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1 CAPITÚLO -A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS NO PROCESSO SÓCIO-CULTURAL

Este trabalho propõe uma reflexão sobre a educação infantil, levando a discutir o

papel da criança na sociedade em que vive, destacar as suas individualidades e como a

criança é vista pelos adultos.

Segundo Pavoni (1989,p.41), “as formas de pensamento primitivos ou arcaicos

aparecem mais claramente na infância, porque a criança ainda está treinando o uso do

raciocínio e aprendendo seu código.”

Antigamente a criança era vista como um adulto em miniatura, ela só tinha

participação na sociedade a partir do momento em que fosse útil através da sua força de

trabalho.Em algumas situações a criança demonstra aparecer um ser dependente e

indefeso.E isso faz com que a sociedade pense que a criança é um ser inferior e imaturo.

Guimarães (2002) diz que, a idéia de infância é um conceito relativamente novo, ela

vem a surgir com a sociedade capitalista, quando o papel social da criança muda dentro da

sociedade.Mas, infelizmente, a criança ainda é vista como um ser incapaz de conviver

socialmente e, por isso, temos tido sempre a intenção de transformar a criança no adulto

que somos, modelando-as do modo que queremos que elas sejam, de acordo com o

momento histórico-cultural.E, para muitos a criança nada mais é do que uma extensão do

adulto com características inferiores e imaturas.

É de grande importância considerar a criança tanto individual como coletivamente a

partir do meio social e cultural em que se encontra e perceber a criança como um ser

humano-criança-criativo e autônomo.A maneira como se valoriza e expõe um olhar sobre a

criança ocorre de várias maneiras, isto acontece de acordo com a organização e a estrutura

social e econômica de cada comunidade.


Kramer ( ,p.31) diz que, “... compreender que a dependência da criança em

relação ao adulto é fato social e não natural”, ou seja, a sociedade a partir de várias

gerações determinou essa relação submissa da criança para o adulto, impedindo o processo

natural, não dando a oportunidade da criança se expressar e demonstrar as suas

habilidades.As relações poderiam ser diferentes e o adulto e a criança seriam vistos com

igualdade de valor e sem discriminação de um para o outro.

Rousseau (1762), numa leitura feita por Guimarães (2002), caracteriza a infância

como uma fase feliz, época em que o interior do ser humano se torna livre da influência da

sociedade, isto que dizer que, a criança é capaz de viver de uma maneira espontânea e

verdadeira, sem preconceito,desrespeito ao próximo e hipocrisia.Pavoni (1989) diz que a

criança ainda é vista como um ser incapaz de conviver socialmente por não ser dotado do

uso da razão e, portanto do julgamento de suas ações e das ações dos outros.Um dos

objetivos do educador deve ser o de investigar o papel da criança no meio social em que

vive, onde acontece as relações e o desenvolvimento com o mundo.

Guimarães (2002) salienta que para Piaget (1973) a criança é vista como um sujeito

do conhecimento científico.E para Vigotsky (1994), a criança é um sujeito social com

características sociais e culturais.Piaget (1973,p. ), diz que “... para um ser humano se

considerar como ser social é preciso a qualidade e trocas intelectuais.”A partir de uma

relação de cooperação através das interações sociais irá se estabelecer um desenvolvimento

da inteligência.As interações contribuem para a construção do conhecimento para

demonstrar como o meio social contribui nas trocas que o indivíduo faz com ele.Segundo

Guimarães (2002) para Vigotsky (1994,p. ), “o sujeito é um ser social influenciado pelo

meio em que vive e se caracteriza através da cultura.A cultura faz parte da natureza

humana.”
As interações sempre estão associadas ao meio sócio cultural específico de cada

sociedade garantindo, no contexto, significados próprios de sua realidade.Pelas trocas que

se estabelecem com o meio social, a criança começa a dar significado às sua ações, a partir

da relação com o outro e com o meio social em que vive.Para alguns, acriança faz parte da

sociedade e deve se integrar nesse contexto de acordo com a visão de mundo do

adulto.Contudo, a sua maneira de ver o mundo e senti-lo acontece de uma forma diferente

da do adulto.A criança passa por um processo contraditório entre a sua visão de mundo e a

visão de mundo do adulto, portanto podemos dizer que a criança é diferente do adulto nas

idéias e nos seus sentimentos.

Segundo Damázio (1994,p.28), “Além disso, toda criança, o que significa todo

indivíduo ( e toda uma geração de indivíduos), traz em potencial uma rica gama de

possibilidades renovadoras, ainda que a sociedade opere dominantemente com padrões de

repetição.”

A nossa cultura nunca se dá de uma forma completa e total, porque os nossos

padrões de vida, a que a sociedade nos submete, estão sempre gerando diferenças, crises e

tensões.A família e a escola, como instituições sociais, tentam exercer de forma

sistematizada uma preparação e ajustamento do indivíduo na sociedade.Mas a realidade da

criança não se restringe apenas a isso, existem outros fragmentos,como os meios de

comunicação que irá tornar o contato da criança com a sociedade cada vez mais complexo.

