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Módulo III – O papel da polícia na prevenção e controle da violência, do crime e da

desordem

Apresentação do Módulo

O debate sobre o papel da polícia no Brasil vem sendo significativamente enfatizado


por causa do recorrente posicionamento do país entre aqueles com as maiores taxas de crimes
do mundo. Sem esquecer que os processos de prevenção e controle da criminalidade não
podem estar assentados exclusivamente em um modelo de soluções policiais, já que diversas
variáveis atuam para compor tais taxas, não se pode, entretanto, ter na polícia, um dos mais
importantes componentes nos dois processos. Ainda que o debate, segundo o Banco
Interamericano de Desenvolvimento, demande maior aporte de informação que dê sustentação
às diferentes abordagens, ele tem seguido, paralelamente, em direção a dois pontos diferentes:
(i) uma visão economicista do crime e da violência, na qual o enfoque é a redução do número
de criminosos pela aplicação efetiva da lei e o consequente aumento do custo de cometer um
delito; e (ii) uma visão que enfoca os fatores considerados proximais ou criminógenos, ou
seja, que produzem propensão ao crime e à violência, sem levar em conta os fatores sobre os
quais a polícia não tem qualquer controle, tais como fatores econômicos, demográficos,
sociais e culturais.

Sob qualquer das abordagens, entretanto, a polícia pode desempenhar um papel


relevante, atendendo a comunidade através de respostas rápidas, acessibilidade e
disponibilidade, reduzindo, no que seja possível, o crime, a desordem, a sensação de
insegurança e o medo do crime.

Apesar da percepção do importante papel da polícia, o século XIX foi pródigo em


produção de estudos que demonstraram que a aplicação de certas estratégias e táticas
consideradas tradicionais têm efeito limitado nas taxas de crime e violência, o que provocou
nas últimas décadas um relevante movimento por novas estratégias que melhorem o
desempenho das organizações de segurança pública e de justiça criminal na prevenção e
controle do crime.
Neste módulo, você estudará sobre os novos enfoques da ação policial que vêm sendo
recomendados para superar as deficiências das abordagens tradicionais. Tais enfoques estão
centrados em ações policiais voltadas para as causas proximais ou imediatas da criminalidade,
assim como para aquelas estratégias que objetivam produzir maior participação da
comunidade, resultando em um processo de interação e cooperação entre a polícia e a
população que dê o necessário suporte ao alcance dos objetivos de prevenir e controlar o
crime.

Objetivos do Módulo

Ao final do módulo, você será capaz de:

Estabelecer a diferença entre as estratégias policiais apresentadas;

Apontar, nas estratégias estudadas, as ações que funcionam e não funcionam;

Explicar a efetividade ou falta de efetividade das estratégias apresentadas;

Explicar as vantagens e desvantagens das diferentes abordagens estudadas;

Analisar a aplicabilidade das estratégias apresentadas à realidade brasileira.

Estrutura do Módulo

Aula 1 – Estratégias Tradicionais

Aula 2 – Estratégias orientadas à comunidade e à solução de problemas

Aula 3 – Estratégias de redução da desordem

Aula 4 – Reforma policial

Aula 5 – O cuidado com modelos estrangeiros

Aula 6 – Onde encontrar referências de boas práticas em prevenção do crime,


violência e desordem ao redor do mundo e no Brasil
Aula 1 – Estratégias tradicionais

As estratégias tradicionais de prevenção e controle do crime e da violência,


particularmente aquelas desenvolvidas pela polícia, têm sido objeto recorrente de estudos.
Atualmente, muitas críticas têm sido dirigidas a esse modelo, em função de suas
características essenciais. Porém, antes de tratar de tais características, é essencial que você
compreenda que o modelo tradicional é fruto das respostas encontradas por dirigentes
policiais, agentes de governo e acadêmicos, para fazer frente ao crescente aumento da
criminalidade experimentado no começo do século passado em diferentes países, mas,
principalmente, nos Estados Unidos da América.

Com o aumento demográfico experimentado a partir do início do século XIX, o


crescente desenvolvimento e a consequente ocupação desordenada das áreas urbanas, o país
se viu envolto em um aumento das taxas de crime1 de modo bastante significativo, e as
estratégias de policiamento até então utilizadas pareciam não mais ser capazes de atender a
demanda que tal cenário acabava por produzir. O volume de chamados à polícia aumentava
exponencialmente, os recursos policiais se mostravam insuficientes e a polícia tinha que
encontrar um meio de aumentar sua capacidade de atendimento.

