
Nos painéis 2 e 3, ladeando o nicho da imagem de Nossa Senhora, nós temos
as 12 grandes mulheres que antecederam a Maria, no antigo testamento. De Eva a
Miriam, de Débora a Ester. Cada uma delas traz um traço de Maria.
O painel 4 é uma referência aos milagres de Nossa Senhora. No canto
superior esquerdo uma alusão à sala das promessas, onde os romeiros depositam
lembranças das graças recebidas e também estão representados os milagres que
aconteceram logo no início da devoção, a partir de 1717: o milagre das velas, na
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casa dos pescadores, quando num momento de oração o vento apagou as velas e
elas se acenderam sozinhas; o milagre do escravo, que estava acorrentado e pediu
ao capataz que o levava para rezar em frente a Nossa Senhora – quando todas as
correntes dos pés e das mãos se partiram (informado do ocorrido, o seu senhorio o
libertou); o milagre da visão - de uma menina cega que veio em peregrinação por
3 meses desde Jaboticabal; e o do cavaleiro de Cuiabá – era ateu e queria entrar a
cavalo na Igreja – o cavalo resistiu todas as ordens e chicotadas do cavaleiro e não
entrou e no seu trotar muito forte deixou a marca de uma das patas no piso de entrada
da Basílica (na época a Basilica Velha) – fenômeno que converteu o cavaleiro.

O retábulo
A parte principal do Santuário está voltada para a mulher do Apocalipese =
a mulher revestida de Sol. Por isso que o nicho de Nossa Senhora está dentro do
Sol.O retábulo é todo em dourado, com a associação ao sol e com tons de branco, em
referência à Imaculada Conceição.
No retábulo acima do nicho da imagem de Nossa Senhora estão os arcanjos:
Miguel, Gabriel e Rafael. É a simbologia de como os nossos pedidos são levados
aos céus, e como Maria nos devolve os pedidos em graças. E cada anjo representa
um atributo de Deus: Miguel = o poder de Deus (em hebraico, significa: quem como
Deus); Gabriel = Deus anuncia (em hebraico, GABRÍ = anunciar); Rafael = Deus cura
(em hebraico, RAFÁ = curar). Dentro do nicho, que foi refeito recentemente, o oratório
onde está a imagem. Agora o revestimento em ouro do oratório tem muitos peixes,
representando a imagem no meio dos peixes, em associação à abundância de peixes
que veio na rede, quando ela foi encontrada. Também essa imagem dos peixes remete
ao apocalipse: “E o Espírito e a esposa dizem: Vem Senhor” (Apocalipse – capítulo 22,
versículo 17). A coroa de ouro utilizada foi doada pela princesa Isabel.
A imagem de Nossa Senhora é retirada duas vezes ao ano, para manutenção
pela restauradora, Marilena Chafuri e equipe, que foi quem restaurou a imagem no
ano de 1972, quando um indivíduo descontrolado destruiu completamente a imagem,
ainda quando na Basílica Velha.
A imagem à noite fica voltada para a capela dos apóstolos. É por lá que se
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tem acesso à imagem. É uma capela pequena, com cenas do Pentecostes, que é o
início da Igreja. Cabe no máximo 50 pessoas e foi construída em estilo neo-românico.
Flores e frutos usados: bromélia, flor de liz e flor de lotus.

As quatro Naves que formam a cruz e o Altar Central


São 34 figuras representando:
Nave Sul – infäncia de Jesus – os tons de azul e branco – que são as cores
da Imaculada Conceição.
Nave Norte – Vida pastoral de Jesus – tons de azul mas com a rosácea em
tons mais vibrantes, indicando o sacrifício pelo qual Jesus vai passar
Nave Oeste – a paixão – com tons lilás e roxo – simbolizando a conversão e
a penitência.
Nave Leste – a ressurreição – esperança e a perseverança na glória eterna.

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