Em meio a esses padrões, que a sociedade impõe, a criança traz em si muitas

possibilidades inovadoras,mesmo que a sociedade continue exercendo seus padrões sócios

culturais.Ao nascer, a criança já se depara com vários aspectos sociais já reproduzidos pela

sociedade como, a linguagem, os costumes, as leis, e objetos de acordo com a sua realidade,

a criança então terá que desenvolver meios de lidar com o mundo.


O que acontece é que na sociedade e, principalmente, na família, a criança é sempre

“obrigada” a participar da realidade,não como sujeito,mas como objeto manipulável.Na

família, a criança, de alguma forma, está sendo direcionada e manipulada pelo adulto.A

família acaba por direcionar e formar,de acordo com os seus padrões, a personalidade da

criança,pois ela é a primeira referência d a criança, no processo histórico cultural.

Damázio (1994,p.29), diz que, “ a criança se torna o depósito dos conceitos, desejos,

neuroses e até frustrações dos pais.”Parece extremamente difícil para os pais entenderem

que a criança é um outro indivíduo, que tem e terá vontades, opiniões e neuroses próprias.O

autor ainda afirma que é preciso que a criança seja respeitada como sujeito, ouvir o seu

ponto de vista, dar oportunidade a ela e deixar que se manifeste perante o seu

desenvolvimento.É deixar que a criança expresse para a comunidade as inúmeras

possibilidades de criação, expressão e conhecimento para o possível desenvolvimento da

sociedade e da relação do adulto com a criança.

Geralmente, o poder público, a burguesia e a mídia manipulam também a família,

que, de forma inconsciente, manipulam a criança.Por isso a criança torna-se um objeto, e,

na maioria das vezes, é obrigada a fazer a vontade dos pais, sendo geralmente reprimidas e

“agredidas” com comportamento obscuros, sem diálogo lúcido e sincero.Parece-nos que há

muita dificuldade para os pais em conviver com os seus filhos e pouco espaço para criar as

relações para diálogos francos e inteligentes.

Portanto, é na família que acontece a formação inicial da criança.Mesmo quando

esta criança não tem família, ela é levada para uma instituição ou vive por conta própria em

uma realidade que não gera possibilidades de um desenvolvimento saudável.De qualquer

maneira, a criança torna-se “obrigada” a “se virar” para se tornar, o máximo possível, um

adulto adaptado à sociedade.Depois da família a referência mais importante é a escola.É a


partir daí, que o contato se torna mais abrangente junto a coletividade, ocorrendo trocas de

novas experiências e relacionamentos, desenvolvendo, dilatando-se a vida social.De todo

modo, podemos dizer que estamos sempre aprendendo?ou ensinando alguma coisa, seja

com os amigos,parentes, professores, a partir de posturas, gestos, palavras, sendo em casa,

na rua, em festas, etc.

Todo este processo de convívio e experiências acontece de forma generalizada

dispondo de um aprendizado espontâneo e informal que podemos chamar de cotidiano.A

educação na escola acontece de forma sistematizada buscando uma formação ordenada e

em série, preparando o aluno para o convívio em sociedade a partir da moral e da ética já

existente.

Contudo, a educação na escola está ligada à educação cotidiana, ou seja, a criança

terá a sua formação influenciada por uma educação formal.Isto quer dizer, também, que a

criança traz o seu conhecimento prévio para a escola que deverá se r desenvolvido

juntamente com os conteúdos curriculares.Mesmo que a escola reproduza os padrões

existentes ela também vai criar espaços para novas alternativas.

Mas a escola não está ligada a educação do cotidiano, como poderia.A escola se

tornou uma instituição comercial, onde o interesse se tornou quantitativo e não qualitativo,

demonstrando conteúdos convencionais e utilizando esquemas didáticos pré-fabricados.A

escola, inclusive, não está conseguindo acompanhar a evolução que a sociedade se

encontra, através de uma velocidade de informações e acontecimentos.

A educação que temos construído dá importância aos modelos e sistemas pré-

concebidos e se esquece de enfatizar o que há de mais importante que são as idéias, os

pensamentos e a leitura de mundo do aluno e do seu conhecimento dentro da sua própria

realidade.Se a criança não tiver condições para fazer sua leitura de mundo e situar como
sujeito criativo e consciente, a sociedade pode se estagnar e romper com a continuação dos

processos que acontecem, como o desenvolvimento da tecnologia, da saúde, da educação,

que dependem de indivíduos que tenham responsabilidade e consciência do seu papel na

própria sociedade.

O ensino de massa tem sido um ensino precário,onde as crianças e os professores

estão passando por um processo descartável.O ensino descartável é um ensino que só se

preocupa em despejar os conteúdos pré-fabricados sobre um maior número de alunos, como

um processo quantitativo para o mercado de trabalho.Há também, nesse contexto, o

professor descartável que é um profissional sem condições de trabalho e vítima de

remuneração precária, portanto, não está tendo condições de exercer o seu papel na escola.

