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Direitos Fundamentais

Prof ª. Ana Maria Guerra Martins


António Rolo

I – Introdução

Considerações Preliminares Gerais

Noção de Direitos Fundamentais1 2

- JORGE MIRANDA – direitos ou as posições jurídicas activas das pessoas


enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na
Constituição, seja a formal ou a material, podendo, por conseguinte, haver
direitos fundamentais em sentido formal e em sentido material.

- Sentido formal de direitos fundamentais – deve-se ter por direito


fundamental toda a posição jurídica subjectiva das pessoas consagrada na
Lei Fundamental

- Tal posição jurídica subjectiva fica, só por estar inscrita na


Constituição formal, dotada da protecção a esta ligada, nomeadamente, a
consideração de uma lei como inconstitucional se violar o direito fundamental –
naturalmente, todos os direitos fundamentais em sentido formal são-no em
sentido material.

- Sentido material dos direitos fundamentais – admitir que direitos


fundamentais fossem em cada ordenamento aqueles direitos que a sua
Constituição, expressão de certo e determinado regime político, como tais
definisse, seria o mesmo que admitir a não consagração, a consagração
insuficiente ou a violação reiterada de direitos como o direito à vida, a
liberdade de crenças, etc. só por serem menos convenientes para um dado
regime, como mostram as experiências europeias dos anos 30 a 80 do séc. XX.

- Para o autor, não há dúvidas: os direitos fundamentais, deverão ser


entendidos, prima facie, como direitos inerentes à própria noção de pessoa
(vida humana). Eles derivam não só da proclamação pelo legislador constituinte,

1 JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Direitos Fundamentais: uma Introdução Geral,


2ª Edição, Principia, Lisboa, 2011, pp. 22 ss
2 JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, 3ª Edição, Coimbra Editora,

Coimbra, pp 5-12

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mas também da concepção de constituição dominante, ideia de Direito,
sentimento jurídico colectivo, etc. Não se exclui o apelo ao Direito Natural, ao
valor e à dignidade humana, entre outros. Mas esse apelo não serve para
dilucidar a problemática constitucional dos direitos fundamentais – os
direitos tidos como fundamentais são tantos que apenas alguns deles poderiam
entroncar (pelo menos directamente) na dignidade da pessoa (ex: direito de
antena, acção popular e comissões de trabalhadores, não entroncariam de
certeza).

- Assim, com o conceito material de direitos fundamentais não se


trata de direitos declarados, estabelecidos, atribuídos pelo legislador
constituinte – trata-se dos direitos resultantes da concepção de Constituição
dominante, da ideia de Direito, do sentimento jurídico colectivo – daí essa
concepção assentar num mínimo de respeito pela dignidade do homem concreto

- Distinção tem raízes na 9th Amendment da Constituição dos E.U.A. – cláusula


aberta de direitos fundamentais ou no art. 16.º/1 da CRP

- KELSEN – 9th Amendment consagra doutrina dos direitos naturais

- Ambas estas constituições aderem a uma ordem de valores que


ultrapassam disposições dependentes da vontade do legislador, o que
revela o declínio dos direitos meramente declarativos e não constitutivos.

- Assim, direitos não ficam à mercê do poder político, já existentes


ou não;

- JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO – os direitos fundamentais visam proteger poderes


e esferas de liberdade das pessoas.

- Antes de mais, protegem as pessoas na sua relação com o Estado e,


assim, normalmente, traduzem-se no impedimento de ingerências por parte
do Estado.

- Contudo, os direitos fundamentais não se esgotam nessa dimensão


negativa, sendo que há direitos fundamentais que pressupõem uma acção
positiva por parte do Estado (ex: direito à habitação – art. 65.º). Pergunta-se
MELO ALEXANDRINO, serão direitos desses realmente direitos fundamentais?
Responde – se respeita a todos (universalidade), responde a uma exigência
social constante (permanência) e satisfaz necessidades básicas das pessoas
(fundamentalidade), é.

- Conclui o autor – situações jurídicas das pessoas perante os poderes


públicas consagradas na Constituição.

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- SÉRVULO CORREIRA – adopção de um conceito material de qualificação de
direitos fundamentais para o efeito de na sua base seleccionar quais devem ou
não ingressar no catálogo

- ATTN: art. 17.º - direitos fundamentais de natureza análoga.

Considerações Preliminares por IVO BARROSO

- Existe costume constitucional?

- GOMES CANOTILHO – o corpus constitucional pode ser formado por um


costume constitucional.

- Existirá uma norma constitucional consuetudinária – não escrita –


integradora do corpus constitucional quando no sistema jurídico
constitucional se verifica a inconstitucionalidade social de um acto ou facto
aos quais é reconhecida a significação de carácter constitucional.

- O facto do Presidente da República nomear como Primeiro-Ministro


o ‘candidato a Primeiro-Ministro’ do partido mais votado – nada é dito na
constituição escrita (art. 187.º); acesso ao STJ – art. 215.º/4 – em clara oposição
à constituição escrita.

- Como todos os costumes, este tem dois elementos: o corpus e o animus.

- Segundo GOMES CANOTILHO, o resultado corporiza-se no alargamento do


corpus constitucional a outras normas não produzidas pelo poder
constituinte formal. O sistema perde exaustividade de regras
constitucionais nas quais se baseia principalmente o sistema constitucional
escrito/formal

- Pode justificar-se em nome do carácter aberto do sistema constitucional


no qual se poderão desenvolver usos institucionais, sempre factos/actos
materiais compreendidos como comportamentos juridicamente
vinculativos.

- Ius cogens – vinculação do Estado ao Direito Internacional começa pela


observância e cumprimento do chamado ius cogens.

- Embora o seu núcleo duro esteja por recortar, existem, diz GOMES
CANOTILHO, alguns princípios inquebrantavelmente limitativos do Estado –
paz, independência, respeito pelos direitos humanos, auto-determinaçao dos
povos, solução pacífica de diferendos, não ingerência, etc.

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- GOMES CANOTILHO – Estado de Direito no plano interno deve respeitar
direitos humanos como um núcleo básico do Direito internacional
vinculativo para as ordens jurídicas internas (direitos consagrados em
grandes pactos internacionais, ou, como as constituições holandesa e austríaca,
proclamação do Direito Internacional Público como fonte de direito).

II - O Sistema Constitucional Português de Direitos e Deveres


Fundamentais

O Sistema de Direitos Fundamentais nas Constituições


Portuguesas Anteriores a 1976 (TBA)

Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976: a


Versão Originária e as Posteriores revisões (TBA)

A Centralidade Constitucional do Ser Humano e da Dignidade


Humana e a Unidade de Sentido dos Direitos Fundamentais 3

- JORGE MIRANDA – a Constituição, a despeito do seu carácter compromissório,


confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao
sistema de direitos fundamentais.

- Ela repousa na dignidade da pessoa humana, proclamada pelo art. 1.º,


i.e., na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do
Estado.

- Pelo menos, de modo directo e evidente, os direitos, liberdades e garantias


pessoais e os direitos económicos, sociais e culturais comuns têm a sua
fonte ética na dignidade da pessoa, de todas as pessoas.

- Por exemplo, não se prevê a participação na vida política pela participação,


prevê-se e promove-se como expoente da realização das pessoas.

- Para além da unidade do sistema, o que conta é a unidade da pessoa – a


conjugação de diferentes direitos e das normas constitucionais, legais e
internacionais a eles atinentes torna-se mais clara a esta luz. Com todas as
divisões e interesses que puxam o homem, só na consciência da dignidade
pessoal retoma unidade de vida e de destino.

3 JORGE MIRANDA, Manual de..., pp 180-195

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- Art. 1.º DUDH precisa e explica a concepção de pessoa da Constituição,
recolhendo as inspirações de diversas filosofias e correntes jusnaturalistas –
‘todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Dotados de razão e de consciência devem agir uns para com os outros em
espírito de fraternidade’.

- Dotados de razão e de consciência – denominador comum de todos os


seres humanos em que consiste essa igualdade, independentemente de
diferenciações económicas, culturais e sociais. A ênfase na consciência é a razão
pela qual não podem as pessoas desprender-se da consciência jurídica dos
homens e dos povos.

- A dignidade da pessoa é a da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana,


não é de um ser ideal e abstracto – é o homem ou mulher, tal como existe, que
a ordem jurídica considera irredutível, insubstituível, irrepetível, e cujos direitos
fundamentais a Constituição enuncia e protege.

- Leva à proibição da pena de morte – 24.º/2 e à proibição de extradição para


Estados com pena de morte – 33.º/4; veda a suspensão, mesmo em estado de
sítio, em qualquer caso, dos direitos à vida, integridade e indentidade
pessoal, liberdade de consciência, religião, etc. – art. 19.º/6, entre muitos
outros, também se vê na igualdade; na relação entre privados (18.º/1, in fine);
até os direitos laborais, como a organização do trabalho em condições
dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal (59.º/1 b));

- Até o facto do direito da propriedade estar nos DESC e não nos DLG mostra
que os direitos, liberdades e garantias respeitam, primeiro que tudo, ao ser
da pessoa e não ao ter, que às vezes a diminuição do ter pode contribuir para o
ser (art. 80.º - distribuição)

- É indissociável da autonomia pessoal (v. arts. 26.º/1, 41.º/5 – livre


desenvolvimento da personalidade e liberdade religiosa)

A Dupla Dimensão dos Direitos Fundamentais: Subjectiva e


Objectiva 4

Introdução

- VIEIRA DE ANDRADE – a diferença entre a matéria de direitos fundamentais e os


direitos fundamentais como categoria jurídica de direitos subjectivos radica no

4VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de


1976, 2ª Edição, Almedina, 2001

5
facto de alguns dos respectivos preceitos constitucionais não conferirem
quaisquer posições jurídicas subjectivas, estabelecendo somente regras e
princípios destinados a garantir os direitos individuais ou a definir o seu regime
jurídico.

- Tal diferença radica de se reconhecer a todo o conjunto normativo,


incluindo as próprias normas que prevêem as posições jurídicas
subjectivas, funções ou efeitos que não se restringem a essa dimensão
subjectiva da relação indivíduo-Estado.

- Assim, ultrapassadas as perspectivas puramente individualistas associadas


a concepções atomísticas da sociedade, é hoje entendimento comum que os
direitos fundamentais são os pressupostos elementares de uma vida
humana livre e digna, tanto para o indivíduo como para a comunidade – o
indivíduo só é livre e digno numa comunidade livre, e a comunidade só é
livre se for composta por homens livres e dignos.

- Por isso, a generalidade dos autores alude à existência de uma dupla


dimensão/natureza/carácter dos direitos fundamentais.

- Para VIEIRA DE ANDRADE, essa distinção faz sentido para mostrar que os
preceitos relativos aos direitos fundamentais não podem ser pensados
apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto posições jurídicas de
que estes são titulares perante o Estado, designadamente para deste se
defenderem, antes valem também do ponto de vista da comunidade, como
valores que esta se propõe prosseguir, em grande medida, através da acção
Estadual.

- Por um lado, no âmbito de cada um dos direitos fundamentais, em volta


deles ou nas relações entre eles, os preceitos constitucionais determinam
espaços normativos, preenchidos por valores ou interesses humanos
afirmados como bases objectivas de ordenação da vida social.

- Por outro, a dimensão objectiva é pensada como estrutura protectora


de efeitos jurídicos, enquanto complemento e suplemento da dimensão
subjectiva, na medida em que se retiram dos preceitos constitucionais
efeitos não totalmente reconduzíveis às posições jurídicas subjectivas,
estabelecendo-se obrigações para o Estado, reforçando a imperatividade dos
direitos individuais e alargando a sua influência normativa no
ordenamento jurídico e na vida em sociedade.

- Alerta o autor que a doutrina constitucional refere a dimensão objectiva em


contextos variados – a propósito das garantias institucionais, da eficácia externa
ou horizontal, efeito de irradiação, dos deveres de protecção do Estado, etc. – o
que acontece é que muitas destas situações são, em bom rigor, reconduzíveis a

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um alcance subjectivo na medida em que se aceita haver faculdades ou
direitos subjectivos à protecção, organização e ao procedimento,
prestações, entre outros.

- Propõe então considerar o direito subjectivo como dimensão principal,


que abrange todas as faculdades susceptíveis de referência individual,
reduzindo a dimensão objectiva uma ‘pura dimensão objectiva’, em que só
têm lugar os conteúdos normativos a que não possam corresponder
direitos individuais.

Características Essenciais do Conceito de Direito Subjectivo Fundamental

- Entendendo-se aqui, de forma tradicional, num sentido amplo de posição


jurídica subjectiva activa ou de vantagem. Partindo disso, quais as
características?

- Posições jurídicas subjectivas:

- Individuais – só os indivíduos podem ser titulares de direitos


fundamentais, pois a dignidade humana que os fundamenta só vale para as
pessoas físicas e não para as pessoas jurídicas ou colectivas. Existem, contudo,
direitos de exercício colectivo (greve, associação, etc. – o elemento colectivo
integra o conteúdo do próprio direito. Mas o titular continua a ser a pessoa
individual, pois a colectividade é apenas instrumento do exercício). E o art.
12.º/3 e as pessoas colectivas? Mesmo assim, as considerações relativas aos
direitos de exercício colectivo mantêm-se. Podem ser direitos formalmente
atribuídos às pessoas colectivas, mas na essência, não o são, são de
indivíduos – assim, os direitos subjectivos fundamentais representam
posições jurídicas subjectivas individuais, embora em alguns casos e em
certos aspectos eles possam ser directamente encabeçados por pessoas
colectivas privadas ou organizações sociais.

- Universais – vide princípio da universalidade

- Fundamentais – corresponde à sua importância para salvaguarda da


dignidade da pessoa humana num certo tempo e lugar, definida, por isso,
de acordo com a consciência jurídica geral da comunidade.

Dimensões Objectivas dos Direitos Fundamentais

- Mau grado a sua posição central e nuclear na estruturação jurídica da matéria, o


‘direito’ (i.e., a posição jurídica subjectiva) fundamental não explica todas as
consequências jurídicas resultantes da consagração de direitos

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fundamentais, não abarcando toda a relevância jurídica dos preceitos
constitucionais atinentes a essa matéria.

Garantias Institucionais

- Há a considerar os efeitos jurídicos produzidos pelas normas


constitucionais que não conformam quaisquer posições subjectivas.

- Por vezes, ela estabelece regras ou impõe deveres, designadamente às


entidades públicas, com a função principal e a intenção de garantir, realizar
e promover a dignidade da pessoa humana centrada em posições
subjectivas.

- Tem-se em vista as chamadas garantias institucionais, em que um conjunto


jurídico-normativo regula um determinado sector da realidade económica,
social ou administrativa em torno de um ‘direito’ fundamental e em vista
da sua realização.

- Será o caso da responsabilidade civil do Estado e demais entidades


públicas por danos causados em violação dos DLG’s – art. 22.º - ou a
contratação colectiva – 56.º/3 – para proteger os direitos fundamentais dos
trabalhadores.

- Concluindo, como diz VIEIRA DE ANDRADE, deve entender-se que as garantias


institucionais se referem ao complexo jurídico-normativo na sua essência e
não à realidade social em si, de modo que, como veremos adiante, é com esse
alcance que vinculam o legislador.

Deveres de Protecção do Estado

- VIEIRA DE ANDRADE - passou a dar-se relevo à existência de deveres de


protecção dos direitos fundamentais por parte do Estado, designadamente
perante terceiros – a vinculação dos poderes Estaduais aos direitos
fundamentais não se limitaria ao cumprimento do dever principal
respectivo, antes implicando o dever de promoção e protecção dos direitos
perante quaisquer ameaças, para se conseguir assegurar a sua efectividade.

- Ideia primitiva de que os direitos eram meros direitos de defesa


(Abwehrrechte) no quadro das relações indivíduo-Estado não permitira conceber
o Estado como protector dos direitos fundamentais, porque era outro o

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papel que lhe cabia. Essa ideia do Estado amigo dos direitos fundamentais
traduz-se na responsabilidade do mesmo pela sua garantia efectiva através de
toda a actividade estadual: legislativa, administrativa e judicial.

- Mesmo assim, o Estado, através de garantias de segurança pública,


Direito Penal, etc.

- Era mais visto como exercício de uma função comunitária e não como
garantia de direitos fundamentais – só com a concepção de Estado-Prestador,
associada aos direitos sociais, se abriu caminho para a concepção do Estado
amigo dos direitos fundamentais.

- Como diz o autor supramencionado, Estado deverá fazer todas as normas


necessárias, organizar e realizar todas as actuações administrativas e velar
pelo funcionamento adequado dos tribunais de modo a assegurar a todos os
níveis e em todas as circunstâncias, uma protecção efectiva dos direitos
fundamentais dos cidadãos – direitos fundamentais exigem actuação
estadual para lhes dar vida e criar efectividade.

- Dever de protecção ao nível da intervenção legislativa para além dos


deveres específicos expressos em alguns preceitos – é uma imposição
genérica (e não especial),

- Naturalmente, não se poderá radicalizar – direitos fundamentais


devem ser assegurados na medida do possível e com limitações, como direitos
alheios.

- Caso Ärzte für das Leben – liberdade de reunião não se entende como um
mero direito de abstenção por parte do Estado – neste caso, se a liberdade de
reunião é entendida como um direitos fundamental para a participação política
dos cidadãos, ela exige uma protecção positiva do seu exercício por parte da
autoridade quando exista risco sério ao seu exercício. Assim, na
manifestação desses médicos pró-vida, a política devia ter actuado para evitar
confrontos com contra-manifestantes – nessa situação, a discricionariedade da
polícia para agir ou não reduz-se a 0.

- Em causa está a pretensão a que o Estado proteja os particulares


das agressões de 3ºs – também se integram nos Abwehrrechte (o que não lhes
dá necessariamente um carácter negativo) – é um Schutzgebot, imperativo de
tutela.

- Aplicam-se unanimemente aos DLG’s. E aos direitos sociais?

- ISENSEE propõe uma série de pressupostos para aferir da necessidade de


protecção ou não dos direitos fundamentais, excluindo os direitos sociais,
dizendo só que não há razões sociais para isso:

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- Situação de perigo para o direito fundamental

- Efeito jurídico (actualização da protecção, bem como escolha dos


meios para o cumprimento da missão protectiva do Estado)

- Pressupostos de meio escolhidos, em especial para a intervenção junto


de quem perturba o direito fundamental

- O status da vítima, em especial, o seu direito subjectivo à protecção da


vítima

- É necessário recorrer a essa dogmática em Portugal? Se calhar não, pois os


direitos fundamentais já estão protegidos com o art. 272.º/1 – dever de
protecção policial.

- De frisar a já clássica posição de VASCO PEREIRA DA SILVA, baseada na teoria da


norma de protecção de BACHOF, pela qual se propõe uma unificação. Existem
duas formas de atribuir um direito subjectivo – a expressa atribuição de um
direito (norma atributiva de um direito ou norma de atribuição); imposição de
um dever (norma obrigando a uma determinada conduta, criadora de um dever)
– entre direitos subjectivos e interesses legítimos não existem diferenças
de substância, mas sim de grau, não de qualidade mas sim de quantidade,
maior ou menor amplitude do seu conteúdo.

- Uma coisa é certa: esta dimensão objectiva dos direitos fundamentais,


especialmente concretizada nos deveres de protecção do Estado, mostra um
pouco como a diferença entre direitos negativos e positivos está
ultrapassada. Até direitos sempre tidos como negativos (manifestação, como no
caso), impõem uma qualquer actuação do Estado.

O Regime Jurídico dos Direitos Fundamentais

A Divisão Entre Direitos, Liberdades e Garantias e Direitos Económicos,


Sociais e Culturais5

- MELO ALEXANDRINO – é possível observar na CRP, atendendo a um critério de


força jurídica e de conteúdo principal, uma divisão entre direitos, liberdades
e garantias – arts. 24.º a 57.º e beneficiários de um regime particularmente
qualificado – e direitos económicos, sociais e culturais – 58.º a 79.º

- A distinção entre DLG’s e DESC’s tem de partir de um ponto de apoio


suficientemente sólido, especialmente se pensarmos nela como
componente central do sistema de direitos fundamentais da CRP:

5 MELO ALEXANDRINO, Direitos..., pp 43-47

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- Os DESC’s são direitos fundamentais, i.e., situações jurídicas das pessoas
garantidas perante o Estado numa Constituição formal (definição de JMA)

- Uma vez que os direitos fundamentais podem ser tomados como situações
compreensivas ou analíticas, quando na CRP se procede à distinção entre duas
categorias, tem-se unicamente em vista o plano das situações compreensivas.

- Ora, uma vez que as normas constitucionais estão em geral pensadas desse
modo, a elaboração da distinção tem de olhar naturalmente para o
conteúdo principal dos direitos (podendo então esse conteúdo ser
reconduzido a um direito a acções negativas, prestações positivas e a
competências)

- Prestações resultantes dos DESC’s estão constitucionalmente consagradas,


pelo que não se confunda com direitos a prestações ciradas por lei.

- Outros

- Ora, quanto aos critérios de distinção, os dois planos mais relevantes são o do
direito positivo e o técnico jurídico:

- No plano constitucional positivo, a distinção deve ter em linha de conta


que, em princípio, os direitos previstos no Título II da Parte I apresentam um
acentuado cunho perceptivo, ao passo que os direitos previstos no Título III da
Parte I se apresentam em geral como direitos a acções do Estado. Daí resulta
que o conteúdo principal dos DLG’s se traduz em direitos negativos (impondo
ao estado deveres de protecção) ao passo que o conteúdo principal dos DESC’s se
traduz em direitos positivos, impondo ao Estado deveres de promoção.
Além disso, os DLG’s articulam-se de forma privilegiada com os princípios da
liberdade, igualdade formal e do Estado de Direito, ao passo que os DESC’s se
articulam preferencialmente com os princípios da solidariedade, igualdade
material e do bem-estar.

- No plano técnico-jurídico, o ponto de referência decisivo para a


distinção entre as duas categorias de direitos fundamentais passa pelos critérios
da determinabilidade constitucional do conteúdo, da natureza dos
condicionamentos que afectam a realização de cada tipo de direitos e do
tipo de dever do Estado predominante, sendo que os DESC’s estão associados
a um conteúdo indeterminado ao nível da norma constitucional; a ideia de
que a realização desses direitos envolve a definição de prioridades e opções
políticas acerca da canalização dos recursos disponíveis, pressupondo
flexibilidade e gradualismo; proeminência do dever estatal de promoção do
acesso a esses bens públicos; a primazia da dimensão objectiva sobre a
subjectiva.

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- REIS NOVAIS – a grande diferença vê-se no facto dos DLG’s serem
determinados ou juridicamente determináveis, enquanto que os DESC’s são
indetermináveis e, por isso, para serem exigíveis, carecem de prévia
determinação por parte do legislador.

- Como dizia HABERMAS – a realização dos direitos sociais depende de


variáveis económicas e políticas; a realização dos direitos individuais (DLG’s)
é uma exigência requerida pelo princípio do Estado de Direito, ao passo que
os outros têm uma marcada dependência da realidade.

- É diferenciado o grau de vinculatividade das respectivas normas e, no que toca


aos DESC’s, têm de ser deixadas ao legislador democrático as opções sobre
afectação de recursos, bem como o primado da respectiva concretização.