Com o advento do automóvel e do radiocomunicador, os governos e as organizações


policiais enxergaram uma grande oportunidade de inverter o cenário de crime e violência que
pairava nas áreas urbanas. Introduziram-se de forma maciça na polícia os veículos
motorizados e os rádios; foram criadas centrais de atendimento e despacho nas organizações
policiais; o modelo baseado, até então, em rondas a pé, foi pouco a pouco sendo substituído
pelo modelo de patrulhamento motorizado no qual os policiais, através do rádio, eram
orientados a atender os diferentes chamados da população sem ter que para isso retornar às
suas bases (delegacias, distritos policiais) para receber instruções.

Uma das consequências desse novo modelo foi o aumento da capacidade quantitativa
de atendimento aos chamados da população, assim como a redução do tempo de resposta das
organizações policiais a tais chamados. Por outro lado, a alocação dos policiais das rondas a

1 De forma interessante, essas são as explicações oferecidas pelo Mapa da Violência: jovens do Brasil, na edição
de 2011, para o aumento do crime e da violência nas regiões Norte e Nordeste do Brasil no período do estudo, de
1998 a 2008.
pé em “radiopatrulhamento” – dando início ao que a crítica denomina como um processo de
distanciamento da polícia – criou um rompimento do senso de responsabilidade do policial
pela comunidade onde atuava.

Para auxiliá-lo no seu processo de aprendizagem, acompanhe a linha do tempo


dividida em três momentos:

A partir dos anos 50 – Com o desenvolvimento dos sistemas computacionais,


modelos de gestão por resultados passam a predominar nas organizações, e a polícia
não ficou isenta disso. O modelo de policiamento passa a ser desenvolvido sob tais
padrões de qualidade, com ênfase em resultados e na melhoria contínua. Melhoria no
tempo de resposta aos chamados, estatísticas de crimes, quantidades de reclamações da
polícia, quantidade de prisões efetuadas, entre outros, passaram a ser os indicadores de
sucesso do trabalho policial.

Tais indicadores pareciam impor às organizações investimentos contínuos em mais


contratações de policiais, aquisição de veículos e radiocomunicadores. O sistema de
radiopatrulhamento estabeleceu-se, no período, como a resposta-padrão das
organizações policiais, distanciando, cada vez mais, os policiais da população,
tornando-os, segundo a crítica, meros “atendedores” de um sistema centralizado de
despachos e elaboradores de relatórios ou boletins de ocorrência.

A partir dos anos 80 – Com a constatação de que, apesar de tudo, as taxas de crime e
violência continuavam a subir e as estratégias policiais pareciam não atender as
demandas por prevenção e controle, surgem vários estudos colocando em discussão o
chamado modelo tradicional, apresentando novas propostas de estratégias que se
propunham a aliar-se ao modelo e produzir resultados diferentes. É nesse cenário que
florescem as abordagens orientadas à comunidade e aos problemas, as teorias
situacionais e as abordagens situacionais de prevenção.

1996 – Encarregado pelo governo norte-americano para realizar um estudo extensivo


sobre a real efetividade dos programas de prevenção em execução no país, o Prof.
Lawrence Sherman (Universidade de Maryland) e sua equipe iniciam um trabalho de
avaliação de cerca de 500 programas de prevenção, o que ficou consubstanciado no
relatório denominado: Preventing Crime: What Works, What Doesn't, What's
Promising (Em tradução livre: Prevenindo o crime: o que funciona, o que não funciona
e o que está sendo prometido).

A seguir você estudará as principais conclusões do relatório em relação a estratégias de


prevenção e de policiamento que são consideradas efetivas e as que não funcionam.

1.1. Estratégias tradicionais efetivas

a. “Endurecimento dos alvos”: Programas que buscam prevenir e/ou controlar a


criminalidade através da melhoria da qualidade das medidas de segurança em
relação a pessoas e propriedades. A polícia realiza visitas nas residências de
determinadas comunidades identificando vulnerabilidades e ensinando os
moradores a tomar medidas que melhorem sua segurança e a de suas
propriedades. Campanhas educacionais e treinamentos da população podem ser
de grande valia nesse sentido e produzirão um estreitamento das relações entre a
polícia e comunidade. Existem registros de programas dessa natureza que
alcançaram reduções de até 70% nos furtos em residências e veículos em
determinadas localidades.

