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AS FACES DA SELFIE

Revelações da fotografia social

Francisco Coelho dos Santos


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte – MG. E-mail: fransan@uol.com.br

DOI: 10.17666/319202/2016

Introdução dos de duas câmeras e com um software que envia


imagens digitais para plataformas de compartilha-
Selfies são autorretratos fotográficos realizados mento. Tomando o cuidado de não admitir qual-
com smartphones equipados com câmera frontal – quer forma de determinismo tecnológico,1 é pre-
ou realizados com webcams –, feitos para a posta- ciso acrescentar que esses aparelhos podem ainda
gem em redes sociais. Essas postagens são frequen- geolocalizar as imagens enviadas.
temente acompanhadas de algum comentário feito Em língua inglesa, a palavra resulta do acrésci-
pelo próprio autor. Decorre dessas características mo do sufixo ie ao substantivo self. Desde agosto de
que estamos diante de uma nova modalidade de 2013, pode-se ler uma definição do termo no Oxford
comunicação, de expressão e apresentação de si que English Dictionary, que, além disso, selecionou-o
tem especificidade histórica, no sentido de que ela como “a palavra do ano em 2013”, tanto na Ingla-
só ficou disponível para uso e apropriação em larga terra quanto nos Estados Unidos. Definido de ma-
escala no momento em que um conjunto de tecno- neira muito breve, o self é o eu na qualidade de
logias alcançaram certo grau de desenvolvimento e eu reflexivo, aquele que pode voltar-se para si pró-
de facilidade de acesso/utilização. Tal é o caso da prio, colocando-se no lugar do outro e assumin-
disponibilidade de conexão à internet, do manejo do o papel que é o da alteridade, portanto, aquele
intuitivo de smartphones de preço abordável, provi- que pode ser a um só tempo sujeito e objeto: “o
self tem a característica de ser um objeto para si
Artigo recebido em 08/12/2015 próprio” (Mead, 1934, p. 136). Social e histori-
Aprovado em 20/04/2016 camente situado, desde que não se pode pensá-
RBCS Vol. 31 n° 92 outubro/2016: e319202
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-lo senão como uma concepção moderna (Taylor, para o monumento, fazendo um autorretrato com
2001; Elias, 2000; Giddens, 1991; Simmel, 1971), o dispositivo móvel e tendo o monumento por trás
ele supre os indivíduos – agentes que são – da capa- de si como se este não fosse mais que um pano de
cidade de apreciar não só a si próprios, explorando fundo.2 Tal turista tende a tomar o lugar daquele
suas profundezas internas, mas também o espaço outro que, estando de frente para o objeto de sua
social e o universo cultural dentro dos quais estão foto, mal o via, ocupado que estava em conseguir a
imersos, permitindo estabelecer relações entre seus melhor imagem dele, em colher seu melhor ângu-
mundos interior e exterior. Central entre suas ap- lo. Isso aponta para uma novidade de importância
tidões, essa propensão para engendrar relações faz considerável: agora, o valor da foto está em exibir
com que ele se constitua na matriz das avaliações, o dono do dispositivo e autor da foto no primeiro
decisões e ações dos agentes, tanto no que tange a plano, tendo a obra como cenário. Ele penetrou no
si próprios quanto no que tange à realidade que os cartão-postal e nele se instalou, alterando, com isso,
envolve. Procede dessas potencialidades que o self a valorização dos conteúdos do instantâneo. Em
se constitui num ponto de referência individual outras palavras, nos últimos tempos, para muitos e
“impossível de ser encontrado senão dentro de si de modo crescente, já não se fotografa como antes.
próprio” e que, sobretudo, consiste num “ponto Para o fotógrafo amador dos dias de hoje, a obra, a
de referência fixo e sem ambiguidades” (Simmel, ação ou a situação que se quer retratada não atrai o
1971, p. 223). Existência singular e distinta, o self olhar da mesma maneira. Embora o retrato tenha
concerne também a tudo o que diz respeito ao si de incluí-la, o fotógrafo deve estar dentro da ima-
próprio, a tudo aquilo que se refere ao que é o pró- gem, desempenhar nela um papel de protagonista.
prio de um eu, como, por exemplo, a autoafirma- Contribui para esse protagonismo a incontor-
ção, a autoconfiança, a autodefesa, a autoestima e, nável presença do rosto do autor da selfie em posi-
last, but not least, a autoidentidade, de expressão ção de destaque. A astúcia se deve, naturalmente,
um tanto preciosa, mas largamente utilizada por ao fato de que, como sublinha Simmel numa di-
Giddens (1991). gressão sobre a sociologia dos sentidos, considera-
Em português, o anglicismo manifesta uma in- do como “órgão expressivo”, o rosto “não veicula o
certeza quanto ao gênero: dir-se-á uma selfie, posto comportamento interior ou prático de um homem,
que é de uma fotografia que se trata, ou um selfie, ele o narra”, ou seja, o expõe, fala dele (Simmel,
dado que ele é um autorretrato? É razoável supor 1999, p. 631, grifo no original). Assim é que, tota-
que essa indecisão se deva à neutralidade do ter- lizando uma multiplicidade de traços e se projetan-
mo em sua língua de origem. No feminino ou no do sobre eles, o rosto se mostra como uma forma
masculino, o gênero aí pouco importa, o que está muito especial de “expressão da individualidade”:
em jogo é uma fotografia digital de si próprio que quanto mais ele é expressivo, tanto mais ele é perce-
alguém produz com seu smartphone para ser divul- bido como sintoma de uma vida espiritual intensa,
gada nas redes e não um instantâneo para ser guar- tanto mais ele sugere uma singularidade pujante
dado, seja lá qual for o processo de preservação. Eis (Simmel, 1988, pp. 137ss.). De modo a tirar vanta-
porque as selfies – no feminino, que passa por ser gem dessas características no contexto da imagem,
o de emprego mais utilizado pela mídia brasileira – é possível, se necessário, servir-se de um selfie stick –
constituem uma nova forma não só de nos expres- ou bastão de selfie –, um apetrecho extensível que,
sarmos e nos apresentarmos aos outros, mas de nos conectado via bluetooth, permite tirar fotografias
comunicarmos uns com os outros através de ima- posicionando do smartphone para além da escala
gens, além de fazê-lo por meio de textos (Gunthert, normal de um braço, de maneira a ampliar o en-
2014; Rawlings, 2013). Daí seu caráter fundamen- quadramento, inserindo o máximo do cenário no
talmente social. instantâneo. Além disso e sobretudo, essa imagem
Um bom exemplo da prática é aquele do tu- é assim realizada para ser disseminada nas redes
rista que está com uma máquina fotográfica no sociais. Pode-se dizer que isso constitui a “filosofia
peito, pendurada no pescoço, contudo de costas implícita” da selfie, para empregar uma expressão
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bem ao estilo de Bourdieu (1965, p. 117). Eis por de existência distintos operando de forma simultâ-
que os inertes álbuns ou os solitários arquivos ele- nea. Atento à novidade e à complexidade do fenô-
trônicos onde antes os retratos eram conservados fi- meno, esse texto pretende trazer à baila elementos
caram sem utilidade. Mais ainda, para as selfies, eles de resposta para essas indagações, de modo a lançar
perderam completamente a razão de ser, uma vez luz sobre alguns de seus aspectos mais significati-
que elas não são absolutamente um produto privado vos. Pois, ao que tudo indica, as selfies podem nos
para uso privado. mostrar muita coisa sobre os tempos que correm;
De início um hábito de jovens pouco ocupados com a tecnologia favorecendo, parece que elas têm
e muito conectados, pouco a pouco as selfies se torna- muito a declarar sobre a nossa forma de inserção
ram resultado de uma atividade que seduz indivídu- nesses tempos.
os de todas as idades, executada de maneira regular,
nas mais diversas circunstâncias e com os mais diver-
sos objetivos.3 Nesse contexto, cabe perguntar o que A especificidade da selfie
esses instantâneos informam a respeito de seus reali-
zadores ou de sua utilização? De que modo se deve Evidentemente, a difusão dos autorretratos fo-
explicar o destaque social adquirido recentemente tográficos tem a idade da película à base de celulo-
pelo que se poderia chamar de “fenômeno selfie”, se, banhada com sais de prata e sensível à luz refle-
um fenômeno que há quem considere como emble- tida pelos objetos, aquela que conhecemos há cerca
mático de uma cultura da selfie (Marwick, 2015, p. de 170 anos.5 Eles nunca foram substancialmente
141)? Com a fotografia social que é esse autorretra- diferentes das incontáveis imagens que se podia
to digital, feito sempre com a câmera voltada para conseguir com o auxílio de câmeras providas dessas
si próprio, porém publicado e comentado em redes películas. Para executar um autorretrato, só se pre-
sociais, estamos diante de uma manifestação do nar- cisava de um espelho ou do timer, o temporizador
cisismo alegre e descontraído de seus autores, quem da câmera. Reveladas a partir do filme fotossensível
sabe diante da comprovação da vaidade de seus atores já exposto às marcas da luz refletida, delas resulta-
(cf. Gunthert, 2015)? Ou ela é de fato uma poderosa vam impressões em papel destinadas a rechear os
ferramenta de comunicação, a imagem que diz algo álbuns que davam forma material à preservação do
de alguém ou de algum contexto para outros? A foto passado e ao testemunho do vivido. Para esse efeito,
social dá prova de um exibicionismo deliberado, tí- pode-se recorrer também ao autorretrato polaroide,
pico dos nossos tempos, ou é apenas uma forma de fazendo uso de uma máquina que revela e copia,
apresentação e expressão de si que a tecnologia mais quase que imediatamente, a chapa que acaba de ser
recente põe à disposição dos indivíduos? Com uma colhida. Essa preservação e o testemunho que ela
selfie, estamos em presença de uma atividade basi- presta mudaram consideravelmente de natureza e
camente lúdica, francamente bem-humorada e des- suporte com o advento das câmeras digitais, que
comprometida, ou uma selfie é um objeto de cultura tornaram possível o registro de imagens codificadas
capaz de se tornar um mecanismo de denúncia, um de forma eletrônica, dando lugar a arquivos facil-
instrumento de contestação, uma engrenagem para a mente copiáveis e manipuláveis. Digitais, esses ar-
defesa de causas?4 quivos têm, aliás, as mesmas qualidades e suportam
É possível, no entanto, que, colocadas como os mesmos tratamentos que todos os arquivos de
heterogêneas, até mesmo como reciprocamente computador, inclusive no que tange aos meios
exclusivas, as disjunções contidas nessas pergun- de salvaguarda e armazenamento. Com o gesto que
tas – evidenciadas pelas opções “ou isto ou aquilo” – engendra as selfies, porém, estamos muito distan-
conspirem contra uma compreensão satisfatória tes tanto dos autorretratos argentíferos quanto dos
do fenômeno. Ele pode muito bem ser mais bem de codificação digital, que a inércia do vocabulário
explicado por meio de uma lógica conjuntiva, que pode despertar vontade de aproximar pela utiliza-
não abre mão da coexistência de dois ou mais mo- ção do mesmo termo – o autorretrato, um signifi-
dos de atuar na realidade, de dois ou mais modos cante saído de outro tempo em relação ao das selfies
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– nos três casos. Fazer um amálgama das selfies com produção de imagens; acima de tudo, ele juntava a
as outras formas de autorretrato que lhe antecede- esse procedimento a extrema facilidade para a dis-
ram consiste numa “ilusão retrospectiva” (Foucault, tribuição delas através de upload para sites da web.
1966, pp. 166, 293), sempre inclinada a domesti- A telefonia móvel ganhava, desse modo, a capaci-
car a novidade. dade de transmissão imediata de dados, para além
Entre as enormes diferenças que separam os da mera transmissão de sinais de áudio. Estava em
autorretratos de suporte físico das selfies, há ini- marcha a dinâmica de consolidação e de expansão
cialmente aquela que reside na própria natureza da da internet móvel.
imagem, num caso a analógica e noutro a digital: a
analógica impressa na película de sais de prata ou
no papel fotográfico e a numérica da selfie. Essa pri- Selfie e mobilidade
meira distinção aponta para outra, não menos fun-
damental, que diz respeito aos processos de captura Transitando pela web, desde então o material
do instantâneo. Aqui não existe mais a heterogenei- visual, estivesse ele na forma de imagens fixas ou
dade entre as tecnologias das máquinas fotográficas, em movimento, tinha agora condições de receber
