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ENSINAR FOTOGRAFIA HOJE: Experimentação e Fruição na Produção de Sentido

Aldene Rocha1
Maria Cristina Miranda da Silva2

Desde que George Eastman lançou no mercado sua primeira “Kodak”, câmera fotográfica
portátil (amadora), com o slogan “você aperta o botão, nós fazemos o resto”, o número de fotografias
produzidas no mundo cresceu de forma exponencial. Atualmente, as câmeras dos aparelhos celulares,
embora produzam imagens sob outra lógica – as imagens digitais – , são a materialização desta
popularização elevada ao extremo e potencializada pela rede de internet.
Produzidas e compartilhadas de forma instantânea e massiva, essas imagens fotográficas,
conforme já evidenciado por vários/as artistas e pesquisadores/as que procuram abordar a produção e
o consumo de imagens na contemporaneidade, tendem a ser, praticamente, idênticas.
A artista americana Penelope Umbrico (2023), nos trabalhos Suns from Sunsets for Flickr
(2006 - em diante) e Sunsets Portraits (2010 – em diante), faz uma busca na internet no Flickr - site
de compartilhamento de imagens - e, por meio de colagens comparativas, visibiliza como os registros
contemporâneos são fortemente similares e genéricos. Inicialmente, Umbrico pesquisou que o pôr do
sol era o assunto mais fotografado e compartilhado no Flickr naquele ano (2006) resultando em mais
de 540 mil acessos. Desde então passou a fazer instalações fotográficas se utilizando do recorte de
parte das imagens dos “sóis” encontrados e nomeando, a cada ano, essas instalações com o numero de
registros encontrados: “541.795 Sóis (de Pores do Sol) do Flickr (Parcial) 23/01/06.” Dez anos
depois, Umbrico já havia encontrado mais de 30 milhões de imagens com o assunto (cf. “30.240.577
Sóis (de Pores do Sol) do Flickr (Parcial) 04/03/16”). Conforme a artista explica em seu sitio
eletrônico,
… o próprio título se tornou um comentário sobre o uso cada vez maior de comunidades fotográficas baseadas na
web é um reflexo do conteúdo coletivo existente. E como esse número dura apenas um instante, seu registro é
análogo ao próprio ato de fotografar o pôr do sol. [...] Embora a intenção de fotografar um pôr do sol possa ser
capturar algo efêmero ou afirmar um ponto de vista subjetivo individual – o resultado é exatamente o oposto – por
meio da tecnologia de nossas câmeras comuns, experimentamos o poder de milhões de visualizações sinópticas,
todas compartilhadas da mesma forma, no mesmo momento. Reivindicar a autoria individual ao fotografar um pôr
do sol é desligar-se dessa prática coletiva e, portanto, negar grande parte do motivo pelo qual capturar um pôr do
sol é tão irresistível em primeiro lugar. (Umbrico, 2023, tradução nossa)3
1
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGArtes-UERJ). Artista visual e professor Assistente de
Fotografia do Instituto Fernando Rodrigues da Silveira (CAp-UERJ). Desenvolve pesquisas relativas ao processo artístico
aliado à teoria da fotografia contemporânea. Participa de exposições coletivas, coordena o projeto de extensão Rio Jovem
e apresenta o podcast Dois Cachimbos sobre cultura e arte contemporânea.
2
Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC-SP, 2006). Professora de Artes Visuais aposentada do Colégio de
Aplicação da UFRJ (CAp-UFRJ). Professora Adjunta de Fotografia do Instituto Fernando Rodrigues da Silveira (CAp-
UERJ). Coordena o projeto de ensino, pesquisa e extensão Investigações Fotográficas.
3
“… the title itself becoming a comment on the ever increasing use of web-based photo communities and a reflection of
the collective content there. And since this number only lasts an instant, its recording is analogous to the act of
photographing the sunset itself. […] While the intent of photographing a sunset may be to capture something ephemeral
Umbrico, além de visibilizar a semelhança entre as imagens idênticas compartilhadas nas
redes sociais, reforça o ato automático e repetido coletivamente do registro fotográfico na
contemporaneidade. Em seu sítio eletrônico, Umbrico apresenta também um conjunto de fotografias
que ela encontrou (também na internet) do público visitante das instalações em selfies ou poses em
frente às imagens de pôr do sol. Tudo vira fotografia.
Em Sunset Portraits as imagens são da mesma fonte que Suns from Sunsets for Flickr, mas a
artista trabalha com a foto inteira onde as pessoas se apresentam em silhuetas (por estarem na
contraluz). Assim, a subjetividade do indivíduo fica apagada. Conforme Umbrico, o trabalho foi
realizado “pensando na relação entre o coletivo e o individual, na afirmação individual de 'estou aqui'
no processo de tirar a fotografia e na falta de individualidade que é finalmente expressa e vivenciada,
diante de tantas afirmações que são mais ou menos iguais” (Umbrico, 2023, tradução nossa)4.
Com a instalação Copyrighted Suns / Screengrabs (2009-2012), Umbrico continua o
questionamento sobre a “reivindicação de propriedade de uma imagem de algo” (o pôr do sol) que ela
considera essencialmente impossível. As fotos encontradas possuem diferentes títulos/descrições
como “Amigos correndo juntos na praia ao pôr do sol; Jovem de chapéu de palha sentada contra uma
árvore ao pôr do sol; Amigos sorridentes bebendo coquetéis no pôr do sol; Linda jovem triste sentada
ao ar livre perto do rio; Uma jovem está pensando ao ar livre, sente-se triste, ao pôr do sol;” dentre
muitos outros, resumindo as narrativas coletivas que que são construídas a partir das imagens.
Umbrico questiona e visibiliza questões como identidade, semelhança e descartabilidade das
imagens compartilhadas e também dos aparelhos que as produzem, assim como sua onipresença em
nossas vidas. Em Sun/Screen/Scan (2018) a artista apresenta em uma instalação 192 impressões em
jato de tinta de imagens digitalizadas de telas desmontadas de monitores de computador, laptops,
tablets e smartphones. Conforme Umbrico, são “dispositivos que tocamos, com os quais temos
intimidade e que substituem a luz natural do sol em nossas vidas”. A artista digitalizou as telas sob a
luz do sol (com a tampa do scanner removida) numa varredura “da luz solar através de telas: uma
varredura/fotograma híbrida”. Depois aplicou o filtro do Photoshop denominado “cianótipo” fazendo
referencia a um processo de impressão fotográfica do século XIX, enfatizando assim, segundo ela,
uma “disparidade entre a nova tela digital, o processo de escaneamento digital e o aspecto histórico
da luz solar e da fotografia que é o cianótipo”.

