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Retrato do Brasil

pelos Pintores
Coloniais Angelisa Stein
Marina Ferraz

Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Sumário

Nota das Organizadoras 02


Nota sobre o e-book Retrato do Brasil pelos
Pintores Coloniais

Linha do Tempo 08
Principais eventos no Brasil

Organizadoras do E-book 13
Angelisa Stein e Marina Ferraz

Os Acadêmicos 14
Responsáveis pelas análises

As Obras 20
A filosofia da experiência sensorial

Créditos 75
Equipe e Realizadores
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Nota das
Organizadoras
Caro leitor, cara leitora,

Na qualidade de organizadoras do e-Book Retrato do Brasil pelos


Pintores Coloniais, gostaríamos de compartilhar com vocês um pouco
do processo que nos levou a propor este projeto à Secretaria de Cultura
do Estado do Rio de Janeiro, no âmbito das comemorações dos 200
anos da Independência do Brasil e do edital de Emergência Cultural 2.

Durante pesquisa desenvolvida em 2021 para o documentário “Fremd, o


ESTRANGEIRO”, deparamo-nos com uma série de iconografias sobre o
período colonial brasileiro, que nos chamaram a atenção, não apenas por
suas qualidades artísticas, domínio de técnicas sofisticadas, como uso de
luz e sombra, profundidade e escalas, ou pela exuberância e nostalgia
das paisagens de um Brasil ainda em seu estado quase puro, intocado
pelo contato com navegadores e exploradores europeus. Estas
iconografias, registros detalhados e únicos, em uma época em que ainda
não havia a fotografia, chamaram-nos especialmente a atenção por seu
caráter informativo e ao mesmo tempo idealizado, ou como escreve o
professor Marcelo da Rocha Silveira, “grande parte da arte nacional, que
detém algum prestígio, relaciona-se com uma estilização dos elementos
da vida.” Esses artistas plásticos, verdadeiros cronistas de sua época, mais
do que retratar a paisagem, os costumes, os tipos humanos, a fauna e
flora do Novo Mundo, criaram verdadeiras narrativas, às vezes mais, às
vezes menos fiéis à realidade, que mais do que registrar, procuravam
ajudar a construir uma identidade nacional, a identidade brasileira
idealizada pelos europeus. Europeus, e não apenas portugueses, pois
grande parte dos pintores, naturalistas e botânicos, que pintaram e
escreveram sobre o Brasil colonial eram de origem francesa, alemã,
holandesa, russa.

Nota das Organizadoras 02


Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

A História do Brasil Colônia tem início em 22 de abril de 1500, com a


chegada de Pedro Álvares Cabral e sua esquadra em Porto Seguro, Bahia.
Ao desembarcar no território brasileiro, os portugueses o batizam de Ilha
de Vera Cruz, legitimando, assim, a presença portuguesa no contexto das
Grandes Navegações.

A frota de Cabral era composta por nove naus, três caravelas e uma
naveta de mantimentos. Além do formato das velas, o que diferenciava
uma embarcação da outra era o tamanho: as caravelas mediam 22
metros de comprimento e transportavam até 80 homens; já as naus
podiam chegar a 35 metros e tinham capacidade para 150 tripulantes.

Ao todo, os 13 navios transportavam 1.500 homens, entre médicos,


boticários, religiosos, calafates (especializados em tapar e vedar buracos e
frestas) e até condenados à morte, que aceitavam trocar sua pena capital
pelo exílio em terras desconhecidas. Do total de 1.500 homens, apenas
500 conseguiram voltar para casa. O restante morreu no mar, vítima de
naufrágios ou de doenças. A presença de mulheres a bordo não era
permitida. Crianças e adolescentes podiam embarcar. A maioria, de nove
a 15 anos, era alistada pelos pais que, em troca, embolsavam o soldo dos
filhos. Durante a viagem, desempenhavam as funções de grumetes e de
pajens.

Estima-se que, na época da chegada da esquadra de Cabral, havia entre


500 mil e um milhão de indígenas habitando o litoral brasileiro, onde
falavam-se mais de 1.000 idiomas. Nos primeiros anos de colonização, as
línguas indígenas eram faladas, inclusive, pelos colonos portugueses, que
adotaram um idioma misto baseado na língua tupi, chamado
nheengatu. Por ser falada por quase todos os habitantes do Brasil, esta
língua ficou conhecida como língua geral. Porém, no século XVIII, a
língua portuguesa passou a ser a língua oficial do Brasil, a língua geral foi
proibida, o que culminou no quase desaparecimento dessa língua
comum.

O censo de 2010 contabilizou 305 etnias indígenas no Brasil. Juntos, esses


povos falam 274 línguas diferentes. Em pesquisa anterior ao censo de
2010, os idiomas indígenas aparecem reduzidos a 180. Destas 180 línguas,
apenas 13% têm mais de mil falantes; 60% têm entre cem e mil falantes;
enquanto que 50 línguas têm menos de 100 falantes e metade destas,
têm menos de 50 falantes. Isto significa que grande parte dos idiomas
indígenas correm ainda sério risco de extinção. Ainda de acordo com o
mesmo censo, existem hoje no Brasil 896.917 indígenas, dos quais
572.083 vivendo em zonas rurais e 324.834 em zonas urbanas.

Nota das Organizadoras 03


Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Os primeiros 30 anos, após a chegada dos portugueses, são considerados


período pré-colonial. O período colonial tem início, propriamente dito,
em 1530 e tem o seu término oficial em 1822, com a Proclamação da
Independência do Brasil, em 07 de setembro de 1822.

No âmbito deste trabalho, selecionamos 10 iconografias produzidas no


Brasil Colônia ou inspiradas por acontecimentos do período colonial, e
convidamos acadêmicos e estudiosos sobre o tema para analisar as
obras, não apenas do ponto de vista artístico, mas, sobretudo, em seu
contexto mais amplo, como resultado de crenças, influências estéticas,
políticas e ideológicas, tratando igualmente de levantar o que havia por
trás de cada uma dessas obras e como foram feitas.

Selecionar apenas 10 obras, em um período em que foram produzidas


centenas de iconografias acerca do território brasileiro e de sua gente,
não foi tarefa fácil. Neste sentido, gostaríamos de tecer algumas
considerações sobre as escolhas das obras, que teve muito mais um viés
temático, numa tentativa de tratar das questões que nos pareceram
indiscutivelmente as mais importantes e emblemáticas do período, a
saber:

1. Independência ou Morte, de Pedro Américo.

Apesar de ser uma obra já vastamente vista e analisada, tanto na


academia quanto em livros didáticos, acreditamos que esta é uma obra
que não poderia estar de fora deste trabalho, justamente por representar
o clímax do período de que estamos tratando, da chegada dos
portugueses à independência da coroa lusitana. Pintada em 1888, esta
obra foi encomendada a Pedro Américo pelo conselheiro imperial
Joaquim Inácio Ramalho. Polêmica, tendo inclusive sofrido acusações de
plágio, esta obra nos lembra sempre de como a arte a serviço de uma
causa pode ser usada na construção de uma narrativa falaciosa, neste
caso, parece que a nossa independência transcorreu em um único dia,
de maneira pacífica e harmoniosa, às margens do rio Ipiranga. Esta obra
encontra-se no Museu Paulista da USP.

Nota das Organizadoras 04


Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

2. Sessão do Conselho de Estado, de Georgina de Albuquerque.

Esta obra, do gênero pintura histórica impressionista, faz parte da


coleção do Museu Histórico Nacional e é relevante por dois motivos:
primeiro, é a única pintura de autoria de uma mulher, em meio a uma
explícita dominância masculina nas belas artes ao longo dos séculos. Em
segundo lugar, ela também reflete uma perspectiva de gênero sobre a
Independência do Brasil, à medida em que destaca o papel da princesa
Maria Leopoldina no processo da ruptura com Portugal em 1822. Esta
obra encontra-se no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro.

3. Pano de Boca do Teatro da Corte por ocasião da Coração de D.


Pedro I, de Jean-Baptiste Debret

Esta obra de Debret personifica, talvez como nenhuma outra, a


idealização da nação brasileira. Obra encomendada para o teatro que
abrigaria um espetáculo em comemoração à coroação de Pedro I como
Imperador do Brasil, o novo governo deveria afastar-se da ideia de um
país selvagem e aproximar-se dos ideais modernos de desenvolvimento e
civilidade. Esta obra encontra-se no Museu Castro Maia, Rio de Janeiro.

4. Soldados índios da província de Curitiba, escoltando índios


prisioneiros, de Jean-Baptiste Debret

A escravização de indígenas brasileiros teve início bem antes do lucrativo


negócio da escravização dos africanos e coexistiu com ele. O
aprisionamento, tortura e morte de famílias indígenas acabou por
dizimar inúmeros povos que habitavam o Brasil no século XVI.
Infelizmente, parte da historiografia oficial ainda omite a violência sofrida
por estes povos e glorifica seus algozes. Esta análise da obra de Debret
procura expor os falsos heróis da pátria. Esta obra encontra-se na
Pinacoteca do Estado de São Paulo.

5. Tiradentes Esquartejado, de Pedro Américo.

6. Igreja do Hospício de N. Sa. da Piedade da Bahia, de Johann Moritz


Rugendas.

Nota das Organizadoras 05


Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

7. Bênção das Bandeiras da Revolução de 1817, de Antônio Parreiras.

As três obras acima são registros dos principais movimentos


emancipatórios que ocorreram no Brasil Colônia e que impulsionaram
fortemente a proclamação da Independência. Inspirados pelos ideais do
Iluminismo do século XVIII, pela Revolução Francesa, pelo liberalismo e
pelo movimento de Independência dos Estados Unidos, os movimentos
populares emancipatórios tomam corpo em fins do século XVIII e início
do século XIX, materializando a insatisfação com a Coroa portuguesa. São
eles a Inconfidência Mineira, de 1789, que teve como um dos seus líderes
o dentista Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes; a Conjuração
Baiana, também conhecida como Revolta dos Alfaiates, que ocorreu em
1798 em Salvador, Bahia e a Revolução Pernambucana, de 1817, último
movimento separatista do período colonial. Uma curiosidade sobre este
movimento é que os revolucionários criaram uma bandeira para a
República que proclamaram. Esta bandeira é hoje a bandeira oficial do
estado de Pernambuco. A obra Tiradentes Esquartejado encontra-se no
Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora, Minas Gerais. A obra Igreja do
Hospício de N. As. Da Piedade da Bahia encontra-se no Acervo Artístico-
Cultural dos Palácios do Governo de São Paulo. A obra Bênção das
Bandeiras da Revolução de 1817 encontra-se no Arquivo Público do
Recife, Pernambuco.

8. Derrubada de uma Floresta, de Johann Moritz Rugendas

Iniciada em 1822 e só concluída em 1825, esta obra se destaca por seu


caráter atual: a paisagem da mata atlântica sendo derrubada para a
plantação de cafezais. Infelizmente, um vício estrutural na concepção de
um país chamado Brasil, em que o progresso é visto em oposição à
conservação da natureza. Esta obra encontra-se no Centro de
Documentação Dom João VI, Rio de Janeiro.

9. Castigo Público, de Johann Moritz Rugendas

Os açoites e castigos impetrados publicamente contra os escravizados de


origem africana eram cenas recorrentes em praças públicas, nas
senzalas, nos campos, nas plantações, nas vilas e nas lojas. Estas cenas
não passaram impunes a nenhum cronista do período. Pela crueldade,
pela desumanidade, pela covardia, é uma obra para nunca esquecer a
história manchada de sangue no período colonial brasileiro.

Nota das Organizadoras 06


Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Vale lembrar que a abolição da escravatura no Brasil só ocorreu em 13 de


maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea, sendo o Brasil o último país
das Américas a abolir a escravidão. A proibição do uso da mão-de-obra
escrava no país não foi resultado do humanismo das elites nem da
família real brasileira.

10. A Redenção de Cam, de Modesto Brocos

O branqueamento como redenção ao pecado da cor, da impureza e da


inferioridade é a proposta que nos traz o texto sobre esta obra. Apesar de
pintada quase no fim do século XIX, a Redenção de Cam confronta-nos
com um tema que pertence à gênese da nação brasileira: a
miscigenação e o valor atribuído a cor da pele. Tema este que ainda hoje
está no centro da grande parte dos problemas sociais brasileiros. Esta
obra encontra-se no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.

Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais é um trabalho que busca


ressignificar a história do Brasil Colônia até a nossa Independência,
através da releitura de dez das principais obras de arte produzidas sobre
este período da nossa história. Este e-book pode ser sorvido em capítulos,
uma vez que cada texto encerra em si mesmo uma ideia, mas pode,
também, ser lido como uma só obra, um diálogo entre a arte, a história e
a antropologia presentes na formação identitária brasileira, desde o
século XIX aos dias atuais.

Esperamos que o conteúdo deste e-Book seja útil para o público em


geral, estudantes, professores, educadores, pesquisadores, interessados
na história do Brasil e na arte do século XIX. Esta obra ficará disponível
para acesso gratuito no site www.valkyriafilmes.com,
www.valkyriafilmes.com no Canal do
Youtube https://www.youtube.com/@valkyriafilmes5242 e em
plataformas digitais análogas para consultas, estudos, referência.
Acreditamos que a cultura, a história e a informação sobre o nosso
passado desempenham um papel inigualável na formação de nossa
identidade enquanto nação. Queremos, com este trabalho, lançar luz
sobre o verdadeiro processo de nossa independência e ajudar a refletir
sobre as novas ‘independências’ que ainda se fazem necessárias, para um
Brasil verdadeiramente soberano e bom para todas as parcelas do seu
povo e não apenas para suas elites. Essa obra foi financiada pela
SECEC/RJ - Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado do Rio
de Janeiro, por meio do edital de Emergência Cultural 2 e realizada pela
Valkyria Filmes.

Angelisa Stein
Marina Ferraz

Nota das Organizadoras 07


Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Linha do Tempo

Principais eventos no Brasil


Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

1500 - Em 22 de abril, comandados por Pedro Álvares Cabral, os


portugueses chegam ao Brasil e travam o primeiro contato com os povos
indígenas.

1500 – 1530 – Considerado o período pré-colonial. Os portugueses tinham


como prioridade neste período o comércio de especiarias vindas da
Índia, assim, a principal atividade econômica durante essas primeiras
décadas foi a extração do Pau-Brasil.

1516 – Início do ciclo do açúcar, com a introdução da cana-de-açúcar na


Ilha de Itamaracá, litoral norte de Pernambuco.

1532 - Fundação da de São Vicente, a primeira vila permanente


estabelecida na América portuguesa (22 de janeiro).

1530 a 1533 - Martin Afonso de Souza realiza sua expedição de


reconhecimento do Brasil. As primeiras mudas de cana-de-açúcar são
plantadas em território brasileiro.

1535 – Criação e implantação do sistema administrativo de Capitanias


Hereditárias.

1548 - Criado e instalado o sistema administrativo (centralizado) do


Governo Geral. Tomé de Souza é o primeiro governador geral do Brasil.

1553 – Início do movimento de Entradas e Bandeiras.

1554 - Fundação da cidade de São Paulo (25 de janeiro).

1555 - Após a invasão francesa, Villegaignon funda a França Antártica no


Rio de Janeiro.

1570 – Início da substituição progressiva da mão de obra escrava


indígena pela africana.

1624 – Invasão holandesa na Bahia.

1630 - Invasão holandesa em Pernambuco.

1641 - Invasão holandesa no Maranhão.

Linha do Tempo 09
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

1680 - Fundação pelos portugueses da colônia do Sacramento em região


próxima a Buenos Aires, na outra margem do rio da Prata, hoje Uruguai.

1684 - Estoura a revolta dos Beckman, na província do Maranhão.

1709 – São encontrados os primeiros metais e pedras preciosas nas


regiões hoje conhecidas como Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Tem
início o ciclo do Ouro.

