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CAPÍTULO
Choque
8
Herlon Saraiva Martins
Eduardo Martins Zincone
Irineu Tadeu Velasco
8 ■ CHOQUE 115
A palpação dos quatro pulsos periféricos pode trazer Quando se suspeita de casos em que o inotropismo está
informações como assimetria de pulsos, compatíveis com agudamente comprometido, torna-se obrigatória a exclusão
diagnósticos de dissecção de aorta torácica ou de doença de síndrome coronariana aguda. Assim, perguntar ativa-
arterial periférica. mente por dor torácica, por fatores de risco para doença car-
diovascular (hipertensão arterial sistêmica – HAS, diabetes
Sistema venoso mellitus – DM, dislipidemia – DLP, tabagismo, antecenden-
te familiar), realizar um eletrocardiograma e colher marca-
O sistema venoso constitui o lado de menor pressão, e a dores de necrose miocárdica.
pressão venosa é determinada basicamente pela capacitância
do sistema venoso e pelo grau de seu enchimento. Má perfusão periférica
Estes podem ser avaliados através da observação estima-
tiva do grau de estase jugular ou, de forma invasiva, pela O resultado do bom funcionamento do sistema cardio-
pressão venosa central (PVC). A pressão venosa média e a vascular é a boa perfusão dos demais órgãos e sistemas. As-
pressão de átrio direito influenciarão o retorno venoso (RV) sim, a avaliação deste sistema envolve necessariamente a ava-
ao coração, determinando o enchimento ventricular. Situa- liação da perfusão tecidual. Caracterizar má perfusão é muito
ções que aumentem a pressão venosa média (p. ex., hipervo- mais do que caracterizar hipotensão. Assim, uma vez realiza-
lemia iatrogênica ou secundária à insuficiência renal oligo- dos os passos iniciais para o paciente potencialmente grave
anúrica) ou que aumentem a pressão de átrio direito (por conforme descrito previamente, o paciente com suspeita de
exemplo: insuficiência cardíaca, tamponamento cardíaco) choque deve ser avaliado especificamente para se obter o
frequentemente se apresentam com estase jugular. diagnóstico preciso, ao mesmo tempo em que recebe as pri-
meiras medidas terapêuticas.
Cronotropismo Deve-se procurar por sinais indicativos de estados de má
perfusão, em geral associados com disfunção orgânica aguda,
O cronotropismo é facilmente avaliado pela medida da como hipotensão, taquicardia, oligúria etc. (Tabela 3).
frequência cardíaca. Bradiarritmias são causas importantes Os estados de choque podem ser classificados em car-
de situações de baixo débito cardíaco, e uma vez suspeitadas, diogênicos, distributivos, hipovolêmicos ou obstrutivos
devem ser prontamente confirmadas e corrigidas, através de (Tabela 4 e Algoritmo 1).
eletrocardiograma e de intervenções específicas (marcapasso
transcutâneo, atropina etc.). Taquiarritimias diminuem o Variáveis hemodinâmicas
tempo de enchimento ventricular, comprometendo assim o
DC. Estas situações são especialmente importantes quando a As variáveis de pressão que podem ser obtidas incluem
frequência cardíaca é superior a 150 bpm. Do mesmo modo, pressão de artéria pulmonar, pressão de oclusão de artéria
devem ser rapidamente confirmadas e corrigidas. pulmonar e pressão venosa central. O cateter de artéria pul-
monar também permite medir variáveis derivadas de fluxo,
Inotropismo como débito cardíaco e volume sistólico.
Características dos parâmetros:
A avaliação do inotropismo requer mais recursos. Em
uma avaliação inicial durante um atendimento a uma ■ Pressão de oclusão de artéria pulmonar: em indivíduos
emergência a ausculta cardíaca é rápida, não-invasiva e sem alteração de complacência cardíaca, correlaciona-se
pode trazer informações importantes. É importante que com a pressão de enchimento do ventrículo esquerdo, po-
seja realizada pelo menos nos quatro focos principais, aten- rém esse fato não ocorre nos pacientes críticos, pois eles
tando-se especialmente para: ritmicidade, sopros, presença comumente apresentam alterações de complacência. Di-
de 3a bulha ou de abafamento de bulhas. A presença de ter- ferentemente dos valores absolutos, as tendências dos va-
ceira bulha traz informações extremamente relevantes e es- lores após as intervenções são mais úteis.