or to assert an individual subjective point of view–the result is quite the opposite - through the technology of our common
cameras we experience the power of millions of synoptic views, all shared the same way, at the same moment. To claim
individual authorship while photographing a sunset is to disengage from this collective practice and therefor negate a
large part of why capturing a sunset is so irresistible in the first place.”
4
“I use the entire photograph for this work, thinking of the relationship between the collective and the individual, the
individual assertion of ‘I am here’ in the process of taking the photograph, and the lack of individuality that is ultimately
expressed, and experienced, when faced with so many assertions that are more or less all the same.”
Mapeando as mudanças tecnológicas e o nosso relacionamento com as tecnologias de imagem
ao longo do tempo, Umbrico apresenta em 53.6 Million Metric Tons of E-Waste (2009-2021) uma
colagem digital de imagens de lixo eletrônico de tecnologias de tela encontradas na rede. O título da
instalação se refere a quantidade de toneladas métricas de lixo eletrônico que foram descartadas no
ano de 2020 (53,6 milhões). Apenas 12% deste lixo foi reciclado, afirma Umbrico. No mesmo
sentido, em Learning from eBay (2009—2021), a artista utiliza um arquivo de aproximadamente
28.000 fotografias de objetos usados à venda que ela coletou de 2009 a 2021 em plataformas da web
de vendas como eBay dentre outras. O grande volume dessas imagens, afirma ela, “torna visível a
monumentalidade dos nossos hábitos de consumo atuais e os seus efeitos no nosso ambiente”.
Em 2011, o artista, designer e curador holandês Erik Kessels (2023), em sua instalação 24hrs
in photos, abarrotou varias salas de uma galeria de arte em Amsterdam (Holanda), com montanhas de
centenas de milhares de fotografias impressas – fotografias postadas durante 24 horas no mesmo site
de compartilhamento de imagens utilizado por Penélope Umbrico – o Flickr.
A instalação nos leva à reflexão sobre a quantidade de imagens colocadas em circulação na
Internet diariamente em sites e redes sociais como Flickr, Facebook, Instagram, os modos como
consumimos e nos apropriamos dessas imagens e, também, como elas passam da esfera privada para
o domínio público quando são carregadas na Internet. Conforme explicita Kessels na descrição da
instalação em seu sítio eletrônico, “Ao imprimir 350 mil imagens, carregadas em um período de vinte
e quatro horas, visualiza-se a sensação de afogamento em representações de experiências de outras
pessoas”.
Esse tão impressionante número excessivo de imagens produzidas, consumidas e
compartilhadas nas redes sociais nos dias atuais produzem o que podemos chamar de uma “estética
da repetição” (Beiguelman, 2018). A obra Insta_Repeat (2018) da artista holandesa Emma Sheffer
(2023) sublinha o já apontado por Penélope Umbrico nas instalações em que apresenta as imagens
idênticas dos pores de sol encontradas na internet. Desde 2018 Sheffer vem reunindo em forma de
mosaicos, numa conta no Instagram – @insta_repeat –, imagens sob pontos de vista idênticos,
recolhidas em diversos perfis, a partir de buscas por tags específicas, formando um conjunto de
clichês fotográficos de viagens turísticas: o ponto de vista de uma pessoa no centro de um barco; o
ponto de vista olhando os próprios pés em variados solos; o ponto de vista de alguém que olha pela
abertura de uma barraca de camping; o ponto de vista de uma pessoa dirigindo com a mão no volante
e a estrada em ponto de fuga; dentre muitas outras.
Conforme explicita Beiguelman (2018), ao se apropriar da cultura visual das redes em seu
projeto, Scheffer incide
na padronização do olhar que se adequa aos parâmetros das câmeras e às convenções “instagramáveis”. Seus
mosaicos, com séries de 12 imagens sequenciadas, de fotos de viagem que circulam no Instagram mostra as
mesmas paisagens e situações. Não importa em que parte do mundo sejam feitas, há sempre lugar para “uma
foto full frame de alguém, centralizado, em frente a uma cachoeira”, “um celular na vertical no meio do nada”,
“um drone olhando na perpendicular as copas de árvore do outono”, como descrevem suas legendas.
Imagens feitas com o suprassumo do olhar banal são fomentadas pela economia neoliberal dos Likes. A partir
desse binômio curioso, revelam como os regimes algorítmicos – das câmeras digitais e das hashtags – modulam
os modos de ver e construir as imagens. Em sua redundância, os mosaicos de Schaffer enquadram, radicalmente, a
mesmice do vocabulário visual das redes.

