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Núcleo de Educação a Distância


O assunto estudado por você nessa disciplina foi planejado pelo professor conteudista, que
é o responsável pela produção de conteúdo didático, e foi desenvolvido e implementado por
uma equipe composta por profissionais de diversas áreas, com o objetivo de apoiar e facilitar o
processo ensino-aprendizagem.

Coordenação do Núcleo de Educação a Distância


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Projeto Instrucional Silva
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Roteiro de Áudio e Vídeo Programação / Implementação


José Glauber Peixoto Rocha Jorge Augusto Fortes Moura

Produção de Áudio e Vídeo Editoração


Alex Nunes Barroso Régis da Silva Pereira
José Moreira de Sousa
Revisão Gramatical
Identidade Visual Vanderlene Paiva Lopes
Régis da Silva Pereira
Viviane Cláudia Paiva Ramos

O trabalho Arte e Cultura Brasileira- Unidade 1 – O olhar sobre o Brasil e e formação de uma identidade brasileira de Carmen Luisa
Chaves Cavalcante, Núcleo de Educação a Distância da UNIFOR está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-
-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

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Unidade 1 – O olhar sobre o Brasil e e formação de
uma identidade brasileira

1.1 O Brasil na Visão dos Viajantes Estrangeiros (século

XVI ao XIX);

1.2 Século XIX – (1) Pátria, Língua, Território e

Construção do Estado; (2) As Teorias Raciais, Imigração

e Ideal de Branqueamento da Raça;

1.3 Final do Século XIX e Início do XX: intelectualidade,

urbanização e Belle Époque

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Arte e Cultura Brasileira

Seja bem vindo a Unidade 1!

Nesta unidade iremos contextualizar


a forma da cultura brasileira, bem como suas
representacoes, a partir das producoes artisticas,
literarias e cientificas produzidas na Europa e
no Brasil, ateé os fifinais do seculo dezenove e
inicio do seculo vinte.

Bons estudos!

1.1 O Brasil na Visão dos Viajantes Estrangeiros (século XVI ao XIX)

Na época em que os colonizadores chegaram à costa brasileira, no início do século XVI, o


Novo Mundo pouco interessava aos portugueses. O Oriente era quem chamava a atenção de todos
eles. Foi assim que o Brasil passou quase cinquenta anos distante dos interesses de Portugal.
Somente na década de 1530, com o desenvolvimento da extração e do comércio do pau-brasil e a
consequente investida de piratas (geralmente franceses) é que se deu o início da difícil tarefa de
colonizar o Brasil.

Para tamanha empreitada, eram necessários muitos esforços e investimentos. O Novo Mundo
soava como um lugar misterioso e desafiador. Valendo-se disto, o latinista Gândavo escreveu Tratado
da Terra do Brasil (1570) e História da Província de Santa Cruz (1576) mostrando as riquezas
da terra, os recursos humanos e sociais nela existentes. Foi assim que ele buscou persuadir os
portugueses mais pobres a virem povoar o Brasil. Nesse sentido, seus livros são, conforme afirmou
Capistrano de Abreu, uma nítida propaganda de imigração ultramarina a serviço de Portugal.

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Arte e Cultura Brasileira Unidade 1: O olhar sobre o Brasil e a formação de
uma identidade brasileira

Se, no início do século XVI, os portugueses faziam pouco caso do Brasil, outros europeus
adotavam uma postura bem diferente.  Gândavo, que era português, falava de como os estrangeiros
tinham o Brasil em alta estima, inclusive sabendo mais e melhor de suas particularidades do que
os seus próprios “descobridores”.

Vir a terras brasileiras era uma grande e sedutora aventura. Assim, ao longo de todo o período
do Brasil colônia (século XVI até início do XIX), tanto a fauna como a flora brasileiras, bem como
sua gente nativa e/ou escravizada, foram sendo retratadas e também inventadas, com grande
interesse e desenvoltura, por viajantes (cronistas, artistas, aventureiros, cientistas, missionários,
administradores) do Velho Mundo.

Pode-se dizer que, até a chegada de Dom João VI (1808-1821), poucos viajantes estrangeiros
(no caso, não-lusitanos) estiveram no Brasil, uma vez que os portugueses eram os únicos autorizados
pela metrópole a pisar em solo brasileiro. No entanto, observa-se um breve parêntese no governo
invasor do jovem Maurício de Nassau (1637-1644), posto a serviço da Holanda e desembarcado em
terras pernambucanas, mais especificamente no Recife.

