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FILEMON: O PODER TRANSFORMADOR DO EVANGELHO

DA GRAÇA DE DEUS

Carlos A. Martinez

Professor: Dr. Manuel Alexandre Júnior

Exegese apresentada para cumprir as exigências da Unidade Hermenêutica


Bíblica e Metodologia Exegética do Curso de Master of Teological Studies

Seminário Teológico Baptista

Queluz, Novembro de 2017

0
1. Introdução

A carta de Paulo a Filemom é uma das mais pessoais e curtas (335 palavras em grego) do
apóstolo. Escrita possivelmente entre os anos 61 a 63 da era cristã, em Roma.

A carta é única em muitas maneiras. A pesar da sua curta extensão, a carta é considerada uma
«epístola», um documento escrito para ser ouvido em público 1. Nela, é possível conhecer o
caráter e os dons de Paulo; um cristão transformado pelo evangelho de Jesus Cristo, sendo
cheio de consideração, discrição, graciosidade e calor afetivo. Não obstante, ela é investida de
firmeza e autoridade apostólicas2.

A carta e escrita a um crente de Colossas, chamado Filemom. Ele deve ter se rendido a Cristo
durante os três anos que Paulo permaneceu em Éfeso, no transcorrer de sua terceira viagem
missionária. Ele tinha um escravo chamado Onésimo quem cometera um ato injusto contra
seu senhor; Onésimo entrou de alguma maneira em contato com Paulo, ou como companheiro
de prisão ou porque procurara refúgio na companhia de Paulo.

Este trabalho consistirá em tentar averiguar o que quer comunicar a carta e o efeito que pôde
provocar sua recepção nos leitores contemporâneos. A análise seguirá a ordem do texto,
tratando de identificar as unidades de sentido ou parágrafos que o compõem e a relação que
existe entre eles. A divisão proposta é como segue:

1. Uma vida transformada (1-3)

2. O elogio do evangelho (4-7)

3. O amor que intercede (8-10)

4. Uma vida que ganho proveito no evangelho (11-14)

5. Uma nova relação em Cristo (15-17)

6. Sublime intercambio (18-20)

7. Saudações Finais (21-25)

1
Ralph P. Martin. Colossenses e Filemom: Introdução e comentário. 1984, p 153
2
Ibid, p 154

1
2. Estrutura quiástica da Carta

A: Saudações 1-3

B: Acção de graças 4-7

C: A nova relação de Paulo-Onésimo

E: Interceção por Onésimo 8-15

X: Afirmação da fraternidade em Cristo 16

C’: Afirmação da amizade Pablo- Filemom 17-21

B’: Orações da comunidade por Pablo 22

A’: Saudação y despedida 23-25

3. O contexto social da carta. A escravidão.

A escravidão era uma instituição aceita no seculo I no império romano. A escravatura romana
estava relacionada com os prisioneiros de guerra, o pagamento de dívida bem como a
retribuição por atos criminosos. Apesar das diferenças nos sistemas de escravatura, todos têm
um elemento em comum: a perda de liberdade pessoal a favor aos serviços obrigatórios.

Onésimo era um dos escravos de Filemom (vs. 15-16). De acordo com o que se pode entender
pela carta escrita pelo apóstolo Paulo, ele havia fugido do seu dono, e não saiu de mãos
vazias. Deu algum prejuízo ao mesmo (v.18). Calvino afirma que, à luz do termo “prejuízo”
pode-se inferir que Onésimo havia furtado algo do seu senhor 3. Talvez, tenha roubado alguma
quantia em dinheiro ou bem valioso.

A pergunta que surge ao estudar a carta de Filemom é: Qual é a posição do Novo Testamento
perante a escravidão? Porque parece que Paulo não condena esta instituição de forma direta?
Richards refere que no Seculo I, a identidade era unicamente uma função do status social.
Uma pessoa era definida pelo papel que tinha na sociedade. Por exemplo, o cidadão romano
era «alguém», porque tinha a cidadania e a riqueza4. O evangelho confrontou esta realidade
com as boas novas de que a identidade esta «em Cristo», e os homens e mulheres, livres e
escravos, passam a ter comunhão em igualdade exclusiva.