1730 - Descoberta das primeiras minas de Diamantes na região do Vale


do Jequitinhonha (Minas Gerais). Inicia-se o período de exploração de
diamantes no Brasil Colonial.

1750 - Assinatura do Tratado de Madri, entre Portugal e Espanha, que


cancelou o Tratado de Tordesilhas e definiu o território brasileiro de
acordo com a ocupação estabelecida até aquele ano.

1758 - Em 17 de agosto, o Marquês de Pombal instituiu o português como


a língua oficial do Brasil, ficando proibido o uso da língua geral.

1758 - A escravização indígena é oficialmente abolida pelo Marquês de


Pombal

1759 - Após seu fracasso é extinto o sistema de Capitanias Hereditárias.

1763 - A capital do Brasil é transferida de Salvador para o Rio de Janeiro.

1789 - Inconfidência Mineira (tentativa de tornar o Brasil independente


de Portugal).

1792 - Tiradentes, líder da Inconfidência Mineira, é enforcado em praça


pública.

1794 – Conjuração Carioca

1798 – Conjuração Baiana

1801 – Conspiração dos Suassunas em Pernambuco

Linha do Tempo 10
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

1807 – Transferência oficial da sede da monarquia portuguesa para o


Brasil (convenção assinada pelo príncipe regente D. João e o rei de
Inglaterra, em 22 de outubro)

1807 – Fuga da família real portuguesa para o Brasil, em 29 de novembro.

1808 – Chegada da corte portuguesa em Salvador, em 22 de janeiro.

1808 - Abertura dos Portos às Nações Amigas.

1815 - Brasil é elevado a Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

1816 - A Missão Artística Francesa chega ao Brasil.

1817 – Revolução Pernambucana

1821 - Após a derrota de Napoleão para a Inglaterra e a desocupação de


Portugal pelas tropas francesas, a Corte portuguesa retorna para
Portugal.

1821 – Início da Expedição Langsdorff pelo território brasileiro,


percorrendo 17 mil quilômetros pelo interior do Brasil, para estudar a
fauna, a flora e o modo de vida. A expedição, que partiu com 39 pessoas,
entre pesquisadores, cientistas, aventureiros e artistas, teve fim em 1829,
com apenas 12 pessoas. Do Brasil foram levados animais empalhados,
amostras de plantas nativas, mais de 800 documentos e ilustrações, que
se encontram hoje na Academia de Ciências de São Petersburg, Rússia.

1822 - Dia do Fico (9 de janeiro).

1822 – Debret pinta a obra Pano de Boca do Teatro da Corte por ocasião
da Coração de D. Pedro I

1822 – Declarada a Independência do Brasil em 07 de setembro de 1822,


processo histórico de separação entre o Reino do Brasil e Portugal,
colocando em violenta oposição as duas partes (pessoas a favor e contra).

1825 – Rugendas conclui a obra Derrubada de uma Floresta, que só viria a


ser publicada em 1835 no livro “Viagem pitoresca através do Brasil”.

Linha do Tempo 11
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

1834 – Jean-Baptiste Debret publica o primeiro dos 3 volumes da obra


“Viagem pitoresca e histórica ao Brasil”. O último volume é publicado em
1839, incluindo a obra Índios soldados da província de Curitiba
escoltando prisioneiros nativos.

1835 – Johann Moritz Rugendas publica, em Paris, o livro “Viagem


pitoresca através do Brasil”, incluindo as obras Igreja do Hospício de
Nossa Senhora da Piedade, Castigo Público e Derrubada de uma Floresta.

1846 - Rugendas cede toda a sua coleção de desenhos e aquarelas ao rei


Maximiliano II da Baviera, em troca de uma pensão anual vitalícia.

1888 – Pedro Américo conclui a obra Grito do Ipiranga ou, como é mais
conhecida, Independência ou Morte

1893 – Pedro Américo pinta o quadro Tiradentes Esquartejado

1895 – Modesto Brocos pinta o quadro A Redenção de Cam

1922 - Georgina Albuquerque pinta a obra Sessão do Conselho de Estado

1997 – Publicação de 3 dos 4 volumes dos Diários da Expedição


Langsdorff pela SciELO, Editora Fiocruz, Brasil.

Linha do Tempo 12
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Angelisa Stein
Produtora e Organizadora
ANGELISA STEIN, produtora e advogada,
trabalhou com alguns dos mais renomados
diretores da América Latina, entre eles Fernando
Meirelles (Loop) e Lucrecia Martel (Zama) e com
coproduções envolvendo Argentina, Colômbia,
México, Espanha, Portugal, França, EUA, Canadá.
É autora do livro "COPRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA
INTERNACIONAL - Como, quando, onde e porque coproduzir com
outros países" - Editora Lumen Juris. Trabalhou na ANCINE como
Assessora de Diretoria e Superintendente de Fomento. Foi diretora do
Instituto Estadual do Cinema/RS onde criou o projeto de cinema
itinerante RODA CINE. Pós-graduada como Analista Internacional
pela UFRJ/RJ. Tem Formação Executiva em Cinema e TV pela FGV/RJ
e Especialização em Direito do Entretenimento pela UERJ/RJ. É
bacharel em Direito/UCAM-RJ e em Comunicação Social/UNISINOS-
RS. É professora de PRODUÇÃO AUDIOVISUAL em curso de Pós-
Graduação na PECS/ UCAM/RJ e diretora da Valkyria Filmes.

Marina Ferraz
Pesquisa e Organização de textos
MARINA FERRAZ é bacharel em Literatura e
Linguística, com especialização em TV Digital e
Novas Mídias de Comunicação Eletrônica. É
consultora e pesquisadora para o
desenvolvimento de projetos em cinema, TV e
novas mídias. No mercado internacional, atua na
área de coprodução entre Brasil e Europa.

Organizadoras do E-book 13
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Os Acadêmicos

Responsáveis pelas análises


Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Cristiane Nascimento
Cristiane Nascimento é doutora em História
Contemporânea pela Universidade Federal
Fluminense, autora da tese 'Viver a Fé em
Moçambique': As relações entre a Frelimo e as
confissões religiosas em Moçambique (1962-
1982), 2017.
É mestre em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, bacharel e licenciada na mesma
instituição. Foi editora de conteúdo e pesquisadora da Revista
“Comunicação e Memória”, editada pelo Centro de Memória da
Eletricidade (2021-2022). Foi pesquisadora associada do Centro de
Estudos Africanos na Universidade Eduardo Mondlane, em
Moçambique (2015). Trabalhou por 10 anos como pesquisadora e
produtora executiva da Revista de História da Biblioteca Nacional
(2006-2016). Tem experiência em pesquisa iconográfica, consultoria
histórica para livros e obras audiovisuais. Atualmente é pesquisadora
do Acervo Roberto Marinho, da TV Globo e professora de História na
Rede Municipal de Educação.

Jurema Agostinho

Jurema Agostinho é Mestre em Teoria da


Comunicação e Cultura pela UFRJ e tem
dedicado-se a dar visibilidade às tradições afro-
brasileiras como processo civilizatório pleno de
saberes nas diversas áreas do conhecimento.
Trabalhou como coordenadora do Projeto 'A Cor da Cultura' (Canal
Futura/ Fundação Roberto Marinho) sendo responsável pela formação
de professores ao redor do Brasil para propiciar a igualdade nas
relações étnico raciais. Além disso, foi diretora adjunta do Centro
Cultural Municipal José Bonifácio nas gestões de Hilton Cobra e
Sandra Henrique, atual Museu da História e da Cultura Afro Brasileira.

Os Acadêmicos 15
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Leonam Monteiro

Leonam Monteiro é doutorando no Programa


de Pós-graduação em História Política da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(PPGH/UERJ), na linha de estudos da Política e
Cultura. Bolsista FAPERJ.
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (PPHR/UFRRJ), integrando a linha de
pesquisa Relações de Poder, Linguagens e História Intelectual (2020).
Licenciado em História pela UFRRJ (2016). Foi bolsista PIBID -
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (2014-2016).
Desenvolve pesquisa sobre as relações entre Cinema e História, Arte e
Política e os processos que envolvem as construções identitárias nos
cinemas da América Latina, com foco em Cuba. Fez consultoria de
roteiro para o curta-metragem Copacabana Madureira, de Leonardo
Martinelli, e escreveu textos para a Mostra de cinema Outro Rio
(2020), projeto contemplado pelo edital Cultura Presente nas Redes,
oferecido pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro.

Marcelo da Rocha
Silveira
Marcelo da Rocha Silveira é Arquiteto e
Urbanista pela UFRJ. Fez seu mestrado em
Filosofia no Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da UFRJ com intuito de aprofundar as
questões teóricas e filosóficas pertinentes à
arquitetura e às artes.
Doutorou-se em Arquitetura pelo ProArq-UFRJ com ênfase em Teoria,
História e Crítica da Arquitetura. Coordenou todos os Seminários
Internacionais de Urbanismo, Patrimônio e Meio Ambiente realizados
na cidade de Ouro Preto (MG). É autor do livro "A cidade informal -
arquitetura e projeto", co-autor do livro "No centro do problema
arquitetônico nacional - a modernidade e a arquitetura tradicional

Os Acadêmicos 16
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

brasileira" e autor e organizador do livro "A cidade e o patrimônio:


Ouro Preto, Paraty, Cataguases". Atualmente é Professor Associado 3
da Escola de Belas Artes da Universidade do Brasil. Dedica-se
principalmente à investigação sobre a arte como formação da
identidade nacional e de seus aspectos sociais e políticos.

Rafael Fernandes
Mendes Junior
Rafael Fernandes Mendes Júnior é doutor em
Antropologia Social pelo Museu Nacional (UFRJ),
Pós-doutor em História pela Universidade
Federal Fluminense. Professor substituto na
Faculdade de Formação de Professores (UERJ) e
pesquisador associado ao Laboratório de
Inovações Ameríndias (LInA), UFRJ, e ao Centre de Recherche et de
Documentation sur des Amériques (CREDA), Sorbonne. Desenvolve
pesquisa com os Guarani nos estados do Rio de Janeiro, Pará e
Tocantins desde 2004, privilegiando estudos sobre os processos de
migração, mobilidade e translocação guarani; organização social e
parentesco, os processos de conversão cristã e a prática venatória.
Mais recentemente, suas pesquisas passaram a incluir o estudo dos
Guarani a partir da documentação produzida no âmbito da
administração colonial espanhola e das missões jesuíticas durante os
séculos XVII e XVIII. É autor de ‘’A terra sem mal: uma saga guarani’’,
publicado pela EdUFRJ, em 2021.

Os Acadêmicos 17
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Socorro Ferraz

Socorro Ferraz é Professora Emérita da UFPE;


Professora Associada do Departamento de
História da UFPE; estudou História Política na
Universidade de Bielefeld, Alemanha; doutora
em História Econômica, USP;
Professora Visitante na Faculdade de História e Geografia da
Universidade de Salamanca, Espanha, 2002. Publicou as obras
‘’Liberais & Liberais: guerras civis em Pernambuco no século XIX’’
(Cepe, 2022); ‘’Sertão: fronteira do medo’’ (Ed UFPE, 2015) em
coautoria com Bartira Barbosa; ‘’Fontes repatriadas’’ (Ed. UFPE, 2006),
em coautoria com Vera Acioli e Virgínia Almoedo; ‘’Sertão: um espaço
construído’’ (Ed. Centro de Estudios Brasileños, Universidade de
Salamanca. 2005), em coautoria com Bartira Barbosa; ‘’Frei Caneca:
acusação e defesa’’ (Ed. UFPE, 2000) e ‘’República Brasileira em
Debate’’ (Ed. UFPE, 2010), co-organizado com Bartira Barbosa. Venceu
os prêmios Prêmio Jabuti na área de Ciências Humanas; História Viva
do Recife e ainda o Prêmio Literário Nacional – Gênero História,
Região Nordeste, com o trabalho “Liberalismo como Doutrina da Nova
Ordem Capitalista”.

Os Acadêmicos 18
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Tatiana Arnaud
Coutinho Cipiniuk

Tatiana Arnaud Coutinho Cipiniuk é Doutora e


Mestre em Antropologia pelo Programa de Pós-
graduação da Universidade Federal Fluminense
(PPGA/UFF).
Graduada em Produção e Marketing Cultural pela Universidade
Cândido Mendes e Bacharel em Administração pela mesma
universidade. Realizou pós-doutorado como bolsista PNPD/Capes no
Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade
Federal Fluminense. Foi membro da Comissão de Educação, Ciência e
Tecnologia da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), gestão
2019-2020. Autora de Analfabetos num mundo letrado: desafios e
superações (Alternativa 2016); Analfabeto: problema social e desonra
pessoal (Eduff 2014) e Abordagens etnográficas sobre educação:
adentrando os muros da escola (organizadora com Simoni Lahud
Guedes) (Alternativa 2014). Desenvolve pesquisas sobre sistemas de
relações sociais construídas no universo de percursos escolarizados
desde 2007. Atua nas áreas de Antropologia e Educação e
Desigualdades socioeconômicas. Integra o Argonautas: Rede de
Pesquisa em Antropologia e Educação inscrita no Diretório dos
Grupos de Pesquisa no Brasil do CNPQ. É mãe de duas meninas
nascidas em 2015 e 2017.

Os Acadêmicos 19
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

As Obras

Informações e Análises
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

GRITO DO IPIRANGA ou
INDEPENDÊNCIA OU MORTE

Pedro Américo (1843-1905)

Data da pintura: 1888

Dimensões da Obra: 4,15 x 7,60 m

Tipo: pintura

Técnica: óleo sobre tela

Acervo onde se encontra a obra: Museu Paulista/SP

As Obras 21
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Grito do Ipiranga de
Pedro Américo: uma
independência segundo
São Paulo
Marcelo da Rocha Silveira

Certas telas tornam-se mais famosas do que a realidade retratada, e com


isso passam a ter um caráter de verdade. A força de uma imagem
exposta inúmeras vezes é invariavelmente maior do que a coerência dos
fatos que nela estão envolvidos e que, muitas vezes, contradizem a
verdade apresentada. Esse talvez seja o caso de Independência ou Morte,
tela de enormes dimensões (415 cm × 760 cm) de Pedro Américo, e sem
dúvida uma das obras mais famosas do século XIX. Ela fixou a imagem,
na mente de todos nós, de um acontecimento. E não só isso, ela também
deu uma importância a uma data, absorvendo qualquer polêmica sobre
qual seria o verdadeiro dia da Independência do Brasil que, à época,
existia.
Para entendermos o sucesso do trabalho de Pedro Américo, não
basta apenas analisar as qualidades técnicas da pintura. Antes de tudo, é
fundamental entender a que ela se destinava e a importância do seu
objetivo, já que qualquer obra não deve ser pensada isolada de seu
contexto.
Hoje, temos como ponto passivo que a independência brasileira
deu-se no dia 7 de setembro de 1822, às margens do rio Ipiranga, quando
o príncipe Dom Pedro rompeu definitivamente com Portugal. Contudo,
em uma análise mais atenta, a independência foi decorrência de todo
um processo, onde o Grito, foi apenas mais um elemento. Certamente, o
Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822, foi um grande acontecimento que
deu início à efetiva independência, meses mais tarde. Mas não seria a
aclamação de Dom Pedro, no Rio de Janeiro, como Imperador, por
exemplo, mais simbólico e representativo do que uma declaração às
margens de um rio? Ou mesmo a sua própria coroação, evento que
consolidou a independência? Todos esses acontecimentos acima
ocorreram no Rio de Janeiro. E, de fato, no século XIX, a aclamação de
Dom Pedro como Imperador e defensor perpétuo do Brasil, em 12 de