isto é, entre os aparelhos de registro analógico (físi- tratamento idêntico ao conferido ao material sono-
co-químico) e os de registro digital (eletrônico). É ro e às mensagens de texto. Em consequência da
que, fazendo uso rigoroso dos termos, não se pode convergência digital, a imagem conectada, frequen-
falar em selfie antes da existência dos smartphones temente sonorizada, passava a fazer parte da vida
munidos de duas câmeras, visto que ela é produto cotidiana dos possuidores desses terminais móveis e
da câmera frontal desses aparelhos, feita para envio, dos membros de suas redes. Ela podia ser executada
uma vez em condições de acesso às redes móveis. e partilhada a qualquer momento, onde quer que
Nada a ver, portanto, com o procedimento exigi- eles estivessem: ubiquidade da captura e do com-
do pela manipulação de uma máquina fotográfica, partilhamento de imagens nas redes sociais (Van
ainda que ela disponha de tecnologia apropriada à House et al., 2005). Com o dispositivo continua-
realização de imagens digitais. mente à disposição, todo acontecimento, inde-
A natureza digital das imagens obtidas por pendentemente de sua importância, do momento
meio de um smartphone, comum àquelas feitas com e da localização, tornava-se passível de registro em
uma câmera de tecnologia digital, pode gerar certa tempo real, sem necessidade de antecipação ou de
dificuldade quando se trata de perceber as diferen- preparação prévia. Fugazes por natureza, os even-
ças – com efeito, extraordinárias – existentes en- tos começam a se oferecer a quem tivesse a posse
tre esses dois tipos de dispositivo e sua utilização. do aparelho para serem colhidos e compartilhados.
Ocorre que, inicialmente, o processo de produção Ganha impulso, a partir daí, um movimento de
e distribuição de imagens digitais, o que já foi cha- ocupação e de saturação do espaço social por ama-
mado de photowork (Kirk et al., 2006), envolve um dores que se encontram em condições de registrar e
encadeamento de ações que começa com a cap- transmitir de imediato cada ocorrência da vida so-
tura da imagem, prossegue com o carregamento cial, tenha ela maior ou menor relevância, o que faz
em computador e é finalizado com o upload para do comum dos membros da sociedade um repórter
algum site de rede social. Ora, desde meados de em potencial.6
2008, esse processo foi profundamente modificado Aparelhos à mão – muito frequentemente na
pelo aparecimento de um certo dispositivo, o iPho- mão – e permanentemente conectados fazem dos
ne, em sua segunda geração (Gómez-Cruz e Meyer, usuários dessas máquinas fotógrafos o tempo todo
2012). Concebido para acrescentar à telefonia mó- de prontidão, introduzindo uma mudança signifi-
vel as funcionalidades da internet em virtude do cativa não somente nas convenções e normas que
emprego de tecnologia 3G, a partir de então nati- orientam a “prática fotográfica”, como diria Bour-
va nos aparelhos, o iPhone 3G não era apenas um dieu, como no modo de olhar o mundo da vida
terminal que tornava muito simples o processo de cotidiana, ou seja, na relação deles com esse mun-
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do. Em consequência, se alarga consideravelmen- neas ou de redes sociais, com a ajuda das quais a
te o campo dos formatos frequentes da fotografia imagem é imediatamente transferida para sites da
amadora (conforme o exemplo dado pelas fotos web (cf. Cohen, 2005), sejam eles blogs, photoblogs,
de férias em família ou de formaturas de filhos, as plataformas como o Facebook, o Instagram, o Fli-
fotos de belos entardeceres ou de lugares exóticos ckr, o Trumbl, o Twitter, ou ainda aplicativos como
visitados em viagens recentes), com a criação de o Snapchat ou o WhatsApp. Essas são as vias pelas
novos objetos fotográficos susceptíveis de dispersão quais circulam objetos digitais de toda natureza,
nos mais diversos coletivos. Não mais exclusiva- prontos para alimentarem as trocas sociais.
mente, a fixação dos momentos extraordinários e Fica evidente, então, o quanto a totalidade des-
especiais da vida. Em contrapartida, a possibilidade se procedimento, ou seja, a obtenção da imagem e a
do registro imediato do instantâneo e do inusitado remessa dela em tempo real para os grupos ou redes
comum dos acontecimentos do dia a dia (Murray, dos quais o usuário faz parte, é completamente he-
2008; Okabe e Ito, 2006). Mas isso não é tudo e terogênea com relação à realização de imagens digi-
talvez nem seja o mais importante do ponto de tais com máquinas em que as imagens ficam retidas
vista sociológico. Porque, fruto dessa dispersão e são preservadas em algum mecanismo de estoca-
da imagem conectada por coletivos, são as possi- gem no interior do aparelho, tal e qual num cartão
bilidades de criação de novos espaços e formas de de memória, ainda que elas possam posteriormen-
sociabilidade, que se veem em vias de ampliação. te ser enviadas para sites da web por intermédio
Tudo se passa como se, estimulados pela atividade de computadores. Mais do que um objeto estéti-
desses fotógrafos de plantão em que se tornaram os co visando à fruição individual de seu produtor, a
usuários comuns de smartphones, associada com a imagem conectada é um objeto com vocação social,
reverberação dos produtos dessa atividade nas re- propenso a fomentar o contato e a comunicação,
des sociais, estivéssemos, de pouco em pouco e sem vale dizer, a interação e as trocas entre os membros
alarde, reinventando o cotidiano. das redes no seio dos quais ela circula (Rivière,
Desde sua chegada ao mercado, os smartphones 2005; Van House e Davis, 2005). Por conseguin-
conheceram uma proliferação bastante expressiva.7 te, a chegada do dispositivo móvel equipado com
Ela foi acompanhada por uma disseminação cor- duas câmeras contribuiu de maneira decisiva para o
respondente da prática de captura de imagens e, desenvolvimento de novos modos e novos espaços
em consequência, por uma significativa dilatação para a troca de imagens digitais, agora disponibili-
do domínio de visibilidade de fotografias pessoais, zadas on-line. Assim é que, no final das contas, as
como vem sendo mostrado. Tendo-se em conta o imagens conectadas em geral, e as selfies em parti-
custo insignificante de produção do objeto digital e cular, em nenhuma hipótese podem ser imaginadas
dado que se dispõe de conexão permanente à inter- sem levar em conta seus destinatários: elas só são
net, compreende-se facilmente porque clicar num realizadas porque os têm em vista.
ícone e realizar um vídeo ou uma foto se tornaram Fotografias são invariavelmente criadas a partir
atividades tão banais. Distribuí-los na web não é de de motivos: indivíduos, ações, monumentos, situa-
modo algum mais complicado. Com o auxílio desses ções, e assim por diante. Autorretrados fotográficos
dispositivos, mesmo se a captura e a distribuição de não fogem a essa regra. No caso da fotografia social,
imagens envolvem a convergência de tecnologias entretanto, o motivo principal é o próprio produtor
de grande complexidade, seja do ponto de vista dos da imagem. Atrás da câmera, num caso tanto quan-
hardwares ou dos softwares mobilizados, elas não to no outro, o enquadramento, a escolha do ân-
exigem mais que executar operações elementares, gulo, da iluminação, o tempo de exposição do
em geral bastante intuitivas. Assim é que, ao tirar objeto são alguns dos itens de uma panóplia que o
uma fotografia com seu smartphone, o usuário ape- fotógrafo tem à sua disposição e que ele manipula a
nas aciona um procedimento que pode aliar essa fim de obter o resultado pretendido. Via de regra,
operação com outras ferramentas de comunicação, nessas escolhas está a marca da autoria. A particu-
como aplicativos de envio de mensagens instantâ- -laridade da selfie e aquilo que a distingue dos retra-
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tos e dos autorretratos é a necessária presença do presença num espaço ou local, razão pela qual todas
autor na imagem que ele próprio realiza. Eis por as questões técnicas ficam subordinadas à integra-
que ele deve estar sempre de frente para a câ- ção do personagem central ao cenário na imagem
mera, qualquer que seja o pano de fundo. As marcas da produzida. As fotos assim realizadas nem são ape-
autoria estão, consequentemente, submetidas a esse im- nas imagens de seus autores, nem somente imagens
perativo: nessa mise en scène de si próprio – a dos sítios ou contextos em que são capturadas, mas
apresentação de si, tão cara a Goffman (1959) –, vestígios visuais de experiências, rastros das relações
o monumento, o sítio ou a paisagem constitui o deles com as situações vividas, que ficam gravadas
décor, o complemento cenográfico que completa a nas imagens (Gunthert, 2015). Feitas para veicula-
composição do objeto fotográfico. ção em redes sociais, a função principal delas é dar
Nos retratos costumeiros, o dispositivo técnico conta da participação importante de seus autores
é um meio-termo entre o sujeito e o objeto. Assim no ambiente ou contexto em que foram realizadas
deve ser para satisfazer a necessidade de preservação e, consequentemente, de que aquilo foi de fato vi-
da projeção ótica: o aparelho que registra precisa venciado por eles. Por isso, nas selfies, ser ou não ser
estar entre o objeto a ser representado e o sujeito se traduz por estar ou não estar.
que efetua a representação dele. Desse modo, a má- A despeito da novidade e da especificidade das
quina provoca uma inevitável cisão no espaço onde selfies, não se deve excluir a possibilidade da utili-
se desenvolve a atividade. O utilizador do aparelho zação delas exatamente como se fazia à época das
não pode estar no mesmo campo onde se encontra películas fotossensíveis, com o auxílio do timer
seu objeto. Se, nas fotografias ordinárias, o disposi- das câmeras convencionais. Na medida em que a
tivo é um intermediário entre o sujeito e o objeto, intenção era apenas a de fixar o momento vivido –
nas selfies ele é um mediador que opera a inclusão “embalsamar o tempo”, nas palavras de André Ba-
do sujeito no objeto. Salvo nas situações – hoje zin (apud Murray, 2008) –, bastava preparar a or-
nada comuns – em que o criador do autorretrato ganização dos participantes no cenário e ajustar o
faz recurso ao retardador da câmera, ela está, em to- aparelho para que ele disparasse um pouco depois
das as circunstâncias, entre ele e o objeto. Método de acionado, o tempo suficiente para que o “autor”
similar é utilizado quando o autor da imagem de entrasse no quadro. Outra alternativa era a de con-
si faz uso de um espelho para sua realização. Todo tar com a boa vontade de alguém externo à foto a
o problema do enquadramento nas selfies decorre quem se pedia para executá-la, condição em que ela
do fato de que o autor tem de ser incrustado na deixava de ser um autorretrato. A selfie de Barack
imagem, com a câmera frontal do smartphone vol- Obama e seus colegas chefes de governo durante
tada para si. Sujeito e objeto coincidem na captura as obséquias de Nelson Mandela é exemplar dessa
da imagem. Isso faz pensar que o smartphone e as fixação do instante que se reduz à captura do ins-
selfies podem ser considerados “tecnologias de si”, tantâneo. Como se sabe, um tanto descontraídos
enquanto procedimentos existentes “sem dúvida demais para a ocasião, o presidente Obama, o pri-
em toda civilização, que são propostos ou prescritos meiro-ministro David Cameron, do Reino Unido,
aos indivíduos para fixar sua identidade, mantê-la e a primeira-ministra Helle Thorning-Schimdt, da
ou transformá-la em função de um certo número Dinamarca, registraram o momento do encontro
de fins”, como propõe Foucault (2001a, p. 1032). deles fazendo uma selfie com o smartphone da di-
Ora, semelhante inserção do criador da ima- namarquesa. Oportunista, um fotógrafo da agência
gem na própria imagem que ele produz, revela o AFP perenizou o acontecimento, que rapidamente
colapso da distinção nítida entre sujeito e objeto. rodou o planeta. Não fosse por esse oportunismo,
Ela aponta, além do mais, para outra peculiaridade provavelmente apenas uns poucos presentes à cena
das selfies. Nas fotos sociais, estar ou não estar na teriam tomado conhecimento do feito.
imagem é a questão. A singularidade delas é a de Essa não é, todavia, a utilização mais comum
oferecer um testemunho efetivo do protagonismo das selfies. Pouco importa a notoriedade de seus au-
de seu produtor em dada ação ou situação, da sua tores, elas são realizadas com vistas ao envio imediato
AS FACES DA SELFIE  7