pecíficas. O mecanismo que causa B3 ou ritmo de galope ■ Débito cardíaco (DC): caracteriza-se como o produto do
envolve a diminuição da fração de ejeção sistólica, fazendo volume sistólico (VS) versus frequência cardíaca (FC). Os
com que “sobre” sangue não ejetado no ventrículo no final
da sístole, gerando uma pressão residual elevada no final da
sístole e início da diástole. Durante o período diastólico, Tabela 3. Indicadores de má perfusão por sistemas
quando este sangue flui do átrio para o ventrículo, encon-
tra-o repleto de sangue, emitindo um som característico, a • Cardiovascular: hipotensão e taquicardia, e/ou acidose metabólica com
terceira bulha (B3), bastante sugestivo de insuficiência car- aumento de lactato arterial.
díaca descompensada. Já o abafamento de bulhas ocorre • Respiratório: sinais de insuficiência respiratória conforme descrito a seguir.
classicamente em situações de tamponamento cardíaco, • Nervoso central: rebaixamento do nível de consciência, delirium.
embora a situação em que ocorre com mais frequência é em • Urinário: oligúria aguda e aumento de escórias nitrogenadas.
pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, quan- • Digestório: aumento de bilirrubinas (colestase transinfecciosa) e íleo
do há alterações da conformação da caixa torácica, levando paralítico metabólico.
a maior interposição de ar entre o coração e a parede do tó- • Hematológico: coagulação intravascular disseminada.
rax.
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Princípios gerais
Esforços devem ser feitos para aumentar a percepção
dos médicos em diagnosticar choque em suas fases iniciais
e tratar agressivamente; quanto mais precoce o tratamento,
melhor o prognóstico para o paciente (Figuras 1 a 12).
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■ Pacientes que não estão em ventilação mecânica: um estu- ■ Variação de pressão de pulso (∆Pp): calculada em um único
do mostrou que queda maior ou igual a 1 mmHg na PVC ciclo respiratório como a diferença entre a pressão de pul-
durante a inspiração se correlacionou positivamente com so máxima (PPmáx) e a mínima (PPmín) (pressão sistólica –
resposta a volume, com valor preditivo positivo de 84% e pressão diastólica), durante a inspiração e expiração com
valor preditivo negativo de 93%. pressão positiva, dividida pela média da PPmáx e PPmín, como
mostrado na fórmula: ∆PP (%) = 100 x (PPmáx – PPmín ) /
[(PPmáx + PPmín) / 2]. Quanto maior a variação de pressão
de pulso (∆PP), maior a chance de o paciente responder a
volume; valor > 13% permite discriminar quem tem
maior chance de responder a volume, com um valor pre-
ditivo positivo de 94% e valor preditivo negativo de 96%
[exceto pacientes com arritmias, hipoxemia severa
(PaO2/FIO2 < 100 mmHg) ou pressão de oclusão de arté-
ria pulmonar maior ou igual a 18 mmHg].
■ Falência respiratória: deve ser tratada, no mínimo, com
suplementação de oxigênio, e todos os pacientes com
choque grave devem ser intubados e colocados em venti-
lação mecânica para diminuir seu consumo de energia.
■ Pós-carga: pacientes adequadamente ressuscitados do
ponto de vista volêmico, que se apresentem normotensos
ou hipertensos, são candidatos a terapias que interfiram
Figura 3 – Choque cardiogênico por BAV total (3o grau). na pós-carga. Esse princípio é mais utilizado em pacien-
tes com choque cardiogênico, para facilitar o trabalho do
ventrículo esquerdo. Geralmente o agente de escolha aqui
é o nitroprussiato, que é um vasodilatador tanto venoso
quanto arterial. Em pacientes coronariopatas a escolha é
Figura 8 – Choque obstrutivo – derrame pleural com desvio de Figura 10 – Choque obstrutivo por derrame pericárdico e
mediastino. tamponamento.