As Obras 22
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

outubro daquele ano, era tido como o marco da independência


brasileira, pois foi então que o povo tomou ciência definitiva da
separação do Brasil de Portugal.
Contudo, em 1886, Pedro Américo foi contactado pelo então
conselheiro imperial Joaquim Inácio Ramalho. Este era o presidente da
Comissão para a construção do Edifício-Monumento do Ipiranga, na
capital paulista. São Paulo, a essa época, crescia a passos largos,
ganhando destaque no cenário nacional. Por conseguinte, os seus ricos
cafeicultores entenderam que São Paulo precisava de símbolos que
refletissem e validassem o sucesso financeiro da rica classe econômico-
social que ali estava presente. O contrato para a pintura da tela foi
firmado entre Pedro Américo e o Governo do Estado de São Paulo, em 14
de janeiro de 1886. Talvez seja esse o marco do início de uma disputa
com o Rio de Janeiro pela detenção das narrativas da formação da
identidade nacional.
Em 1890, a construção do Edifício-Monumento do Ipiranga, um
prédio com acabamento bastante refinado, foi finalizada. Apenas três
anos depois ele passava a ser chamado de Museu Paulista. Com a posse
na direção de Affonso d’Escragnolle Taunay, em 1917, a instituição passou
a receber um significativo investimento para a formação de um acervo
museológico consistente e tornou-se assim conhecido como Museu do
Ipiranga. Dois anos após a posse de Taunay, o museu foi fechado para
realizar obras, e só seria reaberto para as comemorações do Centenário
da Independência. A partir de então, a aclamação de Dom Pedro, no Rio
de Janeiro, passava a ser definitivamente obliterada em prol da primazia
histórica de São Paulo, no papel da independência brasileira. A tela de
Pedro Américo, sendo a protagonista do acervo do museu, reforçou o
discurso de São Paulo como a sede da formação identitária.
Contudo, a obra não agiu sozinha. Taunay fortaleceu a narrativa
construindo um percurso com outras obras sobre personagens e eventos
da história brasileira que conduziam até a tela de Pedro Américo. As
esculturas dos bandeirantes Fernão Paes Leme e Raposo Tavares foram
posicionadas na entrada do prédio e sucedidas pelos retratos de mais
outros 22 bandeirantes. Em seguida, telas representando a rebelião de
Vila Rica e o suplício de Felipe dos Santos, em 1720; a Inconfidência
Mineira, em 1789, e a Revolução Pernambucana, em 1817, eram dispostas
ao longo do percurso. Criava-se, portanto, uma linha evolutiva da história
em que o bandeirante, aquele que caçava índios para escravizá-los, seria
o personagem inicial do desenvolvimento da identidade brasileira,
enquanto outros eventos revolucionários levariam ao desencadeamento
final com o Grito de Dom Pedro, acontecido próximo à cidade de São
Paulo.

As Obras 23
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

O Rio de Janeiro também acolhia uma grande exposição internacional,


com a mesma finalidade comemorativa do centenário da
independência, que parou o país por quase um ano. São Paulo, como
não teve condições financeiras de organizar um evento do mesmo porte
do da Capital Federal, investiu em outro em que ele seria o efetivo
protagonista da independência e não apenas aquele que a sediava.
Mas, se é perigoso, em termos históricos, estabelecer um dia exato
para a independência nacional, seria também perigoso tomar a
realidade retratada na tela de Pedro Américo como uma verdade
histórica?
O artista teve a preocupação de realizar uma minuciosa pesquisa
para saber como eram os trajes usados pela guarda de Dom Pedro, no
Grito. Américo fez questão de viajar para a Europa para melhor esclarecer
suas dúvidas sobre o acontecimento. Também procurou saber como se
vestiam os camponeses que seriam representados na tela.
Contudo, a verdade não foi bem a que foi retratada. Apesar da
pesquisa acurada, toda a representação dos elementos presentes na tela
pode ser considerada uma invenção. Em uma viagem cansativa, jamais o
príncipe estaria envergando trajes tão distintos, não estaria em um
cavalo, mas em uma mula (animal destinado a longos percursos), sua
guarda também não estaria a usar o uniforme de gala na ocasião. Tudo é
por demais solene, em um momento que não se esperava solenidade.
Mas há três personagens que talvez estejam a representar bem as suas
realidades: são os camponeses, ao lado esquerdo da tela, que assistem a
tudo passivamente. De fato, não havia então qualquer sentimento pátrio
por qualquer pessoa nascida no Brasil: a identidade nacional não existia
e os camponeses, escravos ou libertos, estavam alijados dessa
preocupação.
Pedro Américo construiu uma cena com o objetivo de dar um
grande enlevo a uma ação que talvez não tivesse a importância que tem
hoje em dia, caso não fosse o interesse da elite paulista em reforçar a
narrativa de se tornar a protagonista da formação brasileira.
Costuma-se dizer que a história é narrada pelos vencedores. Entre
o Rio de Janeiro (a antiga capital política) e São Paulo (a atual capital
financeira), uma classe social e uma cidade passaram a deter a primazia
das narrativas que, até hoje, estão em voga e fazem, muitas vezes, o
orgulho de ser brasileiro. Talvez agora, mais do que nunca, caiba repensar
o que é de fato uma independência e a quem ela serve. Na verdade,
existem inúmeras independências, algumas servem ao povo, outras
servem às elites. Cada um de nós deve lutar por aquelas em que acredita.

As Obras 24
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Bibliografia:

FREIRE, L. Um Século de Pintura: 1816-1916. 1916. Reimpressão fac-


similar, Rio de Janeiro: s.n., 1983.
TEIXEIRA LEITE, J. R. Dicionário Crítico da Pintura no Brasil. Rio de
Janeiro: Artlivre, 1988.
ZANINI, W. (org.). História Geral da Arte no Brasil. V. 2. São Paulo:
Instituto Walter Moreira Sales, 1983.

As Obras 25
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

SESSÃO DO CONSELHO
DE ESTADO

Georgina de Albuquerque (1885-1962)

Data da pintura: 1922

Dimensões da Obra: 2,36 x 2,93 m

Tipo: pintura

Técnica: óleo sobre tela

Acervo onde se encontra a obra: Museu Histórico Nacional/RJ

As Obras 26
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Pintura Histórica
por mãos femininas

Cristiane Nascimento da Silva

No quadro “Sessão do Conselho de Estado”, Georgina Albuquerque


destacou o protagonismo da princesa Leopoldina na independência do
Brasil
Considerado como “pai da Pátria”, D. Pedro I encarnou a figura do
herói da independência no Brasil e assim foi representado pelos livros de
história e pelas artes. A Proclamação da Independência bradada pelo
então príncipe regente foi cristalizada pelo senso comum como a
representação da ruptura com a metrópole portuguesa, visto mais como
um acontecimento do que um processo.
No entanto, Georgina de Albuquerque trouxe uma perspectiva
diferente. Na obra Sessão do Conselho de Estado – uma pintura histórica
de grandes dimensões (236 x 293 cm) – a artista lança luz para um evento
de gabinete que antecedeu o 7 de setembro, protagonizado pela
princesa austríaca Maria Leopoldina. O quadro faz referência à reunião
dos procuradores gerais das províncias, ocorrida no Palácio de São
Cristóvão, nos primeiros dias de setembro. O encontro tinha por objetivo
discutir a situação do Brasil diante das pressões feitas pelas Cortes de
Lisboa, para que D. Pedro voltasse a Portugal e o Brasil retornasse a sua
condição de colônia, perdendo assim o status de reino.
Na pintura de Georgina está a princesa Leopoldina, presidindo a
reunião na condição de regente, por causa da ausência de D. Pedro, em
viagem a São Paulo. Ao lado da princesa está Martim Francisco Ribeiro
de Andrada e, atrás dele, José Clemente Pereira.
Com as mãos apoiadas na mesa estão Joaquim Gonçalves Ledo e
José Bonifácio, que se dirige diretamente à regente. Ao fundo, Caetano
Pinto de Miranda Montenegro, Manoel Antônio Farinha e Lucas José
Obes. Na cena retratada pela artista, José Bonifácio expõe a necessidade
de autonomia do Brasil em relação a Portugal e sugere à Leopoldina que
escrevesse uma carta ao futuro imperador, conclamando-o a uma ação
drástica imediata.
As Obras 27
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

A tela foi produzida de acordo com um edital lançado em 1921, que


tinha por objetivo estimular a produção de imagens sobre a
emancipação do Brasil, no contexto das comemorações do primeiro
centenário da independência.
O quadro foi exposto na seção de Arte Retrospectiva e Arte
Contemporânea na Exposição Internacional do Centenário da
Independência, ocorrida em dezembro de 1922, no centro do Rio de
Janeiro. O trabalho foi um dos selecionados pela comissão julgadora do
evento e foi comprado pelo Estado, para compor a coleção do Museu
Nacional de Belas Artes, anos depois doado para o Museu Histórico
Nacional.
Georgina de Albuquerque já era uma artista reconhecida quando
ganhou o concurso. Nascida em Taubaté, São Paulo em 1885, se mudou
para o Rio de Janeiro aos 19 anos e ingressou na Escola Nacional de Belas
Artes, onde foi aluna de Henrique Bernardelli. Casou-se com o pintor
Lucílio de Albuquerque e com ele viajou para França, para estudar. Lá,
Georgina frequentou a Escola Nacional Superior de Belas Artes e
Academia Julian, uma das instituições pioneiras na admissão de
mulheres em aulas com modelos masculinos nus.
Ao longo de sua carreira, a pintora recebeu inúmeros prêmios
nacionais e internacionais, foi docente da Escola Nacional de Belas Artes,
desde 1922 e da, então, Universidade do Distrito Federal, nos anos de
1940. Em 1952 assumiu a direção da Escola Nacional de Belas Artes e
exerceu a sua profissão até o fim da vida.
Sobre a obra Sessão do Conselho de Estado, o reconhecimento foi
imediato. A revista Ilustração Brasileira, de dezembro de 1922, chamou a
atenção para a trajetória premiada da artista e o feito de ser a primeira
mulher a ter uma obra comprada pelo governo. Em O Malho, de
19/01/1923, Georgina ganhou destaque principal na coluna Bellas Artes,
cujo tema foi “A mulher no Salão de Bellas Artes do Centenário”, assinada
por Ercole Cremona. O texto chama atenção para o talento privilegiado
da artista e sobre o quadro destacou: “as figuras são movimentadas e
bem desenhadas, as atitudes são resolvidas e as gamas estudadas com
grande saber”.
Reconhecida por seus contemporâneos por seu primor técnico,
Georgina inovou também por outros aspectos: foi a primeira mulher a
realizar uma pintura histórica, gênero artístico dominado por homens,
tanto na sua produção – com destaque para as obras de Pedro Américo e
Victor Meirelles – quanto em seu objeto, fatos históricos protagonizados
em sua maioria por homens notáveis em cenas bélicas.

As Obras 28
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Diferente do campo de batalha, Georgina escolhe para o seu


quadro a esfera política, uma discussão tomada em uma sala por um
grupo pequeno, que tinha como figura central uma mulher na posição
de princesa regente, a futura imperatriz Maria Leopoldina. A artista
enquadra a princesa austríaca no universo político, até então exclusivo
dos homens e, ao destacar o seu protagonismo, subverte a visão
comumente difundida de Leopoldina como uma mulher resignada e
humilhada, pelas aventuras extraconjugais de seu marido.
Nas pinceladas de Georgina, a formação intelectual da princesa e as suas
habilidades diplomáticas são destacadas, cabendo a ela convencer D.
Pedro pela independência do Brasil. As pesquisas sobre a vida da
princesa evidenciam que ela já vislumbrava a independência da colônia
portuguesa, muito antes do marido.
A nobre austríaca compreendia a emancipação brasileira como
garantia do trono para os seus filhos. E percebia a independência como a
única possibilidade de manutenção do território unido, considerando as
lutas que fragmentariam o reino, em caso de permanência da submissão
a Portugal.
Na carta escrita ao final da reunião do Conselho, que aparece nas
mãos de D. Leopoldina na obra de Georgina, a princesa escreveu:
“Pedro, o Brasil está como um vulcão. Até no paço há revolucionários.
Até oficiais das tropas são revolucionários. As Cortes Portuguesas
ordenam vossa partida imediata, ameaçam-vos e
humilham-vos. O Conselho do Estado aconselhava-vos para ficar. Meu
coração de mulher e de
esposa prevê desgraças, se partirmos agora para Lisboa. Sabemos
bem o que tem sofrido nossos
pais. O rei e a rainha de Portugal não são mais reis, não governam
mais, são governados pelo
despotismo das Cortes que perseguem e humilham os soberanos a
quem devem respeito.
Chamberlain vos contará tudo o que sucede em Lisboa. O Brasil será
em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca.
Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará a sua separação. O
pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece.” (OBERACKER, 1972,
p.446-7).
Ao dar luz a força intelectual de Leopoldina, articuladora política,
mas também mãe e esposa devotada, Georgina ressalta a sua própria
trajetória de esposa de um pintor reconhecido e mãe dedicada, mas
também uma artista com uma trajetória profissional consolidada,
evidenciando, assim, o protagonismo feminino característico de seu
tempo.

As Obras 29
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Bibliografia:

DEL PRIORE, Mary. A carne e o sangue: A Imperatriz D. Leopoldina, D.


Pedro I e Domitila, a Marquesa de Santos. São Paulo: Editora Rocco,
2012.
OBERACKER JÚNIOR, Carlos H. O grito do Ipiranga: problema que
desafia os historiadores: certezas e dúvidas acerca de um
acontecimento histórico. Revista de História, São Paulo, n. 92, 1972.
O Malho, janeiro de 2023, p.17
Revista Ilustração Brasileira, 25/12/1922 p. 190 e 191

REZZUTTI, Paulo. D. Leopoldina: a história não contada: a mulher que


arquitetou a independência do Brasil. Rio de Janeiro: LeYa, 2017,

SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Entre convenções e discretas ousadias.

Georgina de Albuquerque e a pintura histórica feminina no Brasil.


Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, vol 17, n50, out/2002
SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Profissão Artista: Pintoras e Escultoras

Brasileiras, 1884-1922. 1ª ed. São Paulo: EDUSP/ FAPESP, 2008. v. 1.

336p.
SOUZA, Adelaide Cerqueira Lima de. O Luz, Conflito e Harmonização

na pintura de Georgina de Albuquerque: obras de 1926 / 1954.


Dissertação Mestrado em Artes Visuais. Universidade Federal do Rio

de Janeiro, UFRJ, 2011.