b. Patrulhamento dirigido: Estudos demonstram que há uma diminuição


significativa da criminalidade em áreas de alto risco (hot spots, por exemplo)
quando as atividades de patrulhamento policial ali se concentram. Tais estudos
apontam ainda que, quanto mais tempo a polícia permanecer em uma determinada
área de risco, mais tempo tal área permanecerá livre de criminalidade, mesmo
depois que a polícia deixar a área. O aumento do volume e intensidade de
patrulhamento em determinadas áreas de risco parece produzir uma diminuição no
aumento das chamadas telefônicas por auxílio policial. Estudos demonstraram que
tais chamados ocorriam três vezes mais nas áreas onde não havia concentração de
patrulhas.

c. “Batidas policiais”: Operações policiais localizadas e de curta duração (minutos


ou horas) consistem na combinação de detenções preventivas (em países onde a
legislação assim o permita), controle de identidade, patrulhamentos específicos e
forte presença policial em zonas consideradas perigosas. Essas ações tendem a
diminuir a criminalidade de forma drástica em curto prazo e seus efeitos podem
perdurar durante anos. É importante ter em conta, entretanto, que é difícil a
manutenção da força policial em operações dessa natureza durante um longo
prazo, além do que pode resultar em diminuição do poder dissuasivo da força
policial no local.

1.2. Estratégias tradicionais que não funcionam

Os estudos do professor Sherman também possibilitaram a identificação e diversas


estratégias consideradas tradicionais que se mostraram não efetivas na prevenção e controle
do crime. Dentre elas podem-se citar as seguintes:

a. Reposta mais rápida da polícia aos chamados da população: Aumentar a


rapidez com que a polícia responde aos chamados telefônicos de emergência não
provoca impactos significativos na redução da criminalidade ou na taxa de prisões
efetuadas. Em média, a população, por fatores diversos, leva cerca de trinta
minutos para acionar a polícia quando da ocorrência de um delito, o que inviabiliza
a chegada do socorro em prazo hábil que permita a prisão do criminoso ou que
impeça a ocorrência do crime.

b. Patrulhamento aleatório: Diversos estudos têm demonstrado que um incremento


no patrulhamento policial sem um propósito claro, com base em dados e
informações que identifiquem locais e horários “quentes”, não produz efeito na
prevenção de delitos. Embora haja discordância a respeito de tais estudos quando
se enfoca a questão do patrulhamento a pé (o qual, segundo especialistas, mesmo
aleatório produziria sim algum efeito de prevenção), todos os especialistas
concordam que a estratégia de aumentar os efetivos policiais para diminuir a
violência tem um custo proibitivo para a administração pública e os resultados
obtidos não têm se mostrado efetivos, o que implica a utilização racional dos
recursos policiais a partir da identificação das melhores formas e locais de sua
aplicação.

c. Prisões: O BID classifica as prisões em dois tipos: as “punitivas” e as


“preventivas”. No primeiro caso, a premissa que rege as ações policiais é a de que
quanto mais prisões se realizem por qualquer tipo de delito que implique prisão,
menor será a delinquência. Muitos estudos têm demonstrado, entretanto, que o
efeito dissuasivo de tal tipo de prisão é, no mínimo, imperceptível. Em alguns
casos, inclusive, produz-se efeito contrário, particularmente quando tais prisões
são dirigidas a jovens. Existem indícios de que nesses casos poderá haver um
aumento da probabilidade de que os jovens cometam mais delitos, como uma
forma de rebeldia contra a ação da polícia. No segundo caso, das prisões
preventivas, estas estariam dirigidas a grupos de risco específicos, tais como
condutores de veículos que estejam embriagados, primários ou reincidentes.
Existem evidências de que tal tipo de ação policial tende a ser eficaz em relação
aos condutores que ingerem bebidas alcoólicas, mas não é assim em relação aos
que consomem outros tipos de drogas. Por outro lado, também há indicações de
que os efeitos dessas prisões preventivas sejam passageiros. No caso de realização
de prisões, entretanto, deve-se ter em conta que a legislação cria limites específicos
para que elas ocorram, impedindo com isso a ocorrência de possíveis abusos por
parte das autoridades policiais.

Importante!

