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HISTORIOGRAFIA

BRASILEIRA

CELSO RAMOS FIGUEIREDO FILHO

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2017
Conselho editorial  roberto paes e luciana varga

Autor do original  celso ramos figueiredo filho

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  luciana varga, paula r. de a. machado e aline karina


rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  allan gadelha

Revisão linguística  flávia flores

Revisão de conteúdo  rafael peçanha de moura

Imagem de capa  alexeymaltsev | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2017.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

F476h Figueiredo Filho, Celso Ramos


Historiografia brasileira. / Celso Ramos Figueiredo Filho.
Rio de Janeiro: SESES, 2017.
112 p: il.

isbn: 978-85-5548-272-4

1.Historiografia brasileira. 2. História do Brasil. 3. Teoria da história


4. Estudos históricos. I. SESES. II. Estácio.
cdd 981

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário
Prefácio 5

1. O Brasil em construção, o nascimento de uma


historiografia: os primeiros historiadores do Brasil 7
O Brasil em construção, o nascimento de uma historiografia: os primeiros
historiadores do Brasil 8
Introdução 8
Os primórdios do Brasil e da Historiografia Brasileira 11
Fernão Cardin e os “Tratados” 13
Hans Staden 14
Pero de Magalhães Gândavo 16
As filosofias da história do século XIX e a tentativa de fundação de um
discurso histórico científico no Brasil 19
José Bonifácio de Andrada e Silva e o projeto de
independência do Brasil 20
José da Silva Lisboa (Visconde Cairu): o precursor
do liberalismo no Brasil 24
A criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)
e o discurso historiográfico brasileiro do século XIX 27
Karl Philipp von Martius (1794-1868) e “Como escrever a
História do Brasil” 28
Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878) 31

2. A historiografia brasileira do final do


século XIX até a década de 1930 35
A historiografia brasileira do final do século XIX até a década de 1930 36
Introdução 36
Historiografia e demais estudos sociais sobre o Brasil nas décadas de
1880-1920 39
Joaquim Nabuco 41
Nina Rodrigues (1862-1907) 43
Uma voz dissonante: Euclides da Cunha (1866-1909) 45
Manuel Bonfim (1868-1932) e o atraso latino-americano 49
José Honório Capistrano de Abreu, o “mestre” da
Historiografia Brasileira 51

3. A Produção Historiográfica no Brasil


República a partir de 1930 59
A Produção Historiográfica no Brasil República a partir de 1930 60
Introdução 60
Gilberto Freyre e a “democracia racial” 61
A luso-tropicalidade 63
A obra-prima: “Casa-Grande e Senzala” 64
Considerações Finais 66
Sérgio Buarque de Holanda 67
Nelson Werneck Sodré: entre a caserna e o partido 71
Formação Histórica do Brasil (1962) 74
A tese do feudalismo no Brasil 75
Em busca do Brasil moderno 76
Caio Prado Júnior: o Brasil sob o crivo do
materialismo histórico-dialético 77
Formação do Brasil Contemporâneo (1942) 79
O “Sentido da Colonização” e o Brasil do século XX 80
Nem mesmo Caio Prado Jr. é “intocável” 81
O Futuro 83

4. As principais tendências historiográficas


brasileiras contemporâneas 85
As principais tendências historiográficas brasileiras contemporâneas 86
A Escola dos “Analles” e suas influências na historiografia brasileira 86
História do “Tempo Presente” e História Oral 90
Demais Centros de Produção Historiográfica 94
Marxismo 96
Teoria e Historiografia 99
Centros de Documentação e Arquivos 101
Considerações Finais 102
Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

Desde os primórdios de nossa nação, ainda no século do Descobrimento, já se


produziam obras que visavam recuperar o curto passado da recém-criada colônia
portuguesa na América. Coube a Pero Magalhães Gândavo, um estudioso de latim
que passou alguns anos na Bahia na década de 1560 a serviço da Corte, a primazia
de ser o autor da primeira História do Brasil, publicada em 1576, com o título
“História da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil”.
Alguns séculos se passaram. O Brasil deixou de ser uma colônia lusitana, cres-
ceu e mudou. A escrita da História também sofreu mudanças; ganhou “status” de
Ciência; tornou-se disciplina obrigatória nos ciclos básicos da educação; e os histo-
riadores passaram a debater entre si sobre a melhor forma de escrevê-la.
Historiografia Brasileira é a história da escrita da História do Brasil. Nas próxi-
mas páginas, você conhecerá as transformações pelas quais passou essa História que,
longe de ser um enfadonho debate meramente acadêmico, revela as diferentes e su-
cessivas visões que os historiadores tinham do nosso Brasil, ao longo de sua história.
Nosso percurso tem início na própria colônia, com obras de Gândavo e de outros
autores que procuravam informar ao mundo da existência dessa longínqua e exóti-
ca possessão portuguesa. Estavam lançadas as bases da nossa Historiografia. Neste
primeiro capítulo, também vamos abordar as obras escritas no contexto do primeiro
processo de institucionalização da disciplina histórica, promovido no Brasil Império
através da criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1838.
No segundo capítulo, apresentaremos a obra de Capistrano de Abreu (1853-
1927), responsável por um dos mais rigorosos levantamentos de fontes do Brasil
colonial, e cujas análises se contrapõem às teses produzidas pelos autores vinculados
ao IHGB. Ainda nesse capítulo, vamos conhecer historiadores alinhados ao pensa-
mento ora liberal, ora oligárquico-autoritário, típico do Brasil das primeiras décadas
do século XX.
Já no terceiro capítulo, analisaremos as obras de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque
de Holanda, fortemente influenciadas pelas correntes do historicismo e do cultura-
lismo. Também iremos conhecer a primeira geração brasileira de historiadores mar-
xistas, notadamente, Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré. Encerraremos o
terceiro capítulo com a produção influenciada pela “Escola dos Annales”.

5
Nossa viagem se encerra no quarto capítulo, com uma visão das principais ten-
dências da Historiografia Brasileira contemporânea. Para isso, vamos apresentar o
debate entre a “Nova História Cultural”, a história política renovada, a história oral
e as relações entre história e memória, e o marxismo no século XIX.

Bons estudos!

6
1
O Brasil em construção,
o nascimento de uma
historiografia: os
primeiros historiadores
do Brasil
O Brasil em construção, o nascimento de
uma historiografia: os primeiros historiadores
do Brasil
OBJETIVOS
•  Definir historiografia;
•  Reconhecer a necessidade humana de relatar o seu passado histórico e conhecer as diver-
sas formas que essa narrativa pode adquirir;
•  Conhecer os primeiros autores e respectivas obras sobre a Historiografia Brasileira;
•  Compreender e analisar a formação do pensamento histórico brasileiro no período colonial;
•  Compreender e analisar os discursos que formaram a tradição historiográfica brasileira no
decorrer do século XIX sob influência do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).

Introdução

CONCEITO
Historiografia: Palavra composta por duas raízes, ambas gregas: “histor” ( ), que
significa pesquisa, investigação; e “graphein” ( ), ou seja, escrita. Em suma, historiogra-
fia é toda obra cujo tema é algo relativo ao passado de uma sociedade. Já a palavra Historio-
grafia, começando com letra maiúscula, se refere ao conjunto de obras sobre a história de um
dado grupo humano.

A História enquanto ciência digna de cátedra universitária, com metodolo-


gia e objeto razoavelmente bem definidos, foi uma criação do século XIX, no
contexto da onda cientificista do período e a propósito de interesses políticos de
cunho nada científico. Contudo, antes do advento dessa modalidade de história,
a História Científica, que nos trouxe à universidade, todas as sociedades das quais
temos conhecimento já utilizavam alguma forma de registro do seu passado. Ou
seja, a busca pelo conhecimento do seu passado é um anseio comum ao gênero
humano. Nas palavras de Johan Huizinga, importante historiador holandês do
início do século passado:

capítulo 1 •8
nenhum conceito, por geral que seja, diz o suficiente para expres-
sar a abrangência e a profundidade do anseio pelo conhecimento
histórico: nem povo, nem Estado, nem espírito, nem cultura, nem
o mundo, nem a humanidade. O conhecimento histórico é uma
necessidade vital, e como tal escapa a uma motivação exata.

É isso mesmo. O conhecimento histórico “é uma necessidade vital”. Todos os


grupos humanos buscam localizar-se no tempo e também no espaço, sejam eles
- tempo e espaço - mitológicos ou terrenos. Trata-se, sim, de construir uma filia-
ção, estabelecer um pertencimento. O conhecimento histórico é responsável por
garantir uma sensação de perenidade. É ele que define a origem do grupo social e
estabelece a ascendência dos seus membros.
Essa função, digamos, psicossocial da história, é reforçada pela clara importância
que ela tem na preservação de tradições e na moldagem de comportamentos dos
indivíduos. Em outras palavras, a história, mesmo na sua modalidade científica, tem
uma clara finalidade pedagógica: ela visa educar os membros da sociedade.

Mas, sendo as narrativas de um passado


elaboradas a partir dos mais variados critérios,
então não há verdade histórica?

Creio ser inegável a ocorrência da escravidão no Brasil, assim como a presen-


ça portuguesa neste quinhão da América, bem como o extermínio de inúmeras
nações indígenas. É sempre o olhar da posteridade que determina o que é ou não
histórico. Mas, qualquer que seja o critério definido, milhões de acontecimentos
jamais serão de conhecimento histórico.

Há controvérsias acerca das origens da exigência de comprovação factual das


narrativas históricas. Alguns apontam para o empenho dos monges jesuítas
bollandistas em sua luta contra os reformistas do século XVII, que vasculhavam
os antigos arquivos romanos na prospecção de fontes documentais comproba-
tórias da vida e dos feitos dos mártires do cristianismo.

capítulo 1 •9
José Honório Rodrigues (1978, p. 21), por sua vez, localiza no sistema jurídico
espanhol medieval, a origem da exigência de prova material para comprovação
dos delitos imputados ao réu. Investigar, isto é, descobrir vestígios. Esse é um
dos exercícios fundamentais do historiador.

Mas, a título de uma introdução um pouco mais pormenorizada da nossa


disciplina, lembremos que a modalidade de historiografia que praticamos hoje
nas universidades e demais ambientes escolares, teve sua origem na antiguidade
grega. É isso mesmo: a História, com “agá” maiúsculo, é uma herança da mesma
Grécia que produziu o teatro, a filosofia, as ciências e a democracia. Ao contrário
das narrativas mítico-religiosas, que situam as forças motrizes dos eventos sociais
em fatores extranaturais, os gregos buscaram motivações humanas, demasiado
humanas. Em outras palavras, é a vertente grega da historiografia que situa nas
relações sociais e na ação do homem as forças motrizes da história. Ou seja,
baseada apenas em raciocínios lógico-dedutivos que partem de premissas empi-
ricamente comprováveis.