As Obras 30
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

PANO DE BOCA DO TEATRO


DA CORTE POR OCASIÃO
DA COROAÇÃO DE
DOM PEDRO 1

Jean Baptiste Debret (1768-1848)

Data da pintura: 1822

Dimensões da Obra: 21 X 35 cm

Tipo: pintura

Técnica: aquarela

Acervo onde se encontra a obra: Museu Castro Maya/RJ

As Obras 31
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Imperador
dos Brasis
Cristiane Nascimento da Silva
Com olhos de cronista, Jean-Baptiste Debret capturou em suas
telas momentos decisivos da história política do período joanino e do
Primeiro Reinado (1808-1831) e revelou fragmentos do cotidiano de
pessoas comuns, homens pobres, mulheres, indígenas, escravizados e
livres. A partir da sua perspectiva, foi possível conhecer trajes, costumes e
culturas dos mais diferentes grupos sociais no Brasil.
O pintor nasceu em Paris em 1768, foi aluno de Jacques-Luis
David, seu primo e um dos principais nomes do estilo neoclássico francês
na Academia de Belas Artes. Por volta de 1806, iniciou os trabalhos como
pintor na corte de Napoleão. No entanto, a queda do imperador francês
em 1815, somada com a perda de seu único filho e o abandono de sua
esposa fizeram com que Debret aceitasse o convite para compor uma
missão artística destinada ao território português nas Américas.
A Missão Artística Francesa chegou ao Brasil em 1816, contratada
pelo embaixador de Portugal, o marquês de Marialva, por sugestão do
ministro António de Araújo e Azevedo. A intenção era criar uma
instituição de ensino das artes. Este grupo fundou mais tarde a Escola de
Ciências, Artes e Ofícios, cujo objetivo era contribuir para o
desenvolvimento artístico do novo reino.
Durante os 15 anos de permanência no Brasil (1816-1831), Debret
conciliou o registro de acontecimentos ilustres da Coroa, como os
casamentos reais, os retratos da nobreza e as coroações de D. João VI e
Pedro I, com cenas da vida cotidiana, que revelavam as percepções do
artista sobre as relações na sociedade brasileira. O seu trabalho é um
marco fundador da pintura de história no Brasil, gênero inaugurado a
partir da vinda dos artistas franceses ao país.
Como contemporâneo dos eventos que culminaram na
independência do Brasil em relação a Portugal, Debret registrou e
interpretou, através de imagens e textos, os principais fatos deste
processo. Entre eles, estão a aclamação de D. Pedro I e a sua coroação.
Antes de existir uma bandeira nacional, o artista a representou em sua
obra Aclamação de D. Pedro I, imperador do Brasil, no campo de
Santana, no Rio de Janeiro. A bandeira do novo império ficaria pronta um
mês depois.
As Obras 32
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Para capturar o clima de celebração pelo novo momento do país,


Debret produziu, sob encomenda, um novo pano de boca (cortina que
fecha a cena e encobre a visão do público) para o Teatro São João,
também conhecido como Teatro da Corte, no Rio de Janeiro. A obra foi
exposta pela primeira vez em um espetáculo que comemorava a
coroação do monarca, em 01 de dezembro de 1822.
O próprio artista justificou o motivo da encomenda: o teatro não
poderia ficar alheio ao movimento de independência, a antiga cortina
representava um “país em Portugal rodeado de sujeitos ajoelhados”. O
trabalho foi publicado na prancha nº 49, do terceiro volume de Viagem
Pitoresca e foi nomeado Pano de Boca executado para a representação
extraordinária dada no teatro da corte por ocasião da coroação de Dom
Pedro I, imperador do Brasil. Nesta obra, Debret reforçou a ideia de um
“povo brasileiro” – formado por negros, indígenas, brancos, caboclos,
assim como homens comuns, soldados, mulheres e crianças – que
apoiavam o governo autônomo de D. Pedro I. Tratava-se de uma alegoria
da formação da nação.
Sobre o desenho, Debret explicou que o trabalho foi submetido à
análise de José Bonifácio, Primeiro-Ministro do Império e dos Negócios
Estrangeiros do novo governo. Ele sugeriu que substituísse as palmeiras,
que antes ganhavam destaque na cena, por um padrão de arquitetura
clássica, para que não houvesse nenhuma associação com a ideia de um
Estado “selvagem”. A proposta era representar a construção de um país
emancipado e com potencial ao desenvolvimento.
O artista fez uma descrição minuciosa do desenho, com o objetivo
de explicar a composição da cena: Acima, há um grupo de anjos que
sustentam uma esfera coroada com as iniciais de D. Pedro e uma faixa
com a inscrição “império do Brasil”.
Ao fundo, índios armados se unem voluntariamente aos soldados
brasileiros. Uma família negra, com instrumentos de trabalho e armas,
para defesa da terra, entrega o seu filho recém-nascido à proteção do
governo. Próximo à esta família, uma mulher branca apresenta os seus
filhos gêmeos, solicitando assistência do Estado, enquanto o pai estava
ausente em defesa do território imperial.
No mesmo plano, mas do lado oposto, um oficial da Marinha segura
o estandarte da independência e faz juramento à Coroa com a sua
espada, de cima de um canhão. Atrás do oficial, um paulista, apoiado em
seus filhos,“protesta fidelidade”. Ao lado, outros paulistas e mineiros
também manifestam, com um sabre empunhado, lealdade ao
imperador. Após este grupo, há caboclos ajoelhados diante do trono.

As Obras 33
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

O governo imperial é representado por uma mulher sentada e


coroada, vestida com túnica branca e manto imperial brasileiro. No braço
esquerdo há um escudo com o brasão do imperador e no direito uma
espada na mão e as tábuas da constituição brasileira. Em primeiro plano,
à esquerda, um barco atracado e carregado com fardos de café e feixes
de cana-de-açúcar, representando as principais culturas do Brasil na
época.
Ao retornar à França em 1831, após a abdicação de D. Pedro I, Debret
se dedicou à edição do seu livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. A
obra foi publicada entre os anos de 1834 e 1839, e contém 220 gravuras
em 151 pranchas divididas em três volumes. No primeiro, são retratados
os indígenas e a natureza, com desenhos botânicos. No segundo, os
negros escravizados e as atividades econômicas dos artesãos, pequenos
comerciantes urbanos e agricultores. O último volume é dedicado às
instituições políticas, religiosas, festas e tradições populares. Minucioso
em seu trabalho, Debret acrescentou textos explicativos para cada
prancha litográfica, para que nas palavras dele “pena e pincel suprissem
reciprocamente a sua insuficiência mútua”.
Parte das pranchas publicadas, a partir das litografias em preto e
branco do Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, possuem versões
aquareladas que pertencem à coleção dos Museus Castro Maya, no Rio
de Janeiro. No entanto, algumas dessas obras possuem atribuição a
Debret questionada ou rejeitada. É o caso da versão colorida usada para
ilustrar este texto. O historiador da arte Julio Bandeira e o colecionador e
crítico de arte, Pedro Correia do Lago em Debret e o Brasil, obra
completa questionam a autenticidade de 54 obras atribuídas ao artista
francês.
Os autores contam que a coleção foi vendida, em 1938, a Raymundo
Ottoni de Castro Maya pelo marchand franco-brasileiro e diretor da Casa
Brasileira de Paris, Roberto Heymann. Ele teria comprado de uma
descendente de Debret um conjunto de 500 desenhos e aquarelas. No
entanto, Heymann aproveitou a oportunidade de venda para
encomendar aquarelas falsas copiadas de Viagem Pitoresca e Histórica
ao Brasil, para vende-las como originais. A aquarela Pano de Boca
executado para a representação extraordinária dada no teatro da corte
por ocasião da coroação de Dom Pedro I, imperador do Brasil é
considerada, pelo comitê de verificação formado pelos autores de Debret
e o Brasil, obra completa, como uma das obras falsas.
Ao final, sem o conhecimento sobre a obra original, não temos
clareza sobre as cores que seriam usadas pelo artista. No entanto, o seu
traço, os elementos figurativos e o olhar apurado de Debret são
marcantes na versão litográfica e na aquarelada apócrifa. Sendo original
ou cópia, elas testificam a importância histórica e artística da obra que
contém nela o ideal de um Brasil diverso, mas que se desejava coeso.
As Obras 34
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Bibliografia:

BANDEIRA, Júlio; LAGO, Pedro Corrêa do. Debret e o Brasil. Obra


completa. Rio de Janeiro: Capivara, 2007.
Brasiliana Iconográfica:
https://www.brasilianaiconografica.art.br/artigos/23420/a-
independencia-do-brasil-pelos-olhos-de-debret
DEBRET, Jean-Baptiste. Voyage pittoresque et historique au Brésil.
Tome troisième. Paris [França]: Firmin Didot Frères, 1839. 1 álbum (xvi,
252p. [78]f. de estampa), il.; pb (litograv.), mapa, 52,6. Disponível em:

http://acervo.bndigital.bn.br/sophia/index.asp?codigo_sophia=28104.
Acesso em: 26 fev. 2023. Prancha 49, p.227, 228 e 229

DIAS, Elaine Cristina. Debret, a pintura de História e as ilustrações de

corte da “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”. Dissertação de


Mestrado em História. Universidade Estadual de Campinas, 2001.

As Obras 35
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

SOLDADOS ÍNDIOS
DA PROVÍNCIA DE
CURITIBA ESCOLTANDO
PRISIONEIROS NATIVOS

Jean Baptiste Debret (1768-1848)

Data da pintura: 1834

Dimensões da Obra: 21 x 32,5 cm

Tipo: gravura

Técnica: litografia sobre papel

Acervo onde se encontra a obra: Pinacoteca do Estado de São

Paulo/SP

As Obras 36
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Debret, os bandeirantes
e a falácia histórica
Rafael Fernandes Mendes Junior

O francês Jean Baptiste Debret chegou ao Brasil em 1816 integrando a


Missão Artística Francesa, a qual fundou uma academia de Artes e
Ofícios, que mais tarde se tornou a Academia Imperial de Belas Artes.
Testemunhou o ocaso do Reino Unido a Portugal e Algarves, bem como
o despertar da única nação imperial nas Américas, e partiu de volta ao
Velho Continente em 1831. De volta à França, desenhou, em 1834, a
gravura Índios soldados da província de Curitiba escoltando prisioneiros
nativos. Uma litografia em papel, medindo 21 x 32,5 cm, atualmente,
pertencente à Pinacoteca do Estado de São Paulo, Coleção Brasiliana.
O que nos mostra a cena? O que ela nos sugere para além do olhar do
artista?
Inicialmente, é possível observar alguns detalhes: duas mulheres
indígenas, nuas, são conduzidas por três soldados indígenas. Uma corda
pende das costas da primeira mulher, cujo filho lhe agarra o ventre, até
as mãos da segunda, que leva um filho nos ombros e outros dois
caminham abraçados a ela. Em contraste com essas mulheres, os seus
condutores estão vestidos em trajes coloniais: calças compridas, camisas
de manga longa, coletes e chapéus. Descalços, carregam, cada um, uma
espingarda.
Inúmeras podem ser as leituras dessa imagem. Dentre elas, a de uma
cena recorrente durante o século XVII, nas províncias do Guairá (atual
estado do Paraná), de Itatim (sul do Mato Grosso do Sul e nordeste do
Paraguai), do Tapé (região central do Estado do Rio Grande do Sul) e do
Uruguai (região oeste do Rio Grande do Sul, próxima às margens do rio
Uruguai): o apresamento de contingentes indígenas e a sua condução à
vila de São Paulo, na capitania de São Vicente, onde eram vendidos
como escravos. A escravidão indígena precedeu e coexistiu com a
escravidão negra, vigorando no Brasil desde o início da colonização até
1758, quando foi oficialmente abolida pelo Marquês de Pombal.
A cena é geograficamente localizada na província de Curitiba, nome
pelo qual Debret conheceu, no século XIX, a antiga província do Guairá,
que até meados do século XVIII pertencia à Província Jesuítica do
Paraguai.

As Obras 37
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Nela, missionários jesuítas fundaram oito estabelecimentos destinados à


atração e conversão indígena à fé católica, entre 1609 e 1627: as reduções
(Mörner 1968).
A relação proposta entre a obra de Debret e as bandeiras do século
XVII não é evidente. Em face dessa falta de evidência, o recurso à
antropologia, à historiografia e às fontes históricas faz-se necessário, bem
como referências à atuação jesuítica. Na obra apresentada, o bandeirante
não está diretamente referido, mas se especularmos acerca da
representação do soldado índio, poderemos desnudar o bandeirante
implicitamente representado.
Vemos que os soldados índios estão uniformemente vestidos e
armados quando armas de fogo e vestimentas eram bens escassos e
obtidos a partir de alianças com o português colonizador. O soldado
índio parece emergir a partir das alianças estabelecidas entre
portugueses e um conjunto de povos pertencentes à mesma família
linguística (Tupi-Guarani). Este conjunto de povos ficou conhecido, na
literatura, como Tupi da costa (Fausto 2001). O bandeirante (também
conhecido como paulista) parece subjazer à figura do soldado índio.
Essas alianças viabilizaram a consecução das bandeiras, expedições
oriundas da vila de São Paulo, com o objetivo de apresamento do maior
contingente indígena possível. Estima-se que, durante o período de 1629
a 1650, cerca de 80 mil indígenas chegaram das províncias citadas à vila
de São Paulo (Monteiro 1995). As bandeiras tiveram entre seus membros
mais conhecidos Antônio Raposo Tavares, André Fernandes, Fernão Dias
Paes Leme, Simón Albarez, Manuel Morato e Antônio Bicudo de
Mendoza.
Debret, nesta gravura, produz uma alegoria surpreendente que nos
permite sugerir, em face dos detalhes destacados, uma relação intrínseca
entre a gravura e as bandeiras do século XVII; os soldados índios e os
bandeirantes. Ainda que este não figure explicitamente, suas evidências
parecem presentes. Mas, para ampliar a compreensão da relação entre a
gravura de Debret e os bandeirantes, bem como destes com a formação
do Brasil, principalmente, após a Independência, é necessário fazer uma
digressão.
A fundação de Assunção, em 1537, foi possível a partir do
estabelecimento de relações de casamento entre os colonizadores
espanhóis e as mulheres dos grupos guarani, que ocupavam aquele sítio.
Do parentesco entre espanhóis e guarani, conhecido como cunhadismo,
emergiu uma população mestiça (criolla) que, rapidamente, expandiu-se
pela província, fundou cidades e iniciou um sistema de trabalho
denominado encomienda. Nele,

As Obras 38
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Nela, missionários jesuítas fundaram oito estabelecimentos destinados à


atração e conversão indígena à fé católica, entre 1609 e 1627: as reduções
(Mörner 1968).
A relação proposta entre a obra de Debret e as bandeiras do século
XVII não é evidente. Em face dessa falta de evidência, o recurso à
antropologia, à historiografia e às fontes históricas faz-se necessário, bem
como referências à atuação jesuítica. Na obra apresentada, o bandeirante
não está diretamente referido, mas se especularmos acerca da
representação do soldado índio, poderemos desnudar o bandeirante
implicitamente representado.
Vemos que os soldados índios estão uniformemente vestidos e
armados quando armas de fogo e vestimentas eram bens escassos e
obtidos a partir de alianças com o português colonizador. O soldado
índio parece emergir a partir das alianças estabelecidas entre
portugueses e um conjunto de povos pertencentes à mesma família
linguística (Tupi-Guarani). Este conjunto de povos ficou conhecido, na
literatura, como Tupi da costa (Fausto 2001). O bandeirante (também
conhecido como paulista) parece subjazer à figura do soldado índio.
Essas alianças viabilizaram a consecução das bandeiras, expedições
oriundas da vila de São Paulo, com o objetivo de apresamento do maior
contingente indígena possível. Estima-se que, durante o período de 1629
a 1650, cerca de 80 mil indígenas chegaram das províncias citadas à vila
de São Paulo (Monteiro 1995). As bandeiras tiveram entre seus membros
mais conhecidos Antônio Raposo Tavares, André Fernandes, Fernão Dias
Paes Leme, Simón Albarez, Manuel Morato e Antônio Bicudo de
Mendoza.
Debret, nesta gravura, produz uma alegoria surpreendente que nos
permite sugerir, em face dos detalhes destacados, uma relação intrínseca
entre a gravura e as bandeiras do século XVII; os soldados índios e os
bandeirantes. Ainda que este não figure explicitamente, suas evidências
parecem presentes. Mas, para ampliar a compreensão da relação entre a
gravura de Debret e os bandeirantes, bem como destes com a formação
do Brasil, principalmente, após a Independência, é necessário fazer uma
digressão.
A fundação de Assunção, em 1537, foi possível a partir do
estabelecimento de relações de casamento entre os colonizadores
espanhóis e as mulheres dos grupos guarani, que ocupavam aquele sítio.
Do parentesco entre espanhóis e guarani, conhecido como cunhadismo,
emergiu uma população mestiça (criolla) que, rapidamente, expandiu-se
pela província, fundou cidades e iniciou um sistema de trabalho
denominado encomienda. Nele,

As Obras 39
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

um grupo de famílias de índios ficava, com seus próprios caciques,


submetido à autoridade de um espanhol encomendero. Este obrigava-
se juridicamente a proteger os índios que lhe ficavam por esta forma
encomendados e a cuidar da sua instrução religiosa [...]. Adquiria o
direito de beneficiar-se dos serviços pessoais dos índios para as
necessidades várias do trabalho e de exigir-lhes o pagamento de
diversas prestações econômicas (Capdequi 1946: 37, citado em Jaime
Cortesão. 1951, p. 490).

