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SANDRO REGUEIRA
MACEIÓ, ALAGOAS
2015
1
SANDRO REGUEIRA
MACEIÓ, ALAGOAS
2015
2
FOLHA DE APROVAÇÃO
Banca Examinadora:
AGRADECIMENTOS
Ao Colégio Santíssimo Sacramento, do qual fui bolsista durante a maior parte da minha vida;
À minha mãe, que apesar de sempre reclamar, é a mulher mais formidável de toda a galáxia;
Ao meu pai, que apesar de tudo, me ensinou a idealizar e sonhar;
Ao futuro futebolista Pedro ―Bonitinho‖ Regueira e à Pitchulinha-Thati, Thati-Pitchulinha;
À Turma do Cabelo, Galera VL e Ehosprastxcho;
Àqueles que integraram e integram a Deslucro, inclusive os fãs e as maravilhosas Deslucretes;
Aos companheiros da Articulação de Esquerda e do Partido dos Trabalhadores;
À galera da ZRP, lugar onde fui criado, vide: Chokito e Edgard, amigos da mesinha do Rui; Tony,
vulgo Tonho e Biliu Cigana, casal de bros; e todos os que assistiam DBZ na casa do Rotieh;
À Marina, Bárbara e Alline, assim como às suas famílias;
À minhoca graúda que Marina desejou criar quando pequena;
À Dona Inês e ao Senhor Maurício, imprescindíveis num pedaço relevante da minha história;
Ao Thalmanny, meu grande (e talvez único) amigo de infância;
À galera que brincava nos corredores do 13C: Marcos, Thales Japa e Rodrigo Dodória;
Aos amigos RPGistas da Rua Industrial Breno Lins Cansanção;
Às amigas que apreciam um ―ótimo teijo‖: Bia e Mylla;
À Vó Marlene, Vô Valdemar e todos os meus tios, tias e primos da família Regueira. Especialmente
ao Tio Denys, que há tempos acredita em mim e ao meu primo Rodrigo, que sempre esteve presente;
À Tia Lucigl e todos que me trazem as boas lembranças de Sonho Verde;
Aos amigos que encontrei na Belt;
À Família Camilo, que se dispôs a me ajudar num momento de procela;
À Dona Élia, Alexandre, Urso (meu irmão) e todos os membros da família Pontes;
Ao meu querido orientador e professor, Aloísio Nunes;
Aos professores do curso de comunicação: Mario Riquelme, Amilton, Gusmão, Bispo e Mirtes;
Aos professores Nasson Paulo e Adriana Thiara, por serem decisivos na minha carreira;
Aos meus chefes e também mestres: Manoel Araújo, Flávia Chasan e John McBrown;
Aos meus professores secundaristas, especialmente: Marcos Damasceno, Tia Maura e Tia Mônica;
Ao Vô Jeová, Vó Marieta, Bibi, Nathália, Tia Neném, Adriana, Tio Dailtom, Tia Delza, Tia Bernadete,
Vó Gusta, e todos os parentes de Rio Largo. Estes me ensinaram grandes valores;
Cloud, Tifa, Barret, Cait Sith, Red XIII, Aeris, Vincent, Yuffie, Cid, Sonic e também ele: Son Goku.
Obrigado.
5
RESUMO
Este trabalho de conclusão de curso aborda Jesus, figura central dos cultos e
religiões judaico-cristãs, como um pessimista classificado como do tipo filantrópico a
partir da fenomenologia na perspectiva teórica da semiótica peirceana. Apresenta
interdisciplinaridade com as áreas de teologia, filosofia, ciências sociais e história,
com foco precípuo na comunicação social, expondo-a por meio de escolas teóricas
diversas, com ênfase em semiótica peirceana. No intuito de ilustrar, a partir da
classificação discorrida por Peirce no texto ―Um Argumento Negligenciado para a
Realidade de Deus‖, os três tipos de pessimistas, o trabalho vale-se, dentre outros,
de: Austregesilo, Augusto dos Anjos, Leopardi, Schopenhauer e Voltaire; aponta,
principalmente a partir de Leonardo Boff, a evolução histórica da imagem de Jesus,
diferenciando a construção do Jesus histórico e do Jesus cristificado pela conjuntura
de diversas épocas, condutas e textos apologéticos; em seguida traça paralelo e
convergências entre o pessimismo filantrópico em Peirce e Jesus.
ABSTRACT
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE TABELAS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12
2 A COMUNICAÇÃO ................................................................................................ 17
2.1 ALGUMAS FACETAS DA COMUNICAÇÃO ....................................................... 17
2.2 TEORIA GERAL DOS SIGNOS: ABORDAGEM PEIRCEANA ........................... 32
2.2.1 Sobre a dimensão .......................................................................................... 32
2.2.2 Sobre a filosofia e a fenomenologia na Semiótica ...................................... 34
2.2.3 Entendendo a primeiridade, secundidade e terceiridade ........................... 38
2.2.3.1 Primeiridade .................................................................................................. 39
2.2.3.2 Secundidade ................................................................................................. 40
2.2.3.3 Terceiridade .................................................................................................. 41
2.2.4 O processo de comunicação na teoria geral dos signos ........................... 41
2.2.5 A classificação dos signos............................................................................ 44
3 O PESSIMISMO ..................................................................................................... 49
3.1 A COSMOVISÃO PESSIMISTA .......................................................................... 49
3.2 ALGO SOBRE O ―UM ARGUMENTO NEGLIGENCIADO PARA A REALIDADE
DE DEUS‖ ................................................................................................................. 58
3.2.1 A pequena síntese da divisão fenomenológica do pessimismo por Peirce
no ―Um Argumento Negligenciado‖ e alguns pessimistas ................................. 64
4 JESUS, UM PESSIMISTA FILANTRÓPICO.......................................................... 76
4.1 O JESUS DA FÉ ................................................................................................. 76
4.2 A METAFÍSICA DE JESUS ATRELADA AO JESUS HISTÓRICO E À
COSMOVISÃO DA SEMIÓTICA PEIRCEANA ......................................................... 83
4.3 O JESUS HISTÓRICO E O PESSIMISMO FILANTRÓPICO .............................. 88
5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 102
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 107
11
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho irá apresentar Jesus a partir de uma perspectiva que, apesar
de parecer polêmica, não possui nada de estardalhaçador, a não ser que você seja
um fundamentalista daqueles que não admite a presença da palavra ―Jesus‖ com
qualquer outra que não goste, na mesma linha de uma frase. Este não é o meu
caso. Apesar de considerar a informação irrelevante, considero dizer que sou
cristão. Mas observe: este não é um trabalho sobre o cristianismo. Muito
menos sobre o mérito ou demérito da fé cristã. É um trabalho de comunicação
social a partir da perspectiva teórica da semiótica peirceana aplicada. ―Mas por
que escolher Jesus?‖ você pergunta. A resposta mais sincera que posso te dar é:
―Porque eu quis.‖ e isso deveria mesmo ser o suficiente. O pesquisador pesquisa
sobre o que quer pesquisar e este direito é legítimo; além do mais, bons
pensamentos só se desencadeiam com a fruição da liberdade, que é fundamental.
Porém, há algo que motiva a pesquisa. Observa a diferença metodológica na
questão? Pois bem.
Jesus é uma das figuras mais importantes da história da humanidade; sua
história, para aqueles que acreditam no seu viés messiânico ou não, foi suficiente
para dividir o calendário entre antes e depois do seu nascimento. Isso deveria ser
suficientemente relevante, mas não é. A vida de Jesus, especialmente como
apresentada no documento maior do cristianismo, a Bíblia, ainda que construída
apologeticamente, é referência histórica e cultural para a formação intelectual,
artística, social, psicológica, acadêmica, familiar, moral, ética, etc. da humanidade.
Ou seja: se você vive no ocidente, ainda que você seja um adepto radical da Ars
Goetia1, Jesus estará inevitavelmente presente de alguma maneira na sua vida.
1
Refere-se à prática de Invocação de Anjos ou a Evocação de Demônios descritos no grimório do
séc. 17, The Lesser Key of Solomon (A Chave Menor de Salomão) que retrata a Ars Goetia em sua
primeira seção (OCULTURA, 2007-2015).
13
romana, mas que foi superada por figuras religiosas como Copérnico e
Pascal. Gênios como Newton, Francis Bacon, filósofos como Kant, Hegel,
Nietzsche, Heidegger e o próprio Marx-Engels ou sociólogos e analistas
como Max Webber e Gramsci, entre tantos outros que se tornariam
incompreensíveis sem o seu contato com o cristianismo. Ressaltam políticos
notáveis que fizeram da fé cristã inspiração ética e humanística como
Adenauer na Alemanha, De Gaspari e Della Pira na Itália, De Gaulle na
França, Kannedy nos Estados Unidos, Mariátegui no Peru e Lula no Brasil.
(...) Brilharam na inteligência gênios como Orígenes, Santo Agostinho,
Santo Irineu, os mestre medievais como São Tomás de Aquino, São
Boaventura, Duns Scotus, Guilherme de Ockam; nos séculos XV e XVI
Huss, Lutero, Zwínglio, Calvino, Melanchton, Bartolomeu de las Casas, e
modernamente, Schleiermacher, Karl Barth, Rudoulf Bultmann, Jürgen
Moltmann, Karl Rahner, Dietrich Bonhofer, [S. C. Peirce] e, entre nós,
Gustavo Gutiérrez, Juan Luiz Segundo, Hugo Assmann, Jon Sobrino e
Paulo Freire. (...) o cristianismo [é] um acontecimento histórico aberto e
ainda em construção (BOFF, 2013, p. 182-187).
Mas seria utilizar de Jesus num trabalho acadêmico, uma atrocidade? Não
seria demais polêmico? Não é desrespeitoso? As ciências humanas já não
superaram os vícios teístas, especialmente, os cristãos? Para aqueles que possam
levantar essas questões, aqui exponho: não desrespeito aqui qualquer religião ou
crença; só é polêmico o que possui tamanho para o ser, e isso não deporia contra
este trabalho; Peirce, o quadro teórico maior da perspectiva abordada por este
trabalho, além de teísta era cristão. O que creio ser suficiente para resolver as
demais questões. No entanto, apresento a perspectiva de um notável e curioso
acadêmico brasileiro, ex-ateu, para que os fundamentalistas acadêmicos,
convencidos da necessidade da separação absoluta entre Deus e academia,
possam refletir:
2
Observaremos no decorrer do trabalho.
16
2 A COMUNICAÇÃO
A comunicação é cretina. Cretina por ser um objeto que não é objeto3. Ora,
se os estudos sobre a comunicação buscam a efemeridade de serem vistos como
ciência pelos vícios positivistas da academia estamos, nós que nos dedicamos a
estuda-la, fadados ao desgaste inerente da utopia. Pois, assim como, seguindo essa
trajetória, não fosse Freud e seus doravantes, a psicologia teria estagnado nos
meados da abordagem diferencial4 teríamos nós, da comunicação, subvertido à
tentação de sucumbir à pesquisa quase que unicamente quantitativa como forma de
mensuração inconteste e inequívoca, de algo que não deve ser simplificado, ou
reduzido de tal forma, sob a pena de criarmos um conhecimento limitado mas
travestido de verdade absoluta, que mais do que educador, se tornaria leviano.