São essas imagens digitais com suas características – quantidade, saturação, efemeridade,
entre outras – que estão na vida cotidiana das crianças e dos jovens que, ao mesmo tempo, são
produtores, reprodutores e consumidores de novas imagens. Obedecem a uma padronização do olhar
adequado aos parâmetros das câmeras e às convenções das redes sociais. Neste contexto, nos
apoiamos na indagação do filósofo Vilém Flusser (1985): como subverter a lógica e a essência dessa
produção desenfreada de imagens?
Em “Filosofia da Caixa Preta”, Flusser (1985) nos faz refletir sobre a fotografia como
possibilidade de mundo, por meio de circunstâncias indispensáveis como o valor decisivo da escolha
do fotógrafo, onde é pensada e projetada a forma mais perspicaz de eternizar conceitos e/ou
memórias, numa tentativa de perpetuar a existência do mundo enquanto mundo, através da interação
e relação do fotógrafo com a câmera, a câmera com o espaço e estas relações na criação-produção
fotográfica.
Flusser (1985) questiona, em especial, sobre as possibilidades de criação e liberdade numa
sociedade cada vez mais programada e centralizada pela tecnologia. Para o a filósofo, imagens
técnicas são produzidas por aparelhos que funcionam como uma “caixa preta” que não se deixa dar a
ver seu funcionamento tão facilmente. Seu funcionamento é programado e aquele que fotografa está
submetido às possibilidades finitas e previamente programadas.
Conforme Machado (2008), numa perspectiva flusseriana o verdadeiro criador, o artista, é
aquele que subverte “continuamente a função da máquina ou do programa que ele utiliza”,
manejando-os “no sentido contrário ao de sua produtividade programada” (p.14). Para isso, torna-se
necessário conhecer o seu funcionamento, explorar as potencialidades da tecnologia de modo
inventivo, assim como explorar a linguagem fotográfica de inúmeras formas na construção da
produção de sentido.
Nessa perspectiva, apresentamos duas experiências de ensino de fotografia na Educação
Básica realizadas nos últimos anos no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (CAp-UFRJ), por meio do projeto Investigações Fotográficas, e no Instituto de Aplicação
Fernando Rodrigues da Silveira (CAp-UERJ), onde a fotografia é oferecida como disciplina
obrigatória na grade curricular.

Processos fotográficos artesanais - experimentações na produção de sentido


Pensar o ato fotográfico e o ensino da fotografia na educação básica hoje torna imprescindível
a compreensão da materialidade em si da fotografia nos seus primeiros anos e na atualidade. A
geração de jovens que hoje inflaciona as redes sociais com selfies e registros fugazes nasceu já em
contato direto com o uso de tecnologias digitais e, na maioria das vezes, não conhece a história da
fotografia e dos dispositivos fotográficos originais.
A etimologia da palavra fotografia (foto = luz e grafia = escrita) - escrita da luz - pode ser
compreendida de forma muito mais concreta quando conhecemos as primeiras impressões
fotográficas – como a do francês Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833), View from the Window at Le
Gras (1826), onde o percurso da sombra ao longo do dia fica marcado na imagem fotográfica que
durou ao menos 8 horas para ser produzida. Essa fotografia de Niépce traduz a essência daquilo que
ficou conhecido e estabelecido como fotografia nos séculos XIX e XX.
Diferentemente deste processo, na fotografia digital são utilizados fotodetectores eletrônicos
para a formação da imagem. As imagens passam a ser códigos numéricos - como uma informação de
altura e não de luz; passa a ser uma abstração que vai se descolando do real imediato. Conforme
indica Beiguelman (2021), é preciso refletir sobre o que muda nas nossas formas de ver e perceber o
mundo quando as imagens passam a ser produzidas digitalmente e, portanto, enfrentam de maneira
radical a essência da fotografia – da inscrição de luz para luz como informação processada por um
sensor que grava a imagem como uma imagem digital. Falar de fotografia hoje, portanto, é pensar
também, filosoficamente, na diferença entre a inscrição física e química da luz numa superfície
fotossensível e a forma digital de captação de imagem.
Como forma de introduzir questões filosóficas sobre a imagem e propiciar a construção de
poéticas visuais e reflexões no campo da arte e da fotografia nas atividades de ensino de fotografia no
CAp-UFRJ, por meio do projeto Investigações Fotográficas, vimos nos referenciando em diversos
artistas e educadores e num conjunto de atividades que remontam à própria história original da
fotografia, desde a Câmara Obscura, na captação da luz e projeção das imagens, até o momento da
fixação e impressão dessas imagens – a escrita da luz – por meio de técnicas fundadoras como a
antotipia, a cianotipia e o fotograma ou mesmo o processo de revelação, ampliação e impressão em
papel fotográfico industrializado. Tais experiências artísticas e educativas vem inspirando trabalhos e
reflexões com processos fotográficos históricos e transformando o olhar do presente, conforme já
discutido no artigo “Processos Fotográficos Artesanais: experiências artísticas e formadoras para o
fazer e o pensar as imagens no tempo presente” (Miranda da Silva, 2020).
A Câmara Escura, dispositivo de captação de imagens que permite ao observador a percepção
do comportamento da luz, tem sido utilizada por muitos artistas/educadores na demonstração do
fenômeno óptico da projeção dos raios luminosos. Dentre eles destacamos o trabalho do fotógrafo e
educador Miguel Chikaoka (Belém-PA) que desde o início dos anos de 1980 vem desenvolvendo
uma metodologia própria de construção de câmeras escuras: com uma folha de cartolina apenas, se
utilizando de dobras (como na técnica oriental do Origami), sem utilização de tesoura, e por meio de
uma dinâmica de concentração no material trabalhado e de observação do passo a passo da
construção e na vivência do dispositivo, tratando o fenômeno da constituição da imagem como
experiência de todos os sentidos e não somente da visão. Conforme, Chikaoka (2015, p. 129) esta
dinâmica de construção e vivência propicia o (re)conhecimento da luz como matriz do processo
fotográfico. “Ou seja, entender que, não importa a marca, modelo e tamanho da câmera, o principio
da formação e captura da imagem se processam pela e com a natureza da luz, chamando a atenção
para o que acontece no nosso olho”.
A produção deste dispositivo de forma artesanal, a experimentação e vivência do mesmo, seja
na forma expositivo-participativa, ou em sua forma imersiva, aprofunda esta compreensão. Assim,
podemos nos inspirar também nos trabalhos de artistas como Dirceu Maués (Belém – PA), que vem
desenvolvendo intervenções urbanas exibindo conjuntos de câmeras escuras em diversas partes das
cidades multiplicando visões da cidade; ou como Paula Trope (Rio de Janeiro = RJ) com o projeto
Câmera-Luz (Londrina-PR, 2010 – uma grande câmera móvel de 3x3 metros onde podemos entrar e
vivenciar a imersão na construção da imagem; atividades que vem sendo desenvolvidas em projetos
educativos como o Cidade Invertida (desde 2006) ou o Investigações Fotográficas (desde 2013).