- Art. 17.º - verdadeira ‘norma de articulação’ entre ambos os tipos, bem


como outros ‘guardas de flanco’: princípios da proporcionalidade, igualdade e
protecção da confiança.

Os Direitos Fundamentais de Natureza Análoga6

- MELO ALEXANDRINO – direitos fundamentais que, não estando previstos nos


arts. 24.º a 57.º, por força de um critério jurídico de qualificação, tenham
por objecto e mereçam um tratamento análogo aos dos DLG’s – essa noção
‘enigmática’ é considerada uma norma-chave na Constituição – art. 17.º.

- O art. 17.º serviu como fórmula de extensão do compromisso constitucional


entre as diversas forças políticas que dele pretendiam tirar proveito – uns
para promovere mos direitos e liberdades dos trabalhadores (então no Título III
da Parte I) e outros para garantir as liberdades económicas (umas no Título III,
Parte I e outras na Parte II).

- Revisão de 82 mexeu direitos dos trabalhadores para o Título II e liberdade


económica para a Parte II, simplificando-se ainda o próprio artigo 17.º - efeitos?
Erosão da questão política subjacente a essa cláusula e na feição mais
técnico-jurídica que a mesma passou a revestir, afastando discussões
ideológicas e acolhendo elementos dogmáticos.

- A sua ratio passa a ser conferir maior efectividade jurídica a uma série
limitada de direitos ou posições de direitos fundamentais.

- Doutrina maioritária (JORGE MIRANDA, VIEIRA DE ANDRADE, SÉRVULO CORREIA)


propugnam a aplicabilidade do artigo aos direitos previstos na Constituição
sem excluir eventuais direitos extraconstitucionais que se mostrem
equivalentes aos DLG’s

6 MELO ALEXANDRINO, Direitos..., pp 47-52

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- MELO ALEXANDRINO – as funções do preceito:

- Funções básicas – sinalização (afirma o princípio da diversidade dos


DF’s bem do carácter relativo da sistemática constitucional); função de sistema
(acaba por corroborar uma solução intermédia, nos termos da qual, se reconhece
o carácter jurídico efectivo dos DF’s sociais)

- Funções suplementares: possibilidade de existirem direitos


fundamentais de tipo híbrido (DLG’s com DESC’s, como certas projecções do
direito ao ambiente); dificuldade que dele advém para a tese de que todos os
DESC’s têm conteúdo mínimo, ideia contrária, para JMA, à própria ratio do art.
17.º

- Quais os direitos fundamentais de natureza análoga e qual o critério?

- art. 20.º/1 e 2, 21.º, 22.º, 23.º, 58.º/2 b), 61.º todo, 78.º/1, 103.º/3,
113.º/2, 115.º/2, 239.º/4, 268.º/2, 268.º/4 e 5, 271.º/3, 276.º/7, 280.º/1 b) e 2
b) – acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, direito de resistência,
garantia jusfundamental da responsabilidade das entidades públicas por
violações de DLG’s, queixa ao Provedor de Justiça, garantias especiais de
igualdade no acesso ao trabalho e por aí fora. Leiam lá quais são.

- Como determinar a natureza análoga?

- Num momento prévio, impõe-se a identificação de um direito que sirva


o estatuto básico da pessoa na sua relação com o Estado e a ostentação, a
nível do objecto do direito, de um nível significativo de fundamentalidade
material (expressão da ‘igual dignidade de todas as pessoas)

- Num segundo momento, a analogia pressupõe a satisfação de uma


medida de equivalência aos DLG’s valendo então o critério da
determinabilidade constitucional do conteúdo, nos termos do qual será
análogo todo o direito cujo conteúdo possa ser extraído por interpretação das
normas constitucionais que o reconhecem.

- A que regime estão sujeitos?

- Estão sujeitos integralmente ao regime dos direitos, liberdades e


garantias, na sua componente material (art. 18.º-23.º), orgânica (165.º/1 b)) e
revisão (288.º d)).

- ATTN: diz o autor que nem sempre é análogo todo o direito fundamental,
mas apenas uma das suas dimensões; quanto aos extraconstitucionais, a
extensão do regime está ainda dependente do rigor colocado no critério da
fundamentalidade, sob pena de inaplicabilidade do regime orgânico e o de
revisão constitucional.

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A Abertura do Sistema7

- MELO ALEXANDRINO – a ‘generosidade’ é talvez uma das características mais


salientes da CRP, pois, para além da extensão do carácter de direitos
fundamentais e da admissão doutros direitos fundamentais fora do catálogo, a
CRP mostra ainda uma notável abertura ao DIP e ao DUE e uma assumida
abertura aos direitos fundamentais.

- À primeira vista, a expressão dessa abertura jusfundamental encontrar-se-ia no


art. 16.º/1, segundo o qual os direitos consagrados na Constituição não
excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de
Direito internacional.

- Para a doutrina está aí consagrada uma cláusula aberta de DF’s, nos


termos da qual a CRP admite considerar ainda como DF’s certas situações
jurídicas não previstas na CRP – ‘direitos não enumerados’ –mas tão-só
consagradas em lei ou em regras internacionais. Das primeiras seriam o direito
de recusa de exames e tratamentos hospitalares, direitos dos reclusos e de
estrangeiros (visitas no 1º, reagrupamento familiar no 2º)

- Em boa verdade, diz JMA, num quadro de grande controvérsia e


insegurança científica, seria demasiado apressada a ideia de que na CRP a
abertura do sistema de DF’s funciona através da cláusula aberta, o que nos
obriga a um alargamento do horizonte em análise.

- Origem da cláusula – 9th Amendment à constituição dos EUA, chegando a


Portugal via Constituição brasileira de 1891, estando nas constituições de 1911,
1933 e 76

- Qual o fundamento?

- Explicação jusnaturalista – não satisfaz, porque a Constituição portuguesa


se afastou definitivamente do jusnaturalismo em 35

- Explicação federalista – também não, pois Portugal é um Estado unitário.

- Face ao esquema arquitectónico da CRP, o fundamento da cláusula aberta


parece ser, antes de tudo, o texto e a vontade do constituinte. Daí que, ainda
que nela pareça estar subjacente uma forte preocupação legalista/positivista, o

7 MELO ALEXANDRINO, Direitos..., pp 53-60

14
sentido dessa cláusula venha a ser ainda o de afirmar o primado da
Constituição.

- Se se entender abertura como todo o conjunto de fenómenos por


intermédio dos quais possam ser criados, revelados, alargados ou
ampliados outros DF’s, a realidade ensina que a abertura do sistema de DF’s
pode funcionar por outras vias que não a cláusula aberta, como a admissão de
DF’s dispersos, compreensão aberta do âmbito normativo das normas de DF’s
formalmente consideradas, aditamento expresso de direitos fundamentais,
descoberta jurisprudencial. Todas têm sido usadas na vigência da CRP – primeira
é consagração do legislador constituinte, a segunda e a quarta usadas pelo TC e a
terceira tem feito ampla utilização o legislador da revisão. Alguns exemplos: 1º -
103.º/3, 2º - 26.º/1, 3º - 26.º/1 (na parte da personalidade) e 4º - 63.º/1 e 2

- Então, porque tem sido desprezada a norma de abertura expressamente


considerada no texto constitucional?

- A resposta deve ser encontrada no plano da CRP e fora dela. Boa pá!

- Fora – os ordenamentos onde tais cláusulas foram consagradas também


testemunham um profundo desprezo

- Plano interno – a maior dificuldade colocada pela cláusula do art. 16.º


encontra-se na remissão feita para os direitos constantes ‘das leis’,
colocando o intérprete-aplicador perante contradições dificilmente
superáveis.

- LAURENCE TRIBE – falando da constituição americana, o


constitucionalista vem dizer que as cláusulas abertas não servem para criar
novos direitos, traduzindo-se antes numa instrução dada ao intérprete no
sentido de não interpretar de forma negativa o silêncio da Constituição
relativamente a direitos (uma autêntica rule of construction) – o facto da
constituição nada dizer, sobre o direito a recusar tratamentos médicos não
impede a possibilidade desses direitos poderem vir a ser reconhecidos e
protegidos como os direitos enumerados na Constituição.

- JMA – regra de interpretação simultaneamente


proscritora e prescritiva, linha de pensamento que parece adequar-se
inteiramente às indicações retiradas do programa normativo do art. 16.º/1

- Mas, segundo o autor, o artigo tem ainda outra função suplementar – ao


afirmar em abstracto a admissibilidade de direitos fundamentais
materialmente, mas não formalmente, fundamentais, a CRP pressupõe a
existência de um critério jurídico de fundamentalidade material, como diz
SÉRVULO CORREIA, capaz de, num universo potencialmente ilimitado de direitos
previstos nas leis e nas regras de DIP, revelar quais de entre esses

15
apresentam um potencial de situação jurídica fundamentalmente
relevante.

- O art. 16.º/1 vem assim exigir que todos os DF’s, formais ou materiais,
tenham obrigatoriamente de satisfazer o critério de fundamentalidade
material. A consequência prática dessa ideia é fácil de enunciar – os direitos
consagrados na CRP só serão direitos fundamentais se também eles satisfizerem
o critério de fundamentalidade material. Pode-se dar o caso de algum dos
DF’s previstos nos arts. 24.º-79.º não sejam direitos fundamentais, o ‘preço da
cláusula aberta’. O exemplo mais apontado será o do direito de antena, resposta e
réplica política dos partidos políticos – art. 40.º/1. Esse boss que é o Alexandrino
pergunta-se: porque não o direito de alimentar pombos na rua? Qual é o
critério de fundamentalidade material?

- Naturalmente que não é possível dar uma resposta simples e inequívoca,


considerado as exigências sociais variáveis. Algumas linhas orientadoras: direito
relativo a uma relação qualificada entre o homem e o Estado; tem de descer
ao esquema arquitectónico da CRP, só podendo ter como fundamentais
direitos que impliquem uma combinação do princípio do respeito pela
DPH, EDD com a liberdade e a igualdade; ser expressão da ‘igual dignidade
de todas as pessoas’; no caso extraconstitucional, pressupõe não só a
equivalência de fundo relativamente aos direitos formais mas uma
radicação comunitária na consciência jurídica.

- Direito de antena não se mete aqui, considerando que os partidos são


estruturas funcionais do Estado (relação política entre o Estado e uma das suas
estruturas materiais?).

- A que regime deverão estar sujeitos esses direitos fundamentais


extravagantes (no dizer de BACELAR GOUVEIA)?

- Na fórmula de ‘regra de interpretação’ deve ser aplicado, com a maior


extensão possível, o regime dos direitos formalmente constitucionais . Como a
esses seria aplicável o art. 17.º, estaríamos perante DLG’s de natureza análoga,
verificando-se aqui, como diz VIEIRA DE ANDRADE, uma dupla analogia.

- Na visão como porta aberta – direitos usufruem do regime material


correspondente, podendo ser suprimidos por lei ou nova regra de DIP

- Estratégia jurisprudencial de alheamento pelo mecanismo da cláusula


aberta, perde interesse a questão do regime aplicável, apesar do TC ter dito
que estão afinal submetidos ao regime constitucional dos DF’s a que forem
equivalentes – Ac. 509/2002

- Quando se fala em ‘lei’, o costume está incluído? PAULO OTERO acha que
sim e além disso, inclui na cláusula aberta direitos históricos pois a

16
Constituição de 76 mostra, em relação às outras, a maior amplitude na
configuração da referida cláusula aberta + princípio interpretativo da
máxima efectividade das normas sobre os direitos fundamentais.

- ISABEL MOREIRA acha que não inclui o costume

- Inclui regras de DIP

A Função da Declaração Universal dos Direitos Humanos no Sistema de


Direitos Fundamentais Português 8 9

- Uma demonstração irrecusável da abertura da CRP ao DIP está no art. 16.º/2


CRP, que remete para a DUDH – qual o seu sentido?

- Essa regra foi concebida pela Assembleia Constituinte como uma cláusula de
recurso, num momento em que a própria AC se achava condicionada pela
dinâmica pouco amiga da liberdade do processo revolucionário, para que a
DUDH funcionasse como uma válvula de segurança do sistema de direitos
fundamentais.

- 35 anos volvidos, estabilizado o quadro político, consolidada a ordem


constitucional dos DF’s e desaparecida a necessidade histórica que lhe deu
origem, há que reflectir, diz JMA.

- Este preceito encerra uma instrução dirigida ao intérprete, no seguinte


sentido – perante um problema de interpretação relativo ao objecto, ao
conteúdo ou ao regime de dado direito fundamental, o intérprete deve
procurar apoio junto dos princípios da DUDH, devendo fazer o mesmo
perante uma lacuna relevante que se lhe depare nesse processo de
interpretação-aplicação dos preceitos relativos a direitos fundamentais, com a
DUDH a esclarecer ou completar alguns aspectos das disposições
constitucionais e legais sobre DF’s.

- Ex: o direito a mudar de cidadania (15.º/2 DUDH) não está expressamente


previsto na CRP, mas pode ser integrado pelo intérprete no conteúdo do direito à
cidadania do art. 26.º/1 CRP

- Para MELO ALEXANDRINO, já não há necessidade de colocar problemas como


o do valor jurídico da DUDH, a potencial recepção formal da declaração, do
seu possível valor supraconstitucional ou da existência de conflitos
insanáveis DUDH-CRP.

8 JORGE MIRANDA, Manual..., pp 157 ss


9 MELO ALEXANDRINO, Direitos..., pp 60-63

17
- Não haverá conflitos insanáveis pois da incorporação funcional feita
pela CRP, resulta que ela quis que os preceitos internos relativos a DF’s
tivessem de conciliar-se sempre com o sistema da declaração, pretendendo
justamente evitar qualquer conflito extremado.

- Quais então as consequências de uma contradição de um preceito da CRP e da


DUDH?

- JORGE MIRANDA – deve distinguir-se se a norma constitucional é originária


ou proveniente de revisão constitucional e se o princípio da declaração é de ius
cogens; no caso de uma norma originária, não há inconstitucionalidade e, se o
princípio for de ius cogens, deve restringir-se o alcance da declaração; no caso
de norma superveniente, haverá sempre inconstitucionalidade, porque a
revisão constitucional é um poder constituído subordinado aos princípios
fundamentais da constituição.

- GOMES CANOTILHO – solução passa sobretudo pelo mecanismo da


concordância prática, raciocínio também seguido por MELO ALEXANDRINO.

- PAULO OTERO – têm de se extrair as devidas consequências do estatuto


supraconstitucional da declaração, de onde resultará a eventual
insupraconstitucionalidade de normas da CRP.

- E quanto à integração? Significa, pergunta-se JORGE MIRANDA, que se pode e


deve completar os direitos ou, porventura, os limites aos direitos
constantes da constituição com quaisquer direitos ou faculdades ou com
limites aos direitos que se encontrem na DUDH? Ou significará antes que,
admitida a possibilidade de lacunas na CRP em sentido formal, haverá
lugar à integração somente quando ose reconheça, dentro do próprio
sistema da Constituição, que há lacunas em sentido estrito, que nela não estão
enunciados direitos que derivam desse sistema?

- O autor prefere o primeiro sentido – se o art. 16.º/2 coloca a interpretação


da CRP no quadro da DUDH, então o sistema de protecção de DF’s abarca-a
necessariamente as lacunas da Constituição têm de ser recortadas nesse
âmbito, entre outros argumentos.

- Há quem meta aqui a CEDH, mas o Tribunal Constitucional tem entendido, em


orientação constante, tal não se justificar, por a Constituição portuguesa,
abrangendo todos os direitos que a ali se encontram enumerados, a consumir.

18
O Regime Geral dos Direitos Fundamentais

Princípio da Universalidade 10 11 12

- A CRP há muito reconheceu a ideia de universalidade dos direitos – art. 3.º


Const. 1911 e da Const de 1933 – art. 12.º CRP

- JORGE MIRANDA – é, naturalmente, o primeiro princípio comum aos direitos


fundamentais e também aos demais direitos existentes no ordenamento jurídico
português.

- Todos quanto fazem parte da comunidade política fazem parte da jurídica


– direitos fundamentais têm como sujeitos todas as pessoas integradas na
comunidade política, i.e., o povo.

- MELO ALEXANDRINO – apesar de dizer cidadão, no art. 12.º, dever-se-ia


entender ‘pessoa’.

- ATTN: direitos específicos de categorias: trabalhadores, crianças,


consumidores. MELO ALEXANDRINO – isso não é essencialmente incompatível com
o princípio da universalidade.

- JORGE MIRANDA – também para portugueses no estrangeiro – art. 14.º -


excepto, naturalmente, direitos incompatíveis com a ausência e não reservados
aos portugueses – art. 15.º

- Não há distinção entre cidadãos originários ou naturalizados, a não


ser para efeitos de eleição do PR – art. 122.º

- MELO ALEXANDRINO – relativamente à situação de estrangeiros residentes em


Portugal, vigora também um princípio de equiparação nos termos do art.
15.º/1 CRP

- Diz o autor, então, que a regra de interpretação é: na dúvida, o


intérprete deve presumir que o direito foi constitucionalmente atribuído a
todos os estrangeiros/apátridas em Portugal.

10 JORGE MIRANDA, Manual..., pp 215 ss


11 MELO ALEXANDRINO, Direitos..., pp 70 ss
12 VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos..., pp 137 ss

19
- Existem, certamente, alguns limites constitucionais a essa presunção de
equiparação, no dizer de GOMES CANOTILHO. Segundo o autor, podem ser
identificados quatro ‘círculos’ subjectivos na norma:

- Cidadania portuguesa – art. 15.º/2 e 3

- Cidadania europeia – art. 15.º/5

- Cidadania CPLP – art. 15.º/3

- Cidadania de todos – art. 15.º/1

- De notar que há direitos fundamentais exclusivos para estrangeiros, como o


direito de asilo – art. 33.º/8

- E os estrangeiros em situação irregular? Como diz ALAIN BOYER, imagine-se o


caso de uma manifestação onde ocorrem incidentes. Se nessa ocasião um
estrangeiro for interpelado, ainda que não tenha cometido nenhum facto
susceptível de responsabilização jurídico-criminal, poderá ser expulso, sendo a
expulsão fundada no carácter irregular da permanência e não na
participação na manifestação, a liberdade de manifestação não está em causa.
Assim, diz o autor francês que o estrangeiro em situação irregular tem a
liberdade de participar numa manifestação, mas esse direito é fragilizado
pelo facto da situação irregular, sendo um risco de se revelar à autoridade
pública. Fachos.

Capacidade

- Fala-se muitas vezes da capacidade jurídica para exprimir a aptidão para ser
titular de um círculo, com mais ou menos restrições, de relações jurídicas.

- Quanto à capacidade de exercício, ela apresenta-se como a idoneidade


para actuar juridicamente, exercendo direitos ou cumprindo deveres,
adquirindo direitos ou assumindo obrigações, por acto próprio e exclusivo ou
mediante um representante voluntário ou procurador – a pessoa actua
pessoalmente. Ela é reconhecida aos indivíduos que atingem a maioridade – art.
130.º CC

- No que toca aos DF’s, alguns autores recorrem ao Direito privado – segundo
MELO ALEXANDRINO e REBELO DE SOUSA, é útil a distinção entre capacidade de
gozo e capacidade de exercício de DF’s, em particular os direitos activos,
chegando a dizer que será sempre problemático o exercício da liberdade
religiosa e dos direitos de manifestação ou de associação por parte de menores
muito jovens.

20
- VIEIRA DE ANDRADE – não tem sentido a distinção civilística entre a
capacidade de gozo e capacidade de exercício.

- Quanto à diminuição dos menores de certa idade, trata-se, na maior


parte dos caso, de limites imanentes de facto (naturais ou de adequação
social) dos direitos fundamentais respectivos. Alguns direitos, implicando
uma actividade política ou uma actuação política relevante, pressupõem uma
vontade livre e esclarecida, uma maturidade e uma capacidade que não se
reconhece em regra aos menores.

- Não se trata de discriminar certos grupos da população, mas, consoante as


hipóteses, de reconhecer e delimitar, no contexto de certa cultura social, o
próprio âmbito ou de os restringir em situações de conflito.

- GOMES CANOTILHO – não faz sentido recorrer ao direito privado, distinguindo


entre titularidade e capacidade de direitos, não tendo grande sentido
reconhecer DF’s insusceptíveis de serem exercidos, é mais algo reconduzível
a uma capacidade natural da pessoa (como é que um bebé que não sabe falar
nem andar exerce direito a manifestação?)

- As pessoas colectivas são titulares de direitos fundamentais? Era uma


possibilidade francamente admitida na Constituição de 33, e também um pouco
na actual, a lógica de reconhecer titularidade de direitos fundamentais por
pessoas colectivas – art. 12.º/2.

- Qual o alcance?

- As pessoas colectivas, cuja personalidade já revela um declarado carácter


instrumental, regem-se pelo princípio da especialidade, que já limita
substancialmente a sua esfera jurídica.

- Em regra, os DF’s não constituem respostas históricas a problemas


permanentes ou necessidades das PC’s que contendam com esferas básicas
da existência, autonomia do poder, etc.

- Como diz JORGE MIRANDA, apesar de perfilhar uma concepção ampliativa


da titularidade dos DF’s, não estamos perante uma cláusula de equiparação
aos direitos fundamentais das pessoas singulares mas perante uma cláusula de
limitação – ‘as pessoas colectivas só têm os direitos...’

Princípio da Igualdade13 14

13 JORGE MIRANDA, Manual..., pp 221-250


14 MELO ALEXANDRINO, Direitos..., pp 75-84

21
- MELO ALEXANDRINO – o princípio da igualdade é o principal eixo estruturante
do sistema de direitos fundamentais e um dos mais complexos problemas
do Direito Constitucional.

- REIS NOVAIS – princípio da igualdade recorre às diferentes dimensões que


foram sendo apurados ao longo da sua evolução, estando sempre aberto a
várias compreensões.

- Art. 13.º/1 – enunciado geral

- Art. 13.º/2 – proibição de uma série aberta de discriminações

- JORGE MIRANDA – a clássica dicotomia igualdade jurídica/igualdade social:

- Os direitos são os mesmos para todos, mas como nem todos se


encontram em situações idênticas para os exercer, há que as criar.

- Diz o autor que a igualdade efectiva, real, material, concreta pode ser
vista como imposta pela igualdade jurídica, para lhe dar algum conteúdo,
pois não se tratam de dois princípios estanques.

Princípio da Igualdade Segundo o TC

- TC tem vindo a classificá-lo de estruturante, até mesmo como um ‘valor


supremo do ordenamento’.

- Valor constitucional que modela todo o ordenamento jurídico, nomeadamente


como critério interpretativo – Ac. 400/91

- Também um requisito do Estado de Direito, que pressupõe igualdade.

- Recentemente (Ac. 75/2010) adoptou a ideia de DWORKIN de igualdade como


tratamento como igual, tratamento que dê mostras de ‘igual consideração e
respeito’.

- Tribunal tem entendido que conceito de igualdade é histórico, relativo e


relacional, tendo de ser compreendido à luz de vários outros preceitos
constitucionais.

Expressões de Igualdade na Constituição

- Igualdade na família, na esfera religiosa, de armas no processo penal, no


sufrágio, acesso à função pública e perante os encargos públicos.