Figura 9 – Choque obstrutivo (hipertensão pulmonar, embolias de Figura 11 – Choque obstrutivo por embolia pulmonar (padrão S1Q3T3).
repetição).
por nitroglicerina, que produz vasodilatação das artérias pecialmente usado em IAM e em pós-operatório de ci-
coronárias. Durante a sepse, ocorre preservação de fluxo rurgia cardíaca.
sanguíneo em áreas de demanda metabólica normal, e ■ Contratilidade: agentes inotrópicos somente deveriam ser
baixo fluxo em outras com demandas mais altas (efeito utilizados após a ressuscitação volêmica ser realizada, ou
shunt). Os nitratos e outros vasodilatadores, como pros- como uma ponte, enquanto esta é feita e a PA está muito
taciclina, N-acetilcisteína e pentoxifilina, agiriam recru- baixa.
tando essas áreas com baixo fluxo, melhorariam a chega- ■ Dopamina: catecolamina já presente no organismo, sendo
da de oxigênio nesses tecidos. Pesa contra o uso precursora da noradrenalina (Tabela 7):
terapêutico o número ainda restrito de estudos clínicos – Doses baixas (< 3 µg/kg/min): efeito dopaminérgico;
neste sentido. A pós-carga também pode ser diminuída em voluntários sadios ela aumentou o ritmo de filtra-
artificialmente através de balão intra-aórtico, sendo es- ção glomerular, porém esse mesmo efeito não foi en-
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O2 suplementar
± IOT e ventilação mecânica
CVC e cateter arterial
Sedação, paralisia
(se IOT) ou ambos
8-12 mmHg
< 65 mmHg
PAM Drogas vasoativas
ou > 90 mmHg
≥ 65 e ≤ 90
≥ 70% ≥ 70%
PVC = pressão venosa central; PAM = pressão arterial média; SvO2 = saturação venosa de
oxigênio; Ht = hematócrito. (Modificado de Rivers et al. N Engl J Med 2001; 345(19): 1368-77.)
descritos antes, mas que, numa avaliação laboratorial mais complicações mecânicas, como regurgitação mitral aguda
minuciosa, apresentam sinais laboratoriais de hipoperfusão por ruptura de músculo papilar, ruptura do septo interven-
como queda da saturação venosa central e aumento do áci- tricular, ruptura da parede livre do VE com tamponamento
do láctico (Tabela 8). cardíaco ou infarto extenso de VD, também podem cursar
A principal causa de choque cardiogênico é o infarto com choque cardiogênico. Outras causas incluem miocar-
agudo do miocárdio extenso (ou infartos menores num dites agudas, cardiomiopatias terminais, contusão miocár-
miocárdio já previamente comprometido). Além disso, dica, choque séptico com depressão miocárdica grave, dis-
Killip Forrester
Estimativa clínica da gravidade do IAM Estimativa clínica e hemodinâmica do IAM
I • Não há IC 1 • Perfusão* normal
• Nenhum sinal de IC • Pressão capilar pulmonar (wedge) normal**
II • IC presente 2 • Perfusão* ruim
• Estertores (menos da metade do tórax), • Pressão capilar pulmonar (wedge) normal**
B3, turgência jugular • Paciente hipovolêmico
III • IC grave 3 • Perfusão* praticamente normal
• Edema pulmonar franco com crepitações em todo o tórax • Pressão capilar pulmonar (wedge) aumentada**
• Paciente com congestão pulmonar
IV • Choque cardiogênico 4 • Perfusão* ruim
• Hipotensão, oligúria, cianose e extremidades frias • Pressão capilar pulmonar (wedge) aumentada**
• Choque cardiogênico
* Em geral, o índice cardíaco é maior que 2,2 L/min/m2 quando há boa perfusão e menor que 2,2 L/min/m2 na hipoperfusão periférica.
** A pressão capilar pulmonar “normal” é de 18 mmHg.
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Sinais clínicos: choque, hipoperfusão, IC, edema agudo de pulmão. Qual o problema mais provável?