Imagens 1 e 2: Fotografia. Câmara escura imersiva no pátio do CAp-UFRJ e imagem invertida vista do seu
interior. 2015. (Acervo Projeto Investigações Fotográficas)

Conforme explicita Maués (2015, p. 79) sobre a construção e experimentação de uma câmera
escura, no “momento em que a câmera se abre e revela seu mecanismo mágico, expondo toda sua
simplicidade, ela deixa de fotografar, de capturar, de fixar, as imagens projetadas em seu interior,
para apenas desvelá-las em sua própria efemeridade”.
Nas atividades de ensino do projeto Investigações Fotográficas no CAp-UFRJ, vimos
experimentando a metodologia de dobradura de Chikaoka e também construímos uma câmara escura
de 2x2 metros que possibilita a imersão dos estudantes (imagens 1 e 2). Em desdobramento, também
temos experimentado a obra performática da artista Rosa Bunchaft (Salvador-BA, 2015) denominada
“cinema baldio”: uma câmera escura em movimento - um balde pintado de preto pelo lado de dentro,
com um furo e na parede em direção oposta ao furo uma tela branca pintada. O balde deve ser
colocado na cabeça, com o furo para trás e a tela branca na frente na altura dos olhos. A luz que entra
pelo furo e projeta a imagem que está atrás da cabeça na parede em frente aos olhos. Ao caminhar,
com a câmera (o balde) na cabeça, vemos as imagens invertidas e em movimento.

Imagem 3: Fotografia. Oficina Cinema Baldio. 2017 (Acervo Projeto Investigações Fotográficas)

A imersão na câmera escura, fixa ou em movimento, além de indicar a formação da imagem


pela luz, possibilita a investigação do papel do corpo na percepção. Além disso, é preciso destacar a
experiência de magia e encantamento do ato de ver e fruir a imagem que se forma invertida em seu
interior. No caso do “cinema baldio” esta experiência é levada ao extremo apontando também para a
efemeridade das imagens, posto que a cada movimento do corpo a imagem projetada no interior do
balde também vai se modificando.
A partir da câmara escura chegamos à fotografia pinhole - que quer dizer buraco de agulha,
uma câmera de orifício, sem lente. A técnica vem sendo utilizada com fins educativos – embora com
objetivos diferentes – desde os anos de 1970 quando a fotografa e artista Regina Alvarez (1948-2007)
retornou de seus estudos sobre processos alternativos de produçã o e impressã o de imagens na
Birmingham School Of Art (Inglaterra, 1975-1977) e desenvolveu um projeto de inclusã o visual
de crianças, jovens e adultos com o fim de democratizar o ensino da fotografia a partir da
produçã o de câ meras artesanais, considerando o alto valor de uma câ mera fotográ fica.
Atualmente as câ meras fotográ ficas sã o mais populares e fazem parte dos aparelhos
celulares e, embora seja de baixo custo construir uma câ mera artesanal – que pode ser de
qualquer tipo e tamanho de caixas de papelã o, latas e outros materiais – o material fotográ fico
como filmes, papéis e químicas para revelaçã o têm um custo significativo. A despeito disto, a
experiência de construçã o de sua pró pria câ mera e passar por todo o processo de revelaçã o e
impressã o da imagem é muito enriquecedor no ensino da fotografia.
O processo de construção do pró prio dispositivo, e sua posterior utilizaçã o, leva ao
aprendizado sobre as relaçõ es entre a captura da luz e a produçã o de imagens, sensibilizando
os estudantes para questõ es prá ticas e conceituais na produçã o fotográ fica, em especial as
relacionadas à s suas funcionalidades (diafragma - obturador - velocidade de exposiçã o -
objetiva - ISO - profundidade de campo) e à s qualidades estéticas diferenciadas das imagens
digitais a que estã o habituados. A câ mera pinhole nã o tem visor, assim nã o há um controle na
escolha dos enquadramentos. O furo é feito de forma artesanal com uma agulha o que também
nã o possibilita um controle mais sistemá tico da quantidade de luz a ser captada para a
formaçã o da imagem. O tamanho do furo e o diâ metro do corpo da câ mera (a caixa escura) se
relacionam entre si e determinam a distancia focal. Além disso, se nã o há lentes, a fotografia
resultante implica em menos detalhes e, portanto, na contramã o das imagens contemporâ neas
hiperrealistas. Nas experimentaçõ es com a fotografia pinhole o que vale é o efeito surpresa, que
poderá trazer novas possibilidades e efeitos na iluminaçã o, na cor, no contraste, na forma, nos
enquadramentos, contribuindo para uma outra poética.
Como já ressaltado pela fotógrafa Tatiana Altberg, que vem desenvolvendo com adolescentes
da Maré, desde 2003, o Projeto Mão na Lata (2023) o uso da fotografia em preto e branco, que não é
uma exclusividade da fotografia pinhole, também é um recurso tão expressivo quanto pedagógico, no
sentido em que o pensamento fotográfico passa a lidar com conceitos abstratos. O tempo “expandido”
da produção fotográfica artesanal, que pode durar de minutos a horas, dias e anos, também é um
importante “contraponto pedagógico”, aguçando a percepção e retomando as possibilidades de
contemplação, escuta e silêncio, tão raras nos tempos atuais. (Altberg, 2015, p. 160)