AUTOR
Johan Huizinga (Holanda, 1872–1945).
Estudioso da Baixa Idade Média e do Renascimento. Foi um dos precursores da História
Cultural, com seu livro “O outono da Idade Média”, de 1919. Há uma edição brasileira, da
editora paulistana Cosac Naif. Confinado em um campo de concentração alemão em 1942,
morreu pouco antes do final da Segunda Guerra.

CURIOSIDADE
“Bollandistas”, de Jean Bolland (1596-1665), padre jesuíta belga que organizou e coor-
denou uma equipe de religiosos, no início da década de 1640, com a finalidade de localizar
e recuperar os registros históricos sobre a vida e os feitos de santos católicos. Buscava-se
com isso comprovar a veracidade das tradições sobre os mártires católicos, no contexto da
Contra-Reforma. Por esse esforço, os padres “bollandistas” são tidos como precursores do
uso de arquivos documentais consolidados da crítica das fontes.

capítulo 1 • 10
Os primórdios do Brasil e da Historiografia Brasileira

Antes de iniciarmos nossa viagem no tempo, é necessário um esclarecimento.


Durante os primeiros séculos de sua existência, o Brasil recebeu visitantes de várias
regiões do mundo, sobretudo da Europa. Atraídos pelos mais diferentes motivos
– belezas naturais, “exotismo” dos indígenas nativos e riquezas – esses visitantes,
também conhecidos como “viajantes”, escreveram relatos de suas andanças pelo
Brasil, com descrições riquíssimas das paisagens, da vida natural e dos roteiros
náuticos. Quase todos ilustrados por gravuras desenhadas pelos próprios viajantes,
a fim de enriquecer as informações.

COMENTÁRIO
Paralelamente aos relatos dos “viajantes”, os padres missionários, sobretudo da Companhia
de Jesus, também produziram documentos interessantes sobre os primeiros tempos da nova
colônia. As obras de padres como José de Anchieta, Manuel da Nóbrega e Fernão Cardim nos
trazem informações sobre os primeiros acontecimentos desde a chegada dos europeus.
Esses relatos também nos apresentam situações cotidianas das populações locais, como
seus hábitos, atividades econômicas, e vida conjugal e familiar, por exemplo. Também há infor-
mações importantes sobre as formas de relacionamento com a coroa, com as autoridades a
serviço dela, e com a Igreja. Além dessas descrições, também há relatos sobre as populações
indígenas, sempre envoltos por uma atmosfera ora de admiração, ora de espanto.

A imagem que os sucessivos viajantes faziam e ainda fazem do Brasil é am-


bivalente. Imperava um misto de admiração e de espanto. Por vezes, nos pintam
como um quadro terrível e pessimista. Em outras ocasiões, nos presenteiam
com um rico e alegre colorido, inigualável em bons augúrios e otimismo. Essa
ambivalência está de tal forma arraigada na cultura popular, a ponto de ter-se
tornado um lugar-comum:

“O Brasil é o paraíso terreno, mas o povo...”, ou então, “o povo é bom, honesto e traba-
lhador, quem atrapalha são os políticos”, e muitos outros ditos populares que expres-
sam essa visão ambígua que se tem do Brasil desde os primórdios da colonização.

capítulo 1 • 11
Há de se salientar, com efeito, que era frequente a cópia entre os autores,
o que fazia com que, muitas vezes, os exageros imaginativos de uns, fossem
aumentados por outros.
As formas de escrita utilizadas nesses primeiros relatos do Brasil foram diver-
sas: cartas, crônicas de viagem, diários pessoais, documentos diplomáticos, entre
outros. Inaugurando esse gênero, temos a famosa Carta de Pero Vaz de Caminha,
redigida ao Rei D. Manuel, informando o “achamento” das novas terras, a suposta
Ilha de Vera Cruz.

IMAGEM

Carta de Pero Vaz de Caminha, sob a guarda da Biblioteca Nacional de Portugal. Conside-
rada pela ONU um patrimônio da humanidade.

Ainda que não tenha sido este o objetivo do escrivão da Esquadra de Cabral,
a “Carta” relata os primeiríssimos passos dos portugueses nas terras americanas.
Por isso, ela se converteu em um verdadeiro registro daquilo que, muito tempo
depois, os historiadores chamariam de “História Imediata”. Por isso, sem o saber,
Caminha inaugurou a Historiografia Brasileira.

capítulo 1 • 12
CONCEITO
História Imediata: corrente historiográfica recente, decorrente da “História do Tempo Pre-
sente”, que procura interpretar os fatos contemporâneos à luz de processos históricos mais am-
plos, ampliando assim a compreensão dos mesmos para além do meramente factual e conjuntural.

Fernão Cardin e os “Tratados”

O padre jesuíta Fernão Cardin (1549 – 1625) esteve no Brasil de 1583 a


1598 e, após uma breve estadia na Europa, retornou em 1604, aqui permanecendo
até sua morte. Escreveu dois textos: “Do clima e terra do Brasil e de algumas coisas
notáveis que se acham assim na terra como no mar” e “Do Princípio e origem dos
Índios do Brasil e seus costumes, adoração e cerimônias”, reunidos em edição póstuma
(1939) no volume Os Tratados da Terra e Gente do Brasil. Tendo percorrido diversas
capitanias da colônia em função de sua obra catequética, foi responsável por uma
descrição pormenorizada, não só das condições e das paisagens naturais da América
Portuguesa, mas também do cotidiano dos colonos e dos hábitos dos indígenas. A
título de exemplo, temos abaixo um pormenor das práticas alimentícias:

Este gentio come em todo o tempo, de noite e de dia, e a cada hora e


momento, e como tem que conter não o guardam muito tempo, mas
logo comem tudo o que têm e repartem com seus amigos, de modo
que de um peixe que tenham repartem com todos, e têm por grande
honra e primor serem liberais, e por isso cobram muita fama e honra,
e a pior injúria que lhes podem fazer é terem-nos por escassos, ou
chamarem-lho, e quando não têm que comer são muito sofridos com
fome e sede (Cardin, p. 145).

No entanto, sua obra só passou a ter reconhecimento pelos historiadores


em meados do século XIX, no contexto dos estudos promovidos pelo Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. Já no século XX, suas ricas descrições sobre
o Brasil quinhentista embasaram análises de historiadores como Capistrano de
Abreu, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.

capítulo 1 • 13
ATENÇÃO
Devido aos esforços missionários, os padres jesuítas eram levados a observar de forma
intensa a vida dos nativos. Nas minuciosas descrições de Cardin, fica clara a sua benevolên-
cia para com os indígenas, não os retratando como “malévolos e cruéis”, como faziam muitos
de seus contemporâneos. Como disse Capistrano de Abreu, “não moralizava, não finalizava,
embebia-se do espetáculo, além do bem e do mal”.

Hans Staden

Não há muitas informações precisas sobre esse aventureiro e mercenário


alemão. Sabe-se que nasceu em 1525 e que esteve por duas vezes no Brasil. Na
primeira viagem, empreendida entre 1547 e 1548, veio como marinheiro de
armas de uma nau portuguesa cujo objetivo era combater invasores da colônia
e, no regresso, levar pau-brasil para o Reino. Retornou ao Brasil em 1550,
embarcado em um navio espanhol cujo objetivo era construir uma colônia
na ilha de Santa Catarina. No entanto, o navio naufragou nas proximidades
de Itanhaém, fazendo com que Hans Staden rumasse para São Vicente e se
incorporasse aos portugueses.
Em 1553, passou a servir no forte de Bertioga, onde foi preso pelos Tupinambás
entre meados de janeiro e o final de outubro de 1554, a fim de ser devorado em
um ritual antropofágico. À custa de muito esforço e astúcia, conseguiu adiar su-
cessivamente o ritual fatal, até ser finalmente resgatado pelos franceses e retornar
à Europa em 1555.
Dois anos depois, em 1557, publicou, na cidade alemã de Marburgo,
um relato de suas experiências na América, sob o título "História Verdadeira
e Descrição de uma Terra de Selvagens, Nus e Cruéis Comedores de Seres
Humanos, Situada no Novo Mundo da América, Desconhecida antes e depois
de Jesus Cristo nas Terras de Hessen até os Dois Últimos Anos, Visto que
Hans Staden, de Homberg, em Hessen, a Conheceu por Experiência Própria
e agora a Traz a Público com essa Impressão”. Com esse “pequenino” título,
a obra, que rapidamente despertou vivo interesse, ganhou o apelido “Duas
viagens ao Brasil”. Além de várias edições em alemão, a obra, ainda no século
XVI, foi traduzida para o latim, flamenco, francês e holandês. A primeira edi-
ção em português é de 1892.

capítulo 1 • 14
IMAGEM

Gravura de Hans Staden retratando um ritual tupinambá.

O livro é dividido em duas partes. Na primeira, Hans Staden enfatiza sua con-
vivência com os tupinambás como prisioneiro, realçando suas estratégias para
adiar o desfecho fatal. Na segunda, o autor descreve de forma objetiva os costu-
mes dos indígenas, além de dar informações sobre a fauna e a flora locais.

Rico em ilustrações, as impressões de Hans Staden rapidamente se tornaram


paradigmáticas por todo o continente europeu, influenciando decisivamente a vi-
são que se tinha das populações ameríndias.

MULTIMÍDIA
Filme: “Hans Staden”
Direção e produção de Luis Alberto Pereira (Brasil/Portugal, 1999).
Esta premiada produção cinematográfica luso-brasileira baseia-se na obra do próprio
Hans Staden para nos mostrar de forma realista o período em que ficou preso em uma aldeia
Tupinambá – e quase foi devorado. O elenco é de primeira, e a produção, cuidadosa e capri-
chada, reproduz com fidelidade os desenhos de Hans Staden das cenas cotidianas da aldeia
indígena. Vale a pena assistir.

capítulo 1 • 15
Pero de Magalhães Gândavo

Pouco se sabe sobre a vida do autor da primeira obra escrita com o


propósito deliberado de informar aos seus leitores sobre o passado recen-
tíssimo do Brasil de então e, por essa razão, considerado o fundador da
Historiografia Brasileira.
Ignora-se sua data exata de nascimento, estimada em 1540. Sabe-se apenas
que era um estudioso de latim, amigo de Camões, e que esteve por alguns anos
na Bahia (1560-1565) como funcionário Real. Foi autor do primeiro tratado
ortográfico da língua portuguesa (“Regras que ensinam a maneira de escrever
a ortographia da lingua Portuguesa, com hum Dialogo que adiante segue em
defensam da mesma lingua", 1574).
Sua vivência na América Portuguesa o levou a redigir dois textos: “Tratado da
Terra do Brasil”, de 1573, e “História da Província de Santa Cruz que vulgarmente
chamamos Brasil”, de 1576.

capítulo 1 • 16
CURIOSIDADE
No primeiro, o “Tratado”, Gândavo ocupou-se dos aspectos naturais e geográficos do Bra-
sil. Em “História da Província”, o tema é a vida cotidiana dos primeiros colonos e a descrição
dos povos indígenas.

