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CAPÍTULO
Choque
8
Herlon Saraiva Martins
Eduardo Martins Zincone
Irineu Tadeu Velasco

OBJETIVOS ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA


■ Diferenciar hipotensão, choque e má perfusão.
■ Saber classificar os diferentes tipos de choque, bem como os seus Choque hipovolêmico
principais achados clínicos.
■ Diferenciar os principais tipos de choque (hipovolêmico, Caracteriza-se por um inadequado débito cardíaco em
cardiogênico, distributivo e obstrutivo). razão de volume circulante inadequado, como o visto em
■ Aprender a prescrever as principais drogas vasoativas. hemorragias. Pode ser dividido em quatro classes com base
■ Tratar os diferentes tipos de choque. na gravidade da perda volêmica, como demonstrado na Ta-
bela 1.
Com a progressão da depressão volêmica ocorre dimi-
nuição das pressões de enchimento de câmaras cardíacas,
INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES inicialmente compensada por taquicardia. Conforme esse
mecanismo vai sendo superado, os tecidos vão aumentan-
Choque é uma síndrome caracterizada pela incapaci- do a extração de oxigênio, ocasionando um aumento na di-
dade do sistema circulatório em fornecer oxigênio aos teci- ferença entre o conteúdo de O2 arterial e o venoso (CA-V) e
dos, levando à disfunção orgânica. É fundamental o seu re- queda da saturação venosa mista (SvO2).
conhecimento precoce para que haja a correção das
disfunções, assim como é fundamental tratar a causa de
base. Choque obstrutivo
Hipotensão arterial pode estar presente, porém não é É definido como choque que ocorre em consequência
fundamental no diagnóstico de choque; em razão disso, de uma obstrução mecânica ao débito cardíaco ocasionan-
deve ser dada atenção especial aos sinais de hipoperfusão do hipoperfusão tecidual; ocorre no tamponamento car-
tecidual, como: alterações no estado mental (rebaixamento díaco, no qual sinais clínicos como estase jugular e pulso
do nível de consciência), alterações cardíacas como taqui- paradoxal ajudam no diagnóstico. Outras causas comuns
cardia e, principalmente, alterações renais, como oligúria de choque obstrutivo incluem embolia pulmonar e pneu-
em paciente previamente sem insuficiência renal. motórax hipertensivo.

Tabela 1. Classificação do choque hipovolêmico

Classe I Classe II Classe III Classe IV


Perda volêmica em % < 15% 15-30% 30-40% > 40%
Perda volêmica em mL* < 750 750-1.500 1.500-2.000 > 2.000
Frequência cardíaca < 100/min > 100/min > 120/min > 140/min
Pressão arterial Sem alterações Sem alterações Hipotensão Hipotensão
Enchimento capilar Sem alterações Reduzido Reduzido Reduzido
Frequência respiratória < 20/min 20-30/min 30-40/min > 35/min
Débito urinário (mL/h) > 30 20-30 5-20 Desprezível
Nível de consciência Pouco ansioso Ansioso Ansioso-confuso Confuso-letárgico
Reposição volêmica Cristaloides Cristaloides Cristaloides+CH** Cristaloides+CH**
*Estimativa para paciente com 70 kg; **concentrado de hemácias.
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114 ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS

Choque cardiogênico 2) tecidual, devendo ser restaurada o mais precocemente


possível. A pressão arterial (PA) pode ser medida de forma
Nessa situação, o problema se concentra em uma falên- não-invasiva ou de forma invasiva através da colocação de
cia primária da bomba cardíaca, mais comumente secundá- um cateter arterial, sendo essa última forma a preferida nos
ria a infarto do miocárdio. Outras causas incluem arritmias, pacientes em choque ou com uso de drogas vasoativas.
miocardite e progressão de insuficiência cardíaca prévia. Ao ■ Temperatura é variável e deve ser medida no esôfago ou via
exame físico é comum o achado de vasoconstrição periféri- retal. A medida através da temperatura da pele (axilar ou
ca e oligúria. O cateter de artéria pulmonar mostrará débi- oral) pode ser falsamente baixa por causa da vasoconstrição.
to cardíaco diminuído e pressão de oclusão de artéria pul- ■ Oximetria de pulso pode mostrar hipoxemia, embora, em
monar aumentada (wedge). caso de vasoconstrição intensa, o dispositivo possa perder
o sinal.
Choque distributivo
■ Monitorização do débito urinário é um método não-inva-
sivo e fácil para reconhecer a hipoperfusão tecidual. Tra-
O choque também pode ocorrer em situações de má ta-se de um dos sinais mais precoces e a melhora nesse
distribuição de volume, como em infecções, caracterizan- parâmetro ajuda a guiar a terapêutica.
do o choque séptico, o qual permanece como um grande
desafio. Em sua fase inicial, encontramos resistência vascu- O resultado do bom funcionamento do sistema cardio-
lar sistêmica diminuída, débito cardíaco normal ou au- vascular é a boa perfusão dos demais órgãos e sistemas. As-
mentado, com pressões de enchimento normais ou um sim, a avaliação deste sistema envolve necessariamente a
pouco diminuídas. Uma das explicações possíveis para a avaliação da perfusão tecidual.
má distribuição é a ocorrência de fluxo sanguíneo excessi- No exame cardiovascular mínimo durante um atendi-
vo para áreas de demanda metabólica normal, e fluxo di- mento inicial à emergência devem constar obrigatoriamen-
minuído para áreas de demanda metabólica aumentada, te: avaliação de frequência cardíaca e pressão arterial (sinais
fenômeno esse descrito como shunt. Apesar do débito car- vitais), avaliação de estase jugular, ausculta cardíaca nos
díaco aumentado, sempre ocorre algum grau de depressão quatro focos principais, avaliação dos pulsos periféricos
miocárdica, como demonstrado pela presença de frações radial e tibial posterior, avaliação do tempo de enchimento
de ejeção relativamente diminuídas. Em fases avançadas, capilar e avaliação da temperatura de extremidades. Estes
ocorre uma maior depressão cardíaca mimetizando cho- exames constituem o mínimo para que haja informações
que cardiogênico. suficientes para se fazer diagnósticos de situações de emer-
Outras causas de choque distributivo incluem choque gência no menor tempo possível. Uma vez realizada a esta-
anafilático e choque neurogênico, que é uma disfunção au- bilização inicial do quadro e afastado o risco imediato à
tonômica caracterizada por hipotensão, bradicardia e pele vida, devem ser refeitos e aprofundados.
quente e seca. Em situações de baixo débito cardíaco, independente-
mente da causa (síndrome coronária aguda, hipovolemia,
ACHADOS CLÍNICOS choques obstrutivos como o pneumotórax hipertensivo ou
o tamponamento cardíaco), o organismo priorizará a per-
■ Taquicardia ocorre como uma resposta fisiológica normal fusão de órgãos nobres, como o cérebro e o próprio cora-
à diminuição do volume sistólico; porém, níveis acima de ção. A avaliação das extremidades trará informações valio-
130 bpm podem interferir com o enchimento diastólico. sas para este diagnóstico. Um enchimento capilar
Eventualmente, bradicardia pode ser a causa do estado de lentificado (> 3 segundos) é relacionado a vasoconstrição
choque. Por isso, frequências cardíacas inapropriadamen- periférica, mecanismo comum nas fases iniciais de situa-
te baixas frente à hipotensão devem ser corrigidas. ções de baixo débito. Enchimento capilar lentificado asso-
■ Hipotensão é geralmente a forma de apresentação no pron- ciado à diminuição de temperatura de membros é um acha-
to-socorro. A hipotensão pode levar à hipoperfusão (Tabela do bastante sugestivo de situações de baixo débito cardíaco.