Imagem 4: Fotografia pinhole em caixa de fósforo, 35mm. Produzida pela estudante do CAp-UFRJ Rebeca
Schettini. 2012. (Acervo do Projeto Investigações Fotográficas)
Outra questão particular no trabalho com a fotografia pinhole é que se por um lado temos
limitaçõ es técnicas, por outro, essas limitaçõ es se tornam potência no trabalho educativo. Se em
cada câ mera pinhole utilizamos apenas um papel fotográ fico ou filme para ser por vez, a escolha
do objeto a ser fotografado também é mais trabalhada, ao contrá rio do automatismo das
milhares de fotografias capturadas pelos aparelhos celulares, que podem, além disso, ser
editadas e deletadas. O fato de nã o ter visor na câ mera também produz um efeito de escolha
mais apurada dos â ngulos e enquadramentos a serem utilizados. Nesse sentido, Tatina Altberg
estabelece uma relaçã o da fotografia artesanal com o pensamento, com um “olho pensante”, que
produz imagens diferentes das imagens a que nos submetemos no cotidiano, de estranhamento,
de cará ter onírico, descoladas da visã o da realidade imediata e levando a discussõ es sobre o
“real” na imagem fotográ fica. (Altberg, 2015, pp. 159-160).
Soma-se a essas características o conhecimento e compreensã o dos estudantes sobre o
processo de revelaçã o e ampliaçã o das fotografias em laborató rio. A experimentaçã o das
diferentes etapas deste processo se torna parte importante da vivência fotográ fica para a
ressignificaçã o das imagens na contemporaneidade tanto com a utilizaçã o do filme 35mm (a ser
revelado em laborató rio) quanto com o papel fotográ fico industrializado, revelado em aula
envolvendo as etapas químicas de revelaçã o, interrupçã o e fixaçã o. Nos dois casos, entretanto, a
imagem em negativo pode ser digitalizada e transformada em positivo, possibilitando um
trabalho híbrido entre o processo artesanal, histó rico, e os processos digitais contemporâ neos.
Um exemplo de atividade, reunindo os processos fotográ ficos histó ricos e os atuais,
realizada no CAp-UFRJ se inspirou no trabalho do artista paraense Dirceu Maués que entrelaçou
fotografia e cinema no trabalho ...Feito poeira ao vento (2006), animaçã o em stop motion
realizada a partir de uma sequência de mais de 900 fotografias captadas por câ meras pinhole
produzidas em caixas de fó sforos. A animaçã o explora a movimentaçã o e o burburinho dos
trabalhadores do Mercado Ver-o-Peso, na zona portuá ria de Belém (Pará ), desde o inicio da
feira ao seu final , por meio de um giro fotográ fico de 360 graus. A partir da apresentaçã o e
debate sobre o filme, realizamos com um grupo de estudantes da licenciatura e bolsistas do
projeto Investigaçõ es Fotográ ficas o filme experimental Cinema Pinhole (2015). Para a
realizaçã o, tal qual o artista, foram produzidas câ meras artesanais a partir de caixas de fó sforos
e foram utilizados 60 filmes/películas de 35mm. Fotograficamente captamos a entrada e saída
escolar e, num giro de 360o, como no filme de Maués, registramos o pá tio da escola frequentado
pelas crianças e jovens em suas atividades diá rias. O projeto, embora desenvolvido com os
estudantes de graduaçã o, acabou envolvendo a comunidade escolar, curiosa com as câ meras de
caixa de fó sforos e com a movimentaçã o das filmagens/fotografias, e resultou em aulas
“pú blicas” e experimentaçõ es com os estudantes da educaçã o bá sica. Todo o processo de pré-
produçã o e realizaçã o do filme e todas as discussõ es decorrentes deste processo,
proporcionaram à comunidade escolar a reflexã o sobre questõ es histó ricas, conceituais e
filosó ficas referentes ao ensino da fotografia, do cinema e da arte na educaçã o.

Imagem 5: Fotografia pinhole em caixa de fósforo, 35mm. Quadro do filme Cinema Pinhole. 2015. (Acervo do
Projeto Investigações Fotográficas)

Julgamos importante, no ensino da fotografia, conhecer a histó ria em sua origem e


relacioná -la ao tempo presente. Por exemplo, o processo de produçã o dos daguerreó tipos - de
Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851) -, de fixaçã o das imagens em placas de metal, que
podem trazer reflexõ es sobre as questõ es do tempo de exposiçã o (como na primeira fotografia
que inclui a figura humana - Boulevard du Temple (1838) – que fixou na imagem dois homens,
um engraxate e seu cliente – os ú nicos que estavam relativamente imó veis durante o tempo de
exposiçã o), pode ser relacionado aos autorretratos em longa exposiçã o da fotó grafa Francesca
Woodman (1958-1981), ou ao trabalho do fotó grafo alemã o contemporâ neo Michael Wesely
(1963- ) que, também em longa exposiçã o, por meio de câ meras construídas por ele que
permitem expor um mesmo negativo ao longo de muitos anos, condensa diversos momentos
em uma ú nica fotografia.
Importante, por fim, a consciência de que nã o houve uma “invençã o” da fotografia, mas
vá rios processos de pesquisa, vá rias “histó rias da fotografia”. Captar a luz, projetar a imagem,
fixar a luz, imprimir a imagem, frutos de muitas pesquisas e experimentaçõ es. Nesse sentido,
também vimos apresentando aos estudantes os processos fotográ ficos de impressã o artesanal
como fitotipia, antotipia, cianotipia, marrom van dyck. Numa sociedade de tempo acelerado,
conhecer e experienciar processos de impressã o fotográ fica nos quais todas as fases devem ser
vivenciadas passo a passo, pode ser enriquecedor. No caso da cianotipia, por exemplo, onde
produzimos a emulsã o química fotossensível, emulsionamos a superfície a ser sensibilizada,
levamos à luz solar (ou a uma outra fonte de raios ultra violetas) a imagem que queremos
imprimir e, por fim, lavamos a imagem para retirar o excesso remanescente de química,
passamos por muitas fases para produçã o da imagem desejada. Uma outra temporalidade deve
ser incorporada ao trabalho. Inclusive o tempo de exposiçã o à luz (na média entre 20 a 30
minutos). A imagem produzida é ú nica. Pode ser digitalizada e reproduzida. Mas a original é
ú nica. Outro tempo para fazer viver e pensar as imagens em oposiçã o a automaticidade das
câ meras dos celulares e reproduçã o desenfreada pelo excesso de compartilhamento nas redes
sociais.