Em meados do século XVII, Nassau trouxe pintores, cartógrafos, astrônomos, arquitetos


e naturalistas em sua comitiva. Entre eles estavam Albert Eckout e Frans Janszoon Post,
respectivamente famosos por suas pinturas de retratos e paisagens.  Com eles ocorreu oficialmente
a primeira tentativa de se fazer uma representação não fantasiosa da fauna, da flora, dos corpos e
da cultura de toda a gente exótica que aqui habitava, fossem eles índios, negros ou mestiços.

A ideia era documentar o Novo Mundo e apresentá-lo aos europeus, naturalmente


evidenciando os bons feitos do governo holandês em terras pouco conhecidas, como era o caso do
Brasil. Mas será então que nesses documentos não havia também um pouco de invenção? Será que
as visões de mundo e os compromissos de Albert Eckout e Frans Janszoon Post com os ideais de
Nassau não eram uma espécie de lente ou filtro no momento de eles retratarem o Brasil? É sobre
esta (im)possibilidade de representar o mundo tal e qual ele é que iremos tratar agora.

Conteudo

Confira na sua Web Aula o texto de Carla Mary S. Oliveira sobre o Brasil seiscentista
nas pinturas de Albert Eckout e Frans Janszoom Post.

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Arte e Cultura Brasileira Unidade 1: O olhar sobre o Brasil e a formação de
uma identidade brasileira

Curiosidade

Você sabe por que os tupis nas pinturas de Eckout são retratados sempre vestidos
enquanto que os tapuias estão desnudos?

Na época colonial, os índios brasileiros eram vistos pelos europeus sob a ótica do binômio tupi/
tapuia. Os tupis (tupinambá, temiminó, tupiniquim, amoipira, tamoio, tabajara, potiguara, caeté,
aricobé, tupiané ou tupiná) eram um grupo bastante numeroso. Ocupavam a costa brasileira e uma
pequena parte do interior. Eram tidos como mais civilizados e mansos, tinham uma agricultura de
subsistência e falavam o tupi. Os tapuias eram todos os outros povos que não falavam o tupi (aimorés
e guaianás, por exemplo). Estavam localizados mais para o centro, no sertão geográfico do país. Não
tinham agricultura e exerciam as atividades de caça e de coleta de frutos. Segundo os europeus, os
tapuias apresentavam traços muito mais próximos da animalidade, sendo bem mais selvagens e
violentos que os tupi.

 O olhar do outro sobre o Brasil é importante de ser analisado porque oferece a possibilidade
de entender como fomos pensados pelos europeus, nossos colonizadores. E mais: faz-nos perceber
como essas imagens, sejam elas literárias (diários, crônicas, romances, manuais) ou iconográficas
(pinturas, desenhos, gravuras, aquarelas), dizem respeito a uma identidade brasileira, às suas
representações e ao modo como elas estão presentes no inconsciente cultural nacional. Afinal,
descendemos desses mesmos europeus e, em larga medida, moldamos e produzimos o olhar que
temos sobre nós mesmos, os colonizados, em função dos valores com eles aprendidos ao longo dos
séculos, desde a sua invasão.

Sabe-se que, no século XIX, o olhar do europeu ainda oscilava entre a vontade de retratar
fielmente a realidade e a abordagem fantasiosa sobre o Brasil. Entre outros fatores, quando o
caso era incentivar a vinda de estrangeiros para cá, as gentes, a natureza e os costumes que aqui
existiam ou se desenvolveram eram normalmente apresentados como interessantes e convidativos.
Por outro lado, se a intenção era justificar os maus-tratos e/ou o etnocentrismo do Velho Mundo,
nada melhor que atribuir traços distorcidos e/ou preconceituosos à natureza, às pessoas e aos
hábitos brasileiros.

Artistas visuais que nunca estiveram no


Brasil, ou em outras terras do Novo Mundo,
eram contratados para ilustrar histórias
fantasiosas, cheias de ataques de monstros
terrestres ou marinhos aos que aqui habitavam
ou desembarcavam à procura de riquezas e/ou
aventuras.