Assim foi, realmente, que ocorreu durante os meados dos anos quarenta e
cinquenta, quando Shannon e Weaver apresentaram a Teoria Matemática da
Comunicação e foram aceitos e aclamados pela academia (NUNES, 2011, p. 28).
Aquilo era novidade: a comunicação finalmente passava a ser estudada oficialmente
sem ser confundida com filosofia, reduzida à retórica, ou mesmo substanciada à
aplicabilidade publicitária (NUNES, 2011, p. 26-28).
Felizmente, o pensamento cartesiano, de relação causa-efeito, radical do
positivismo enfraqueceu-se no decorrer do desenvolvimento das demais teorias
relacionadas às relações humanas e apesar de ter dado uma contribuição
significativa para a lógica do pensar, mostrou-se ultrapassada e de aplicabilidade
incoerente para tudo aquilo que não é estático e substancialista (RODRIGUES, L.
2008, p. 119).
Ao afirmar que a comunicação é ―um objeto que não é objeto‖, na verdade
corroboro em parte com a leitura de que:
3
Clarifico que este pensamento não é consensual e está apresentado, a priori, de forma superficial.
Será discutido no decorrer do texto.
4
A Psicologia diferencial baseia-se na tradição positivista e ―acredita que a tarefa da ciência é estudar
aquilo que é observável (positivo) e mensurável‖ (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2009, p. 181).
18
[...] existe uma totalidade que pode ser vista como um ambiente e que é
complexa. Quando, nesse ambiente, se formam sistemas, através de
elementos/processos (existentes nesse ambiente) que se enlaçam de forma
recursiva, retro-alimentada [SIC], diferenciando-se desse ambiente, temos,
então, o que Luhmann irá chamar de redução da complexidade desse
ambiente. [...] embora a existência de um sistema implique na redução da
complexidade do ‗sistema-mundo‘, isto não significa que o sistema em si
não apresente complexidade (RODRIGUES, L. 2008, p. 115, grifo do autor).
5
No decorrer do texto, observaremos que a ideia de interpretação lógica e matemática das
mensagens é atual, desde que observada a partir da perspectiva do signo.
6
Se Peirce era adepto de neologismos (SANTAELLA, sd., p. 6), quem sou eu para indicá-los como
erros gramaticais? Ademais, sou crente na evolução linguística, não farei uso de ―sic‖ em
neologismos.
7
Salutar observar que a humanidade define mais facilmente Deus, que não possui existência mais
(consensualmente) notória, do que a comunicação.
19
8
Neste caso utilizo o sentido aristotélico da palavra ―totalidade‖, definida como ―um todo completo em
suas partes e perfeito em sua ordem‖ (ARISTÓTELES apud RODRIGUES, L. 2008, p. 108).
9
Ao contrário do que afirma Saussure, é possível pronunciar dois sons ao mesmo tempo: ―No
ocidente comenta-se da existência de apenas dois registros: a voz de cabeça e a de peito, mas há
também o strohbass também conhecido como mecanismo zero e o assovio (whistle/mecanismo 3).
Ex. os monges budistas e os xamãs tuvanos usam voz strohbass e ao mesmo tempo conseguem
fazer soar os harmônicos agudos [...]. Os índios brasileiros e cantores da Nova Guiné usam o
segundo registro: nasal e agudo‖ (PUCCI, 2006, grifo do autor).
20
10
O signo ao qual estou me referindo neste caso, é o descrito por Saussure.
21
11
Entenda-se, neste caso, o mundo exterior que Aloísio Nunes cita em (2011, p. 31).
22
12
Fica registrada a minha insatisfação com o uso do termo ―subumano‖ para a descrição dos outros
seres vivos presentes na natureza. Considero a expressão arrogante.
13
Ainda que a figura de Deus seja controversa no meio acadêmico, considero relevante a suave
citação do conceito de comunicação desta corrente teológica em face do tema a ser abordado. Peirce
era Cristão e essa faceta da sua vida teve grande influência na produção da sua obra. Um dos textos
mais importantes para o desenvolvimento deste trabalho possui o título: ―Um argumento
negligenciado para a realidade de Deus‖. O título do texto é autoexplicativo.
23
De facto [sic], as Igrejas não são entidades abstratas, mas sim, instituições
inseridas na História, e é unicamente na história que se dá também a
educação. Da mesma forma, o trabalho educativo das Igrejas não pode ser
compreendido fora do condicionamento da realidade concreta onde se
situam (FREIRE, 1978, p. 11).
Sendo assim, não apenas a Igreja, mas toda e qualquer instituição deve ser
observada do ponto de vista da interferência, em forma de comunicação, na
formação e comportamento da sociedade, já que ―o armazenamento e a circulação
de informação e conteúdo simbólico têm sido aspectos centrais da vida social14‖
(THOMPSON, 2011, p. 35). Thompson alega ainda que há quatro formas principais
de poder, que ele classifica como: econômico, coercitivo, político, e simbólico 15
(2011, p. 32-39). Interessando-nos, neste contexto, o poder onde a comunicação se
inscreve; tomemos a sua definição:
14
Em síntese, John B. Thompson vem afirmar que: ―[...] os meios de comunicação têm uma dimensão
simbólica irredutível: eles se relacionam com a produção, o armazenamento e a circulação de
materiais que são significativos para os indivíduos que os produzem e os recebem. [...] [para ele] o
desenvolvimento dos meios de comunicação é, em sentido fundamental, uma reelaboração do
caráter simbólico da vida social. [...] A comunicação mediada é sempre um fenômeno social
contextualizado [...] é fácil focalizar o conteúdo simbólico das mensagens da mídia e ignorar a
complexa mobilização das condições sociais que subjazem à produção e circulação destas
mensagens. [...] Se comunicação é uma forma de ação, a análise da comunicação deve se basear,
pelo menos em parte, na análise da ação e na consideração do seu caráter socialmente
contextualizado‖ (2011, p. 35-37, grifo do autor). Observe que Thompson utiliza a condicionante ―se‖
ao destacar que a ―comunicação é uma forma de ação‖. Como já afirmei e justifiquei anteriormente,
entendo as ações oriundas da comunicação como contidas na comunicação.
15
―Estas distinções são de caráter essencialmente analítico‖ (THOMPSON, 2011, p. 39).
24
16
Para manter a compreensão da citação fiel ao contexto apresentado pelo autor, vejo como
relevante a reprodução desta nota de rodapé presente no texto original: ―A expressão ‗poder
simbólico‘ é tomada de Bourdieu; [...] Contudo, o uso que faço desta expressão se diferencia em
vários aspectos da maneira usada por Bourdieu. Mais importante, não desejo inferir, como o faz
Bourdieu, que o exercício do poder simbólico pressupõe necessariamente uma forma de
‗desconhecimento‘ (méconnaissance) da parte daqueles que são submetidos a ele. O exercício do
poder simbólico muitas vezes implica uma crença comum e ativa cumplicidade e em alguns casos
estas crenças podem estar erroneamente enraizadas numa compreensão limitada das bases sociais
do poder, mas estas deveriam ser vistas mais como possibilidades contingentes do que
pressuposições necessárias‖ (2011, p. 42, grifo do autor).
25
17
Aloísio Nunes faz na sua obra o uso do termo ―entropia‖. Entendo o termo como limitante, pois a
entropia, apesar de apresentar um limite infinito de possibilidades, possui amarras, enquanto o caos
representa, talvez, a entidade maior da desordem e consequentemente da infinidade de
possibilidades. Vale dizer neste caso, que a bela afirmação poética de John Green, através da
personagem Hazel Grace Lancaster, faz sentido: ―Não sou formada em matemática, mas sei de uma
coisa: existe uma quantidade infinita de números entre 0 e 1. Tem o 0,1 e o 0,12 e o 0,112 e uma
infinidade de outros. Obviamente, existe um conjunto ainda maior entre o 0 e o 2, ou entre o 0 e o 1
milhão. Alguns infinitos são maiores que outros.‖ (2012, p. 215).
18
Observa-se aqui uma leitura similar a do ―Princípio de Incerteza‖, utilizado pela física. A teoria da
agulha hipodérmica perde o seu sentido e eficácia quando a emissão das diversas interpretações do
fato se torna heterogênea. Paradoxalmente, a informação se torna mais completa e menos convicta,
na medida em que a sua pluralidade é atestada. De forma similar, o determinismo científico é posto
em xeque por este princípio: ―o determinismo também parece ameaçado pelo princípio de incerteza,
que estabelece que não podemos medir com precisão, a posição e a velocidade de uma partícula
simultaneamente. Quanto maior é a precisão com que medimos a posição, menor será a precisão
com que determinamos a velocidade, e vice-versa. [...] Por melhores que sejam nossos ordenadores,
se lhes introduzirmos dados imprecisos, obteremos predições também imprecisas‖ (HAWKING,
2001).
19
―Teoria Hipodérmica, ou Bullet Theory, assim chamada por acreditar-se que a comunicação de
massa se dava de acordo com o modelo da agulha hipodérmica, onde cada elemento do público seria
atingido profundamente pela mensagem dos mass media, sendo facilmente manipulado‖ (DE
SOUSA; VARÃO. 2006., p. 3).
26
20
Clarifico ao leitor que não possuo nenhuma espécie de partidarismo com as perversões do
pensamento nazista. No entanto, é inegável que a experiência de Goebbels e Hitler na Alemanha é
de notório e inquietante sucesso. Sou da opinião de que este tema jamais se esgotará na academia.
27
21
falta ensinar só pode ser conseguido por um gênio‘ (GOEBBELS apud
MARTINO, 2007, p.38).
21
―O gênio da propaganda, nesta frase de Goebbels, é ele mesmo‖ (MARTINO, 2007, p. 38).
22
―Naturalmente, ninguém jamais ouviu falar de pragmatismo. As pessoas não se importam com
métodos! Elas querem resultados. Dá a elas todos os diamantes que fizeres, e poderás ter o método
de fazê-los por si mesmo‖ (PEIRCE, 2003, p. 124).
28
programa de governo que tinha como base os ―rádios do povo23‖, aparelhos de rádio
vendidos por preços meramente simbólicos, que sintonizavam somente as rádios
germânicas. Este programa gerou o seguinte resultado: em 1933 aproximadamente
um milhão de famílias haviam se beneficiado com os rádios; supracitando, rádios
que sintonizavam apenas estações de rádios germânicas durante o governo nazista
(MARTINO, 2007, p. 45). Apesar de parecer redundante, é válido citar que neste
período, a imprensa alemã era controlada pelo governo:
Os significados que McLuhan irá explorar para a palavra meio são muitos. A
maioria destes significados são sentidos que a própria Língua Inglesa
admite, muito próximos daqueles presentes na Língua Portuguesa. Assim,
os principais significados de meio em McLuhan podem variar ou mesmo
aglutinar os seguintes sentidos: 1) como maneira, ou modo, veículo para a
realização de diferentes operações; 2) daí o sentido que ganha, quando a
operação em questão for a comunicação, de veículo de comunicação, que,
por sua vez, se apresenta, praticamente, como sinônimo das diferentes
mídias (media, plural de medium, em latim e em inglês): TV, rádio, cinema,
jornais, revistas, etc; 3) como sinônimo de extensões tecnológicas, sentido
que ganhou enorme divulgação no próprio Understanding media; 4) como
ambiente, substância envolvente , no sentido em que se fala de meio
ambiente — sem que isto signifique, necessariamente, meio ambiente
biológico; 5) como sinônimo de público, oposto à ideia de privado.