Tabela 2. Manifestações clínicas dos diversos sistemas na presença de choque

Manifestações clínicas da hipoperfusão orgânica


Sistema nervoso central Alterações do nível de consciência (rebaixamento, quadros confusionais, agitação etc.)
Sistema cardiocirculatório Hipotensão arterial, tempo de enchimento capilar lentificado, extremidades frias, elevação dos níveis de lactato (> 2 mmol/L)
Sistema respiratório Desconforto respiratório (taquipneia, dispneia etc.), hipóxia, hiper ou hipoventilação
Pele Pele pegajosa, fria, livedo reticular etc.
Sistema digestório/fígado Estase, hipomotilidade, elevação de enzimas hepáticas, perda de função hepática
Rins Oligúria (débito urinário < 0,5 mL/kg/h por mais de duas horas consecutivas), elevação de escórias nitrogenadas, insuficiência
renal aguda, necrose tubular aguda etc.
Hematológico Plaquetopenia, alargamento dos tempos de coagulação, tendência à diátese hemorrágica etc.
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A palpação dos quatro pulsos periféricos pode trazer Quando se suspeita de casos em que o inotropismo está
informações como assimetria de pulsos, compatíveis com agudamente comprometido, torna-se obrigatória a exclusão
diagnósticos de dissecção de aorta torácica ou de doença de síndrome coronariana aguda. Assim, perguntar ativa-
arterial periférica. mente por dor torácica, por fatores de risco para doença car-
diovascular (hipertensão arterial sistêmica – HAS, diabetes
Sistema venoso mellitus – DM, dislipidemia – DLP, tabagismo, antecenden-
te familiar), realizar um eletrocardiograma e colher marca-
O sistema venoso constitui o lado de menor pressão, e a dores de necrose miocárdica.
pressão venosa é determinada basicamente pela capacitância
do sistema venoso e pelo grau de seu enchimento. Má perfusão periférica
Estes podem ser avaliados através da observação estima-
tiva do grau de estase jugular ou, de forma invasiva, pela O resultado do bom funcionamento do sistema cardio-
pressão venosa central (PVC). A pressão venosa média e a vascular é a boa perfusão dos demais órgãos e sistemas. As-
pressão de átrio direito influenciarão o retorno venoso (RV) sim, a avaliação deste sistema envolve necessariamente a ava-
ao coração, determinando o enchimento ventricular. Situa- liação da perfusão tecidual. Caracterizar má perfusão é muito
ções que aumentem a pressão venosa média (p. ex., hipervo- mais do que caracterizar hipotensão. Assim, uma vez realiza-
lemia iatrogênica ou secundária à insuficiência renal oligo- dos os passos iniciais para o paciente potencialmente grave
anúrica) ou que aumentem a pressão de átrio direito (por conforme descrito previamente, o paciente com suspeita de
exemplo: insuficiência cardíaca, tamponamento cardíaco) choque deve ser avaliado especificamente para se obter o
frequentemente se apresentam com estase jugular. diagnóstico preciso, ao mesmo tempo em que recebe as pri-
meiras medidas terapêuticas.
Cronotropismo Deve-se procurar por sinais indicativos de estados de má
perfusão, em geral associados com disfunção orgânica aguda,
O cronotropismo é facilmente avaliado pela medida da como hipotensão, taquicardia, oligúria etc. (Tabela 3).
frequência cardíaca. Bradiarritmias são causas importantes Os estados de choque podem ser classificados em car-
de situações de baixo débito cardíaco, e uma vez suspeitadas, diogênicos, distributivos, hipovolêmicos ou obstrutivos
devem ser prontamente confirmadas e corrigidas, através de (Tabela 4 e Algoritmo 1).
eletrocardiograma e de intervenções específicas (marcapasso
transcutâneo, atropina etc.). Taquiarritimias diminuem o Variáveis hemodinâmicas
tempo de enchimento ventricular, comprometendo assim o
DC. Estas situações são especialmente importantes quando a As variáveis de pressão que podem ser obtidas incluem
frequência cardíaca é superior a 150 bpm. Do mesmo modo, pressão de artéria pulmonar, pressão de oclusão de artéria
devem ser rapidamente confirmadas e corrigidas. pulmonar e pressão venosa central. O cateter de artéria pul-
monar também permite medir variáveis derivadas de fluxo,
Inotropismo como débito cardíaco e volume sistólico.
Características dos parâmetros:
A avaliação do inotropismo requer mais recursos. Em
uma avaliação inicial durante um atendimento a uma ■ Pressão de oclusão de artéria pulmonar: em indivíduos
emergência a ausculta cardíaca é rápida, não-invasiva e sem alteração de complacência cardíaca, correlaciona-se
pode trazer informações importantes. É importante que com a pressão de enchimento do ventrículo esquerdo, po-
seja realizada pelo menos nos quatro focos principais, aten- rém esse fato não ocorre nos pacientes críticos, pois eles
tando-se especialmente para: ritmicidade, sopros, presença comumente apresentam alterações de complacência. Di-
de 3a bulha ou de abafamento de bulhas. A presença de ter- ferentemente dos valores absolutos, as tendências dos va-
ceira bulha traz informações extremamente relevantes e es- lores após as intervenções são mais úteis.
pecíficas. O mecanismo que causa B3 ou ritmo de galope ■ Débito cardíaco (DC): caracteriza-se como o produto do
envolve a diminuição da fração de ejeção sistólica, fazendo volume sistólico (VS) versus frequência cardíaca (FC). Os
com que “sobre” sangue não ejetado no ventrículo no final
da sístole, gerando uma pressão residual elevada no final da
sístole e início da diástole. Durante o período diastólico, Tabela 3. Indicadores de má perfusão por sistemas
quando este sangue flui do átrio para o ventrículo, encon-
tra-o repleto de sangue, emitindo um som característico, a • Cardiovascular: hipotensão e taquicardia, e/ou acidose metabólica com
terceira bulha (B3), bastante sugestivo de insuficiência car- aumento de lactato arterial.
díaca descompensada. Já o abafamento de bulhas ocorre • Respiratório: sinais de insuficiência respiratória conforme descrito a seguir.
classicamente em situações de tamponamento cardíaco, • Nervoso central: rebaixamento do nível de consciência, delirium.
embora a situação em que ocorre com mais frequência é em • Urinário: oligúria aguda e aumento de escórias nitrogenadas.
pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, quan- • Digestório: aumento de bilirrubinas (colestase transinfecciosa) e íleo
do há alterações da conformação da caixa torácica, levando paralítico metabólico.
a maior interposição de ar entre o coração e a parede do tó- • Hematológico: coagulação intravascular disseminada.
rax.
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116 ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS

Tabela 4. Classificação dos estados de choque e principais etiologias


Estudos recentes falharam em demonstrar benefício
com o uso do cateter de Swan-Ganz e, apesar da disponibi-
Cardiogênico lidade maior do procedimento nas unidades de terapia in-
• Aneurisma ventricular tensiva do país, o seu uso deve ser restrito a casos específi-
• Arritmias cos em que exista dúvida sobre o padrão do choque.
• Defeitos mecânicos
Deve-se lembrar que este é um procedimento diagnóstico e
não terapêutico.
• Disfunção miocárdica da sepse
• Distúrbios de condução
• Falência ventricular esquerda
EXAMES COMPLEMENTARES GERAIS
• Infarto do miocárdio ■ Lactato: pode estar elevado por aumento de produção
• Lesões valvares (como no metabolismo anaeróbio), por diminuição na
• Miocardite e cardiomiopatias captação (insuficiência renal ou hepática), ou por um
• Shunt arteriovenoso fenômeno de “lavagem”, quando se restitui a volemia
Distributivo em pacientes previamente em estado de choque, libe-
• Anafilaxia
rando o lactato que estava “represado”. Não é um bom
indicador de perfusão regional, podendo ocorrer grave
• Doenças endócrinas (hipocortisolismo/hipotireoidismo)
hipoperfusão esplâncnica mesmo com valores normais
• Hiperviscosidade
de lactato. Funciona bem como indicador de gravidade
• Neurogênico e mortalidade em pacientes graves, assim como sua
• Séptico queda indica um bom prognóstico. Apenas valores ar-
Hipovolêmico teriais ou venosos centrais devem ser usados para mo-
• Desidratação nitorização. Não colher lactato de acesso venoso perifé-
• Hemorragia rico.
• Sequestro de líquidos
■ Excesso de bases (base excess – BE): a definição de excesso
de bases é a quantidade de íons H+ que devem ser adi-
Obstrutivo
cionados em uma solução para que o pH fique normal;
• Coartação de aorta
valores menores que –3 mmol/L são indicativos de aci-
• Embolia pulmonar dose metabólica. O excesso de lactato pode levar à acido-
• Pneumotórax hipertensivo se, consumindo bases no sangue. Os valores de excesso de
• Derrame pleural com desvio de mediastino bases correlacionam-se bem com a presença e gravidade
• Tamponamento cardíaco do choque. Servem também para monitorização da repo-
sição volêmica e seus valores se normalizam com a res-
tauração do metabolismo aeróbio.
■ Monitorização de pH intramucoso: a circulação esplânc-
três principais determinantes do VS são: a pré-carga, a nica é acometida precocemente em pacientes com cho-
pós-carga e a contratilidade. que séptico, já que o organismo tende a manter perfu-
■ Pré-carga: depende basicamente do volume sanguíneo são em órgãos nobres (coração e SNC). Esse
circulante, bem como das pressões que interferem no re- mecanismo pode causar isquemia e infarto mesentéri-
torno venoso, como a ventilação mecânica. Pode também co, o que leva a infecção secundária e falência orgânica.
ser influenciada pela resistência sistêmica, visto que veno- O tonômetro é um tubo nasogástrico com um balão de
constrição aumenta a pré-carga, e pela FC, uma vez que silicone que é permeável ao CO2, entrando em equilí-
taquiarritmias podem diminuir o tempo de enchimento brio com o CO2 da mucosa gástrica e permitindo que
ventricular durante a diástole. esse seja mensurado. Acidose intramucosa pode então
■ Pós-carga: depende da resistência e, portanto, do tônus ser identificada e servir como parâmetro de ressuscita-
dos vasos, podendo ser modificada por atuação de dro- ção volêmica. No entanto, os valores obtidos podem ser
gas; pode variar com a viscosidade sanguínea (anemia di- irreais, pois o bicarbonato local pode não ser o mesmo
minui a pós-carga). que o sérico (sendo este o usado na equação), por exem-
■ Contratilidade: pode ser influenciada por drogas que atuem plo pelo uso de drogas que interfiram com o pH, como
no inotropismo cardíaco. antiácidos.
■ Índice cardíaco (IC) e índice sistólico (IS): correspondem à ■ Variação da PCO2 (∆PCO2): com o metabolismo anaeró-
medida do DC e do VS ajustados para a área de superfí- bio, ocorre uma previsível diminuição no consumo ou
cie corpórea (ASC), configurando, respectivamente, o IC captação de O2 (VO2). Também ocorre uma diminuição
e o IS (IC = DC / ASC; IS = VS / ASC). na produção de CO2 (VCO2) compensada parcialmente
■ Resistência sistêmica e pulmonar: podem ser calculadas por um aumento na produção de CO2 pela via anaeró-
utilizando as variações de pressão e o índice cardíaco. Po- bia. Portanto, o coeficiente respiratório (VCO2/VO2) au-
rém, estão sujeitas ao erro de acoplamento matemático. mentará. Essa diferença pode ser medida por um aumen-
Resistências baixas são esperadas nos choques distributi- to na diferença entre o CO2 arterial e o CO2 venoso
vos e altas, nos cardiogênicos. misto.
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8 ■ CHOQUE 117

Algoritmo 1. Tratamento de pacientes com suspeita de má perfusão

Pacientes com suspeita de má perfusão

• Reavalie sinais vitais.


• Oxigênio, acesso venoso, monitorização multiparamétrica.
• Monitorização do débito urinário se possível.
• Gasometria arterial com lactato.
• Exames gerais, RX de tórax no leito e ECG.

Reavalie história. Reavalie exame físico.


Sintomas de infecção, caracterizar a dor Enchimento capilar, estase jugular,
torácica, antecedentes de cardiopatia, abafamento de bulhas cardíacas ou de
DPOC, imunodeficiência, medicações em sopros, arritmias, diferença de ausculta
uso (p. ex., anticoagulantes orais) etc. entre hemitórax, febre etc.

Suspeita clínica de infecção: Sinais de baixo débito


Sinais de sepse e sinais de disfunção Extremidades frias, diminuição da PA sistólica ou
de pelo menos 1 órgão ou “pinçamento” da PA, taquicardia, enchimento
sistema (sepse grave). capilar diminuído, letargia, oligúria.

• Hemoculturas e culturas específicas conforme o sítio


infeccioso. Evidências de falência
Sinais de hipovolemia.
• Antibióticos IV de largo espectro o mais precoce possível. ventricular.
Sangramento (pode ser
• Avaliação cirúrgica nos casos indicados. Estase jugular, hepatomegalia,
oculto), sinais de
• Ressucitação hemodinâmica: manter PAM > 65 e < 90 edema de MMII, antecedentes
desidratação grave.
mmHg; diurese > 0,5 mL/kg/h. de IC ou de IAM.
• Iniciar com soro fisiológico (até 15 mL /kg/h); drogas
vasoativas conforme a necessidade.
• Manter oxigenação adequada, IOT se necessária.
• Vaga de UTI o mais breve possível (idealmente antes de 6 • Exclua IAM. • Expansão volêmica.
horas de admissão). • Se PAM < 70 ou PAS < 90 • Procure causa do sangramento
• Reavaliação pela evolução da acidose metabólica e do considere drogas vasoativas. ou de perdas hídricas.
lactato e, idealmente, pela saturação venosa central de O2. • Se PAM > 70 e PAS > 90 • Avalie plaquetas,
considere vasodilatadores coagulograma, eletrólitos e
e/ou inotrópicos. função renal.

Sinais de choque obstrutivo


• Tamponamento pericárdico: estase jugular, abafamento de bulhas, atrito pericárdico, pulso paradoxal. RX com aumento da área cardíaca.
Conduta: punção de Marfan. Sempre que possível, guiada por USG.
• Pneumotórax hipertensivo: diminuição assimétrica da ausculta pulmonar com timpanismo à percussão, desvio à palpação da traqueia.
Conduta: punção de alívio. Casos de iminência de PCR não devem esperar o RX. Drenagem subsequente.
• Embolia pulmonar de alto risco de morte: história sugestiva, fatores de risco, taquicardia, hipotensão, hipoxemia e sinais de falência ventricular direita.
Conduta: estabilização hemodinâmica, IOT S/N, exames complementares de acordo com o caso, trombólise com rt-PA 100 mg IV em 2 horas, seguida de
heparinização.

Transporte de oxigênio do de oxigênio no sangue arterial (CaO2) x índice cardía-


co (IC) x 10 (para transformar o resultado para mL/mi-
Utilizado para avaliar oferta e consumo de oxigênio nuto/m2).
(Tabela 5). ■ Conteúdo arterial de oxigênio (CaO2): CaO2= (1,34 x
SaO2 x Hb) + (0,003 x PaO2).
■ Oferta de oxigênio indexada (DO2): produto do conteú- ■ Como a hemoglobina (Hb) é um importante fator na
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Tabela 5. Variáveis de oxigenação