Na província do Guairá foram fundadas, no século XVI, a Cidade Real


de Guairá e a Vila Rica do Espírito Santo, dois dos principais centros de
fixação das encomiendas (Mörner 1968). Os Guarani, por sua vez, viviam
em agrupamentos maiores ou menores nas proximidades dos diversos
afluentes da bacia do rio Paraná, onde eram alcançados pelo colonizador
e submetidos a esse sistema de trabalho (Monteiro 1995, Mendes Júnior
2022). Àqueles que desejavam escapar à dura vida imposta pelos
encomenderos restava fugir para outros sítios mais distantes.
A partir do estabelecimento de uma missão jesuítica no Guairá e da
construção das reduções, a Companhia de Jesus obteve junto à Coroa o
direito de isentar os indígenas livremente convertidos à fé católica dos
trabalhos nas encomiendas por um período de 20 anos. Este é um fator
que ajuda compreender o florescimento das reduções nos primeiros 30
anos do século XVII (Mendes Júnior 2022).
Paralelamente, os bandeirantes começaram a circular pela região do
Guairá com o objetivo de apresar o maior número de indígenas. Sob o
comando de Antônio Raposo Tavares e um efetivo inicial de 900
portugueses e 2200 índios tupi, as ofensivas às reduções jesuíticas foram
intensificadas. O primeiro ataque ocorreu em 30 de janeiro de 1629,
quando a bandeira de Simón Albarez destruiu a redução de Santo
Antônio, acorrentando cerca de 4 mil índios. No dia 20 de março, do
mesmo ano, outra bandeira liderada por Manuel Morato atacou a
redução de Jesus Maria. Por fim, três dias depois, foi Antônio Bicudo de
Mendoza quem destruiu a redução de São Miguel. Em 1630, em face das
destruições que vinham ocorrendo naquela província e do risco iminente
de uma nova ofensiva bandeirante, duas reduções, com cerca de 12 mil
índios, foram transladadas para regiões mais ao sul do rio Paraná
(Mendes Júnior 2022).
Em 1632, foi a vez da população das cidades Real de Guairá e Vila
Rica abandonarem esses sítios por medo dos ataques dos bandeirantes.
A província do Guairá tornaria-se rota para os ataques bandeirantes nas
províncias do Tapé e do Uruguai, nessa mesma década, e do Itatim, nas
décadas de 1640 e 1650.

As Obras 40
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Neste período, as reduções instaladas nessas quatro províncias se


reagrupariam no interflúvio Paraná-Uruguai, atual província de Misiones,
na Argentina. Também, entre o final do século XVII e início do XVIII foram
instaladas 7 reduções na margem esquerda do rio Uruguai (no Rio
Grande do Sul), conhecidas como Sete Povos de Missões. Essas reduções
permaneceram em atividade até o início dos processos de
independência do Paraguai, Argentina e Brasil (Mendes Júnior e Pissolato
2022, Garcia 2009, Neumann 1996).
Vimos que a ação de bandeirantes na província do Guairá foi
responsável pelo esvaziamento populacional dessa região e o mesmo
pode ser afirmado para as demais províncias. A ação bandeirante,
desencadeada por portugueses e apoiada por aliados tupi, foi
responsável pela condução de inúmeros cativos guarani à vila de São
Paulo. Neste sentido, sugere-se que a gravura aqui analisada, no contexto
do século XIX, foi uma idealização de um passado marcado pelas
sucessivas violências perpetradas contra as populações indígenas,
durante o período colonial. Além de naturalizar a ideia de que a
escravidão indígena tenha sido um processo perpetrado internamente
pelas sociedades nativas, a eleição de atores indígenas como condutores
de índios prisioneiros produz uma meia verdade sobre os
acontecimentos ocorridos nos séculos anteriores.
O núcleo do bandeirantismo emergiu em São Paulo e teve a atual
região sul do Brasil como um de seus alvos. Essa vila também foi o
destino inicial do cativeiro indígena. Sua narrativa exalta o progresso
representado por meio dos pares colonizador-colonizados, aliados-
inimigos. As ações dos bandeirantes impactaram diretamente na
expansão do Império português, e uma corrente conservadora da
historiografia nacional continua a atribuir-lhes um papel importante na
produção de riquezas, bem como o papel de desbravadores dos sertões.
Essa visão, imbuída de princípios civilizatórios eurocentrados, oblitera os
processos genocidas perpetrados por esses mesmos agentes,
promovendo-os à condição de “heróis nacionais”. Em homenagem à sua
memória foram erguidos monumentos, como o Palácio dos Bandeirantes
(sede do governo de São Paulo), o Monumento às Bandeiras, (durante as
comemorações do quarto centenário de São Paulo). Rodovias levam os
seus nomes (Raposo Tavares, dos Bandeirantes e Fernão Dias).
Na gravura, o bandeirante não compõe ostensivamente a cena, mas
o seu halo encontra-se lá, inspirador do embrionário processo civilizatório
do Primeiro Reinado.

As Obras 41
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Bibliografia:

CORTESÃO, Jaime. 1951. Manuscritos da Coleção de Angelis 1: Jesuítas


e bandeirantes no Guairá (1594-1640). Rio de Janeiro: Biblioteca

Nacional.
FAUSTO, Carlos. 2001. Inimigos Fiéis. São Paulo: Edusp.
GARCIA, Elisa Frühauf. 2009. As diversas formas de ser índio: políticas
indígenas e políticas indigenistas no extremo sul da América
portuguesa. Rio de Jeneiro. Arquivo Nacional.
MENDES JÚNIOR, Rafael. 2022. Cartografia dos deslocamentos
guarani: séculos XVI e XVII. Mana 28 (2).

MENDES JÚNIOR, Rafael & PISSOLATO, Elizabeth. 2022. “Os


deslocamentos guarani - revisitando as fontes documentais com

Bartomeu Melià”. Tellus 22 (48).

MONTEIRO, John Manuel. 1995. Negros da terra: índios e bandeirantes


nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras.
MÖRNER, Magnus. 1968 [1953]. Atividades Politicas y economicas de

los jesuitas en el Rio de la Plata. Buenos Aires: Paidos.


NEUMANN, Eduardo. O trabalho guarani missioneiro no Rio da Prata
colonial, 1640-1750. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1996.

As Obras 42
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

TIRADENTES
ESQUARTEJADO

Pedro Américo (1843-1905)

Data da pintura: 1893

Dimensões da Obra: 2,70 x 1,65 m

Tipo: pintura

Técnica: óleo sobre tela

Acervo onde se encontra a obra: Museu Mariano Procópio/MG

As Obras 43
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Tiradentes Esquartejado:
a construção de um mártir
Leonam Monteiro

Pedro Américo de Figueiredo e Melo nasceu na Paraíba, em 1843 e


morreu em Firenze, Itália, em 1905. Ainda criança foi convidado a
participar como desenhista em uma expedição científica, o que o fez
ganhar uma matrícula para estudar no Colégio Pedro II, na capital do
Império, em 1854. Com treze anos de idade, passa a ser aluno da
Academia Imperial das Belas Artes do Rio de Janeiro. Em 1859, embarca
para a Europa com o intuito de estudar e aperfeiçoar suas habilidades
artísticas. Retorna ao Brasil em 1864, e passa a lecionar as disciplinas de
Desenho Figurado e de Pintura Histórica da Academia Imperial das Belas
Artes do Rio de Janeiro. (BARROS, 2006, p.63-65). É autor da obra
consagrada Independência ou Morte, de 1888, que tem a proclamação
da Independência do Brasil, em 1822, como tema central. Em 1893, o
pintor finaliza o quadro intitulado Tiradentes Esquartejado, que foi
concebido em conjunto com outras telas que contariam uma narrativa
sobre a Conjuração Mineira ou Inconfidência Mineira (CHRISTO, 2007, p.
399).
A Inconfidência Mineira foi um movimento contestatório da capitania
de Minas Gerais contra o domínio colonial português, sendo reprimida
em 1789. Entre outros motivos, os colonos protestavam contra a cobrança
de impostos sobre a produção de ouro, sendo que desde meados do
século XVIII já se percebia o declínio da produção, mas a metrópole não
abriu mão de cobrança dos tributos. As exigências atingiram a elite
mineira, que começou a se reunir para conspirar contra Portugal, a favor
da independência. Dentre essas figuras, se encontrava Joaquim José da
Silva Xavier, conhecido como "Tiradentes", que assumiu a
responsabilidade de ser o chefe do grupo, tendo recebido pena de morte
e execução em 21 de abril de 1792 (MAXWELL, 1978).
Tiradentes esquartejado é uma pintura ímpar na tradição brasileira
porque desmonta a figura sempre altiva de um herói nacional. É
importante ressaltar que o quadro é de 1893, após a Proclamação da
República. Era de interesse do novo regime a criação de heróis que
pudessem ser associados aos novos ideais políticos e aos desejos de uma
identidade nacional brasileira. (CHRISTO, 2005, p. 3)

As Obras 44
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

No século XIX, após o período napoleônico, há um desmonte da figura


do herói-altivo, passando ao herói-vítima, vencido. Essa mudança tem
impacto na maneira como ele será retratado: o herói deixa de ser o
elemento principal e se torna, a partir da violência do agressor, uma
testemunha (CHRISTO, 2005, p. 10).
Localizar o quadro de Pedro Américo nesse contexto é perceber que
o mesmo pode ser lido por duas óticas principais: a primeira, diz respeito
à repressão colonial contra a Inconfidência, o que o transformaria não só
em testemunha da violência, como também em uma vítima. Portanto,
pelas mãos de Pedro Américo, Tiradentes é retratado como um mártir,
um indivíduo que desejou a Independência, além de associá-lo com
elementos cristãos. Ao mesmo tempo em que o pintor atesta um
discurso positivo sobre a figura histórica, há a construção de uma
narrativa oposta. O esquartejamento dificulta a associação direta entre os
ideais da Inconfidência, a Independência e o projeto de República, pois
pode ser interpretado como a falência do movimento, sua derrota. As
possibilidades não são excludentes. Nosso texto ressalta que uma obra
artística deve ser vista como um documento histórico, que é elaborado
dentro uma sociedade, criando um diálogo com determinadas
ideologias e visões de mundo do autor e de todo os discursos que
transpassam sua construção.
Pedro Américo favorece a construção da imagem em um jogo de
leitura em dois níveis no cadafalso (tablado, palanque): uma para a
cabeça e o crucifixo e outra para o tronco, onde os elementos estão
dispostos de forma a criarem uma leitura de cima para baixo, dando a
impressão de que podemos montar as partes dispersas, mas próximas o
suficiente para criarem um diálogo. Na cabeça temos o cabelo e a barba
grandes, de forma semelhante às iconografias tradicionais de Jesus
Cristo, o que se reafirma com a disposição do crucifixo ao seu lado. Esse
arranjo permite, em primeiro lugar, a leitura de um herói martirizado e,
em segundo, associado aos valores morais cristãos pela utilização de um
objeto dos rituais católicos, o que evoca a leitura do suplício de Cristo. O
instrumento usado na morte encontra-se ao lado da cabeça e do
crucifixo. O cadafalso elevado, colocado acima dos telhados das casas,
sugere um ato de redenção, com o herói mais próximo ao céu. Essa
relação pode ser verificada na parte inferior do quadro, quando
visualizamos uma casa ao fundo. Pedro Américo repetirá essa mesma
aparência em Cristo Morto, de 1901.
No segundo nível do cadafalso, podemos visualizar a parte do tronco
com um maior destaque para o braço direito. A disposição do braço
pendente faz alusão a outras duas imagens cristãs também consagradas:
a Pietà (1498-1499), de Michelangelo, uma escultura de mármore que
retrata Jesus morto nos braços de sua mãe; A Deposição de Cristo (1603-
1604), de Caravaggio, que retrata uma cena do sepultamento de Cristo.
As Obras 45
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

A túnica branca põe o corpo em destaque em relação ao fundo, assim


como a túnica azul cria uma ligação entre as partes do corpo. A maneira
que o corpo é fragmentado ganha contornos importantes se pensarmos
na relação da ciência na manipulação do corpo. Há uma tentativa de
coerência quanto à estrutura corporal humana, facilitando a
recomposição no olhar do espectador (CHRISTO, 2005, p. 284).
Em 1893, quando da exposição do quadro, no Rio de Janeiro, a
expectativa dentro do contexto da República era de que “(...) Tiradentes
não deveria ser visto como herói republicano radical, mas sim como herói
cívico-religioso, como mártir, integrador, portador da imagem do povo
inteiro.” (CARVALHO, 1990, p. 69).
Se, por um lado, a pintura de Américo estava em diálogo com as
mudanças internacionais que a pintura histórica sofreu no século XIX, por
outro, sofreu críticas pela estética apresentada. Essa representação estava
em desacordo com o desejo que a nova república ansiava por construir, a
saber: a construção de uma identidade nacional pautada nos novos
ideais políticos. Esse discurso encontrou em Tiradentes uma figura
promissora, um mártir. Entretanto, a imagem de um herói para a
República esbarra em sua própria fragilidade enquanto figura morta, que
subvertia o “belo ideal” (CHRISTO, 2007, p.404-405).
Apesar de Tiradentes esquartejado permitir a leitura de um mártir
de cunho religioso, “(...) a verticalidade da composição aponta para a
liberdade da vida eterna, a visão do esquartejamento aprisiona a
imaginação na morte” (CHRISTO, 2005, p.292). Nesse sentido, Tiradentes
esquartejado também fala da esfera terrena: “da morte cívica.” Pedro
Américo não só sugere a dor, a materialização, seja na morte ou na
fragmentação do corpo, mas no corpo de um herói e não de um
anônimo. O sangue pontual, localizado nos pontos que realçam partes
do corpo, cria um foco, também servindo para dar “dignidade ao herói”, e
não para “inundar nossos olhos com sangue” (CHRISTO, 2005, p. 315).
A obra de Pedro Américo possibilita verificar a importância conferida
à Inconfidência Mineira (1789) como um dos movimentos contestatórios
que levaram à Independência do Brasil, em 1822. Esse momento
histórico se desdobraria em outras contestações, como por exemplo, a
Conjuração Baiana (1798) e a Revolução Pernambucana (1817). Uma visão
histórica e crítica nos permitiram olhar para 1822 não como um único
momento isolado e homogêneo, mas como forças que convergiram ao
longo dos anos e pelas mãos de muitos homens e mulheres de carne e
osso, não só brancos, mas também pretos e indígenas.

As Obras 46
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Bibliografia:

BARROS, Francisca Argentina Gois. A arte como princípio educativo:


uma nova leitura biográfica de Pedro Américo de Figueiredo e Melo.

2006. 186f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do


Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-graduação em
Educação Brasileira, Fortaleza, 2006.
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da
República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Tiradentes esquartejado: a
fragilidade do herói no ocaso da pintura de história. In: XXVI Colóquio

do Comitê Brasileiro de História da Arte, São Paulo, 2007, São Paulo,


p. 399-405.

CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Pintura, história e heróis no século

XIX: Pedro Américo e "Tiradentes Esquartejado". 2005. 365p. Tese


(Doutorado em História) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas, Campinas, SP, 2005.