3
Calvino, João. Pastorais: série comentários bíblicos. São José dos Campos: Fiel, 2009, p. 380.
4
Richards, Lawrence O. Comentário Histórico-cultural do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2008, p 489

2
Paulo não trata o tema da escravidão diretamente, e nem sequer se pode dizer que exerça um
julgamento sobre ela, nem para a justificar nem para a condenar. Porque? Richards oferece
três motivos: Em primeiro lugar, a verdadeira preocupação do cristão e ser um homem ou uma
mulher de Cristo. Em segundo lugar, a posição de alguém é uma dádiva de Deus (1 Coríntios
7:20). A terceira razão é que cada crente deve cumprir qualquer obrigação exigida por sua
posição social como testemunha da graça de Deus5. A capacidade do cristão de viver uma vida
devota «em qualquer circunstancia». Ainda que injusta, é testemunho brilhante do poder que
Cristo tem para satisfazer e encher o coração com alegria.

4. Estudo exegético

1) Uma vida transformada


1
Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, e o irmão Timóteo, ao amado Filemom, nosso
companheiro de trabalho, 2à nossa irmã Áfia, a Arquipo, nosso companheiro de lutas, e à
igreja que está em tua casa: 3Graça e paz a vós da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor
Jesus Cristo.

A diferença de outras cartas, Paulo se apresenta como prisioneiro de Cristo Jesus (δεσμιος
χριστου ιησου), o que pode indicar tanto a sua condição de preso em Roma, como o
reconhecimento do apostolo a sua condição de servo (escravo) de Jesus Cristo, a quem Paulo
pertencia. Ao mesmo tempo, é uma preparação para a apresentação do pedido que é o
propósito da carta. A menção de Timóteo é “num gesto de fidalguia e consideração, a carta é
pessoal”6.

O destinatário da carta é Filemom, a quem o apostolo indica como cooperador, um termo


frequentemente usado por ele para designar a seus colaboradores na obra do evangelho (Rm
16:3, 9, 21; 1 Co 3:9; Fp 2:25; 4:3; Cl 4:11).

A carta se dirige a Filemom, mais o apostolo inclui de um modo especial a comunidade ao


mencionar aos demais cristãos que estão junto a ele. Assim e nomeada Áfia, muito
provavelmente sua esposa, porque o nome dela segue imediatamente depois do nome dele,
que conforme a costume da época, cuidava dos negócios do lar, e precisava saber também o
que Paulo tinha que dizer sobre Onésimo.

5
Richards, 489
6
Lopes, Hernandes Dias Tito e Filemom; doutrina e vida, um binômio inseparável, p 145

3
Arquipo, a quem chama “companheiro de lutas”, possivelmente era filho de Filemom e pastor
da igreja de Colossas, segundo Colossenses 4:17. Συστρατιώτης (companheiro de armas), só a
Epafrodito se designa da mesma maneira.

Dado que no primeiro e segundo século os edifícios para templos como os concebemos hoje
em dia ainda não estavam disponíveis, as famílias celebravam serviços em suas próprias
casas7 (Rm 16:5, 23; 1 Co 16:19), e talvez a igreja na casa de Filemom fosse uma das duas
congregações de Colossos (Cl 4:15). O facto de Paulo nomear a igreja na casa de Filemom,
indica que a carta, porem seja pessoal no seu tom, tinha o propósito de preparar a igreja para
acolher também ao escravo fugitivo, porque na ideia de Paulo a mesma e uma grande família,
onde não existem diferenças, jerarquias ou privilégios.

A expressão “graça e paz” é tipicamente paulina. Χαρις, graça, bondade misericordiosa pela
qual Deus, exercendo sua santa influência sobre as almas, volta-as para Cristo, guardando,
fortalecendo, fazendo com que cresçam na fé cristã, conhecimento, afeição, e desperta-as ao
exercício das virtudes cristãs8. Ειρηνη, fé, a convicção de estar reconciliados através do
sangue da cruz, verdadeira saúde e prosperidade espirituais; estas duas bênçãos (graça e paz)
descem de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo9.