(PEREIRA, 2004, p.2, grifos do autor).
23
Em alemão, Volksempfangänger, traduzido pelo autor.
29
24
McLuhan também divide, baseando-se numa relação de interação, os meios de comunicação entre
―quentes e frios‖. Para ele, o meio quente prolongaria um dos nossos sentidos e estaria diretamente
ligado à alta definição, enquanto o meio frio estaria ligado àquilo que deve ser preenchido pelo
espectador/ouvinte. Exemplificando: no cinema, tudo está pronto para que nos concentremos, a
imagem é perfeita, som perfeito, cadeiras confortáveis e as conversas paralelas, assim como
qualquer ação que possa vir a gerar ruídos (nos diversos sentidos da palavra) são vistos como
deselegantes, isso tudo faz com que o cinema seja um meio quente. No entanto, quando vamos
assistir TV em casa, temos que lidar com pessoas passando na frente da tela, fantasmas na
transmissão, chiados, telefones tocando, barulho de carros na rua, campainha, sol refletindo na tela,
dentre outra imensidão de acontecimentos que na prática tiram a sua concentração, mas não
necessariamente interferem na compreensão da mensagem transmitida por aquele meio. Logo, a TV
é um meio frio. Para compreendermos melhor o paradoxo de mais essa afirmação de McLuhan, diz
Ferreira: ―[...] a identificação do receptor com um veículo de comunicação varia na relação inversa da
sua eficiência representativa. Ou seja, quanto mais frio for o veículo maior a participação do
imaginário [envolvimento emocional e prazer] e, no oposto, quanto mais quente tendencialmente
temos um menor envolvimento emocional‖ (FERREIRA, 2012).
30
McLuhan chama de ‗sonâmbulos‘ os que dizem que é o uso que se faz das
tecnologias que determina o seu valor. Para ele, o poder transformador da
mídia é a própria mídia. [...] A mídia afeta a maneira como os indivíduos
agem e interagem na recepção de suas mensagens, modificando a
organização social da vida diária. Segundo o autor canadense, o homem é
constantemente modificado pelas suas próprias invenções, mesmo que tais
modificações sejam invisíveis. o que verdadeiramente interessa não é o que
a rádio ou televisão dizem, mas sim o fato de existirem, trazendo
transformações à sociedade (DE LIMA, 2001, p.5).
25
NUNES afirma algo similar ao discorrer sobre a língua, diz ele: ―Cada um de nós está, enfim,
aprisionado na língua e os poetas são os mais dotados da habilidade de trapaceá-la‖ (2011, p. 33).
26
Podemos incluir: o rádio, a televisão, o telefone fixo, o telefone celular, as redes e mídias sociais,
etc. ―[...] os diversos dispositivos novos de comunicação prepararam o caminho até o transistor,
naquilo que foi chamado com certo toque de exagero ‗a revolução da mídia do século XX‘‖ (BRIGGS;
BURKE. 2006, p. 126).
31
não pode operar como uma rede, ou de forma capilar, diretamente, numa relação
causal (causa e efeito). Assim sendo: ―Todo o sistema autopoiético é autorreferente,
mas nem todo o sistema autorreferente é autopoiético‖ (RODRIGUES, L. 2008).
27
Esta não é uma pergunta retórica. A resposta é: não sei.
28
De forma interessante, nas minhas prematuras pesquisas, não encontrei, até então, algo que
caracterizasse antagonismo, ou dicotomia real entre a teoria semiótica peirceana e a teoria sistêmica
luhmanniana (pelo contrário, observei, inclusive, alguns complementos), a não ser em questões-fins
como a existência ou não da verdade como algo absoluto. O lusco-fusco advindo da inquietação
certamente me conduzirá, num futuro não tão longínquo, a aprofundar-me nos consensos e
contrassensos dessas duas abordagens, complexas, legítimas e admiráveis.
32
A tarefa que inauguro é [...] esboçar uma teoria tão compreensiva que, por
longo tempo, todo o trabalho da razão humana — na filosofia de todas as
escolas e espécies, na matemática, na psicologia, na ciência física, na
histórica, na sociologia e em qualquer outro departamento que possa haver
— deve aparecer como preenchimento de seus detalhes. O primeiro passo
para isso é encontrar conceitos simples aplicáveis a qualquer assunto
(PEIRCE apud SANTAELLA, sd., p. 11-12).
Peirce vai fundar sua teoria, seu pragmatismo e, portanto, sua semiótica
numa postura anti-cartesiana. O fundamento para a verdade, o bem, o belo,
em Peirce, não está em Deus nem no homem, está no signo. E a semiótica
29
―Teoria geral dos signos‖ e ―Semiótica peirceana‖ são nomenclaturas sinônimas.
30
―[...] conhecia ainda mais de uma de uma dezena de línguas‖ (SANTAELLA, sd., p. 3).
31
Os manuscritos de Peirce foram vendidos para a Universidade de Harvard, após sua morte.
(MIRADOR apud UOL..., sd.)
32
Importante esclarecimento: ―o termo linguagem se estende aos sistemas aparentemente mais
inumanos como as linguagens binárias de que as máquinas se utilizam para se comunicar entre si e
com o homem (a linguagem do computador, por exemplo), até tudo aquilo que, na natureza, fala ao
homem e é sentido como linguagem. Haverá, assim, a linguagem das flores, dos ventos, dos ruídos,
dos sinais de energia vital emitidos pelo corpo e, até mesmo, a linguagem do silêncio. Isso tudo, sem
falar do sonho que, desde Freud, já sabemos que também se estrutura como linguagem‖
(SANTAELLA, sd. p. 2).
33
Para Peirce, qualquer coisa que interaja com qualquer coisa e de qualquer
forma, possui uma linguagem; ainda que essa linguagem esteja fundada no caos 33.
Desta maneira:
34
O que quer que exista, ex-siste , isto é, realmente age sobre outros
existentes, assim obtém uma auto-identidade, e é definitivamente
individual[,] ou seja, todas as coisas que existem interferem nas demais
coisas que existem (PEIRCE apud RODRIGUES, C. 2003, p. 89, grifo
nosso).
Seu campo de indagação é tão vasto que chega a cobrir o que chamamos
de vida, visto que, desde a descoberta da estrutura química do código
genético, nos anos 50, aquilo que chamamos de vida não é senão uma
espécie de linguagem, isto é, a própria noção de vida depende da existência
de informação no sistema biológico. Sem informação não há mensagem,
não há planejamento, não há reprodução, não há processo e mecanismo de
controle e comando. No caso da vida, estes são necessariamente ligados a
uma linguagem, a uma ordenação obtida a partir de um compartimento
33
Ainda sobre o caos: ―O caos não é só caótico; ele pode ser generativo. É caótico porque
destrói certa ordem que não atende mais as demandas de um povo; é generativo porque a
partir de um novo rearranjo dos fatores, instaura uma nova ordem que faz a vida do povo
melhor‖ (BOFF, 2015, grifo nosso).
34
Talvez seja esta a afirmação mais bela e crucial de todo este estudo.
35
As palavras ―peirceano‖, ―peirciano‖ e possíveis sinônimos, são neologismos não constantes no
dicionário. Referem-se ao que se partidariza às teorias de Sanders Charles Peirce.
34
A Semiótica, como observado, surge como uma ciência densa, ainda que
ocupada pelo estudo de uma única coisa, o signo. Ainda que a priori isto pareça
simples, a posteriori se torna absurdo, pois ao ser observada a dimensão do tema,
conclui-se que tudo o que possa existir é signo. Evidentemente, dentre tanta
pluralidade, a teoria geral dos signos não poderia jamais se organizar e tomar a
forma da ciência séria que é, caso não encontrasse o seu lugar dentro do conjunto
imenso de ciências com que faz interlocução direta. Há sim, portanto, uma posição
clara de dependência da semiótica para com as ciências que a antecedem
(SANTAELLA, sd. p.5). Como qualquer outro sistema, a semiótica formou-se a partir
da constatação da relação de unidade e interdependência dentre os elementos que
a compõem36; ainda que o signo esteja em tudo, ele não é tudo, mas algo que está
36
É elementar observar que sistemas não são entidades que existem desde sempre, eles passam a
existir a partir de eventos entre elementos e processos pré-existentes. Com isso, surge uma unidade
diferenciada, cujo único objetivo é a manutenção dessa individualidade. ―A individualização que se
formou se funda exatamente na diferença; diferença entre sistema e entorno‖ (RODRIGUES, 2008,
p.117). No entanto, a identidade surge por meio de uma seleção de possibilidades dentre as quais
são infinitas. Ou seja, a partir do momento em que há o surgimento de uma diferenciação entre
coisas, sendo elas: ambiente e sistema, este processo é obrigatoriamente fruto de uma seleção de
possibilidades que constitui o caráter contingente de todo o sistema autopoiético, definido por Léo
Rodrigues, sucintamente, como: ―[...] aquela seleção de possibilidades que se constituiu como um
sistema atual constitui-se ao mesmo tempo numa identidade/sentido, isto é a forma que a própria
auto-referência [sic] assume; o sistema mesmo‖ (2008, p.115).
35
37
(...) descobrimos que todos estamos no Mistério e que o Mistério está em
nós. Nós somos o Mistério por participação. (...) A esta mútua presença,
sem cada um perder a sua própria identidade, chamamos de panenteísmo.
Panenteísmo – que não deve ser confundido com panteísmo – significa que
Deus-Mistério está no mais íntimo de cada ser, e cada ser está no mais
íntimo do Deus-Mistério. Tudo é pericorético, quer dizer, tudo realiza a
pericórese (a inter-retro-penetração), que é a existência de todos com
todos, com Deus, por Deus, para Deus e através de Deus. E Deus-Mistério
realiza seu Mistério com o universo, pelo universo, por meio do universo e
para o universo, ficando o universo sempre universo e Deus-Mistério
sempre Deus-Mistério. Mas eles estarão para sempre entrelaçados e
eternamente em comunhão. Não há separação, só distinção. Não há
um abismo que se interponha porque por todos os lados há pontes e
redes de relações includentes. Diferente é a compreensão panteísta.
Para ela, tudo é Deus: a pedra é Deus, o mar é Deus, o animal é Deus, o
ser humano é Deus. Aqui se apagam as diferenças que podem levar a
absurdos. No panenteísmo se afirmam as diferenças entre Criador e
criatura, mas a presença de um no outro é tanta que, apesar das diferenças,
sempre estão em comunhão e um dentro do outro (BOFF, 2013, p.54-55,
grifo nosso).
37
Para Boff, Deus é Mistério (BOFF, 2013).
36
38
―Aos 16 anos de idade, começou a estudar Kant e, alguns anos mais tarde, sabia a Crítica da
Razão Pura [obra de Kant] de cor‖ (SANTAELLA, sd., p.4, grifo do autor).