Edema agudo de pulmão, sem choque Problema de volume Problema de bomba Problema de frequência
Dopamina Dobutamina
Medidas adjuvantes conforme 3 a 15 µg/kg/min IV
+ 2 a 20 µg/kg/min IV
a pressão arterial sistólica
1
Baseado nas novas diretrizes européias (2008) e americanas (2009).
função miocárdica após bypass cardiopulmonar prolonga- ■ Dopamina: deve ser preferencialmente utilizada em pa-
do, doenças valvares e cardiomiopatia hipertrófica obstru- cientes com hipotensão, congestão e má-perfusão periféri-
tiva (Tabela 9). ca. A taquicardia e o aumento da resistência vascular peri-
Evidências, tanto de estudos observacionais como de férica, induzidos pela dopamina, podem aumentar a
ensaios clínicos, mostram que uma estratégia invasiva, uti- isquemia miocárdica. Em algumas situações a associação
lizando vasopressores, balão de contrapulsão intra-aórtico, de uma droga vasopressora com dobutamina pode ser be-
ventilação mecânica e revascularização precoce reduzem a néfica. Em casos de hipotensão refratária, a norepinefrina
mortalidade. pode ser necessária para manter pressão de perfusão teci-
A avaliação e o tratamento do choque cardiogênico de- dual. A despeito de todas as intervenções farmacológicas e
vem ser iniciados simultaneamente. A abordagem inicial cirúrgicas, a mortalidade do choque cardiogênico conti-
deve incluir: nua extremamente elevada.
■ Pacientes com síndrome coronariana aguda e choque car-
■ Administração de volume ao paciente, a menos que haja diogênico devem ser submetidos imediatamente a ci-
edema pulmonar franco. neangiocoronariografia.
■ Oximetria de pulso, oxigênio e proteção de vias aéreas. ■ Hipoperfusão persistente indica a colocação de balão in-
■ Cateterização vesical. tra-aórtico.
■ Monitorização eletrocardiográfica.
■ Correção de distúrbios hidroeletrolíticos. Choque na embolia pulmonar
■ Morfina (ou fentanil se PA sistólica muito comprometi-
da) reduzem dor e ansiedade, diminuindo atividade sim- Deve-se suspeitar de embolia pulmonar em pacientes
pática e reduzindo o consumo de O2, a pré e a pós-carga. que manifestam dispneia, taquipneia ou dor torácica, com
■ Arritmias e BAVT apresentam grande efeito sobre o débi- as seguintes características:
to cardíaco e devem ser imediatamente corrigidos com
cardioversão elétrica, antiarrítmicos ou marcapasso. ■ Taquipneia e dispneia: mais frequentemente indicam
■ Pacientes com hipoperfusão e volume intravascular adequa- uma grande embolia, e podem vir associadas a dor torá-
do (PCP > 15 mmHg) têm indicado o uso de inotrópicos. A cica em aperto (isso indica isquemia de ventrículo direito).
dobutamina é um agonista beta-seletivo, sendo o agente de Habitualmente, a dispneia é súbita, mas pode piorar du-
escolha para pacientes com PAS > 80-90 mmHg. A dobuta- rante horas a vários dias. O diagnóstico é mais difícil em
mina pode exacerbar a hipotensão e induzir taquiarritmias. pacientes com IC ou DPOC, e uma EP deve sempre en-
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trar no diagnóstico diferencial desses pacientes com • Aumento da pressão na artéria pulmonar
descompensação no pronto-socorro.
• Hipocinesia e redução do débito cardíaco
■ Dor torácica (com ou sem dispneia): um dos mais fre-
• Abertura de shunts arteriovenosos
quentes sintomas.
■ Síncope e hipotensão: indicam grande EP, geralmente em • Desequilíbrio ventilação/perfusão
grandes artérias e implicam maior mortalidade. Há uma • Liberação de vários mediadores químicos
série de alterações hemodinâmicas com aumento da re- • Atelectasia e hipoxemia
sistência da circulação pulmonar, hipoxemia, queda do • Redução do enchimento de ventrículo esquerdo (restrição do
débito cardíaco, oligúria, extremidades frias e sinais de pericárdio e dilatação de VD com desvio do septo interventricular).
hipoperfusão (Tabela 10). Círculo vicioso: hipertensão pulmonar,
redução do débito cardíaco, hipoxemia e choque.
O diagnóstico de pacientes com suspeita de EP e
choque deve ser feito com ecocardiograma à beira do leito
e ultrassom de membros inferiores.
Dificilmente esses pacientes apresentam condição Tabela 11. Trombólise na EP de alto risco
clínica de transporte à tomografia (TC helicoidal, protoco-
• Ativador do plasminogênio tecidual (t-PA): 100 mg IV em duas horas
lo EP).
(associado à heparina não-fracionada).