2) O elogio do evangelho
4
Sempre que me lembro de ti em minhas orações, dou graças ao meu Deus, 5pois tenho
ouvido do amor e da fé que tens para com o Senhor Jesus e para com todos os santos. 6Oro
para que o compartilhar da tua fé seja eficaz, pelo pleno conhecimento de que todo o bem
que temos está em Cristo. 7Pois tive grande alegria e consolação por causa do teu amor, pois
por meio de ti, irmão, o coração dos santos tem recebido ânimo.
E costume de Paulo começar sus cartas com palavras de gratidão e louvor a Deus, com
exceção de Gálatas. O apostolo diz que sempre (πάντοτε) que orava, lembrava-se de Filemom
por ter ouvido testemunhos, muito possivelmente de Epafras e Onésimo, de que ele era um
homem de amor e de fé, tanto para com Jesus Cristo quanto para com o povo de Deus,
virtudes que em Filémon são algo habitual, não pontual; e são algo reconhecido entre os
demais cristãos, os santos. O anterior surge de entender que neste texto aparece um quiasmo
em onde se relaciona a fé com o Senhor Jesus Cristo e o amor com todos os santos. Uma
7
Hendriksen, William. Comentario al Nuevo Testamento: Colosenses y Filemón. Grand Rapids: Libros Desafio,
2007, p 241
8
Dicionário Bíblico Strong. Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong
9
Hendriksen, p 242.

4
manifestação prática de sua crença no Senhor tem sido evidente em Filemom ao mostrar amor
para os crentes. Agora se acrescenta este elemento de amor para os outros cristãos como uma
base para tratar o caso de Onésimo (que mais adiante é apresentado como crente).
Paulo descreve o conteúdo da sua oração por Filemom. Este versículo presenta alguma
dificuldade na sua interpretação; Calvino, acredita que o apostolo esta se referindo as bênçãos
que ele pide a Deus para o Filemom. Que, como fruto de conhecer a Cristo, sua fé,
convertendo-se em boas obras, por si só provasse ser genuína e frutífera. Ele a qualifica como
“a comunhão de tua fé”, visto que a fé não permanece inativa e escondida, mas se manifesta
aos homens através de seus frutos. Pois ainda que a fé tenha sua residência secreta nos
recessos do coração, ela se comunica com os homens através das boas obras. 10. Isto é possível
porque “porque é Deus quem produz em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua
boa vontade.” Filipenses 2:13.

Neste versículo se encontram um conjunto de elementos importantes para a carta. O amor de


Filemom era prático: ele "reanimava" os santos por meio de suas palavras e de seu trabalho.
Isso alegrava o coração do apostolo na situação que ele se encontrava.

O encerramento desta pequena oração de Paulo ocorre com uma palavra simples, αδελφε, mas
isso diz muito: o selo que define o relacionamento que deve existir entre os cristãos.

3) O amor que intercede


8
Embora eu tenha plena liberdade em Cristo para te ordenar o que deves fazer, 9prefiro pedir-
te confiado no teu amor. Eu, Paulo, já velho e agora também prisioneiro de Cristo
Jesus,10venho interceder por meu filho Onésimo, que gerei na prisão.

Paulo não usa a autoridade de apóstolo para impor sua vontade a Filemom. Pelo contrario,
apela a duas situações: ele esta velho, e ao mesmo tempo, ele e um prisioneiro. Este é outro
lado do Paulo real que não se vê com frequência em suas cartas. Paulo podia ser muito dócil
em pessoa. E isto não deveria surpreender. Após tudo, Paulo lutava para ser como Cristo,
quem sim sabia quando ser forte e quando ser dócil.

Mais interessante ainda, é que ele estabelece um relacionamento muito pessoal com Filemom,
por isso, ele o chama amado, companheiro de trabalho, irmão. E tudo isso com um objeto
muito claro: esta mesma relação que ocorre entre ambos, é a que pedirá que ele tenha com
Onésimo, agora que ele é um cristão.

10
Calvino. Pastorais, p 374

5
” …meu filho Onésimo, que gerei na prisão”. Onésimo nasceu de novo mediante a Palavra de
Deus pregada por Paulo enquanto estava na prisão, pelo que lhe era especialmente querido.
Calvino aclara neste ponto que “a intenção do após- tolo não era afirmar que tal coisa era
produto de seu próprio poder, senão que fora o instrumento [divino]; pois não é através de
alguma obra do homem que a alma humana é reformada e renovada na imagem de Deus, e é
desse ato de regeneração espiritual que o apóstolo está tratando”11.