No seu texto, está presente a mesma ambiguidade que marcava os relatos dos
autores anteriores: o Brasil entre o paraíso terreno e o centro do “pecado”. Há duas
versões de “História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos
Brasil”, escritas no início da década de 1570.
Em “Tratado”, o autor não se cansa de elogiar os aspectos naturais da nova
colônia: clima ameno, terras férteis, água em abundância. Tem-se a sensação de
que a obra foi redigida com o claro intuito de atrair colonos para as novas terras,
como uma espécie de propaganda. Citando-o:

Minha tenção não foi outra neste summario (discreto e curioso


lector) senão denunciar em breves palavras a fertilidade e abun-
dancia da terra do Brasil, para que esta fama venha a noticia de
muitas pessoas que nestes Reinos vivem com pobreza, e não du-
videm escolhe-la para seu remedio; por que a mesma terra he tam
natural e favoravel aos estranhos que a todos agazalha e convida
como remedio por pobres e desemparados que sejão (GANDAVO,
1573, p. 2).

A imagem que Gândavo constrói do nativo, entretanto, é bem diferente.


Considerando-os “bárbaros”, estabelece uma opinião sobre eles que se tornaria
célebre, e seria repetida por séculos:

A lingua deste gentio toda pela Costa he, huma: carece de tres
letras —scilicet, não se acha nella F, nem L, nem R, cousa digna de
espanto, porque assi não têm Fé, nem Lei, nem Rei; e desta ma-
neira vivem sem Justiça e desordenadamente (idem, 1573, p. 14).

capítulo 1 • 17
O estranhamento em relação ao outro, o silvícola, é patente. Recriminava-o
por sua nudez, seus rituais e sua aparente falta de fé. É, enfim, para Gândavo, um
povo “sem Fé, sem Lei, sem Rei”, cuja “salvação” das almas estava garantida pela
ação catequética dos padres da Companhia de Jesus.
Em “História”, há claramente um apelo à Coroa para que dedicasse mais
atenção à sua posse americana. Isso porque, na segunda metade do século XVII,
Portugal interessava-se muito mais pelo comércio com o Oriente do que por suas
inóspitas terras na América. Contudo, Gândavo era da opinião de que esta situa-
ção punha em risco a própria manutenção da posse da colônia, assediada intensa-
mente por invasores, sobretudo franceses.

IMAGEM

Fronstispício da primeira edição de "História", de Pero Gândavo,


editado em Lisboa em 1576.

Apesar da brevidade de “História”, de 48 páginas, devido ao fato de concisão


e objetividade serem tidas, nos séculos XV-XVI, como qualidades intrínsecas às
boas obras, o autor fez relatos interessantes dos processos históricos da constru-
ção da colônia. As lutas contra os indígenas, a resistência contra invasores de ou-
tras monarquias europeias, as expedições para o “sertão”, as práticas alimentares
e agrícolas e, por fim, a ação dos Jesuítas. Ao final, Gândavo recomendava aos

capítulo 1 • 18
interessados em prosperidade material que viessem para a colônia e, ao Rei, suge-
ria a adoção de escravos africanos para auxílio nas atividades econômicas em geral.

porq h s lhe pescão e cação outros lhe fazem mantim tos e fa-
zenda. E assy pouco a pouco enriqueç ôs hom s e viven honra-
damente na terra com mais descanso q neste Reino (GANDAVO,
1576, p. 15).

Sabe-se que Gândavo havia redigido uma versão de “História” anterior àquela
que foi publicada. Da primeira, o autor extraiu referências a mitos fantásticos e
lendas que circulavam entre os colonos, bem como informações que considerou
duvidosas sobre a história da colônia. Ou seja, o autor procurou dotar seu texto
de objetividade e verossimilhança, o que fez dele um importante relato sobre as
primeiras décadas do Brasil.

As filosofias da história do século XIX e a tentativa de fundação de


um discurso histórico científico no Brasil

A produção historiográfica brasileira do século XVIII e do início do século


XIX ainda é, em grande parte, desconhecida pelo público mais amplo. É recente
a pesquisa histórica brasileira sobre a historiografia desse período, de forma que
qualquer análise de conjunto corre o risco de ser lacunar e incompleta. Mesmo
assim, por se tratar de um período de especial importância para a construção do
Estado Nacional brasileiro, é importante falarmos de algumas obras que foram
produzidas nessas décadas. Afinal, trata-se das décadas em que o Antigo Regime
dá sinais de falência e que os sentimentos nativistas das populações coloniais
começam a estimular projetos autonomistas.

ATENÇÃO
Trabalharemos apenas dois desses autores, e a título de exemplo: José Bonifácio de
Andrada e Silva e Visconde de Cairú. Eles foram escolhidos, no caso, devido à relevância que
tiveram no processo político que levou à construção, à independência e ao Império do Brasil.
A história não era o objetivo final desses pensadores, mas eles tiveram que recorrer a ela
para compreenderem melhor o Brasil que queriam mudar.

capítulo 1 • 19
O que deles havia em comum foi que identificaram
como raiz dos problemas nacionais, a raça.

Ao problematizarem a sociedade brasileira e proporem soluções para as difi-


culdades por eles apontadas, a questão racial aparecia de forma recorrente e com
toda a intensidade. Afinal, tratava-se de pensar soluções para um país escravocrata,
onde a maioria da população era composta por negros cativos. Já no plano políti-
co-econômico, esses pensadores, que eram também homens de ação, entendiam
que o passado colonial brasileiro, com o peso do monopólio comercial português,
havia tolhido a livre-iniciativa e as liberdades individuais. Por isso, o Brasil estava
economicamente atrasado em relação aos países europeus e aos Estados Unidos da
América. Vejamos agora os principais argumentos desses estudiosos.

José Bonifácio de Andrada e Silva e o projeto de independência


do Brasil

O paulista natural da cidade de Santos, José Bonifácio de Andrada e Silva


(1763–1838), entrou para a História como o Patriarca da Independência Nacional,
título que efetivamente lhe cabe, pois foi um dos mais importantes articuladores
políticos da emancipação brasileira, senão o maior deles.

AUTOR
Aos vinte anos, foi estudar na Europa, matriculando-se na Faculdade de Direito da Uni-
versidade de Coimbra, onde frequentou os cursos de Filosofia (que oferecia disciplinas da
área de Ciências Naturais) e Matemática. Posteriormente, dirigiu-se a Paris e matriculou-se
no curso de Mineralogia e Química da Escola Real de Minas. Viajou por vários países euro-
peus, visitando minas e conhecendo in loco as respectivas atividades siderúrgicas.

Em decorrência disso, passou a fazer parte de importantes associações científi-


cas, com as quais colaborava com artigos e pesquisas, obtendo, em pouco tempo,
reconhecimento por parte de seus pares.
Ao retornar a Lisboa, devido ao seu prestígio como naturalista, foi convidado
pela Coroa a exercer importantes cargos na administração estatal, sobretudo rela-
cionados a atividades mineradoras e industriais. Dentre os cargos que exerceu, foi

capítulo 1 • 20
intendente das Minas e Metais do Reino, o que lhe valeu o aprofundamento nas
questões de Economia Política, em especial a Fisiocracia, então em voga.

IMAGEM

José Bonifácio de Andrada e Silva, Patriarca da Independência

Sua volta ao Brasil ocorreu somente em 1819, quando já estava com 56 anos
de idade, para trabalhar como Ministro do Príncipe Regente D. Pedro. Demitiu-
se do cargo em 1823 para assumir uma cadeira de Deputado na Assembleia
Constituinte que então se formava.
Nessa época, José Bonifácio já estava convencido da fundamental necessidade do
Estado intervir na sociedade como forma de estimular e dirigir o desenvolvimento. E
fundamentava suas posições com um profundo conhecimento da História do país.
Em “Apontamentos para a civilização dos Índios do Brasil”, apresentado por
José Bonifácio como projeto de lei à Assembleia Geral Constituinte em 1823,
atacava aquilo que considerava um dos maiores entraves para o Brasil se tornar
um grande país, ou seja:

a heterogeneidade racial e cultural, a escravidão, a política indi-


genista e a profunda ignorância que grassava entre os brancos,
negros e índios no período de constituição do Império brasileiro.

capítulo 1 • 21
Os índios “bravos”, ou não aculturados, eram tidos pelo autor como arredios ao homem
branco, a quem consideravam “inimigo”, e agiam em relação a ele “de forma desumana”.
Mas, como bom rousseauniano que era, estava convencido de que o meio fazia o homem,
acreditando que a fixação do indígena em vilas poderia “converter esses bárbaros em
homens civilizados” (ANDRADA E SILVA, 89).
Admitia que a relutância do indígena em relação ao branco se devia à maneira como o
português sempre o tratara, desconsiderando sua humanidade. Sua proposta estipulava
que, gradualmente, os índios fossem integrados à cultura branca, inclusive mestiçando-
-se. Em termos práticos, sugeriu a adoção dos métodos dos Jesuítas missionários.

No traço de Seth, de 1937, indígenas e jesuítas em cerimônia de batismo.


Os padres atribuíram curas milagrosas ao ritual.

Quanto aos negros escravos, o mesmo objetivo que o moveu a propor mu-
danças no tratamento do Império em relação às populações indígenas, o levou a
apresentar à Assembleia recém-reunida no Rio de Janeiro uma “Representação à
Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura”.
Nela, Bonifácio propôs a gradual emancipação dos escravos e sua incorporação à eco-
nomia nacional através da concessão, pelo Império, de lotes de terra, para que pudes-
sem trabalhar. Para ele, essa medida seria benéfica, não apenas para os diretamente
interessados, os escravos, mas para toda a sociedade brasileira, posto que os escravos,

capítulo 1 • 22
uma vez libertos, ao trabalharem para o próprio sustento, estariam contribuindo para
a economia nacional como um todo. Isso porque, na sua avaliação, historicamente
falando, a produtividade econômica do escravo era baixíssima.