O tratamento inclui:
• Estreptoquinase: 1.500.000 unidades IV em duas horas (dose sugerida
pelo consenso europeu).
■ Suportes hemodinâmico e respiratório são essenciais (em
• Estreptoquinase: administrar um bolus de 250.000 unidades IV em trinta
geral, com IOT). minutos e após, manter 100.000 unidades/hora durante 24 horas (outra
■ Heparina não-fracionada intravenosa: bolus de 80 U/kg de opção para estreptoquinase).
peso, IV (máximo de 4.000 U), concomitante à bomba de
infusão de heparina (18 U/kg/hora) com coleta de coagu-
lograma (TTPA) de 6 em 6 horas, e mantê-lo entre 46-70 * Detalhes do choque séptico são descritos no Capítulo 9 – Sepse e
segundos (1,5 a 2,3 vezes o controle). Choque Séptico.
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É importante lembrar que qualquer microrganismo ■ Controle estrito da glicemia (para manter a glicemia entre
pode provocar sepse ou choque séptico, incluindo bactérias, 70-100 mg/dL): infelizmente, em dois grandes estudos
vírus, protozoários, fungos e espiroquetas. Adicionalmente, publicados recentemente (2008 e 2009), o controle ri-
a sepse por Gram-negativo é indistinguível daquela por goroso da glicemia não se mostrou útil e não deve mais
Gram-positivo, quando avaliada clinicamente. ser recomendado de rotina. A melhor estratégia volta a
No choque séptico, além dos achados próprios de cada ser aquela utilizada no passado, ou seja, manter glicemias
infecção, clinicamente, costumam ocorrer (isoladamente menores que 150 a 180 mg/dL. Controle rigoroso da
ou em combinação): febre ou hipotermia, taquicardia, ta- glicemia aumenta a chance de hipoglicemia, sem trazer
quipneia, hipoxemia, oligúria, cianose, má perfusão perifé- nenhum benefício.
rica, icterícia, íleo paralítico, confusão e rebaixamento do ■ Aspectos nutricionais do paciente séptico: esses pacientes
nível de consciência. têm demanda metabólica muito aumentada e, por isso, a
Em termos hemodinâmicos, a sepse caracteriza-se ini- adequada nutrição é fundamental. A via enteral é sempre
cialmente por uma fase hipodinâmica às custas de redução preferida, já que a nutrição parenteral está associada a
do volume intravascular e eventualmente depressão mio- maiores complicações.
cárdica. Após a ressuscitação, tipicamente ocorre evolução
para um padrão hemodinâmico de débito cardíaco elevado, Terapias não-indicadas (aguardam-se estudos mos-
redução da resistência vascular sistêmica por vasoplegia, trando benefício):
bem como elevação do lactato arterial e redução da perfu-
são tecidual, com alteração do enchimento capilar. A satu- ■ Hemofiltração para retirada de citocinas: apesar de racio-
ração venosa tipicamente é alta e a presença de ânions não nalmente interessante, ainda há falta de maiores evidên-
mensuráveis altera o déficit de base na gasometria arterial. cias que indiquem benefício em mortalidade. Plasmafére-
É importante salientar que o diagnóstico precoce de sepse,
principalmente nas suas formas mais graves, reveste-se de
importância prognóstica, na medida em que, uma vez sen-
Tabela 12. Achados do choque séptico
do adiados o diagnóstico e o tratamento, a chance de que
haja evolução para insuficiência de múltiplos órgãos au- 1 – Variáveis gerais
menta, o que, em última análise, é a grande causadora de • Febre (temperatura central > 38,3ºC)
óbito nesses indivíduos.
• Hipotermia (temperatura central < 36ºC)
Os principais achados do choque séptico estão descri-
• Frequência cardíaca > 90 bpm
tos na Tabela 12.