4) Uma vida que ganho proveito no evangelho

11
Anteriormente ele te foi inútil, mas agora é muito útil para ti e para mim. 12Eu o envio de
volta a ti, como se estivesse enviando o meu próprio coração. 13Gostaria de mantê-lo comigo,
para que em teu lugar me servisse na prisão por amor do evangelho, 14mas eu não quis fazer
nada sem o teu consentimento, para que a tua bondade não fosse forçada, mas, sim,
espontânea.

Hernandes Dias Lopes faz a seguinte divisão da vida de Onésimo: 1) Na casa de Filemom -
sua desonestidade; 2) Em Roma - uma grande cidade de liberdades sem limites e muitas
tentações; 3) Sob a influência da pregação de Paulo — um ouvinte e um convertido; 4) Na
prisão, como um ajudante de Paulo - sua conversão se prova pelo fato de deixar as más
companhias, servir a Paulo e estar pronto a voltar ao seu senhor; 5) Na casa do seu senhor
novamente - retorno, reconciliação e alegria12. Por sua parte, Martin diz que o nome Onésimo
“é um nome comum para escravos, achado muitas vezes nas inscrições, parcialmente porque
um escravo sem nome receberia este nome de identificação…, na esperança de que vivesse à
altura do seu nome adotivo no serviço do seu dono”13

Paulo passa a fazer um jogo de palavras com o nome de Onésimo, que significa útil. O
escravo desleal e fugitivo, agora é uma nova pessoa, pelo poder do Evangelho, ainda que a
sua condição perante a sociedade não mude, pois ele ainda continua a ser um servo do seu
senhor. Agora é útil para si mesmo, pois a piedade é grande ganho, útil para Filémon como
um bom servo e um ajudante no ministério do Evangelho e útil para outros como exemplo e
testemunha da graça de Deus.14

11
Ibid, 376
12
Lopes, Hernandes Dias, 151
13
Martin, p. 170

6
5) Uma nova relação em Cristo

15
Pode ser que ele se tenha separado de ti por algum tempo, para que pudesses reavê-lo para
16
sempre, não mais como escravo; aliás, melhor do que escravo, como irmão amado,
particularmente por mim, e ainda mais por ti, tanto humanamente como também no Senhor.
17
Assim, se me consideras um irmão na fé, recebe-o como se recebesses a mim mesmo.

O versículo 16 é a declaração essencial na argumentação de Pablo. Todas as declarações


anteriores se dirigem para esta síntese. Paulo queria que Filemom recebesse Onésimo não
mais como escravo, melhor do que escravo, como irmão amado (v. 16). É interessante o
contraste criado por Paulo para chamar a atenção sobre um ponto que afeta à condição
humana adiante dos homens e adiante de Deus. O contraste dá-se entre as expressões do v. 15
προς ωραν (por algum tempo) e αιωνιον (para sempre). O verbo “receber” presente no v. 17,
significa, de acordo com Rienecker e Rogers, “tomar, receber para si, aceitar em sociedade,
ou no seu círculo de amizades”15. Esse é o objetivo do apóstolo. Ele “insiste que Filemom (o
senhor) deveria abrir mão das convenções sociais brutais que envolviam a escravidão na
Roma antiga e amar Onésimo (o escravo) como se fossem irmãos de fato” 16. O
relacionamento entre os dois deveria ser reorientado em torno da participação de ambos na
família de Deus.

6) Sublime intercambio
18
E, se ele te causou algum prejuízo ou te deve alguma coisa, lança-o na minha conta. 19Eu,
Paulo, escrevo isto de próprio punho: Eu o pagarei, para não mencionar que tu me deves a ti
mesmo. 20Sim, irmão, gostaria de ser beneficiado por ti no Senhor; dê ânimo ao meu coração
em Cristo.