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Arte e Cultura Brasileira Unidade 1: O olhar sobre o Brasil e a formação de
uma identidade brasileira

Os relatos, desenhos, pinturas, gravuras e aquarelas elaborados por esses viajantes eram
publicados em livros e vendidos ao público europeu – no caso, desejoso de novidades e exotismos
de terras distantes. Naquela época, havia um mercado editorial e um público consumidor já
consolidados para este tipo de publicação de viagem. Algumas dessas obras, como lembra Sylvia
Porto Alegre (1992), eram de reconhecido valor histórico e antropológico, enquanto que outras
não passavam de produtos da imaginação de quem os elaborou.

No que se refere especificamente ao índio brasileiro, costumava-se representá-lo de duas


maneiras: a) um ser perigoso e desprezível em seus traços físicos, intelectuais e conduta moral, b)
como um “bom selvagem”, por ser belo, puro e viver profundamente integrado a uma vegetação
exuberante e paradisíaca.  Tudo dependia dos viajantes, de seus interesses e dos modos de eles se
relacionarem com o Novo Mundo.

Conteudo

Confira na sua Web Aula o texto de Maria Sylvia Porto Alegre sobre a representação
do índio no século XIX.

Segundo Mariza Veloso e Angélica Madeira (1999), com a mudança da corte de Dom João VI,
em 1808, para o Rio de Janeiro, houve um notável crescimento do interesse pelo campo intelectual
entre os que regiam o país. Este fato trouxe uma nova leva de cientistas e artistas estrangeiros ao
Brasil, sobretudo alemães, ingleses e franceses.  E mais: gerou o início do processo de laicização
nas artes, a instauração de uma imprensa nacional e, ao longo de todo o século XIX, a criação de
institutos de pesquisa, museus, universidades e academias literárias.

As expedições científicas tornaram-se bastante intensas nessa época – no século anterior elas
já existiam mas eram bem menos frequentes. Foi desse modo que, no século XIX, viajantes como
Johann Moritz Rugendas, pintor de natureza, chegou ao país e a outras paragens do Novo Mundo,
assim como os naturalistas, em alguns casos também desenhistas, como Carl Friedrich Philipp
von Martius (médico e botânico alemão), Johann Baptist von Spix (zoólogo alemão), Alexander
von Humboldt (geógrafo alemão), Auguste de Saint Hilaire (botânico francês), entre outros.

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Arte e Cultura Brasileira Unidade 1: O olhar sobre o Brasil e a formação de
uma identidade brasileira

Conteudo

Rugendas, Johan Morits. La Siesta.

Debret, Jean Baptiste. Casamento de D.Pedro I e D. Amélia.

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Arte e Cultura Brasileira Unidade 1: O olhar sobre o Brasil e a formação de
uma identidade brasileira

Carl Friedrich Philipp von Astrocanyon gynacanthum, Bactris pertinata.

Curiosidade

Você sabia que a primeira expedição científica genuinamente brasileira do


século XIX, a Comissão Científica de Exploração (1856-1867), ficou conhecida como
a “Comissão das borboletas” e se dirigiu ao Ceará? Veja os desenhos aquarelados que o
cearense José dos Reis Carvalho, aluno de Jean-Baptiste Debret e formado pela Academia Imperial
de Belas Artes, fez nesta expedição.

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Arte e Cultura Brasileira Unidade 1: O olhar sobre o Brasil e a formação de
uma identidade brasileira

José dos Reis, Flor com Borboleta

José dos Reis, Flor com Inseto

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Arte e Cultura Brasileira Unidade 1: O olhar sobre o Brasil e a formação de
uma identidade brasileira

A Missão Artística Francesa, chefiada por Joachim Lebreton e formada pelo arquiteto
Grandjean de Montigny, os pintores Nicolas Taunay e Jean-Baptiste Debret, o escultor Auguste
Taunay, o gravador Charles Pradier, além de alguns artifices e os escultores Marc e Zépherin
Ferrez, aportou no Brasil em 1816 a convite de Dom João VI, devido a questões políticas ligadas à
queda de Napoleão Bonaparte. Alguns desses artistas retornaram à França, outros radicaram-se
no Brasil, protagonizando com maior força a criação da Academia Imperial de Belas Artes, em
1826, no Rio de Janeiro.

O barroco e o rococó eram os estilos


artísticos predominantes da época, enquanto
que a novidade trazida pelos franceses voltava-
se mais para o neoclassicismo e distanciava-se
de temas ligados à cena religiosa. Tal é o caso
da obra pictórica de Jean-Baptiste Debret,
voltada para o cotidiano da população e de
eventos da corte.