39
―O mais grandioso dentre todos os filósofos que já existiram‖ (PEIRCE apud SANTAELLA, sd., p.
6). A influência de Hegel é realmente notória na construção da filosofia e sociologia. As
classificações de Hegel (apesar de Peirce creditar a Kant esta característica da sua obra) foram
pesadas por diversos autores, por exemplo: ―Em seu rascunho sobre a Dialética da Natureza, Engels
acreditava que as leis dialéticas, conforme estabelecidas por Hegel, poderiam ser reduzidas a três:
transformação da quantidade em qualidade, e vice-versa; interpenetração ou unidade e luta entre os
contrários, ou lei da contradição; e negação da negação” (POMAR, 2011, p. 7, grifo do autor).
40
Em muitos casos o termo ―faneroscopia‖ pode ser encontrado nos escritos de Peirce. Possuem
sentidos similares.
41
Assim, percebemos a interdependência da relação entre o pensamento e a materialidade na
construção dialética, observando-se que ―o pensamento humano gera produtos concretos capazes de
afetar e transformar materialmente o universo, ao mesmo tempo [em] que são por ele afetados‖
(SANTAELLA, sd., p. 5).
42
Peirce explica que ―A fenomenologia ou doutrina das categorias tem por função desenredar a
emaranhada meada daquilo que, em qualquer sentido, aparece, ou seja, fazer a análise de todas as
experiências é a primeira tarefa a que a filosofia tem de se submeter. Ela é a mais difícil de suas
tarefas, exigindo poderes de pensamento[s] muito peculiares, a habilidade de agarrar nuvens, vastas
e intangíveis, organizá-las em disposição ordenada, recolocá-las em processo‖ (PEIRCE apud
SANTAELLA, sd. p.7)
37
43
―Entendendo-se por fenômeno qualquer coisa que esteja de algum modo e em qualquer sentido
presente à mente, isto é, qualquer coisa que apareça, seja ela externa (uma batida na porta, um raio
de luz, um cheiro de jasmim), seja ela interna ou visceral (uma dor no estômago, uma lembrança ou
reminiscência, uma expectativa ou desejo), quer pertença a um sonho, ou uma [ideia] geral e abstrata
da ciência, a fenomenologia seria, segundo Peirce, a descrição e análise das experiências que estão
em aberto para todo homem, cada dia e hora, em cada canto e esquina de nosso cotidiano. A
fenomenologia peirceana começa, pois, no aberto, sem qualquer julgamento de qualquer espécie: a
partir da experiência ela mesma, livre dos pressupostos que, de antemão, dividiriam os fenômenos
em falsos ou verdadeiros, reais ou ilusórios, certos ou errados. Ao contrário, fenômeno é tudo aquilo
que aparece à mente, corresponda a algo real ou não‖ (SANTAELLA, sd. p.7).
44
―Definindo realidade ou real como sendo precisamente aquilo que é de modo independente das
nossas fantasias, pois que ‗vivemos num mundo de forças que atuam sobre nós, sendo essas forças,
e não as transformações lógicas do nosso próprio pensamento, que determinam em que devemos,
por fim, acreditar‘, fica claro por que a Metafísica comparece como resultante e não antecedente de
toda sua filosofia‖ (SANTAELLA, sd., p.6).
38
Segundo Aloísio Nunes (2011, p. 167), são três as formas que o ser humano
organiza os fenômenos; sendo elas ligadas ao: sentimento; existência material; e
reflexão. Estas formas de classificação receberam os respectivos nomes:
primeiridade, secundidade e terceiridade, denominativos estranhos e neológicos sob
a justificativa de serem ―palavras inteiramente novas, livres de falsas associações a
quaisquer termos já existentes‖ (SANTAELLA, sd., p. 7).
2.2.3.1 Primeiridade
45
Sobre isso, Schopenhauer diria que ―toda verdade passa por três estágios: primeiro, é
ridicularizada; depois, enfrenta violenta oposição; e, finalmente, é aceita como algo evidente‖
(SCHOPENHAUER apud MULLER, 1993, p. XV).
40
2.2.3.2 Secundidade
2.2.3.3 Terceiridade
Já vimos que para Peirce todas as coisas estão intercaladas ao signo. Assim
sendo, a partir da teoria geral dos signos, não podemos compreender o processo de
comunicação de forma que não seja o signo a figura central desta comunicação.
Portanto, em qualquer situação em que haja comunicação, esta se dará por meio de
uma tríade inseparável: objeto; signo; interpretante. Para efeito de didática,
Santaella desenvolveu a seguinte figura:
42
Daí que o signo seja uma coisa de cujo conhecimento depende do signo,
isto é, aquilo que é representado pelo signo. Daí que, para nós, o signo seja
um primeiro, o objeto um segundo e o interpretante um terceiro. Para
conhecer e se conhecer o homem se faz signo e só interpreta esses signos
traduzindo-os em outros signos (SANTAELLA, sd., p. 12).
observa que ―Peirce leva a noção de signo tão longe a ponto de que um signo não
tenha necessariamente de ser uma representação mental, mas pode ser uma ação
ou experiência, ou mesmo uma mera qualidade de impressão‖ (Sd., p. 12). Isso
quebra com o argumento de que, necessariamente, o interpretante deverá ter,
necessariamente, alguma forma inteligível de consciência para que seja dada a
existência do signo. De forma simplista, podemos dizer que algo que existe, logo
pensa, pois se comunica e interfere em tudo mais que existe, de forma inteligível, ou
não.
Ora exposta a tríade: ―objeto; signo; interpretante‖; sigamos, pois, com o
discorrer do que vêm a ser as partes:
Signo e objeto:
O signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele só
pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir
uma outra coisa diferente dele. Ora, o signo não é o objeto. Ele apenas está
no lugar do objeto. Portanto, ele só pode representar esse objeto de um
certo modo e numa certa capacidade. Por exemplo: a palavra casa, a
pintura de uma casa, o desenho de uma casa, a fotografia de uma casa, o
esboço de uma casa, um filme de uma casa, a planta baixa de uma casa, a
maquete de uma casa, ou mesmo o seu olhar para uma casa, são todos
signos do objeto casa. Não são a própria casa, nem a idéia [sic] geral que
temos de casa. Substituem-na, apenas, cada um deles de um certo modo
que depende da natureza do próprio signo. A natureza de uma fotografia
não é a mesma de uma planta baixa. [...] Um signo intenta representar, em
parte pelo menos, um objeto que é, portanto, num certo sentido, a causa ou
determinante do signo, mesmo se o signo representar seu objeto
falsamente. Mas dizer que ele representa seu objeto implica que ele afete
uma mente, de tal modo que, de certa maneira, determine naquela mente
algo que é mediatamente devido ao objeto. Essa determinação da qual a
causa imediata ou determinante é o signo, e da qual a causa mediata é o
objeto, pode ser chamada o Interpretante (SANTAELLA, sd., p. 12).
Interpretante:
Assim sendo, então, se a relação do signo dá-se com o objeto, como poderíamos
avaliar a significação de uma música instrumental, por exemplo? Ouvir ―A Gershwin
44
Night‖46, com Seiji Ozawa regendo a orquestra de Berlim e Marcus Roberts Trio,
certamente produzirá emoções fantásticas em qualquer apreciador da boa música,
neste caso, especialmente aos apreciadores de jazz e música clássica, no entanto,
ainda que estes sentimentos, ou mesmo visões afloradas pela emoção existam,
―aquele signo, dada a limitação do nosso repertório, não produzira em nós senão um
interpretante dinâmico de primeiro nível, isto é, emocional‖ (SANTAELLA, sd., p.13).
O signo designa ―algo que está para outra coisa‖, mas para compreendê-lo é
de suma importância que o tenhamos como uma imensa correlação de variáveis.
Quando falamos em signos, como vimos na Figura 1, estamos falando da
articulação e interação de diversas variáveis. Para Santaella: ―O signo não é, pois,
um objeto com determinadas propriedades, mas uma relação ou uma função.
Classificar os signos equivale, então, a classificar esta relação que é a função
sígnica‖ (2013). Assim sendo, Peirce divide os signos, conforme as suas funções
sígnicas, em três tricotomias. São elas, o signo em relação ao: signo-meio, onde o
signo se relaciona com ele próprio; signo-objeto, onde o signo se relaciona com o
seu objeto; signo-interpretante, onde o signo se relaciona com o seu interpretante
(GRIMM, 2013). Portanto, cada tricotomia apresenta um subconjunto tricotômico que
se vale da primeiridade, secundidade e terceiridade. Como veremos a figura abaixo:
46
É altamente recomendável que qualquer pessoa assista e/ou escute esse concerto pelo menos
uma vez na vida. É excelente e inspirador. Seiji Ozawa é um dos maiores maestros do seu tempo e
Marcus Roberts, um exímio pianista e jazzista, apesar da sua condição de cegueira total. A banda de
Marcus Roberts é um espetáculo à parte. Essa fusão de jazz com música clássica caiu extremamente
bem, principalmente da forma como, onde e por quem foi apresentada.
45
1. O signo em si mesmo:
qualidades = quali-signo
fatos = sin-signo
ter a natureza de leis ou hábitos = legi-signo
I. Quali-signo, icônico, remático: uma cor qualquer que serve como signo de algo; um
sentimento de vermelhidão; uma palidez.
II. Sin-signo, icônico, remático: um diagrama individual, com a curva da variação do dólar em relação ao
real no último semestre
III. Sin-signo, indicativo, remático: um grito espontâneo
IV. Sin-signo, indicativo, dicente: ―é um catavento‖
V. Legi-signo, icônico, remático: um diagrama geral, abstraída sua individualidade, com a mesma curva
acima citada, independente da realidade factual.
VI. Legi-signo, indicativo, remático: um pronome demosntrativo
VII. Legi-signo, indicativo, dicente: um pregão de rua; sinais de trânsito
VII. Legi-signo, simbólico, remático: um substantivo comum; conceitos gerais: azul
IX. Legi-signo, simbólico, dicente: uma proposição; uma frase corrente, como ―todos os brasileiros são
sul-americanos‖ ou ―alface é verde‖ ou ―o céu é azul‖.
XI. Legi-signo, simbólico, argumental: sistemas de axiomas (“premissa que se admite universalmente
verdadeira”: 2+3=3+2 ou a ordem dos fatores não altera o produto), silogismo (duas proposiões,
chamadas premissas, delas se tira uma terceira, nelas logicamente implicada, chamada
conclusão: Todo homem é mortal; José é homem; José é mortal).
3 O PESSIMISMO
47
O meio é a mensagem.
50
48
Interpreto a contestação como irônica, tendo em vista que a ironia é a base da filosofia que
doravante virá a ser defendida por Austregesilo: o Pessimismo Risonho.
51
Tudo excele na vida desde que se prove que a vida é boa, ou por outra, que
o homem não é máu. Eis um conceito que jamais será demonstrado, porque
para provar-se que o homem é máu, faz-se mister haver o elemento bom;
onde o buscar fora do proprio homem? Logo o homem nem é bom nem
máu; é o unico animal que sabe sorrir e por este privilegio poderá construir
as bases racionais de conceitos filosóficos (sic) (AUSTREGESILO. 1922,
p.16-17).