da ainda é tema de controvérsia e nem coloides nem cris-
taloides parecem ser superiores um ao outro, porém o
Variáveis medidas Variáveis calculadas custo das soluções cristaloides é bem menor. Durante a
PaO2 70-100 mmHg DO2 500-650 mL/min/m2 reposição volêmica é comum o aparecimento de hipoter-
PaCO2 35-50 mmHg VO2 110-150 mL/min/m2 mia; deve ser prevenida pelo uso de soluções cristaloides
SaO2 93%-98% CaO2 16-22 mL O2/dL
aquecidas (Tabela 6).
■ Reposição volêmica: a pré-carga deve ser aumentada, vis-
SvO2 70%-78% CvO2 12-17 mL O2/dL
to que quase sempre há hipovolemia absoluta ou relati-
PvO2 36-42 mmHg CA-V 3,5-5,5 mL O2/dL
va. A quantidade inicial de fluidos deve ser de pelo me-
nos 20 mL/kg e deve ser monitorizada pela diminuição
da taquicardia, melhora do volume urinário e do nível
equação, discussões recentes têm focado na reposição de neurológico.
sangue. Há pouco tempo, mesmo em pacientes assinto- ■ Parâmetros para monitorizar a reposição volêmica: valores
máticos, um nível de Hb de 10,0 g/dL era o objetivo. Di- absolutos de pressões de enchimento como PVC e pressão
versos experimentos animais demonstraram não ocorrer de oclusão de artéria pulmonar não são bons parâmetros,
sinais de hipoperfusão mesmo com hematócritos meno- pois os pacientes críticos têm alteração da complacência
res que 10%. Recentemente, dois estudos reacenderam a cardíaca. Apesar de a tendência desses valores ser impor-
questão, com indícios graves de que a transfusão sanguí- tante, nenhum estudo correlacionou um determinado
nea de rotina aumenta a mortalidade, entre outras causas, valor-alvo com melhor prognóstico.
por depressão do sistema imune. Uma exceção seriam os
pacientes com doença coronariana ativa (infarto agudo
do miocárdio e angina instável). Cuidado com as transfu-
sões de rotina, sem indicação.
■ Consumo de oxigênio indexado (VO2): diferença entre o
conteúdo de oxigênio no sangue arterial e o conteúdo de
oxigênio no sangue venoso (CaO2 – CvO2) multiplicada
pelo índice cardíaco (IC) x 10 (para transformar o resul-
tado para mL/minuto/m2):
VO2 = IC x 1,34 x Hb x (SaO2 – SvO2).
■ Saturação venosa mista: colhida em um cateter de artéria
pulmonar, correlaciona-se bem com o balanço entre ofer-
ta e consumo de oxigênio global, isto é, a soma de todos
os leitos vasculares. Uma SvO2 normal não indica oxige-
nação tecidual adequada, já que é uma medida global e
não uma medida de cada região. Já uma saturação veno- Figura 1 – Choque cardiogênico – IC avançada com edema pulmonar.
sa menor que 65% correlaciona-se bem com um balanço
entre oferta e consumo desfavorável.
■ Balanço no transporte de oxigênio: depende da relação de
oferta (DO2) e consumo (VO2). Se a oferta não consegue
atender ao consumo, o organismo será obrigado a reali-
zar metabolismo anaeróbio com consequente acidose lá-
tica e morte celular. Portanto, manter uma DO2 otimiza-
da tem sido uma estratégia comum em pacientes graves.
■ Acidose, febre e hipercapnia: deslocam para a direita a
curva de dissociação da hemoglobina, aumentando, por-
tanto, a oferta de O2.

TRATAMENTO INICIAL E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Princípios gerais
Esforços devem ser feitos para aumentar a percepção
dos médicos em diagnosticar choque em suas fases iniciais
e tratar agressivamente; quanto mais precoce o tratamento,
melhor o prognóstico para o paciente (Figuras 1 a 12).

■ Acesso venoso calibroso: deve ser providenciado; se não for


possível conseguir um acesso periférico, deve ser provi-
denciado um central. A escolha da solução a ser infundi- Figura 2 – Choque cardiogênico por arritmia (taquicardia ventricular).
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8 ■ CHOQUE 119

■ Pacientes que não estão em ventilação mecânica: um estu- ■ Variação de pressão de pulso (∆Pp): calculada em um único
do mostrou que queda maior ou igual a 1 mmHg na PVC ciclo respiratório como a diferença entre a pressão de pul-
durante a inspiração se correlacionou positivamente com so máxima (PPmáx) e a mínima (PPmín) (pressão sistólica –
resposta a volume, com valor preditivo positivo de 84% e pressão diastólica), durante a inspiração e expiração com
valor preditivo negativo de 93%. pressão positiva, dividida pela média da PPmáx e PPmín, como
mostrado na fórmula: ∆PP (%) = 100 x (PPmáx – PPmín ) /
[(PPmáx + PPmín) / 2]. Quanto maior a variação de pressão
de pulso (∆PP), maior a chance de o paciente responder a
volume; valor > 13% permite discriminar quem tem
maior chance de responder a volume, com um valor pre-
ditivo positivo de 94% e valor preditivo negativo de 96%
[exceto pacientes com arritmias, hipoxemia severa
(PaO2/FIO2 < 100 mmHg) ou pressão de oclusão de arté-
ria pulmonar maior ou igual a 18 mmHg].
■ Falência respiratória: deve ser tratada, no mínimo, com
suplementação de oxigênio, e todos os pacientes com
choque grave devem ser intubados e colocados em venti-
lação mecânica para diminuir seu consumo de energia.
■ Pós-carga: pacientes adequadamente ressuscitados do
ponto de vista volêmico, que se apresentem normotensos
ou hipertensos, são candidatos a terapias que interfiram
Figura 3 – Choque cardiogênico por BAV total (3o grau). na pós-carga. Esse princípio é mais utilizado em pacien-
tes com choque cardiogênico, para facilitar o trabalho do
ventrículo esquerdo. Geralmente o agente de escolha aqui
é o nitroprussiato, que é um vasodilatador tanto venoso
quanto arterial. Em pacientes coronariopatas a escolha é

Figura 6 – Fratura pélvica evoluindo com choque hipovolêmico.


Figura 4 – Choque cardiogênico por IAM anterior extenso.

Figura 7 – Choque misto (hipovolêmico e obstrutivo) por trauma


Figura 5 – Choque hipovolêmico por dissecção de aorta. enfisema subcutâneo, pneumotórax e lesão pulmonar.
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120 ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS

Figura 8 – Choque obstrutivo – derrame pleural com desvio de Figura 10 – Choque obstrutivo por derrame pericárdico e
mediastino. tamponamento.

Figura 9 – Choque obstrutivo (hipertensão pulmonar, embolias de Figura 11 – Choque obstrutivo por embolia pulmonar (padrão S1Q3T3).
repetição).

por nitroglicerina, que produz vasodilatação das artérias pecialmente usado em IAM e em pós-operatório de ci-
coronárias. Durante a sepse, ocorre preservação de fluxo rurgia cardíaca.
sanguíneo em áreas de demanda metabólica normal, e ■ Contratilidade: agentes inotrópicos somente deveriam ser
baixo fluxo em outras com demandas mais altas (efeito utilizados após a ressuscitação volêmica ser realizada, ou
shunt). Os nitratos e outros vasodilatadores, como pros- como uma ponte, enquanto esta é feita e a PA está muito
taciclina, N-acetilcisteína e pentoxifilina, agiriam recru- baixa.
tando essas áreas com baixo fluxo, melhorariam a chega- ■ Dopamina: catecolamina já presente no organismo, sendo
da de oxigênio nesses tecidos. Pesa contra o uso precursora da noradrenalina (Tabela 7):
terapêutico o número ainda restrito de estudos clínicos – Doses baixas (< 3 µg/kg/min): efeito dopaminérgico;
neste sentido. A pós-carga também pode ser diminuída em voluntários sadios ela aumentou o ritmo de filtra-
artificialmente através de balão intra-aórtico, sendo es- ção glomerular, porém esse mesmo efeito não foi en-

Tabela 6. Comparação entre as soluções de expansão do intravascular: coloides X cristaloides

Características das soluções de expansão do intravascular


Albumina Poliamidos Dextran Cristaloides
5% 20% 6% 10% 40-10% (NaCl) 0,9% (NaCl) 7,5%
Osmolaridade (mOsm/L) 300 300 325 280-325 250-310 900-2400
Peso molecular (KDa) 69 450 280 30 0 0
Pressão coloidosmótica (mmHg) 20 100 30 60 30 0 0
Expansão volêmica (%) 100 500 100 150 150 25 40-100
Duração da expansão (h) 12-24 8-36 1-2 0,5-4
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8 ■ CHOQUE 121