MAXWELL, Kenneth R. A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira:


Brasil-Portugal: 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

As Obras 47
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

IGREJA DO HOSPÍCIO DE NOSSA


SENHORA DA PIEDADE
DA BAHIA

Johann Moritz Rugendas (1802-1858)

Data da pintura: 1835

Dimensões da Obra: 25,5 x 21 cm

Tipo: gravura

Técnica: litografia sobre papel

Acervo onde se encontra a obra: Fundação Biblioteca

Nacional/RJ

As Obras 48
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

A Revolta dos Búzios

Jurema Agostinho

Esta tela nos possibilita reconhecer através das roupas e tons de


pele, que a maioria das pessoas são pretas e pardas. Os pretos livres,
escravizados, pardos e brancos pobres em seus afazeres praticam
atividades simples como ofícios para garantir o sustento. A Conjuração
Baiana surge como possibilidade de abolir a escravidão e, assim, como
cidadãos livres e com direitos iguais, o cotidiano seria mais fácil. A adesão
desta camada da população é grande. Esta praça, busca demonstrar os
participantes da Conjuração Baiana, no espaço onde viriam a ocorrer a
sua principal punição, as condenações à morte, das lideranças pretas e
pardas. A classe dominante passeia em sua cadeira, carregada por
escravizados, exemplificando ainda o que ocorre nos dias de hoje,
quando a punição não retira o privilégio que os brancos e ricos têm
assegurado no Brasil.
O autor desta obra de arte, Johann Moritz Rugendas (1802-1858) foi
um pintor alemão que, em 1822, aos 19 anos de idade, participou da
expedição do Barão Georg Heinrich von Langsdorff ao Brasil, que teve
início no mesmo ano. A publicação desta viagem ocorreu em Paris, em
1835, “Viagem Pitoresca Através do Brasil”, e retrata, em belíssimas
gravuras, cenas do país que se torna independente em 1822.
Rugendas realizou algumas viagens por conta própria à cidade do
Rio de Janeiro e foi testemunha ocular da coroação de D. Pedro I como
Imperador do Brasil. Na capital, fez amizade com os membros da Missão
Francesa, especialmente com Jean-Baptiste Debret (1768-1848). Esses
contatos com artistas europeus, como ele, contribuíram para que
Rugendas criasse perspectivas no seu olhar sobre o território e
populações brasileiras, à medida que esteve em várias partes do Brasil,
tendo sido influenciado pelas cores e luzes distintas.
A Conjuração Baiana é conhecida também como a Revolta dos
Alfaiates. Mais recentemente, a partir de novas publicações em
dissertações de mestrado e teses de doutorado produzidas por
pesquisadores nordestinos, passou a ser chamada ainda de a Revolta
dos Búzios,

As Obras 49
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

a contar pelo número de participantes usando um búzio, seja em uma


pulseira ou na lapela. Hoje essa parece ser a denominação mais
adequada para se referir a esta conjuração, ocorrida em Salvador, em
1798. A população local foi surpreendida com manuscritos fixados em
suas casas e muros, “Animai-vos, Povo Baiense, que está por chegar o
tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que todos seremos iguais”.
“Aviso ao Clero e ao povo Baiense” apresentava as propostas desta
revolução, que vinha com as influências da Revolução Francesa, do
Iluminismo, da Revolução do Haiti e, principalmente, da Conjuração
Mineira, ocorrida seis anos antes. Esta última tinha uma forte presença da
elite brasileira, que não aceitava mais o aumento dos impostos pela
Coroa portuguesa. Por isso, a luta por se tornar independente de
Portugal, e não ter mais que pagar altos impostos à Coroa e, assim, obter
mais lucro.
A Revolta dos Alfaiates trazia no programa da revolução a igualdade
de todos perante a lei, a independência da capitania, a proclamação da
“República Baiense”, a abolição da escravidão, a liberdade de comércio, o
aumento do soldo da tropa e os protestos contra os altos tributos. Este
programa mais popular, atendia as camadas mais pobres da capitania.
Os líderes mais ativos eram negros e pardos. Negros alforriados e
escravizados, sapateiros, entre outros trabalhadores, estavam no processo
revolucionário. A adesão das classes populares à Conjuração aconteceu
pelo alto custo dos alimentos. O número de escravizados aumentou para
reaquecer o trabalho nas lavouras. O descumprimento da lei que
obrigava os latifundiários a reservar áreas para o cultivo da mandioca e
outros produtos - que eram a base da alimentação dos desfavorecidos -
para evitar o desabastecimento, possibilitou o aumento abusivo dos
preços. A coroa portuguesa sabia deste descumprimento e outros
desvios que a elite fazia. Porém, nenhuma ação era realizada para
socorrer os mais necessitados. O acesso aos alimentos era problema para
todos. Saques aconteciam com frequência e a carne ficou cara para toda
a população.
A Conjuração foi severamente reprimida. Todo o material panfletário
arrancado e muitas prisões e torturas aconteceram aos líderes do
movimento. O tratamento diferenciado dado aos presos era diretamente
relacionado à sua classe social na capitania. Apesar de comprovados os
desvios de dinheiro e outros atos ilícitos pela elite, estes eram
desconsiderados pela justiça. Porém, quando o preso era das classes
populares, o interrogatório era interrompido quando era denunciado
alguém da classe dominante e a punição era dada, aos pretos, pardos e
pobres, com pouquíssimas provas dos crimes cometidos. Este fato nos
remete diretamente, aos dias atuais e ao imenso número de presos que
foram reconhecidos por fotos de documentos antigos, e mais nada, que
comprovasse o crime pelo qual passava a responder.
As Obras 50
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

A pena sobre o homem negro que rouba um alimento é imediata. Ele é


preso, conduzido pelo policial algemado e seguro pelo pescoço. O
procedimento prisional, quando acontece com pessoas brancas, a
violência não acontece. Portanto, podemos dizer que o Brasil enquanto
nação, é estruturado em uma sociedade racista, que não permite aos
pretos o direito à cidadania plena. A luta pelo fim da escravidão,
liberdade religiosa e, assim, por direitos iguais e um maior soldo aos
soldados, eram as propostas desta conjuração, que atendiam à toda
população.
Revolta dos Búzios, foi o outro nome dado a esta Conjuração, porque
muitas pessoas pretas e pardas usavam pulseira com búzio de Angola e
alguns tinham os búzios em destaque em outra parte visível das suas
roupas. Este acessório permitia o reconhecimento entre eles, os
angolanos, de outros grupos atuantes no processo revolucionário. As
ideias libertárias francesas e suas estratégias de identificação, como o uso
de palavras as substituindo, táticas incorporadas, que auxiliaram durante
a Revolução Francesa, e que os favoreciam no deslocamento e
aproximação, em Salvador, durante o movimento da Conjuração, que
também foram utilizadas estrategicamente pela elite que defendia estes
ideais. Estes métodos permitiram um alcance na divulgação e
organização da Revolta dos Búzios.
Os conjurados reconheciam-se por certos elementos como uma
argolinha numa das orelhas, barba crescida até o meio do queixo, um
búzio de Angola na cadeia do relógio. Este processo identitário e de
pertencimento a grupos específicos existem em todas as comunidades.
As culturas locais definem o ritmo, as palavras e suas falas, as roupas e os
estilos, a vida comunitária.
Entre os principais líderes do movimento destacaram-se os soldados
Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas, e os alfaiates Manuel Faustino
dos Santos Lira e João de Deus Nascimento. Os quatro conjurados eram
negros e pardos, e foram condenados à forca. Também esteve envolvido
na conjuração o jornalista e cirurgião Cipriano Barata, um homem
branco, que recebeu pena branda.
Outros movimentos surgiram pela Independência do Brasil, com a
presença de lideranças negras, entre elas Maria Felipa, marisqueira e
pescadora, que liderou um grupo de homens e mulheres e, venceu os
soldados portugueses, na Iha de Itaparica, Bahia. O seu nome está no
“Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”, pela Lei Federal n 13.697.
“Existe uma história do negro sem o Brasil. Mas, não existe uma
história do Brasil sem o negro.”
Januário Garcia
(Fotógrafo e militante do Movimento Negro)

As Obras 51
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Bibliografia:

VALIM, Patrícia. Da Sediação dos Mulatos à Conjuração Baiana de


1798: a construção de uma memória histórica. Universidade de São

Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,


Departamento de História. 2007, São Paulo.
VALIM, Patrícia. Corporação dos Enteados: tensão, contestação e
negociação política na Conjuração Baiana de 1798. Salvador: EDUFBA,
2018, 327p.
TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia (10a. ed.). São Paulo:
Editora UNESP; Salvador (BA): EDUFBA, 2001. 544p. il. mapas.

MULTIRIO. Conjuração Baiana: a repressão da Coroa. Multirio, 2023.


Disponível em: https://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/historia-do-

brasil/brasil-monarquico/8843-conjura%C3%A7%C3%A3o-baiana-a-

repress%C3%A3o-da-coroa-portuguesa. Acesso em 27 de fevereiro de


2023.
MATTOS, Florisvaldo. Revolta de Búzios 220 Anos. Publicado em

dezembro de 2018 na Revista do Instituto Geográfico e Histórico da


Bahia.

As Obras 52
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

BENÇÃO ÀS BANDEIRAS DA
REVOLUÇÃO DE 1817

Antonio Parreiras (1860-1937)

Data da pintura: desconhecida

Dimensões da Obra: desconhecida

Tipo: pintura

Técnica: óleo sobre tela

Acervo onde se encontra a obra: Arquivo Público do Recife

As Obras 53
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Bênção à Revolução
de 1817
Socorro Ferraz
Marina Ferraz

Os conflitos políticos manifestos na região Norte (hoje nordeste, pois a


compreensão geopolítica da época chamava de Norte todas as
províncias acima da Bahia ), precedentes e subsequentes à
Independência do Brasil, são tratados pela historiografia brasileira, em
geral, como acontecimentos regionais, apesar de que seus objetivos, suas
tramas e resoluções não se limitaram a problemas locais. Alguns
historiadores têm aplicado o conceito de geografia à disciplina história.
Partindo desse conceito geográfico, de uma certa homogeneidade de
paisagem, mutilaram a noção de processo histórico. Assim foram
tratadas pela historiografia nacional brasileira a Revolução Republicana,
de 1817, a Convenção de Beberibe, de 1821 e a Confederação do Equador,
de 1824. Em detrimento dessas, elevou-se a Conjuração Mineira, de 1789,
ao símbolo maior da resistência ao colonizador, quando, na realidade, o
movimento liderado por Joaquim da Silva Xavier – o Tiradentes, não
passou de uma conspiração. A Revolução de 1817 foi não apenas a única
revolta emancipatória que efetivamente alcançou o poder e constituiu
um governo próprio por 74 dias, como foi, ainda, a única revolução com o
objetivo de estabelecer uma República. O historiador Carlos Guilherme
Mota definiu o momento marcado pelos movimentos insurrecionais, que
se alastraram pelo país, principalmente pelo ‘Norte’ nas primeiras
décadas do século XIX e que antecederam o movimento da
Independência, como um segundo descobrimento do Brasil, e destaca,
entre estes movimentos, a Revolução de 1817, como o ápice de um
processo de descobrimento, em que a identidade brasileira vai ser
discutida de forma mais aguda e mais radical.
Para compreender a Revolução de 1817, é necessário relembrar alguns
acontecimentos ocorridos em Pernambuco nessa conjuntura. Em 1804,
chega a Pernambuco o governador Caetano Pinto de Miranda
Montenegro, que ainda permanecia no cargo quando se deu a
Revolução de 1817.

As Obras 54
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Até a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, a imagem que os


pernambucanos tinham do governador era de um homem probo, bom
administrador, de caráter elogiável. Em 10 de março de 1808, Caetano
Pinto de Miranda Montenegro é chamado ao Rio de Janeiro, por seu
soberano. Na sua volta, trouxe para si uma comenda da Ordem de Cristo
e outra regalia de Cavaleiro de Capa e Espada do Conselho da Fazenda.
Porém, para o povo pernambucano, uma bagagem pesada de impostos:
o imposto da décima das casas, o imposto das heranças e legados,
administração do dízimo do açúcar e o projeto de Dom João VI, o
Príncipe Regente, de invadir Caiena, na Guiana Francesa, logo após haver
declarado guerra à França, exigindo de Pernambuco mil homens para
esta expedição militar. O governador compartilhou dessa nova política
tributária e mais: ele voltou do Rio de Janeiro com a incumbência de
enviar à Corte, no Rio, todo o dinheiro da província de Pernambuco, sem
pensar nas obrigações com os credores. A nova política tributária ainda
obrigava Pernambuco a pagar a iluminação do Rio de Janeiro e as
despesas com a polícia daquela cidade. Neste período, Pernambuco
disputava com a Bahia, ora o segundo, ora o terceiro lugar nas
importações e exportações, atrás apenas do Rio de Janeiro e vendia à
Inglaterra mais do que comprava. Apesar da boa arrematação das rendas
de Pernambuco, principalmente de alguns produtos, como o açúcar e o
algodão, houve um decréscimo da arrecadação diante do aumento das
despesas, inclusive as exigidas pela ocupação de Caiena pelas tropas
luso-brasileiras. A situação social era de opressão, por causa dos impostos
exorbitantes. Apesar da reação da elite local, o Governador de
Pernambuco ainda enviou 300 homens para a ocupação de Caiena, em
1809.
A situação do Brasil era de déficit contínuo e a de Portugal, de
completa degradação pela ocupação dos franceses e espanhóis. Em
julho de 1811, Dom João VI mandou levantar um empréstimo no Reino,
dando como garantia de pagamento as rendas das províncias da Bahia,
Pernambuco e Maranhão, com o intuito de restaurar a indústria e a
lavoura de Portugal. No final de 1812, o déficit de Portugal era de 12
milhões de cruzados. Além da compra de alimentos, a despesa com
gastos militares pesava sobre as finanças. Dom João tenta um
empréstimo com a Inglaterra, mas não consegue. Restou-lhe a venda dos
bens livres da Coroa. Há uma desordem nas finanças e na administração.
A Marinha tinha mais oficiais que navios de guerra. No Brasil, não se
pagava mais em dia, nem os funcionários públicos recebiam.
Diante deste cenário, em 6 de março, dá-se o estopim: uma quartelada
envolvendo militares nascidos em Pernambuco e em Portugal. Com os
boatos de que uma conspiração estava sendo tramada por civis e
militares insubordinados e adeptos da doutrina liberal,

As Obras 55
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

o Governador de Pernambuco, após reunir um conselho militar, manda


prender os principais suspeitos militares e civis da conspiração: os
tenentes Manoel de Souza Teixeira e José Mariano Cavalcanti, os capitães
Domingos Teotônio Jorge e José de Barros Lima, os comerciantes
Domingos José Martins e Antônio Gonçalves da Cruz (o Cabugá), o padre
João Ribeiro, o cirurgião Vicente Guimarães Peixoto. Com algumas
prisões já efetuadas e com o tumulto na cidade, a revolução já estava nas
ruas, alguns oficiais portugueses fugiram. O próprio governador refugiou-
se no Forte do Brum. No dia seguinte, Domingos Teotônio Jorge, à frente
de 800 homens armados, intima o governador a se render e consegue.
Ele capitula e embarca para o Rio de Janeiro. É proclamada a República
e organiza-se o governo provisório, que toma as seguintes medidas:
decreta a liberdade de imprensa e credo; institui o princípio dos 3
poderes; aumenta o soldo dos militares. A intenção era abolir a
escravidão, mas com a adesão dos senhores de terras à revolução, que
ameaçaram retirar o apoio caso se abolisse a escravidão, os
revolucionários acabam por recuar. A reação portuguesa é rápida e
intensa. Ao saber da eclosão da Revolução, Dom João determina a
partida de uma frota de navios militares destinada a bloquear a entrada
e saída de navios do porto do Recife. Um exército, com oito batalhões,
artilharia e cavalaria, sai do Rio em 4 de maio, em dez veleiros. O
comando geral é confiado ao general Luiz do Rego Barreto, que
considerava os sonhos de independência dos pernambucanos “contos
loucos”, e os batalhões formados e dirigidos pelos nativos o general,
pejorativamente, denominava de “fantásticas carrancas”.
A situação dos revolucionários tornou-se insustentável. As tentativas
de apoio das províncias vizinhas, Paraíba e Rio Grande do Norte, foram
bem-sucedidas, mas as tentativas internacionais, não. Cercados, em 20
de maio de 1817, os revolucionários são derrotados. Os principais líderes
da Revolução são presos, condenados à morte, ao esquartejamento e à
exposição dos seus restos mortais. Alguns participantes, como Frei
Caneca e Gervásio Pires, são presos e enviados à Bahia para julgamento.
Sobreviveram e foram lideranças importantes em duas tentativas
separatistas posteriores: a Convenção de Beberibe (1821) e a
Confederação do Equador (1824).
É importante lembrar que as lojas maçônicas surgiram no Brasil no
século XVIII e tiveram um papel importante em muitas revoltas ocorridas
neste período. Eram sociedades secretas, que defendiam o iluminismo e
combatiam o absolutismo. Como na Colônia não havia escolas superiores
civis nem militares, muitos filhos da elite brasileira ou mesmo da alta
burocracia do Estado iam completar seus estudos na Europa,
preferencialmente em Coimbra. De lá, voltavam cheios de ideias
iluministas, principalmente depois da Revolução Francesa.