Em relação às estratégias e táticas que não funcionam, cabe salientar que, no caso brasileiro,
somadas a todas as características que contraindicam tais ações, a possibilidade de realização
de prisões pela polícia está estritamente definida na Constituição Federal, sendo possível a
realização de prisões exclusivamente nos casos, condições e circunstâncias em que a lei
permita sua aplicação, o que inviabiliza a utilização de tais prisões (senão em circunstâncias
também previstas em lei) em caráter “preventivo” (veja a recém-promulgada Lei nº 12.40 de 4
de maio de 2011 que altera dispositivos do Código Penal brasileiro no que tange à realização
de prisões cautelares).
Aula 2 – Estratégias orientadas à comunidade e à solução de problemas

Nas últimas décadas, uma grande quantidade de modelos e ações policiais tem sido
implementada em diversos países sob a classificação de estratégia comunitária. Tais ações
têm tido o objetivo primordial de dar uma melhor resposta às comunidades e de obter um
nível de credibilidade maior no trabalho da polícia. A melhoria da interação entre polícia e
população a respeito de questões relacionadas à segurança e ao crime, e a criação de um
espaço de participação da comunidade na criação de estratégias de prevenção e controle do
crime e da violência também são outros importantes objetivos buscados com essa nova
maneira de agir da polícia.

Importante!

Polícia comunitária é, conforme apontam os especialistas do BID, uma estratégia de


prevenção na qual as atividades tradicionais de polícia não deixam de ser realizadas. Ao
contrário, elas muitas vezes são potencializadas a partir do aumento do nível de confiança e
cooperação da população decorrentes das ações de polícia comunitária.

Todavia, a estratégia de polícia comunitária impõe diferentes e novas formas de gestão


das organizações policiais. Isso decorre da natural necessidade de descentralização e
deslocamento do comando e controle para uma posição mais aproximada da comunidade e de
maior margem de ação (autoridade para a solução de problemas) dos policiais de linha. As
práticas de gestão dessas organizações devem buscar novas maneiras de incentivar policiais
de todos os níveis a se comprometerem seriamente com os programas de polícia comunitária
em suas organizações.

Importante!

É preciso, alertam os especialistas, que o patrulhamento a pé, típico da polícia comunitária,


não mais seja visto como um castigo ou uma atividade relegada a policiais menos capazes. Ao
contrário, a necessidade de interação constante com a comunidade, a demanda por tomadas de
decisões imediatas e acertadas e o desejado aumento da confiança e cooperação da população,
implicam a designação, para essa atividade, de policiais experientes, capazes e detentores de
habilidades específicas para o desenvolvimento das atividades de polícia comunitária,
características não encontradas na maioria dos policiais que trabalham na atividade tradicional
de polícia (patrulhamento motorizado, postos de controle, etc.).

2.1. Atividades comuns da estratégia comunitária


As recomendações de especialistas no tema e o resultado das experiências com
programas de polícia comunitária já implantados em diversos países das Américas, o Brasil
inclusive, permitem elencar algumas atividades que são consideradas tipicamente de polícia
comunitária. Dentre elas estão:

a. Fóruns entre polícia e comunidade para a definição e identificação de problemas e


estabelecimento de prioridades de prevenção e controle da violência e da
criminalidade;
b. Condução de programas de vigilância comunitária;
c. Definição dos problemas locais por parte da comunidade através de pesquisas e
reuniões com a comunidade;
d. Emissão regular de boletins informativos sobre prevenção da criminalidade e
outros programas educativos similares;
e. Instalações policiais pequenas e acessíveis nas comunidades;
f. Designação de um integrante representativo da comunidade como elemento de
ligação entre a polícia e a comunidade;
g. Patrulhas policiais a pé;
h. Grupos de trabalho envolvendo a polícia e a comunidade para a solução de
problemas específicos;
i. Maior atenção (da polícia e da comunidade) às ações delitivas leves que perturbam
bastante os moradores da comunidade (exemplo: bares abertos além de horários
permitidos; nível de som musical além do permitido e em horários não permitidos,
etc.);
j. Lotação de policiais de forma permanente em determinadas comunidades;
k. Melhoria constante do nível educacional e profissional dos policiais envolvidos
com a polícia comunitária;
l. Contratação de pessoal civil para a execução de tarefas administrativas.
2.2. Efeitos das estratégias comunitárias sobre a criminalidade

Muitas das estratégias de polícia comunitária têm um efeito limitado sobre a


criminalidade. Por exemplo, as visitas da polícia a residências dos moradores parecem ajudar
na diminuição dos índices de criminalidade, mas somente em comunidades com maior poder
aquisitivo. Essas medidas quase não surtem efeito em comunidades pobres. As reuniões entre
a polícia e comunidade parecem produzir melhores efeitos se enfocam problemas específicos
de criminalidade naquela comunidade. Há, entretanto, um consenso entre os especialistas de
que existe uma série de indicações de que tais modelos de polícia comunitária, ainda que
aparentemente não afetem os índices de criminalidade, dão maior legitimidade à polícia e
diminuem o medo do crime entre os habitantes, o que é considerado positivo.