Objetivos do tratamento com fluidos e


catecolaminas
Por meio de um estudo pioneiro de Shoemaker foi
identificado que os pacientes que se apresentam com índi-
ce cardíaco maior e melhor relação DO2/VO2 tiveram me-
nor mortalidade. Foi então testada a hipótese de que uma
supranormalização da oferta de oxigênio, ou seja, aumentar
artificialmente esses índices (com inotrópicos e volume)
poderia melhorar a sobrevida, fato que foi posteriormente
confirmado. Mais tarde, foi verificado que alguns pacientes
não podiam ser otimizados e que esses apresentavam uma
alta taxa de mortalidade, enquanto outros atingiam essa su-
Figura 12 – Choque obstrutivo por pneumotórax hipertensivo, à direita. pranormalização sem que nenhuma medida necessitasse ser
instituída, tendo esse subgrupo um melhor prognóstico.
Portanto, o tratamento com fluidos e catecolaminas visa ba-
sicamente melhorar a oferta de oxigênio para suprir as ne-
contrado em pacientes críticos e seu uso não é reco- cessidades do organismo, restaurando o metabolismo aeró-
mendado. bio. Aumentar a oferta do paciente permite que ele se afaste
– Doses intermediárias (5-10 µg/kg/min): predomina a da “zona de dependência”, na qual o consumo de O2 (VO2)
ação beta-adrenérgica, com aumento do inotropismo é limitado pela baixa oferta (DO2), resultando em metabo-
cardíaco e da frequência cardíaca. lismo anaeróbio. Muita ênfase tem se dado nos dias de hoje
– Doses maiores (> 10 µg/kg/min): predomina a respos- para que a ressuscitação do paciente seja feita o mais preco-
ta alfa-adrenérgica, com aumento da resistência sistê- cemente possível, antes mesmo da chegada do paciente à
mica e da pressão arterial. unidade de terapia intensiva (UTI) (Algoritmo 2).
– Doses maiores que 20 µg/kg/min: não se mostraram
benéficas e não são recomendadas. Choque cardiogênico (Algoritmo 3)
■ Dobutamina: catecolamina sintética que possui efeitos
predominantemente beta-adrenérgicos. Apresenta efeitos O choque cardiogênico é um estado de perfusão teci-
cronotrópicos e inotrópicos positivos, além de discreta dual inadequada em decorrência de disfunção cardíaca. É
vasodilatação sistêmica, o que facilita o trabalho do ven- uma situação de alta mortalidade (pode chegar a 50%-80%
trículo esquerdo; dose inicial de 2,5 µg/kg/minuto, com no choque pós-IAM).
aumentos de 2,5 µg/kg/minuto, até uma dose de 15 a 20 Do ponto de vista clínico, pode ser definido como uma
µg/kg/minuto, se tolerada e/ou indicada. situação de baixo débito cardíaco com evidência de hipo-
■ Noradrenalina (norepinefrina): catecolamina natural com perfusão tecidual, na ausência de hipovolemia. O diagnós-
efeitos alfa e beta-adrenérgicos, provocando intensa vaso- tico de choque circulatório pode ser feito à beira do leito
constrição, fato esse que levou a ser muito impopular seu pela observação de hipotensão, associada a sinais de hipo-
uso nos anos 1980, pois acreditava-se que causava vaso- perfusão tecidual, como oligúria, alterações da consciência,
constrição renal e diminuição do ritmo de filtração glo- extremidades frias e mal perfundidas. Entretanto, para o
merular. Porém, ao contrário do que se pensava, foi de- diagnóstico de choque cardiogênico deve-se documentar a
monstrado que em pacientes sépticos, adequadamente disfunção miocárdica e excluir hipovolemia. Do ponto de
ressuscitados do ponto de vista volêmico, a noradrenali- vista hemodinâmico, os critérios diagnósticos de choque
na aumenta o ritmo de filtração glomerular. cardiogênico são hipotensão (PA sistólica < 90 mmHg por
■ Inibidores da fosfodiasterase (amrinone ou milrinone): pelo menos trinta minutos) e um índice cardíaco reduzido
causam inotropismo positivo, sem nenhum efeito signi- (< 2,2 L/min/m2) na presença de uma pressão capilar pul-
ficativo na frequência cardíaca. Porém, causam intensa monar elevada (> 15 mmHg). Há, ainda, um subgrupo de
vasodilatação e, portanto, devem ser usados com precau- pacientes que se apresentam ao PS com IC descompensada,
ção. porém sem os sinais clássicos de choque cardiogênico como

Tabela 7. Agonistas adrenérgicos

Efeitos relativos e doses dos agonistas adrenérgicos


Agente β1 β2 α1
Norepinefrina (0,05-2 µg/kg/min) ++ 0 +++
Epinefrina (0,05-2 µg/kg/min) +++ ++ +++
Dopamina (1-20 µg/kg/min) +(++) + +(++)
Dobutamina (2,5-20 µg/kg/min) +++ + +
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122 ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS

Algoritmo 2. Terapia precoce guiada por objetivos

O2 suplementar
± IOT e ventilação mecânica
CVC e cateter arterial

Sedação, paralisia
(se IOT) ou ambos

< 8 mmHg Bolus 500 mL


PVC
cristaloide em 30 min

8-12 mmHg

< 65 mmHg
PAM Drogas vasoativas
ou > 90 mmHg

≥ 65 e ≤ 90

SvO2 < 70% Inotrópicos

≥ 70% ≥ 70%

Não Objetivos Sim


Admissão hospitalar
atingidos?

PVC = pressão venosa central; PAM = pressão arterial média; SvO2 = saturação venosa de
oxigênio; Ht = hematócrito. (Modificado de Rivers et al. N Engl J Med 2001; 345(19): 1368-77.)

descritos antes, mas que, numa avaliação laboratorial mais complicações mecânicas, como regurgitação mitral aguda
minuciosa, apresentam sinais laboratoriais de hipoperfusão por ruptura de músculo papilar, ruptura do septo interven-
como queda da saturação venosa central e aumento do áci- tricular, ruptura da parede livre do VE com tamponamento
do láctico (Tabela 8). cardíaco ou infarto extenso de VD, também podem cursar
A principal causa de choque cardiogênico é o infarto com choque cardiogênico. Outras causas incluem miocar-
agudo do miocárdio extenso (ou infartos menores num dites agudas, cardiomiopatias terminais, contusão miocár-
miocárdio já previamente comprometido). Além disso, dica, choque séptico com depressão miocárdica grave, dis-

Tabela 8. Classificação de Killip e Forrester

Killip Forrester
Estimativa clínica da gravidade do IAM Estimativa clínica e hemodinâmica do IAM
I • Não há IC 1 • Perfusão* normal
• Nenhum sinal de IC • Pressão capilar pulmonar (wedge) normal**
II • IC presente 2 • Perfusão* ruim
• Estertores (menos da metade do tórax), • Pressão capilar pulmonar (wedge) normal**
B3, turgência jugular • Paciente hipovolêmico
III • IC grave 3 • Perfusão* praticamente normal
• Edema pulmonar franco com crepitações em todo o tórax • Pressão capilar pulmonar (wedge) aumentada**
• Paciente com congestão pulmonar
IV • Choque cardiogênico 4 • Perfusão* ruim
• Hipotensão, oligúria, cianose e extremidades frias • Pressão capilar pulmonar (wedge) aumentada**
• Choque cardiogênico
* Em geral, o índice cardíaco é maior que 2,2 L/min/m2 quando há boa perfusão e menor que 2,2 L/min/m2 na hipoperfusão periférica.
** A pressão capilar pulmonar “normal” é de 18 mmHg.
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8 ■ CHOQUE 123

Algoritmo 3. Choque cardiogênico1

Sinais clínicos: choque, hipoperfusão, IC, edema agudo de pulmão. Qual o problema mais provável?

Edema agudo de pulmão, sem choque Problema de volume Problema de bomba Problema de frequência

Medidas iniciais: Administre: Bradicardia Taquicardia


• Furosemida IV 0,5 a 1,0 mg/kg • Fluidos
PA? Presença de
• Morfina IV 2 a 4 mg • Transfusão de sangue, S/N
hipotensão, choque e
• Nitroglicerina SL • Intervenções específicas
congestão pulmonar Tratar Tratar
• Oxigênio/IOT se necessário segundo a causa
conforme a conforme a
• Ventilação não-invasiva
causa causa

Dopamina Dobutamina
Medidas adjuvantes conforme 3 a 15 µg/kg/min IV
+ 2 a 20 µg/kg/min IV
a pressão arterial sistólica

Considerações diagnósticas/terapêuticas adicionais:


Nitroglicerina com ou sem • Cateter de artéria pulmonar
nitroprussiato • BIA (balão intra-aórtico)
(se PAS > 100 mmHg) • Angiografia para IAM/isquemia