As Obras 56
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

A guerra pela independência americana também influenciou esta elite


pernambucana com os ideais dos novos tempos de liberdade e pátria.
Estas ideias foram difundidas pelos comerciantes e pelos párocos,
principalmente os formados no Seminário de Olinda, que defendiam o
cidadão, a liberdade e a ciência. Ao todo, participaram da Revolução 60
padres e 10 frades e, por isso, ela também ficou conhecida como a
Revolução dos Padres.
A obra Bênção às Bandeiras da Revolução de 1817, de Antônio
Parreiras, sem data, é uma homenagem à cerimônia denominada Oração
das Bandeiras, que contou com o discurso do Vigário Geral da Diocese de
Olinda, Bernardo Ferreira Portugal. A bandeira da Revolução de 1817,
mesma bandeira do Estado de Pernambuco hoje, pode ser assim
descrita em sua simbologia: o arco-íris representava a amizade e a união
dos patriotas. As três estrelas representavam as capitanias de
Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, que aderiram à revolução.
O sol significava que os habitantes de Pernambuco eram filhos do sol e
viviam sob sua influência. A cruz era uma alusão ao nome dado ao Brasil,
quando da chegada dos primeiros portugueses no século XVI, Terra de
Santa Cruz.
O general Luiz do Rego, nomeado governador de Pernambuco após
a Revolução, acreditou que havia derrotado os contos loucos e as
fantásticas carrancas. Entretanto, os contos loucos voltaram de onde
vieram, atravessaram o Atlântico e foram povoar a cabeça de
constitucionalistas portugueses, até à eclosão da Revolução Vintista em
Portugal, obrigando o rei Dom João VI a voltar para Portugal, em 1821, e
assinar a Constituição Liberal, votada pelas Cortes Constitucionalistas, em
1822. Neste mesmo ano, o Brasil haveria de se tornar independente de
Portugal. Para o sofrimento de muitos e vergonha de muitas nações, a
abolição da escravidão só viria a ocorrer anos depois, em 13 de maio de
1888.

As Obras 57
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Bibliografia:

Ferraz, Socorro. Liberais & Liberais: Guerras Civis em Pernambuco no


Século XIX. 2ª Edição. Recife: CEPE, 2022.
Lima, Oliveira. O Movimento da Independência, 1821-1822. 6ª Edição.

Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.


Mello, Evaldo Cabral de. A Outra Independência. O Federalismo em

Pernambuco de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004.


Mello, J A Gonsalves. Manoel Arruda Câmara. Obras Reunidas. Recife:

Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1982.


Mota, Carlos Guilherme. Nordeste 1817. Estruturas e Argumentos. São

Paulo: Editora Perspectiva, 1972.

Muniz Tavares, Francisco. História da Revolução de Pernambuco em


1817. Recife: Assembleia Legislativa de Pernambuco. Edição

Comemorativa, 1917.

As Obras 58
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

DERRUBADA DE
UMA FLORESTA

Johann Moritz Rugendas (1802-1858)

Data da pintura: 1835

Dimensões da Obra: 21,6 x 28,5 cm

Tipo: gravura

Técnica: litografia sobre papel

Acervo onde se encontra a obra: Centro de Documentação

Dom Joao VI

As Obras 59
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Rugendas e a relação entre


natureza e cultura
Tatiana Arnaud Coutinho Cipiniuk

Na primeira metade do século XIX, o jovem pintor alemão Johann


Moritz Rugendas saiu da cidade de Munique, na Alemanha, para fazer
parte de uma expedição científica ao Brasil. Não se tratava de apenas
uma viagem aventureira de desbravamento, mas do início de uma
contratação como desenhista pelo médico, naturalista e explorador,
naturalizado russo, o barão George Heinrich von Langsdorff. Essa
expedição, que tinha como finalidade contribuir para o progresso da
ciência, foi financiada pelo Governo Imperial Russo, que obteve
autorização e auxílio do Império Brasileiro. Contou com a participação de
botânico, médico e zoólogo, astrônomo e artistas alemães, russos,
franceses e brasileiros, bem como escravos. O período instaurado pela
expedição coincidiu com o conturbado ano de 1822.
Em meio a inúmeras tensões entre Portugal e as elites brasileiras, D.
Pedro I, apoiado por elas, em janeiro, decidiu ficar no Brasil. Em
setembro, proclamou a sua independência. E no mês de dezembro foi
coroado imperador. Ainda nesse mesmo ano, em fevereiro, a expedição
de Von Langsdorff se iniciou. Rugendas embarcou na primeira expedição
com o objetivo de deslocamento para explorar a região de Minas Gerais,
em 1824. Neste intervalo, de dois anos, entre 1822 e 1824, permaneceu na
Fazenda de Langsdorff, no Rio de Janeiro, quando produziu a maior
parte de seus desenhos.
Na produção dos registros documentais, intitulados “Diários de
Langsdorff”, atualmente acessível ao público em geral, encontram-se
descritos, além de um conjunto de umas das mais importantes fontes
históricas da época, discordâncias e desacordos de Rugendas e
Langsdorff, que ao final implicaram no afastamento do jovem desenhista
à expedição no ano de 1824. Em 1825, Rugendas volta à Europa, deixando
para trás a expedição que percorreu uma distância totalizada em 17 mil
km de território brasileiro, considerado então como “inexplorado”.

As Obras 60
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Enquanto ocorria a ocasião de independência na política do Brasil,


“Derrubada de uma floresta” representou, do ponto de vista eurocêntrico
da época, uma forma de apresentação do Império, por meio de
paisagem natural com ênfase na flora e nas reproduções dos chamados
“tipos” físicos, seus costumes e suas relações sociais entre senhores
(representados por possíveis dois feitores), seis escravos e uma figura ao
longe que, em seu contorno, aparenta representar um indígena. Essa
litografia chama atenção na medida em que derrubar uma floresta, para
fins de plantação de lavoura cafeeira no Rio de Janeiro, nos convida a
refletir sobre uma das principais pautas políticas atuais, reconhecida por
entidades centradas nas políticas de controle e mudança social, que
ocupam agendas da governança socioambiental. Isto é, a relação entre
desenvolvimento e meio ambiente. Propósito que se encontra no foco
das discussões vigentes daqueles que impõem os modelos de princípios
de construção social.
Na litografia, Rugendas representa a floresta sendo colocada ao chão,
em outros termos, derrubada de mata provavelmente nativa à região do
Rio de Janeiro, materializando um espaço físico para construção de
lavoura cafeeira. Neste espaço, é possível perceber a exposição do solo
entre inúmeros troncos e toras de madeira tombados, bem como duas
pequenas edificações sumárias mais afastadas. Marca-se com nitidez
uma sobreposição da cultura (fazendas) em relação à natureza (floresta),
onde o domínio do homem sobre o meio ambiente é a premissa que
corresponde à forma de pensamento dessa relação. Sobreposição em tal
grau de intensidade que é manifesta na formação dos princípios sociais
do brasileiro.
Nesta construção sobre a derrubada de um ambiente natural, quando
relacionada à litografia de Rugendas, estão incorporados conceitos que
se fundamentam no sentido de “progresso”. Tal sentido se desdobra
articulado ao processo de emancipação ou movimento de “expansão”,
“avanço” e também de “conquista” econômica particular frente ao que é
comum, intacto ou inexplorado.
Paralelamente, a história da monocultura cafeeira no Brasil afirma-se
como um dos principais mecanismos responsáveis por estimular o
crescimento econômico do país sobretudo assimilando, por exemplo, a
introdução de ferrovias, a urbanização, a chegada de europeus, como os
italianos, os alemães, os espanhóis etc.(que substituiriam a mão de obra
escrava), e outros aparatos, que incorporam o conceito de progresso. O
cultivo da cultura cafeeira, em seu auge (a partir do início do século XIX),
possuía um simbolismo tão intenso relacionado ao “desenvolvimento” e
“avanço” do Brasil que, ao ser proclamada a Independência, um dos
símbolos escolhidos para estampar a bandeira brasileira foi um ramo de
café.

As Obras 61
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

O postulado da divisão “nós” e “eles”, “selvagens” e “civilizados”,


enraizado no ponto de vista eurocêntrico e etnocêntrico da época,
assimila à construção de uma convenção social, onde os conceitos de
expansão, desenvolvimento e modernidade se relacionam inversamente
à preservação de florestas. Essa ideia parte da transformação e
apropriação desigual da natureza. Se caminharmos um pouco mais
adiante, percebemos que nesse entretempo, decorridos quase 200 anos,
desde a sua criação e dos preceitos que a litografia “Derrubada de uma
floresta” representa, poderíamos dizer que, na atualidade brasileira, a
relação entre natureza (florestas) e cultura (fazendas) pode ainda ser
pensada como antagônica para uma parcela considerável dos brasileiros,
que reconhecem como autêntico esse movimento de organização e
dominação do homem sobre o meio ambiente.
Atualmente, essas abordagens possuem nuances das mais variadas.
Delas emergem apropriações de processos contraditórios de produção
de sentido quanto à relação entre natureza e cultura, nos quais, vez por
outra, há espaço para o sujeito social apreciar a litografia de Rugendas,
ora relacionando-a às acepções e representações aqui exprimidas, em
conformidade às circunstâncias da época em que foi desenhada, ora
estranhando-a, por encontrar-se fora de contexto das políticas de
sustentabilidade socioambiental.
O imaginário social representado pela litografia de Rugendas ainda
não foi abandonado. Políticas de assentamento e colonização das
regiões interioranas brasileiras foram estimuladas. Na era Vargas, por
exemplo, o loteamento de terras indígenas no atual Mato Grosso do Sul
transformou profundamente a paisagem ecológica daquela região,
substituindo áreas de florestas pelos atuais campos de monocultura de
soja. Além do impacto ambiental que isso representa, há outro maior,
que é o impacto social sobre as populações indígenas da região, que
viram, com o passar das décadas, a tentativa de aniquilamento de seu
modo de vida. Contemporaneamente à relação entre os descendentes
daqueles colonizadores e os mesmos povos indígenas, é marcada pela
violência perpetrada pelos “donos da terra” que, dia após dia, canalizam
seu ímpeto predatório em favor de seus interesses.
Durante a segunda metade do século XX, os esforços predatórios
promovidos por esses “agentes do progresso” não se arrefeceram. Um dos
períodos históricos da política brasileira, em que vigorou de forma
exacerbada o antagonismo entre natureza e cultura, se consolidou no
período da ditadura civil-militar e o seu avanço sobre a região
Amazônica, sob o lema de “integrar para não entregar”. A rodovia federal
Transamazônica (BR-230), projetada para percorrer toda a América do
Sul, de leste a oeste, é ainda hoje uma das maiores do mundo.

As Obras 62
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Nunca foi concluída, mas ainda assim atravessa sete estados,


perpassando 63 municípios, além de produzir os mais diferentes
dissensos em alguns ecossistemas. Com seu meio século de existência, é
uma das muitas referências para se pensar o quanto a derrubada de
milhões de árvores é um meio utilizado como justificativa para a
construção de um certo sentido de progresso, ainda que um de seus
maiores corolários tenha sido o acirramento de desigualdades sociais nas
regiões afetadas.
Em contrapartida, cada vez mais, diferentes matizes que configuraram
o ponto de vista entre natureza e desenvolvimento foram se
constituindo. A problemática ambiental vem-se afirmando como uma
preocupação mundial, orquestrada por um trabalho intenso de agentes
sociais especializados, organizações não governamentais e instituições
das mais diversas áreas de produção de conhecimento. Esses agentes,
em suas atividades afirmativas de representação social das chamadas
práticas legítimas, questionam o antagonismo da relação entre natureza
e progresso. Lutas simbólicas são travadas com o intuito de redefinir
pontos de vistas, debatendo a ideia de consciência da evolução social e a
continuidade da espécie humana, num espaço social capaz de produzir
ações tecnológicas predatórias contra o meio ambiente. São muitos os
paradoxos socialmente construídos entre posições políticas e propostas
ambientais dessa temática.
A litografia “Derrubada de uma floresta” com idade de quase 200 anos,
nos permite acessar reflexões ainda abertas, podendo se desdobrar em
novas problematizações, tão emergentes ao campo das artes, como das
políticas sociais, que concebem práticas e concepções referentes ao
meio natural, na medida em que questionam a experiência da
naturalização de certos pares de oposição binários, como natureza e
cultura, progresso e retrocesso, que hão de permanecer em constante
modificação.

As Obras 63
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Bibliografia:

DERRUBADA de uma Floresta. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de


Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2023. Disponível em:

http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra16320/derrubada-de-uma-
floresta. Acesso em: 01 de março de 2023. Verbete da Enciclopédia.
SILVA, DGB., org., KOMISSAROV, BN., et al., eds. Os Diários de
Langsdorff [online].Translation Márcia Lyra Nascimento Egg and
others. Campinas: Associação Internacional de Estudos Langsdorff. Rio
de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1997. 400 p. Vol. 1.
FOLADORI, G., TAKS, J. Um olhar antropológico sobre a questão

ambiental. In: Mana, Rio de janeiro, ano 2004, n.10(2), p.323-348, out
2004.

As Obras 64
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

CASTIGO PÚBLICO

Johann Moritz Rugendas (1802-1858)

Data da pintura: 1835

Dimensões da Obra: 22,5 X 30,5 cm

Tipo: gravura

Técnica: litografia sobre papel

Acervo onde se encontra a obra: Museu Castro Maya -

IPHAN/MinC/RJ

As Obras 65
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Castigo público de
Johann Moritz Rugendas:
uma realidade ainda
presente
Marcelo da Rocha Silveira

Os artistas brasileiros têm, em geral, pouco apreço por retratar a


realidade como ela se apresenta. Em geral, pode-se dizer que grande
parte da arte nacional, que detém algum prestígio, relaciona-se com
uma estilização dos elementos da vida. Aqueles que se atêm a uma
representação mais próxima do que veem, invariavelmente, são
denominados de acadêmicos ou de sem imaginação criativa.
Investigando um pouco da história da arte brasileira, observa-se que na
época colonial eram as pinturas religiosas que imperavam. Estas estavam
preocupadas basicamente em retratar elementos simbólicos cristãos.
Em uma sociedade escravocrata, que tinha a preocupação
fundamental de explorar a terra, onde a imprensa era proibida, e as
universidades não existiam, tornava-se muito difícil haver uma produção
cultural consistente e um interesse artístico em representar uma dura
realidade. Quem iria consumir essa arte?
Poucas exceções ocorreram nesse período. Os holandeses que aqui
permaneceram no início do século XVII, e trouxeram Frans Post e Albert
Eckhout, e Leandro Joaquim, um pintor mulato, infelizmente ainda
muito esquecido, são alguns pouco exemplos de artistas que
representaram a paisagem e os elementos humanos brasileiros de
maneira mais próxima da realidade no período colonial. Ainda hoje, ao
olhar-se para o século XIX, e até mesmo o XX, a situação não será
diferente.
Debret, Nicolas-Aintoine Taunay, Rugendas e Thomas Ender foram
talvez os únicos artistas do século XIX, não sendo considerados
propriamente acadêmicos (embora Debret tenha lecionado por um
curto período na Academia Imperial de Bellas Artes, no Rio de Janeiro),
que detêm até hoje uma fama considerável. E talvez, justamente por
serem europeus, os seus trabalhos ainda possuam alguma relevância.
Outros contemporâneos seus, principalmente artistas negros, que à
época eram inúmeros, foram esquecidos. Provavelmente eclipsados
justamente por esses artistas estrangeiros contemporâneos, ou por
outros que também fizeram fama pelos seus grandes trabalhos
encomendados pelo governo, como Pedro Américo ou Victor Meireles.

