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Desde o final dos anos 60 ressurgiu o interesse, entre artistas e arquitetos, por fotomontagens
e collage. A recorrência a esta técnica de representação, típica dos anos 20 e 30 se faz,
sobretudo para expressar de uma maneira mais satisfatória o que a pintura e o desenho
arquitetônico já não podiam representar: as novas criações
artístico-arquitetônicas.Coincidentemente, esse gosto pela manipulação das imagens se
manifesta em dois períodos muito expressivos do nosso século. Primeiro nos anos 20 e 30 com
a democratização da fotografia e de seu processo de reprodução em larga escala, e no final
dos anos 60, com o advento em massa da televisão.
Estes dois marcos refletem uma mudança que já havia começado, no pensamento moderno e
do próprio sentido da história. São poucos os filósofos e estudiosos que perceberam que o
pensamento moderno essencialmente conceitual, começou a mudar desde o início do século,
por uma forma de pensamento analógico, não linear, que tem seu correlato e objeto de
conhecimento no poder da imagem. A fotomontagem/collage é por sua própria característica
a técnica de representação da sociedade pós-industrial, na qual a imagem desempenha a
função de informação através dos meios de comunicação de massas.
FOTOGRAFIAS
A fotografia foi a herdeira lógica da perspectiva porque, entre outras coisas, baseia-se em seus
pressupostos técnico-teóricos. Na realidade, a fotografia foi a mecanização da pintura em
perspectiva, e do princípio do olho fixo. Ela rompeu as barreiras criadas pela letra impressa e
também quebrou o equilíbrio da linguagem oral e escrita.
1
Texto produzido em 1988. Barcelona
2
Susan Sonatg. Sobre la fotografía. Barcelona: EDHASA, 1981, p.101.
escura e a objetiva da máquina fotográfica são praticamente a mesma coisa. A perspectiva
ideal coincide substancialmente com a redução fotográfica: ambas são sistemas de projeção
baseados na intersecção plana de uma pirâmide de raios visuais-luminosos. O espaço visual
monocêntrico dos artistas do quatrocentos teve seu correspondente no espaço escuro da
câmara de nosso século. Assim, o espaço plástico do renascimento não desaparece no século
XX, ao contrário, com a chegada da fotografia em sua redução estática e mono focal da
realidade a perspectiva alcança uma dimensão universal.
A visão fotográfica, quando se examina suas pretensões, evidencia antes de tudo a prática de
uma espécie de visão dissociativa, um hábito subjetivo que a câmara e o olho enfocam e
julgam a perspectiva. Lyotard, observou que: “o espaço do aparelho fotográfico é um espaço
ortogonal que cumpre com as leis da ótica clássica, mas o espaço visual é um espaço curvo. E,
o que chamamos percepção difusa nada mais é que a curvatura estimada deste espaço a partir
do preconceito euclidiano.”3
Tais discrepâncias não passaram inadvertidas para o público nos primeiros dias da fotografia.
Uma vez acostumados a pensar fotograficamente, deixou-se de falar da distorção fotográfica.
As câmaras não se limitaram a possibilitar novas apreensões visuais, mas mudaram a visão,
pois fomentaram a idéia da visão pela Visão.
A fotografia é uma imagem técnica, como frisou Vilém Fluser, e sua função é a de emancipar a
sociedade da necessidade de pensar conceitualmente. A fotografia tem a reputação duvidosa
de ser a mais realista das artes miméticas. Os textos podem mentir; e também desmentir o
que vemos com nossos próprios olhos, porém nenhum texto pode restringir ou assegurar
permanentemente o significado de uma imagem. A fotografia ao representar o mundo como
uma pretensa realidade retratável antepõe-se entre o mundo perceptivo e o mundo objetivo,
como um discurso autoritário da verdade dos acontecimentos e fatos.
A reprodução mecânica da imagem atrasou-se por carência de um meio ágil e rentável como
era a imprensa. E assim a imagem seguiu sendo artesanal até o final do século XIX, quando
Talbot começou a produzir os kalotipos, e a fotografia pode enfim ser reproduzida.
Em 1888 a revelação das fotos e a reposição de filmes se faziam na fábrica. Porém, neste
mesmo ano George Eastmann lançou sua famosa câmara Kodak, ao preço de 25 dólares, e em
1895, lançou a Kodak Pocket. Em 1900 lançou uma câmara destinada às crianças: a Kodak
Brownie. A máquina fotográfica passava, assim, a tomar parte no elenco de objetos adquiríveis
por todas as famílias de classe média. O lema da Kodak – “aperte o botão e nós faremos o
resto”- permitiu a privatização total da imagem. Todos os momentos memoráveis de cada um
podiam ser registrados. Com isso, acabou-se definitivamente, por um lado, com o monopólio
adquirido por certos grupos sociais da biografia em imagem, e por outro, a tirania secular do
especialista em retratar os ícones socialmente válidos. Começava a era da reprodução em
massa das imagens.
3
Jean François Lyotard. Discurso, figura. Barcelona. Editorial Gustavo Gili, 1979, p.167.