Uma razão para a escravatura romana, mas não a única, era a paga de dívidas. Onésimo tinha
ainda mais dívidas que pagar já que tinha escapado e seguramente tinha roubado dinheiro para
o fazer. Paulo está assumindo formalmente todo prejuízo causado por Onésimo. De fato, o
apóstolo preenche um “cheque em branco” em favor do escravo fugitivo. Ele garante que
pagará o possível prejuízo que Onésimo pode ter dado a Filemom na fuga. Além disso, Martin
14
Henry T. Mahan. Comentario Breve A La S Epístolas. Tito, Filemón, 1 & 2 Pedro, 1,2 & 3 Juan, Judas.
Espana: Editorial Peregrino, S.A. 1989. p 39
15
Rienecker, Fritz; Rogers, Cleon. Chave linguística do Novo Testamento grego. São Paulo: Vida Nova, 1995, p.
489.
16
Thielmam, Frank. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Shedd, 2007, p. 461.

7
também lembra que a lei romana exigia que quem desse hospitalidade a um escravo fugitivo
fosse devedor ao senhor do escravo do montante de cada dia de trabalho perdido, pode ser que
a promessa de Paulo de ser fiador (v. 19) nada mais é do que a garantia dada a Filemom de
que ele pagará o montante do prejuízo incorrido pela ausência de Onésimo do seu serviço 17.
Contudo, a apostolo está a estimular a seu amigo Filemom a perdoar. Como verdadeiro
cristão, ira a perdoar a ofensa é cancelar a dívida.

Filémon converteu-se, ou diretamente pela pregação de Pablo, enquanto o amo de Onésimo


estava de visita na cidade de Éfeso e escutou ao apóstolo pregar (Atos 19:10), ou
indiretamente, através do trabalho de Epafras. Hendriksen diz que Paulo podia escrever,
“ademais tu me deves teu próprio ser”. Isto mostra que o apóstolo era um firme crente no
princípio da reciprocidade: a obrigação de devolver os favores ou bênçãos recebidas18.

O v. 20 põe o broche ao corpo da carta. Com estas palavras fica claro que Pablo está a pedir
um favor duplo: por um lado pede por Onésimo, mas por outro está a pedir por si mesmo.
Ainda que não se diz nada concreto, não parece que Paulo esteja diretamente pedindo um
favor material, mas sim espiritual: poderia referir-se sem mais ao consolo que receberá se
Filémon aceita sua petição, ou a que o motivo último que deve reger a atuação de Filémon é a
fé em Jesus Cristo, ou a um favor relacionado com o labor evangelizadora. A expressão «dê
ânimo ao meu coração» retoma o v. 7, ainda que agora a temos em imperativo. Com ela Pablo
reafirma que pede um duplo favor, para Onésimo e para ele, que no fundo é um só. O motivo
para concedê-lo apoia-se em Jesus Cristo.

7) Saudações Finais

21 22
Escrevo-te confiado na tua obediência, sabendo que farás ainda mais do que peço. Ao
mesmo tempo, prepara-me também hospedagem, pois espero que pelas vossas orações serei
23
levado de volta a vós. Epafras, meu companheiro de prisão em Cristo Jesus, te
cumprimenta, 24assim como Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus cooperadores.
25
A graça do Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito.

A palavra υπακοη ainda que ordinariamente traduz-se por «obediência», neste caso é mais
suave, porque de outro modo não concordaria com o tom da carta, onde Pablo insiste tanto em
não usar sua autoridade de apóstolo (8-9). A obediência à que Paulo se refere é a obediência
17
Martin, 1984, p. 154.
18
Hendriksen, p 255

8
ao evangelho. É ao ouvir com atenção as demandas de Deus tal como se expressam no
evangelho (cf. Rm. 10:16; Fil. 2:12; 2 Ts. 3:14). É, por tanto, algo mais que o simples facto de
atender o conselho de Pablo e aceder a sua petição19.

Paulo não só «confia» em seu amigo, ele «sabe» que ouvirá sua petição. Paulo conhecia o
caráter de Filemom (v. 5) e sabia que ela era um cristão comprometido. O evangelho que
Paulo anunciava ensinava que aqueles que foram gratuitamente abençoados por Cristo,
também devem demonstrar bondade para com os outros.

Pablo anima a Filemom a que ore por sua libertação para que possa ir a Colossas. Da mesma
forma na que Pablo começa seu diálogo com Filemom em oração, assim o termina também. A
diferença é que lhe esta pedindo a Filemom que ore por ele.