para as redes sociais deles, não raro acompanhadas simétrica, aberta e cumulativa entre os indivíduos –
por algum comentário.8 Seu destino não é o am- produzida pela horizontalidade que experimenta-
biente de compartilhamento apenas porque esses mos atualmente – ainda não existiam. Por certo, as
terminais móveis possuem os recursos tecnológicos máquinas já eram individualmente conectadas à in-
necessários à operação. Ocorre que, potentes instru- ternet, porém, não havendo ainda conjuntos de sof-
mentos de comunicação, por isso eficazes ferramen- twares, de serviços e de funcionalidades interligados
tas para a apresentação e a expressão de si, elas estão formando plataformas, não era possível engendrar
em condições de intervir junto às redes sociais de os coletivos on-line em que se constituíram as redes
forma efetiva, dando origem às mais diversas intera- sociais, emblemáticas da web 2.0. Se cada máquina
ções e trocas entre seus membros; são essas interações podia estar conectada à rede de computadores dis-
e essas trocas que constituem o resultado pretendi- persos por todo o planeta e se todo indivíduo usan-
do pela veiculação das imagens.9 Decorrentes dessa do uma máquina assim conectada podia acessar essa
divulgação, os comentários e críticas que as seguem rede, nesse momento ainda não tinham sido postas
nada mais são que uma confirmação de sua aptidão ao alcance do usuário comum as condições técnicas
para a comunicação. Essa é a principal justificativa para de interação transversal com outras máquinas e ou-
o fato de que não existe selfie sem destinatários – tros indivíduos para criar as redes sociais que conhe-
inexoravelmente no plural –, ainda que a destinação cemos e que tanto utilizamos nos dias que correm.
seja em grande medida incerta. Não surpreende, en- À época, os softwares que habitavam as máquinas
tão, que uma sutil observadora da prática em apreço e que permitiam seu uso generalizado, os softwares
possa considerar que, proprietários, eram fechados nas máquinas para as
quais haviam sido licenciados. Ora, o que é típico
[...] em vez de menosprezar a tendência como um das plataformas 2.0 é justamente a abertura, não
efeito colateral da cultura digital ou como uma só para o uso dos programas que elas combinam,
forma triste de exibicionismo, talvez nos seja mais como ainda para o desenvolvimento dos aplicativos
conveniente ver as selfies pelo que elas têm de de que elas são formadas.
melhor – uma espécie de diário visual, uma for- Há aproximadamente uma década, agora em
ma de marcar a nossa curta existência e de retê-la sua segunda geração, a internet tornou-se um am-
para outros como prova de que estivemos aqui” biente computacional formado por plataformas que
(Wortham, 2013, tradução do autor). não somente facilitam a utilização como fomentam a
formação de redes sociais, criando as condições pro-
pícias para a abertura de seu emprego e para a parti-
cipação dos usuários nelas. Desde então, às capaci-
As selfies e as redes sociais dades instrumentais da web vieram se somar as pos-
sibilidades relacionais, expressivas e colaborativas,
A selfie é uma criatura da web 2.0. Fotografia constituindo o que é justificadamente chamado de
social, essa modalidade de imagem conectada não web social (Santos e Cypriano, 2014b). Nesse am-
é executável, nem mesmo concebível, antes da im- biente, a abertura para a utilização decorre da faci-
plantação da web em sua segunda geração. Em sua lidade oferecida aos que se servem da plataforma
primeira geração, a web era fundamentalmente ins- para o aproveitamento da interface ou dos softwares
trumental, ou seja, seus usuários se serviam dela que ela abriga, seja para o simples uso, seja para a
como ferramenta útil para a execução de diversas criação de programas. A participação, por seu tur-
atividades práticas, tais como o consumo, a colheita no, se dá por meio de sistemas que incentivam as
e veiculação de informação, a pesquisa e o aprendi- relações, os compartilhamentos e as trocas entre os
zado ou a produção de textos, sons e imagens. Ain- usuários, isto é, sistemas que incitam a colaboração
da que a comunicação seguisse o modelo de difusão de quem quer que esteja disponível para entrar em
que ficou conhecido como o de “muitos para mui- conexão com outros por intermédio da platafor-
tos”, as características propiciadoras da interação ma. Dito de outro modo, no âmbito da web 2.0,
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os indivíduos têm à sua disposição um conjunto de las fotografias sociais ou pelas imagens conectadas
dispositivos digitais cujo ajustamento é de operação em geral, vai muito além delas. Na verdade, é uma
bastante intuitiva e que convida seus utilizadores ao transformação que via de regra suprime inteira-
uso coletivo ou, pelo menos, os coloca nas mais fa- mente as antigas distinções entre produtor e con-
voráveis condições a toda sorte de partilha. sumidor, emissor e receptor ou autor e leitor, fazen-
Tendo a mudança no perfil da web como pano do de cada participante um agente que é a um só
de fundo, pode-se pensar a imagem conectada em ge- tempo uma coisa e outra, por exemplo, tanto pro-
ral e a foto social em particular como produtos dutor quanto consumidor. A esse respeito, Castells
gerados com o suporte do conjunto smartphone-redes e seus colaboradores consideram que “quanto mais
sociais e que induzem os participantes dessas interativa é uma tecnologia, maior a probabilida-
redes às interações e às trocas de toda natureza. Ima- de dos utilizadores se tornarem produtores através
gens conectadas e selfies são, desse modo, vigorosos das suas próprias práticas” (Castells et al., 2009, p.
mediadores, destinadas a produzir efeitos, a levar os XVII). Essa parece ser uma boa aproximação dos
indivíduos a criar associações (Latour, 2005; 2007). sites de rede social onde ocorre o compartilhamento
Observadores dessas associações falam de dois tipos de imagens. Independentemente das legendas, dos
de conversações, a saber, de duas formas de expres- comentários ou das narrativas que as acompanham,
são ou de dois tipos de trocas comunicacionais es- elas operam como mensagens visuais trocadas entre
timuladas pelas imagens compartilhadas e indisso- os indivíduos que compõem essas redes, mantendo
ciavelmente ligadas a elas (Miller e Edwards, 2007; entre eles interações abertas, simétricas e cumulati-
Beuscart et al., 2009). Há, por um lado, as narrativas vas. Assim, na qualidade de correspondência, as sel-
ou as histórias criadas a propósito delas, construídas fies sugerem uma notável e reveladora analogia com
pelos próximos e pelos íntimos, divididas, por conse- os cartões-postais, nos quais imagens e mensagens
guinte, com amigos e familiares. Tecidas frequente- estão juntas e são inseparáveis (Gunthert, 2014;
mente pelos participantes das fotografias, as histórias Cruz e Araújo, 2012).
que vêm a ser contadas se baseiam tanto no conte-
údo daquelas histórias nas quais eles tomam parte,
quanto nos laços fortes que os ligam na vida coti- As selfies e a convocação da alteridade
diana, na vida fora das imagens (Granovetter, 1973).
Há, por outro lado, a construção de narrativas com as Entre outras familiaridades, selfies e cartões-
imagens, agora envolvendo desconhecidos, situação -postais são aparentadas enquanto modalidades de
em que a interação inclui indivíduos cujas relações se comunicação que constituem formas objetivadas
dão fundamentalmente nas redes sociais, por conta de subjetividade (Simmel, 1990). Sem deixar de ser
das imagens, a maior parte deles não se encontran- importante, a ausência de envelope comum às duas
do jamais na vida vivida para além delas. Em ambos práticas é em boa medida secundária diante da-
os casos, as trocas sociais motivadas pelas selfies fa- quilo em que elas apresentam parentesco e que
zem pensar numa reconfiguração da partilha entre diz respeito a esse processo que cria configurações
o público e o privado (Lasén e Gómez-Cruz, 2009). objetivas, nas quais a subjetividade de seus autores
Tais trocas sendo provocadas pela apresentação de se encarna e, nessa situação, têm condições de se
uma individualidade, não raro em situações de in- exprimir. Numa digressão acerca das comunicações
timidade, e envolvendo a participação de públicos por escrito, Simmel (1999, pp. 385-387) chama a
ampliados, para além dos amigos e dos familiares, atenção para o fato de que, por natureza, o escrito
tudo indica que as fronteiras que há muito separam se opõe frontalmente ao segredo. Ele observa que,
os domínios do público e do privado estejam sendo uma vez posto em palavras, o conteúdo intelectual
renegociadas. do autor toma uma forma objetiva, assumindo
Evidentemente a mudança na configuração da uma “existência fundamentalmente intemporal”. Já
web é de grande amplitude e, embora abarque as que pode ser lido por qualquer um, e essa é a sua
incontáveis trocas comunicacionais motivadas pe- condição básica de inteligibilidade, o escrito pode
AS FACES DA SELFIE  9