ATENÇÃO
Ademais, José Bonifácio considerava imperiosa a necessidade de se recuperar a digni-
dade do negro, tornando-o cidadão brasileiro. Portanto, na ótica do autor, a situação em que
se encontrava o negro cativo era de desigualdade civil, e não de diferença racial.

A igualdade legal poderia ser obtida por intermédio da lei, em substituição à


opressão da escravidão. Ciente de que o cativeiro provocava a revolta do escravo, como
mostrava a história dos quilombos, estava convencido de que a mera elevação do negro
ao “status” de cidadão seria suficiente para que ele se irmanasse ao restante da nação.
Em termos econômicos:
•  Considerava que um dos fatores determinantes do progresso brasileiro seria
a integração nacional que, para ele, passava obrigatoriamente pelo desenvolvimen-
to regional e pela interiorização do país.
•  Baseava-se no conhecimento da História do Brasil, cuja colonização con-
centrou-se nas áreas próximas ao litoral, e na forma de ilhas de ocupação. Isto é,
interior fracamente ocupado, e núcleos populacionais isolados entre si.

Foi nesse sentido que ele propôs a transferência


da capital nacional para o interior da nação e que,
curiosamente, a nomeou “Brasília”.

Esta se situaria em uma região próxima a 15° de latitude, às margens de um


rio navegável, e de topografia suave. A ela afluiriam os excedentes populacionais
das demais áreas do Brasil, através de estradas que seriam construídas. Para ele,
essa interiorização do Brasil traria como consequência a integração das populações
esparsas e abandonadas do interior à família nacional.

capítulo 1 • 23
Simultaneamente à interiorização do país, José Bonifácio recomendava a urgente
reforma agrária. Isso porque a realidade fundiária brasileira ainda estava calcada
nas antigas sesmarias que, em sua opinião, eram uma funesta herança colonial.
Para ele, essas propriedades rurais imensas, por concentrarem a terra, dificultavam
a multiplicação das lavouras e até mesmo o assentamento populacional. Por essas
razões, Bonifácio as considerava um óbice ao desenvolvimento nacional, e uma
séria ameaça à manutenção da integridade territorial.

Quando da Independência, demitiu-se do cargo de Ministro de Estado para ocu-


par uma cadeira na Assembleia Constituinte que se formou em 1823. Desejava o
Brasil governado por uma monarquia constitucional. Tal desejo foi tolhido pela inicia-
tiva centralizadora de D. Pedro I, que concentrou o poder em suas mãos. Os projetos
de Bonifácio para o Brasil, considerados audaciosos pela elite, baseavam-se em um
profundo conhecimento da realidade histórica e econômica do país.

José da Silva Lisboa (Visconde Cairu): o precursor do liberalismo


no Brasil

José da Silva Lisboa (1756-1835), também conhecido como Visconde de


Cairu, é amado ou odiado.

Outros, ao contrário, o execram, acusan-


Alguns o consideram, com loas,
do-o de mero reprodutor dos propósitos e
uma espécie de patrono do libera-
ideias formuladas pela monarquia portu-
lismo brasileiro.
guesa, à qual serviu tão lealmente.

Inegavelmente, Cairu teve um forte vínculo com a Família Real e, por exten-
são, foi um importante protagonista dos acontecimentos políticos e econômicos
que marcaram o Período Joanino. É digno de nota que, durante toda a Regência
e Reinado de D. João VI, José Lisboa foi um incansável defensor de suas medidas.

capítulo 1 • 24
IMAGEM

José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu, fiel vassalo do Brasil.

Apesar de fiel à Família Real, acreditava que, para o pleno desenvolvimento


econômico do Brasil, fazia-se necessária a abertura dos portos dos domínios ul-
tramarinos lusitanos para flexibilização comercial. Contrário, pois, ao pacto co-
lonial, que inibia a atividade econômica, Cairu reputava à Inglaterra as maiores
contribuições para a humanidade, tanto do ponto de vista comercial, quanto do
filosófico e científico.

Para ele, a grande responsável pela pujança


britânica era a sua capacidade industrial.
Imbatível nessa atividade, os ingleses conseguiam, como ninguém, conciliar
competência técnica, espírito inventivo e “bons salários [sic] aos empregados”.
Contrariamente, o exclusivo colonial trouxe o efeito nocivo da acomodação
dos produtores portugueses que, sem necessidade da concorrência sadia e apoiados
em uma série de benefícios fiscais, segundo Cairu, produziam mal e custosamente,
onerando toda a cadeia produtiva. Realista, Cairu sabia da carência absoluta de
uma infraestrutura no Brasil capaz de atender a um surto de industrialização.
Porém, a solução definitiva para a industrialização nacional seria, na ótica de
Visconde de Cairu, a adoção do modelo dos Estados Unidos da América.

capítulo 1 • 25
O Estado deveria conceder subsídios e incentivos fiscais aos industriais interessa-
dos em investir no Brasil, uma vez que nossa condição de colônia, até muito recen-
temente, impedira que o país tivesse seus próprios recursos financeiros necessá-
rios para esses investimentos. Um dado importante para ilustrar esse pensamento
de Cairu é que, em 1808, a atividade industrial no Brasil correspondia a apenas
1,6% da produção econômica.

O colonialismo também trouxe como consequência uma espécie de indigên-


cia técnica. Para Visconde de Cairu, no Brasil, prevalecia a ignorância dos “mais
fáceis e prontos meios de extrair e fabricar” (CAIRU, 1809, p. 69). O fato de o
país ser escravocrata levava a outra consequência igualmente prejudicial: a falta
de mão de obra tecnicamente habilitada. Decorre disso a posição crítica de Cairu
em relação à escravidão. Para ele, a escravidão fez com que raças diferentes, mal
adaptadas a ambientes diversos, entrassem em uma espécie de contato artificial, o
que trouxe resultados nefastos.

ATENÇÃO
A economia, segundo Cairu, também sofreria um impacto negativo. Predominando nos
campos o trabalho rude do escravo, sendo este a maioria da população brasileira, o país não
contava com o menor contingente de mão de obra qualificada para as manufaturas.

Concluindo, Cairu estava ciente de que a independência econômica brasileira


passava, necessariamente, pela industrialização do país e, por consequência, no
mínimo, pela interrupção do tráfico negreiro e pela liberalização mercantil.
Mas sabia também que não podia penalizar, por políticas econômicas
equivocadas adotadas pelos governos anteriores, as atividades produtivas já
estabelecidas. Por isso, defendia o estímulo à produção e ao comércio dos
gêneros já estabelecidos no país como forma de assegurar a manutenção da
vida produtiva no país. Contudo, nenhuma atividade econômica deveria ser
alvo de monopólios nem receber quaisquer outras formas de privilégios, pois
na opinião de Cairu, isso era a causa da inépcia produtiva do país, que ele
combateu durante toda a sua vida.

capítulo 1 • 26
COMENTÁRIO
Esses eminentes pensadores do Brasil, no exato instante em que ele se constituía
como Estado Nacional autônomo, buscaram no seu passado histórico as explicações
para suas mazelas do presente e, daí, as bases para o projeto de futuro. No exclusivo
colonial, foram encontrar as razões do atraso econômico; na miscigenação das raças, os
motivos dos entraves sociais. Essas teses ganhariam ares de verdades incontestáveis
e, como veremos nos próximos capítulos, atravessariam o século XIX com toda a força,
adentrando pelo século.

A criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e o


discurso historiográfico brasileiro do século XIX

A historiografia acadêmica no Brasil teve início, efetivamente, com a criação


do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em primeiro de dezembro
de 1838, no Rio de Janeiro.
Sua fundação ocorreu em meio às crises políticas
pelas quais passava o país, na conjuntura do Período
Regencial (1831-1840), e atendeu aos anseios de se-
tores conservadores da elite política, que viam no
Instituto um instrumento de fortalecimento do
Império e da centralização do poder.
No mundo todo, vivia-se o processo de es-
tabelecimento dos Estados Nacionais, em cuja
construção era necessária a existência de uma
história pátria que buscasse no passado as tradi-
ções que se alegavam proteger através da centra- Capa da última edição da Revista
lização do poder. do IHGB sobre o regime imperial.

REFLEXÃO
Em outras palavras, um Estado só se justificava se representasse o clímax da evolução
política de uma nação que, por sua vez, estivesse assentada sobre uma base territorial. Por

capítulo 1 • 27
isso, a História e a Geografia tornaram-se disciplinas indispensáveis para as pretensões po-
lítico-ideológicas dos grupos interessados na construção do Estado.

No Brasil, a uma situação era, no mínimo, semelhante. Segmentos da elite


Imperial sentiam a necessidade da construção de uma história nacional comum
como instrumento na luta contra os sentimentos separatistas de várias províncias,
que ameaçavam a integridade do Império.

CURIOSIDADE
Foi nessa atmosfera que o IHGB, em 1840, promoveu um concurso sobre como se
deveria escrever a história do Brasil. O vencedor foi o jovem naturalista alemão Karl Philipp
von Martius que, em uma longa viagem pelo Brasil poucos anos antes, reunira elementos que
o permitiram participar do concurso. O texto vencedor, cujo título era o mesmo do concurso,
“Como se deve escrever a história do Brasil”, foi publicado na revista do IHGB em janeiro de
1845 (número 24, tomo 6, páginas 381 a 403).

CONEXÃO
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro está em plena atividade e procura fo-
mentar novas pesquisas e divulgar conhecimento histórico e geográfico através de pu-
blicações, seminários e cursos. Possui um portal eletrônico rico em informações sobre
sua história e atividades presentes. Disponibiliza também acesso às suas revistas, desde
as primeiras edições, ainda no século XIX. O pesquisador também tem acesso a um rico
acervo documental e iconográfico. Sua sede é no Rio de Janeiro, na Av. Augusto Severo,
nº 8, 9º/13º andar, no Bairro da Glória.

Karl Philipp von Martius (1794-1868) e “Como escrever a História


do Brasil”

Karl Philipp von Martius foi um naturalista alemão que veio ao Brasil acompa-
nhando a comitiva da Princesa Leopoldina, austríaca, que, em 1817, dirigiu-se ao
país para se casar com o príncipe Pedro d’Orleans e Bragança, futuro Imperador.

capítulo 1 • 28
Sua missão era percorrer o Brasil a fim de formar uma coleção de minerais, ani-
mais e vegetais, e regressar com ela para a Europa. Durante três anos, viajou mais
de 10 mil quilômetros pelo interior do Brasil, levantando importantes dados sobre
a vida natural do país.