1
Baseado nas novas diretrizes européias (2008) e americanas (2009).

função miocárdica após bypass cardiopulmonar prolonga- ■ Dopamina: deve ser preferencialmente utilizada em pa-
do, doenças valvares e cardiomiopatia hipertrófica obstru- cientes com hipotensão, congestão e má-perfusão periféri-
tiva (Tabela 9). ca. A taquicardia e o aumento da resistência vascular peri-
Evidências, tanto de estudos observacionais como de férica, induzidos pela dopamina, podem aumentar a
ensaios clínicos, mostram que uma estratégia invasiva, uti- isquemia miocárdica. Em algumas situações a associação
lizando vasopressores, balão de contrapulsão intra-aórtico, de uma droga vasopressora com dobutamina pode ser be-
ventilação mecânica e revascularização precoce reduzem a néfica. Em casos de hipotensão refratária, a norepinefrina
mortalidade. pode ser necessária para manter pressão de perfusão teci-
A avaliação e o tratamento do choque cardiogênico de- dual. A despeito de todas as intervenções farmacológicas e
vem ser iniciados simultaneamente. A abordagem inicial cirúrgicas, a mortalidade do choque cardiogênico conti-
deve incluir: nua extremamente elevada.
■ Pacientes com síndrome coronariana aguda e choque car-
■ Administração de volume ao paciente, a menos que haja diogênico devem ser submetidos imediatamente a ci-
edema pulmonar franco. neangiocoronariografia.
■ Oximetria de pulso, oxigênio e proteção de vias aéreas. ■ Hipoperfusão persistente indica a colocação de balão in-
■ Cateterização vesical. tra-aórtico.
■ Monitorização eletrocardiográfica.
■ Correção de distúrbios hidroeletrolíticos. Choque na embolia pulmonar
■ Morfina (ou fentanil se PA sistólica muito comprometi-
da) reduzem dor e ansiedade, diminuindo atividade sim- Deve-se suspeitar de embolia pulmonar em pacientes
pática e reduzindo o consumo de O2, a pré e a pós-carga. que manifestam dispneia, taquipneia ou dor torácica, com
■ Arritmias e BAVT apresentam grande efeito sobre o débi- as seguintes características:
to cardíaco e devem ser imediatamente corrigidos com
cardioversão elétrica, antiarrítmicos ou marcapasso. ■ Taquipneia e dispneia: mais frequentemente indicam
■ Pacientes com hipoperfusão e volume intravascular adequa- uma grande embolia, e podem vir associadas a dor torá-
do (PCP > 15 mmHg) têm indicado o uso de inotrópicos. A cica em aperto (isso indica isquemia de ventrículo direito).
dobutamina é um agonista beta-seletivo, sendo o agente de Habitualmente, a dispneia é súbita, mas pode piorar du-
escolha para pacientes com PAS > 80-90 mmHg. A dobuta- rante horas a vários dias. O diagnóstico é mais difícil em
mina pode exacerbar a hipotensão e induzir taquiarritmias. pacientes com IC ou DPOC, e uma EP deve sempre en-
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124 ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS

Tabela 9. Causas de choque cardiogênico


■ Trombólise: há indicação de trombólise, com janela te-
rapêutica de até quatorze dias, embora o principal bene-
Infarto agudo do miocárdio fício seja nas primeiras 72 horas do evento. A trombólise
Falência ventricular reduz desfechos primários (óbito e/ou recorrência da
• Infarto agudo extenso. EP) em 45% (IC95%: 4-67); com NNT de 14 (Tabela
• Infarto pequeno com disfunção ventricular prévia.
11).
• Extensão de infarto.
• Reinfarto. Choque séptico*
Complicações mecânicas Sepse é definida pela presença de SIRS (síndrome da
• Insuficiência mitral aguda por ruptura de músculo papilar. resposta inflamatória sistêmica) de origem infecciosa
• Ruptura de septo interventricular. (comprovada ou fortemente presumida). A SIRS é caracte-
• Ruptura de parede livre do ventrículo esquerdo. rizada pela presença de dois ou mais dos seguintes critérios:
• Tamponamento cardíaco.
Infarto de ventrículo direito
■ Temperatura > 38°C ou < 36°C.
Outras causas
■ Frequência respiratória > 24 irpm.
■ Frequência cardíaca > 90 bpm.
• Cardiomiopatia terminal.
■ Contagem de leucócitos > 12.000/mm3 ou < 4.000/mm3
• Miocardite aguda.
ou número de bastões > 10%.
• Contusão miocárdica.
• Circulação extracorpórea prolongada. Sepse grave é definida como presença de hipotensão,
• Choque séptico com depressão miocárdica grave. disfunção orgânica ou evidências de hipoperfusão tecidual.
• Obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo. Choque séptico é definido como hipotensão refratária
- Estenose aórtica. à reposição volêmica, associada a sinais de disfunção orgâ-
- Cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva.
nica ou sinais de hipoperfusão.
Síndrome da disfunção de múltiplos órgãos é presença
• Obstrução do enchimento ventricular esquerdo.
de função orgânica alterada em pacientes gravemente en-
- Estenose mitral.
fermos, nos quais a homeostase do organismo não pode ser
- Mixoma de átrio esquerdo. mantida sem intervenção.
• Insuficiência mitral aguda por ruptura de cordoalha.
• Insuficiência aórtica aguda.
Tabela 10. Alterações hemodinâmicas/pulmonares da embolia
pulmonar

trar no diagnóstico diferencial desses pacientes com • Aumento da pressão na artéria pulmonar
descompensação no pronto-socorro.
• Hipocinesia e redução do débito cardíaco
■ Dor torácica (com ou sem dispneia): um dos mais fre-
• Abertura de shunts arteriovenosos
quentes sintomas.
■ Síncope e hipotensão: indicam grande EP, geralmente em • Desequilíbrio ventilação/perfusão

grandes artérias e implicam maior mortalidade. Há uma • Liberação de vários mediadores químicos
série de alterações hemodinâmicas com aumento da re- • Atelectasia e hipoxemia
sistência da circulação pulmonar, hipoxemia, queda do • Redução do enchimento de ventrículo esquerdo (restrição do
débito cardíaco, oligúria, extremidades frias e sinais de pericárdio e dilatação de VD com desvio do septo interventricular).
hipoperfusão (Tabela 10). Círculo vicioso: hipertensão pulmonar,
redução do débito cardíaco, hipoxemia e choque.
O diagnóstico de pacientes com suspeita de EP e
choque deve ser feito com ecocardiograma à beira do leito
e ultrassom de membros inferiores.
Dificilmente esses pacientes apresentam condição Tabela 11. Trombólise na EP de alto risco
clínica de transporte à tomografia (TC helicoidal, protoco-
• Ativador do plasminogênio tecidual (t-PA): 100 mg IV em duas horas
lo EP).
(associado à heparina não-fracionada).
O tratamento inclui:
• Estreptoquinase: 1.500.000 unidades IV em duas horas (dose sugerida
pelo consenso europeu).
■ Suportes hemodinâmico e respiratório são essenciais (em
• Estreptoquinase: administrar um bolus de 250.000 unidades IV em trinta
geral, com IOT). minutos e após, manter 100.000 unidades/hora durante 24 horas (outra
■ Heparina não-fracionada intravenosa: bolus de 80 U/kg de opção para estreptoquinase).
peso, IV (máximo de 4.000 U), concomitante à bomba de
infusão de heparina (18 U/kg/hora) com coleta de coagu-
lograma (TTPA) de 6 em 6 horas, e mantê-lo entre 46-70 * Detalhes do choque séptico são descritos no Capítulo 9 – Sepse e
segundos (1,5 a 2,3 vezes o controle). Choque Séptico.
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8 ■ CHOQUE 125