ser reproduzido, simultânea ou sucessivamente, in- da mesma forma na distribuição da imagem nas re-
finito número de vezes nas subjetividades de seus des sociais, de vez que, visando a uma destinação –
leitores. É justamente por causa dessa “existência na realidade uma destinação incerta –, elas interpe-
objetiva” que ele não oferece a mínima garantia de lam uma recepção em grande medida desconhecida
guardar segredo. Apesar disso, nem tudo nele se dá na expectativa de uma possível repercussão. Não é
a conhecer. A carta, por exemplo, dá a conhecer sempre, contudo, que a recepção manifestará uma
muito da experiência do missivista na ocasião em boa acolhida; os conflitos, as críticas mais ou menos
que é escrita, porém se cala e conserva o silêncio severas, os antagonismos de toda sorte, são respos-
mais completo sobre o que ele “não pode ou não tas muito frequentes à difusão dessas imagens-men-
quer dizer” naquele momento. sagens. Mas, talvez, o bom acolhimento nem seja o
Valendo-se de um ponto de partida análogo ao que mais importa nessa situação. Seja lá como for,
de Simmel, Derrida nota que, na qualidade de uma nesse extravagante protagonismo está em causa um
forma objetivada, a escritura pode não somente ser envio semelhante ao de cartões-postais, em verdade
reiterada à vontade, na totalidade ou em partes, tan- uma ação que faz pensar num tropismo em direção
to quanto transportada de um tempo para outro e de ao outro, no sentido da alteridade. Justamente por
um lugar para outro, como é o que frequentemente isso, tem-se bons motivos para estar de acordo Lash
acontece com os bilhetes, as mensagens e as cartas – (2001, p. 110, grifo no original) quando ele obser-
sem falar, naturalmente, dos livros. Típica do que é va que “nas formas tecnológicas de vida” – e esse
escrito, ela é até capaz de sobreviver à desaparição é propriamente o caso das fotografias sociais –, “o
de seu autor, de seu destinatário ou até de ambos, atribuir sentido é orientado para os outros”.
o que significa que ela continua a produzir efeitos Por isso, em situações desse gênero não há
ainda que na ausência dos primeiros, característica nunca um envio puro e simples, daqueles que se
que é um constitutivo da escritura, tal qual acon- dão num único sentido. O envio é efetivamente
tece no caso dos testamentos (Derrida, 1972, pp. um apelo, mas um apelo em seu sentido mais forte,
374-375). Privilégio e inconveniente a um só tem- vale dizer, no sentido de convocação, chamamento,
po, nesse aspecto reside também o risco inerente mas também de solicitação, requerimento. Inflação
a todo escrito, que é aquele de ser lido por outros de demandas de retorno que demonstra sem ambi-
olhos que não os de seu destinatário de direito e, guidade que, se ele é dirigido para o outro, destina-
nessa situação, deixar escapar a intimidade do autor do então à alteridade, a resposta esperada é todavia
com ele, demonstrando tão pouco recato quanto um para si próprio, submetida às demandas do eu que
cartão-postal. Eis por que, ao fim e ao cabo, “as cartas, tem suas expectativas. De passagem, é proveitoso
são sempre cartões-postais: nem legíveis nem ilegíveis, assinalar que esse é um caso ao qual se aplicam bas-
abertas e radicalmente ininteligíveis” (Derrida, 1980, tante bem as expressões “rede de relações” e “rede
p. 88), desde que um outro que não aquele a quem de dependências”, forjadas e muito empregadas
são enviadas pode afinal lê-las, mesmo não sendo ca- por Elias (1991), por exemplo, embora ele tenha
paz de compreendê-las inteiramente. se servido delas para se referir à interdependência e
Já na sua produção na qualidade de imagens- às formas de dependência recíproca entre os indiví-
-mensagens, que configuram formas singulares de duos em outro contexto. No que concerne aos en-
objetivação de subjetividades, as selfies caracteri- vios, deve-se sublinhar que, por intermédio deles,
zam-se por conter a paisagem, o monumento ou o próprio é sistematicamente afetado pelo traço da
a situação no enquadramento de um instantâneo alteridade neles, contaminado pelo outro como po-
no interior do qual, entretanto, é forçoso que seus tencialidade, como ponto de partida de um poten-
autores se instalem. Desse modo, seus realizadores cial reenvio (cf. Derrida, 1980). Inevitável observar,
estão frequentemente inseridos em algum cartão- por conseguinte, que, se as selfies devem ser con-
-postal e, além do mais, invariavelmente colocados sideradas “tecnologias de si”, segundo a inspiração
em primeiro plano, na posição de um personagem foucaultiana, é necessário também encará-las como
central. Um curioso protagonismo que se evidencia “tecnologias para si” (Allard, 2014).
10  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 92