22
- A mesma pode ser percebida na CRP como:

- Uma aspiração da comunidade – a metanoia de que CASTRO MENDES


falava

- Um valor constitucional e um princípio constitucional estruturante,


que se revela e projecta nos mais variados princípios e regras constitucionais

- Uma dimensão relevante das tarefas políticas do Estado, acompanhada


de uma ampla série de comandos de diferenciação material

- Uma qualidade dos DF’s

- Um pressuposto e uma componente da democracia política e do


Estado de Direito

- Um critério jurídico de interpretação e um critério ou parâmetro de


controlo

- Um elemento de base de direitos especiais de igualdade

Interpretação do Artigo 13.º

- MELO ALEXANDRINO – grande ênfase na igualdade de dignidade social’ –


ligação forte com o art. 1.º

- ‘todos os cidadãos são iguais perante a lei (entenda-se, ordenamento


jurídico)’ – fórmula não auto-evidente e algo tautológica.

- MELO ALEXANDRINO – desta fórmula pode-se extrair – igualdade na


aplicação do Direito – normas devem ser interpretadas e aplicadas sem
distinção entre destinatários; igualdade na criação do Direito – lei deve
proteger todas as pessoas de forma igual;

- A raiz histórica mais associada ao Estado de Direito liberal é a igualdade


na aplicação do Direito, pressupondo lei geral e abstracta. Contudo, com o
advento do Estado Social, a igualdade na criação do Direito passa a ser
entendida como a exigência de tratamento igual do que é igual e desigual
do que é desigual, sendo a terceira componente – igualdade material.

- Na doutrina e jurisprudência portuguesas, o princípio da igualdade não tem


sido só tomado como um direito geral da igualdade, sendo geralmente aceite
a existência de vários direitos especiais de igualdade – art. 26.º/1, 36.º/1 e 3,
34.º/4, 41.º/2 a 5, 47.º/2, 50.º/1, 55.º/2, 58.º/2 b)

23
- MELO ALEXANDRINO – princípio da igualdade não deve ser visto tanto como um
direito das pessoas mas como um dever do Estado. E em quê que se traduz
esse dever?

- Necessidade de justificação, i.e., presença de um fundamento material


bastante em todas as acções do Estado que se mostrem em contradição
potencial/real com a referencia da igualdade, hipótese jurídica normal para
do tratamento do problema.

- Art. 13.º/2 – proíbe não as discriminações em geral, mas sim as infundadas


– unfair discrimination.

- É uma lista aberta e não-taxativa, composta por ‘categorias suspeitas’

- Norma geral afastável por norma especial (da CRP, óbvio)

- Princípio da proibição da discriminação funciona como uma presunção, na


medida em que qualquer discriminação estabelecida em função desses
‘factores suspeitos’ será inconstitucional, a menos que se prove a presença
de uma adequada justificação constitucional (QUANDO É QUE
DISCRIMINAÇAO RACIAL É JUSTA?)

- Critério normalmente usado pelo TC, que acaba por desembocar na


proibição do arbítrio

- MELO ALEXANDRINO – não enuncia qualquer direito fundamental, este


artigo, embora analogicamente o faça, sendo-lhe extensível do regime dos
DLG’s

Vertentes, Dimensões e Funções do Princípio da Igualdade

- Tem uma característica de multifuncionalidade

- Vertente objectiva – (para JMA, dominante): princípio da igualdade descreve,


primeiramente, um dever do Estado.

- Num plano estático e abstracto, o princípio da igualdade é um princípio


constitucional estruturante de cariz transversal, na base do qual assenta a
arquitectura do sistema – esta vertente aparece como critério de interpretação
e controlo das intervenções do Estado.

- Vertente subjectiva – igualdade qualifica cada um dos preceitos


constitucionais; igual dignidade, direitos especiais de igualdade, etc.

- Dimensão Negativa – igualdade de todos perante a lei, pressupondo o


princípio da legalidade, tendencial universalidade da lei e projecção da dimensão
temporal do Direito.

24
- Dimensão Positiva – exigência de tratamento desigual do que é desigual, na
medida da diferença, pressupondo introdução de compensações que
atenuem as desigualdades de partida.

- Apesar de estarem em planos distintos, ideias de igualdade de


oportunidade, legalidade fáctica e discriminação positiva, etc.

- Alguns exemplos de discriminação positiva – arts. 69.º/2, 71.º/2,


72.º/2, 86.º/1, 97.º - crianças órfãs, reabilitação e integração de cidadãos
portadores de deficiência, política de 3ª idade, protecção e apoio às PME’s e aos
pequenos e médios agricultores.

- Sentidos de igualdade para JORGE MIRANDA

- O sentido primário do princípio é negativo, consistindo a vedação de


privilégios e discriminações – ‘ninguém pode ser privilegiado, beneficiado,
prejudicado, privado...’, sendo os privilégios situações de vantagem não fundadas
e discriminações situações de desvantagem, ao ponto que as discriminações
positivas são situações de vantagem fundadas.

- Naturalmente que estes factores de desigualdade inadmissíveis


enunciados no 13.º/2 são-no a título exemplificativo, não sendo nem os
únicos possíveis nem os únicos constitucionalmente insuceptíveis de
alicerçar privilégios ou discriminações.

- Mais rico e exigente vem a ser o sentido positivo:

- Tratamento igual de situações iguais

- Tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e


objectivamente desiguais, ‘impostas pela diversidade das circunstâncias ou
pela natureza das coisas’ e não criadas ou mantidas artificialmente pelo
legislador.

- Tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente


iguais ou desiguais, podendo-se configurar, para o legislador, ora uma mera
faculdade ora uma obrigação.

- Tratamento das situações não apenas como existem mas como devem
existir, de acordo com os padrões próprios da Constituição material.

Destinatários do Princípio

- Igualdade perante a lei não é igualdade exterior à lei, sendo, antes de tudo,
igualdade na lei. Tem por destinatários, desde logo, os próprios órgãos de
criação do Direito.

25
- Essa lei pode ser de revisão constitucional. Ainda que o princípio da
igualdade não conste dos limites materiais de revisão, tem de reputar-se
bem mais definidor e estruturante do sistema jurídico-constitucional do
que alguns princípios lá mencionados – é um limite material implícito da
revisão constitucional e a sua preterição acarretaria uma derrogação ou
quebra inadmissível.

- Naturalmente que isso põe-se mais na lei ordinária.

- Se houver duas disposições/leis a estabelecer tratamento desigual para


duas situações iguais, qual deverá ser considerada inconstitucional?

- Se até certa altura a lei não fizer acepção de situações ou de pessoas, e


depois, vier nova lei abrir diferenciações não fundadas, essa será
inconstitucional e continuará a aplicar-se a preexistente.

- Se a lei originariamente estabelecer diferenciação de situações ou


pessoas, aplica-se a disposição mais favorável ou a que melhor se integrar no
espírito do sistema jurídico-constitucional.

- A mesma solução seguir-se-á, em princípio, quando houver sucessão de


leis com diferenciações também infundadas.

- Lei no art. 13.º significa ordem jurídica – princípio da igualdade diz respeito a
todas as funções do estado e exige criação e aplicação igual da lei, da norma
jurídica.

- Destinatários – além dos órgãos políticos e legislativos também os


tribunais e órgãos administrativos. Tribunais leia-se também o TC, que pode
restringir os efeitos da inconstitucionalidade ao abrigo do 282.º/4.

- E os particulares? Em correspondência com a interpretação a dar à regra da


vinculação das entidades privadas pelos preceitos sobre direitos, liberdades e
garantias, haverá que discernir:

- No interior de quaisquer pessoas colectivas de direito privado ou


associações não personalizadas não podem existir diferenciações arbitrárias
entre os seus membros.

- As regras específicas de igualdade e diferenciação constantes da


Constituição – 36.º/3, p ex – impõem-se às relações entre particulares.

- Nas relações entre particulares, noutros casos, prevalece a autonomia


privada, salvo quando ocorram discriminações que, para lá do art. 13.º/2,
atinjam a dignidade das pessoas ou comportem abusos de poder de facto.

26
O Princípio da Proporcionalidade 15 16

- MELO ALEXANDRINO – o princípio da proporcionalidade tem a sua centralidade


máxima no art. 18.º/2 CRP, que, à primeira vista, constituiria uma norma do
regime específico dos DLG’s.

- Contudo, são cada vez mais intensos na doutrina e na jurisprudência os


sinais que apontam para que esse princípio se aplica também aos DESC’s e
que se deva considerar relevante para o entendimento e a aplicação concreta
de alguns dos princípios do regime geral, designadamente o princípio da
igualdade.

- Na verdade, tem sido defendido que o princípio da proporcionalidade é


um critério inafastável, em matéria de restrições aos DESC’s, quer na afectaçao
de direitos a prestações derivados da lei pelo legislador ordinário, que na
afectaçao, por ofensa aos princípios da razoabilidade e da proibição do défice, do
próprio conteúdo principal dos direitos fundamentais sociais, nomeadamente
devido à insuficiência do limite negativo ‘proibição do arbítrio’.

- JORGE MIRANDA – na análise do princípio apontam-se habitualmente três


subprincípios:

- A necessidade – supõe a existência de um bem juridicamente


protegido e de uma circunstância que imponha intervenção ou decisão,
equivalendo à exigibilidade desta intervenção ou decisão.

- A adequação – significa que a providência se mostra adequada ao


objectivo almejado, se destina ao fim contemplado pela norma e não a
outra – correspondência de meios de fins.

- A racionalidade ou proporcionalidade stricto sensu – implica justa


medida, i.e. que o órgão competente proceda a uma correcta avaliação da
providência em termos não só qualitativos mas também quantitativos e
que a providência não fique aquém ou além do que importa para se obter o
resultado devido – no more, no less.

- A falta de necessidade ou adequação traduz-se em arbítrio; a falta de


racionalidade em excesso, daí falar-se muitas vezes no princípio da proibição
do arbítrio e da proibição do excesso.

- Continua o autor dizendo que a regra de proporcionalidade manifesta-se, na


nossa Constituição formal, nos momentos mais sensíveis dos direitos
fundamentais:

15 MELO ALEXANDRINO, Direitos..., pp 84-85


16 JORGE MIRANDA, Manual..., pp 205 ss

27
- Art. 18.º/2, in fine – restrições dos DLG’s

- Art. 19.º/4 – opção pelo Estado de sítio

- Art. 19.º/8 – providências a tomar em Estado de sítio

- Art. 65.º/4 – expropriações

- Art. 282.º/4 – até a decisão de conformação de efeitos da


inconstitucionalidade

O Princípio da Protecção da Confiança17

- MELO ALEXANDRINO – norma vizinha do princípio da proporcionalidade,


revelada pela jurisprudência constitucional é o princípio da protecção da
confiança.

- Histórica e funcionalmente entendido, este princípio constitui uma das


componentes materiais essenciais do Estado de Direito, estando o seu
conteúdo normativo reconhecido no art. 2.º CRP (Estado de Direito
Democrático), enquanto parte integrante do princípio mais vasto da
segurança jurídica, princípio esse que tem essencialmente a ver com as ideias
de subordinação do Estado ao Direito, previsibilidade da actuação estatal,
clareza e precisão das regras jurídicas, publicidade e transparência dos
actos e procedimentos públicos, respeito pelos direitos, expectativas e
interesses legítimos dignos de protecção pelo direito – a protecção da
confiança, não sendo um direito fundamental em si mesma, representa o lado
subjectivo da segurança jurídica, que, em muitas hipóteses pode assegurar uma
protecção equivalente à de um verdadeiro DLG.

- Tem limitações por força de 3 outras realidades:

- A margem de conformação do legislador

- A relação entre o tempo e a rigidez regulativa

- E o postulado da flexibilidade, que implica a possibilidade da livre


revisão das opções políticas da comunidade.

- Pergunta – até onde pode ir o legislador na frustração dos direitos e


expectativas formadas à luz de um certo quadro legislativo. JMA – abolição
de regimes especiais de saúde ou segurança social, aumento considerável de
propinas, venda forçada de imóveis desocupados, alteração essencial do conceito
de casamento, redução do universo de beneficiários do abono de família.

17 MELO ALEXANDRINO, Direitos..., pp 85-87

28
- Vai também depender muito da aplicação de lei no tempo:

- Se a lei não é de todo retroactiva, a liberdade do legislador é total

- Retroactividade aparente (a lei aplica-se a situações jurídicas


constituídas no passado, mas que prolongam os seus efeitos no futuro) - - a
resposta dependerá da ponderação dos bens e interesses em confronto na
situação concreta, tendo a presença de outros interesses (sustentabilidade da
segurança social) de ser ponderada. Na dúvida e por exigência do princípio
democrático, a decisão deve ser favorável à realização de interesses da
comunidade, segundo o primado da decisão do legislador.

- Na retroactividade verdadeira, em que se afectam situações jurídicas


constituídas e esgotadas no passado, a presunção é a de que a lei é
inconstitucional (presunção absoluta nos casos dos arts. 18.º/3, 29.º e 103.º/3)
só podendo ser afastada na hipótese de um peso superior de um determinado
interesse público – compelling state interest.

O Princípio do Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva 18

- MELO ALEXANDRINO – sede está no art. 20.º

- Direito compreensivo (ou cluster right ou feixe de direitos) com inúmeros


afloramentos e concretizações no texto constitucional – arts. 29.º/6, 31.º,
32.º/2, 5 e 9 e 52.º/1 a 3

- Múltiplas vertentes – direito de defesa dos particulares através dos


tribunais contra actos de poderes públicos e de particulares

- Múltiplas dimensões – direito a conformação jurídica e direito a


prestações positivas do Estado (20.º/1, in fine, advogados oficiosos, p ex)

- Nos termos do art. 20.º/4, o direito geral à protecção jurídica envolve


necessariamente o direito a uma decisão judicial em prazo razoável e
mediante processo equitativo, sendo que este último se pode decompor em
diversos corolários, entre os quais o direito a obter uma decisão de mérito
sobre o fundo da causa, o direito a que os pressupostos processuais sejam
conformes à essência do princípio geral ou garantia da devida execução
das sentenças.

- Alguns casos de reforço da protecção jurídica de certos direitos (art.


20.º/5) ou fórmulas para esse efeito (habeas corpus, consagrado no art. 31.º,
que constitui uma modalidade de acção de defesa do direito à liberdade).
Contudo, a CRP não instituiu uma forma de acesso directo das pessoas ao TC

18 MELO ALEXANDRINO, Direitos..., pp 87-88

29
para impugnação da violação de DF’s pelos órgãos do Estado (como a queixa
constitucional alemã) ou tribunais (como o recurso de amparo).

Os Meios de Defesa19 20

- VIEIRA DE ANDRADE – a principal garantia dos direitos fundamentais resulta


deles próprios, do seu enraizamento na consciência histórico-cultural da
humanidade e da sua tradução em cada sociedade concreta.

- MELO ALEXANDRINO – nessa medida, todo o ordenamento jurídico está ao


serviço da tutela dos DF’s. Podem-se identificar os seguintes mecanismos –
jurisdicionais, não jurisdicionais e protecção internacional:

- Mecanismos de defesa jurisdicionais – com excepção do habeas corpus e de


certas providências cautelares da jurisdição administrativa, o nosso Direito
não conheço meios processuais próprios destinados especificamente a obter
tutela jurisdicional dos DF’s. Por isso, os meios serão: a impugnação
contenciosa ou acção administrativa especial de impugnação actos
administrativos; e o direito de invocar, em qualquer processo pendente
perante qualquer tribunal, a inconstitucionalidade de uma norma ou
normas jurídicas relevantes para a decisão do litígio.

- É óbvio que no controlo jurisdicional da constitucionalidade das normas vai


implicada a acção de todos os tribunais, uma vez que todos eles, ao abrigo
da CRP, foram investidos no poder de apreciar e decidir a questão da
constitucionalidade das normas – 204.º

- Mas se essa componente tem um singular traço de horizontalidade,


porque abrange todos os tribunais e tipos de processo, tem ainda um traço
vertical, na medida em que, no nosso sistema de controlo da
constitucionalidade, foi concebido um papel cimeiro ao TC.

- Mecanismos de Defesa não Jurisdicionais:

- Direito de Petição – 52.º/1 – é DLG de participação política, nos termos


do qual todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou
colectivamente, aos órgãos de soberania ou a quaisquer autoridades,
‘petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos,
da Constituição, das leis ou do interesse geral + direito à informação sobre a sua

19 VIEIRA DE ANDRADE, Direitos..., pp. 315 ss


20 MELO ALEXANDRINO, Direitos..., pp. 88-91

30
apreciação. Se for de militares ou agentes militarizados é objecto de restrições
especiais – 270.º

- Figura próxima é a queixa ao Provedor de Justiça – 23.º, à qual é


reconhecida a qualidade de direito fundamental de natureza análoga. É um
órgão do Estado, independente e inamovível, eleito pela AR – 163.º h) – sendo
essencialmente um órgão de garantia dos direitos fundamentais perante os
poderes públicos. Com excepção dos actos jurisdicionais (mas não da
organização), não há nenhuma actividade do Estado que esteja excluída do
âmbito de competência do PJ. Os seus instrumentos, não prejudicam meios
jurisdicionais e são: emissão de recomendações aos órgãos responsáveis
ou no sentido de se promoverem alterações legislativas, apresentação de
relatórios, sendo que os visados devem responder em 60 dias como pretendem
lidar com a recomendação – 23.º/4

- Certas autoridades independentes e organismos do Estado, como a


CNPD, ERC, Comissão de Acesso a Docs Administrativos ou o Alto
Comissariado para as Minorias Étnicas podem apresentar-se como
verdadeiras entidades de protecção de direitos.

- Não se ignore a função de protecção presene no exercício da


generalidade dos DLG’s relativos a acções, i.e., direitos que possuem um
verdadeiro poder comunicativo por parte do respectivo titular no mundo
externo, como liberdades de expressão, informação, reunião, económicas e
garantias das esferas da família, educação e religião.

- Mecanismos de Protecção Internacional e Europeia

- A internacional é aquela que pode ser dispensada por meio de normas ou


mecanismos de DIP, com destaque para os pactos da ONU de 66. As investigações
do Conselho dos Direitos do Homem, ainda que desprovidos de efeito jurídico
obrigatório têm uma grande força de censura moral e política sobre os
Estados violadores.

- No plano regional, a CEDH. Dispondo da assistência do TEDH, esse


importante tratado europeu de protecção dos direitos do homem logrou
alcançar um elevado nível de protecção e projectar uma influência
marcante sobre todos os ordenamentos nacionais. Qualquer pessoa sob a
jurisdição de um dos 47 Estados signatários que alegue a violação de um desses
direitos, pode, 6 meses depois de queixa interna definitiva, apresentar uma
queixa ao TEDH, sendo que uma decisão favorável implicará a condenação do
Estado.

31
- Quanto à da União Europeia, com a entrada em vigor do Tratado de
Lisboa, a CDF da UE recebeu finalmente força jurídica vinculativa; além
disso, em 2010 a UE começou um processo de adesão à CEDH.

- Mecanismo do reenvio prejudicial é o meio principal de


protecção.

- MARIA LUÍSA DUARTE – existe quase como que um triângulo


judicial europeu – tribunais nacionais (especialmente os TC’s) – TJUE – TEDH

O Regime Específico dos Direitos, Liberdades e Garantias

- Art. 18.º/1 – três normas – directamente aplicáveis, vinculam entidades


públicas e eficácia horizontal (irradiação do Direito Constitucional para o Direito
Privado)

A Aplicabilidade Directa

- Art. 18.º/1 – ‘os preceitos constitucionais relativos aos DLG’s são directamente
aplicáveis’ – eles valem sem lei, contra a lei e em vez da lei.

- Razões históricas – nas constituições do século XIX, os direitos proclamados


mas ainda não regulamentados não poderiam ser invocados. A Grundgesetz
alemã de 49 foi a primeira a estabelecer a aplicabilidade directa – art. 1.º/3 GG

- Isso significa que os preceitos que enunciam DLG’s são normas susceptíveis
de execução imediata (são direito actual e eficaz), podendo ser directamente
invocadas pelos seus beneficiários. São normas perceptivas e não
programáticas, nem meras proclamações de natureza moral ou política
cujo cumprimento não possa ser exigido perante um tribunal.

- MELO ALEXANDRINO – em todo o caso, a aplicabilidade directa é


sobretudo uma consequência da ‘vinculatividade plena’ dessas normas de
DF’s, e, por outro lado, é consequência do facto do conteúdo de certos DF’s
estar imediatamente configurado na Constituição – chega-se à determinação
do conteúdo do direito por mera interpretação de normas constitucionais,
determináveis sem necessidade da lei.

- Estamos perante algo mais intenso do que já resultaria do princípio da


constitucionalidade – 3.º/3 – nos termos do qual a validade das leis e dos
demais actos do Estado, das R.A.’s, do poder local e de quaisquer outras
entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição. Como
diz MELO ALEXANDRINO, a lei ‘recebe’ uma ‘segunda instrução’ de

32
constitucionalidade – ela nunca poderá exorbitar do âmbito constitucional
dos DLG’s

- Esta ‘segunda instrução’ tem de ser devidamente entendida – por um lado,


ela não impede o legislador de editar leis a respeito desses direitos (leis que
disciplinem o respectivo exercício, que previnam abusos ou harmonizem
conflitos) e, por outro, nem todos esses preceitos são exequíveis por si
mesmo (a título de exemplo, o art. 26.º/2 ou o art. 35.º/1); e, não é
inteiramente correcto fazer derivar da aplicabilidade directa das normas
de direitos, liberdades e garantias a conclusão de que estes seriam afinal
direitos subjectivos, construção privatística cuja pertinência no domínio dos
DF’s não é ainda segura.

- Já nas normas de DLG’s exequíveis por si mesmas, o sentido da


aplicabilidade directa consiste na possibilidade da imediata invocação dos
direitos pelos seus beneficiários, devendo o juiz preencher lacunas ou
espaços em branco eventuais.

A Vinculação das Entidades Públicas

- MELO ALEXANDRINO – como se sabe, os DF’s nascem e desenvolvem-se como


garantias concretas de liberdade e autonomia das pessoas contra o Estado,
evolução que veio desembocar na moderna sugestão de que os direitos
fundamentais são trunfos contra o Estado (entidades públicas em geral), ideia
que o art. 18.º/1 procura transmitir ao reconhecer que as entidades públicas
são as primeiras destinatárias das normas de DLG’s. Assim:

- Elenco de deveres – há deveres de respeito, de protecção e de promoção

- No plano funcional, são destinatários o legislador, a administração e os


tribunais. Seja qual for a forma de actuação, os DLG’s vinculam directamente
todas as funções do Estado

- Também são destinatários, noutro plano, todos os órgãos e agentes do


Estado, das RA’s, das autarquias locais e das PCP’s e PCPriv que exerçam
poderes públicos

- Na sua acção política, nenhum órgão do Estado se pode comprometer


politicamente em procedimentos, praticar actos ou exercer actividades que
impliquem ofensa aos DLG’s, e o facto delas não terem nenhuma sanção
jurisdicional efectiva não significa que não exista uma vinculação constitucional
estrita nesse domínio.