Conteudo

Confira na Web Aula o texto de Carla Mary S. Oliveira sobre Debret e o seu modo de
retratar cenas cotidianas de lazer e de leitura no Brasil

A chegada desses artistas gerou conflitos entre os defensores do desenvolvimento de uma


arte laica – no caso, os franceses – e os adeptos da arte sacra colonial – artistas portugueses,
também trazidos por Dom João VI ao Brasil. Diante de tantos embates, a Missão Artística
Francesa acabou por se desfalcar, deixando poucos discípulos entre os brasileiros.

No entanto, pode-se dizer que, com o passar dos anos, por meio da Academia Imperial de
Belas Artes, ela foi a responsável pelo surgimento de pinturas de narrativas históricas e de apelo
indianista, como as de Vitor Meireles. Na escultura, como afirma Sonia Gomes Pereira (2011),
o apelo indianista também era bastante comum, enquanto que na arquitetura observou-se
uma mistura do neoclassissimo e sua variante neorrenascentista com as formas tradicionais da
arquitetura colonial. Tinha-se então o estilo chamado de “ecletismo” na arquitetura.

1.2 Século XIX – (1) Pátria, Língua, Território e Construção do Estado;

(2) As Teorias Raciais, Imigração e Ideal de Branqueamento da Raça.

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Arte e Cultura Brasileira Unidade 1: O olhar sobre o Brasil e a formação de
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O século XIX no Brasil pode ser visto como uma época de grandes transformações políticas,
culturais, econômicas e sociais. Com a chegada de Dom João VI, em 1808, o país saiu da condição de
Brasil Colônia e passou a ser Reino Unido a Portugal. Pouco tempo depois, em 1822, veio a proclamação
da independência e o Brasil tornou-se Império. Em 1889, passou a Brasil República. Um ano antes
foi declarada a Abolição em todo o país – sendo que, no Ceará, os escravos foram libertos já em 1884.

Se ao longo do século XIX o Brasil buscou inserir-se no cenário da modernidade ocidental,


para que isto de fato ocorresse, uma coisa era certa: recém-saído de uma situação colonial, o
país precisava se pensar como Estado-Nação e cingir-se de ares civilizados. É nesse sentido que
podemos falar, assim como o fizeram Marisa Veloso e Angélica Madeira (1999), da organização de
um campo intelectual brasileiro que se dedicou a elaborar e representar uma identidade para o
Brasil por meio da arte, da ciência e da política.

Mas como ser moderno e, portanto reconhecido por valores ocidentais, ao mesmo tempo em
que era preciso delinear um perfil mais individualizado para o Brasil? Como tornar-se universal
sem deixar de lado o aspecto de localidade? Foi no embate entre a importação de ideias da Europa
e a busca de uma identidade autóctone que viveu o Brasil no século XIX.

Nação jovem, promissora e à procura de um lugar de respeito entre as nações civilizadas, o


Brasil abraçou o liberalismo de procedência inglesa e o adaptou aos seus interesses locais. Queria então
descentralizar o poder, introduzir mudanças nos planos político e econômico sem, contudo, deixar de ser
escravocrata, conforme as autoras (1999). Assim, ao desvincular a noção de liberdade do país perante
o poder central do rei de uma liberdade concedida também aos escravos, é que o ideal liberal brasileiro
atuou fortemente no movimento independentista do país e no fortalecimento da ideia de Pátria.  

Como era importante se desvencilhar cada vez mais da imagem de colônia portuguesa, aos
poucos, o Brasil foi deixando de lado os valores e modelos da antiga metrópole. Voltou-se, então,
para a cultura francesa, muito em moda na época. Aliás, foi pelo intermédio da França que o
Brasil conheceu o romantismo e por meio dele fez surgir o movimento indianista, na literatura
protagonizado, entre outros, pelo cearense José de Alencar.

No século XIX, o indianismo brasileiro elegeu a imagem do nosso nativo como


personagem representante da verdadeira brasilidade. Pensado como herói nacional, ele
era um índio nitidamente idealizado, estando muito mais próximo de um imaginário
europeu. O índio Peri, por exemplo, herói do livro “O Guarani”, de José de Alencar,
é retratado como alguém completamente devotado à sua senhora, a branca Ceci. Ele
inclusive adere ao cristianismo para não desapontá-la, voltando-se para a nova
religião com uma fé inabalável. A servidão de Peri à Ceci é vista pelo indianismo
como mostra do caráter exemplar do índio brasileiro que, entre outras coisas, tem ares
cavalheirescos e uma beleza não encontrada em seus irmãos de raça.