Conformações objetivas, nas quais se abri- cutem de maneiras muito heterogêneas nos produtos
gam as expressões de vida subjetiva de seus autores das efetivações. Dizendo as coisas de outro modo, o
(Walker, 2005), esses envios possuem característi- processo de subjetivação que se dá a conhecer pelas
cas bastante interessantes, que têm íntima relação selfies – mas elas não são senão uma das manifesta-
com as configurações que os acondicionam. Nes- ções atuais desse processo – se move entre a enorme
ses acondicionamentos, o que está em jogo tem a fecundidade da vida subjetiva de seus autores e as
ver com os artefatos tecnológicos disponíveis no conformações objetivas que ela recolhe, no seio das
momento dos envios. Por isso, não se pode negli- quais os reenvios manifestam sua presença. Seguir
genciar o papel desempenhado nesses envios pelas esse movimento se mostra como uma possibilidade
tecnologias digitais de comunicação e informação. proveitosa de vislumbrar, seja ainda de maneira in-
Uma dessas características está ligada ao fato de completa, o processo de subjetivação em curso nesses
que, uma vez efetivados, assumem uma existên- tempos em que as interações e as relações sociais se
cia própria, condenando seu produtor a um con- encontram tão infiltradas pelas tecnologias digitais
trole sem controle dos resultados de sua efetivação. de informação e comunicação.10
Ocorre que, para produzir seus efeitos ali onde está
em ação, a agência humana (Giddens, 1986, pp.
5-16; Bourdieu, 1992, pp. 96-99) tem que compor Considerações finais
com os recursos tecnológicos de que pode se ser-
vir para efetuá-los. Tais recursos, que aos olhos de O regime de subjetivação exibido pelos pro-
Giddens constituem um exemplo de propriedades tagonistas das selfies indica, portanto, terem se en-
estruturais dos sistemas sociais, operam sempre em fraquecido as barreiras que mantinham apartados
associação com as ações dos indivíduos (Giddens e estanques o público e o privado, tanto quanto
e Pierson, 1998, p. 82). Não é supérfluo assinalar ter-se aplainado o fosso que separava, isolando-os,
que eles nunca são apenas restrição: as modalida- o âmbito interior do exterior, sem falar, natural-
des de estruturação da atividade dos agentes são mente, da interpenetração do sujeito e do objeto
sempre restritivas e facilitadoras ao mesmo tempo na captura da selfie. Seu modo de proceder saiu
(Giddens, 1986, pp. 25, 177). Na medida em que do espaço profundo e reservado onde há muito
as selfies são objetos produzidos expressamente para se pensava localizar-se o domínio do privado para
a divulgação em redes sociais, os envios têm o des- mostrar-se em público, em condições de compar-
tino de todo conteúdo posto em rede: a perda de tilhamento em rede. Ele requer, não obstante, que
controle sobre os resultados dessa difusão por par- o exterior venha se acomodar no seio do interior
te do autor, apesar do controle que ele possui do para compor com ele e constituí-lo como interior.
início do processo, na ocasião da postagem. Daí a Em consequência, esse regime de subjetivação pro-
excentricidade de seu protagonismo no processo de cede por agenciamentos, seja entre os conteúdos já
distribuição dos envios, donde procede a possibili- subjetivados, seja entre aqueles trocados nas suas
dade de que engendrem consequências inesperadas, interações com a alteridade, seja entre uns e outros.
por vezes indesejadas. Esses agenciamentos envolvem constantes ajustes e
Outra característica intimamente relaciona- reajustes de conhecimentos, relações, práticas, ex-
da com os recursos tecnológicos que acolhem esses periências, que se esforçam ou operam para trans-
influxos de vida subjetiva estende-se aos envios não formar dos indivíduos “em variadas formas de su-
menos do que aos eventuais reenvios que eles pos- jeito, em seres capazes de tomar a si próprios como
sam despertar. Aqui cartões-postais e selfies rompem sujeitos de suas próprias práticas e das práticas dos
sua cumplicidade, pois as tecnologias em que uns e outros sobre eles” (Rose, 1996, p. 171, tradução do
outras se alojam para se revelar geram diferenças de autor). Nessas circunstâncias, nas relações com a al-
grande monta, criando desigualdades nas “formas teridade, esse regime de subjetivação colocou entre
tecnológicas de subjetivação” (Rose, 1996, p. 199, parênteses a disparidade do dentro e do fora, tanto
nota 5) que não podem ser neutralizadas e que reper- quanto a heterogeneidade entre o próprio e o ou-
AS FACES DA SELFIE  11