49
―Dois homens, no inicio da civilisação, plantaram na terra uma arvore. Esta deu dois frutos: O meu
e o teu. Cada um comeu o seu fruto. Depois de bem mastigados, deglutidos, e digeridos, tiveram uma
duvida: se não haveriam trocado os pomos. Dessa incerteza se originou a primeira briga, a primeira
ansia de vitoria, e até hoje como avataras os dois querelantes e lutadores povoam a alma humana, e
o amor-proprio foi a arma escolhida para os duelos singulares e colectivos...‖ (sic) (AUSTREGESILO,
1922, p.32, grifo do autor)
50
Porém para Austregesilo ―A grandeza do homem está na colaboração social para a felicidade
colectiva, no intercambio de acções e idéias para manter a vida e como consequencias as
sociedades, e aí está a obra util do genio que é colectivo e não individual. Pela propria condição
biologica e social, a humanidade conduz os homens desde que eles se agitem, como dizia Comte,
mas tanto é grande a obra do general como a do soldado‖ (sic) (1922, p.20-21).
51
E nós, portanto, nos refletimos em nós mesmos? É nisto que reside a nossa autopoiésis?
54
52
Talvez seja este o fundamento maior de todo o seu pensamento.
53
A exposição do pensamento de Leibniz é de suma importância neste trabalho por dois motivos: 1)
Leibniz é o extremo oposto radical de Arthur Schopenhauer, talvez o maior ícone da cosmovisão
pessimista da história da humanidade; 2) Peirce o utiliza como referência clara do que um pessimista
filantrópico, não pode ser - apesar da sua empatia. Discutiremos isso no decorrer do trabalho.
55
Resta a seguinte questão: porque e que um tal Judas, o traidor, que não é
senão na idéia (sic) de Deus, existe atualmente? Mas, para essa questão,
não há que esperar resposta neste mundo, a não ser que no geral se deve
dizer que, visto Deus ter achado bem que ele existisse, - não obstante o
pecado que previa, este mal tem de ser compensado com acréscimos no
universo, que Deus tirara dele um bem maior e que resultara, em suma, que
esta serie das coisas em que esta compreendida a existência deste
pecador, e a mais perfeita entre todos os outros modos possíveis. Mas,
explicar sempre a admirável economia desta escolha, isso não é possível
enquanto formos viandantes neste mundo; e já bastante sabê-lo sem o
compreender (LEIBNIZ apud NETO, 2000, p.11).
Ou seja, para Leibniz, Deus é tão perfeito que o ―mal‖ é, não mais do que,
um mal necessário para que exista o bem54. Obviamente Schopenhauer delira
quando escuta o que, pra ele, é uma ignorância estupefata. Observe o que
Schopenhauer escreve sobre o autor em questão:
54
Para refletir, vale supracitar: ―Tudo excele na vida desde que se prove que a vida é boa, ou por
outra, que o homem não é máu. Eis um conceito que jamais será demonstrado, porque para provar-
se que o homem é máu, faz-se mister haver o elemento bom; onde o buscar fora do proprio homem?
(sic) (AUSTREGESILO. 1922, p.16-17).
56
55
Texto original: ―A más de esto, los verdaderos sofismas con que Leibniz pretende demostrar que
este mundo es el mejor de los mundos posibles, pueden ser contrastados con la prueba seria y leal
de que el mundo es el peor posible de los mundos. Entendemos por posible, no todo aquello con que
la fantasia puede soñar, sino lo que puede existir y subsistir realmente. Pero este mundo está
construído de tal manera, que sólo puede existir con gran trabajo, y si estuviera un poco peor
organizado, no podría mantenerse. Por lo tanto, un mundo peor, como no podría subsisitr, no es
possible; luego éste es el peor de lós mundos posibles. mundos posibles‖.
56
O poeta é mesmo a pimenta do planeta: ―o grande poeta e um leitor privilegiado do mundo, e um
decodificador, um desvelador de sua essência‖ (NETO, 2000, p. 93).
57
57
―Sempre parecera a Antoine contabilizar sua idade como os cães. Quando tinha sete anos, ele se
sentia gasto como um homem de quarenta e nove anos; aos onze, tinha desilusões de um velho de
setenta e sete anos. Hoje, aos vinte e cinco, na expectativa de uma vida mais tranqüila (sic),
Antoine tomou a decisão de cobrir o cérebro com o manto da estupidez‖ (2005, p.7, grifo nosso).
58
É neste momento que o ateísmo de Schopenhauer se diferencia do ateísmo de Nietzsche ou Marx.
58
59
―Nessa teoria do conhecimento, conjugam-se espontaneidade da razão e inteligibilidade da
natureza – ao homem é possível descobrir algo da natureza porque é dela parte integrante e pode,
por causa disso, entrar em comunhão com ela: há um cosmomorfismo, e não um antropomorfismo‖
(RODRIGUES, C., 2003, p.91).
60
―É fato admirável que assistamos, acompanhando o crescimento do âmbito fenomênico, à uma
correspondente complexificação das leis, da ordem a partir do caos. O crescimento e a
complexificação, dessa maneira, não são fortuitos, mas exibem uma ordenação das existências
individuais sob generalidades que mostram a liberdade e a criatividade operantes na natureza.
Acaso, existência e lei, portanto, tendem a crescer conjuntamente: ‗Especialmente neles todos [nos
três Universos], encontramos um tipo de ocorrência, aquela do crescimento, ela mesma consistindo
nas homogeneidades de partes pequenas. Isso é evidente no crescimento de movimento em
deslocamento e no crescimento de força em movimento. No crescimento também encontramos que
os três Universos conspiram [...]‘ (...) Os três Universos de Experiência descritos por Peirce recobrem,
dessa maneira, o domínio de suas três categorias; primeiridade, secundidade e terceiridade
descrevem os modos de ser, respectivamente, do primeiro, do segundo e do terceiro Universo‖
(RODRIGUES, C., 2003, p.90).
60
61
(...) o primeiro compreende meras Idéias (sic), aqueles nadas aéreos aos
quais a mente do poeta, do puro matemático ou outro qualquer poderia dar
62
habitação local e um nome dentro dessa mente. Sua própria nadidade
airosa, o fato de seu Ser consistir na mera capacidade de ser pensado, não
em serem pensadas Atualmente por alguém, preserva a sua Realidade
(Idem, p.88).
61
Em Um Argumento Negligenciado para a Realidade de Deus, Peirce define o uso de algumas
palavras com a letra maiúscula, apresentando assim, sentidos diferentes para as mesmas: ―Algumas
palavras deverão aqui dentro ser escritas em maiúscula quando usadas, não segundo o vernáculo,
mas como termos definidos. Assim, uma ‗idéia‘ (sic) é a substância de um pensamento ou fantasia
unitários atuais; mas ‗Idéia‘ (sic), - mais próxima das idéias (sic) de Platão [idea], - denota tudo cujo
Ser consista em sua mera capacidade de ser completamente representado, sem considerar a
faculdade ou a impotência de qualquer pessoa para representa-la‖ (PEIRCE, 2003, p.98).
62
Neologismo peirceano, deriva de ―nada‖.
63
Cabe aí a nadidade.
61
64
―‗Real‘ é uma palavra inventada no século XIII para significar ter Propriedades, isto é, ter
características suficientes para identificar seu sujeito, e possuí-las, quando forem ou não a ele
atribuídas, de qualquer modo, por qualquer homem singular ou por qualquer grupo de homens‖
(PEIRCE apud RODRIGUES C., 2003, p.89).
62
Olha, sou obrigado a supracitar esse argumento: ―Se o Real fosse definível
pelo campo existencial dos fenômenos que o compõe, não haveria explicação para,
por exemplo, a diversificação e a formação das espécies‖ (Idem). Consegues
observar a beleza dessa percepção? Sinceramente, adoraria ver Schopenhauer e
Peirce discutindo numa mesa de bar. Isso, claro, se Schopenhauer estivesse apto a
se divertir um pouco (Seria o álcool um caminho para a busca pelo nada, a busca
pelo fim da vontade pregado por Schopenhauer? Se sim, por que Schopenhauer
preferiu escrever à ficar bêbado? Seria ele um masoquista, um hipócrita, ou estaria
ele aprisionado ao conhecimento que já o torturava?).
Vale salientar que para Peirce o caos não se finda no terceiro universo. Pelo
contrário, para Peirce, a natureza é irregular:
A variedade infinita do mundo não pode ter sido criada pela lei, pela
ordem, isto é o que aprendemos por observação. Contemplar a
imbricação dos três Universos nos leva a entender as leis que descobrimos
como o resultado de um processo ainda em curso. A hipótese para explicar
o que vemos deve, então, inverter os termos: a lei, a regularidade, a
uniformidade e a continuidade do terceiro Universo tiveram origem na
variação, na completa desordem, na falta de lei ou de qualquer outro
tipo de organização, na liberdade irrestrita, do acaso no primeiro
Universo: ―Quando olhamos para a multiplicidade da natureza estamos
olhando direto para a face de uma espontaneidade viva‖ [6.553]
(RODRIGUES, C., 2003, p.91).
O clássico ―só acredito vendo‖ de (São) Tomé é uma realidade. Aliás, nisso
se situa o nosso próximo item:
4) Ao contrário da cosmologia schopenhauriana, onde as manifestações são
a tônica, na cosmologia peirceana as ideias são reais:
Talvez não se perceba de imediato, mas essa definição traz para o universo
da terceiridade de Peirce uma proporção absurda, colossal e consigo, um infinito de
possibilidades.
5) O ―Um Argumento Negligenciado para a Realidade de Deus‖, não
apresenta Deus necessariamente como um ser:
de toda raça pouco se desvia da norma dessa raça (PEIRCE, 2003, p.118,
grifo nosso).
65
―Para apresentar minha outra razão, sou obrigado a reconhecer três tipos de pessimistas‖
(PEIRCE, 2003, p.118).
66
―Giacomo Leopardi (1798-1837), poeta, humanista e filósofo italiano, considerado um dos maiores
nomes do romantismo e da literatura do século XIX e também o maior poeta italiano depois de Dante
Alighieri. Sua produção poética encontra-se reunida sob o nome de I Canti; outras obras suas são as
Operette Morali (1827-1834) e Zibaldone di Pensieri (pensamentos e um imenso diário, escritos a
partir de 1817, publicados com este título entre 1898 e 1900). De saúde sempre muito débil (sofria de
asma, miopia avançada e provavelmente tinha escoliose), ele mesmo ironizava sua própria aparência
franzina. Seu estilo mescla rara excelência formal com extraordinária linguagem, ritmo e riqueza de
imagens. Sua obra apresenta um dilema entre a poesia e a dor, a grandeza e a infelicidade, o gênio e
a brutalidade física entre o homem e a natureza‖ (RODRIGUES, C. apud PEIRCE, 2003, p.118).
66
67
Citada em versos por respeito à obra e ao autor que já se tratorou o suficiente em vida.