Algumas evidências também parecem indicar que a adoção de métodos mais


sofisticados de polícia comunitária podem, sim, produzir efeitos significativos na prevenção e
controle da delinquência. Um desses métodos é o de “polícia comunitária para solução de
problemas”2 o qual implica que as estratégias policiais deverão incluir a investigação e
determinação das causas do crime e a definição de medidas concretas para diminuí-lo ou
cessá-lo. Tais medidas, informam os especialistas, consistem, em geral, na eliminação dos
fatores criminógenos (armas, drogas, álcool, prostituição), aumento das medidas de controle
(controle de dinheiro disponível nas caixas dos estabelecimentos comerciais, barreiras e
postos de controle nas ruas e medidas de restrição de circulação para jovens) e a separação
entre as vítimas potenciais e os delinquentes (identificação de um e de outro através de meios
de obtenção de informação legítimos disponíveis). Algumas evidências indicam que o
controle de armas, consumo de álcool e prostituição em uma determinada área pode incidir de
forma significativa na redução da criminalidade, particularmente nos crimes violentos como o
homicídio.

Apesar da falta de evidências concretas a respeito da real efetividade da polícia

2
O termo “polícia comunitária para a solução de problemas” vem sendo utilizado para designar uma estratégia
que une os princípios filosóficos e estratégicos do policiamento comunitário propostos por Trojanowicz e
Bucquerroux, e das técnicas de solução de problemas propostas por Herman Goldstein na estratégia de
policiamento orientado para a solução de problemas.
comunitária na redução da criminalidade, o que ainda tem deixado organizações policiais
diversas com certa insegurança no aumento de investimentos em programas dessa natureza, a
maioria dessas organizações veem na polícia comunitária uma estratégia cada vez mais
relevante na prevenção do crime e estão dispostas a colocá-la à prova em alguma medida. O
mais importante em relação a toda essa discussão é que a eficácia das inovações, segundo
alertam alguns estudiosos, depende mais do reconhecimento externo que se dê a elas do que
do grau de solidez técnica que indiquem as análises de custo/benefício. Sobre isso, a
importância e o valor da polícia comunitária parecem ainda estar mais assentados na melhoria
das relações da polícia com a comunidade, na diminuição do medo do crime e no
reconhecimento do trabalho policial, objetivos alcançáveis através da polícia comunitária e de
alto valor para as organizações policiais.

2.3. Os desafios das estratégias comunitárias

Para especialistas e estudiosos do tema da prevenção e controle da criminalidade, os


programas de polícia comunitária ainda enfrentam e enfrentarão diversos desafios até que
possam demonstrar sua verdadeira efetividade. Dentre esses desafios estão:

a. A alta resistência por parte do alto comando das organizações policiais em


relação à maior descentralização de poder e de atividades decorrentes dessa nova
forma de realizar a atividade policial, bem como da participação ativa da
comunidade na definição das práticas policiais. A polícia deve estar em condições
de responder de maneira séria e adequada às inquietudes da comunidade a respeito
de temas sensíveis que afetam o comportamento dos próprios policiais, tais como
abuso de álcool, corrupção, discriminação e violência policial.

b. Estratégias de polícia comunitária podem representar um alto custo para


governos com poucos recursos (particularmente em países da América Latina).
No Brasil, isso se estende à capacidade dos estados federados em manter tal tipo
de estratégia.

c. Em organizações onde os policiais têm pouca instrução e estão acostumados a


regimes muito hierárquicos, há necessidade de capacitação e treinamento
especializados para questões como: tomada de iniciativa, maior autonomia e
critério, requisitos típicos para os policiais que se envolvem com policiamento
comunitário.

d. Esse modelo também supõe uma forte associação da polícia com a


comunidade. Nas comunidades mais pobres, geralmente vítimas contumazes da
violência e do abuso policial, é bem mais difícil produzir esse tipo de relação. É
possível que os policiais tenham que demonstrar que são dignos de confiança.

e. Defensores dos direitos humanos têm alegado que a implementação de programas


de polícia comunitária sem a mudança na maneira com que se definem os
problemas de ordem e segurança pública pode transformar tal estratégia de
policiamento em apenas uma ferramenta de obtenção de informações e controle
social por parte da polícia, a exemplo de alguns programas de vigilância
comunitária e patrulhas civis que têm historicamente sido utilizadas como
instrumentos de governos autoritários.

f. É possível que algumas comunidades, pobres e marginais em especial, necessitem


capacitação e treinamento para uma efetiva participação nas interações com a
polícia.