A escola dá importância às grades curriculares formais, modelos e sistemas pré-

concebidos e se esquecem para quem e para onde está indo este ensino, ou seja, a realidade

deste aluno e o profissional estão sendo descartados e ignorados pela escola e o poder

público. A educação e a cultura estão totalmente interligados, e o objetivo deveria ser o de

levar o indivíduo a buscar outras formas de conhecimento.Quando o aluno traz o seu

conhecimento prévio para a escola, podemos chamar de cultura, ou seja, os valores,

costumes, opiniões e idéias que cada indivíduo faz ao realizar a sua leitura de mundo.É

muito importante respeitar a leitura de mundo de cada indivíduo, para que ele posa

construir e desfrutar de autonomia.

Entretanto, Damázio (1994,p.34-36), diz que “... a escola se tornou burocratizada e

comercial.A forma como o conhecimento tem sido trabalhado na escola se tornou

pasteurizada, formal e cheia de contradições.” A escola está valorizando o aluno de forma

quantitativa, caracterizando-o como um tipo de produto a ser inserido no mercado de

trabalho, esquecendo das suas características e potenciais.A forma como o conhecimento


está sendo transmitido é reflexo da desvalorização do professor, da falta de investimento

público nas escolas e outros fatores que ocorrem nas instituições de ensino.

A educação acredita no indivíduo como um ser histórico, cuja natureza se constrói

de maneira social e cultural.Por isso a criança como um ser social deve ser estimulado a

fazer a sua própria leitura de mundo para desenvolver a sua criatividade e

autonomia.Damázio(1994,p.37) afirma que, “se a criança não tem condições mínimas para

uma leitura de mundo que a leve a situar-se como sujeito do mundo consciente, crítico e

criativo (capaz de entender a realidade e agir conscientemente), coremos o risco de

continuar fechando as portas para o aprimoramento dessa humanidade que vimos criando.”

As crianças nos dias de hoje vive em um meio muito conturbado e

complexo.Depara-se com várias realidades e desigualdades sociais e ao mesmo tempo com

uma velocidade incrível de informações e acontecimentos.A linguagem é um processo

essencial para a transmissão das idéias e pensamentos do indivíduo.É onde a criança

consegue se expressar sobre sua visão de mundo.Assim, falar de autonomia em relação à

educação infantil mostra, de maneira contraditória, uma noção da criança como um

indivíduo incapaz de construir um saber próprio e participativo em sociedade.

A forma negativa como temos agido com as crianças é o pico de um ciclo neurótico-

cultural, de violência do homem contra o homem e do homem contra a natureza.A prática

da qual os adultos fazem para restringir aquilo que na infância, parece saudável e promissor

para o indivíduo, e acaba por tornar uma frustração ou imposição do adulto contra a

criança.A indiferença com que o adulto olha sobre a infância, em termos de imaginário e

comportamento, está sendo cada vez mais intensificada.

Ainda, assim, os meios de comunicação e a tecnologia moderna estão modificando

os brinquedos, as concepções de brincadeira e a fantasia da criança.A sociedade está


impondo para as crianças uma outra cultura, adaptável a nossa vida e presente no cotidiano

das crianças de forma massificadora que só tem a visar o lucro.O que vemos hoje são

brinquedos comerciais que envolvem as crianças através das suas formas, cores e

tecnologia e que acabam privando a criança de criar, se expressar e descobrir a partir do seu

imaginário.É preciso respeitar as necessidades e as diferenças da criança e dar a

oportunidade para que ela possa demonstrar o seu potencial diante de sua visão de mundo

dentro do meio em que vive.

Estabelecer um diálogo aberto e sincero,tornar possível a troca de experiências entre

o adulto e a criança para um melhor desenvolvimento em sociedade.Por fim, sabemos que a

criança tem direito e possibilidades através das suas potencialidades de fazer parte do

processo sócio-cultural e contribuir para o seu ambiente escolar, experiências

enriquecedoras para o desenvolvimento de ações na escola.

É importante que os adultos criem um olhar sobre a criança, vendo-a não como

objeto,mas como sujeito da história.A grande confusão fica por conta do adulto, que

transformam as crianças em miniaturas de adultos, e acabam passando para os próprias, a

imposição de verdades e valores inquestionáveis, à incoerência de posturas e ordens e a

repressão da curiosidade e do prazer.

A criança deve viver como criança, para se tornar um assunto saudável, equilibrado

e consciente. A sociedade e principalmente os educadores e a família devem ter maior

compromisso, consciência e criatividade. Além de muito carinho e amor, é preciso

desenvolver um ambiente de crescimento e participação. E deixar que a criança ocupe o seu

espaço de direito como sujeito no seu momento específico de vida no processo histórico e

sócio-cultural.

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