67
Parece ser claro que Peirce não curte muito as ideias de Schopenhauer e
companhia. Ao contrário da ironia dedicada aos pessimistas da primeiridade, visto
que tudo seria lindo se estes também fossem lindos, para com os da secundidade,
que vê um mundo feio porque todos são feios, ele é ácido e direto: ―mentes
enfermas‖ é o termo utilizado. Ou seja, para Peirce, esses moleques da
secundidade pessimista são doentes. Doentes mentais. Não possuem credibilidade
68
―Diógenes de Sinopa (c. 404 – c. 320 a.C.), filósofo grego, talvez o mais notável dos cínicos, grupo
de filósofos socráticos que tirou da ironia socrática todos os limites, ampliando-a ao sarcasmo e ao
escândalo provocador, colocando forte ênfase no exercício da autarcia, com talvez o maior desprezo
já testemunhado na história da filosofia pelas convenções sociais. Diógenes perseguiu esse ideal
cínico vivendo uma vida ‗natural‘, independente das luxúrias desnecessárias da civilização. Seguidor
de Antístenes, Diógenes acreditava ser a virtude melhor revelada na prática do que na teoria; fez de
sua vida um permanente protesto contra o que considerava uma sociedade corrupta. Consta que
vivia em uma grande cuba, em vez de em uma casa; e que ainda, certa feita, foi a Atenas com
uma lanterna à mão, em plena luz do dia, dizendo procurar um homem honesto, embora nem
mesmo assim encontrasse algum‖ (RODRIGUES, C. apud PEIRCE, 2003, p.119, grifo nosso).
69
―Thomas Carlyle (1795-1881), historiador e ensaísta escocês, um dos grandes escritores
conservadores do século XIX, autor de The French Revolution [A Revolução Francesa] (1837), em
três volumes, e de The History of Friedrich II of Prussia, called Frederick The Great [A História de
Friedrich II da Prússia, chamado Frederick O Grande], em seis volumes. Em seu On Heroes, Hero-
Worship, and the Heroic in History [De Heróis, do Culto aos Heróis e do Heróico na História] (1841),
apresentou uma teoria da importância suprema dos indivíduos no curso da história, discutindo a vida,
dentre outras personagens, de Dante, Lutero e Napoleão Bonaparte. Tanto seu caráter pessoal
quanto seu pensamento pouco se prestam a resumos. Defensor da coragem, da tolerância e da
resistência, crítico e desafeto de Darwin, teísta heterodoxo e apaixonado [isto é curioso, só
demonstra que a crença em Deus não inibe a cosmovisão pessimista do universo], crítico radical da
democracia, seus escritos refletem sua personalidade controversa‖ (RODRIGUES, C. apud PEIRCE,
2003, p.119, grifo nosso).
70
―Uma das últimas tragédias de W. Shakespeare, The Life of Timon of Athens [A Vida de Timão de
Atenas] (publicada em 1623), em cinco atos, inspirada em Timão de Flio (c. 320(?) – 230(?) a.C.),
poeta e filósofo cético grego, aluno de Stilpo de Megara e herdeiro intelectual de Pirro de Élis. A
primeira parte da peça apresenta um Timão misantropo, lisonjeado e parasitado na prosperidade,
mas abandonado quando empobrece. Na segunda parte, Timão encontra ouro e volta a atrair o
interesse dos que o abandonaram antes‖ (RODRIGUES, C. apud PEIRCE, 2003, p.119).
68
71
―Homem, carne sem luz, criatura cega,/Realidade geográfica infeliz,/O Universo calado te renega/
E a tu a própria boca te maldiz!/O nôumeno e o fenômeno, o alfa e o omega/ Amarguram-te.
Hebdômadas hostis/ Passam... Teu coração se desagrega,/ Sangram-te os olhos, e, entretanto, ris!/
Fruto injustificável dentre os frutos./ Montão de estercorária argila preta,/ Excrescência de terra
singular,/ Deixa a tu a alegria aos seres brutos,/ Porque, na superfície do planeta‖ (DOS ANJOS apud
NETO, 2000, p.27.
69
Que é que deve um cão a outro cão, e um cavalo a outro cavalo? Nada.
Nenhum animal depende de seu semelhante; mas por que o homem
recebeu da Divindade um raio de luz que se chama razão, qual é o fruto
disso? É ser escravo em quase toda a terra (VOLTAIRE, 1973, apud
LEAL; OLIVEIRA. 2007, p. 49, grifo nosso).
Depois de nossa santa religião, sem dúvida a única boa, qual seria a menos
má? Não seria a mais simples? Não seria a que ensinasse muita moral e
poucos dogmas? A que se empenhasse em tornar os homens justos sem
torná-los absurdos? A que não ordenasse a crença em coisas impossíveis,
contraditórias, injuriosas para a Divindade e perniciosas para o gênero
humano e não se atrevesse a ameaçar com penas eternas qualquer um que
tenha um juízo normal? Não seria a que não sustentasse a sua crença com
carrascos e não inundasse a terra com sangue por causa de sofismas
ininteligíveis? (...) A que unicamente ensinasse a adoração de um só Deus,
a justiça, a tolerância e a humanidade? (VOLTAIRE, 1968, apud CHARLES,
2012, grifo nosso).
Entrai na Bolsa de Londres, lugar mais respeitável do que muitas cortes; ali
veem-se reunidos os deputados de todas as nações para a utilidade dos
homens. Lá, o judeu, o maometano e o cristão tratam um ao outro
como se fossem da mesma religião, e não dão o nome de infiéis senão
àqueles que chegam à bancarrota; lá, o presbiteriano fiase no anabatista,
e o anglicano recebe a promessa do quacre. Ao saírem destas pacíficas e
livres assembleias, uns vão à sinagoga, outros vão beber; este vai batizar-
se num grande cuba em nome do Pai, pelo Filho e ao Espírito Santo; aquele
manda cortar o prepúcio do filho e resmungar sobre a criança palavras
hebraicas que esta não entende; aqueles outros vão às suas igrejas esperar
a inspiração de Deus com seus chapéus na cabeça, e todos estão
contentes (VOLTAIRE apud FERREIRA, 2013, p.13, grifo nosso).
73
72
Cândido , apesar de todo o seu conhecimento da metafísica de Pangloss,
vê duas moças perseguidas por dois macacos e, naturalmente, mata os
perseguidores, só para descobrir que eles eram os amantes das
perseguidas e tudo não fazia parte de um grotesco jogo amoroso.
Micromegas, vindo de um planeta muito maior do que a Terra, acha-a
pequena, mal formada, ―de dar pena‖. Está feita a crítica: o mundo, quando
destituído de seu arcabouço místico e abstrato, é puramente caricato, falho
e simplório. Tudo o que um olhar ―lógico‖ e ―racional‖ pode perceber é a
feiura vulgar ou a trivialidade de todas as coisas. É nesse sentido que a
secura poética se torna um elemento essencial da crítica: o esvaziamento
de significado tradicional só pode se dar através de um esvaziamento da
eloquência tradicional. Voltaire foge da intimidade barroca e dos exageros
do espírito, pois estão ambos associados a uma forma fantasiosa de ver o
mundo, onde as coisas parecem carregadas de subtextos inexistentes
(FERREIRA, 2013, p. 17).
Com tudo isso, Voltaire sofre. Não se cala, ou melhor, não consegue se
calar e daí advém o seu sofrimento:
disso. Por isso a importância da tolerância: se o juízo pertence a Deus não cabe ao
homem julgar ao outro ao bel prazer. Talvez inspirado por Voltaire, ou pelas ideias
de Voltaire, um dos maiores hits da música brasileira denuncie:
73
Infinita Higway, dos Engenheiros do Hawaií.
75
4.1 O JESUS DA FÉ
74
―Jesus chamou sempre a seu Deus de Abba, que é uma palavra tirada do vocabulário infantil, um
diminutivo da intimidade. Significa ‗meu querido Paizinho‘. Esta expressão ocorre 170 vezes na boca
de Jesus. O Segundo Testamento conserva esta expressão, Abba, no dialeto de Jesus, o aramaico.
(...) Evoquemos a autoridade de um dos maiores estudiosos da expressão Abba, o alemão Joaquim
Jeremias. Ele resume seu significado inédito assim: ‗Jesus dirige-se a Deus como uma criancinha a
seu pai, com a mesma simplicidade íntima, o mesmo abandono confiante‘ (BOFF, 2013, p.106-107).
78
Leonardo Boff, propõem uma vista ―diferenciada‖ da bíblia. Padre Oscar Quevedo75
chega a ser enfático:
Nós temos que estudar a Bíblia. Ela foi escrita há séculos, com o
vocabulário e a mentalidade de sua época, muito exagerado e metafórico e
pega até lendas como instrumento de linguagem para dar doutrina
sobrenatural, inobservável. E não se mete em Ciência. Ler a Bíblia ao pé-
da-letra é falta de respeito. Há que estudá-la para ver o que significava
na ordem religiosa. Não na ordem científica, porque ela não se mete
em Ciência, e usa a cultura ou a incultura das épocas em que foi
descrita. Não é que a Bíblia induza a erros. Ela estava esclarecendo,
explicando, com aquela mentalidade. E agora, com a mentalidade ocidental,
com o vocabulário do século 21, não se pode dizer: ‗ah, mas está na Bíblia‘.
Ora, isso é falta de respeito à Bíblia (QUEVEDO apud TURATI, 2008).
75
―OSCAR GONZÁLEZ-QUEVEDO é padre jesuíta, doutor em Teologia, fundador e diretor do CLAP
— Centro Latino-Americano de Parapsicologia, em São Paulo (SP). Licenciou-se em Humanidades
Clássicas, Filosofia e Psicologia. É reconhecido internacionalmente por sua contribuição aos estudos
da Parapsicologia. Autor de 15 livros na área e de inúmeros artigos publicados em revistas científicas,
obras reeditadas e publicadas em várias línguas. Entre suas obras, sete livros sobre milagres e os
títulos Antes que os demônios voltem e A face oculta da mente, considerados por ele as suas
melhores obras‖ (TURATI, 2008, grifo do autor). Vale salientar que Padre Quevedo, como é
conhecido, é interpretado por muitos como um católico fundamentalista. Muito disso se dá por conta
da sua visão exclusivista da Igreja Católica como única e verdadeira igreja no mundo. Quando
questionado sobre se os milagres podem ser comprovados cientificamente, ele responde: ―Se
comprova. A base dele é a parte histórica, a fenomenologia, os testemunhos e em que ambientes. E
em que ambientes? Só em ambientes católicos!‖ (apud TURATI, 2008). Porém, vale a observação:
assim como Leonardo Boff, Padre Quevedo é, sobretudo, um estudioso.
80
76
de Niceia (325), de Constantinopla (381), de Éfeso (431) e de Calcedônia
(451) como aparece no atual credo. Nele é professado como ―Deus de
Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, engendrado, não
criado, da mesma natureza que o Pai‖. E logo se diz que ―se fez homem e
por nossa salvação foi crucificado sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi
sepultado‖. Nada se diz de sua vida, mensagem, obra e porque o mataram.
No fundo apenas se diz que ―nasceu e morreu‖ (BOFF, 2013, p.169).