Karl Friedrich Philipp von Martius (Alemanha, 1794-1968) e o roteiro de


suas expedições pelo Brasil.

Ele soube do concurso por carta enviada pessoalmente pelo jovem


Imperador Pedro II, com quem estabelecera amizade. Nas 22 páginas do tex-
to, podemos identificar ideias de eugenia típicas do início do século XIX. A
superioridade dos europeus no Brasil, no caso, os portugueses, lhes dava uma
posição natural de liderança no processo civilizatório nacional. Contudo, para
que o país alcançasse seu potencial de grande nação, von Martius julgava ne-
cessário que todas as “raças” se integrassem, uma vez que partilhavam de um
passado e de um destino comuns.
E, para que essa integração fosse bem sucedida, era preciso aproveitar os ta-
lentos inatos, ou “índole innata”, como ele dizia, de todas as raças, sob a liderança
dos portugueses.

As três raças que compunham a “nação brasileira”, nas palavras dele, eram:
• A cor de cobre ou americana;
• A branca ou caucasiana e, por fim;
• A preta ou ethiopica”.

capítulo 1 • 29
Em tempo, ele foi o primeiro historiador a falar em
“nação brasileira”.

O texto é dividido em quatro tópicos, a saber:


•  “Idéas geraes sobre a Historia do Brazil”;
•  “Os Indios (a raça cor de cobre) e sua historia como parte da Historia do Brazil”;
•  “Os portuguezes e a sua parte na Historia do Brazil”, e;
•  “A raça Africana em suas relações para com a historia do Brazil”.

No primeiro item, von Martius estabelece sua premissa de trabalho, ou seja,


para se conhecer a história do Brasil, era necessário partir daquilo que lhe era es-
sencial, ou seja, o homem. E, como instrumento comum de integração entre essas
diferentes raças, von Martius localizou a “língua geral”, isto é, uma derivação do
tupi-guarani falada no Brasil entre o final do século XVI e o início do século XX.
Nesse aspecto, ele foi extremamente inovador se comparado a outros historiadores
contemporâneos, que privilegiavam os documentos provenientes de fontes ofi-
ciais. O autor também salientou que o contato entre as três raças lhes introduziu
mudanças que as transformaram totalmente. É nesse processo de “sincretismo”
que von Martius localizava a história propriamente dita.

COMENTÁRIO
Contudo, como já foi dito, o autor não conseguiu se afastar das teses racistas em voga
no século XIX, que já haviam despontado nos estudos sobre o Brasil, a exemplo dos citados
Visconde de Cairu e José Bonifácio.

Por isso, von Martius considerava o português mais apto, física e moralmente,
para ser o “motor” do desenvolvimento nacional. Entretanto, assim como teria
ocorrido em regiões europeias em um passado mais distante, a exemplo da própria
Inglaterra, povos diferentes teriam se mesclado, originando uma grande nação.
Estava, porém, ciente de que sua proposta metodológica de inclusão dos negros e
indígenas na história do país não agradaria aos portugueses.

capítulo 1 • 30
Apesar das avaliações severas dos índios e negros, von Martius propunha que
se buscasse sua efetiva contribuição, pesquisando nas danças, costumes e rituais,
aquilo que forjaram para a nacionalidade. Supunha o autor que os índios bra-
sileiros eram remanescentes de uma grande civilização que havia se perdido. E
acreditava que uma pesquisa arqueológica aprofundada poderia descobrir os ves-
tígios dessa civilização e, daí, possibilitar o conhecimento do verdadeiro espírito
dessa raça.
Aos negros, entretanto, o julgamento de von Martius foi, no mínimo, cético:

Não há dúvida que o Brasil teria tido um desenvolvimento muito


diferente sem a introdução dos escravos negros. Se para melhor
ou para pior, este problema se resolverá para o historiador depois
de ter tido a ocasião de ponderar todas as influências que tiveram
os escravos africanos no desenvolvimento civil, moral e político da
presente população (von Martius, p. 13).

Contudo, reconhecia que o tráfico negreiro, isto é, a travessia forçada do


Atlântico, tinha imprimido nesse povo qualidades que pouco contribuiriam para
o desenvolvimento do Brasil. Restava esperar que a “biologia superior” dos bran-
cos as absorvesse.
Concluindo, von Martius propõe que as futuras obras historiográficas aban-
donem o estilo de crônica que caracterizou a maioria dos estudos realizados no
Brasil que, além de monótonos, ocupavam-se de minúcias pouco interessantes
para o conhecimento mais amplo dos costumes e dos hábitos da população.

Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878)

Esse paulista natural de Sorocaba, militar de formação e diplomata de carreira,


foi o autor da primeira obra geral sobre a história do Brasil, apropriadamente inti-
tulada “História Geral do Brasil”, escrita em dois volumes, que vieram a público em
1854 e 1857. Escreveu também sobre outros temas, a exemplo da invasão holandesa
e da independência do Brasil. Contudo, foi a “História Geral” que lhe garantiu o
reconhecimento de ter sido um dos mais importantes historiadores brasileiros.

capítulo 1 • 31
Francisco Adolfo Varnhagen. Assinalava em suas obras, "natural de Sorocaba".

Boa parte do seu trabalho de pesquisa se deu no contexto do Instituto


Histórico e Geográfico Brasileiro, ao qual se associou em 1840, tornando-se
Primeiro Secretário da instituição no ano seguinte. Por intermédio do IHGB, teve
acesso a documentos portugueses inéditos e pôde vasculhar arquivos de importan-
tes Câmaras Municipais, como São Vicente, São Paulo e Santo André.
Conhecedor do rigor metodológico da moderna historiografia alemã de en-
tão, na esteira de Leopold von Ranke, submetia todas as suas fontes a uma intensa
crítica documental. Visava narrar a história “como ela de fato foi”. A rigor, seu in-
teresse pela história do Brasil começou a se manifestar em 1835, quando estava em
Portugal a serviço militar e publicou uma obra sobre a história de Pedro Álvares
Cabral. Aproveitou sua estadia na Europa para compilar documentos importantes
e inéditos referentes à história do Brasil.

COMENTÁRIO
Efetivamente, em sua obra mestra, “História Geral”, a riqueza documental surpreende o
leitor. Todos os fatos apresentados por Varnhagen foram cuidadosamente documentados,
e as fontes dos documentos, detalhadamente informadas. O fio condutor da narrativa é a
cronologia, e o grande tema central é o período colonial, do qual o autor não se eximiu de
mostrar as disputas pelo poder, as injustiças e os privilégios da minoria em oposição aos
sofrimentos da maioria. Isso porque sua premissa de trabalho é a “Verdade”, que empresta à
obra um caráter documental, por vezes enfadonho para o leitor dos dias de hoje.

capítulo 1 • 32
Mas, homem de seu tempo, não demonstrava
simpatia às populações empobrecidas, escravos
e indígenas.
A exemplo destes, é visível sua aprovação das ações “punitivas” dos portugue-
ses quando das sublevações dos índios.
Mestiçados, os brasileiros do período colonial receberam de Varnhagen um
tratamento quase como o de uma crônica policial, expondo em minúcias de deta-
lhes a vida “corrompida” dessa gente.
Porém, paralelamente a esses “preconceitos racistas e ideológicos”, Varnhagen
foi responsável pela inauguração da historiografia “científica” no país. Sua obra
marcará decisivamente toda uma geração de estudiosos brasileiros, tanto no aspec-
to do rigor documental, quanto –lamentavelmente – no reforço dos preconceitos
raciais, que irão perdurar nas ciências sociais brasileiras por longas décadas.

COMENTÁRIO
Você Sabia?
A Universidade Federal de Outro Preto (UFOP) abriga a sede da “Sociedade Brasileira
de Teoria e História da Historiografia” (SBTHH), criada em 2009. Trabalhando juntamente
com a ANPUH, ela visa fortalecer as disciplinas de Teoria da História e Historiografia nas
universidades, pois as compreende como essenciais para o aprimoramento da pesquisa his-
tórica no Brasil. Sua atuação se dá, basicamente, através do intercâmbio de pesquisadores
entre as universidades e do apoio a revistas acadêmicas voltadas para as disciplinas. Nesse
sentido, ela mantém uma revista própria, chamada Revista de História da Historiografia, de
periodicidade quadrimestral, e que já está no exemplar nº 18 (2015/1).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARDIN, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. Disponível em http://www.
brasiliana.com.br/brasiliana/colecao/obras/111/
CHAUVEAU, Agnès & TÉTART, Philippe (orgs.). Questões para a história do presente.
Baurú: EDUSC, 1999.
GANDAVO, Pero Magalhães. História da Província de Santa Cruz, a que vulgarmente
chamamos Brasil. 1573.

capítulo 1 • 33
GANDAVO, Pero Magalhães. História da Província de Santa Cruz, a que vulgarmen-
te chamamos Brasil. 1573. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/
texto/bv000290.pdf
_________________________ -Tratado da Terra do Brasil. 1576. Disponível em: http://
www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000165.pdf
SILVA, José Bonifácio de Andrada e. Projetos para o Brasil. (organização de Miriam
Dolhnikhoff) São Paulo: Cia. das Letras, 1998.
LISBOA, José da Silva. Visconde de Cairu. Organização e Introdução de Antonio Penal-
ves Rocha. São Paulo: Editora 34, 2001.
MARTIUS, Karl P. von. Como se deve escrever a História do Brasil. (1843) Disponível em:
https://umhistoriador.files.wordpress.com/2012/03/martius-carl-friedrich_como-se-
-deve-escrever-a-histc3b3ria-do-brasil.pdf
VARELA, Flávia; OLIVEIRA, Maria & GONTIJO, Rebecca (orgs.). História e historiado-
res no Brasil: da América Portuguesa ao Império do Brasil (1730 – 1860). Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2015.
VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: E. e H.
Laemmert, 1857. 2 v. Disponível em http://www.brasiliana.usp.br/node/454.

capítulo 1 • 34
2
A historiografia
brasileira do final
do século XIX até a
década de 1930
A historiografia brasileira do final do século
XIX até a década de 1930

OBJETIVOS
•  Compreender e analisar os discursos que formaram a tradição historiográfica brasileira no
decorrer do século XIX;
•  Conhecer e analisar a influência do pensamento positivista e das teses racionais sobre a
intelectualidade brasileira e suas relações com a historiografia;
•  Conhecer as contribuições de Joaquim Nabuco para a historiografia brasileira através de seu
esforço abolicionista;
•  Conhecer a obra e as premissas de trabalho de Nina Rodrigues;
•  Conhecer as contribuições de Euclides da Cunha e Manuel Bonfim para o pensamento
social brasileiro;
•  Conhecer a obra de Capistrano de Abreu e analisar suas contribuições para a historiogra-
fia brasileira.