Imagens 7 e 8: Fotografia. Estudantes do CAp-UFRJ produzem cianotipia a partir da silhueta de seus cabelos.
2014. (Acervo do Projeto Investigações Fotográficas)

A técnica e a linguagem fotográfica na construção da produção de sentidos


A primeira experiência, vinda das aulas de fotografia realizadas no Instituto de Aplicação
Fernando Rodrigues da Silveira (CAp-UERJ) para o ensino básico, explora as ideias do filósofo
Vilém Flusser e revela-se como uma jornada fascinante para compreensão das transformações que o
desenvolvimento tecnológico trouxe ao nosso cotidiano. A ubiquidade da fotografia na sociedade
contemporânea é incontestável, sendo ela a principal representação visual do mundo que nos cerca. A
cada instante, bilhões de imagens são capturadas, compartilhadas e difundidas pelas redes sociais,
permeando todos os aspectos de nossas vidas. Destaca-se, especialmente, a expressiva participação
dos jovens e adolescentes nesse fenômeno, cuja rotina é minuciosamente documentada e disseminada
por meio da praticidade cada vez maior na produção fotográfica.
No âmbito educacional do CAp-UERJ, a abordagem das aulas de fotografia tem seguido uma
trajetória consistente, direcionando-se de forma sistemática para os meios digitais de produção e
difusão. Contudo, é notável o crescente destaque conferido à fotografia analógica, alinhando-se a uma
tendência contemporânea de resgate da materialidade física e química inerente à fotografia. Esse
movimento busca estabelecer um contraponto à virtualidade efêmera das imagens digitais,
promovendo uma reconexão com a essência tangível e duradoura da fotografia tradicional. A
disciplina fotografia não se limita apenas ao ambiente acadêmico, participando ativamente de um
projeto de extensão que amplia seu impacto para além das fronteiras da sala de aula. Além disso,
mantém uma presença vibrante nas plataformas online, com um perfil no Instagram. Essa presença
digital não apenas reflete a dinamicidade da disciplina dentro da escola, mas também proporciona um
espaço para a interação, compartilhamento e reflexão sobre as produções dos estudantes.
Dessa forma, a fotografia no CAp-UERJ não é apenas uma disciplina, mas uma experiência
abrangente que se estende para além dos limites convencionais, explorando os contrastes entre o
digital e o analógico, o efêmero e o duradouro. Essa abordagem equilibrada não apenas enriquece a
formação dos estudantes, mas também contribui para a preservação e evolução da linguagem
fotográfica em um mundo cada vez mais inundado por imagens digitais fugazes.
Neste sentido, o pensamento de Flusser nos convida a enxergar a fotografia dentro do âmbito
escolar não apenas como uma educação ao registro visual, mas como uma educação à "imagem
técnica" que desempenha um papel crucial na sociedade contemporânea. Para o CAp-UERJ, o ensino
e aprendizagem da arte na captura de momentos, é fundamental ao mergulhar nas reflexões de Flusser
sobre como a fotografia transita da mera representação de "coisas" para a expressão de símbolos em
um mundo em constante evolução. Ao abordar as ideias de Flusser, somos desafiados na educação à
ir além das técnicas tradicionais e a explorar as dimensões filosóficas e práticas da fotografia em sala
de aula. A visão se renova, afastando-se da concepção de que a fotografia é simplesmente um espelho
da realidade. Para o ensino de fotografia no CAp-UERJ, isso implica em orientar nossos estudantes a
entenderem o ato fotográfico não apenas como um clique mecânico, mas como um gesto que atribui
significado ao mundo ao nosso redor.
Imagem 9: Fotografia de Emanuel Ferrão, estudante do 9o ano do ensino fundamental do CAp-UERJ, 2019.

Nas aulas, a fotografia ganha uma dimensão mais rica quando conectamos a evolução da
sociedade com o desenvolvimento da linguagem visual, evidenciando como o aparato fotográfico se
torna um instrumento político e social na busca por visibilidade em meio às redes midiáticas
complexas. Ao conduzir essas análises em sala de aula, não nos limitamos apenas à superfície estética
da fotografia. A imersão nas camadas mais profundas da reflexão sociológica, territorial e filosófica,
compartilhada com nossos alunos do CAp-UERJ, corrobora nas implicações práticas que emergem
das ideias de Flusser. Ao desafiar paradigmas estabelecidos, Flusser também oferece à disciplina
fotografia não apenas uma perspectiva crítica sobre a fotografia, mas também inspira uma abordagem
ativa e transformadora em relação às tecnologias de informação e comunicação.
Um dos pontos importantes para o ensino da fotografia está no entendimento sobre a transição
da fotografia analógica para a digital, um marco não apenas na mudança dos meios tecnológicos, mas
que também instaura um novo "regime de verdade" e uma percepção do registro do real. Enquanto a
fotografia química consolidava as imagens como suportes tangíveis da memória, se pensarmos nas
aulas realizadas nos anos de 1980 no CAp-UERJ, hoje a fotografia eletrônica apenas capta, deixando
de fixar as imagens de maneira física. Nesse novo paradigma, as imagens que são produzidas na
atualidade existem apenas virtualmente, inserindo-se em uma lógica que contrasta com a verdade
percebida pelo olhar.
Neste projeto educativo e fotográfico do CAp-UERJ, os jovens se tornam participantes e
constroem imagens que não apenas capturam sua cultura e sociabilidades, mas que também
expressam uma perspectiva etnográfica única. A ênfase recai não apenas na produção de imagens,
mas na criação de um diálogo artístico e expressivo de uma juventude e de uma época específica. A
circulação dessas imagens em redes sociais e sua posterior exibição em suporte físico, como o papel
fotográfico, exemplifica algumas das múltiplas facetas que a fotografia produzida por estes jovens
fotógrafos abrange. A relevância das aulas de fotografia reside na oportunidade que oferece aos
estudantes do ensino fundamental e médio do CAp-UERJ de envolverem-se em todas as etapas
práticas da fotografia, desde a concepção das imagens até os processos de pós-produção. Além de
fortalecer o espírito de equipe e a colaboração entre os participantes, as aulas desenvolvem novas
competências, expondo aos alunos todo o processo de realização de uma exposição de arte, desde a
sua concepção até a divulgação.
Assim, o conceito de imaginação, conceito chave na obra de Flusser que se baseia na ação de
criar imagens para si e para o outro, se torna uma ferramenta valiosa em nossos esforços educativos,
não apenas para questionar, mas para estimular a criação. Nossos estudantes, guiados por essa
abordagem, são incentivados a explorar novas formas de existência em um mundo saturado por
imagens técnicas e impregnado por tecnologias de informação. Essa proposta transcende a simples
contestação das tecnologias existentes; ela se manifesta como uma atitude lúdica e reformuladora que
busca não apenas criticar, mas também redesenhar os programas educacionais estabelecidos.
A imaginação, segundo Flusser, não é apenas uma resposta aos desafios do presente, mas uma
tentativa ousada de superar a lógica atual. Ele nos convida a adotar uma postura criativa diante das
tecnologias, na prática seria incentivar os estudantes a não apenas compreender, mas também a
reimaginar o papel da fotografia em suas vidas. Ao incorporar o conceito de "Homo ludens", Flusser
nos desafia a cultivar essa existência nômade, na qual a compreensão profunda do sistema coexiste
com a habilidade de desafiá-lo de modo lúdico e imaginativo.
Nesse contexto, somos chamados a criar ambientes de aprendizagem que fomentem a
criatividade, o questionamento e a experimentação fotográfica. Ao integrar a tecnologia com a
imaginação, ou a tecno-imaginação, em nossas práticas pedagógicas, estamos capacitando os
estudantes do CAp-UERJ a não consumirem passivamente as tecnologias, mas a se tornarem agentes
ativos na sua evolução. Estamos, essencialmente, promovendo uma educação que transcende as
fronteiras convencionais, preparando os jovens para uma existência dinâmica e participativa em um
mundo saturado por imagens técnicas e permeado por tecnologias de informação.
Imagem 10: Fotografia de Miguel Grangeia, aluno do 9o ano do ensino fundamental do CAp-UERJ, 2019.