76
Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso,/ Criador do Céu e da Terra,/ De todas as coisas visíveis
e invisíveis./ Creio em um só Senhor, Jesus Cristo,/ Filho Unigênito de Deus,/ nascido do Pai antes
de todos os séculos:/ Deus de Deus, luz da luz,/ Deus verdadeiro de Deus verdadeiro;/ gerado, não
criado, consubstancial ao Pai./ Por Ele todas as coisas foram feitas./ E por nós, homens, e para
nossa salvação/ desceu dos Céus./ E encarnou pelo Espírito Santo,/ no seio da Virgem Maria./ e se
fez homem./ Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos;/ padeceu e foi sepultado./
Ressuscitou ao terceiro dia,/ conforme as Escrituras;/ e subiu aos Céus,/ onde está sentado à direita
do Pai./ De novo há-de vir em sua glória/ para julgar os vivos e os mortos;/ e o seu Reino não terá
fim./ Creio no Espírito Santo,/ Senhor que dá a vida,/ e procede do Pai e do Filho;/ e com o Pai e o
Filho/ é adorado e glorificado:/ Ele que falou pelos Profetas./ Creio na Igreja,/ Una,Santa,Católica e
Apostólica./ Professo um só batismo para a remissão dos pecados./ E espero a ressurreição dos
mortos/ e vida do mundo que há-de vir./ Amém.
77
―Paulo Freire nos ensinou a distinguir radicalismo (processo de ir à raiz das questões) de
sectarismo, que se define como a inflação de um setor da realidade, ou de um aspecto da
compreensão, em detrimento do todo‖ (BOFF, 2009, p. 8).
81
Essa fórmula, em muito reverbera até hoje. Ainda que fora das imagens, as
interpretações fundamentalistas acerca da Bíblia possuem influência contundente no
mundo contemporâneo:
O Pai não existe sem o Filho. (...) O Pai é Pai não primeiramente por ser
criador, mas por ser eternamente, antes da criação, o Pai do Filho. Se não
houvesse o Filho não haveria o Pai. Portanto, é o Filho que tira o Pai de seu
Mistério insondável e no-lo dá a conhecer: ―ninguém conhece o Pai senão o
Filho‖ (Mt 11,27; Lc 10,22). Essa foi a grande obra de Jesus que, ao sentir-
se Filho, descobre Deus não apenas como criador do céu e da terra, mas
como Pai do Filho e Pai de extrema bondade e intimidade: Abba. (...) A
afirmação da paternidade fontal que origina a filiação de todos no Filho nos
faz descobrir a irmandade universal e a comunhão entre todos. Se
abandonarmos esta filiação trinitária e a igualdade de todos os filhos e
filhas, cairemos fatalmente na figura do Pai patriarcal, criador de
todos, mas ficando só e único, concepção que foi historicamente
manipulada para fundamentar o autoritarismo, o paternalismo e o
machismo que tanto mal causaram e ainda causam à humanidade
(BOFF, 2013, p.74-75, grifo nosso).
78
Observe que a referência trinitária está altamente presente no pensamento de Peirce. É nela que
se situa primordialmente os seus conceitos de primeiridade, secundidade e terceiridade.
82
sua criação. Criação não tem vontade. Se Da Vinci quisesse pôr sobrancelhas na
Mona Lisa, ela assim o teria; se eu quisesse mais uma ―rima na canção‖ de ―O
Alfabeto Mágico de Denalle‖, ela assim o teria. Mas um pai não manda de fato no
seu filho; ele, no máximo conduz e orienta. O filho não pertence ao pai, mas está
vinculado. Para que esse vínculo que, é verdade, não finda, continue sendo exaltado
e cultivado por ambos, é necessária uma ação recíproca de partida e contrapartida,
pois a partir daí, há duas questões básicas em jogo: liberdade e afeição. Ambos são
impossivelmente desvinculados da natureza humana. 2) Se Jesus for apresentado
como uma básica para a existência do Pai como pai e não como criador, então
estaremos entendendo oficialmente que há uma dependência de Deus para com
Jesus. Consolidar a interpretação desta dependência de um para com o outro (pois
o filho só é filho porque há o pai), seria derrubar fundamentalmente qualquer tese
absolutista, centralista e antidemocrática existente no período pós-cristão, ao
menos, para os cristãos. Isso seria de um prejuízo enorme para aqueles que
historicamente detiveram o poder, alicerçados por, dentre outros, a [suposta]
vontade e o exemplo divino.
A relação trinitária entre ―Jesus – Deus Pai – Espírito Santo‖ também será
explorada rapidamente neste trabalho. É importante salientar que a compreensão da
metafísica do cristianismo é, foi e continuará sendo durante muito tempo,
extremamente importante para os rumos da sociedade, vide idade média e
contemporaneamente, o próprio fundamentalismo estadunidense:
79
―Guerra Contra o Terror‖ iniciada por Jorge W. Bush após os acontecimentos de 11 de setembro
nos EUA.
83
nós, mesmos os habitantes de países nem sempre protagonistas dos rumos sócio-
político-econômicos mundiais, reproduzimos com preocupante frequência que:
O Signo, aqui [na figura 2], é visualizado como uma Totalidade Una de
sentido, que estaria Todo jogado na expressão da Sua própria Tríade, a
qual por sua vez se realiza como PRIMEIRIDADE, SECUNDIDADE e
TERCEIRIDADE. Essa caracterização da TRINDADE sígnica é, no entanto,
enquanto mera enunciação dos atributos da Divindade, uma formulação
abstrata, que a Deus mesmo não realizaria o Próprio sentido de Ser. Eis
85
Tendo expressado a sua concepção que concerne nada mais do que uma
relação entre a cosmogênese e antropogênese, exprimidas na criação do mundo e
posteriormente do mundo, Aydos apresenta o que para ele é uma visão completa da
tríade sígnica aplicada ao Deus do cristianismo.
86
Figura 5 – As Tríades da Cosmogênese e da Antropogênese Aplicadas ao Deus do Cristianismo
(AYDOS, 2000, p.292).
Observe que o exposto a cima possui relações pertinentes com o que fora
dito com o pensamento de Voltaire no decorrer deste trabalho. Porém há algo que
se torna ainda de grande importância, as relações entre os três seres que
constituem a Trindade:
(...) há ainda um outro tipo de reducionismo, este ainda mais profundo, que
atingiu a substância da novidade trazida por Jesus. Assim, a experiência
originária do cristianismo de experimentar Deus como Trindade de Pessoas,
sempre em pericórese, comunhão de vida e de amor mútuos, não logrou
impôr-se (sic) historicamente. Esta intuição fundamental e original face às
demais religiões foi logo capturada por polêmicas derivadas do paradigma
grego de pensamento. Este se caracteriza, com raras exceções, por uma
visão substancialista, identitária e não processual da vida e da história
pouco adequada a pensar a Trindade como jogo de relações entre as Três
divinas Pessoas (BOFF, 2013, p. 170, grifo do autor).
A prática para com Deus não passa pelo ritual oficial, mas pelo amor, pela
misericórdia, pelo sentido de justiça e de entrega confiante. Àquele que
88
aniquilar essa liberdade sobre a qual está fundado?― (VOLTAIRE, 1973, apud LEAL;
OLIVEIRA. 2007, p. 52). Jesus era um sujeito humilde, simples e idealista. Sua
ascendência divina, ou quaisquer et cetera místico são, caso sejam, detalhes.
Relevantes, mas detalhes. Vejamos:
Ele se encarna neste homem de Nazaré, vila tão insignificante que sequer é
nomeada no primeiro testamento. Ele vai se formando como qualquer
criança, jovem e homem feito. Passa pelas crises que cada fase
implica, enfrenta-as, e com isso amadurece e plasma sua identidade de
homem. Seu nome, Jesus, não consta em nenhuma crônica da época.
É um desconhecido. Aprende a profissão do pai, um artesão, um factotum
que arruma telhados, levanta paredes, constrói mobiliário doméstico como
mesas, cadeiras e rodas, e simultaneamente trabalha como camponês para
garantir comida à família, como era hábito de todos os artesãos (BOFF,
2013, p.46, grifo nosso).
Mas afinal, qual seria tão gigantesca subversão desse jovem? Quais seriam
as questões levantadas por Jesus, tão graves, a ponto de reverberar por milênios e
conduzi-lo a uma das piores punições já criadas pela perversidade da mente
humana? Se você for ateu, ou simplesmente não enxergar Jesus como um ser
divino, considere que ele foi pioneiro em dizer para muita gente, que as pessoas
precisavam ser legais umas com as outras (ADAMS, 2010). Se for um cristão mais
ortodoxo, considere que ele era/é filho de Deus e que disse que todos nós éramos
irmãos e precisávamos nos perdoar e não julgar o próximo. Se você for um cristão
não-tão-ortodoxo-assim, considere que a questão de Jesus gira em torno do
seguinte:
No final das contas, como falei a cima por meio de Hermes Trismegisto, é
tudo a mesma coisa. A essência, neste trabalho (e acredito que não apenas neste
trabalho) é mais importante do que o formato. E por mais que não pareça, essa
observação é relevante. Então, divino ou não, consideremos Jesus da perspectiva
de homem idealista. Jesus era um homem que tinha um ideal, um sonho. Esse
sonho dizia respeito, não a ele, mas ao conjunto da humanidade. Jesus era um
homem do coletivo.
90
Mas o que conduz Jesus à busca pelo Reino de Deus? Independente de ser
o ―Reino de Deus‖ uma alegoria, uma licença poética, ou um próprio Reino
demarcado em cima das nuvens, ou num plano metafísico, Jesus buscava uma
condição de liberdade e felicidade para os seres humanos. ―Contra o império de
César, Jesus propõe o Reino de Deus. Era um ato político subversivo e perigoso.
Contra a religião da lei e da cobrança, Jesus postula a religião do amor e da
misericórdia‖ (BOFF, 2013, p.91). Essa condição advinha daquilo que esta pesquisa
vem demonstrando ser o calo de todo o pessimista: o conhecimento. Jesus, por
algum meio, metafísico ou não, chegou à conclusão de que o mundo só seria feliz se
o amor fosse cultivado, se as pessoas se amassem mais e se julgassem menos.
Decidiu reverberar isso. Coitado. A utopia dele era muito maior do que a de Voltaire,
colossalmente maior. Tanto percebeu o tamanho da utopia, que quando viu no seu
doloroso sacrifício a única alternativa para salvar os outros, assim o fez.
Metafisicamente pode ter dado certo. Era essa a sua esperança.
Convenhamos, por que isso era subversivo? Por mais que hoje pareça ser
óbvio que se as pessoas se amassem de verdade, sem nem se conhecer, o mundo
seria um lugar realmente supimpa; pras pessoas daquele tempo isso não era tão
claro. Isso se dava principalmente pela relação de autoridade que existia,
especialmente a partir da figura divina pré-cristã, como já citei nas páginas
anteriores. Não era importante amar, era importante ser obediente. No seu papel de
criatura, em gratidão por ter sido criado, você também deve ser servo. Cabe ao
servo obedecer, ser ingrato é feio. Há muito servo grato que não gosta de ingratos.
O criador pune ingratos.
Compreende a polêmica? Do nada surge um sujeito dizendo ―não sou
criatura, sou filho!‖, ―não cabe a mim obedecer, cabe a mim amar aos meus irmãos!‖.