Outros desafios comuns são: vencer o ceticismo e a sensação de que não se oferece
nada novo; modificar a percepção da comunidade de que a polícia comunitária é “frouxa”
com os delinquentes; dotar as comunidades de recursos necessários para levar a teoria à
prática, particularmente no que se refere à disponibilidade de serviços sociais que apoiem
os programas de polícia comunitária para solução de problemas; e vencer o temor da
comunidade em sofrer represálias de delinquentes por cooperarem com a polícia.
Aula 3 – Estratégias de redução da desordem

Essas estratégias de prevenção têm como base um estudo de James Q. Wilson e


George Kelling, conhecido como “Teoria das Janelas Quebradas”, que propõe que a desordem
geral (por exemplo, janelas quebradas em edifícios, lixo amontoado nas ruas e falta de
iluminação pública nas ruas) cria um ambiente de desordem social propício à delinquência.
Eles agregam que, mesmo os problemas considerados pequenos – como casas e edifícios
abandonados, o grafitti e os mendigos – criam um ambiente que fomenta a ocorrência de
delitos mais graves.

Sob essa ótica, um programa que aplica as leis de forma mais severa, mesmo para os
crimes ou comportamentos delituosos menos graves (como o caso da mendicância em muitas
cidades brasileiras, ou ainda a perturbação da ordem através de dispositivos de som ligados
em alto volume em áreas residenciais) e que envolvem todas as demais instâncias sociais da
administração pública, cada uma cuidando efetivamente de suas competências, produz uma
aparência mais segura nas comunidades e bairros, os moradores se sentem mais protegidos e
há um nível desejável de inibição para o crime nessas comunidades.

Numa variação da polícia de “janelas quebradas”, a estratégia denominada “tolerância


zero” impõe prisão à maioria das infrações que indicam tal tipo de sanção, mas que
comumente não é aplicada. Nesse caso, ao invés de se utilizar de outras medidas tais como
uma advertência, por exemplo, ou mesmo “passar por cima” da infração penal, a polícia
efetivamente prende o infrator. Aqui, uma vez mais é importante que se tenha em conta a
legislação brasileira e as restrições nela impostas para a prisão de qualquer cidadão. Isso, no
entanto, não tem impedido que velhas e tradicionais práticas do tipo “detenção para
averiguação” ainda sejam aplicadas.

3.1. Efeito sobre a criminalidade

Um exemplo mundialmente conhecido de estratégia “tolerância zero” teve lugar na


cidade de Nova Iorque, EUA, sob o comando do então Comissário William Bratton. Os
defensores de tal estratégia alegam que as prisões em massa por delitos leves puderam
aumentar o efeito dissuasivo das atividades da polícia e reduzir a delinquência, dado que, ao
prender tantas pessoas, a polícia consegue, entre elas, prender também criminosos procurados
por delitos mais graves.

Para outros especialistas, críticos do programa “tolerância zero”, essa estratégia


encerra graves riscos de discriminação e violação de direitos, ainda que se aceite que tal
estratégia possa ter alguma eficácia se enfocar situações concretas relacionadas à violência ou
a comunidades com altos índices de criminalidade. Todavia, conforme apontam os estudos do
BID, são escassas as evidências de que tais métodos sejam mais eficazes na redução da
delinquência do que outras estratégias policiais que não tenham produzido tantas queixas por
parte dos cidadãos.

3.2. Desafios

Nos EUA a implantação da estratégia de polícia de “janelas quebradas” e de


“tolerância zero” tem provocado aumento das queixas contra a polícia em todas as cidades em
que tem sido implementada. Grupos minoritários e comunidades pobres têm considerado tais
estratégias como muito severas. Na cidade de Nova Iorque, segundo estudos descritos pelo
BID, as queixas dos cidadãos contra a polícia aumentou em mais de 160% no período de 1992
a 1996.

As prisões por delitos leves têm sido objeto de críticas semelhantes na América Latina.
No Chile, por exemplo, esse tipo de ação policial tem sido qualificado como discriminatório
contra a juventude, vez que foca o consumo público de drogas e as “suspeitas”, além de serem
vistas como pouco eficazes contra a criminalidade mais grave, o que tem produzido
discussões no congresso daquele país sobre o poder de prisão da polícia.