tro, abolindo o privilégio de uma identidade enten- exposta ao que vem de fora e se convida a entrar, na
dida como fechada sobre si própria. Ao minimizar qual uma estrutura se embrenha na outra sem perda
a especial valorização de um interior previamente de continuidade. No caso que se está tratando, a in-
consolidado numa identidade fixa – que coincide con- vaginação constitui a abertura ao outro, à diferença
sigo mesma e se refere apenas ou fundamental- e à exterioridade. Não raro pensada como o lugar da
mente a si própria –, deixou de ser aceitável a ideia verdade do sujeito, a “interioridade” é resultado de
de que ela tivesse possuído uma forma primitiva, uma relação com a alteridade, “na qual aquilo que
original, que detivesse os princípios de seu desen- está ‘dentro’ é simplesmente o dobramento de um
volvimento. Deixou igualmente de ser plausível a exterior” (Rose, 1996, p. 37, tradução do autor).13
concepção de uma subjetividade fundante, dotada Estamos, nessas circunstâncias, diante de um regime
de capacidades para orientar os processos dos quais de subjetivação em que o outro, isto é, a diferença, se
participa e, nessa condição, habilitada a conduzir insinua no próprio, se dobrando nele e se infiltran-
seu devir de maneira autônoma.11 do na subjetividade dos indivíduos, dos autores das
A esse propósito, é preciso ter em conta em fotografias sociais, penetrando suas bordas porosas
primeiro lugar a evidência de que a relação entre de maneira sutil e gradual, porém de forma positiva,
o próprio e o outro consiste numa diferença não produtiva e criadora.
opositiva, numa diferença em que o próprio só é A partir daí, a indagação a perseguir é a que
o que é por relação ao outro. Não sendo necessa- pretende saber o que move uma subjetividade a
riamente contrários nem contraditórios, não é ad- se objetivar nas selfies, isto é, o que faz com que
missível que exista ou se estabeleça entre eles uma ela se objetive em graus variados, exigindo pouco
relação de decidido antagonismo. É preciso que se mais que a divulgação do que lhe é tão caro para
diga, tirando proveito da oportunidade, que a rela- uma coletividade não raro sem rosto. Pensa-se co-
ção que eles mantêm não é de natureza dialética, de mumente os indivíduos como possuidores de uma
uma dialética a três termos, nem tampouco implica uma interioridade, um mundo interior, constituído por
superação, encarnada como síntese no terceiro ter- um eu que sateliza sua existência na qualidade de
mo. Deve-se, além disso, levar em consideração o sujeito, sua subjetividade, e que garante sua perma-
fato de que o próprio não se constitui enquanto nência assim como sua unicidade, sua identidade.
tal sem ser afetado pelo outro. Se a identidade di- Essa interioridade constituiria o que lhe é próprio.
fere da alteridade e, por isso, ter uma identidade O mundo exterior, a alteridade, é o não próprio,
significa não coincidir com o outro – ou seja, ser o que se apresenta tal e qual um excedente exter-
diferente tendo em vista o outro –, essa diferença no em relação à interioridade.14 Nesse raciocínio,
não é nunca experimentada como uma oposição a suposição é de que o eu é o núcleo de uma to-
que mantenha isolados o próprio e o não próprio. talidade que, por estar completa, torna o que não
“Todas as relações com outros são, em última análi- é próprio apenas um complemento, uma simples
se, meras estações ao longo do caminho, através do adição exterior a uma espécie de unidade plena. O
qual o ego chega a si próprio [the ego arrives at its que as diversas formas de objetivação da subjetivi-
self]”, observa Simmel (1971, p. 223, tradução do dade mostram é que a apropriação de si próprio,
autor). Entre o próprio e o não próprio existe, por isto é, a apropriação de uma identidade, não se faz
conseguinte, um dinamismo constante, um perma- sem uma expropriação da alteridade, sem subjeti-
nente sistema de referências. vação de objetividades, e que, por conseguinte, a
Pode-se mesmo considerar que o regime de sub- alteridade é esse suplemento que aponta para uma
jetivação em apreço funciona segundo um modelo falta na totalidade à qual ela se refere. O próprio se
semelhante ao de uma invaginação, de uma prega encontra, portanto, desde logo contaminado pelo
do exterior sobre o interior, que não apresenta rup- não próprio, afetado por ele. De resto, o próprio
tura, tal como se dá com o aparelho digestivo, com não é ele mesmo senão por ser afetado pelo não
o longo tubo que atravessa o corpo, estendendo-se próprio. É justamente essa convocação da alterida-
da boca até a parte inferior do tronco.12 Indigitação de que concede ao suplemento sua razão de ser, é
12  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 92