33
- O legislador é quem recebe o mandato mais alargado para a efectivação dos
DLG’s, com várias dimensões:

- Negativa – sendo trunfos, o legislador não pode editar leis que afectem
desfavoravelmente o conteúdo jurídico-constitucional dos DF’s, quer por
contradição quer por lesão directa ou por violação dos requisitos constitucionais.

- Positiva – legislador está obrigado a adoptar soluções conformes com os


efeitos de protecção de normas de DLG’s

- de Protecção – dever geral, como vimos, de protecção de DLG’s

- de Institucionalização, Organização e Processo

- Dimensão de promoção – normalmente vê-se mais no conteúdo dos


direitos sociais

- Quanto à Administração Pública (TODA) a sua subordinação aos princípios


constitucionais está expressamente prevista no art. 266.º/2, nos termos do qual
os órgãos e os agentes administrativos estão subordinados à CRP e à lei e
devem actuar em seu respeito, etc... – de resto, o nº 1 já previa o respeito geral
pelos direitos e interesses legalmente protegidos. Assim, toda a actividade
administrativa e todos os órgãos e agentes da administração têm um duplo
dever de respeitar os DLG’s

- Em caso de desrespeito, há pelo menos três institutos a reter – o exercício


do poder de substituição por órgãos hierarquicamente superiores, que
podem e devem revogar o acto do subalterno; o artigo 133.º/2 d) CPA, i.e.,
nulidade do acto administrativo que ofenda o conteúdo de um DLG; arts.
109.º a 11.º e 131.º e 142.º do CPTA prevêem uma série de providências
cautelares e urgentes que podem ser decretadas pelos TA’s, em caso de
violação ou sua iminência.

- Tem-se posto a questão de saber se, estando perante uma lei


inconstitucional, por violação de DLG’s, poderão os órgãos administrativos
recusar-se a aplicá-las – fenómeno da desaplicação ou competência de
rejeição (Verwendungskompetenz). Para MELO ALEXANDRINO, a resposta deve ser
negativa. E porquê? Porque da observação do texto da CRP deriva que o
legislador constituinte não quis estender o poder de desaplicação de normas
inconstitucionais à AP, tendo, pelo contrário, erguido uma dificuldade
adicional, ao submetê-la ao princípio da legalidade – 266.º; e porque, se
verifica, da observação da estrutura constitucional, a intermediação do princípio
da separação de poderes (ex: os tribunais, também vinculados à lei, mas com
possibilidade de desaplicação – 204.º); no direito comparado, nada do género é
previsto.

34
- Tem-se também avançado algumas soluções doutrinárias, como a teoria
de princípios de SALGADO DE MATOS, mas que deixam periclitante o princípio da
segurança jurídica. Sob esse pano de fundo, têm sido avançadas excepções à
regra da impossibilidade de desaplicação pela AP de leis violadoras de
DLG’s:

- Prática de crimes (271.º/3); desaplicação de leis juridicamente


inexistentes (situações de aparência de acto legislativo, sem possibilidade de
identificação formal ou orgânica com a CRP); operação pela AP do critério de
interpretação conforme à Constituição, i.e., quando confrontado com vários
sentidos possíveis, opta pelo mais conforme à constituição, excluindo os outros;
situações que configurem uma grosseira e patente violação do conteúdo
indisponível de um DLG pessoal plenamente configurado na constituição.

- Quanto aos tribunais, sendo eles o último reduto da tutela de DLG’s, a CRP
conferiu-lhes, no dizer de LÚCIA AMARAL, o singular poder de apreciarem a
inconstitucionalidade e de desaplicarem todas as normas (não só leis) que
infrinjam as regras ou ofendam os princípios constitucionais, o que de
algum modo transforma qualquer tribunal num tribunal da
constitucionalidade (um quase, TC); além disso, é aos tribunais que, na
generalidade dos casos, compete a aplicação-concretização das normas
constitucionais de DLG’s, às quais, no seu conjunto e em articulação com as
circunstâncias do caso, devem conferir a máxima eficácia possível.

A Vinculação das Entidades Privadas

- o art. 18.º/1 diz-nos também que os preceitos constitucionais vinculam as


entidades privadas. Como ler este enunciado?

Doutrina da Eficácia Indirecta

- Os preceitos constitucionais de DLG’s não se podem dirigir directamente,


mas sim só de forma mediata, aos particulares, em especial através da lei e
dos princípios e regras de Direito privado, sendo os princípios de liberdade,
autonomia e do desenvolvimento da personalidade que devem constituir a regra
básica a observar neste domínio.

- Existe, para estes autores, uma diferença de fundo entre a vinculação da


sociedade ao programa constitucional – os poderes públicos estão total,
directa e imediatamente, vinculados aos DLG’s, ao passo que os
particulares ainda gozam de algum espaço de autonomia. Além disso, a lei
ordinária concretiza estes DLG’s.

35
- Por exemplo: saber se é não lícito que uma entidade patronal exija aos
candidatos a um lugar se submetam a exames médicos não deve ser resolvido
por força da aplicação directa do direito à intimidade da vida privada do 26.º/1
mas sim com recurso ao art. 19.º CT ou aos princípios gerais de direito privado.

- Os direitos fundamentais, além disso, constituem garantias jurídicas


dirigidas contra o Estado ou principalmente contra o Estado, não podendo
haver DF’s que tenham como destinatários entidades privadas. Direito de
antena tem como destinatário o Estado que tem de o assegurar através de
alguma forma, não as TV’s.

- Teoria defendida por MELO ALEXANDRINO, REBELO DE SOUSA, VIEIRA DE ANDRADE


antigamente.

- MELO ALEXANDRINO faz alguns desenvolvimentos:

- Apesar de todas as divergências doutrinárias, existem alguns DLG’s que


parecem formulados no sentido de abrangerem imediatamente as
entidades privadas – art. 27.º/2, 34.º/3, 37.º/4, 50.º/2 – em todas as situações,
para MELO ALEXANDRINO, há um adoçamento da regra, mas não excepção,
havendo sempre um dever de protecção – Schutzpflicht – dirigindo ao Estado
como conteúdo principal da correspondente garantia constitucional.

- Um outro critério de orientação neste domínio é o da diferenciação. Por um


lado são muito diferenciados os DLG’s, havendo alguns em que fará sentido
distinguir relações típicas entre particulares iguais e relações em que os
privados envolvidos estão em planos substancialmente diferentes.

- Neste segundo caso, das relações privadas de poder, poder-se-á justificar


um tratamento diferente daquele em que os particulares estão em pé de
igualdade, no sentido de uma aplicação imediata de certos preceitos
constitucionais de DLG’s, diz MELO ALEXANDRINO. Mas deve ser sempre o
legislador a accionar o dever de protecção, no sentido de proteger a
situação jusfundamental da parte mais débil, sendo que só excepcionalmente
deve o juiz exorbitar das soluções a que lhe seja permitido recorrer no quadro da
o.j. como um todo, sem esquecer a possibilidade de recurso último à norma da
dignidade da pessoa humana.

- Nas relações entre iguais, funcionará plenamente a regra geral, regendo


então o princípio da autonomia e da liberdade, que não deverá ser afastado
pela aplicação directa das normas dos DLG’s, sendo algumas situações resolvidas
por cláusulas de direito privado como ordem pública ou bons costumes.

36
Doutrina da Eficácia Directa

- Na sua formulação extrema, os preceitos de DLG’s têm eficácia erga omnes,


vinculando directamente, e de forma imediata, as pessoas colectivas
privadas e as pessoas singulares, sendo que, na formulação de GOMES
CANOTILHO/VITAL MOREIRA, elas corresponderiam ao ‘primeiro dos deveres
fundamentais da constituição’, o dever geral de não desrespeitar DLG’s alheios.

- Além disso, a vinculação impor-se-ia à luz da verificação da natureza objectiva


das normas de direitos fundamentais enquanto valores comunitários, depois
transformados em princípios objectivos da ordem civil.

Modelo dos Deveres de Protecção

- Afirma que os preceitos de DLG’s se dirigem, em primeira linha, aos poderes


públicos e estes, para além de o dever de os respeitarem e criarem as condições
necessárias para a sua realização, teriam ainda o dever de os proteger contra
quaisquer ameaças, incluindo as que resultam das ameaças de outros
particulares. Defendido por VIEIRA DE ANDRADE agora.

As Restrições de Direitos

- Art. 18.º/2 – ‘a lei só pode restringir os DLG’s nos casos expressamente previstos
na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar
outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos’. Para MELO
ALEXANDRINO, há três ideias a reter:

- Diferenciação – os DLG’s são diferentes uns dos outros, nas estrutura, no


peso axiológico, na formulação jurídica, na sua articulação com outras normas e
nas respectivas possibilidades de afectação.

- Relatividade – não há DLG’s ilimitados, eles são limitados ao nível do


sistema social, limitados porque constituem partes de um subsistema normativo,
pela interactividade, pela não possibilidade de realizá-los todos
simultaneamente.

- Mobilidade – um DF pode sempre sofrer múltiplas formas de compressão


e múltiplas modalidades de afectação.

- O que é uma restrição? É um conceito normalmente objecto de definição,


sendo definida por JMA como a acção normativa que afecta
desfavoravelmente o conteúdo ou o efeito de protecção de um direito
fundamental previamente delimitado – 3 elementos – actuação estadual,
vocação normativa e efeito de compressão.

37
- As restrições são, pois, uma das modalidades de intervenção do Estado-
legislador num direito fundamental, a sua feição normativa traduz-se na
modificação do nível de protecção e o que dela resulta é a fixação do âmbito de
protecção efectivo do direito. Enquanto que o limite é uma norma, uma
restrição é uma acção. Os primeiros são auto-justificados e imediatamente
referidos à decisão de conjunto do legislador constituinte, e as restrições
só colhem justificação por referência a esses limites.

- Podem-se distinguir doutras actuações estaduais, como nas intervenções


onde o legislador apenas regulamenta ou condiciona um direito, quando
concretiza uma norma não exequível por si mesma.

- Delimitado o âmbito de protecção e tendo concluído que a medida


legislativa cai nesse âmbito, é necessário saber se a medida em causa vai
efectivamente comprimir as faculdades ou os efeitos amparados pelo
direito, pois nem sempre a introdução de alguns constrangimentos tem como
resultado uma efectiva diminuição das faculdades protegidas pelo direito, mas
tão-só de condições de tempo, modo e lugar do seu exercício – prescrição de um
prazo, exigência de comunicação prévia para manifestações, etc. A essas
situações, a doutrina costuma chamar ‘limitações’, apesar da relatividade da
distinção, pois uma limitação pode rapidamente transformar-se numa restrição.

O Regime Específico das Restrições e seus Requisitos no art. 18.º/2

- Exigência de lei formal – um dos elementos tradicionalmente autonomizados


é o designado regime orgânico, nos termos do qual apenas a lei parlamentar ou
DL autorizado pode intervir normativamente no domínio desses direitos –
165.º/1 b) – só o Parlamento, enquanto órgão de representação de toda a
comunidade e por isso ‘amigo’ da liberdade, pode decidir sobre a liberdade,
segurança e propriedade dos cidadãos.

- Esta exigência é completada por uma exigência de recorte material –


entende-se normalmente que, no domínio dos DLG’s vigora um princípio de
reserva material de lei, i.e., a disciplina jurídica da matéria dos DLG’s é
atribuída em exclusivo à lei.

- Dimensão negativa dessa reserva – matérias reservadas à lei não


podem ser reguladas por outras fontes diferentes

- Dimensão positiva – deve ser a lei a estabelecer efectivamente, com


suficiente grau de certeza, precisão e densidade, o regime jurídico destas
restrições. Esta segunda dimensão pretende assegurar uma reserva material
total de lei.

38
- Pode haver outro tipos de leis não necessariamente restritivas:

- Leis configuradoras – aquelas que, por expressa indicação


constitucional, cunham ou determinam o conteúdo de um direito – art. 26.º/2 e
3, 27.º/5, 27.º/5, 29.º/6, 32.º/7, etc. – em que o direito se apresenta, na
constituição, ‘em bruto’ e que a lei tem de cinzelar. Não é uma restrição, mas um
trabalho de configuração – Ausgestaltung – do direito.

- Leis concretizadoras – aquelas que, não sendo nem restritivas nem


configuradoras, têm a função de regular ou favorecer o exercício de direitos
– leis clarificadoras de conceitos, de protecção e as leis criadoras de
pressupostos de organização ou procedimento – e se clarificação for restritiva??

- Exigência de autorização constitucional – a lei só deverá, segundo o art.


18.º/2, restringir os DLG’s nos casos expressamente previstos na
Constituição. Como sempre, várias orientações:

- Teoria da Relevância Absoluta – como MANUEL AFONSO VAZ – estas teorias


pretendem levar a sério o limite do art. 18.º/2, afirmando um princípio da
tipicidade das restrições legais aos DLG’s com a correlativa proibição de se
consagrarem outras proibições para além das expressamente previstas na
Constituição. VIEIRA DE ANDRADE também crê que preceito estabelece
categoricamente a figura das restrições legislativas – o autor mostra a
necessidade de autonomizar a figura pois, se se aceitar como restrição, só poderá
ser mesmo feito nos casos expressos na Constituição. Desse modo, a limitação
legislativa de um direito em caso de colisão com outro direito ou valor
constitucional, fora dessas hipóteses, tem de ser outra coisa que não uma
restrição.

- MELO ALEXANDRINO – estas teorias lêem a proibição de forma


desintegrada do todo constitucional e ofendem o sentido mínimo da
proibição do art. 18.º

- Teoria da Relevância Relativa – relativiza o sentido da proibição em


dois sentidos:

- Resolver dificuldade no quadro da norma – para MELO


ALEXANDRINO, da interpretação sistemática da CRP decorreria a necessidade de
admitir, ao lado das restrições expressamente autorizadas, as restrições
implícitas, implicitamente autorizadas. Em termos próximos, refere-se a
existência de uma autorização implícita – na base da ideia de um sistema de
DF’s , por referência à necessidade de um fundamento normativo
constitucional para a restrição, por intermédio da identificação das excepções
lógicas e teleológicas à regra da necessidade de autorização expressa. Para
JMA é só aqui, nestas teses relativizadoras centrípetas, que se deve encontrar

39
a solução melhor. De facto, a constituição não pode arrogar-se à
possibilidade de prever, nem pretende, eventos verdadeiramente
restritivos fora dos casos explicitamente enunciados.

- Essas restrições, diz o autor, são verdadeiramente


duplamente excepcionais – se as expressamente autorizadas constituem uma
expressão à regra, estas são uma excepção à excepção, só determináveis a
posteriori, uma vez esgotados as possibilidades de interpretação dos limties
constitucionais directos.

- Fugir à norma – TC. Ac. 155/2007 – recurso aos limites imanentes


a priori, ao art. 29.º/2 DUDH, etc.

- Teoria da Irrelevância da Norma – 18.º/2 não pode ser levado a sério.


SOARES MARTÍNEZ foi dos primeiros a apontar que se a restrição dos DLG’s tivesse
de ser prevista expressamente na CRP, ‘esta havia de ter milhares artigos’. REIS
NOVAIS veio dizer que o legislador constituinte português ‘veio proclamar uma
regra contra a natureza das coisas’, pois é da natureza dos DF’s entrarem em
conflito uns com os outros e, sem segundo lugar, se é verdade que os DLG’s são
trunfos, eles podem ser batidos por trunfos mais altos; finalmente, a
consagração, na Revisão de 97, de uma liberdade geral de acção
abrangente tem necessariamente como contrapartida o reconhecimento da
possibilidade da sua limitação da forma mais ampla possível.

- Princípio da Proporcionalidade/Proibição do Excesso – decorre do art.


18.º/2 que as restrições aos DLG’s têm de ser necessárias para a
salvaguarda doutros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
e têm de limitar-se ao necessário para esse fim.

- Sentido, subprincípios e concretização jurisprudencial:

- Vemos que é através desse princípio que se tem feito o controlo


jurídico da actuação do Estado no que concerne todas as restrições a DF’s.

- O princípio da proporcionalidade lato sensu é um verdadeiro


superconceito – Oberbegriff – tradicionalmente decomposto em três máximas,
que já vimos há pouco – adequação, necessidade e justa medida. Ou seja, as
medidas restritivas têm de ser aptas ou idóneas para realizar o fim prosseguido
pela restrição, relação objectiva e empiricamente comprovável entre meio e
fim, violando-se quando seja inapta para realizar o fim, quando os efeitos se
revelarem indiferentes ou contrários ao fim; tem de se recorrer ao meio menos
restritivo para atingir o fim em vista, sendo que a indispensibilidade afere-se
pela comparação entre prejuízos provocados pelo meio e prejuízos provocados
por um meio alternativo hipotético, sendo o teste satisfeito quando o meio seja
o menos agressivo, o mais eficaz ou igualmente eficaz e quando não

40
existam efeitos colaterais negativos; tem de se visar apurar o equilíbrio na
relação entre importância do fim visado e gravidade do sacrifício imposto,
já que uma medida pode ser adequada e necessária mas afectar de forma
excessiva, intolerável ou desproporcionada o direito em questão – é tudo um
raciocínio de pesar, sopesar e ponderar prós e contras.

- Quanto à concretização constitucional, pode-se dizer que o


princípio da proporcionalidade é talvez o cânone mais utilizado pelo TC.
Usando uma considerável autocontenção, o tribunal não distingue
frequentemente as 3 dimensões do princípio, que impõem, como se viu, três
exigências metodológicas diferentes – observação empírica, comparação
entre alternativas e pesagem entre vantagens e sacrifícios.

O Regime Específico das Restrições e seus Requisitos no art. 18.º/2

- Exigência de Lei Geral e Abstracta – leis restritivas têm de revestir carácter


geral e abstracto, sendo que lei geral é aquela que se dirige a um número
indeterminado ou indeterminável de pessoas e abstracta a que se destina a
regular um número indeterminado ou indeterminável de casos. Imperativo, que,
como diz VIEIRA DE ANDRADE, refere-se, em primeira linha ao princípio da
igualdade, enquanto manifestação do carácter universal dos DF’s e
proibição de privilégios e de descriminações/segregações arbitrárias ou
injustificadas.

- Proibição de Leis Restritivas Retroactivas – exigência negativa. Esta


proibição absoluta de retroactividade apresenta uma conexão particularmente
nítida com os princípios da protecção da confiança e do Estado de Direito e
também com a estrutura geral do sistema, o princípio da igualdade – uma lei
que retroactivamente reduza os efeitos de protecção de um DLG afecta
desigualmente as pessoas, sem que haja remédio possível para esse tratamento
desigual.

- A Garantia do Conteúdo Essencial – leis restritivas não podem diminuir a


extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Não teve muito sucesso nem grande sentido útil, levando a inúmeras
controvérsias no seu país de origem, Alemanha, corporizadas na célebre frase de
LUHMANN – ‘a essência da essência é desconhecida’. Entre nós, a relevância jurídica
da garantia do conteúdo essencial tem sido relativamente aceite ou
francamente aceite.

- Numa primeira perspectiva, a doutrina portuguesa, acolhendo a fórmula


na sua máxima projecção, acaba por acomodar-se ao seu esvaziamento,
terminando numa relativização final – JORGE MIRANDA, GOMES CANOTILHO;

41
Alguns até chegam a uma relativização absoluta, sustentando que a garantia do
conteúdo essencial, salvo uma função discursiva, não desempenha
qualquer papel jurídico efectivo enquanto limite aos limites dos DF’s – REIS
NOVAIS.

- Noutros casos, a doutrina tenta dar um sentido e função jurídica


autónoma a esta garantia do conteúdo essencial, havendo a considerar então
a opção a fazer entre uma teoria objectiva (conteúdo essencial refere-se ao DF
como norma objectiva e não posição jurídica subjectiva) e teoria subjectiva
(conteúdo essencial refere-se à posição jurídica subjectiva e não à norma
objectiva); e entre uma teoria absoluta (vêem no conteúdo essencial uma
dimensão irrestringível do direito, abstractamente fixada; as teorias relativas,
que concebem o conteúdo essencial como resultado de um processo de
ponderação. MELO ALEXANDRINO, diz que a absoluta é insustentável devido à sua
extrema rigidez e redundância e uma relativa devido só à redundância,
dificilmente se distinguindo das garantias do princípio da personalidade.

- Assim, para o autor, esta garantia tem duas funções – uma de


sinalização ao legislador num momento a priori de que os DLG’s valem como
trunfos contra si; e uma função a posteriori ao juiz constitucional que passa a
estar, também ele, compenetrado do valor subjectivo à norma
constitucional, funcionando a garantia como um verdadeiro filtro para que
o órgão não perca de vista a importância desses preceitos.

As Colisões de Direitos em Concreto 21

- Uma hipótese que deve ser autonomizada das restrições é a das situações de
colisão ou de conflito de direitos fundamentais das pessoas num caso
concreto.

- Apesar de uma eventual aproximação ao conceito de restrição, sobretudo se


falarmos das restrições implicitamente autorizadas (colisões de direito no plano
abstracto), tem várias particularidades.

- Estas colisões, são, na sua essência, colisões de princípios. Como são colisões
de princípios, a lógica, baseada no princípio da proporcionalidade é uma de
harmonia, não uma de validade/invalidade, que seria aplicada às normas.

- Assim, não se deve sacrificar completamente e terá de haver aquilo a


que se chama a concordância prática, baseada na proporcionalidade

21 MELO ALEXANDRINO, Direitos..., pp 126-127

42
- VIEIRA DE ANDRADE – uma lei que resolve colisões de direito chama-se lei
harmonizadora

- Atenção que PAULO OTERO não sua a proporcionalidade, mas usa um


critério de proximidade à dignidade da pessoa humana, i.e., cede o direito
mais longínquo da dignidade da pessoa humana, estabelecendo-se
praticamente uma hierarquia axiológica entre DF’s.

- Opinião de MELO ALEXANDRINO – quando, num caso concreto, a protecção


jurídica emergente do direito fundamental de alguém colida com a de um
direito fundamental de terceiro ou com a necessidade de proteger outros
bens ou interesses constitucionais.

- Enquanto que na restrição se procura uma resolução prévia de conflitos,


no mero plano das normas e através de soluções legais, a resolução da colisão
de direitos no caso de concreto não cabe ao legislador, mas sim aos
titulares dos direitos em presença, às entidades chamadas eventualmente
a intervir e aos tribunais.

- Se não for possível resolver a colisão com base no escalonamento abstracto


dos direitos e na ausência ou insuficiência das disposições legais
harmonizadoras, a solução deverá ser encontrada tendo em consideração
um vasto leque de factores, como a natureza e importância abstracta dos
direitos, relevância concreta dos direitos e dos interesses em presença,
qualidade dos intervenientes, etc. segundo um princípio de harmonização e
concordância prática que possibilite uma equilibrada distribuição dos
custos do conflito.

- Em todo o caso, não se poderá escapar às metodologias da ponderação de


bens, nem à aplicação do critério da proporcionalidade, podendo no limite
chegar-se à conclusão de que um dos direitos tem de ceder totalmente perante
os outros.

O Direito de Resistência 22

- Art. 21.º - todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os
seus DLG’s e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja
possível recorrer à autoridade pública.

- Durante muito tempo considerado a pedra de toque do regime do regime


dos direitos de liberdade, radicando já nele a ideia de que o reconhecimento
de direitos não é pura e simplesmente platónico, devendo hoje ter-se como

22 MELO ALEXANDRINO, Direitos..., pp 108-110

43
uma das expressões visíveis do princípio da aplicabilidade directa dos
DLG’s.