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Arte e Cultura Brasileira Unidade 1: O olhar sobre o Brasil e a formação de
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Mas o apelo indianista encontrava-se não apenas na literatura e nas artes. A publicidade
impressa da época também fazia referências a um índio que correspondesse ao ideal romântico,
não exibindo em seu material gráfico nada que chocasse os padrões da época, como bem assinalou
Rafael Cardoso (2005). O repertório visual de cada peça deveria, então, fazer uso da figuração
europeia em voga, trazendo brasões e moedas imperiais, índios de pele clara e vestidos com
panejamentos ao estilo greco-romano, além de poses que logo os associavam a seres mitológicos
ocidentais ou, simplesmente, aos corpos das imagens artísticas das culturas ditas civilizadas.

Veja o caso dos rótulos de uma fábrica de fumo em Niterói, no Rio de Janeiro e de um xarope
de abacaxi, produzido em Pernambuco:

No Brasil, o romantismo só perdeu força por volta de 1870. Época em que questões como o
Abolicionismo e a República passaram a nortear o debate nacional. Época também da introdução
das ideias positivistas e evolucionistas, trazidas da Europa e notadamente adaptadas ao cenário
brasileiro. O Brasil então cobriu-se de determinismos científicos sobre clima, solo e mestiçagem,
neles acreditando até os anos 30 do século XX.

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Com base nessas ideias, Segundo Lilia Mortiz Schwarcz (1993), foram criados museus
etnográficos, institutos de pesquisa, faculdades de medicina e direito, muitos deles voltados para os
estudos racialistas que conferiam aos povos não ocidentais a posição de seres inferiores em termos
físicos, morais e intelectuais. Nesse sentido, os graus de selvageria e barbárie seriam atribuídos aos
índios brasileiros e aos negros trazidos ao Brasil, a depender do grupo. Entre os nativos brasileiros,
os índios botocudos, por exemplo, eram vistos como os mais próximos da condição de animalidade,
estando portanto no estágio mais inferior da evolução. Quanto à colocação de civilizados na cadeia
evolutiva, obviamente que ela caberia ao branco europeu.

Aliás, foi em busca da condição de civilizado para o Brasil que o sociólogo Sílvio Romero
formulou a “teoria do branqueamento”, amplamente aceita nas camadas intelectuais da época.
Tentando solucionar o impasse da mestiçagem e a consequente degeneração racial brasileira, o
sociólogo defendia, juntamente com o escritor e diplomata Joaquim Nabuco, a introdução de
levas de imigrantes brancos no Brasil como um modo de proporcionar uma maior rapidez na
diluição da mestiçagem entre negros, brancos e índios.

1.3 Final do Século XIX e Início do XX: intelectualidade, urbanização e Belle Époque

Entre o final do século XIX (1870-80) e início do XX (por volta de 1920) houve um período
no Brasil conhecido como Belle Époque. Eram tempos de profundas transformações nos planos
urbanístico, econômico e cultural, ocasionadas pelos desenvolvimentos científico e tecnológico de
um Brasil que se modernizava. Lugares como Rio de Janeiro e Fortaleza viviam sob a influência da
França que, na época, estava à frente das novidades na moda, na arquitetura, nas artes, nos códigos
de sociabilidade em cafés e grandes salões, normalmente animados por discussões político-filosóficas
e saraus literários. Mas também havia muita pobreza e epidemias nessas capitais, fato que resultou
na criação de movimentos sanitaristas, como o da vacinação obrigatória, proposta pelo sanitarista
Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, que dividiu opiniões e acabou por gerar revoltas na população.

 
Capa da Revista “O Malho”, de 1904.