Imagine o que essas criaturas-servas-cegamente-obedientes pensaram quando
viram esse sujeito? ―É, no mínimo, uma má influência‖. Mas... e quando essa
influência toma proporções que fogem ao controle? Das duas uma: ou reza, ou
neutraliza a má influência. Bom, se rezaram, tudo indica que rezaram para o Pai da
má influência e isso obviamente não adiantou. Restou neutralizá-la.
91
Jesus sabia disso. Sabia que seria neutralizado de alguma maneira. Como
não se calaria, a maneira certamente seria a morte. Ele sabia que era perigoso
pensar o que pensava e falar o que falava. Mas além de ter o amor aflito por uma
humanidade que caminhava para o desastre, Jesus era um apocalíptico. Ele
realmente acreditava que o mundo estava próximo do fim e toda a sua fala emanava
urgência:
Sendo exemplo vivo do ideal de um mundo onde o poder não faz sentido,
pois está prestes a acabar, e a única salvação para os homens é cultivar o amor ao
próximo, Jesus decide o seu caminho. Negando toda e qualquer forma de poder, ao
pregar isso, ameaça aos que mamam nas tetas da sujeição alicerçada por meio do
respaldo divino. A mensagem do exemplo vivo de Jesus é a de que:
O Reino de Deus não pode ser parcializado com fosse parte de uma
realidade maior. Ele não pode ser reduzido às três formas de poder,
apresentadas como tentações a que foi submetido Jesus (...), o
poder profético que transforma pedras em pão, o poder sacerdotal
que pretende mudar o mundo a partir do templo e de uma reforma
moral ou o poder político que domina povos e territórios e submete a
todos a uma mesma ordem. Jesus rejeita estas três formas de poder
como tentação diabólica. O caminho escolhido é o do líder servidor,
do profeta perseguido e do servo sofredor, anunciado pelo Profeta
Isaías (...) (BOFF, 2013, p.93-94, grifo do autor).
E é a partir dessa escolha, onde Jesus nega o posto de líder que sujeita,
mas acata a difícil tarefa de ser o líder sujeitado, que encontramos a lógica que vai
perseguir toda a sua trajetória de vida, os seus ensinamentos e transparecerá a sua
angústia. É nesta opção de doar-se às pessoas como um servo, que Jesus inicia a
sua angústia; não à toa ―servo sofredor‖, ele sofre por ver na sua vontade uma
utopia. Ainda assim, decide ser exemplo, custe o que custar.
Como já vimos na página 68 deste trabalho, os pessimistas filantrópicos são
aqueles que, assim como Schopenhauer percebem os desmandos e o rumo trágico
da humanidade, mas ao contrário deste, não odeiam a vida por isso. Pelo contrário,
inconformam-se, justamente por amá-la em demasia. E é nesse amor que consiste
os seus ensinamentos, para Jesus, amar ao próximo é ser livre.
Então, para Jesus, há uma ética: amor e misericórdia ilimitados. Não são as prédicas
que salvam, mas as práticas. Esta é a chave e também segunda característica de
um pessimista filantrópico. Lembremos que há duas básicas: 1) Simpatia; 2)
Filantropia. Além da terceira, comum a todos os pessimistas, o fatalismo. É
impossível ser pessimista e não ser fatalista. Fatalismo, segundo o Dicionário
Priberam da língua portuguesa, deriva de Fatalidade. Fatalidade é: 1. Força que
predispõe os acontecimentos. 2. Destino inevitável. 3. Qualidade de fatal. Ou seja,
é a percepção e convicção de que algo definitivamente não irá se resolver ou
caminha fatalmente para o abismo, que nasce o pensamento pessimista. No entanto
as reações, assim como no exemplo apocalíptico que foi dado a cima, são distintas:
na primeiridade, se definha; na secundidade, se suporta; na terceiridade se
sacrifica, como se o sacrifício fosse assim, o último suspiro de esperança para
resolver os problemas da humanidade.
Jesus, conforme o apresentado até agora, atende duas das três
características básicas dos pessimistas filantrópicos. No entanto, tentarei me
aprofundar um pouco mais nesta questão:
(...) no Sermão da Montanha. Aí Jesus faz uma clara opção pelas vítimas e
por aqueles que não contam na ordem vigente. Declara bem-aventurados,
quer dizer, portadores das bênçãos divinas, os pobres, primeiros herdeiros
94
80
―31 Vendo, pois, os judeus, que estavam com ela em casa e a consolavam, que Maria
apressadamente se levantara e saíra, seguiram-na, dizendo: Vai ao sepulcro para chorar ali. 32
Tendo, pois, Maria chegado aonde Jesus estava, e vendo-o, lançou-se aos seus pés, dizendo-lhe:
Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido. 33 Jesus pois, quando a viu chorar, e
também chorando os judeus que com ela vinham, moveu-se muito em espírito, e perturbou-se. 34 E
disse: Onde o pusestes? Disseram-lhe: Senhor, vem, e vê. 35 Jesus chorou. 36 Disseram, pois, os
judeus: Vede como o amava‖ (João 11:31-36).
81
Observe, falo de filantropia, não de marketing social.
95
Para Jesus, ―se tivermos dado alimento ao faminto, água ao sedento, roupa
ao desnudo. Nesta solidariedade mínima se joga o destino de todos, feliz ou infeliz
(Mt 25,31-40)‖ (Idem, p. 117). Tomemos como exemplo, para aqueles que seguem o
exemplo de Jesus, a interpretação presbiteriana dessa questão:
Então seria isso? O amor e pronto? Pois bem, na Bíblia encontramos alguns
textos ditos jesuânicos. Jesuânico é o texto que surge diretamente da boca de
Jesus. Dentre estes textos há dezenas de parábolas, muitas retrabalhadas conforme
a necessidade apologética de cada autor (BOFF, 2013), porém, há um texto
específico que funciona como síntese do pensamento de Jesus:
96
82
―Os estudiosos nos garantem que, quando uma fórmula mais curta se encontra integralmente
contida na mais longa, é a mais curta que deve ser considerada mais próxima da original. Portanto,
seria a de São Lucas‖ (BOFF, 2013, p.106)
97
Somente mais tarde, por razões apologéticas, face aos cristãos vindos da
cultura helenista, começou a se falar de ―ressurreição‖. Para a visão grega,
a volta ao corpo não é nenhum benefício; ao contrário, é antes um castigo,
pois o corpo representa o cárcere (sema) da alma dentro do corpo (soma),
cuja morte significaria a sua libertação. Voltar ao corpo pela ressurreição é
regredir e reentrar no cárcere. Para evitar este tipo de compreensão cultural
os cristãos começaram a usar a expressão ―ressurreição‖ com um sentido
novo, não simplesmente como a reanimação de um cadáver, como o de
Lázaro, mas como um novo tipo de corpo – ―corpo espiritual‖ (1Cor 15,44).
Um corpo real, mas que assume as dimensões do espírito, por isso
transfigurado, livre do aprisionamento do espaço e do tempo, um corpo
cósmico. Desta forma surge como ―o novíssimo Adão‖, expressão da nova
criação, nas palavras de São Paulo (cf. 1Cor 15,35) (Ibidem, 140-141).
98
83
Referência à percepção de que a humanidade só será salva com o seu sacrifício.
99
Por fim, Jesus, por amar as a humanidade de forma ímpar, sucumbiu à cruz. Nunca
desejou esse tipo de coisa. Entre calar-se e pregar o que acreditava ser o melhor
caminho para aqueles a quem amava, encarou a sua possível pena como um mal
necessário diante de uma sociedade virtualmente condenada, um ato de amor e de
esperança pra salvar os seus irmãos. Um exemplo claro para que quem visse sua
figura e ouvisse sua história, tivesse inspiração para viver e acreditar nas boas
100
pessoas e num mundo melhor, justo e inofensivo a quem quer que seja. Não se
calou, assim como seu par de categoria pessimista, Voltaire, diante de nenhuma
ameaça e decidiu por proferir a sua palavra à todos aqueles que estivessem
dispostos a ouvi-la. ―No meio de lágrimas, angústias e gritos de desespero, manteve
até o fim a fidelidade a si, ao sonho, aos homens e às mulheres humilhados e
ofendidos e ao Pai‖ (BOFF, 2013, p. 188). Tudo isso em nome da compreensão e
sensibilidade que tinha com os seus próximos, do amor que eclodiu desta
sensibilidade formulando a sua visão e cosmovisão do universo e da angústia
consequente da percepção de que o mundo caminhava para o abismo. A filantropia
do seu pessimismo não permitiu o extirpar da esperança; vocacionado por esta,
decidiu: ―eu sou a esperança‖. No lusco-fusco do seu sofrimento, realizado pela
consciência, abraçou o coração de toda a humanidade. Pronto para servir, acatou a
sua missão e em seguida bradou como o Polegar Vermelho: ―Sigam-me os bons!‖84.
84
Ad-tempora.
101
Ninguém neste mundo de Deus está acima dos erros e das paixões
humanas.
5 CONCLUSÃO
85
Stinson é um personagem fictício. Porém, no livro em questão, ele aparece como autor. Ou seja,
neste caso, é o pseudônimo de um autor real.
86
―(...) um Bro é um companheiro em quem você pode confiar eternamente e que estará sempre
pronto a ajudá-lo‖ (STINSON; KUHN. 2014, p.13).
103
transmitida pelo Jesus Histórico, conduzindo assim o culto cristão a um culto que
pode corroborar com atrocidades autoritárias, machistas, fundamentalistas, dentre
outras questões que não tornam errôneas as vistas de autores como Marx e
Nietzsche, por exemplo, acerca da influência do cristianismo no conjunto da
sociedade:
Eu, o que escreve, declaro que havendo sofrido um vômito de sangue faz
quatro dias, na idade de oitenta e quatro anos e não havendo podido ir à
igreja, o pároco de São Suplício quis de bom grado me enviar a M. Gautier,
sacerdote. Eu me confessei com ele, se Deus me perdoava, morro na santa
religião católica em que nasci esperando a misericórdia divina que se
dignará a perdoar todas minhas faltas, e que se tenho escandalizado a
Igreja, peço perdão a Deus e a ela. Assinado: Voltaire, 2 de março de 1778
na casa do marquês de Villete, na presença do senhor abade Mignot, meu
sobrinho e do senhor marqués de Villevielle. Meu amigo (VOLTAIRE, 1778
apud AQUINO, 2009).
87
Informação fornecida por Aloísio Nunes em aula na Universidade Federal de Alagoas; Instituto de
Ciências Humanas, Comunicação e Artes; curso de Comunicação Social; na matéria Teoria da
Comunicação II; primeiro semestre de 2012; ad-tempora.
107
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HAWKING, Stephen. O universo numa casca de nós. Editora Nova Fronteira, Rio
de Janeiro, 2009.
maio de 2015.
STINSON, Barney; Kuhn, Matt. O Código Bro. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
TURATI, Luiz Roberto. Artigos: Padre Quevedo: "A tese da reencarnação é uma
idiotice". 2008. Disponível em:
<http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=47195&cat=Artigos>.
Acesso em: 15 de maio de 2015.