ela que faz dele o outro (ou o não próprio) que ha- 5 Costuma-se creditar a Robert Cornelius a realização
bita o mesmo (o próprio), a alteridade que habita a do primeiro autorretrato fotográfico, em 1839, usando
identidade e sem o que rigorosamente não se pode um daguerreótipo. Veja-se o registro desse retrato na
falar de subjetividade nos dias que correm. Library of Congress (<http://www.loc.gov/pictures/
item/2004664436/>; acesso em: 10 dez. 2013). Refe-
rindo-se ao termo autorretrato de maneira geral, An-
geliki Avgitidou (2003, p. 131, grifo no original) nota
Notas que ele é de uso relativamente recente: “self-portrait re-
flete a noção de self presente desde o século XIX”.
1 Com efeito, na utilização dos objetos técnicos, os in-
6 A esse respeito, é exemplar o episódio do Airbus que
divíduos se apropriam deles, fazendo com eles, nas
caiu no rio Hudson em 15 de janeiro de 2009, regis-
suas práticas, os agenciamentos mais inesperados. As
trado por passageiros que faziam a travessia de Nova
selfies oferecem, aliás, um exemplo privilegiado des-
York para New Jersey a bordo de um ferry no momen-
ses agenciamentos como se verá ao longo deste texto.
to da queda (Santos e Cypriano, 2014a).
Acerca das apropriações que os agentes fazem das tec-
nologias, é útil consultar Castells et al. (2009, p. 47), 7 Para dados dessa proliferação no Brasil, ver, por exem-
assim como Giddens (1986, p. 178). plo: “Estudo da IDC mostra recorde nas vendas de
smartphones no terceiro trimestre de 2013” (IDC,
2 Embora os autorretratos digitais possam também ser
2013).
tirados a partir de webcams, essa alternativa será dora-
vante deixada de lado em função das graves restrições 8 Naturalmente, a notoriedade dos(as) fotografados(as)
que ela impõe à mobilidade, que é absolutamente ne- tem forte relação com a divulgação das selfies nas re-
cessária aos apreciadores de selfies. des. A selfie feita na cerimônia de entrega do Oscar
em 2014 é prova disso. Trata-se da foto publicada no
3 Aos olhos de uma refinada observadora do fenômeno,
Twitter pela apresentadora de televisão Ellen DeGe-
“selfies tornaram-se o termo genérico para autorretra-
neres, reunindo um punhado de celebridades do ci-
tos digitais provocados pela explosão de câmeras de
nema norte-americano. Segundo a rede social, foi a
telefones celulares e de edição de fotos, assim como
postagem de maior repercussão daquele ano. Até os
de serviços de compartilhamento. Todo grande site de
primeiros dias de dezembro de 2014, a postagem já
mídia social está transbordando com milhões delas.
tinha tido mais de 3,3 milhões de retuítes e mais de 2
Todos, do papa até as filhas de Obama foram flagradas
milhões de pessoas haviam favoritado o post.
em uma” (Wortham, 2013, tradução livre). Num in-
fográfico capturado no site TechInfographics e datado 9 Seria tentador convocar Goffman para dar suporte à
de março de 2014, aprende-se que, apenas num ano, tese segundo a qual as selfies consistiriam numa es-
mais de 1 milhão de selfies foram produzidos todos os pécie de forma atualizada da apresentação de si, em
dias. Desses, quase metade (48 %), foi compartilhada tempos de um uso corriqueiro das tecnologias de
no Facebook. A outra metade ficou espalhada em di- informação e comunicação como o que temos à dis-
versos sites, tais como WhatsApp, Twitter, Instagram, posição no presente momento. As metáforas teatrais
Pinterest, Tumblr e outros (Selfiegraphic, 2014). por ele utilizadas com tanto rendimento explicativo,
parecem, de resto, encorajar semelhante empreitada.
4 A análise de selfies como as que podem ser vistas em My
Um único argumento, contudo, reduz a pó essa tenta-
Stealthy Freedom (Minha Liberdade Furtiva, em tradu-
ção. Basta ter em conta a atenção dele ao cuidado dos
ção livre), página animada por Masih Alinejad e co-
atores sociais em suas interações face a face com o bom
nhecida por abrigar fotos de iranianas sem hijab, o véu
desempenho de seus papéis de modo a evitar o risco
islâmico, de uso obrigatório no país desde a revolução
de perder a própria face, assim como o de fazer o ou-
de 1979, ou em Selfie Poubella, aproximadamente sel-
tro perder a sua. É imensa a distância que separa esse
fie “lixeira”, idealizada por Cheker Besbes e que poderia
comportamento social das preocupações dos autores
ser chamada de selfie cidadã por denunciar um grande
de selfies com a apresentação deles nas redes sociais
descaso das autoridades municipais tunisianas, ou ain-
digitais. A esse propósito, ver Goffman, 1967.
da em Brelfie, onde têm sido postadas várias fotos de
mães amamentando, visando fomentar o aleitamento 10 Em “Le sujet et le pouvoir”, Foucault (2001b, pp.
materno, nos levaria a um longo desvio em relação ao 1041-1062) já havia salientado o fato de que os proces-
desenvolvimento que será feito nesse texto. Tal análise sos de subjetivação são historicamente situados. Sobre
será deixada, por conseguinte, para outra oportunidade. essa questão, ver também Rose (1996, pp. 22-40).
AS FACES DA SELFIE  13