É importante lembrar que qualquer microrganismo ■ Controle estrito da glicemia (para manter a glicemia entre
pode provocar sepse ou choque séptico, incluindo bactérias, 70-100 mg/dL): infelizmente, em dois grandes estudos
vírus, protozoários, fungos e espiroquetas. Adicionalmente, publicados recentemente (2008 e 2009), o controle ri-
a sepse por Gram-negativo é indistinguível daquela por goroso da glicemia não se mostrou útil e não deve mais
Gram-positivo, quando avaliada clinicamente. ser recomendado de rotina. A melhor estratégia volta a
No choque séptico, além dos achados próprios de cada ser aquela utilizada no passado, ou seja, manter glicemias
infecção, clinicamente, costumam ocorrer (isoladamente menores que 150 a 180 mg/dL. Controle rigoroso da
ou em combinação): febre ou hipotermia, taquicardia, ta- glicemia aumenta a chance de hipoglicemia, sem trazer
quipneia, hipoxemia, oligúria, cianose, má perfusão perifé- nenhum benefício.
rica, icterícia, íleo paralítico, confusão e rebaixamento do ■ Aspectos nutricionais do paciente séptico: esses pacientes
nível de consciência. têm demanda metabólica muito aumentada e, por isso, a
Em termos hemodinâmicos, a sepse caracteriza-se ini- adequada nutrição é fundamental. A via enteral é sempre
cialmente por uma fase hipodinâmica às custas de redução preferida, já que a nutrição parenteral está associada a
do volume intravascular e eventualmente depressão mio- maiores complicações.
cárdica. Após a ressuscitação, tipicamente ocorre evolução
para um padrão hemodinâmico de débito cardíaco elevado, Terapias não-indicadas (aguardam-se estudos mos-
redução da resistência vascular sistêmica por vasoplegia, trando benefício):
bem como elevação do lactato arterial e redução da perfu-
são tecidual, com alteração do enchimento capilar. A satu- ■ Hemofiltração para retirada de citocinas: apesar de racio-
ração venosa tipicamente é alta e a presença de ânions não nalmente interessante, ainda há falta de maiores evidên-
mensuráveis altera o déficit de base na gasometria arterial. cias que indiquem benefício em mortalidade. Plasmafére-
É importante salientar que o diagnóstico precoce de sepse,
principalmente nas suas formas mais graves, reveste-se de
importância prognóstica, na medida em que, uma vez sen-
Tabela 12. Achados do choque séptico
do adiados o diagnóstico e o tratamento, a chance de que
haja evolução para insuficiência de múltiplos órgãos au- 1 – Variáveis gerais
menta, o que, em última análise, é a grande causadora de • Febre (temperatura central > 38,3ºC)
óbito nesses indivíduos.
• Hipotermia (temperatura central < 36ºC)
Os principais achados do choque séptico estão descri-
• Frequência cardíaca > 90 bpm
tos na Tabela 12.
• Taquipneia (frequência respiratória > 20 ipm)
• Alteração neurológica
Aspectos recentes do tratamento do choque séptico
• Edema significativo ou balanço hídrico positivo (> 20 mL/kg em 24 horas)
■ Corticosteroides: infelizmente, o melhor estudo disponível, • Hiperglicemia (glicemia maior que 120 mg/dL) na ausência de diabetes
CORTICUS, publicado no ano de 2008, com 499 pa- 2 – Variáveis inflamatórias
cientes, não mostrou benefício de corticoide de rotina no • Leucocitose (> 12.000/mm3)
choque séptico. Talvez o único resultado positivo (que • Leucopenia (< 4.000/mm3)
pode indicar a terapia com corticoide) seja nos pacientes
• Contagem leucocitária normal com mais de 10% de formas imaturas
com choque séptico persistente após uma hora de vaso-
• Níveis plasmáticos de proteína C-reativa aumentados 2 vezes do normal
pressor ou naqueles que necessitam de aumentos fre-
quentes das doses de vasopressores, desde que o corti- • Níveis plasmáticos de procalcitonina aumentados 2 vezes do normal
coide seja prescrito em até 8 horas da chegada ao PS. Da 3 – Variáveis hemodinâmicas
mesma forma, esse estudo mostrou que não houve bene- • Hipotensão arterial (PAS < 90 mmHg, PAM < 70 mmHg ou decréscimo
fício em determinar a reserva adrenal pelo teste da maior que 40 mmHg em adultos)
cortrosina. Nos poucos pacientes que têm indicação de • SvO2 > 70%
corticoide, a dose é: • Índice cardíaco acima de 3,5 L/min/m2
– Hidrocortisona: 50 mg IV em bolus e de 6/6 horas. 4 – Variáveis de disfunção orgânica
– O benefício de doses suprafisiológicas é associado com • Hipoxemia (PaO2/FiO2 < 300)
aumento de mortalidade. • Oligúria aguda (débito urinário < 0,5 mL/kg/h por pelo menos 2 horas)
■ Infusão intravenosa de proteína C ativada: pode reduzir
• Aumento na creatinina maior que 0,5 mg/dL
a mortalidade (NNT = 16) quando usada em pacientes
• Íleo (ruídos hidroaéreos ausentes)
graves (alto risco de morte, definido por APACHE > 25
e disfunção de múltiplos órgãos), embora apresente • Trombocitopenia (contagens plaquetárias < 100.000/mm3)
uma tendência a aumentar o número de episódios de • Hiperbilirrubinemia (> 4 mg/dL)
hemorragias graves (3,5% versus 2,0%, p = não-signi- • Alterações de coagulação (INR > 1,5 ou TTPa > 60 s)
ficativo). Portanto, atualmente é considerada útil no 5 – Variáveis de perfusão tecidual
tratamento do choque séptico apenas em pacientes • Hiperlactatemia
mais graves, embora haja limitação pelo alto custo do • Redução do enchimento capilar
produto.
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126 ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS

Tabela 13. Critérios diagnósticos da anafilaxia*

Critério 1: Início agudo de uma doença (em minutos ou horas) com envolvimento da pele, das mucosas ou ambos e de um dos seguintes:
• Acometimento de vias respiratórias (p. ex., dispneia, sibilos, estridor, hipoxemia).
• Redução da PA ou sintomas de hipofluxo sanguíneo (p. ex., síncope, incontinência, choque, hipotonia etc.).
Critério 2: Dois ou mais dos seguintes achados:
• Envolvimento de pele – mucosas.
• Acometimento respiratório (dispneia, sibilos, estridor, hipoxemia).
• Redução da PA ou sintomas associados.
• Sintomas gastrintestinais persistentes (p. ex., vômitos, dor abdominal, cólicas).
Critério 3: Redução da PA após exposição a um conhecido alérgeno para o paciente.
* Critérios 1 ou 2 ou 3 caracterizam anafilaxia.

se também tem sido testada com o mesmo objetivo, com O diagnóstico de anafilaxia é eminentemente clínico.
resultados mais promissores.
■ Apesar do sistema de coagulação ser muito importante Tratamento
no mecanismo de lesão tecidual, nem a heparina nem a
antitrombina têm mostrado benefícios no tratamento do ■ Parada cardiorrespiratória: devem ser seguidas as re-
choque séptico. comendações do suporte avançado de vida. Especial
■ Terapias com medicações anticitocinas também não têm atenção deve ser dada à manutenção da perviabilidade
se mostrado úteis. das vias aéreas altas, pois no edema de glote pode ser
necessária uma cricotireoidotomia (Tabela 14).
Choque anafilático ■ Choque anafilático: oxigênio (se necessário, IOT),
reposição volêmica (salina isotônica), adrenalina por via
A anafilaxia é caracterizada por manifestações clínicas intravenosa, anti-histamínicos H1 e H2 e corticosteroides
isoladas ou em diversas combinações, envolvendo algum (Tabela 15).
dos seguintes sistemas: respiratório, cardiovascular, neuro- ■ Choque refratário à epinefrina (na dose descrita): pres-
lógico, cutâneo e gastrintestinal (Tabela 13). Os sintomas crever adrenalina ou dopamina ou noradrenalina em
estabelecem-se cerca de minutos a horas depois do contato bomba de infusão contínua (Algoritmo 4, Figura 13).
com o alérgeno, sendo mais comuns na primeira hora sub-
sequente. A rapidez com que os sintomas ocorrem guarda
relação com a gravidade dos sintomas. Após a exposição,
pode haver um intervalo de horas para que as manifesta-
ções clínicas se iniciem, dependendo da via de administra- Tabela 14. Particularidades da PCR na anafilaxia (ACLS 2005)
ção do agente e incluem:
1) Volume:
■ Pele: o envolvimento cutâneo é a apresentação mais co- • Dois acessos de grosso calibre (14) com infusão rápida de soro
mum (ausente em apenas 10 a 15% dos casos), represen- fisiológico (4 a 8 litros).
tado por urticária e angioedema, que podem ser precedi- 2) Epinefrina em altas doses:
dos por eritema e prurido. • Prescrever 1 a 3 mg inicialmente.
■ Tonturas ou síncope: podem estar presentes, na presença • Doses crescentes: 3 a 5 mg/de 3-3 a 5-5 minutos.
ou não de hipotensão ou choque anafilático. 3) Anti-histamínicos*:
■ Gastrintestinal: náusea, vômitos, diarreia e cólicas.
• Difenidramina: 25 a 50 mg IV.
■ Vias aéreas: tanto superiores como inferiores podem ser
• Ranitidina: 50 mg IV.
acometidas. Manifestações como estridor, disfonia,
rouquidão ou dificuldade para deglutir indicam envolvi- 4) Corticosteroide*:
mento alto e devem alertar para a possibilidade de ede- • Metilprednisolona: 125 mg IV.
ma de glote. Rinoconjuntivite pode também ocorrer. Já a 5) Tempo de RCP:
presença de sibilância e sensação de aperto no peito in- • É prudente não encerrar os esforços precocemente, haja visto a idade
dicariam envolvimento de vias aéreas baixas (broncoes- jovem da maioria dos pacientes.
pasmo). * Não existem evidências para recomendar anti-histamínicos ou esteroides na PCR,
■ Outros: em alguns casos, a anafilaxia pode se manifestar entretanto o ACLS 2005 recomenda.