Introdução

Como vimos no capítulo anterior, a questão racial foi a tônica de boa parte da
historiografia produzida no Brasil ao longo do século XIX, e assim permaneceu até
as décadas iniciais do século seguinte. Se os pressupostos racistas já eram senso co-
mum entre as elites nacionais desde os argumentos típicos do período colonial, as
teorias de Augusto Comte e Herbert Spencer apenas os revestiram com roupagens
pretensamente científicas, consequentemente, reforçando-os.
No decorrer das últimas décadas do século XIX, o país passou por transformações
radicais nos âmbitos político e social. O Império deu lugar a uma República e, final-
mente, a abolição acabou com a infâmia da escravidão. O café começava sua hegemo-
nia, consolidando a transferência do polo econômico nacional para a região sudeste,
em especial para São Paulo, colocando a elite cafeicultora paulista em pé de igualdade
com as elites tradicionais do nordeste na disputa pelo Estado. A imigração europeia,
sobretudo de italianos, mas que também incluiu espanhóis, alemães e poloneses, apro-
fundava o caráter do Brasil enquanto país multicultural. Porém, a jovem República já
tinha sua dívida moral para com a população humilde e mestiça do imenso interior
após o massacre do povoado de Belo Monte, na guerra de Canudos (1897).

capítulo 2 • 36
AUTOR

Figura 1: Augusto Conte

Augusto Comte (1798-1857): francês, natural de Montpellier, foi o criador da Sociolo-


gia Positivista, que influenciou fortemente diversas áreas do conhecimento, repercutindo, in-
clusive, na política. Dedicou sua vida à tentativa de encontrar leis tão rigorosas quanto as leis
da física para reger as sociedades. Por essa razão, chamava sua Sociologia de Física Social.

Figura 2: Herbert Spencer

Herbert Spencer (1820-1903): inglês, profundo admirador da obra do naturalista e


biólogo Charles Darwin e da sua Teoria da Evolução das Espécies. Foi o criador da tese de
que “sobrevivem sempre os mais aptos”. Nesse sentido, defendia que a educação e todo
o desenvolvimento científico fossem destinados à preparação de indivíduos cada vez mais
competitivos. Suas ideias foram utilizadas, sem que ele concordasse, para justificar a prima-
zia das nações europeias sobre as demais regiões do globo. Suas principais obras são: “A
Educação Intelectual, Moral e física” (1863), e “Os Princípios da Sociologia” (1874-1896).

capítulo 2 • 37
Como se vê, os mais de trezentos anos de escravidão deixaram sua marca. As
relações raciais estavam longe de serem harmoniosas, e o patriarcalismo caminha-
va de mãos dadas com o machismo e o racismo. O Brasil era, e talvez ainda seja,
uma sociedade autoritária. Portanto, como não poderia deixar de ser, os estudos
sobre a sociedade brasileira – produzidos por membros da elite branca europeizada
– refletiam essa atmosfera psicossocial.

Figura 3: Escravos em cafezais na segunda metade do século XIX.

Com efeito, os estudos históricos brasileiros e o pensamento sociológico, de forma


geral, até a década de 1930, trazem, de forma abrangente, a marca do positivismo e do
tradicionalismo, tanto na temática abordada, quanto nas premissas de análise.

Figura 4: O senhor e o seu plantel de escravos. Nota-se o visível desconforto dos escravos
na pose para a foto e o detalhe dos pés descalços, exceto os do senhor.

capítulo 2 • 38
Um exemplo ilustrativo dessa produção acentuadamente elitista pode ser en-
contrado no trabalho de Oliveira Lima. Diplomata de carreira, e seguidor da me-
todologia de Francisco Varnhagen, ocupou-se da história diplomática brasileira,
realizando extensas pesquisas nos arquivos e bibliotecas dos vários países onde
esteve a serviço. Entre as décadas de 1910 e 1920, reuniu uma expressiva docu-
mentação e catalogou documentos que aumentaram significativamente o leque
de fontes da história política e das relações internacionais brasileiras. Pesquisou
também a história das famílias de personalidades ilustres da história brasileira, so-
licitando permissão para averiguar os arquivos particulares das “famílias fidalgas”,
uma vez que, para ele, “não há quase casa fidalga em Portugal, por exemplo, que
não possua papéis brasileiros”, como disse em artigo na Revista do IHGB (tomo
76, vol.2, 1913).
Como se pode perceber, as fontes e as temáticas estavam restritas ao Estado
e aos grupos de influência no poder. Camadas populares e fontes alternativas às
arquivadas pelo Estado não tinham voz.
Mas houve exceções, das quais iremos tratar nas páginas que se seguem.
Euclides da Cunha, com seu belíssimo “Os Sertões”, propôs uma leitura absoluta-
mente inovadora do mestiço do semiárido nordestino. Manuel Bonfim inovou o
pensamento social brasileiro ao buscar, na economia, os fundamentos das mazelas
sociais, não só do Brasil, mas de toda a América Latina. E, finalmente, um dos
grandes mestres da historiografia brasileira, que ocupa uma parte considerável des-
te capítulo, José Honório de Capistrano de Abreu.

Historiografia e demais estudos sociais sobre o Brasil nas décadas


de 1880-1920

Há uma patente dificuldade em distinguir estudos propriamente históricos


daqueles de outras áreas das ciências sociais nesse período. Isso porque os autores
da época dedicavam-se, simultaneamente, a estudos de diversas disciplinas, como
geografia, sociologia, economia, etnografia, entre outros. Por essa razão, vários dos
autores que escreveram sobre a história do Brasil nesse período a inseriram em
outros temas, muitas vezes com objetivos não propriamente historiográficos, mas
para embasar estudos dessas outras áreas.
Esse aspecto, aliado ao repúdio às teses racistas, levaram os intelectuais
do pós-trinta, de forma geral, a considerarem a produção historiográfica brasi-
leira do final de 1880 ao final da década de 1920, como inferior e, portanto,

capítulo 2 • 39
pouco merecedora de análises mais criteriosas. Com exceção honrosa, claro, de
Capistrano de Abreu.
No período entre as décadas finais do século XIX e as décadas iniciais do
século XX, o ensino da História tinha um acentuado caráter cívico-patriótico. Ao
resgatar as “tradições” nacionais, solidificava os elos e promovia a integração na-
cional. Começaram, então, a surgir estudos que buscavam na fusão das três “raças”
– o negro, o branco e o indígena – a essência da nação brasileira, ainda que sob a
hegemonia dos brancos. Mas a produção historiográfica propriamente dita era de
baixa qualidade e ideologicamente comprometida com as elites dominantes. Nas
palavras de José Roberto do Amaral Lapa:

[...] até pelo menos a década de 20, a Historiografia brasileira é basicamente a mesma
do século XIX, isto é, guarda as mesmas limitações tradicionais, não tomando no seu
conjunto sequer conhecimento do progresso sofrido pelas Ciências Humanas. Carac-
teriza-se pela ausência de uma contribuição das demais Ciências Sociais que ainda
não se haviam desenvolvido no país. [...] A história que predominava tradicionalmente
atingia, de preferência, as áreas políticas e administrativas, a biografia (genealogia)
voltada para os heróis e estadistas, chefes de governo e de manobras militares; uma
História, portanto, das camadas dominantes feita de maneira artesanal e geralmente
reacionária (LAPA, 1976: 70-71).

Evidentemente, o volume da produção histórica diminuiu sensivelmente no


período, devido também à perda de prestígio do IHGB, tido como uma institui-
ção Imperial pelos intelectuais da época, em sua maioria, republicanos, e forte-
mente influenciados pelo positivismo.
Contudo, há autores que se criaram à margem do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, e produziram obras interessantes sobre o Brasil, ainda que não tivessem sua
história como objetivo último. No entanto, seu entendimento do passado nacional
acabou por se tornar fecundo e original. Esse é o caso de Joaquim Nabuco, ou Joaquim
Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, o abolicionista monarquista.

capítulo 2 • 40
Joaquim Nabuco

Recifense, nascido em 1849 (e falecido em 1910), em uma família tradicio-


nalmente envolvida na política, estudou Direito em sua cidade natal e ingressou
na carreira diplomática. Sua vivência no exterior, sobretudo em Washington e
Londres, o pôs em contato com países economicamente poderosos onde predo-
minava o trabalho assalariado. Tornou-se, desde então, incansável combatente da
causa abolicionista.
A escravidão era um entrave à modernização do país. Ela não se sustentava,
nem legalmente, – uma vez que o direito natural não a justificava – nem religio-
samente. Era uma herança sociocultural que emperrava o desenvolvimento do
país. Essas teses ocupam as páginas de seu contagiante livro “O abolicionismo”, de
1883, fundamentado no conhecimento da história colonial brasileira e na opinião
de que o modelo imposto pelos portugueses, apoiado no tripé monocultura-lati-
fúndio-escravidão, fora, em longo prazo, nocivo para o país.
Em sua ótica, a monocultura teria impedido a diversificação das atividades
econômicas e o surgimento de habilidades profissionais. O latifúndio, por sua vez,
além de esgotar a terra, apoiava-se em relações sociais tão arcaicas entre o senhor e
seus subalternos, que lembravam o feudalismo. Por fim, a escravidão, dentre vários
outros problemas, legara à sociedade brasileira a opressão e a perversidade como
práticas sociais usuais.
Como se vê, Joaquim Nabuco fez uso de uma visão crítica da história brasi-
leira para justificar seus posicionamentos no último quarto do século XIX. A eco-
nomia, as relações políticas e a moral social nacional necessitavam urgentemente
de uma reforma para que o país se reerguesse em outro patamar.
Mas, mesmo Nabuco, com toda a sua lucidez, era filho de seu tempo. Em
nome da “reconciliação nacional”, chegou a falar em “indenização dos senhores de
escravos” e na atração de imigrantes europeus para o branqueamento da popula-
ção, pois acreditava na inferioridade racial dos negros.

capítulo 2 • 41
Figura 5: Lei Áurea, 13/05/1888

capítulo 2 • 42
Era, a rigor, um monarquista. Abolicionista, sim; republicano, jamais.
Conciliava em sua pessoa, sem dramas existenciais, essas patentes ambiguidades.
Após a República, fundou um partido monarquista, o que fez com que fosse rene-
gado ao esquecimento. Passou a escrever obras de análise de conjuntura, a exem-
plo de “A intervenção estrangeira durante a Revolta” (1896), onde, a pretexto da
avaliação da Revolta da Armada de 1896, faz críticas ao comportamento exibicio-
nista dos republicanos e ao seu autoritarismo político de viés positivista.
Em uma longa obra memorialista, “Um estadista do Império”, publicado
entre 1897 e 1899, traça um amplo panorama da história política imperial. Para
isso, recorreu aos documentos que compilou durante sua vida diplomática e no
quadriênio em que fora deputado na capital do Império (1879-1883). É uma rica
exposição de fontes primárias que merece consulta por parte dos estudiosos do
Brasil Império.