- Isto não só é uma regra sobre direitos e uma forma de (auto)tutela dos
DF’s, mas também um verdadeiro direito autónomo, normalmente
considerado de natureza análoga – ASSUNÇÃO ESTEVES e JORGE MIRANDA

- Pode ser activa ou passiva, vale para os poderes públicos e pode ser feita
valer nas relações privadas, servindo para proteger a generalidade dos DLG’s.

- Efeitos – justificação jurídico-criminal do facto e a desnecessidade de prévia


decisão judicial.

- VIEIRA DE ANDRADE – é um meio que só tem sentido como ultima ratio e de que o
particular deve fazer uso prudente, quando esteja convencido, pela gravidade
e evidência da ofensa, de que há violação do seu DF, tendo de ter em conta as
máximas da proporcionalidade.

- Ele não se confunde com outros institutos de defesa da Constituição – o


direito de resistência colectiva, de desobediência civil, outros.

- CRP prevê outras modalidades de resistência:

- Direito colectivo dos povos à insurreição contra todas as formas de


opressão – 7.º/3, direito ao não-pagamento de impostos inconstitucionais –
103.º/3 e à garantia da cessação do dever de obediência dos funcionários e
entidades públicas quando esteja em causa a prática de um crime – 271.º/3

A Responsabilidade Civil das Entidades Públicas

- MELO ALEXANDRINO – estamos aqui perante mais um corolário do princípio


do Estado de Direito.

- Ao contrário da protecção da confiança, este tem previsão expressa no art.


22.º

- Uma grande parte da doutrina, nomeadamente JORGE MIRANDA, inclina-se no


sentido de ver aí enunciado um direito fundamental de natureza análoga –
posição subjectivista. Contudo, este princípio tem sido um pouco esvaziado pela
jurisprudência do TC – acs. 236/2004, 5/2005 ou 13/2005, sugerindo uma
posição objectivista como a de MARIA LÚCIA AMARAL, i.e., modelando apenas o
instituto da responsabilidade civil, reconhecendo-o como uma garantia
institucional, cuja densificação tem de ser deixada ao legislador.

- Os pressupostos são os gerais da responsabilidade civil:

44
- Ilicitude – violação de um DLG ou de outra norma de protecção análoga

- Culpa

- Dano

- Nexo de causalidade entre culpa e dano

- Além desses pressupostos, há um regime particular que assenta no seguinte:


responsabilidade solidária (Estado + titulares + funcionários e agentes), pode
haver tanto por acções como por omissões (uma grave omissão legislativa ou
insuficiente protecção de um direito), pode haver responsabilidade tanto por
actos políticos e legislativos inconstitucionais – caso Aquaparque – como por
actos administrativos e jurisdicionais.

- No art. 22.º fala-se em violação – além de pressuposto da responsabilidade


civil do Estado, terá o conceito qualquer outra relevância constitucional? É
relevante nos sistemas e que há queixas constitucionais ou recursos de amparo,
como o alemão ou o espanhol, respectivamente. Contudo, diz MELO
ALEXANDRINO, um sistema de controlo abstracto da constitucionalidade
como o nosso está normalmente desinteressado da violação de um direito
fundamental, diluindo-se a vinculatividade especial das normas de direitos,
liberdades e garantias, neutralizando o conceito de violação perante a figura da
inconstitucionalidade – um mero Normenkontrolle tende a abstrair-se da
afectaçao do direito fundamental. Por isso é que, segundo o autor, a introdução
de formas de tutela do tipo do recurso de amparo não poderá prescindir de
uma elaboração mais aprofundada do conceito de violação, que nesse caso
constituiria dos primeiros pressupostos processuais.

O Sistema de Direitos Fundamentais e a Revisão Constitucional

- Art. 288.º d) – nesta alínea divisam-se três zonas: princípios que


correspondem não propriamente a limites materiais de revisão, mas sim a
limites originários do poder constituinte; princípios que correspondem a
verdadeiros e próprios limites materiais de revisão ou de primeiro grau; e
limites que correspondem a limites impróprios ou de revisão.

- A al. d) do art. 288.º, para JORGE MIRANDA, representa:

- As leis de revisão têm de respeitar, i.e., manter e preservar, os direitos,


liberdades e garantias que correspondam a limites transcendentes ao Direito
estatal, que corresponderão normalmente àqueles DLG’s que não podem ser
suspensos – art. 19.º/6

45
- As leis de revisão têm de respeitar os DLG’s que correspondam a
limites imanentes à legitimidade democrática da CRP, como o direito de
sufrágio – corroborado por al. h)

- As leis de revisão têm de respeitar o conteúdo essencial dos demais


DLG’s, se é que isso exista mesmo...

- As leis de revisão têm de respeitar o regime dos DLG’s, tanto o


específico como o comum aos restantes direitos

- As leis de revisão não podem estabelecer derrogações a normas de


DLG’s, mormente derrogações ou rupturas materiais de sentido restritivo.

- Têm de respeitar o art. 16.º DUDH

- JORGE MIRANDA – a al. d) não versa senão sobre os DLG’s do Tit. II da Parte I
da CRP, não sobre os de natureza análoga, muito menos sobre os de natureza
análoga provenientes de lei ou DIP.

- Diferentemente, VIEIRA DE ANDRADE.

A Suspensão dos Direitos, Liberdades e Garantias

- Art. 19.º/1 – os órgãos de soberania não podem suspender o exercício dos


DLG’s, salvo em caso de declaração do estado de sítio ou emergência,
declarados como previsto na CRP.

- N º 6 – limites à declaração de emergência ou estado de sítio e à suspensão

- JMA – é pois a respeito das situações de excepção de necessidade


constitucional, a que correspondem os cenários de estado de sítio e de estado
de emergência, que se situa o conceito de suspensão, que, por constituir
uma das mais importantes modalidades de afectação dos DLG’s, importa
conhecer e saber distinguir designadamente do conceito de restrição.

- MELO ALEXANDRINO – a suspensão pode ser definida como a afectação dos


DLG’s e garantias que, pressupondo uma declaração de estado de sítio ou
de estado de emergência, feita de forma prevista na CRP, atinge em abstracto
certos efeitos da protecção de um direito fundamental.

- A suspensão é uma modalidade da afectação porque se traduz num


prejuízo na liberdade (REIS NOVAIS), pois através dela atingem-se
desfavoravelmente certos efeitos normativos dos DLG’s (recolher obrigatório
inibe efeitos externos liberdade de circulação, p ex)

46
- Só pode ter lugar verificado o pressuposto particularíssimo da declaração
de estado de sítio ou estado de emergência, declarações essas que dependem
de uma extraordinária série de pressupostos e de requisitos materiais, formais e
institucionais – art. 19.º/2 e 3 (requisitos materiais), limites internos nos nºs 4, 5
e 6; limites formais – emissão de um decreto do PR, que depende da audição do
Governo e autorização da AR.

- A suspensão atinge o direito fundamental em abstracto, na sua feição


de situação jurídica compreensiva, não se dirigindo a uma ou várias situações
jurídicas concretas de certas pessoas.

- A suspensão caracteriza-se por atingir não a norma de direito


fundamental, nem o objecto, mas sim e apenas certos efeitos de protecção
da norma de direito fundamental, sendo que esses efeitos têm que ver com as
manifestações externas do direito pelo seu titular, i.e., que se refiram à
extensão ou à intensidade dos efeitos de protecção que resultam da
respectiva norma de garantia (p ex, o Estado pode ver aligeiradas as proibições
de não perturbação ou de não ingerência na esfera da vida privada ou nas
telecomunicações).

- A suspensão tem em comum com a restrição o facto de também constituir uma


afectação dos DLG’s, o facto se ser uma afectação legítima, de traduzir uma
afectação que se projecta no plano abstracto e a sujeita ao princípio da
proporcionalidade.

- Mas há grandes diferenças – a mais marcante reside no facto da suspensão


constituir uma afectação temporalmente limitada (e até especialmente se
restrita a uma parte do território nacional), uma vez que o estado de excepção,
por regra e sem prejuízo de renovações, não pode durar mais de 15 dias – 19.º/5,
e a restrição tem uma vocação de definitividade e permanência.

- Outra grande diferença reside no facto da suspensão incidir não sobre


o conteúdo mas apenas sobre o exercício do direito, sendo que a
intensidade da afectação será geralmente menor na suspensão do que na
restrição. Além disso, a restrição é uma coisa frequente, tendo como
pressuposto a necessidade de defender certos bens e interesses constitucionais.

A Renúncia a Posições de Direitos, Liberdades e Garantias

- REIS NOVAIS – renúncia traduz-se no enfraquecimento voluntário de uma


posição jurídica individual protegida por uma norma de direito
fundamental, determinado por uma declaração de vontade do titular dessa
posição que o vinculou juridicamente a aceitar o correspondente alargamento da

47
margem de actuação da entidade pública face às pretensões que decorriam
daquela posição.

- MELO ALEXANDRINO – a afectação de uma posição de direito fundamental,


traduzida na redução dos efeitos de protecção desse direito, por força da
vontade do respectivo titular.

- Ela constitui assim uma modalidade de afectação voluntária de uma


posição ou certos efeitos de protecção de direito fundamental, que tanto pode
surgir no quadro das relações entre Estado e cidadão como no âmbito das
relações jurídicas privadas.

- Esta figura não está prevista na CRP. Tem legitimidade constitucional?

- Qualquer direito, de qualquer titular é passível de renúncia, em qualquer


das suas dimensões?

- Na sua dimensão político-constitucional, um direito fundamental,


qualquer que seja, é indisponível e inalienável – daí resulta que, a admitir-se
a renúncia, a mesma não ocorre no plano do direito fundamental como um todo,
mas noutro nível, ao nível de uma posição individual ou ao nível de
determinados efeitos de protecção avaliados em concreto. Por se revelarem
aí as características básicas da fundamentalidade, da permanência e do carácter
pessoal, que fazem dos direitos fundamentais realidades juridicamente
inseparáveis da própria pessoa, é em princípio inadmissível a renúncia à
titularidade de qualquer direito fundamental.

- Vigora também um postulado de diferenciação, pelo que a


admissibilidade da renúncia terá de ser avaliada em função do direito
fundamental em concreto, em função das circunstâncias particulares do caso, em
função da condição do respectivo titular e em função do fim da renúncia, e como
critério único valerá sempre aí a norma da dignidade da pessoa humana.
(ex: escravatura). Quanto ao titular, se o mesmo for menor, incapacitado, o
consentimento que possa ser prestado pelos pais, em nome do filho, não
pode ser integrado na mesma categoria de renúncia, uma vez que que um
não titular do DF em causa não tem o poder de dispor sobre o abandono das
pretensões, faculdades ou poderes que dele decorrem (REIS NOVAIS). É também
necessário que declaração de vontade tenha sido livre de constrangimentos
exteriores e esclarecida e ainda que não tenham com isso sido afectadas de
forma grave as condições futuras de conformação da própria vida, o que
supõe, possibilidade de revogação da declaração a todo o tempo.

- Dito isto, o fundamento do poder de renúncia encontra-se


no primeiro dos elementos estruturantes materiais do sistema – o
princípio da liberdade. Porque os DLG’s são expressão da liberdade, têm por

48
fim a liberdade e se realizam na liberdade, é, antes de mais ao beneficiário da
liberdade que deve ser reconhecido o poder de definir o conteúdo e o uso
concreto da sua liberdade. Mas a renúncia ainda tem como fundamento a não
compossibilidade da realização simultânea de todos os bens e interesses
da liberdade, pelo que ao titular dos direitos deve ser em regra
reconhecido um poder de definição de propriedades na realização concreta
da sua esfera de liberdade.

- Quanto aos demais requisitos da renúncia, passando ao lado das exigências


da reserva de lei, que deverão ser relativizadas, são duas as principais
exigências a saber:

- Existência de uma margem de decisão – disponibilidade – sobre


certos efeitos de protecção de uma posição de direito fundamental por
parte do seu titular (presença numa determinada situação, do poder jurídico de
dispor, no sentido da sua redução, numa certa parcela, dos efeitos de protecção
de um DF)

- Nas relações cidadão- Estado ou equivalentes, o respeito pelas


exigências da proibição do arbítrio e da proporcionalidade, na sua tripla
dimensão de idoneidade (entre redução e fim visado com ela),
indispensabilidade (se houver formas menos agressivas de atingir o mesmo
fim) e equilíbrio (entre efeitos reduzidos pretendidos, por um lado e a
importância do fim visado e o peso da liberdade pessoal, pelo outro) – nas
demais relações valerá, quanto muito, um mínimo de equilíbrio.

- À luz de tudo isto, a obrigação de não casar durante o período de formação


militar, apesar de poder resultar de um consentimento meramente presumido,
pode ser justificada, em homenagem à própria liberdade e autonomia de quem o
faça, ‘na medida em que se considere que a ausência de compromissos e
encargos familiares consequentes contribui para uma maior disponibilidade e
empenhamento no processo de formação e não é um sacrifício excessivo’ (REIS
NOVAIS), devendo ser reconhecido ao titular do direito de constituir família uma
certa margem de enfraquecimento do conteúdo da garantia enunciada no
art. 36.º/2 – por fim, esta renúncia não ofende a dignidade da pessoa humana.

Os Direitos, Liberdades e Garantias nas Relações de Estatuto Especial

- Os direitos fundamentais não foram concebidos a pensar em toda a


variedade e multiplicidade de relações que podem existir entre o Estado e
as pessoas, não tendo sido pensados para as situações em que se podem
encontrar as crianças, pessoas em internato, titulares de órgãos de soberania,
etc.

49
- À luz desta ideia que, no plano dos DLG’s, se admite a possibilidade de
distinguir entre o estatuto geral das pessoas e o estatuto de determinados
círculos de pessoas, como dizia KONRAD HESSE, i.e., das pessoas que, por força da
Constituição ou da natureza das coisas, se encontram sujeitas – crianças, presos,
incapacitados – ou inseridos – militares, polícias, funcionários públicos e
titulares de órgãos de soberania – em relações regidas por um estatuto
jurídico especial.

- Há que dizer, primeiramente, que a integração de alguém numa relação de


estatuto especial não afecta a titularidade de DF’s, nem significa uma
automática renúncia à titularidade de qualquer DF’s.

- Essas relações de estatuto especial não podem deixar de considerar-se


permeáveis à validade dos direitos fundamentais, nem podem considerar-se
excluídas da aplicabilidade das normas sobre direitos fundamentais, seja no
plano das exigências materiais das leis restritivas ou controlo jurisdicionais.

- Ao contrário, são essas situações que, para serem concebidas como


relações de estatuto especial, carecem de uma base constitucional, do mesmo
passo que, para poderem conduzir a restrições de direitos, devem ter como
referência instituições cujos fins e especificidades constituam, eles
mesmos, bens ou interesses constitucionalmente atendíveis, não estando
excluído que essas relações também possam conduzir a um reforço da
protecção dispensada às pessoas que nele estão inseridas.

- À luz dos respectivos fim e função, à luz da especificidade do domínio material


abrangido, à luz da situação do caso e dos DF’s em presença, cada uma dessas
relações especiais pressupõe normalmente um amplo espaço de
diferenciação.

- Esclarecido que as relações de estatuto especial não interferem com a


titularidade dos DF’s, o interesse da figura reside sobretudo no facto da
mesma legitimar tanto a restrição acrescida – i.e., afectação – como reforço
da protecção, ou seja, uma intervenção vantajosa, de certos direitos
fundamentais – as relações de estatuto especial constituem por isso
fundamento para um quadro particularmente singular de intervenções no DLG’s.

- Tendo de admitir a necessidade de introduzir sucessivas distinções,


quanto aos titulares, funções exercidas e aos direitos envolvidos, entre relações
de indiferença, reforço e incompatibilidade, a regra geral da qual deve partir
o intérprete, é a de que a presença duma relação de estatuto especial é
indiferente para a determinação do conteúdo de qualquer DF. Só se poderá
abandonar tal regra se tal for exigido pela CRP, após uma devida combinação
entre DF em concreto, situação do titular e especificidade material do caso.

50
- Uma das mais importantes restrições na CRP é a dos militares e forças de
segurança, sendo que a CRP também se refere aos presos – 30.º/5 – e aos
funcionários públicos – arts. 269.º-271.º

- A CRP prevê desde 82 uma habilitação constitucional de restrições ao


exercício de direitos – 270.º - sendo que o preceito, para MELO ALEXANDRINO, é
de utilidade manifesta, atestando-se aí a existência de uma relação de
estatuto especial com base constitucional, identificando-se os direitos
incompatíveis e os que podem ser objecto de uma afectação especial –
expressão, reunião, manifestação, etc., ficando os demais sujeitos à regra da
indiferença. Finalmente, a norma acaba por constituir um limite dos limites
vigente nessa matéria, desempenhando uma função de garantia semelhante à do
18.º/2. Dever-se-á sempre distinguir 3 situações – âmbito do exercício das
funções, âmbito pessoal no exercício de funções e âmbito privado, sendo
que no último a vinculação será mínima e no primeiro máxima.

O Regime Específico dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais


23 24

Introdução e Evolução

- MELO ALEXANDRINO - os direitos económicos, sociais e culturais são direitos


cujo conteúdo principal consiste em prestações materiais a fornecer pelo
Estado, prestações essas dependentes de opções e de uma conformação político-
legislativa.

- Houve uma primeira fase dos direitos sociais (entre 1917 e os textos
constitucionais do final dos anos 40), que incluía a constituição mexicana de
1917, a Constituição alemã de 1919 (Constituição de Weimar), considerada a
primeira formulação constitucional do modelo de Estado social.

- Após a I Guerra Mundial, regista-se as crises dos anos vinte: a de 1921 (que
contribuirá para levar ao poder na Itália o partido fascista); a “grande depressão”
de 1929/32 (que, do mesmo modo, criará as condições para a subida ao poder
do Partido nacional-socialista, na Alemanha).

- Após a 2ª Guerra mundial, pelos documentos constitucionais de vários países, o


bem-estar é elevado a passa a ser um fim do Estado, surgindo um modelo
intervencionista do Estado na economia, destinado a assegurar políticas de pleno
emprego (aplicando as teorias keynesianas ou delas próximas)

23 MELO ALEXANDRINO, Direitos..., pp 155-159


24 o belo do plano do IVO

51
- Paulatinamente, as Constituições passaram a prevê-lo (v. g., para além da
hoje não vigente Constituição da IV República francesa (Constituição de 1946),
as Constituições italiana de 1947, alemã de 1949 , portuguesa de 1976 (actuais
arts. 2.º, 9.º, als. d) e d); arts. 58.º ss.), brasileira de 1988.

- A segunda fase dos direitos sociais sucede nos anos setenta e oitenta, em que
se acrescenta novos direitos, relacionados com a preocupação com as gerações
futuras); são, por vezes, chamados “direitos de terceira geração”.

- Em temos de técnica normativa, o Estado de bem-estar é previsto por normas


impositivas (art.º 9.º, als. d) e e)); e por normas de direitos fundamentais (na
CRP, são designados como “direitos económicos, sociais e culturais”, previstos
entre os arts. 58.º e 79.º).

- O que caracteriza estes direitos sociais?

- Em primeiro lugar, são direitos que exigem prestações por parte do


Estado. Por exemplo, o direito à saúde implica um serviço nacional de saúde
(construção de hospitais) (art.º 64.º, n.º 2, al. a));

- O objectivo imediato será o de assegurar “a igualdade real entre os


portugueses” (art. 9.º, al. d))), impondo aos poderes públicos a eliminação (ou,
pelo menos, atenuação) das desigualdades de facto (económicas, sociais e
culturais) (cfr. arts. 9.º, al. d), 58.º, n.º 3, al. b), 74.º, n.º 1), através do
estabelecimento das compensações e obrigações de diferenciação, como forma
de compensar a desigualdade de oportunidades.

- As “discriminações positivas”, sem prejuízo de não estarem expressamente


previstas no art.º 13.º, decorrem do n.º 1.

- Discriminar significa estabelecer diferenças entre as pessoas com


fundamento material bastante.

-Exemplos: arts. 69.º, n. 2 (órfãos e abandonados), 70.º, n.º 1 (jovens),


59.º, n.º 2, al. c) (trabalho das mulheres e de menores), art.º 68.º, n.º 3 (mulheres
trabalhadoras); deficientes; quotas de acesso à Universidade para estudantes
(insulares; estrangeiros; desportistas), sendo mais discutíveis as “acções
afirmativas”, como ‘quotas para mulheres ou negros [quais, daqueles quase azuis
ó racista de merda?], nas eleições parlamentares ou no acesso à Universidade’

- Estes direitos sociais são garantidos, sobretudo, através de normas


programáticas, de baixa densidade normativa (por exemplo, o direito à
habitação (art.º 65.º CRP).

- Ao contrário do que sucede com os não são exigíveis imediatamente: são


direitos “na reserva do possível” (Vorbehalt des Möglichen)

52
- Estes direitos estão condicionados triplamente:

i) encontram-se, desde logo, dependentes de recursos financeiros; não


existindo disponibilidades financeiras, não é possível concretizar as normas
programáticas; para JORGE MIRANDA, esta dependência da realidade
constitucional implica que, quando abundantes as normas e escassos os
recursos, há conveniência em estabelecer graus e critérios – o contrário levaria
à inutilização dos direitos sociais – quem tudo quer fazer, nada faz. Assim, diz
o constitucionalista, há uma grande margem de manobra do poder político,
sem obliterar a proporcionalidade, aferido por padrões de justiça social,
solidariedade e igualdade real entre os portugueses.

ii) em função desta condicionante o conteúdo principal dos direitos


económicos, sociais e culturais é determinado por opções do Legislador
ordinário, em termos de produzir direitos certos e determinados (efectividade),
ao contrário dos direitos, liberdades e garantias, que são consagrados através de
normas preceptivas, e cujo conteúdo essencial é concretizado ao nível da
Constituição formal;

- O Legislador não poderá concretizar, no imediato, todos os direitos


sociais, em igual medida, optará por concretizar, em certo momento, certos
direitos sociais, em detrimento de outros.

- Todas estas opções do Legislador não são controláveis judicialmente


por parte dos tribunais, em virtude do princípio da separação de poderes
(e, no caso do Poder Executivo, da reserva de Administração). A questão tem sido
discutida no Brasil, mas parece que os tribunais não podem, apenas com base na
Constituição, arrogar-se poderes sobre o orçamento do Estado.

- Curioso é notar que, no caso português, os direitos económicos, sociais e


culturais não estão abrangidos pela reserva de competência da AR (sendo,
todavia, discutido na Doutrina a abrangência dos direitos de natureza
análoga a direitos, liberdades e garantias (cfr. art.º 17.º). Assim sendo, o
Governo-legislador poderá criar, modificar ou extinguir um direito social e,
simultaneamente, o Governo-administrador deverá executar esse mesmo
decreto-lei.

iii) Para além da necessidade de previsão pela lei, será ainda necessária a
intervenção da Administração Pública: através da execução da lei (construção
de infra-estruturas, …) ; da elaboração de regulamentos administrativos.