apenas como perda de consciência, morte súbita ou con-


vulsões.
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8 ■ CHOQUE 127

Algoritmo 4.Tratamento da anafilaxia Tabela 15. Tratamento do choque anafilático (todos IV)
Reavaliação do paciente

• Adrenalina:
Diagnóstico de anafilaxia
– Concentração: 1:10.000 (1 mL de adrenalina diluída em 9 mL de soro
fisiológico)
– Dose: 0,1 a 0,3 mL em infusão lenta (5 minutos); pode repetir a cada 5-
• Vias aéreas (observar perviabilidade, indicação de 15 minutos
oxigênio, intubação ou cricotireoidotomia). • Difenidramina: 25 a 50 mg até de 4/4 ou 6/6 horas
• Estado hemodinâmico (medir pulso e pressão
• Ranitidina: 50 mg de 8/8 horas
arterial); monitorização cardíaca.
• Acesso venoso para infusão de fluidos, se necessário. • Metilprednisolona: 125 mg, até 6/6 horas (ou doses equivalentes de
outros corticoides)
– Concentração: 1:10.000 (1 mL de adrenalina diluída em 9 mL de soro
fisiológico)
Parada cardiorrespiratória – Dose: 0,1 a 0,3 mL em infusão lenta (5 minutos); pode repetir a cada 5-
15 minutos
Sim Não
• Difenidramina: 25 a 50 mg até de 4/4 ou 6/6 horas
• Ranitidina: 50 mg de 8/8 horas
• Metilprednisolona: 125 mg, até 6/6 horas (ou doses equivalentes de
Seguir orientações de PCR. Seguir orientações de outros corticoides)
Conforme as novas anafilaxia
diretrizes do ALS

• Adrenalina (preferencialmente intramuscular, CONCLUSÕES


em vasto lateral da coxa).
• Anti-histamínicos. ■ Choque pode ocorrer com PA normal e nem todos os pacientes
• Corticosteroides. com hipotensão arterial apresentam choque. Caracterizar má
• Broncodilatadores (se necessário). perfusão é muito mais do que caracterizar hipotensão.
■ Taquicardia ocorre como uma resposta fisiológica normal à dimi-
nuição do volume sistólico; porém, níveis acima de 130 bpm po-
dem interferir com o enchimento diastólico. Eventualmente, bra-
Reavaliação do paciente dicardia pode ser a causa do estado de choque. Por isso,
frequências cardíacas inapropriadamente baixas frente à hipoten-
são devem ser corrigidas.
■ Hipotensão é geralmente a forma de apresentação no pronto-
Melhorado Pior ou indiferente
socorro. A hipotensão pode levar à hipoperfusão tecidual, deven-
do ser restaurada o mais precocemente possível. A pressão arte-
rial (PA) pode ser medida de forma não-invasiva ou de forma
Adrenalina IM ou IV
invasiva através da colocação de um cateter arterial, sendo essa
Observar
a cada 5 minutos. última forma a preferida nos pacientes em choque ou com uso de
Considerar drogas vasoativas se drogas vasoativas.
hipotensão irresponsiva a fluidos. ■ Temperatura é variável e deve ser medida no esôfago ou via retal.
Considerar glucagon nos casos A medida através da temperatura da pele (axilar ou oral) pode ser
irresponsivos. falsamente baixa por causa da vasoconstrição.
■ Oximetria de pulso pode mostrar hipoxemia, embora, em caso de
vasoconstrição intensa, o dispositivo possa perder o sinal.
■ Monitorização do débito urinário é um método não-invasivo e fá-
cil para reconhecer a hipoperfusão tecidual. Trata-se de um dos si-
nais mais precoces e a melhora nesse parâmetro ajuda a guiar a
terapêutica.
■ Os valores de excesso de base (base excess – BE) correlacionam-se
com a presença e a gravidade do choque. Servem também para
monitorização da reposição volêmica e seus valores se normali-
zam com a restauração do metabolismo aeróbico.
■ A evolução dos pacientes com sepse/choque séptico depende
fundamentalmente da identificação precoce do quadro, bem
como da precocidade e da eficácia do tratamento adotado na
sala de emergência. O tratamento geral da sepse inclui
ressuscitação volêmica precoce guiada por metas,
antibioticoterapia imediata e remoção de focos infecciosos.
Quando necessário, o suporte com drogas vasoativas e
inotrópicos deve ser instituído.
Figura 13 – Urticária aguda – placa eritêmato-edematosas no tronco.
08 Choque.qxd 19.05.09 16:31 Page 128

128 ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS

9. Schmidt GA, et al. Glycemic control and intensive insulin therapy in


■ O choque cardiogênico é um estado de perfusão tecidual critical illness. In: UptoDate, Software 17.1, 2009. www.uptodate.com.
inadequada em decorrência de disfunção cardíaca. É uma situação 10. Bashore TM, et al. Heart disease (heart failure). In: McPhee SJ, et al. Cur-
de alta mortalidade (pode chegar a 50-80% no choque pós-IAM). rent medical diagnosis and treatment. 48. ed. New York: McGraw-Hill;
■ A principal causa de choque cardiogênico é o infarto agudo do 2009. p.347-62.
miocárdio extenso (ou infartos menores num miocárdio já 11. The Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic
previamente comprometido). Heart Failure 2008 of the European Society of Cardiology. ESC guide-
lines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure
■ Pacientes com síndrome coronariana aguda e choque
2008. European Heart Journal 2008; 29: 2388-442.
cardiogênico devem ser submetidos imediatamente a 12. Braunwald E. The management of heart failure: the past, the present,
cineangiocoronariografia. and the future. Circ Heart Fail 2008; 1: 58-62.
■ Suspeitar que a causa do choque é uma embolia pulmonar: 13. Hoekstra J, et al. Management of hypertension and hypertensive emer-
pacientes com história de dor torácica, dispneia súbita com ou gencies in the emergency department: the EMCREG-International Con-
sem fatores de risco para trombose venosa profunda. O sensus Panel Recommendations. Ann Emerg Med 2008: Suppl; 51(3):
ecocardiograma na sala de emergência é o exame recomendado S1-S38.
nessa situação. 14. Kosowsky JM. Heart failure. In: Adams JG, et al, Emergency medicine. 1.
ed. New York: McGraw-Hill; 2008. p.523-36.
■ Choque e EP: garantir suporte hemodinâmico e respiratório;
15. Diercks DB, et al. Hypertension with acute coronary syndrome and heart
prescrever heparina não fracionada intravenosa e trombólise failure. Ann Emerg Med 2008; 51(3); Suppl: S34-S36.
química. 16. Hochman JS, et al. Cardiogenic shock and pulmonary edema. In: Kasper,
■ Choque anafilático: hipotensão + sintomas que ocorrem cerca de Braunwald, Fauci, et al. Harrison’s principles of internal medicine. 17.
minutos a horas depois do contato com o alérgeno envolvendo ed. New York: McGraw-Hill; 2008. p.1702-7.
(isoladamente ou combinação) pele, trato respiratório, 17. Mann DL. Heart failure and cor pulmonale. In: Kasper, Braunwald, Fau-
gastrintestinal e neurológico. ci, et al. Harrison’s principles of internal medicine. 17. ed. New York: Mc-
Graw-Hill; 2008. p.1443-55.
■ Tratamento do choque anafilático: garantir permeabilidade das
18. Chesnutt MS, et al. Pulmonary venous thromboembolism. In: McPhee
vias aéreas, reposição volêmica, adrenalina intravenosa, anti-H1, SJ, et al. Current medical diagnosis and treatment. 48. ed. New York: Mc-
anti-H2 e corticosteroides. Graw-Hill; 2009. p.260-6.
19. The Task Force for The Diagnosis and Management of Acute Pulmonary
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agnosis and management of acute pulmonary embolism. European
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