• Taquipneia (frequência respiratória > 20 ipm)
• Alteração neurológica
Aspectos recentes do tratamento do choque séptico
• Edema significativo ou balanço hídrico positivo (> 20 mL/kg em 24 horas)
■ Corticosteroides: infelizmente, o melhor estudo disponível, • Hiperglicemia (glicemia maior que 120 mg/dL) na ausência de diabetes
CORTICUS, publicado no ano de 2008, com 499 pa- 2 – Variáveis inflamatórias
cientes, não mostrou benefício de corticoide de rotina no • Leucocitose (> 12.000/mm3)
choque séptico. Talvez o único resultado positivo (que • Leucopenia (< 4.000/mm3)
pode indicar a terapia com corticoide) seja nos pacientes
• Contagem leucocitária normal com mais de 10% de formas imaturas
com choque séptico persistente após uma hora de vaso-
• Níveis plasmáticos de proteína C-reativa aumentados 2 vezes do normal
pressor ou naqueles que necessitam de aumentos fre-
quentes das doses de vasopressores, desde que o corti- • Níveis plasmáticos de procalcitonina aumentados 2 vezes do normal
coide seja prescrito em até 8 horas da chegada ao PS. Da 3 – Variáveis hemodinâmicas
mesma forma, esse estudo mostrou que não houve bene- • Hipotensão arterial (PAS < 90 mmHg, PAM < 70 mmHg ou decréscimo
fício em determinar a reserva adrenal pelo teste da maior que 40 mmHg em adultos)
cortrosina. Nos poucos pacientes que têm indicação de • SvO2 > 70%
corticoide, a dose é: • Índice cardíaco acima de 3,5 L/min/m2
– Hidrocortisona: 50 mg IV em bolus e de 6/6 horas. 4 – Variáveis de disfunção orgânica
– O benefício de doses suprafisiológicas é associado com • Hipoxemia (PaO2/FiO2 < 300)
aumento de mortalidade. • Oligúria aguda (débito urinário < 0,5 mL/kg/h por pelo menos 2 horas)
■ Infusão intravenosa de proteína C ativada: pode reduzir
• Aumento na creatinina maior que 0,5 mg/dL
a mortalidade (NNT = 16) quando usada em pacientes
• Íleo (ruídos hidroaéreos ausentes)
graves (alto risco de morte, definido por APACHE > 25
e disfunção de múltiplos órgãos), embora apresente • Trombocitopenia (contagens plaquetárias < 100.000/mm3)
uma tendência a aumentar o número de episódios de • Hiperbilirrubinemia (> 4 mg/dL)
hemorragias graves (3,5% versus 2,0%, p = não-signi- • Alterações de coagulação (INR > 1,5 ou TTPa > 60 s)
ficativo). Portanto, atualmente é considerada útil no 5 – Variáveis de perfusão tecidual
tratamento do choque séptico apenas em pacientes • Hiperlactatemia
mais graves, embora haja limitação pelo alto custo do • Redução do enchimento capilar
produto.
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Critério 1: Início agudo de uma doença (em minutos ou horas) com envolvimento da pele, das mucosas ou ambos e de um dos seguintes:
• Acometimento de vias respiratórias (p. ex., dispneia, sibilos, estridor, hipoxemia).
• Redução da PA ou sintomas de hipofluxo sanguíneo (p. ex., síncope, incontinência, choque, hipotonia etc.).
Critério 2: Dois ou mais dos seguintes achados:
• Envolvimento de pele – mucosas.
• Acometimento respiratório (dispneia, sibilos, estridor, hipoxemia).
• Redução da PA ou sintomas associados.
• Sintomas gastrintestinais persistentes (p. ex., vômitos, dor abdominal, cólicas).
Critério 3: Redução da PA após exposição a um conhecido alérgeno para o paciente.
* Critérios 1 ou 2 ou 3 caracterizam anafilaxia.
se também tem sido testada com o mesmo objetivo, com O diagnóstico de anafilaxia é eminentemente clínico.
resultados mais promissores.
■ Apesar do sistema de coagulação ser muito importante Tratamento
no mecanismo de lesão tecidual, nem a heparina nem a
antitrombina têm mostrado benefícios no tratamento do ■ Parada cardiorrespiratória: devem ser seguidas as re-
choque séptico. comendações do suporte avançado de vida. Especial
■ Terapias com medicações anticitocinas também não têm atenção deve ser dada à manutenção da perviabilidade
se mostrado úteis. das vias aéreas altas, pois no edema de glote pode ser
necessária uma cricotireoidotomia (Tabela 14).