53
Regime?

- Sendo direitos fundamentais, os DESC’s estão automaticamente sujeitos ao


regime geral ou comum dos DF’s, não estando à partida excluído que certas
das dimensões de alguns deles, por terem natureza análoga, possam
beneficiar do regime específico dos DLG’s.

- Mas têm eles um regime específico? Não será apenas um o regime aplicável a
todos os DF’s – o regime comum – como diz REIS NOVAIS e a dogmática unitária
dos DF’s?

- Não se confundem com direitos a prestações derivados da lei, uma vez que
tudo os separa em termos técnicos, pois os DESC’s são direitos fundamentais,
são situações jurídicas compreensivas colocadas no plano constitucional,
não têm por regra um conteúdo determinado e por regra não podem ser
qualificados como direitos subjectivos. Assim, quando se fala deste regime
específico, está-se a referir aos DESC’s e não a estes direitos a prestações
derivadas da lei.

- JORGE MIRANDA – o suposto regime dos DESC’s está ligado com tarefas e
incumbências do Estado, como a tarefa fundamental de promover a
efectivaçao dos DESC’s – diz o autor que se trata de uma promoção não
estatizante e não autoritária, aberta à promoção pelos próprios interessados e
às iniciativas da sociedade civil, para se criarem as condições para o
aprofundamento da própria democracia.

- Avisa o autor que uma característica dos DESC’s será também a


dependência da realidade constitucional

- MELO ALEXANDRINO – não há apoio na lei para se poder falar num regime
específico dos DESC’s, cabendo à dogmática constitucional edificar e construir
as soluções mais ajustadas a esses direitos, como conjunto constitucional, e a
cada uma das figuras, como realidades específicas e diferenciadas. Na verdade,
aquilo a que a doutrina muitas vezes refere como expressões de um regime
específico – como a conexão com tarefas e incumbências do Estado, participação
dos interessados e da sociedade e a dependência da realidade constitucional –
não é mais, para este autor, do que uma forma de explanação do pano de
fundo onde se movem esses direitos e da revelação de algumas das formas
pelas quais ocorre a concretização dessas tarefas, incumbências e
vinculações do Estado.

- Continua o autor, respondendo à segunda questão, deve ser dito que, por várias
razões, não há nem pode haver, em face da CRP, um regime jurídico unitário
para todos os direitos fundamentais.

54
- Finalmente, sobre a dogmática unitária, uma vez que a mesma tem de ser
efectivamente construída pelo esforço dos juristas, podemos hoje reconhecer
que essa reclamação já superou, entre nós, a sua fase retórica, encontrando-se
numa nova fase de gestação. Contudo, diz JMA, mesmo que venha a ocorrer
uma comunhão total de vistas sobre a existência de uma dogmática
unitária dos DF’s, daí não segue que deva existir um único regime jurídico.

- Finalmente, uma pequena referência ao suposto princípio da proibição do


retrocesso social, i.e., estará o legislador vinculado por esse princípio que o
impeça de afectar o nível de concretização legislativa já alcançado pelos
DESC’s?

- Resposta divide a doutrina e o TC só uma vez afirmou a existência de tal


princípio – Ac. 39/84 – tendo agido com maior prudência recentemente, por
parte induzido pela observação de uma sobrecarga gerada pelo excesso de
promessas constitucionais e pela crise de sustentabilidade jurídica do
Estado de bem-estar, admitindo desde há muito a inevitabilidade das
intervenções do legislador no sentido de enfraquecimento dos níveis
anteriormente concretizados – Ac. 590/2004.

- MELO ALEXANDRINO recusa um princípio constitucional autónomo da


‘proibição do retrocesso social’. Na base dessa recusa estão a consideração da
CRP como um todo, a realização da liberdade como um todo, a combinação
dos princípios da realidade, razoabilidade e vinculação do Estado ao
Direito, bem como uma necessidade de uma resposta preferencial à
satisfação das condições materiais das pessoas e dos grupos em situação de
maior de desprotecção.

- Posição do Tribunal Constitucional - “a proibição do retrocesso, funcionando


apenas em casos-limite, só operaria quando, “como refere J. J. GOMES CANOTILHO,
se pretenda atingir “o núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito
pela dignidade da pessoa humana”, ou seja, quando “sem a criação de outros
esquemas alternativos ou compensatórios” se pretenda proceder a uma
“anulação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial.(in AcTC, 54.º -
qual é mesmo ó Ivo?)

- GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA – normas constitucionais que reconhecem


DESC’S, de carácter positivo, têm função de garantia dos mesmos – assim, há
uma proibição de retrocesso que as transforma em direitos negativos ou de
defesa – Estado tem de se abster de atentar contra eles, e qualquer restrição
deve estar sujeita ao art. 18.º/2 e 3

- DAVID DUARTE – não há regressão se se estabelecer um mecanismo de


compensação

55
- JORGE PEREIRA DA SILVA – proibição absoluta é insustentável por ignorar a
natureza dos DESC’s enquanto sujeitos à reserva do possível – aceita quando
se verifique uma anulação, revogação ou aniquilamento puro e simples do
núcleo essencial dos DESC’s

- REIS NOVAIS – partindo do pressuposto de que só há uma regra – 18.º/2 – é


melhor do que autonomizar esse princípio de não retrocesso, porque este
último põe os DESC’s em 2º plano.

- VIEIRA DE ANDRADE – garantia abrange um mínimo – proibição de destruição


à grande

- JORGE MIRANDA – porque DESC’s estão sujeitos à reserva do possível, as


respectivas normas constitucionais estão sujeitas a uma reserva geral
imanente de interpretação, dependente de condições económicas.

III - O Sistema de Protecção de Direitos Fundamentais da União


Europeia25 26

Origens Históricas da Protecção dos Direitos Fundamentais no


Seio da União Europeia
A Ausência de um Catálogo de Direitos Fundamentais no TCE

- A versão originária dos Tratados não continha, como agora também não, um
catálogo de direitos fundamentais.

- Tornou-se, contudo, claro, que desde o início da integração europeia, apesar das
Comunidades terem um carácter predominantemente económico e das suas
atribuições serem funcionais, a importância dos poderes conferidos aos
órgãos comunitários possibilitava uma violação dos direitos dos cidadãos –
assim, os direitos não podiam continuar a perspectivar-se apenas por
referência aos Estados-Membros. Contudo, havia desde logo uma preocupação
com os direitos fundamentais que se retira implicitamente do preâmbulo do TCE,
onde se afirmam ideais de paz, liberdade, melhoria das condições de vida,
etc.

25 ANA MARIA GUERRA MARTINS, Direito Internacional dos Direitos Humanos,


Almedina, Coimbra, 2013, pp 274 ss
26 ANA MARIA GUERRA MARTINS, Manual de Direito da União Europeia,

Almedina, Coimbra, 2012, pp 252 ss

56
Tentativas de Colmatar a Lacuna Através da Jurisprudência do TJUE

- TJUE foi o primeiro órgão a tomar consciência dessa problemática e a fazer


esforços para a resolver.

- Após uma primeira fase em que se recusou a aceitar a relevância dos direitos
fundamentais, o TJ acabou, numa segunda fase, por os integrar no Direito da
União (na altura Comunitário) por via dos princípios gerais de direito.

- Fase da recusa – numa primeira fase recusava aferir a validade do Direito


Comunitário pelos direitos fundamentais, com base na ideia de que se o
Direito Comunitário prevalecia sobre o Direito nacional, essa prevalência
incluía também as normas constitucionais relativas aos direitos fundamentais –
Ac. Stork. Mesmo assim, a protecção dos direitos fundamentais impôs-se
devido às tradições constitucionais dos EM’s, na medida em que as
transferências de soberania não podiam significar uma diminuição dos
direitos dos indivíduos. Seja como for, era sempre preciso, à luz das
características específicas da ordem jurídica das CE’s, arranjar uma solução
ponderada.

- Fase da Aceitação – iniciando-se com o Ac. Stauder e Internationale


Handelsgesellschaft, o TJ aceita a integração dos direitos fundamentais nos
princípios gerais de direito, cujo respeito deve assegurar.

- Jurisprudência particularmente interessante pois opera uma deslocação


da protecção dos direitos fundamentais para o nível do Direito
Comunitário e também pela concepção que lhe está subjacente, de
compatibilização entre os ordenamentos jurídicos constitucionais
nacionais e o ordenamento comunitário.

- Fase da Internacionalização – TJ vai completar o quadro de protecção dos


direitos fundamentais na CE/UE através da tomada em conta da CEDH e
demais instrumentos internacionais, como o PIDCP.

- Ac. Nold – estes instrumentos podem igualmente fornecer indicações que


convém ter em conta no quadro do DC/DUE.

- Jurisprudência posterior (Ac. Rutili, Ac. Johnston, Ac. Hauer) vem


confirmar que a CEDH é o quadro de referência no que diz respeito à
protecção, nem sendo admitidas na União medidas incompatíveis com os
direitos humanos reconhecidos pela CEDH.

- Ao longo dos anos, o TJ construiu a sua jurisprudência relativa À protecção


dos direitos fundamentais, indo-se inspirar em fontes jurídicas e políticas, tais
como:

57
- Princípios comunitários retirados do direito escrito –
promoção dos direitos sindicais básicos, igualdade de remuneração entre
géneros

- Tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros

- Os instrumentos internacionais relativos aos direitos


humanos que os Estados-Membros subscreveram.

- Fontes políticas – declarações do PE, Conselho e e Comissão, por


exemplo

- TJUE já retirou de todas estas fontes uma série de direitos – igualdade


de tratamento, direito de propriedade, livre iniciativa, associação, direitos
de defesa, liberdade religiosa, expressão, etc.

- ANA MARIA GUERRA MARTINS – a afirmação da protecção dos direitos


fundamentais desloca para o Direito da união os direitos, liberdades e garantias,
bem como os DESC’s, que, à partida, se encontravam apenas protegidos an ível
de Direito interno ou no quadro do Direito internacional clássico – contribui
para uma certa humanização da União Europeia, pois os indivíduos não são
apenas tidos em conta como operadores económicos, mas também na sua
faceta humana.

- Deve-se, todavia, advertir, que a protecção dos direitos fundamentais no


seio da UE nem pode ser sequer equiparada ao nível do Direito interno dos
Estados-Membros.

A Consagração da Protecção dos Direitos Fundamentais no TUE

- Tratado de Maastricht – à medida que os objectivos da Comunidade se iam


alargando, era cada vez mais nítido o carácter incompleto da solução em
matéria de direitos fundamentais – assim, no novo TUE consagrado em
Maastricht, consagrou-se o princípio do respeito dos direitos fundamentais,
imposto pelos objectivos políticos da UE.

- TUE original referia-se à protecção dos direitos fundamentais a vários


propósitos – disposições comuns, normas de PESC e de JAI

- A maior parte dessas normas consagra a jurisprudência constante do


TJUE no domínio da protecção dos direitos fundamentais, apesar de ter
havido que tenha achado um retrocesso, pois o actual 46.º subtraía ao TJUE a
jurisprudência relativa ao art. 6.º, o que, aparentemente, não impediu nada.

58
- Inovação – protecção dos direitos fundamentais após Maastricht
aplica-se tanto em relação aos nacionais dos Estados-Membros como a de
países terceiros.

- Para GUERRA MARTINS, há implicações jurídicas e políticas da


referência expressa à protecção dos direitos fundamentais no articulado
do TUE:

- Ponto de vista jurídico – confere-se fundamento legal ao nível do


Direito originário às soluções adoptadas pelo TJUE, afastando-se dúvidas.

- Político – opção de clarificação, transparência e humanização da


União, passando-se de uma União/Comunidade meramente económico a uma
União política, o que implica o aumento da necessidade de limitação dos
poderes da autoridade pública em relação aos cidadãos.

- Tratado de Amsterdão – ele veio introduzir aí umas mudançazitas:

- Actual art. 6.º - TJUE passa a ter competência expressa para apreciar
os actos das instituições com base em violação da protecção dos direitos
fundamentais.

- Declaração nº 1 da conferência, relativa à abolição da pena de morte,


deve ser lida em consonância com os arts. 6.º e 7.º TUE – desta declaração pode
inferir-se que a reintrodução da pena de morte num EM poderá ser motivo
para a UE decidir medidas de suspensão com base no art. 7.º

- Reforço dos direitos sociais – introdução do Tit. VIII no TCE, relativo


ao emprego, no qual foi consagrado o direito ao emprego.

- Aumento do âmbito de aplicação do principio da não-discriminação


nova redacção do art. 13.º

- Mesmo assim, continua a não haver catálogo próprio.

- Tratado de Nice – foi no seu âmbito que foi convocada a conferência que
acabou pro elaborar a CDFUE, que, mesmo assim, não logrou consenso para
inclusão no Tratado de Nice nem obteve carácter juridicamente
vinculativo.

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

- Método de elaboração – por uma convenção em 1999, após o Conselho


Europeu de Tampere, que criou um grupo, com representação das várias
bases de legitimidade política, que deveria apresentar as suas conclusões

59
ao CE – apesar de tudo, não se tratava de uma ‘assembleia constituinte’ por
falta de legitimidade democrática.

- Objectivos – a CDFUE não tem em vista criar direitos novos, mas sim tornar
visíveis os direitos que já existem e que fazem parte do património comum
dos europeus – assim, um dos principais objectivos é a segurança jurídica e
consequente protecção dos cidadãos.

- Fontes de Inspiração –

- CEDH no que diz respeito aos direitos civis e políticos

- O próprio TUE no que diz respeito aos direitos dos cidadãos

- A Carta Comunitária de Direitos Sociais Fundamentais dos


Trabalhadores de 1989 e a Carta Social Europeia de 1961, no que diz
respeito aos direitos sociais.

- A força jurídica das fontes inspiradoras da CDFUE é, portanto, muito


diversa – convenções internacionais às quais todos os EM’s estão vinculados, ou
direito primário ou em fontes sem valor vinculativo. A diferente natureza das
fontes de onde emanam os direitos consagrados na CDFUE vai,
naturalmente, ter consequências no resultado final, constituindo os
direitos fundamentais o ‘parente pobre’ no dizer de GUERRA MARTINS.

- A ausência de força vinculativa inicial – antes não tinha. Agora, através do


princípio da equiparação, a convenção e posteriormente o Tratado conferiram
carácter vinculativo à Carta. Já era para estar na Parte II da proposta
Constituição europeia, sendo que o TL seguiu a opção de conferir força
jurídica à Carta, aliás, valor igual ao dos Tratados – art. 6.º/1 TUE. Tem
limites, pois os Estados-Membros restringiram a equiparação da força jurídica
da Carta à dos Tratados, através da introdução de limites de 3 tipos:

- Limites de atribuição de competências – art. 6.º/1, in fine – ‘de alguma


forma o disposto na Carta pode alargar as competências da União’. Como se sabe,
a União só dispõe das competências expressamente atribuídas pelos EM’s – 5.º/2
TFUE – e competências não atribuídas pertence aos EM’s.

- Limites de interpretação – art. 6.º/1, 3º par. remete para o Título VII –


intérprete está vinculado a dois tipos de limites:

- Endógenos – 51.º a 54.º da Carta, especialmente os 52.º/3-7 e o 53.º

- 52.º/3 e 4 – considerando a concorrência, no território da UE, de


três sistemas jurídicos de DF’s – CDFUE, CEDH e os nacionais, estes números
regem a forma como eles se devem relacionar. Sempre que direitos CDFUE e
CEDH coincidirem, também coincidem o seu sentido e o seu alcance – garantir

60
coerência necessária entre CEDH e CDFUE, nomeadamente com a jurisprudência
do TEDH, não se opondo a um tratamento mais favorável da UE; quanto ao nº
4 ele trata das tradições constitucionais dos EM’s, não salvaguardando,
todavia, que os DUE consagre uma protecção mais ampla, o que poderá ter
consequências a nível do primado.

- 52.º/5 – estabelece que as normas que contenham princípios


não podem ser invocadas em juízo, a menos que se trata de apreciar a
interpretação ou legalidade dos actos que as apliquem – consagra distinção
direitos/princípios, tendo sempre subjacente a negociação da Carta. Como diz
GUERRA MARTINS, o 52.º/5 lançou a ‘primeira pedra sólida de uma distinção
entre direitos e liberdades, por um lado, e princípios, por outro’. Mesmo
assim, o artigo é estranho, pois se se quisesse excluir o efeito directo dos direitos
sociais, podia-se tê-lo dito expressamente.

- 52.º/6 – vem corroborar que as legislações e práticas nacionais


devem ser tidas em conta, preceito desnecessário pois isto é afirmado ao longo
da Carta. Mas pronto, deve ser a ‘insistência obsessiva dos Estados-Membros em
afirmarem as suas competências’

- 53.º - disposições da Carta não devem ser interpretadas no


sentido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades
fundamentais

- Exógenos – 52.º/7 – as anotações à CDF, inicialmente adoptadas pelo


Praesidium da primeira convenção e por outras, destinam-se a orientar quer
os órgãos jurisdicionais da União quer dos EM’s na aplicação da carta. Para
GUERRA MARTINS, não se trata de limitar os poderes do juiz na sua tarefa de
interpretação da carta, que seria incompatível com a sua necessária
independência. Juiz ‘deve ter em conta’, mas juiz é quem decide ‘como ter em
conta’ – o que isto quer dizer, diz a autora, é – normalmente a importância do
elemento histórico da interpretação é muito reduzido, mas neste caso, o juiz
pode usá-lo se assim entender.

- Limites Resultantes do Estatuto Especial do Reino Unido e Polónia –


Protocolo nº 30.

- Não quer dizer necessariamente que o preceito vise subtrair os


actos legislativos, regulamentares e administrativos destes EM’s ao
controlo jurisdicional, podendo-se fazer uma interpretação mais ‘amiga da
Carta’ – o preâmbulo do Protocolo afirma o seu carácter vinculativo na remissão
para o art. 6.º e invoca as obrigações dos EM’s em questão – dele resulta o
carácter interpretativo do Protocolo.

61
- art. 2.º Protocolo – GUERRA MARTINS – não é uma verdadeira
cláusula de opt-out porque só reafirma a ideia de que as disposições da Carta
precisam de implementação nacional para o exercício dos direitos nela
consagrados.

- Conteúdo da CDFUE:

- Inicia-se com um preâmbulo

- Capítulo I – dignidade – parte da inviolabilidade do ser humano e nele se


consagram alguns direitos à vida, integridade física, etc. – arts. 1.º a 5.º

- Capítulo II – liberdades – incluem-se direitos tão díspares, como à liberdade


e segurança, respeito pela vida privada e familiar, etc. – arts. 6.º a 19.º - muitos
deles importados da CEDH.

- Capítulo III – igualdade – consagra várias igualdades – art. 20.º a 26.º -


inspiração na CEDH

- Capítulo IV - solidariedade – arts. 27.º a 38.º - inclui direitos sociais e dos


trabalhadores e alguns de terceira geração (ambientes, consumidores e afins).

- Capítulo V – cidadania – arts. 39.º a 46.º - limita-se a reiterar os direitos


de cidadania já consagrados no TUE

- Capítulo VI – justiça – 47.º a 50.º - coisas como direito a tutela jurisdicional


efectiva. Decalcados da CEDH

- Capítulo VII – disposições gerais relativas ao âmbito de aplicação,


interpretação, protecção e proibição do abuso de direito – arts. 51.º-54.º

- GUERRA MARTINS – a CDFUE não pode ser vista como um standard máximo,
devendo ser antes encarada como um limite mínimo abaixo do qual não se
deve descer. Apesar de tudo, ela consagra um conjunto bastante amplo de
direitos, desde direitos civis e políticos aos direitos sociais.

A Problemática da Adesão da União Europeia à CEDH – o Estado das


Negociações

- Toda esta moscambilha começou no fim dos anos 70. Em 1979, a Comissão
sobre a Adesão das Comunidades Europeias à CEDH. Segundo esta Comissão,
as vantagens da adesão das CE’s à CEDH são:

- Fica vinculada por um instrumento internacional em matéria de


direitos fundamentais, sujeitando-se ao mesmo controlo que os seus
Estados-Membros

62
- Passaria a existir um catálogo de direitos, que seria o fundamento
jurídica das decisões do TJUE – certeza jurídica

- A CEDH seria incorporada na ordem jurídica comunitária.

- Esta comissão não conseguiu convencer os órgãos, pois esta adesão também
traria dificuldades, nomeadamente a concorrência de sistemas jurisdicionais
distintos, que obedecem a princípios diferentes.

- O TJ emitiu um parecer – 2/94 – com o qual pôs temporariamente termo a esta


discussão, negando a competência da então CE para aderir à CEDH: segundo
o Tribunal, a CE não dispunha, no quadro jurídico à época vigente, nem
expressa nem implicitamente, de tal competência. O então art. 235.º - hoje
308.º (VER CORRESPONDÊNCIA) não é base jurídica adequada, uma vez que a
adesão da CEDH não se enquadra nos objectivos comunitários.

- Após este parecer ficou claro que só os Estados-Membros poderiam


conferir à UE a capacidade internacional necessária para aderir à CEDH.

- Esteve no TECE de 2004, no art. I-9.º, nº 2

- Na esteira do TECE, o art. 6.º/2 TUE determina que a União adere à CEDH e que
essa adesão não altera as competências da UE, tal como definidas nos
Tratados. Assim, diz GUERRA MARTINS, a UE adere à CEDH a dois importantes
níveis:

- Substancial – aceitando um núcleo duro de direitos e liberades

- Jurisdicional – reconhecendo a jurisdição do TEDH no domínio dos


direitos fundamentais

- Dum ponto de vista político, a adesão da UE à CEDH significará a convergência


europeia no domínio dos direitos fundamentais, bem como a partilha série
de valores em toda a Europa, acompanhando a progressiva transformação da
UE numa entidade política, sujeita a controlo exógeno e internacional dos
direitos humanos.

- Mas isto levanta alguns problemas –

- A CEDH só previa a adesão de Estados, pelo que os EM’s tiveram que


negociar com os Estados parte da CEDH o Protocolo 14, em que subscreveram a
modificação do art. 59.º da CEDH, tornando possível a adesão – o Protocolo só
entrou em vigor em 2010, com a Rússia a levantar algumas dificuldades.

- Do lado da UE, há quem levante alguns problemas – FAUSTO DE QUADROS


diz que, do ponto de vista substantivo, há serias dúvidas quanto às vantagens,
já que o leque de direitos da CDF, que abrange direitos de segunda e terceira

63
geração e a CEDH não ou pouco; do ponto de vista jurisdicional, a adesão da UE
à CEDH significaria colocar no âmbito do DUE a necessidade de esgotamento
dos meios de jurisdição internos – nacionais e União – o que dificultaria o
acesso ao TEDH, acabando, para este autor, por reverter num ‘nivelamento
por baixo da protecção’

- GUERRA MARTINS – estas objecções poderão ser ultrapassadas consoante


o conteúdo do acordo que a UE e o CE estão a negociar.

- Na óptica da UE, o acordo de adesão deverá respeitar as seguintes


condições – preservação das características próprias da UE e do seu Direito,
com especial relevo para clarificação do destinatário dos recursos (se EM ou UE)
– art. 1.º Protocolo anexo ao TL sobre o 6.º/2; as atribuições e competências
da UE não devem ser afectadas pela adesão à CEDH (art. 6.º/2 TUE); a
situação dos EM’s não deve ser afectada, nomeadamente no que diz respeito
aos protocolos, medidas tomadas em derrogação da CEDH e às reservas – art. 2.º
Protocolo, nem devendo afectar art. 344.º TFUE, que implica os EM’s serem
obrigados a submeter todos os diferendos relativos à interpretação dos Tratados
a um modo de resolução nele previstos (art. 3.º Prot.)