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No Rio de Janeiro, a Belle Époque veio acompanhada de uma produção cultural bastante
rica, especialmente no jornalismo e na literatura. Machado de Assis, Lima Barreto e Euclides da
Cunha, como lembram Mariza Veloso e Angélica Madeira (1999), todos mestiços e vindo das classes
sociais não privilegiadas, viviam na mesma cidade e na mesma época. No entanto, apresentavam
visões muito distintas em suas obras ficcionais no que se refere à Ética, à Política e à Estética.
Machado de Assis e Euclides da Cunha fizeram parte da Academia Brasileira de Letras, mesmo
questionando e/ou fugindo da vida fútil da sociedade carioca da Belle Époque. Lima Barreto,
devido à sua vida boêmia, aos fortes traços negroides e às relações conturbadas com o campo
intelectual e sociedade racista carioca, teve sua candidatura rejeitada por três vezes.

Fortaleza, em finais do século XIX, por sua vez, também tinha uma vida econômica, cultural e
artística bastante agitada. As exportações de algodão para a Inglaterra foram a grande propulsora
financeira da Belle Époque na capital cearense. Como resultado desse próspero comércio, em 1875,
a cidade recebeu de Adolfo Herbster um novo plano urbanístico que consistia em uma atualização
do projeto de Silva Paulet, implantado em Fortaleza no ano de 1823. Sedenta de modernidade e
inspirada na bela Paris, a nova Fortaleza adquiriu bondes para o transporte público e investiu
na construção de palacetes para a moradia da burguesia local. Construiu também alamedas, ou
boulevards (as atuais avenidas do Imperador, Duque de Caxias e Dom Manuel), além de praças
com amplos jardins e cafés (o Passeio Público e a Praça do Ferreira), onde se reuniam os mais
endinheirados e a intelectualidade local.

Em 1892, surgiu a “Padaria Espiritual”, grêmio criado por jovens literatos e


artistas que sucedeu a Academia Francesa Cearense, de 1873 e o Clube Literário, de
1886. Os padeiros, como gostavam de ser chamados os seus integrantes, publicaram
um jornal chamado de “O Pão”. Reuniam-se em sessões chamadas de “fornadas”, com
objetivo de oferecer “o pão do espírito” – na verdade, ideias invadoras, e até mesmo
escandalosas, para a sociedade fortalezense. Como lembra Sebastião Rogério Ponte
(2012), a Padaria Espiritual foi concebida ao ar livre, nas mesas do Café Java, que
tinha estilo francês e estava localizado na Praça do Ferreira – tudo bem ao gosto da Belle
Époque mas já com aspirações pré-modernistas, como veremos depois.

No entanto, Fortaleza era um lugar de muitas contradições. Paralelamente a todo esse clima
de euforia e vida cultural artificialmente francesa, a cidade tinha um alto índice de pobreza. A cada
dia, tornava-se cada vez mais inchada por uma população de baixa renda que era acometida por
toda sorte de doenças, devido à falta de saneamento básico. Tal foi o caso da varíola, amplamente
combatida pelo farmacêutico Rodolfo Teófilo, no início do século XX, sobretudo junto à população
que vinha do sertão para Fortaleza, por ocasião da seca. Segundo Lira Neto e Cláudia Albuquerque
(2014), por essa época, não havia sistema de esgotos e nem abastecimento de água encanada nas
residências da capital cearense. Foi somente em 1926 que Fortaleza recebeu a construção de duas
caixas d’água e conseguiu substituir a iluminação a gás carbônico por lâmpadas elétricas.

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 CARDOSO, Rafael (Org.) O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica (1870-
1960). São Paulo, Cosac & Naify.

CARDOSO, Gleudson Passos, PONTE, Sebastião Rogério (Orgs). Padaria espiritual: vários
olhares. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.

CARVALHO, Gilmar de. O Ceará de Ednardo. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2013.

CORRÊA DO LAGO, Pedro, SOUZA E SILVA, Ruy (orgs). BRASILIANA ITAÚ: uma grande
coleção dedicada ao Brasil. Rio de Janeiro: Capivara, 2009.

GRUPIONNI, Luis Donisete Bensi (org). Índios no Brasil. Brasília: MEC, 1994.

NETO, Lira, ALBUQUERQUE, Cláudia. História urbana e imobiliária de Fortaleza: biografia


sintética de uma cidade. São Paulo: BRABA, 2014.

PEREIRA, Sônia Gomes. Arte brasileira no século XIX. Belo Horizonte: C/Arte, 2008.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco: cor e raça sociabilidade brasileira. São Paulo:
Claroenigma, 2012.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no
Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

VELOSO, Mariza, MADEIRA, Angélica. Leituras brasileiras: itinerários no pensamento social e


na literatura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

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