Na Argentina, outro exemplo, o de controle regular de identificação das pessoas nas


ruas, não tem demonstrado relação alguma com as tendências dos índices de criminalidade,
indicando uma inadequação da estratégia para a comunidade em que é empregada. De uma
forma geral, tais estratégias devem ser aplicadas com muita precaução. Conforme apontam os
especialistas do BID, maltratar os cidadãos, especialmente os jovens, pode desencadear
reações que aumentarão o risco de futuras infrações. Encher as zonas perigosas de policiais
agressivos pode ter repercussões nefastas que produzem mais delinquência do que a que se
tenta prevenir, como tem sucedido em vários distúrbios nos últimos vinte e cinco anos.
Aula 4 – Reforma policial

Muitas vezes, o aumento da criminalidade e o medo generalizado do crime fazem com


que a sociedade clame por mais policiais nas ruas e por uma ação “mais dura” da polícia.
Essas ações, entretanto, têm demonstrado pouca eficácia e alto custo. Na verdade, ainda não
foi possível determinar a relação entre o aumento dos poderes da polícia e sua eficácia na
prevenção e controle da criminalidade. Em muitos países das Américas, a polícia goza de
muitos poderes e pouca supervisão de qualquer instância, muito menos da comunidade.
Existe, segundo o BID, um perigo real de que o aumento dos poderes das polícias
desemboque no aumento da violência policial, na debilitação das garantias democráticas e na
deterioração da credibilidade que ainda reste no sistema judicial.

Existe uma relação entre o comportamento da polícia e a comunidade que pode


produzir a longo prazo um impacto na criminalidade. Estudos têm demonstrado que quanto
mais a polícia seja respeitosa e cidadã em seu contato com a comunidade, mais obterá
cooperação e respeito dessa mesma comunidade. Ao contrário, quanto menos respeitosa,
menos pessoas obedecerão a lei, até mesmo em atitude de revolta. Assim, é possível que
mudanças de “forma” na atuação da polícia sejam tão importantes quanto as mudanças de
“fundo”. A legitimação da “forma” e “fundo” das práticas policiais pela sociedade,
particularmente pelos jovens, pode ser, a longo prazo, uma das mais eficientes e sólidas
maneiras de prevenção da delinquência.

Outra questão importante levantada pelo BID diz respeito a que, diante das atuais
crises nos aparatos policiais de muitos dos países das Américas, o Brasil entre eles, a
estratégia mais promissora para melhorar a eficácia policial seja a melhoria de sua relação
com a comunidade. Medidas que visem a redução da violência e corrupção policial, o
fortalecimento das responsabilidades das instituições policiais e a melhoria das relações com a
comunidade provavelmente ajudarão ao aumentar as denúncias de crimes e a cooperação dos
cidadãos, resultando em um valioso apoio às atividades tradicionais da polícia, principalmente
no que tange à investigação e produção de provas.

Segundo o BID, uma percepção moderna propõe que uma polícia democrática deve
estar assentada no princípio de capacidade de resposta e prestação de contas. A polícia deve
estar apta a dar respostas adequadas a todos os cidadãos independentemente de quem sejam e
não somente à administração pública a qual pertença. A prestação de contas, muito antes de
interferência nos processos administrativos e operacionais das organizações policiais, se
transparente, é um mecanismo de reforço constante às ações da organização para a sociedade,
a qual, ao participar amplamente de seu próprio processo de produção de segurança,
juntamente com a polícia, oferecerá o necessário respaldo para as atividades das organizações
policiais e funcionará como um mecanismo de pressão importante na obtenção de recursos
adequados à atividade policial.

Aula 5 – O cuidado com modelos estrangeiros

Uma questão de suma importância na implantação de novas estratégias policiais tem a


ver com as diferentes democracias desenvolvidas nos países das Américas, particularmente da
América Latina. Estratégias policiais, conforme asseveram os estudos do BID, têm forte carga
sociocultural, sendo carregadas de forma marcante, com os valores, princípios e crenças de
uma dada sociedade ou país. Diferentes sistemas legais (exemplo, Brasil x EUA) implicam
diferentes possibilidades de implantação de estratégias de prevenção criminal e de atuação
policial.

Assim, eleger uma estratégia de ação policial que tenha dado certo em uma
determinada realidade, não garante sua aplicabilidade e, muito menos, seu sucesso na
realidade presente que se quer modificar. A introdução de tais estratégias deve considerar sua
necessária adaptação às novas circunstâncias. Para isso, questões relativas ao tipo de
comunidades onde serão implementadas, questões sócio-culturais de tais comunidades, bem
como os recursos necessários para a implantação eficaz da nova estratégia deverão ser
considerados com antecedência.