- Enquanto a UE não aderir, os direitos humanos nela previstos e


reconhecidos serão aplicados no âmbito da o.j. da UE por via dos princípios
gerais de direito, como sucedia até à entrada em vigor do TL.

- As negociações ainda não acabaram, e não parece que seja tão cedo. As
directivas de negociação incluem a preservação dos princípios gerais de ambos
os sistemas, a elaboração de um instrumento jurídico que estabeleça as
modalidades de adesão da UE à CEDH, a participação da UE nos órgãos da
CEDH, como o Comité de Ministros e o TEDH, e as relações entre o TJUE e o
TEDH.

- O primeiro projecto de acordo continha algumas disposições polémicas, como a


do seu art. 3.º, que tem que ver com o facto da adesão da UE à CEDH dever incluir
a sua sujeição aos mecanismos de controlo jurisdicional da CEDH, o que fode um
pouco o art. 344.º - mas isto também é politicamente muito difícil, ainda por
cima porque o acordo tem de ser ratificado por todos os Estados partes do CE
e pela UE, e oposição de certos países como o RU tá a foder a cena.

64
IV - O Sistema do Conselho da Europa, em Especial, a Convenção
Europeia dos Direitos do Homem27

O Conselho da Europa e a Protecção dos Direitos Humanos


A Convenção Europeia dos Direitos Humanos e os seus Protocolos

- Origens – a CEDH enquadra-se no movimento de dotar a Europa de uma carta


comum de direitos e liberdades, exprimindo os valores políticos e culturais da
democracia ocidental, motivada pelas atrocidades cometidas durante a 2ª
Guerra Mundial, o desejo de afirmação de criação de um quadro ideológico
diferente dos países de Leste. Começou com:

- O Congresso Europeu que reuniu vários movimentos europeus em Haia


em 48, saindo uma proposta de de elaboração de uma Carta dos Direitos
Humanos.

- A DUDH, acabada de ser aprovada.

- Aprovada em Setembro de 53, juntando-se 14 protocolos, ou introduzindo


novos direitos ou modificações na competência, estrutura e funcionamento dos
seus órgãos de controlo.

- Portugal só aderiu em 1976, mas formulou 8 reservas, só sobrando duas.


A primeira refere-se à prisão disciplinar imposta a militares e a segunda à
irretroactividade da lei penal, por causa da PIDE/DGS.

- Objectivos – o objectivo principal da CEDH é assegurar a protecção dos


direitos humanos, sendo que o seu preâmbulo afirma que a manutenção da
justiça e da paz repousa sobre um regime verdadeiramente democrático e
comum respeito dos direitos humanos, com vista a um fim de união estreita
entre os seus membros.

- Aplicação no Tempo e no Espaço – a CEDH e os seus protocolos não se


aplicam na íntegra em todos os Estados-parte, existindo uma certa
geometria variável, que se deve à ratificação tardia de alguns protocolos por
parte dos Estados; e ao mecanismo das reservas – daí resulta que a aplicação
no tempo da CEDH e dos seus protocolos difere de Estado para Estado e a
sua aplicação no espaço não é uniforme – p ex, os Protocolos 1 e 6 foram
ratificados por quase todos os Estados, mas os 4 e 7 não.

27ANA MARIA GUERRA MARTINS, Direito Internacional dos Direitos Humanos,


Almedina, Coimbra, 2013, pp 180 ss

65
- Atenção que a CEDH e os seus protocolos não se aplicam
retroactivamente, pelo que o facto de um Estado não ratificar um determinado
protocolo significa que as eventuais violações do mesmo por parte desse
Estado só serão relevantes a partir da sua ratificação.

- A Interpretação – a CEDH, sendo um tratado internacional deve ser


interpretada nos termos dos arts. 31.º a 33.º da CVDT. Mesmo assim, a
jurisprudência do TEDH e da Comissão desenvolveu regras específicas:

- Interpretação Teleológica – a TEDH e a Comissão esforçaram-se por


interpretar a CEDH e os seus protocolos de modo a conferir-lhes um sentido
ou efeito úteis, recorrendo muitas vezes à interpretação teleológica, com o
TEDH dar particular atenção ao objecto e fim do Tratado, considerando que
ele é um tratado normativo e, por isso, deve procurar-se a interpretação mais
apropriada para atingir o objecto e fim desse tratado – Ac. Delcourt.

- Interpretação Actualista e Evolutiva – para o TEDH, a Convenção deve


ser interpretada de uma forma actualista, i.e., à luz das condições actuais – Ac.
Loizidou – ela é, pois, um instrumento vivo e dinâmico, susceptível de
adaptação ao Mundo que devir – assim, mesmo não tendo sido incluídos
expressamente direitos na época em que foi elaborada, estes acabaram por ser
deduzidos dos outros. P ex, os direitos dos homossexuais e dos transsexuais ou
o direito ao ambiente, que são deduzidos do direito à vida privada e família.
Tribunal leva em conta a evolução do Direito interno da maioria dos Estados
partes.

- O Sentido ou Efeito Úteis – a interpretação à luz do sentido ou


efeitos úteis tem sido frequentemente mencionada pelo TEDH – Ac. Artico –
assim, a procura da efectividade de um direito conduz o TEDH a retirar dele
todos os elementos que lhe são inerentes. P ex, pode apontar-se o direito de
acesso a um tribunal que, apesar de não constar expressamente da CEDH, foi
considerado um direito inerente ao direito a um processo equitativo – art. 6.º -
Ac. Artico. Este princípio fundamentou alguma da mais inovadora jurisprudência
do TEDH, a saber: i) a teoria das obrigações positivas dos Estados (Ac.
Plattform Ärzte für das Leben), que impõe aos Estados obrigações positivas para
proteger direitos de conteúdo negativo; ii) o efeito directo de certos direitos
(mesmo acórdão), que permite invocação de direitos da CEDH não só contra o
Estado mas também contra particulares; iii) carácter autónomo da
interpretação – (Ac. Sunday Times)– interpretação num sentido europeu; iv)
teoria da interpretação restritiva das limitações aos direitos (Ac. Klass).

- Princípio da Subsidiariedade – implica a autonomia nacional,


como quem diz que as autoridades nacionais permanecem livres de escolher as
medidas que achem necessárias para implementar as obrigações
decorrentes da CEDH, decorrente da sensibilidade do tribunal à diversidade de

66
culturas europeias; teoria da margem de apreciação dos Estados na
aplicação da CEDH – retirada desse carácter subsidiário do sistema da CEDH,
significa que as autoridades nacionais estão melhor posicionadas que os
órgãos do CE para se pronunciarem sobre certos efeitos da CEDH (Ac.
Rasmussen).

- As Reservas – na altura da redacção da CEDH esta foi uma matéria


controversa, havendo quem defendesse a sua inadmissibilidade e quem as
admitia de modo a conseguir mais Estados parte. A solução agora consta do art.
57.º/1 e permite aos Estados a aposição de reservas desde que respeitem
certas condições. Assim, para além dos requisitos gerais do art. 19.º da CV, elas
devem ser formuladas nas situações previstas no art. 57.º/1.

- Admitidas tanto relativamente à CEDH como aos seus Protocolos,


que aditam direitos, com excepção dos 6 e 13 relativamente à abolição da pena
morte, que as proíbem. Na prática, os Estados usam-na com moderação, sendo
que o TEDH tem competência para apreciar a sua conformidade – Ac.
Belilos.

- Também se admitem declarações interpretativas desde que não


violem os limites do art. 57.º.

Os Direitos Reconhecidos na CEDH

- A CEDH e os seus Protocolos 1, 4, 6, 7, 12 e 13 protegem, essencialmente,


direitos civis e políticos. A GUERRA MARTINS estuda primeiro o direito à não
discriminação, dado que, não sendo autónomo, está relacionado com os outros.

- O Direito à Não-Discriminação – art. 14.º - como se vê da últiam frase do


preceito, a lista dos possíveis fundamentos da discriminação não é exaustiva,
mas sim exemplificativa, pelo que se admite a orientação sexual, p ex (Ac.
Salgueiro da Silva Mouta) – o artigo, tal como acontece na ordem jurídica
portuguesa, não proíbe toda e qualquer discriminação, mas sim as
discriminações arbitrárias, i.e. ,as que não têm uma justificação objectiva e
razoável (Ac. Van der Mussele), aceitando até as discriminações positivas (Ac.
Thlimmenos), questão que se coloca relativamente às mulheres e às minorais
étnicas.

- Ele não tem uma existência independente, aplicando-se unicamente


aos direitos e liberdades garantidos pela CEDH, mas tem ganho autonomia,
chegando a abranger os direitos sociais. No Ac. Pla e Pucernau o TEDH
reconheceu efeito directo horizontal a este direito.

67
- Os Direitos Relativos à Vida e à Integridade Física da Pessoa

- Direito à vida – art. 2.º/1 – direito supremo, do qual dependem todos os


outros. Quando diz ‘qualquer pessoa’, é mesmo qualquer pessoa. Contudo, este
preceito não responde à questão de saber quando começa e acaba a vida, nem a
jurisprudência do TEDH é elucidativa relativamente a esse aspecto. Também não
garante a ‘liberdade negativa à vida’, i.e., direito a acabar com a vida.
Relativamente à pena de morte, o Protocolo 6 proibiu-a em tempos de paz e o
13 em qualquer caso. Não estão sujeitos a reservas, mas não estão ratificados por
todos os Estados partes da CEDH.

- Direito a não ser submetido a tortura, nem a penas e tratamentos


desumanos ou degradantes – art. 3.º - não admite excepções, sendo que o
TEDH a considera uma regra imperativa de DIP – Ac. Al-Adsani. Pode-se
estender o âmbito do artigo para situações de recusa de entrada de
estrangeiros ou nacionais, pois a sua recusa pode consubstanciar um
tratamento desumano ou degradante.

- Direito a não ser colocado em escravatura ou servidão e a não ser


constrangido a realizar um trabalho forçado ou obrigatório – art. 4.º/1 –
excepções no nº 3

- Os Direitos que Protegem a Liberdade Física da Pessoa

- Direito à liberdade e à segurança - art. 5.º - liberdade e segurança


contra prisões ou detenções arbitrárias, protegendo o bem jurídico liberdade
pessoal do indivíduo, tratando de 3 aspectos distintos – processo de privação
da liberdade, a privação da liberdade em si e os direitos das pessoas privadas da
liberdade.

- Liberdade de Circulação – art. 2.º do Protocolo 4 – liberdade de


circulação e de escolha de residência, condicionada à situação regular no
estado em causa, quando o estrangeiro respeita a disciplina fixada pelo Estado
para a sua entrada e permanência – Ac. Piermont.

- Proibição de expulsão dos nacionais – art. 3.º do Protocolo 4.

- Proibição da expulsão colectiva de estrangeiros – art. 4.º do


Protocolo 4 – toda a medida da autoridade competente obrigando os
estrangeiros enquanto grupo a deixar o país, salvo se a medida é tomada após
um exame razoável e objectivo da situação de cada um dos estrangeiros que
formam o grupo.

68
- Os Direitos que Incidem sobre a Administração da Justiça

- O direito a um processo equitativo – a promoção dos direitos


humanos necessita de garantias processuais efectivas de modo a reforçar os
mecanismos de salvaguarda dos direitos, daí que a garantia de um processo
equitativo se tenha tornado um princípio fundamental do Estado de Direito – art.
6.º - implica que cada pessoa tenha direito a um tribunal, criando uma
protecção processual aos direitos reconhecidos na CEDH.

- O Princípio da Legalidade dos Crimes e das Penas – art. 7.º/1 – as


cenas do costume do princípio da legalidade.

- Proibição da Prisão por Dívidas – art. 1.º do Protocolo 4

- Garantias processuais em caso de expulsão de estrangeiros – art.


7.º/1

- Direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal – art.


7.º/2

- Direito a uma indemnização em caso de erro judiciário – art.


7.º/3

- Direito a não ser julgado ou punido mais de uma vez – princípio


clássico do non bis in idem – proibição do duplo julgamento/punição – art. 7.º/4

- Direito a um recurso efectivo – art. 13.º

- Os Direitos Relativos à Vida Privada e Familiar

- Direito ao respeito da vida privada, familiar, domicílio e


correspondência – art. 8.º

- Direito ao casamento – art. 12.º - mas não garante direito ao


divórcio nem à adopção por solteiros.

- Direito à igualdade entre os cônjuges – art. 5.º do Protocolo 7

- Os Direitos Intelectuais

- Direito à liberdade de pensamento, consciência e religião – art.


9.º/1

- Direito à liberdade de expressão – art. 10.º/1 – este preceito inclui


liberdade de opinião, receber e de transmitir informações ou ideias sem
ingerência de autoridade pública. Restrições no nº 2

69
- Os Direitos Relativos ao Funcionamento das Instituições Democráticas –

- Direito à liberdade de reunião e associação – art. 11.º - ‘liberdade


de reunião pacífica e à liberdade de associação, incluindo o direito de se filiar em
sindicatos’. Restrições no nº 2

- Restrições à actividade política de estrangeiros – art. 16.º permite


aos Estados imporem limitações especiais aos estrangeiros e apátridas
relativamente ao gozo das liberdade de expressão, associação e reunião. Ele deve
interpretar-se restritivamente, circunscrevendo as actividades políticas não
admitidas àquelas que possam deteriorar as relações entre o estado de
acolhimento e o estrangeiro, sendo que os estrangeiros têm um dever de
discrição em relação ao país de acolhimento, devendo evitar conflitos políticos.

- Direito a eleições livres – art. 3.º do Protocolo 1 – direito a votar,


ser eleito e exercer o mandato. Só não impõe a eleição do Chefe de Estado e
referendos.

- Os Direitos Económicos, Sociais e Culturais – são poucos, visto que a CEDH


debruça-se, essencialmente, sobre direitos civis e políticos, deixando dos DESC’s
para a Carta Social Europeia. Contudo, a CEDH e os seus protocolos também
reconhecem alguns direitos de segunda geração, como a liberdade sindical,
instrução e propriedade, encarando-os como prolongamentos dos direitos
civis e políticos.

- Direito à instrução – art. 2.º do Protocolo 1 – apesar da formulação


negativa, ele deve ser encarado como positivo.

- Direito ao respeito dos bens e propriedade – art. 1.º do Protocolo 1

O Sistema de Controlo da CEDH e dos seus Protocolos

As Origens: um Sistema Misto

- A CEDH, para além de reconhecer o catálogo de direitos fundamentais que


vimos, previu desde o início, formas diversas de garantais desses mesmos
direitos.

- O sistema começou por ser composto pela Comissão Europeia dos Direitos
Humanos, pelo TEDH e por um órgão pré-existente à CEDH, o Comité de
Ministros – era um sistema misto pois participavam dois órgãos políticos e um
jurisdicional.

70
- A Comissão tinha competência para se pronunciar sobre a
admissibilidade das petições, para fixar os factos, conciliar as partes e, caso
isso falhasse, formular um parecer sobre a violação ou não da CEDH.

- O TEDH estava encarregado de proferir a decisão definitiva e


obrigatória sobre os processos que lhe eram submetidos pela Comissão ou
por uma Alta Parte Contratante.

- O Comité de Ministros deveria tomar uma decisão definitiva e


obrigatória sobre processos não submetidos ao Tribunal.

- Todo este sistema era bastante complexo e tinha um carácter híbrido,


que não deve ter dado muito bom resultado.

A Evolução para um Sistema Exclusivamente Jurisdicional – Protocolos nº


11 e 14 – o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

- O Protocolo 11 reformou o sistema de controlo da Convenção, assente em duas


ideias-força:

- Supressão das cláusulas facultativas de aceitação do direito de petição


individual e da jurisdição do TEDH, conferindo ao indivíduo acesso directo
àquele tribunal.

- A Unificação orgânica, i.e., substituem-se os três órgãos envolvidos no


controlo por um órgão permanente – o TEDH.

- O novo tribunal, funcionando em secção de 3 juízes, assumiu certas funções


anteriormente exercidas pela comissão, como o exame da admissibilidade da
petição, a fixação dos factos, a conciliação e a decisão de fundo. A secção
emite um acórdão obrigatório, ao contrário da Comissão que emitia um
parecer.

- A secção de 3 juízes pode, por unanimidade, declarar a petição


inadmissível, competindo, aí, a uma secção de 7 juízes decidir, sendo que o
acórdão só é definitivo se nenhuma parte, no prazo de 3 meses, não se
pronunciar.

- Desapareceu a Comissão e suprimiram-se os poderes do Comité de


Ministros no sistema de garantia, devido à sua falta de independência e
imparcialidade

71
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

- Criado em 1959, após a aceitação da sua jurisdição por 8 Estados

- Composição – art. 20.º - número de juízes igual ao número de Estados, i.e., 47

- Eleitos pela Assembleia Parlamentar relativamente a cada Alta Parte


Contratante, por maioria, etc. – 22.º/1 – elegendo as pessoas referidas no art.
21.º - mandato de 6 anos renovável – art. 23.º/1

- Organização e Funcionamento – só funciona em plenário nos casos do art.


26.º, sendo que nos restantes ele funciona em secções de 3 juízes, as quais têm
competência para rejeitar, por unanimidade, petições individuais
manifestamente inadmissíveis – 28.º - em secções de 7, formações ordinárias do
julgamento – 27.º

- Competência –

- Consultiva – pedidos de parecer formulados nos termos do art. 47.º ex vi


art. 31.º b)

- Contenciosa – pronuncia-se sobre as petições interestaduais – art. 33.º - e


individuais – 34.º. Após a entrada em vigor do Protocolo 11, a adesão à CEDH
implica o reconhecimento da competência obrigatória do TEDH. Antes, era
facultativa e dependia de uma declaração de aceitação por parte dos Estados.
Estende-se a todos os casos que digam respeito à interpretação e aplicação
da CEDH e dos seus protocolos adicionais – art. 32.º

- Características do Processo Perante o TEDH –

- Publicidade – art. 40.º

- Processo contraditório

- Intervenção de terceiro – art. 36.º

- A Competência Ratione Personae

- Os Assuntos Interestaduais – art. 33.º - todo o Estado pode recorrer ao


TEDH por violação de toda e qualquer norma da CEDH cometida por outro
Estado – é um recurso objectivo pois o Estado não age para proteger os seus
próprios direitos.

- As Petições Individuais – após Protocolo 11, o direito de petição inicial


ficou consagrado no art. 34.º CEDH e não está sujeito a restrições. Os seus
titulares são as pessoas singulares, ONG’s e grupos de particulares, não
havendo quaisquer condições relativas à nacionalidade, residência, estado civil

72
ou capacidade dos indivíduos – assim a protecção da CEDH pode ser invocada
contra um Estado parte não só pelos seus nacionais, mas também pelos
nacionais doutros Estados ou terceiros ou apátridas desde que violação
tenha tido lugar nos limites da jurisdição do Estado parte. Os incapazes podem-
se dirigir mesmo sem representante.

- ONG = qualquer pessoa colectiva que não participe na


Administração Pública

- Art. 34.º impõe que o indivíduo tenha sido vítima de uma


violação da CEDH, o que significa que não existe uma acção popular a favor dos
particulares, mas já se admite a noção de vítima potencial ou eventual, i.e.,
toda a pessoa susceptível de ficar abrangida pela aplicação de uma lei
pretensamente incompatível com a CEDH. Também se admite a noção de
vítima indirecta, i.e., toda a pessoa que sofreu um prejuízo, devido à
violação dos direitos de um 3º ou que tem um interesse pessoal válido.

- Condições de Admissibilidade da Petição –

- Prazos – 6 meses a contar da data da decisão interna definitiva – 35.º

- Princípio do Esgotamento dos Meios Internos – 35.º/1 – tem por


objectivo a protecção das soberanias nacionais contra os processos
internacionais intempestivos – ela implica o carácter complementar e
subsidiário do sistema de protecção de direitos humanos, valendo tanto
para as petições interestaduais como para as individuais – ratio – sistemas
nacionais estão, em princípio, mais bem posicionados, porque mais próximos,
para se pronunciar. Esta obrigação limita-se aos meios efectivos e úteis,
whatever that means.

- Condições específicas de admissibilidade das petições individuais –


art. 35.º/2 e 3

- Procedimento:

- Exame Preliminar da Petição – inicialmente confiado à Comissão, coisa


que acabou com o Protocolo 11, passando a ser da competência do TEDH. As
petições individuais são atribuídas a uma secção, sendo designado um juiz
relator presidente. Se ele considerar o processo manifestamente inadmissível,
pode remetê-lo a um comité de 3 juízes – 28.º - se o considerar admissível
remete-o à secção de 7 juízes – art. 29.º

- Legitimidade – a legitimidade passiva pertence aos Estados partes da


CEDH, não sendo o TEDH competente para examinar petições contra

73
particulares nem contra UE. A legitimidade activa, como vimos, pertence aos
Estados e aos indivíduos.

- Admissibilidade da petição – art. 28.º - a secção dos 3 juízes pode


rejeitar as petições manifestamente inadmissíveis por unanimidade, sendo a
decisão definitiva, podendo ela vir a sofrer uma excepção de rejeição.

- O Exame da Petição Admissível – uma vez admitida a petição, a secção


deve fixar os factos e facilitar uma solução amigável – 38.º/1 a) e b)

- Julgamento sobre o fundo da questão – a CEDH, revista pelo Protocolo 11,


jurisdicionaliza totalmente o processo, confiando em exclusivo ao TEDH a
competência para se pronunciar, segundo as diversas modalidades, sobre o
fundo do caso, através dum acórdão.

- A Adopção de um acórdão – 45.º - processo deve conduzir a acórdão


fundamentado, sendo que os juízes podem juntar as suas opiniões individuais
dissidentes ou concordantes. Esse acórdão vai declarar a compatibilidade ou
não das medidas nacionais com a CEDH, tratando-se de um contencioso da
legalidade e não da anulação.

- No art. 41.º prevê-se a possibilidade de conferir uma


indemnização ao indivíduo cujos direitos foram violados – 41.º - é um direito
subsidiário que só será accionado se o direito interno não permitir a reparação
dos prejuízos sofridos, sendo que o TEDH subordina a reparação do prejuízo às
seguintes condições – prejuízo pessoal e directo, com nexo de causalidade
entre a falta constatada e o prejuízo alegado e a certeza do prejuízo – Ac.
Périscope e Keegan.

- Acórdão do Pleno – art. 43.º - reexame que tem em vista assegurar a


coerência da jurisprudência e a uniformidade da interpretação da CEDH.

- Efeitos do Acórdão Proferido pelo TEDH – ele tem autoridade de caso


julgado e é definitivo – 44.º/1 – mas não imediatamente devido à possibilidade
de reenvio para o Tribunal Pleno como já foi mencionado.

- Carácter definitivo não impede o pedido de revisão ou de


interpretação dirigido ao TEDH

- Acórdão não tem autoridade erga omnes e não vale como título
executivo no território dos Estados condenados – art. 46.º/1 – sendo que o
TEDH considera que os seus acórdãos deixam aos Estados a escolha dos meios
para se conformar com as obrigações por eles impostas.