A comunidade de fé é importante para o apostolo. Por isso ele inclui na carta seus
colaboradores mais íntimos, o que é um facto interessante, porque eles conhecem o conteúdo
da carta e concordam com Paulo em todo.

Conclusão

O tema da carta trata das relações humanas transformadas pelo evangelho: relações laborais
(senhor-escravo), fraternais (amigos e irmãos) e comunitárias «em Cristo».

O fio da carta, poderia ser como segue: Paulo escreve a seu amigo Filemom para pedir-lhe
que receba como irmão amado no Senhor ao escravo Onésimo. Este se afastou de seu amo,
Filemom, e o prejudicou de algum modo. Paulo intercede por Onésimo, respeitando o
relacionamento jerárquico entre os dois. Mais o apostolo vá mais alem, ao mudar a situação
ao nível de relação cristã «em Cristo», ao escrever a carta ao «amado irmão» e a «igreja».
Paulo trata o problema em forma muito cuidadosa. Onésimo segue sendo escravo de
Filemom, já que dentro da comunidade cristã, em Cristo, todos somos iguais, mas a cada um
segue conservando sua própria função na sociedade. Filemom segue tendo um servo, ainda
que agora deve o acolher publicamente, perante a comunidade cristã, como um mais da igreja
doméstica; é mais, deve tratá-lo como se fosse Paulo mesmo. O apóstolo pede-lhe agora o que
fez já em outro tempo, com um jogo de palavras: a fé de Filemom obrou aliviando-lhe; agora
deve aliviar de novo seu coração fazendo-lhe o favor de acolher a suas mesmas entranhas,
Onésimo. Tudo isto, o apostolo o faze em um espirito de cordialidade, sem impor a sua
autoridade como apostolo.
19
Hendriksen, p 255

9
O resultado é um reflexo da forma de vida que tem que ser evidente nos cristãos. A carta
apresenta um ótimo exemplo do poder do evangelho de Jesus Cristo. Paulo escreve uma carta
pessoal, mas esta a pensar ao mesmo tempo na comunidade cristã, ao citar a homens e
mulheres de provada fé no inicio e no final, e ao encorajar aos crentes a perseverar na fé e no
amor. Ele está a buscar formar a consciência dos cristãos, ao tratar da vontade mais também
iluminar o entendimento. Em outras palavras, o apostolo esta a promover o obrar da graça no
relacionamento de Filemom e Onésimo, e na vida de todo cristão.

A graça nos faze iguais «em Cristo», filhos de um mesmo Pai, e por tanto, irmãos. Cristo é o
fundamento e a motivação, o sentido da vida cristã. Ao entrar em contato com Cristo, toda a
vida muda, se transforma. A conversão, a fé em Jesus Cristo, da uma nova identidade ao
homem. Paulo descreve-a de uma forma muito gráfica: o ser gerados de novo. É uma
mudança radical, que tem consequências não só internas, mas também externas,
concretamente na relação com Deus e com os demais homens.

BIBLIOGRAFIA

Bíblia Almeida Século 21. São Paulo: Editora Vida Nova, 2013

10
Calvino, João. Pastorais: série comentários bíblicos. São José dos Campos: Fiel, 2009.

Dicionário Bíblico Strong. Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong. São Paulo:
Sociedade Bíblica do Brasil, 2002.

Hendriksen, William. Comentario al Nuevo Testamento: Colosenses y Filemón. Grand


Rapids: Libros Desafio, 2007.

Henry T. Mahan. Comentario Breve a las Epístolas. Tito, Filemón, 1 & 2 Pedro, 1, 2 & 3
Juan, Judas. Espana: Editorial Peregrino, S.A. 1989.

Lopes, Hernandes Dias. Tito e Filemom; doutrina e vida, um binômio inseparável. São Paulo:
Hagnos, 2009.

Ralph P. Martin. Colossenses e Filemom: Introdução e comentário. São Paulo: Sociedade


Religiosa Edições Vida Nova E Associação Religiosa Editora Mundo Cristão, 1984

Richards, Lawrence O. Comentário Histórico-cultural do Novo Testamento. Rio de Janeiro:


CPAD, 2008.

Rienecker, Fritz; Rogers, Cleon. Chave linguística do Novo Testamento grego. São Paulo:
Vida Nova, 1995.

Thielmam, Frank. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Shedd, 2007.

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