Aula 6 - Onde encontrar referências de boas práticas em prevenção do crime, violência


e desordem ao redor do mundo e no Brasil

O Brasil ainda não é muito pródigo em catalogar e disseminar experiências de sucesso


e boas práticas no âmbito da segurança pública. Em 2009, entretanto, durante a Feira de
Conhecimento da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (CONSEG), teve-se a
oportunidade de se apresentar a todo o público participante um conjunto relevante de projetos
de prevenção de diferentes matizes, o que possibilitou uma disseminação relevante das boas
práticas que estão sendo desenvolvidas país afora. Para obtenção de informações sobre os
projetos que foram selecionados e apresentados naquela ocasião, clique na imagem abaixo
para acessar o sítio internet do evento e fazer o download do documento.

Fonte: http://www.conseg.gov.br/portal/conseg/arquivos-da-conseg/1atlas_feira1.pdf

Outro interessante documento para conhecer boas práticas em projetos de prevenção é


editado pela organização não governamental Viva Rio. Você pode acessá-lo clicando na
imagem abaixo:
Fonte: http://www.vivario.org.br/publique/media/guia_de_boas_praticas_coav.pdf

O Observatório das Favelas, organização não governamental que atua desenvolvendo


pesquisas sociais, também publicou documento de sistematização de experiências de
prevenção. Você pode acessá-lo clicando a imagem abaixo.
Fonte:
http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/includes/publicacoes/f864af6d
589052252b6b86dec066b0bf.pdf

Para concluir as referências que consideramos importantes, seguem alguns


documentos que sistematizam experiências diversas em vários lugares do mundo. Clique nas
respectivas imagens para acessar os documentos, os quais se encontram no idioma espanhol
por não estarem disponíveis em português.

Observatorios de la delincuencia : Compendio internacional de prácticas


Reseña de Experiencias Internacionales: de prevención de la criminalidad: Para
Informe de análisis comparativo fomentar la acción a través del mundo

http://www.crime-prevention- http://www.crime-prevention-
intl.org/fileadmin/user_upload/Publication intl.org/fileadmin/user_upload/Publication
s/Observatorios_de_la_delincuencia_ESP. s/Compendio_internacional_de_practicas_
pdf de_prevencion_de_la_criminalidad__ESP.
pdf

El papel de la policía en la prevención Acciones públicas-privadas-


del delito comunitarias para una mayor
seguridad: El problema de la vivienda
en los barrios desfavorecidos:
Compendio de prácticas
http://www.crime-prevention-
intl.org/fileadmin/user_upload/Publication http://www.crime-prevention-
s/The_Role_of_the_Police_in_Crime_Pre intl.org/fileadmin/user_upload/Publication
vention_ESP.pdf s/Acciones_publicas_privadas_comunitara
s_2006.pdf

Prevención del delito en zonas urbanas ICPC: Informe de actividades 2010


y juventud en riesgo: Compendio de
estrategias prometedoras y programas
de algunos lugares del mundo

http://www.crime-prevention-
intl.org/uploads/media/Informe_de_activid
ades_2010-final.pdf
http://www.crime-prevention-
intl.org/fileadmin/user_upload/Publication
s/Prevencion_Del_Delito_En_Zonas_Urba
nas_Y_Juventud_En_Riesgo_ESP.pdf
Finalizando...

Neste módulo você:

Estudou sobre as formas existentes de prevenção da violência, quais estratégias


que funcionam, quais não funcionam e as razões para tal;

Estudou também modelos e ações policiais que têm sido implementadas em


diversos países sob a denominação de polícia comunitária. Nesse sentido,
ressaltou-se que a polícia comunitária não substitui as ações tradicionais da polícia,
porém constitui-se numa estratégia de prevenção a ser realizada junto com as
demais atividades policiais;

Obteve informações sobre a estratégia conhecida como tolerância zero, seus


desafios e efeitos sobre a criminalidade nos países onde foi utilizada;

Conheceu a percepção do BID sobre o encaminhamento das reformas policiais na


América Latina;

Foi alertado sobre os cuidados em se importar modelos considerados de sucesso


em outras realidades, tendo em conta as especificidades sociais, legais, políticas e
econômicas do Brasil; e, finalmente,

Teve informações de como acessar inúmeras experiências nacionais e


internacionais de prevenção ao crime, violência e desordem.

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