Nina Rodrigues (1862-1907)

Médico legista e antropólogo maranhense, fez um estudo profundo sobre a


composição étnica da sociedade brasileira, em especial sobre os afrodescendentes.
Compartilhava das teses deterministas em voga no século XIX de que a mestiça-
gem promovia uma degeneração da raça branca, agravada, no caso do Brasil, pelo
clima quente e úmido, que seria desfavorável à presença do branco.
Suas ideias começaram a ser conhecidas em 1890, por ocasião de um congresso
médico em Salvador, quando Nina Rodrigues divulgou a tese de que a crise sanitária
pela qual a cidade passava era decorrente do aumento do número de negros forros e
mestiços na cidade ao longo do século XIX que, com seus hábitos e tradições, enfra-
queciam a população. Era o que ele chamava de “contágio por imitação”.
Condenava o processo de mestiçagem pela qual passava a população brasileira,
pois segundo ele, os mestiços, por não pertencerem a uma raça, eram inferiores aos
“puros”. Por exemplo, Nina Rodrigues considerava o monoteísmo judaico-cristão
dos brancos superior aos “encantamentos” dos negros e à adoração dos astros dos
indígenas. Para agravar ainda mais a situação destes, a catequese mal executada
não elevou o espiritualismo dos nativos, fazendo apenas com que não se adaptas-
sem ao cristianismo. Ademais, isso gerava conflitos internos nas “pobres almas”.

capítulo 2 • 43
Figura 6: O médico com pretensões a antropólogo Nina Rodrigues.

Apesar da morte prematura, escreveu diversos livros e artigos que o tornaram


muito conhecido, inclusive internacionalmente. E, por mais paradoxais que essas
ideias soem nos dias de hoje, elas tinham grande aceitação no mundo científico
da época e inspiravam propostas de políticas de branqueamento da população. Na
ótica de Nina Rodrigues:

[...] os extraordinários progressos da civilização europeia entregaram aos brancos o


domínio do mundo, as suas maravilhosas aplicações industriais suprimiram a distância
e o tempo. Impossível conceder, pois, aos negros como em geral aos povos fracos
e retardatários, lazeres e delongas para uma aquisição muito lenta e remota da sua
emancipação social (RODRIGUES, 1976, p. 264).

Seu livro mais conhecido, “Os africanos no Brasil”, é uma pesquisa de etnografia
histórica, e foi publicado por seus discípulos após sua morte, em 1933. Apesar do
cunho racista, a obra teve o mérito de ser a primeira a conter uma minuciosa pesqui-
sa sobre a trajetória os povos africanos no Brasil, desde os primórdios da colonização
até o período imperial. Nina Rodrigues reuniu dados provenientes de tradições orais
e escritas dessas populações e informações sobre comunidades quilombolas – inclu-
sive Palmares. Há, também, registros das diferenças culturais e linguísticas entre as
várias nações africanas que foram transplantadas para o Brasil. É, pois, o primeiro e
um valioso estudo pormenorizado sobre as etnias africanas no país.
O mapeamento das populações negras no Brasil foi, efetivamente, exaustivo.
Apurou a localização e as diferenças entre os bantos e os sudaneses. Também regis-
trou a presença dos haussás, isto é, negros convertidos ao islamismo, e descreveu

capítulo 2 • 44
suas práticas e tradições, considerando-as superiores às dos demais povos africanos
por serem de religião monoteísta. Identificou membros do grupo dos camitas,
africanos mestiçados convertidos ao islamismo, e buscou compreender suas tradi-
ções originais, anteriores à conversão.
Porém, todo esse esforço visava detectar a capacidade de regeneração de cada
grupo, isto é, conferir as possibilidades de inserção na civilização de cada um des-
ses grupos. Isso porque, para ele:

[...] em torno desse fulcro – mestiçamento – gravita o desenvolvimento de nossa ca-


pacidade cultural, e no sangue negro havemos de buscar, como em fonte matriz, com
algumas das nossas virtudes, muitos dos nossos defeitos (RODRIGUES, 1976, p. 13).

Como médico legista, o autor conheceu as teses do controverso criminologista


italiano Cesare Lombroso. Em seu livro Antropologia Criminal, esse especialista
recorreu a estudos sobre aspectos físicos do corpo humano para afirmar que era
capaz de conhecer a personalidade do indivíduo e, inclusive, antecipar suas ten-
dências criminosas. Essas teses de Lombroso, hoje totalmente refutadas, também
serviram para embasar os julgamentos racistas de Rodrigues (1976), que conside-
ravam os mestiços biologicamente mais propensos à criminalidade.
Concluindo, na obra de Nina Rodrigues, a historiografia brasileira, em espe-
cial a etno-história, encontrou sua primeira pesquisa minuciosa sobre as diferen-
ças culturais entre as populações africanas escravizadas que foram trazidas para o
Brasil, que serviu de ponto de partida para importantes estudos posteriores.

Uma voz dissonante: Euclides da Cunha (1866-1909)

Este carioca, de formação militar (Engenharia), onde entrara em contato com


as teses positivistas, tinha vocação para os estudos sociais e para o jornalismo. Em
1888, abandonou a carreira das armas por ser republicano e dedicou-se à enge-
nharia civil. Hábil escritor, tornou-se articulista do jornal paulistano “O Estado
de São Paulo”. Em 1897, foi enviado como correspondente de guerra para cobrir
a luta entre os conselheiristas e as tropas da República no violento episódio que
entrou para a história do Brasil como “Guerra de Canudos” (1896-1897), no in-
terior da Bahia, próximo à fronteira com Alagoas.

capítulo 2 • 45
Figura 7: Capa da primeira edição de "Os Sertões", livro clássico dos

primórdios do pensamento sociológico brasileiro.

O contato do ex-militar, engenheiro e jornalista Euclides da Cunha com a pai-


sagem rude do semiárido nordestino foi impactante para esse homem afeito às pai-
sagens úmidas da mata atlântica. Mas, o que o sensibilizaria ainda mais, seria o co-
nhecimento do homem do sertão, do sertanejo, para ele, “antes de tudo, um bravo”.
Além do envio regular de notícias sobre os combates, Euclides da Cunha
fazia apontamentos pessoais em uma caderneta de campo. Tomava nota de tudo,
das rochas, das formações de relevo, das plantas e dos animais. Nada escapava a
essa atenção sensibilizada a um mundo novo e, ao mesmo tempo, selvagem. Essas
anotações fariam parte do livro que, em 1902, cinco anos após o massacre dos fiéis
seguidores de Antonio Conselheiro, Euclides da Cunha publicaria, com o título
marcante “Os Sertões”. Assim sendo, minuciosas descrições da natureza do semiá-
rido ocupam o primeiro capítulo dos três que compõem a obra.
Apesar da qualidade das descrições e das inegáveis contribuições para o co-
nhecimento geográfico da região, o essencial da obra ficou reservado aos dois úl-
timos capítulos: “O homem” e “A luta”. O contato do jornalista com a duríssima

capítulo 2 • 46
realidade do sertão o fez, progressivamente, mudar de opinião sobre o homem
do sertão e sua luta. De monarquista reacionário a bravo sertanejo, Euclides da
Cunha percebeu que a realidade sociológica era muito mais complexa do que o
intelectual da capital poderia supor.
No segundo capítulo, “O homem”, ainda estavam presentes, como critérios
de análise de Euclides da Cunha, os condicionantes do “determinismo geográ-
fico”, muito em voga no final do século XIX. Mas, ao contrário de usá-los para
denegrir a imagem do “inimigo da República”, ele os usa para justificar sua forta-
leza. Sobreviver em um ambiente absolutamente desfavorável, sem qualquer tipo
de auxílio do litoral, era uma proeza que somente homens de qualidade poderiam
alcançar. Era o resultado de um processo histórico de ao menos três séculos de
miscigenação e sincretismo entre o colono errante no sertão e o indígena. Eis seu
perfil na pena de Euclides da Cunha:

Fora longo traçar-lhes a evolução do caráter. Caldeadas a índole aventureira do


colono e a impulsividade do indígena, tiveram, ulteriormente, o cultivo do próprio meio
que lhes propiciou, pelo insulamento, a conservação dos atributos e hábitos avoengos,
ligeiramente modificados apenas consoante as novas exigências da vida. — E ali estão
com as suas vestes características, os seus hábitos antigos, o seu estranho aferro às
tradições mais remotas, o seu sentimento religioso levado até ao fanatismo, e o seu
exagerado ponto de honra, e o seu folclore belíssimo de rimas de três séculos...
Raça forte e antiga, de caracteres definidos e imutáveis mesmo nas maiores crises
— quando a roupa de couro do vaqueiro se faz a armadura flexível do jagunço — oriun-
da de elementos convergentes de todos os pontos, porém diversa das demais deste
país, ela é inegavelmente um expressivo exemplo do quanto importam as reações do
meio. Expandindo-se pelos sertões limítrofes ou próximos, de Goiás, Piauí, Maranhão,
Ceará e Pernambuco, tem um caráter de originalidade completa expressa mesma nas
fundações que erigiu. Todos os povoados, vilas ou cidades, que lhe animam hoje o
território, têm uma origem uniforme bem destacada da dos demais que demoram ao
norte e ao sul (CUNHA, p. 42).

Distantes dos senhores, ao contrário dos mestiços do litoral, onde se concen-


travam os poderes, antes da Coroa, depois do Império e, finalmente, da República,
os sertanejos eram livres. Em suas palavras:

capítulo 2 • 47
[...] porque ali ficaram, inteiramente divorciados do resto do Brasil e do mundo, murados
a leste pela Serra Geral, tolhidos no ocidente pelos amplos campos gerais, que se
desatam para o Piauí e que ainda hoje o sertanejo acredita sem fins. O meio atraía-o e
guardava-os (Idem, p. 53).