As Obras 66
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

É ainda preciso atentar que a arte do século XIX foi, em certo grau,
apagada da história pelo artistas modernistas que não gostavam nem
um pouco desse período. Muitos deles eram escritores e críticos de arte
que acabaram escrevendo a própria história da arte brasileira, onde o
século XIX não tinha lugar.
Sem dúvida a contribuição de Franz Post, de Eckout, de Debret, e
de Rugendas foi muito importante; ajudaram-nos a perceber um pouco
de um mundo onde o jornal e a fotografia não existiam, ao menos no
Brasil de então.
Rugendas chegou em terras brasileiras em 1821, participando da
Expedição Langsdorff, e permaneceu por três anos. Este
empreendimento, chefiado pelo Barão Georg Heinrich von Langsdorff,
tinha o objetivo científico de registrar a natureza e a sociedade brasileira
para a Academia Real de Ciências de São Petersburgo, e, com isso,
propiciar uma melhor relação comercial entre a Rússia e o Brasil. Por
diversos desentendimentos, Rugendas acabou por desvincular-se, alguns
meses depois, da Expedição e seguiu seu próprio caminho.
Advindo de uma família de artistas, Rugendas realizou trabalhos
que não foram apenas o registro de um mundo para ele desconhecido,
mas verdadeiras obras de arte. O trabalho que realizou pintando a fauna
e a flora brasileira foi magnífico. Mas também foi extremamente
importante o registro da realidade social que ele aqui observou.
Uma de suas obras mais significativas, sobre a realidade brasileira
do início do século XIX, é Castigo Público. A cena retrata a realização de
uma tortura pública, algo então comum, que servia como uma forma de
severa ameaça aos escravos que desobedecessem aos seus senhores,
além de reforçar publicamente o poder absoluto que este tinha sobre os
seus subservientes. O quadro não é de grandes proporções, tem apenas
22,5 x 30,5 cm; Rugendas utilizou a técnica da litografia, que permite
diversas reproduções, e, portanto, barateia o custo da tela, em termos
unitários. Contudo, a litografia perde, segundo alguns, um caráter mais
individual, ou seja, não permite a mesma expressividade que a tinta a
óleo. Tudo isso talvez deva-se ao próprio tema da obra, ela não seria
destinada a nenhum lugar de destaque: prédio público, igreja ou uma
casa abastada. Então porque gastar tela e tintas caras para retratar aquilo
que não interessava a ninguém como tema artístico?
Rugendas dispõe as pessoas em semi-círculo, fazendo desse modo
parecer que quem vê a tela é, também, partícipe da cena, tornando a
representação ainda mais cruel. O artista dirige o nosso olhar
diretamente para o supliciado, já que este ocupa o centro do quadro, e o
pau da paciência (como era chamado o poste onde o escravo era
amarrado) é o elemento mais alto da praça.

As Obras 67
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Contudo, toda a tela, ao ser vista com mais atenção, mostra uma
realidade bastante complexa. Negros e brancos, escravos e homens livres
formam uma massa que assiste, sem qualquer expressão de horror, o
flagelo de apenas um homem. Este é castigado também por um outro
negro. Outro escravo já foi submetido ao suplício e está caído ao lado
esquerdo da tela, ou seja, o chicoteamento não é uma ação inusitada. A
cena mistura negros bem vestidos, em trajes fidalgos, com outros de
roupas muito simples. Vê-se aí a diversidade de atividades que os
escravos assumiam: escravos de eito (os que trabalhavam duro na
lavoura), escravos de ganho (os que realizavam algum tipo de trabalho
nas ruas ganhando dinheiro para seus senhores), escravos domésticos e
ex-escravos, que também se tornavam senhores de escravos. Havia até
alguns casos, devidamente registrados, de pessoas livres que queriam se
tornar escravos, dada à penúria em que viviam.
Certamente a escravidão é uma página obscura da história brasileira.
Contudo, ela também foi uma atividade difundida quase que
mundialmente. A obtenção de escravos na América era feita apenas
através da compra em tribos africanas, que vendiam seus escravos para
os europeus, que aportavam no litoral. Quando a Lei Euzébio de Queirós
(1850) proibiu o tráfico de escravos, o seu número escravos na África
subiu drasticamente.
Mas o Brasil do século XIX propunha-se a ser substancialmente
diferente daquele dos séculos anteriores. A Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, proclamada na França em 1789, tinha em seu
artigo primeiro que Os Homens nascem e são livres e iguais em direitos.
O governo brasileiro já pretendia, à época da vinda de Rugendas,
adentrar no concerto de nações civilizadas, possuindo, para tanto, uma
Constituição. Contudo, a escravidão não era uma assunto afeito às
autoridades governamentais ou às elites burguesas. Este tema manchava
o projeto de formação de uma identidade nacional e, ao mesmo tempo,
a burguesia entendia que a escravidão pertencia à propriedade privada
e, portanto, a ela deveria estar restrita.
Hoje, passados quase duzentos anos da obra, ainda assistimos a
programas jornalísticos em que pessoas pobres — negros, paus de arara,
favelados — são presas, espancadas, vítimas de todas as discriminações e
preconceitos. Quase toda a população continua a assistir o espetáculo do
mesmo modo: impassível e conclamando a importância de manter-se a
lei e a ordem, sob qualquer pretexto. A segurança do cidadão de bem
vem sempre em primeiro lugar. Alguns até esquecem que pertencem, ou
que já pertenceram, a essa ralé. Mas no Brasil de muitos oprimidos que
não são vistos, quem é caolho já se sente rei.

As Obras 68
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Bibliografia:

Expedição Langsdorff ao Brasil, 1821-1829. V. 1. Rio de Janeiro: Edições


Alumbramento/Livroarte Editora, 1988.

TEIXEIRA LEITE, J. R. Dicionário Crítico da Pintura no Brasil. Rio de


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ZANINI, W. (org.). História Geral da Arte no Brasil. V. 1. São Paulo:
Instituto Walter Moreira Sales, 1983.

As Obras 69
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

A REDENÇÃO DE CAM

Modesto Brocos (1852-1936

Data da pintura: 1895

Dimensões da Obra: 1,99 x 1,66 m

Tipo: pintura

Técnica: óleo sobre tela

Acervo onde se encontra a obra: Museu Nacional de Belas Artes/RJ

As Obras 70
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

A Redenção de Cam e
o embranquecimento
como política no Brasil
Leonam Monteiro

Modesto Brocos nasceu na Espanha, em 1852, e morreu no Rio de


Janeiro, Brasil, em 1936. Foi membro de uma família que lhe ofereceu
instruções artísticas, além de ter estudado na Real Sociedade de Amigos
do País. Procurando melhores condições de atuação artística, em 1871,
emigra para a Argentina e depois para o Rio de Janeiro. Já com alguma
formação artística, passa a frequentar a Academia Imperial de Belas
Artes, entre 1872 e 1877. Naturaliza-se brasileiro em 1890. “Brocos
comenta que o primeiro dos professores brasileiros [Victor Meirelles] foi
quem propôs aos alunos pintarem uma versão do episódio bíblico que
posteriormente serviria de tema para A Redenção de Cam” (LOTIERZO;
SCHWARCZ, 2013, p. 6). Em 1891, assume a cadeira de professor de
desenho figurado da Escola Nacional de Belas Artes.
A partir de uma leitura da esquerda para a direita, do preto para o
branco e das bordas para o centro, a obra nos leva a acompanhar a
construção da narrativa, de forma que a cada novo elemento o discurso
ganha fôlego. À esquerda, uma senhora negra de lenço cobrindo os
cabelos, roupa um pouco puída, com as mãos erguidas aos céus e um
olhar de contemplação em direção ao alto. Sentada ao centro, encontra-
se uma mulher em tom de pele mais claro, puxado para o dourado. Seu
dedo indicador aponta para a senhora ao lado. Em seu colo, repousa
uma criança branca, que olha em direção à velha. A mão que segura o
bebê carrega uma aliança. O bebê veste roupa branca, para além de ser
o centro de recepção de luz da tela, é ele que a emana em sua brancura.
Fecha-se o primeiro círculo narrativo que constrói o primeiro núcleo
familiar composto pela avó, a mãe e o neto. À direita, temos um homem
branco sentado, com as costas voltadas para a cena, o corpo para frente,
mas com o olhar fixo no bebê. Logo, percebemos que ele é a figura
paterna.
A avó encontra-se com os pés descalços no chão de terra. Em
oposição, a filha está calçada, com um pé aparente no chão de pedra e
outro escondido no chão de terra, pois ela está sentada no meio dessa
divisão. A arrumação espacial da tela não é ao acaso.

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Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

O marido também se encontra calçado, mas seus pés estão posicionados


totalmente no chão de pedra. “Se o pai pode parecer estrangeiro, ou
também afastado da natureza local - note-se que, numa alusão ao
progresso, construída pela metáfora do chão de pedra contra o de terra,
ele pisa a parte pavimentada do solo e dá as costas para as demais
figuras em cena” (LOTIERZO; SCHWARCZ, 2013, p. 5). Modesto Brocos cria
um discurso que se intensifica na própria construção dos
posicionamentos, nas cores, nas gestualidades e nas disposições
espaciais. O pai, portanto, é a figura que faz alusão não só ao progresso
metaforizado pela construção em pedra, mas ele mesmo como homem
branco é o responsável por trazer o progresso da cor para essa família, ele
é a peça fundamental para que o fruto da redenção seja concebido.
A Redenção de Cam, como o próprio nome da obra suscita, faz alusão
ao personagem bíblico. Em Gênesis 9, Noé é apresentado juntamente
com seus três filhos: Cam, Sem e Jafé. Cam é o pai de Canaã. Noé, que é
agricultor, plantou uma vinha e embriagou-se com o vinho, ficando nu
dentro de sua tenda. Cam viu a nudez de seu pai, mas ao invés de cobri-
lo, foi contar aos irmãos sobre o que tinha visto. Sem e Jafé pegaram
uma capa e, sem olhar a nudez, cobriram o pai. Quando Noé acordou e
soube o que tinha acontecido, amaldiçoou Cam e sua descendência a se
tornarem escravos de seus irmãos. (Gênesis 9: 18-29)
Ao sobrepor escravidão e interracialidade a um episódio bíblico,
recontado à luz da passagem intergeracional de negro a branco, a
pintura faz às vezes de exegese, alinhando-se a diversas interpretações
das escrituras que atribuíam ao castigo impetrado pelo patriarca um
enegrecimento da pele de Cam e/ou Canaã e seus descendentes e, desse
modo, construíam um vínculo imediato entre escravidão e pele negra.
(LOTIERZO, 2013, p. 22-23).
Desde o final do século XIX, com seu lançamento em 1895, A Redenção
de Cam suscita questões em torno do discurso que sua narrativa constrói,
a saber: o embranquecimento racial. A temática não é uma novidade do
final do século, mas uma tônica já conhecida da história do Brasil, ainda
mais após a Independência e a vontade de se construir uma nação, uma
identidade. A tela de Modesto Brocos torna-se um emblema dos debates
sobre a mestiçagem e os desejos de “uma nação que se pretendia, no
futuro, branca” (LOTIERZO; SCHWARCZ, 2013, p. 1). A brancura, por
consequência, era almejada com o intuito de ter acesso à humanidade, à
uma vida melhor, condição que uma pele preta retinta não seria capaz
de alcançar.
Guardados os contornos particulares assumidos pela ideologia do
embranquecimento ao final do século XIX, ela é, portanto, produto e
produção de uma larga tradição de pensamento, que frutificou em

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Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

território nacional desde os tempos coloniais, de modo que a tela de


Brocos representa, de fato, uma variante pictórica desse problema de
longa duração. Mais especificamente, é possível entender o quadro como
um marco na história do branqueamento, produto de um país
republicano e ainda muito próximo da emancipação de 1888. Desse
modo, a imagem também articula o debate sobre a questão racial às
preocupações correntes quanto à incorporação dos ex-escravos à ordem
livre do país (LOTIERZO; SCHWARCZ, 2013, p. 8).
A condição almejada, por uma família preta do Brasil do século XIX, é
o embranquecimento progressivo, através do processo de mestiçagem. O
nascimento da criança branca distancia a família de uma imagem
negativa, amaldiçoada no texto bíblico, atribuída aos africanos, ex-
escravizados e seus descendentes (INOCENCIO, 2011, p. 117).
A aparência branca, portanto, é um ideal a ser alcançado, seja dentro
de um pequeno núcleo familiar ou como discurso que metaforiza o
caminho que o Brasil precisa percorrer para alcançar sua redenção:
tornar-se branco. Se a maldição divina associada à pele preta e a servidão
se extingui pelo processo de embranquecimento, logo, observamos pela
gestualidade da senhora na tela e seu sentimento de graça recebida.
(INOCENCIO, 2011, p. 118).
Considerando a senhora preta como uma ex-escravizada ou
descendente, depreende-se que o contato das mulheres pretas e
indígenas com os europeus ocorreu, em grande parte, na base da
violência sexual. Desenvolvendo um exercício mental e, em grande
medida doloroso, podemos constatar que o alcance da graça, resultante
do bebê branco, iniciou-se com a gestação da mãe que já nasceu com a
pele mais clara. Esse exercício é facilmente concluído, se levarmos em
consideração que os escravizados eram vistos como objetos de satisfação
sexual de seus superiores. “Na obra dos oitocentos a figura masculina
seria um objeto modal, ela é necessária para que o clareamento da pele
ocorra. Precisamos dela na busca obstinada por uma aparência que
omita a africanidade” (INOCENCIO, 2011, p. 119).
A obra de Brocos pode ser analisa por diversos ângulos, mas
gostaríamos de registrar o discurso que aponta para o processo de
embranquecimento do Brasil, no século XIX. É importante observar que
essa é uma obra produzida à luz das teorias raciais européias, a
emancipação dos escravizados e a concretização da república, pois a
eliminação dos traços pretos e indígenas foi desejada para a formação da
nação brasileira. Tal imagem distorcida não é estranha ao racismo
estrutural contemporâneo, por exemplo, quando as estruturas de poder
político e econômico são majoritariamente brancas, mas a maioria dos
pobres e encarcerados em penitenciárias são pretos e pardos. O racismo
estrutural sustenta um modo forjado no preconceito racial, ainda muito
presente e enraizado em nosso país.
As Obras 73
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Bibliografia:

INOCENCIO, Nelson. A redenção do olhar: uma abordagem semiótica.


In: Nguzu. Revista do Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos da UEL, nº 1,

mar-jul 2011, pp. 116-123.


LOTIERZO, Tatiana Helena Pinto. Contornos do (in)visível: A redenção
de Cam, racismo e estética na pintura brasileira do último Oitocentos.
2013. 306f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social).
Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas. Departamento de Antropologia, São Paulo, 2013.
LOTIERZO, T; SCHWARCZ, L. M. Raça, gênero e projeto branqueador: A

redenção de Cam, de Modesto Brocos. ARTELOGIE , v. 1, p. 1-25, 2013.

As Obras 74
Retrato do Brasil pelos Pintores Coloniais

Créditos

Angelisa Stein
Produtora, Organizadora e Pesquisadora

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