4
Dawn Ades. Fotomontaje. Barcelona: Bosch Casa Editorial SA, 1977, p.16.
invenção do aparelho fotográfico é o ponto de partida do qual a existência humana vai
abandonando a estrutura do deslizamento linear, própria dos textos, para assumir a estrutura
do salto quântico, próprio dos aparelhos. O aparelho fotográfico é a fonte da robotização da
vida em todos os seus aspectos, desde os gestos exteriorizados ao mais íntimo dos
pensamentos, desejos e sentimentos. Quem crê ser possuidor do aparelho é, na realidade,
possuído por ele.”5
Pensamos fotograficamente. Somos manipulados por imagens. Nossos pensamentos hoje são
derivados quase das imagens fotográficas, a fotografia é nosso modelo, foi ela que nos
preparou para pensar assim. Hoje tudo tenta ser fotografado, a maioria das obras de arte
inclusive a arquitetura se conhece através de cópias fotográficas, a fotografia transformou
decisivamente as artes tradicionais e as normas de gosto tradicionais. Boa parte dos arquitetos
hoje ainda aspiram que suas arquiteturas sejam fotografadas, reproduzidas, divulgadas,
vulgarizadas. Toda ‘arquitetura objetiva’ tem como objetivo ser fotografia. Ironicamente, ao
mesmo tempo, a fotografia aspira ser arquitetura, no sentido de memória, de monumento,
uma representação duradoura.
COLLAGE
Com o advento da fotografia surgiu também sua manipulação, uma saída para esta condição
da imagem. No final do século XIX, e início do século XX, recortar e colar imagens fotográficas
convertia-se num passatempo popular, se fazia collages em álbuns de fotografias, cadernos
escolares, postais cômicos, etc.
Em seu início, a collage foi um procedimento pouco conhecido e utilizado, não tinha
identidade e saber próprio.6 Em geral há pouco acordo entre artistas e historiadores sobre a
definição de Fotomontagem e Collage, mas na realidade elas expressam quase a mesma coisa.
Recentemente a palavra fotomontagem é mais usada em relação aos procedimentos
fotográficos, com as técnicas de laboratório, como a impressão de dois ou mais negativos, do
que com a prática de recortar e agrupar fotografias como se fazia nas fotomontagens Dadás
originais.
5
Vilém Flusser. Filosofia da Caixa Preta. São Paulo: Hucitec, 1985, p.73.
6
Vide por exemplo as “Fotografias Compostas” de Oscar Rejlander, e Henri Robinson, ou mesmo as collages de
Disderi.
com papéis que imitavam madeira e mármore e os empregava na superfície de suas telas
(papiers collés).
“A fotomontagem Dadá foi inventada no contexto da Collage, ainda que contra a Collage. Está
claro que o nome foi escolhido para distanciar as duas atividades, e os dadaístas viram um
potencial muito distinto na nova técnica. Para os cubistas o selo de correio, o jornal ou a caixa
de fósforos que o pintor introduzia em seus quadros possuíam o valor de uma prova, um
instrumento de controle da realidade mesma da pintura....... ...para os dadaístas e
surrealistas a collage é um procedimento poético, completamente oposto em sua finalidade a
Collage cubista. Para os cubistas o elemento colado é valorizado por suas qualidades
materiais. Para os surrealistas o elemento é valorizado por suas qualidades figurativas, em que
o objeto representado desempenha o papel de uma palavra, de um significado.”7
7
Dawn Ades, op.cit., p.8.
8
Hans Richter. Historia del dadaísmo. Buenos Aires:Editora Nueva Visión, 1973, p.124.
9
Sérgio Cláudio de Franceschi Lima. Collage em nova superfície. São Paulo: Editora Parma Ltda. 1984, p.29.
deslocamento do significado da imagem, como é o caso dos grafismos aplicados aos objetos e
imagens que tem por objetivo desviar o significado primeiro. Collage não consiste apenas em
recortar com tesoura. Quem corta são nossos olhos que circulam sobre a superfície das
imagens em busca de um significado.
Collage cidade
Se algo se colocou a descoberto com a fotomontagem urbana dos dadaístas foi precisamente a
ligação do universo técnico e metropolitano com as condições do fragmentário, figura
predileta da modernidade. A grande cidade, enquanto metáfora do caos e da indiferença
ótica, culminava em fotomontagens como a Dada-Mérica e a Dada-fotomontagem, de George
Grosz. Mas, em todo o caso, Paul Citroen é o iniciador de algumas Collages que configuravam a
imagem da grande cidade. Paul Citroen fez suas primeiras Collages sobre a cidade em 1923,
colando fotografias recortadas e postais de casas, janelas e escadas. Há nestas imagens da
série Metrópolis uma sensação de espaço vertiginoso, com uma perspectiva em vista de
pássaro de uma rua que segue até perder-se no centro, rodeada de perspectivas de edifícios
em ângulos exagerados que se prolongam até o que os olhos são capazes de ver.