- Comité de Ministros deve velar pela execução do acórdão –


46.º/2 – apesar dos Estados, geralmente, cumprirem o acórdão do TEDH,

74
alterando frequentemente a sua legislação, na sequencia de ‘condenações’ do
TEDH.

O Protocolo nº 14

- O alargamento do CE aos países da Europa Central verificado em 1989 implicou


um crescente número de petições individuais que provocou o
congestionamento do TEDH, não melhorando com a introdução do Protocolo
11. Assim, os Estados membros do CE adoptaram o Protocolo 14, que já obteve
13 ratificações e entrará em vigor quando todos os Estados membros o tiverem
ratificado.

- Ele modifica o sistema de controlo da CEDH no sentido de lhe garantir


mais eficácia introduzindo, a montante, um sistema de filtragem das petições
e a jusante consolida o controlo da execução dos acórdãos, reforçando
também a ideia de que a principal responsabilidade da implementação da
CEDH compete aos Estados membros.

- Ele modifica o sistema nos seguintes termos:

- Formação de juiz singular – 6.º/3 e art. 7.º - competência para rejeitar


uma petição individual manifestamente inadmissível

- Introdução de um processo acelerado para os casos repetitivos – art.


8.º

- Exigência do requisito do prejuízo significativo - as petições


individuais serão declaradas inadmissíveis se não houver prejuízo significativo –
12.º

- O Protocolo 14 reforça os poderes do Comité de Ministros em matéria de


execução das decisões, o qual passa a ter competência para suscitar questões
de interpretação de um acórdão, entre outros – art. 16.º

IV- O Sistema Internacional de Protecção de Direitos Humanos

O Sistema das Nações Unidas


Caracterização

- O sistema de protecção universal dos direitos humanos da ONU caracteriza-se


como um sistema de cooperação intergovernamental, que se fundamenta
numa multiplicidade de fontes, que têm um único objectivo – a protecção

75
dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, apesar de ser um
sistema cuja efectividade está longe de ser satisfatória

Cooperação Intergovernamental

- Por sistema de cooperação intergovernamental entende-se um sistema


dominado pelos Estados, que se baseia em relações de cooperação entre eles
e não em relações de subordinação, i.e., não existe uma entidade suprema
que produza o Direito e que seja capaz de o aplicar coercivamente.

- Deve-se sublinhar que a evolução tem ido no sentido de atenuar esse carácter,
introduzindo pequenas franjas de subordinação neste domínio, nomeadamente
por certas normas originariamente provenientes da ONU se incluem no conceito
de ius cogens.

Multiplicidade de Fontes

- O sistema de protecção de direitos humanos da ONU baseia-se numa


multiplicidade de fontes, que inclui direito costumeiro, convencional e
decisório, sendo que a maior parte das convenções universais sobre direitos
humanos foram adoptadas no seio da ONU.

- Para além desta multiplicidade de fontes, assiste-se, desde a 2ª Guerra, à sua


multiplicação, que não implica, como diz GUERRA MARTINS, necessariamente um
benefício à protecção internacional dos direitos humanos, vendo-se
situações de contradição entre normas de origens diversas.

Identidade de Objetivos

- Apesar da multiplicidade de fontes, não se deve esquecer que todos


convergem num ponto – o reconhecimento a todos os seres humanos, sem
qualquer tipo de distinção, dos direitos inerentes à sua dignidade.

Reduzida Eficácia e Efectividade

- A multiplicidade de fontes e de órgãos aliada à identidade de objectivos não


chegam para conferir eficácia ao sistema da ONU, na medida em que, como
se verá, os seus mecanismos de implementação e de garantia estarem
distribuídos por vários órgãos pouco eficazes.

76
Fontes Convencionais

A Carta das Nações Unidas

- A CNU estabeleceu os fundamentos de uma nova ordem mundial baseada


na paz e na segurança internacionais, pelo que o preâmbulo da Carta afirma
que a ONU tem como objectivo salvar as gerações vindouras da guerra e
assegurar a manutenção da paz e da segurança, pelo que a protecção dos
direitos humanos assumiu um papel muito significativo.

- Ela não só contribuiu para a internacionalização dos direitos humanos como


também para tornar claro que a protecção dos direitos humanos é um meio
importante para assegurar a paz mundial.

- Os direitos humanos são referidos em 7 preceitos – §3 do preâmbulo, art. 1.º/3,


55.º, 56.º, 76.º/1 c), art. 13.º/1 b), art. 62.º/2 e 3, art. 68.º

- GUERRA MARTINS – estas normas mostram, porém, uma grande imprecisão


e um carácter relativamente vago, pelo que cabe averiguar qual a sua natureza
jurídica e significado.

- O respeito pelos direitos humanos na Carta deve ser entendido como um


objectivo a longo prazo, que tanto a ONU como os seus membros se obrigam a
cumprir.

- Aspecto inovador – formulação dos direitos humanos num contexto


de interdependência como um dos requisitos para assegurar a paz e a
segurança internacionais.

- Aspectos criticáveis do sistema de protecção de direitos humanos


previsto na Carta – definição do conceito de direitos humanos, catálogo de
direitos humanos, identificação do conteúdo de cada direito, menção dos
mecanismos de implementação, mecanismos de garantia (destinados a assegurar
a observância dos direitos humanos). Diz a autora que, se o problema da
definição poderia ser ultrapassado por recurso ao direito constitucional dos
membros da ONU, já os problemas relacionados com a extensão da
protecção, identificação do conteúdo de cada direito, bem como os
mecanismos de implementação e de garantia necessitavam de uma
solução. Alguns foram sendo ultrapassados com a aprovação da DUDH, dos
pactos e outros

- Além disso, embora todas as disposições da carta sejam


vinculativas, nem todas gozam do mesmo grau de imperatividade e de
obrigatoriedade, nomeadamente devido ao princípio da não ingerência.

- Eficácia erga omnes – obrigatória para todos os membros da comunidade


internacional e não só membros da ONU

77
Declaração Universal dos Direitos do Homem

- Adoptada em 1948

- Conteúdo – é o primeiro instrumento internacional, de carácter geral e


universal, que contém um catálogo de direitos reconhecidos a toda a pessoa.

- Preâmbulo e 30 artigos

- Preâmbulo é importante, na medida em que expressa ideias que se


podem considerar universais, como a de que os direitos humanos têm na sua
raiz a dignidade inerente a qualquer ser humano, pelo que lhe correspondem
direitos iguais e inalienáveis – princípio da universalidade dos direitos
humanos ancorada aqui. Aponta ainda para a ideia de que os direitos e
liberdades da DUDH devem ser vistos como um standard comum e um sistema
de referencia para a nova ordem internacional.

- Artigos – disposições relativas aos fundamentos filosóficos (art. 1.º),


princípios gerais (2.º, 28.º, 29.º e 30.º) e direitos substantivos (o resto).

- Natureza Jurídica – a DUDH desenvolve as obrigações assumidas pelos


Estados-Membros da ONU em virtude da Carta. Como foi adoptada por uma
resolução da AG, não tem valor juridicamente vinculativo.

- Há quem entenda que ela tem o mesmo valor jurídico do que as outras
resoluções da AG, i.e., não cria obrigações para os Estados membros da
ONU e não é fonte imediata de DIP

- CORREIA BAPTISTA – elemento constitutivo de regras consuetudinárias


preexistentes. GUERRA MARTINS opõe a essa tese o carácter inovador da DUDH
e a abstenção de muitos Estados socialistas, que fode os elementos constitutivos
do costume.

- DIEZ DE VELASCO e VILLÁN DURÁN – o carácter consuetudinário dos


direitos e dos princípios consagrados na DUDH foi adquirido
posteriormente, tendo a DUDH um carácter vinculativo.

- FRÉDÉRIC SUDRE – a DUDH deve ser analisada como um instrumento pré-


jurídico, pois foi a fonte de inspiração de todas as outras regras, apesar
dela própria não ter força jurídica.

- GUERRA MARTINS – é indiscutível que a DUDH influenciou o direito


internacional dos direitos humanos posterior, já para não falar do facto de
muitas constituições a mencionarem como sistema de referencia, não
existindo por isso qualquer dúvida quanto ao seu carácter vinculativo, que
só se pode fundamentar no costume internacional, tendo aberto caminho

78
para o que deve ser visto como a codificação e progressivo
desenvolvimento do DIDH.

Os Pactos das Nações Unidas de Direitos Civis e Políticos e de Direitos


Económicos, Sociais e Culturais

- Na sequencia da DUDH, a AG pretendia adoptar um único instrumento


convencional, no qual se positivassem os direitos humanos, tanto civis como
políticos, económicos, sociais, etc. Mas parece que foi difícil, nomeadamente
devido às profundas divergências entre os Estados de Leste e do Ocidente.

- Os pactos acabaram por ser adoptados pela AG com unanimidade

- O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

- art. 1.º-27.º - contêm todos os direitos substantivos, disposições gerais


relacionadas com a proibição da discriminação e do abuso.

- art. 28.º-53.º - disposições de garantia – monitoring, princípios de


interpretação e cláusulas finais

- Com excepção do direito dos povos à autodeterminação – art. 1.º - que não
pode ser objecto de comunicações individuais, o Pacto apenas garante os
direitos da Parte III. A comparar o PIDCP com a DUDH verificamos a ausência
do direito de propriedade, à nacionalidade e de asilo.

- A maioria dos direitos são formulados genericamente e aplicam-se a


todo o ser humano, se bem que há alguns que só se aplicam a certas categorias.

- O Âmbito das Obrigações dos Estados-Partes – os EP’s obrigam-se a


respeitar e a assegurar a todos os indivíduos dentro do seu território e
sujeitos à sua jurisdição os direitos reconhecidos no Pacto, sem
discriminações de qualquer natureza. Essa obrigação tem uma vertente
negativa – os Estados não podem restringir o exercício dos direitos se essas
restrições não forem expressamente permitidas, sendo que alguns direitos são
intangíveis e outros não; e uma vertente positiva – é obrigação implementar o
direito, sendo que os Estados têm de adoptar a legislação e outras medidas
necessárias para assegurar às vítimas a reparação das violações de direitos
humanos, bem como garantias processuais e afins, protegendo de privados
também.

- As Derrogações, Restrições, Limitações e Reservas – raros são os


direitos ‘intangíveis’ no PIDCP, sendo que o art. 4.º/2 apenas permite inferir que
o direito à vida, os derivados da proibição da tortura, da escravatura, da
servidão, prisão por dívidas e legalidade, bem como reconhecimento de

79
personalidade jurídica, e ainda liberdade de pensamento, consciência e religião
comungam dessa característica. A maior parte dos direitos do PIDCP são,
portanto, susceptíveis de ser objecto de derrogações, restrições, limitações, o
que deixa uma ampla margem de apreciação aos Estados, permitindo-se a
adaptação de direitos humanos universais às circunstâncias políticas, sociais,
económicas e culturais de cada Estado.

- Cláusulas de derrogação – art. 4.º/1 permite aos Estados


adoptarem medidas derrogatórias das suas obrigações, com o respeito de
determinadas condições substanciais e formais – perigo que ameace a vida da
Nação, e cuja existência seja proclamada por acto oficial. Não podem discriminar.

- Autorizações de Restrições e de Limitações – outro modo


de dar aos Estados alguma margem de manobra na aplicação do Pacto, havendo
muitas disposições que o prevêem – 6.º/1 e 9.º/1 e 12.º/3 e 13.º,
respectivamente.

- O Comité dos Direitos Humanos – art. 28.º - criado para garantir o


respeito por parte dos Estados das obrigações que lhes incumbem por
força do Pacto.

- O Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais – os


pactos diferem, principalmente, nas obrigações impostas aos Estados e no
sistema de controlo. Os DESC’s devem ser implementados progressiva e não
imediatamente, e o sistema de controlo fica limitado aos relatórios
periódicos e não abrange comunicações dos Estados. Contudo, como há
direitos que coincidem em ambos os pactos, pode-se recorrer aos mecanismos
do PIDCP nesses casos.

- Conteúdo – a Parte I é mais económica, a Parte II concerne os princípios, a


Parte III contém o núcleo dos direitos a proteger. Alguns dos direitos enunciados
no PIDESC são o direito a trabalhar, criar sindicatos, nível de vida adequado e
outros afins. A protecção prevista no PIDESC tem tanto de ampla como de
genérica sendo que, na verdade há convenções que consagram os DESC’s de
forma muito mais pormenorizada, como das da OIT. Consagra um leque
vastos de DESC’s, mas falta, por exemplo, em comparação com a DUDH, o direito
de propriedade. Comunas de merda.

- Implementação dos Direitos: as Obrigações dos Estados – os direitos


da Parte III regem-se pelos princípios constantes da Parte II – art. 2.º a 5.º que
sublinham as obrigações dos Estados de implementação de direitos. O
Comité dos DESC’s já admite a diferença de natureza das obrigações
assumidas pelos Estados na PIDCP e na PIDESC, sendo que nesta última não
há obrigações imediatas de respeitar e garantir todos os direitos, só prevendo a
implementação progressiva dos direitos económicos, sociais e culturais,

80
tendo os Estados a obrigação de adoptar, o mais rápida e eficazmente
possível. Estão previstas no art. 2.º, devendo ser implementadas por medidas
individuais como também de assistência internacional e cooperação. Alguns
direitos são passíveis de implementação imediata – art. 7.º a)-i), 8.º, 13.º

- O Sistema de Controlo – Comité dos DESC’s, que recebe relatórios dos


Estados e elabora ele próprio relatórios, criando um diálogo construtivo que
termina com a elaboração de Observações e Recomendações, que não têm força
vinculativa, mas alertam a opinião pública.

Algumas Convenções Sobre Direitos Específicos

- A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação


Racial – entrou em vigor em 1969, definido discriminação racial no seu art. 1.º.

- As obrigações dos Estados – art. 2.º a 7.º - condenação de toda a


discriminação racial e o compromisso de, por todos os meios apropriados e sem
dilações, seguirem uma política com vista a eliminar a discriminação racial
e promover o entendimento entre ‘raças’.

- Art. 1.º/4 e 2.º/2 – permite políticas de affirmative action.

- Há um Comité para a Eliminação de Todas as Formas de


Discriminação Racial

- Mecanismos de supervisão – art. 9.º - com processo de comunicações entre


Estados e indivíduos – art. 11.º - 13 e 14.º

- A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação


contra as Mulheres – adoptada em 1967, aprovada em 79 e entrou em vigor em
81.

- Impõe regras sobre a não discriminação contra as mulheres e prevê a


igualdade plena entre homens e mulheres nos arts. 1.º a 16.º

- Art. 28.º - as reservas são incompatíveis com o objecto e fim do tratado,


mas na prática é a convenção que mais reservas tem.

- A Convenção contra a Tortura e outras Penas e Tratamentos Cruéis,


Desumanos ou Degradantes – adoptada em 84 e entrou em vigor em 87. A
proibição da tortura foi incluída em vários instrumentos internacionais
universais e regionais é uma regra de ius cogens.

- Art. 4.º a 9.º - penalidades para os actos de tortura e o estabelecimento de


um sistema de jurisdição universal. A consequência deste sistema é que todo o

81
Estado é obrigado a perseguir ou extraditar os acusados de tortura, de
modo a limpar o seu território de torturadores.

- Não se podem invocar circunstâncias excepcionais que justifiquem


actos de tortura, tendo as vítimas direito a indemnização – art. 14.º

Os Direitos Humanos Universalmente Reconhecidos

Os Direitos Civis e Políticos

- Direitos intangíveis – aqueles efectivamente garantidos, nos quais os Estados


não podem de qualquer maneira tocar. O seu âmbito resulta das próprias
convenções, as quais consagram uma cláusula que exclui certos direitos da
possibilidade de derrogação por parte dos Estados – eles não podem ser
suprimidos em circunstância alguma.

- Fode um bocado um princípio muito querido à ONU, o princípio da


indivisibilidade ou interdependência dos direitos humanos, segundo o qual
todos os direitos humanos são universais, indissociáveis, interdependentes e
intimamente ligados.

- Direito à vida – 3.º DUDH; 6.º PIDCP

- Direito a não ser torturado e não estar sujeito a penas ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes – art. 7.º PIDCP e 5.º DUDH

- Direito a não ser tornado escravo, servo ou obrigado a trabalho forçado – art. ??

- Direito à não-retroactividade da lei penal – art. 15.º PIDCP

- Relativamente aos direitos condicionados, há que reter que o art. 30º DUDH e
5.º/1 PIDCP proíbe a dedicação de alguém a uma actividade ou a realização
de actos que visem destruição dos direitos e liberdades previstos no Pacto,
nem limitações mais amplas, o que veda o abuso de direito.

- Quanto às liberdades, existe liberdade física, de pensamento e de acção


social que incluem respectivamente, direito à liberdade e à segurança, liberdade
de circulação; liberdade de pensamento, consciência e de religião, de consciência
dos pais sobre a educação dos putos, liberdade de expressão; de reunião e de
associação, eleições livres.

- Direitos há uma data deles, e não os vou enumerar. Que se foda. Também há
garantias processuais ao que parece. E ainda um princípio da não
discriminação.

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Os Direitos Económicos, Sociais e Culturais

- Os DESC’s são frequentemente considerados como os parentes pobres dos


direitos humanos, não impondo imediatamente obrigações, limitando-se a
impor obrigações de implementação progressiva, difíceis de concretizar na
prática, na medida em que dependem do poder e disponibilidade económica de
cada Estado.

- Além disso, o sistema de controlo do PIDESC não inclui as comunicações


individuais, o que contribui para um menor desenvolvimento dogmático destes
direitos.

- E o princípio da indivisibilidade e da universalidade dos direitos


humanos, que parece impedir a subalternização de uns direitos em relação aos
outros – assim, em teoria, os DESC’s não se encontram numa posição
hierarquicamente inferior. Alguns direitos partilham bases – direito de
associação e de formar associações sindicatos.

- O PIDESC, além dos direitos económicos, sociais e culturais inclui o direito


colectivo de auto-determinação dos povos. Inclui:

- Direito de propriedade? Não tá em nenhum dos pactos, só mesmo no art. 17.º


DUDH. Devido a esta lacuna no PIDCP, o CDH não tem competência para se
pronunciar sob o direito de propriedade, a não ser que seja para garantir o
direito à não discriminação na aquisição da propriedade. Mas GUERRA MARTINS
afirma que o direito internacional garante o direito à propriedade, daí
resultando que a privação de um bem implica uma indemnização adequada, justa
e pronta.

- Mete direito ao trabalho e dos trabalhadores – art. 6.º/1 PIDESC, 7.º

- Também há direito à segurança social e os direitos da família – art. 9.º, 10.º

- O direito a um nível de vida suficiente à saúde física e mental – art. 11.º

- Direito à educação – art. 13.º

- Direitos culturais – art. 15.º/1

O Controlo (Não Jurisdicional) dos Direitos Humanos Universalmente


Reconhecidos

- Primeiramente, há que referir que existe uma multiplicidade de mecanismos


de controlo, consequência da multiplicidade de mecanismos de controlo.
Para além desses mecanismos de controlo, convencionais, existem mais,
provenientes de resoluções do Conselho Económico e Social ou da prática do

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Conselho dos Direitos Humanos, que se aplicam a todos os Estados-membros
da ONU e têm em vista fiscalizar o cumprimento por parte dos Estados das
obrigações que lhes são impostas, no domínio dos DH’s.

- Já agora, sublinhe-se que não existe, a nível universal, um mecanismo judicial


específico para assegurar a protecção dos direitos humanos, já que o
Tribunal Internacional de Justiça não é adequado, pois os indivíduos não têm
legitimidade activa perante ele.

Mecanismos de Controlo

- Temos os mecanismos de controlo convencionais, presentes nos instrumentos


internacionais universais de direitos humanos e que não têm carácter
jurisdicional, e muitas vezes, nem são obrigatórios.

- Relatórios Periódicos:

- Art. 40.º PIDCP – art. 40.º impõe aos Estados a obrigação de


apresentarem relatórios periódicos sobre as dificuldades e os progressos
alcançados no cumprimento das normas do Pactos. Controlo pelo CDH.
Técnica não é satisfatória pois muitos Estados nem apresentam relatórios.

- No PIDESC – simultaneamente baseado no sistema dos relatórios – art.


16.º-22.º, competindo ao CDESC apreciar esses relatórios, assim como
apresentar sugestões e recomendações aos Estados, com vista a um melhor
cumprimento do Pacto.

- Também há nos outros

- Comunicações Entre Estados:

- CETFDR – art. 11.º-13 – previsão original

- PIDCP – art. 41.º - a competência do CDH é, neste domínio, facultativa,


funcionado com base no princípio da reciprocidade, i.e., ambos os Estados
devem aceitar previamente a competência do Comité. Ao contrário do
sistema dos relatórios, caracterizado pela publicidade, este tem natureza
confidencial e conciliatória, i.e., pretende-se que os Estados cheguem a um
acordo perante o Comité. Aparentemente nunca foi utilizado, tal como
acontece com sistemas similares previstos em outras. MEGA FAIL.

- Comunicações Individuais – com base em comunicações de particulares. É o


mecanismo mais evoluído, encontrando-se previsto em dois Protocolos
Adicionais ao PIDCP e às Convenções das Mulheres e da Tortura.

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- Protocolo Adicional ao PIDCP – previu o direito de comunicação
individual, reconhecendo competência ao CDH para receber e examinar as
comunicações individuais, que denunciem a violação pelo Estado parte dum
direito do pacto. O CDH examina as comunicações quanto à admissibilidade e
quando ao seu bem fundado. Art. 1.º do Protocolo – os titulares são apenas os
‘particulares’, pelo que não é competente para apreciar comunicações de
associações, sociedades, partidos ou ONG’s, mas pode apreciar uma questão
relativa a vários particulares.

- Sistema de Investigação Confidencial e de Visitas Periódicas – art. 20.º da


Convenção da Tortura – mecanismo dependente da boa cooperação do estado
em causa. Temos ainda um Protocolo Facultativo à Convenção contra a
Tortura aprovado pela AG da ONU em 2002, que prevê um sistema de visitas
periódicas aos centros de detenção, com vista a prevenir a tortura e os maus
tratos. Ainda não está em vigor.

Mecanismos Extra-Convencionais

- As possibilidades que as convenções oferecem às vítimas são manifestamente


insuficientes devido a vários factores como o não reconhecimento por
parte dos Estados da competência dos Comités para apreciarem
comunicações individuais, rigidez das regras de admissibilidade dessas
comunicações e com a lentidão dos procedimentos. Além disso, são escassas
as Convenções que admitem as comunicações individuais e, mesmo assim, é
tardia a aceitação dos Estados das mesmas.

- Assim, a AG tem sentido, desde muito cedo, necessidade de criar órgãos


permanentes, a quem confiou a tarefa de velar pelo cumprimento dos direitos
humanos, pois a ONU não dispunha de qualquer mecanismo de controlo dos
direitos humanos.

- Em 67 e 70 foram aprovadas pela AG uma série de resoluções para atribuir ao


CDH competência de controlo, sendo que o CDH é também um órgão de
carácter político e inter-governamental, apreciando as comunicações
individuais em bloco e não individualmente.

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