O CAp-UERJ destaca-se como uma instituição de ensino fundamental e médio que oferece
esses conhecimentos de forma acessível e direta, inserindo-se em um grupo restrito de instituições
que valorizam a educação artística como parte integral da formação dos estudantes enquanto
cidadãos. Esta perspectiva educacional da instituição não se limita à análise técnica da relação entre a
imagem e o objeto fotografado. Com a fotografia sendo disciplina obrigatória no ensino básico, as
ideias inspiram uma postura ativa em relação às imagens técnicas, indo além do simples registro
visual. Transformar o ato fotográfico em uma experiência consciente e crítica, é desmistificar a
conhecida “caixa-preta" de Flusser desses dispositivos, revelando suas ideologias e intenções, torna-
se uma peça fundamental no quebra-cabeça do entendimento das dinâmicas sociais, éticas e políticas
presentes nos sistemas midiáticos contemporâneos. No CAp-UERJ, é nosso papel guiar os estudantes
na exploração desses conceitos, capacitando-os a decodificar as mensagens subjacentes nas imagens
que criam e consomem. Incentivamos uma abordagem que vai além da técnica fotográfica tradicional,
onde os estudantes não apenas aprendem a capturar imagens, mas também a questionar e redefinir os
significados por trás delas. A compreensão da “caixa-preta" flusseriana não é apenas uma ferramenta
técnica, mas uma habilidade essencial para que os futuros fotógrafos naveguem em um mundo
saturado de imagens, compreendendo o poder que elas exercem sobre a percepção e construção da
realidade.
Outro fator importante é a presença das aulas de fotografia no Instagram, através do projeto
de extensão “Rio Jovem”, que não apenas proporciona visibilidade, mas também envolve os
estudantes ativamente em sua realização, ampliando o alcance e a interação da iniciativa fotográfica.
Vale ressaltar que o "Rio Jovem" é um projeto realizado no contexto do ensino de fotografia e artes
em uma escola pública do Estado do Rio de Janeiro, onde a disciplina de fotografia é integrada ao
currículo acadêmico obrigatório e permanente. Essa abordagem do projeto vai além da simples
compreensão técnica das máquinas fotográficas, estendendo-se a uma consciência mais ampla das
dinâmicas sociais cariocas presentes nos sistemas midiáticos. No contexto educacional, essas
propostas de Flusser ressoam com a necessidade premente de redimensionar o papel da escola na
sociedade vista por uma perspectiva territorial do Rio de Janeiro. Somos desafiados a reformular
nossas práticas pedagógicas para atender às demandas da comunidade escolar e Flusser nos incentiva
a não apenas transmitir conhecimentos técnicos sobre a fotografia, mas a cultivar uma compreensão
crítica nas mentes jovens, capacitando-as a decodificar as mensagens por trás das imagens e a
participar ativamente na produção de significados através do seu território. Esta educação ativa
proposta por Flusser não se limita ao clique da câmera, mas abraça a responsabilidade de formar
cidadãos conscientes, capazes de navegar pelas complexidades das imagens técnicas em um mundo
cada vez mais visual e digital. Ao incorporar essa abordagem em nossa prática pedagógica, não
apenas preparamos os estudantes para a expressão artística, mas também os capacitamos a serem
críticos informados, aptos a contribuir positivamente para a sociedade em constante evolução.
Ao explorar a filosofia de Flusser, percebemos que sua visão vai além da análise técnica da
fotografia; ela se estende a uma reflexão mais abrangente sobre como as imagens técnicas moldam a
sociedade. Desafiamos, assim, nossos estudantes a se envolverem ativamente com as tecnologias,
compreendendo-as de dentro para fora, subvertendo-as e utilizando-as como ferramentas criativas
para construir narrativas e formas de existência alternativas. Essa abordagem encontra eco na
necessidade de redimensionar a educação e o ensino. A proposta ressoa com a busca por uma
formação crítica e ativa na comunidade escolar, jovens estudantes que se tornem criadores e
intérpretes ativos ao usar a fotografia como meio de expressão. As aulas de fotografia do CAp-UERJ
tornam-se, assim, um espaço de exploração e experimentação social, onde os estudantes são
encorajados a compreender não apenas o produto final da imagem, mas a relação dessas imagens com
sua vida. Estimulamos a curiosidade, incentivamos a análise crítica das tecnologias e promovemos a
capacidade de nossos alunos de moldar ativamente a narrativa visual que os cerca.
Assim, o CAp-UERJ assume o papel crucial de ser um ambiente que proporciona um
currículo com significado, capacitando as crianças e jovens para uma compreensão crítica da
realidade social, política e histórica desde os anos de 1980 até os dias atuais. Esse processo de
transformação demanda uma abordagem pedagógica crítica, construída com os anos e voltada para a
formação de estudantes que possam analisar de maneira crítica e agir de forma responsável com os
desafios do mundo contemporâneo. Ao oferecer um currículo que vai além das técnicas fotográficas,
o CAp-UERJ inspira seus estudantes a se tornarem pensadores, capazes de decifrar as complexidades
do contexto em que vivem. Alinhando-nos à visão de Vilém Flusser e Paulo Freire, reconhecemos a
necessidade de uma educação que não apenas informe, mas também capacite os estudantes a
participarem ativamente na construção de uma sociedade mais justa e participativa. Nesse sentido, o
projeto pedagógico e fotográfico do CAp-UERJ não é apenas uma revolução curricular que está
marcada na história; é de fato uma jornada que exige o engajamento contínuo de educadores
comprometidos com a formação integral dos estudantes. Ao seguir essa trajetória, contribuímos para
o desenvolvimento de cidadãos conscientes, críticos e ativos.