Choque anafilático ■ Choque anafilático: oxigênio (se necessário, IOT),
reposição volêmica (salina isotônica), adrenalina por via
A anafilaxia é caracterizada por manifestações clínicas intravenosa, anti-histamínicos H1 e H2 e corticosteroides
isoladas ou em diversas combinações, envolvendo algum (Tabela 15).
dos seguintes sistemas: respiratório, cardiovascular, neuro- ■ Choque refratário à epinefrina (na dose descrita): pres-
lógico, cutâneo e gastrintestinal (Tabela 13). Os sintomas crever adrenalina ou dopamina ou noradrenalina em
estabelecem-se cerca de minutos a horas depois do contato bomba de infusão contínua (Algoritmo 4, Figura 13).
com o alérgeno, sendo mais comuns na primeira hora sub-
sequente. A rapidez com que os sintomas ocorrem guarda
relação com a gravidade dos sintomas. Após a exposição,
pode haver um intervalo de horas para que as manifesta-
ções clínicas se iniciem, dependendo da via de administra- Tabela 14. Particularidades da PCR na anafilaxia (ACLS 2005)
ção do agente e incluem:
1) Volume:
■ Pele: o envolvimento cutâneo é a apresentação mais co- • Dois acessos de grosso calibre (14) com infusão rápida de soro
mum (ausente em apenas 10 a 15% dos casos), represen- fisiológico (4 a 8 litros).
tado por urticária e angioedema, que podem ser precedi- 2) Epinefrina em altas doses:
dos por eritema e prurido. • Prescrever 1 a 3 mg inicialmente.
■ Tonturas ou síncope: podem estar presentes, na presença • Doses crescentes: 3 a 5 mg/de 3-3 a 5-5 minutos.
ou não de hipotensão ou choque anafilático. 3) Anti-histamínicos*:
■ Gastrintestinal: náusea, vômitos, diarreia e cólicas.
• Difenidramina: 25 a 50 mg IV.
■ Vias aéreas: tanto superiores como inferiores podem ser
• Ranitidina: 50 mg IV.
acometidas. Manifestações como estridor, disfonia,
rouquidão ou dificuldade para deglutir indicam envolvi- 4) Corticosteroide*:
mento alto e devem alertar para a possibilidade de ede- • Metilprednisolona: 125 mg IV.
ma de glote. Rinoconjuntivite pode também ocorrer. Já a 5) Tempo de RCP:
presença de sibilância e sensação de aperto no peito in- • É prudente não encerrar os esforços precocemente, haja visto a idade
dicariam envolvimento de vias aéreas baixas (broncoes- jovem da maioria dos pacientes.
pasmo). * Não existem evidências para recomendar anti-histamínicos ou esteroides na PCR,
■ Outros: em alguns casos, a anafilaxia pode se manifestar entretanto o ACLS 2005 recomenda.
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Algoritmo 4.Tratamento da anafilaxia Tabela 15. Tratamento do choque anafilático (todos IV)
Reavaliação do paciente
• Adrenalina:
Diagnóstico de anafilaxia
– Concentração: 1:10.000 (1 mL de adrenalina diluída em 9 mL de soro
fisiológico)
– Dose: 0,1 a 0,3 mL em infusão lenta (5 minutos); pode repetir a cada 5-
• Vias aéreas (observar perviabilidade, indicação de 15 minutos
oxigênio, intubação ou cricotireoidotomia). • Difenidramina: 25 a 50 mg até de 4/4 ou 6/6 horas
• Estado hemodinâmico (medir pulso e pressão
• Ranitidina: 50 mg de 8/8 horas
arterial); monitorização cardíaca.
• Acesso venoso para infusão de fluidos, se necessário. • Metilprednisolona: 125 mg, até 6/6 horas (ou doses equivalentes de
outros corticoides)
– Concentração: 1:10.000 (1 mL de adrenalina diluída em 9 mL de soro
fisiológico)
Parada cardiorrespiratória – Dose: 0,1 a 0,3 mL em infusão lenta (5 minutos); pode repetir a cada 5-
15 minutos
Sim Não
• Difenidramina: 25 a 50 mg até de 4/4 ou 6/6 horas
• Ranitidina: 50 mg de 8/8 horas
• Metilprednisolona: 125 mg, até 6/6 horas (ou doses equivalentes de
Seguir orientações de PCR. Seguir orientações de outros corticoides)
Conforme as novas anafilaxia
diretrizes do ALS