11 As relações próprio-outro receberam um tratamento DERRIDA, Jacques. (1972), Marges de la philoso-


bastante minucioso nas duas últimas partes de San- phie. Paris, Minuit.
tos e Cypriano (2014a). Não deixa de ser interessante ______. (1980), La carte postale: de Socrate à Freud
notar que, aos olhos de Cruz e Araújo (2012, p. 119), et au-delà. Paris, Flammarion.
as selfies se constituem em “imagens que refletem um
ELIAS, Norbert. (1991), The society of individuals.
sujeito em permanente devir e a multiplicidade de sua
existência”. Sobre a constituição de subjetividades por
Oxford, Basil Blackwell.
intermédio de selfies, ver Lasén (2013). ______. (2000), The civilizing process: sociogenetic
12 Esse raciocínio é tributário de um desenvolvimento
and psycogenetic investigations. Malden/Oxford/
que Deleuze (1986, pp. 103-106) faz sobre a obra de Victoria, Blackwell.
Foucault. FOUCAULT, Michel. (1966), Les mots et les choses.
13 Sobre a noção de dobra, ver Deleuze (1988). Paris, Gallimard.
______. (2001a), “Subjectivité et vérité”, in M.
14 Uma primeira abordagem dessas questões foi testada
em Santos (2008).
Foucault, Dits et écrits II, 1976-1988, Paris,
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16  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 92

AS FACES DA SELFIE: THE FACES OF SELFIE: LES FACES DU SELFIE:


REVELAÇÕES DA FOTOGRAFIA REVELATIONS OF SOCIAL RÉVÉLATIONS DE LA
SOCIAL PHOTOGRAPHY PHOTOGRAPHIE SOCIALE

Francisco Coelho dos Santos Francisco Coelho dos Santos Francisco Coelho dos Santos

Palavras-chave: Selfie; Dispositivos mó- Keywords: Selfie; Mobile devices; Social Mots-clés: Selfie; Appareils mobiles;
veis; Redes sociais; Apresentação de si; networks; Oneself ’s presentation; Subjec- Réseaux sociaux; Présentation de soi;
Subjetividade. tivity Subjectivité.

Selfies são autorretratos digitais produzi- Selfies are digital self-portraits produced Les selfies sont des autoportraits numé-
dos com o auxílio de smartphones para with support on smartphones and aimed riques produits à l’aide de smartphones
publicação em redes sociais. Tais instan- at being published in social networks. pour publication sur les réseaux sociaux.
tâneos não são um produto privado para Such snapshots are not a private product Ces clichés ne sont pas un produit pri-
uso privado, mas constituem uma nova for private use. In fact, they constitute a vé pour un usage privé, mais constituent
forma de expressão de si e de apresen- new way of self-expression and presenta- une nouvelle façon d’expression et de
tação de si para aqueles que fazem par- tion of oneself for those who take part présentation de soi pour ceux qui font
te dessas redes. Eles se mostram, além in the social networks. Furthermore, they partie de ces réseaux. Ils se montrent,
disso, como um novo e eficaz modo de are a new and effective way of communi- en outre, comme un moyen efficace et
comunicação e de interação de indivídu- cation and interaction among individu- nouveau de communication et d’inte-
os uns com os outros através de imagens als through images of themselves, what raction des individus les uns avec les
de si próprios, que é possibilitado pelas is made possible by the mobile devices’ autres à travers leurs propres images, ce
capacidades tecnológicas dos dispositivos technological capabilities. Because of all qui est rendu possible par les propriétés
móveis. Por todas essas características, these features, selfies should be regarded technologiques des appareils mobiles. À
selfies devem ser consideradas como fo- as social photographs. By the same to- cause de toutes ces caractéristiques, les
tografias sociais. A abundante produção ken, the abundant production and the selfies doivent être considérés comme des
e a enorme disseminação da foto social wide-spreading of social photos reveal photographies sociales. La production
se revelam, por outro lado, como práti- such practices as capable of highlighting abondante et l’énorme propagation de
cas capazes de evidenciar os contornos de the contours of a regime of subjectiva- la photo sociale s’avèrent également des
um regime de subjetivação típico dos fre- tion which is typical of the regular par- pratiques capables de mettre en évidence
quentadores usuais das redes sociais nos ticipants of social networks nowadays. les traits d’un régime de subjectivation
tempos que correm. propre des habitués des réseaux sociaux
mis à disposition actuellement.

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