Imagem 11: Fotografia de Lara Santiago, aluna do 9o ano do ensino fundamental do CAp-UERJ, 2023.

Essas propostas abrem portas para um horizonte promissor na educação fotográfica,


transcendentemente focada não apenas na técnica e linguagem fotográfica, mas também na
necessidade premente de uma abordagem ativa e crítica na formação dos estudantes. Ao introduzir a
fotografia como uma ferramenta pedagógica, não mais tecnológica, estamos proporcionando aos
estudantes uma plataforma para desenvolverem uma perspicácia cultural e consciência social. A
fotografia, como ferramenta pedagógica, oferece uma oportunidade única para os jovens explorarem
e expressarem suas próprias narrativas, a contarem sobre a sua própria vida e sua própria história.
Portanto, a construção de uma educação transformadora proposta pela disciplina fotografia no
CAp-UERJ, tendo a técnica flusseriana e a metodologia freiriana como base, não é apenas um meio
de preparar os estudantes para os desafios técnicos e sociais do futuro, mas uma declaração audaciosa
de comprometimento com a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e culturalmente
consciente. É na interseção entre a técnica, a cultura e a reflexão crítica que a educação fotográfica no
CAp-UERJ se torna uma força catalisadora para o desenvolvimento humano integral e a construção
de um mundo mais inclusivo.
Algumas considerações
As atividades fotográficas que vêm sendo realizadas nos últimos anos com estudantes da
Educação Básica, por meio do projeto Investigações Fotográficas, no CAp-UFRJ, e na grade
curricular para os estudantes do 9o anos do EF e 1o ano do EM, no CAp-UERJ, corroboram a
avaliação da importância de um olhar mais acurado sobre a quantidade e a qualidade das imagens que
nos cercam, que produzimos, reproduzimos, consumimos e compartilhamos.
Inspirados pelas ideias de Vilém Flusser e na perspectiva de Paulo Freire de uma educação
para a construção da consciência crítica e, portanto, libertadora, acreditamos que uma das formas de
pensar as imagens técnicas na escola é explorando as tecnologias da imagem: a experimentação e a
fruição da linguagem fotográfica na produção de sentido, possibilitando aos/às estudantes nativos/as
digitais desenvolver um olhar próprio para a fotografia.
Trata-se de uma educação fotográfica na busca de desafiar os clichês e a superficialidade na
produção de imagens, na promoção de uma relação mais consciente e crítica dos/as estudantes com os
aparelhos fotográficos e as imagens por eles geradas, o que é essencial para uma participação ativa na
construção do conhecimento fotográfico.
Nesse contexto, a promoção de uma educação fotográfica fundamentada na experimentação e
na apreciação da linguagem fotográfica não é apenas uma estratégia pedagógica, mas um convite para
uma jornada mais profunda de descoberta e questionamento. Ao incentivar os estudantes a
desenvolverem um olhar autêntico para a fotografia, estamos capacitando-os a ir além do registro
superficial, a desbravar os territórios da expressão individual e a desafiar os padrões estabelecidos.
No cerne dessa abordagem, encontra-se o desafio de romper com os clichês que muitas vezes limitam
a criatividade e a originalidade na produção de imagens. A educação fotográfica proposta não se
contenta com a reprodução passiva de técnicas, mas busca instigar uma reflexão profunda sobre o
papel das imagens na construção do conhecimento e na formação da percepção individual e coletiva
dos sujeitos.
É papel fundamental da arte provocar questionamentos, instigando um posicionamento crítico
diante do mundo, frente a uma cultura de excesso e saturação de imagens. Assim, conhecer e
vivenciar a origem da técnica fotográfica, a arqueologia da fotografia, sobretudo no que se refere à
captação e projeção das imagens, e a sua fixação e impressão, bases que permitem aprofundar suas
interligações com a fotografia contemporânea, problematizando a imagem técnica, suas
possibilidades visuais e seus significados sociais torna-se um passo importante para reflexã o
filosó fica das alteraçõ es de nossas formas de ver e perceber o mundo em relaçã o com os
dispositivos técnicos de imagem.
Ao promover uma relação consciente e crítica dos/as estudantes com os aparelhos
fotográficos, não apenas estamos capacitando-os a dominar as ferramentas tecnológicas, mas também
a compreenderem o impacto social e cultural de suas criações. A consciência sobre a responsabilidade
ética na produção de imagens torna-se, assim, um componente essencial para uma participação ativa
na construção do conhecimento fotográfico, contribuindo para a formação de cidadãos mais éticos e
culturalmente informados. Essa abordagem, que transcende o mero ensino técnico, prepara os
estudantes não apenas para os desafios contemporâneos da sociedade visual, mas também para se
tornarem agentes de mudança e interpretação crítica do mundo ao seu redor. Ao adotarmos uma
educação fotográfica que valoriza a experimentação, a fruição e a consciência, estamos, em última
instância, contribuindo para a formação de indivíduos que não apenas capturam imagens, mas que as
compreendem como poderosas ferramentas de comunicação e expressão social, moldando assim um
futuro mais consciente e culturalmente enriquecido.

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