Os Construtivistas Russos apreciavam a Collage por razões muito similares aos dadaístas
berlinenses. Muitos dos grandes projetos arquitetônicos concebidos na Russia na década de 20
não chegaram a ser construídos , talvez o mais importante deles, o Wolkenbügel, de El
Lissitzky, que o apresentou sob a forma de uma collage /fotomontagem como se tivesse sido
erigido na Praça Nikitsky em Moscou.
A Collage Wolkenbügel mostra o edifício desde o ponto de vista do indivíduo que passeia pela
rua, na altura dos olhos, e surpreendia por seu fantástico realismo baseado nas leis da ótica
fotográfica, tornando aparentemente real o que era somente um projeto.
Canaleto no século XIX já havia se servido do procedimento da Collage em suas paisagens, suas
vedutas de Veneza, inserindo na paisagem da cidade, edifícios imaginados por Palladio para
um contexto diferente. Piranesi no século XVIII também se serviu da técnica de montagem
para retratar as ruínas romanas.
Com o advento da fotografia a pintura realista-ilusionista, que havia iniciado sua trajetória no
século XV e que teve seu apogeu no século XIX com os vedutistas e românticos, foi obrigada a
ceder seu espaço de representação às imagens técnicas, e somente lhe restou estabelecer
novas direções rumo ao abstrato (kandinsky) e ao geométrico (Mondrian), ou ao seu fim com
Malevitch
Com os desenhos arquitetônicos dos séculos XVIII e XIX se passou quase o mesmo, nas
primeiras décadas do século XX também perdem um pouco de sua significação, seu sentido, e
passam a tomar novas configurações. Representam agora, aquilo que a perspectiva pictórica
arquitetônica ilusionista já não podia mais representar por sua impotência frente à fotografia.
Assim vão buscar no desenho técnico e artístico das axonométricas e das perspectivas
explodidas e decompostas seu novo lugar de saber.
A fotografia havia dado um forte golpe nos antigos modos de representar e ver a arquitetura.
A manipulação das imagens técnicas evidenciava aquilo que não era mais possível representar
através do desenho, da pintura e da própria fotografia.
No final dos anos 60 a Collage refletia as aspirações das utopias tecnológicas, culturalistas e
ecológicas; e havia se tornado um instrumento eficaz de representação nas mãos, por
exemplo, do Archigram, Smithsons, Yona Friedman, Superstudio, Buckminster Fuller, Hans
Hollein, Arata Isozaki e outros.
“Muitos artistas fazem montagens; quer dizer, com fotografias e inscrições compõem
paginas inteiras, que logo são reproduzidas na imprensa por procedimentos fotográficos.
Desta maneira desenvolveu-se uma técnica eficaz e simples muito fácil de ser usada que, por
essa razão, pode transformar-se numa rotina aborrecida, mas que em mãos fortes pode ser o
método mais feliz para conseguir a poesia visual.” (El Lissitzky)10
10
citado em Dawn Ades, op.cit., p.18.
se protegeram dos textos refugiando-se em museus e exposições, deixando assim de participar
da vida cotidiana. Por outro lado surgiram os textos hermético-científicos, inacessíveis ao
pensamento conceitual popular. A tarefa das imagens técnicas é de estabelecer um código
geral para reunificação da cultura. Mais especificamente, o propósito das imagens técnicas era
reintroduzir as imagens na vida cotidiana, tornar imagináveis os textos hermético-cientificos,
tornar visível a magia que se escondia nos textos baratos. Na realidade a revolução das
imagens técnicas tomou uma direção distinta: não tornaram visível o conhecimento cientifico,
mas o que o distorce, não reintroduziram as imagens tradicionais, mas as substituíram. As
imagens, agora, passam a ser falsas, não reunificaram a cultura, só fundiram a sociedade em
uma massa amorfa.
Todo ato cientifico, artístico e político, inclusive a arquitetura, como já foi dito, visa
eternizar-se em imagens técnicas, visa ser fotografadas, filmadas, videoteipadas. Estar num
universo fotográfico é viver e agir em função de fotografias, quer dizer existir em um mundo
mosaico fotográfico.”11
Mas, ao recortar, manipular as fotografias se rompe com a inércia das imagens. O corte, a
montagem, revelam a imagem, a desviam de seu contexto, a segregam e extirpam seu
significado. Fazer Collage é, pricipalmente, um modo de descortinar a idolatria às imagens
técnicas de toda espécie
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11
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Dada-mérika, 1919
http://www.towson.edu/heartfield/images/dada_merica.jpg
Paul Citroen (1896-1983).
Metropolis., 1923. Collage, 29-7/8 x 23-1/4 in. (76 x 59 cm). Prentenkabinet der
Rijksunversiteit, Leiden, the Netherlands. c 1997 Paul Citroen/Licensed by VAGA, New York.
ARCHIGRAM WALKING CITY
El.lissitsky.wolkenbugel
http://web.ncf.ca/ek867/el.lissitsky.wolkenbugel.jpg
Soprastructure over Vienna, Hans Hollein, 1960 - Collection Centre Georges Pompidou, Paris
http://www.eikongraphia.com/?p=1838