Percebe-se uma sutil simpatia do autor em relação aos moradores de Canudos.


Em riquíssimas descrições, traçou a imagem de um povoado populoso, com cerca
de cinco mil casebres amontoados ao redor da igreja, e mais de vinte mil almas.
Euclides da Cunha se deu conta de que lutavam pela sobrevivência contra uma
natureza pouco favorável, uma ordem social perpetuadora de desigualdades e um
governo que não os assistia. Aliás, sequer os compreendia e, por isso, empenhava-
-se em dizimá-los.

Figura 8: Os cerca de trezentos sobreviventes do massacre de Canudos.

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até ao esgotamen-
to completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5,
ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram
quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam
raivosamente cinco mil soldados (Idem, p. 120).

O resultado da guerra, após quatro expedições e a morte de cerca de cinco mil


militares, foi a extinção do povoado e da sua população. “Um crime”, na avaliação
de Euclides da Cunha. Mas as contribuições do autor para a análise sociológica

capítulo 2 • 48
brasileira estavam muito além de seu tempo. Ainda levaria décadas para que o
positivismo e o racismo deixassem de ser as matrizes teóricas e as premissas subje-
tivas de trabalho de vários intelectuais. Euclides da Cunha teve a humildade de se
reconhecer incapaz de compreender plenamente o sertanejo.

CONEXÃO
Filme: “Guerra de Canudos” (Brasil. 1997, direção de Sérgio Rezende, 170 min.)
Esmerada produção brasileira, orçada em 6 milhões de dólares, com elenco de estrelas
“Globais”, que levou quatro anos para ficar pronta. O roteiro é uma adaptação livre do san-
grento conflito entre os sertanejos do arraial de Canudos e as forças republicanas. Há, em
cena, um personagem que representa Euclides da Cunha, enviado ao local como correspon-
dente do “Estadão”.

Figura 9: Imagem de divulgação do filme "Guerra de Canudos"

Manuel Bonfim (1868-1932) e o atraso latino-americano

No século XIX, a escravidão passou a ser condenada por amplas camadas da


intelectualidade, tanto por ser incompatível com os direitos naturais, quanto por
ferir os princípios liberais da igualdade civil. Apoiados nesses argumentos, mui-
tos homens de ação lançaram-se à causa abolicionista, que repercutiu fortemente
no Brasil graças a homens como Joaquim Nabuco, por exemplo. Mesmo após a

capítulo 2 • 49
libertação dos escravos e o próprio fim do regime imperial, a escravidão continuou
sendo considerada, por alguns estudiosos, uma das causas do “atraso” vivido pelo
Brasil e pelos demais países latino-americanos que a adotaram, em relação aos
países europeus.
Na visão de Manuel Bonfim, a escravidão teria sido descrita, principalmente
na obra “América Latina: males de origem” (1905), como o fator comum aos
países dessa região do globo que impunha obstáculos ao seu desenvolvimento.
Eram sociedades desorganizadas em todos os aspectos, atrasadas, e impregnadas
por um “parasitismo social” herdado do escravismo. Por “parasitismo”, entende-se
a exploração econômica do trabalho escravo impactando de forma tão negativa
a atividade econômica, que impossibilitava a construção de uma sociedade mais
justa. Sim, justa. Ele falava em compreender a “causa efetiva desses males, dentro
dos quais somos todos infelizes, o desejo de subir à civilização, à justiça, a todos os
progressos” (BONFIM, 1993 [1905], p. 35).
Manuel Bonfim recuperou argumentos das lutas dos abolicionistas radicais,
que defendiam que a emancipação dos negros teria, necessariamente, que vir
acompanhada de amplas reformas na esfera econômica, a exemplo de uma “de-
mocratização da terra”.
Por essas razões, o pensamento de Manuel Bonfim permaneceu margina-
lizado pela intelectualidade brasileira durante décadas, tendo sido redescoberto
(ou talvez descoberto) somente na última década do século passado. Isso porque
ele não compartilhava da matriz racista de pensamento nem da tese eugenista
da necessidade de branqueamento da população típicas de Nina Rodrigues, por
exemplo. Em outras palavras, por não comungar do evolucionismo e darwinis-
mo social predominantes em sua época, foi condenado ao esquecimento. Para
Manuel Bonfim:

[...] nunca supôs que a sua obra genial pudesse servir de justificação aos crimes e às
vilanias de negreiros e algozes de índios!... Ao ler-se tais despropósitos, duvida-se até
da sinceridade desses escritores; Darwin nunca pretendeu que a lei da seleção natural
se aplicava à espécie humana, como dizem os teoristas do egoísmo e da rapinagem.
Ele reconheceu que os seres vivos lutam pela vida; mas esta expressão ‘luta’ não tem,
na teoria, o sentido estreito a que reduzem os espíritos acanhados; luta pela vida quer
dizer, para ele, tendência a viver, esforço para conservar a vida e propagá-la, e não,
simplesmente, conflito material, agressão cruenta (BOMFIM, 1993 [1905], p. 249).

capítulo 2 • 50
Para ele, as causas do “atraso” latino-americano repousavam no modelo ibé-
rico de exploração mercantil de suas colônias, cujo “princípio motor” era a escra-
vidão, pois possibilitava lucros extraordinários à metrópole. Como consequência,
não se desenvolveu uma cultura de trabalho livre, individual e racional. Não se
sabe se Manuel Bonfim chegou a ter acesso às teses de Max Weber acerca da “ética
protestante”, de 1903, tida como a causa do desenvolvimento econômico das na-
ções de população majoritariamente protestante.
E Manuel Bonfim vai além. Percebeu que o escravismo e as relações sociais e
políticas estabelecidas a partir dele, educaram a população para a subserviência e a
“bajulação”. E, por serem hegemônicas essas relações, ou o indivíduo se adaptava,
ou era excluído.
Lamentavelmente, mesmo após o fim da escravidão e do regime imperial, as
elites dirigentes preservaram essa cultura de pouca valorização do trabalho, que
Manuel Bonfim chamava de “conservantismo sentimental”. Tal cultura não pro-
movia melhorias na preparação dos ex-escravos para o trabalho. Por isso, a solução
apontada pelo autor seria a educação para o trabalho através de uma ampla disse-
minação de institutos escolares de ensino básico.

José Honório Capistrano de Abreu, o “mestre” da Historiografia Brasileira

Cearense de Maranguape, nascido em 1853, desde a infância se interessava


por literatura e escrita, mesmo não tendo sido um aluno brilhante. Aos dezoito
anos, viu frustrada sua tentativa de ingressar na Faculdade de Direito de Recife.
Iniciou, então, uma breve carreira de jornalista, colaborando com vários periódi-
cos. Nessa fase de sua vida, a primeira juventude, interessava-se principalmente
por letras e literatura. Mas, oriundo de uma família numerosa, filho de um peque-
no proprietário rural, o retorno financeiro com os “bicos” de jornalista era incerto
e insuficiente. Decidiu mudar-se para a capital do Império em 1875, com o ob-
jetivo de obter um em prego fixo. Rapidamente, empregou-se na livraria Garnier
graças à recomendação do escritor José de Alencar, de quem era admirador e com
quem mantinha correspondência. Continuou, porém, colaborando em jornais ca-
riocas com artigos sobre literatura.
Contudo, graças ao trabalho na Biblioteca, suas atenções foram aos poucos se
voltando para a História. O contato com o rico acervo documental mantido pela
Biblioteca, pouco explorado e, em grande parte, ainda desconhecido, fez com que
ele se interessasse, sobretudo, pelas fontes.

capítulo 2 • 51
Por isso, podemos considerá-lo o sucessor da escola inaugurada por Francisco
Varnhagen. Isso porque Capistrano de Abreu acreditava que a pesquisa histórica,
em hipótese alguma, poderia prescindir das fontes documentais nem do traba-
lho extensivo do historiador nos arquivos. Por essa razão, após o seu ingresso na
Biblioteca Nacional (1879), passou a compilar e divulgar fontes documentais.
Sua premissa era a de que a qualidade da obra historiográfica estava diretamente
relacionada às fontes utilizadas. Por esse motivo, solicitava a seus colabores no
exterior, sobretudo onde se sabia existir farta documentação sobre o Brasil, que ca-
talogassem e, se possível, compilassem essa documentação. Assim sendo, arquivos
franceses, italianos, ingleses, alemães e, principalmente, espanhóis e portugueses,
foram vasculhados por colaboradores de Capistrano.

AUTOR

Figura10: Selo comemorativo do centenário de nascimento.

José Honório Capistrano de Abreu (1853-1927): cearense de Maranguape, considera-


do um dos maiores historiadores brasileiros. Responsável por incluir negros e indígenas na
formação histórica nacional sem o viés racista de seus antecessores. Pesquisou temas de
história social e fez importantes levantamentos de fontes primárias. A exemplo disso, para
compreender a língua e as práticas indígenas, conviveu por meses em sua residência com
índios Bacaeris e Caxinauás.

capítulo 2 • 52
Aos poucos, ampliou seu conhecimento sobre a documentação armazenada
em outros arquivos brasileiros. Por exemplo, elaborou listas sobre o conteúdo dos
arquivos das bibliotecas do Imperador e do Instituto Histórico e Geográfico.
Esse esforço de catalogação e compilação documental tinha como um dos
principais objetivos a publicação das cartas e crônicas dos Jesuítas do século XVI,
o que, infelizmente, não se concretizou devido às dimensões que a obra tomaria
– estimada em 30 volumes. Por outro lado, seus esforços na pesquisa documental
renderam a redescoberta e a reedição de obras pioneiras da historiografia nacional.
Abaixo, listamos algumas das obras dos séculos XVI e XVII reeditadas e prefa-
ciadas por Capistrano, que são de grande interesse documental e historiográfico:

EXEMPLO
•  Fernando Cardim – “Do clima e da terra do Brasil e de algumas coisas notáveis que se
acham assim na terra como no mar” (1881)
•  Padre José de Anchieta – “Informações e fragmentos” (1886)
•  Frei Vicente do Salvador – “A primeira visitação do Santo Ofício” (1887), “Confissões da
Bahia” (1922) e “Denunciações de Pernambuco” (edição póstuma, 1929)

Porém, ao contrário de Varnhagen, a quem considerava um mestre, Capistrano


entendia que as fontes, por si só, não narravam a história. Era preciso que o historia-
dor dirigisse às fontes as questões corretas, a fim de dar um norte à narrativa. Essa é
uma distinção fundamental que deve ser registrada na sua obra em relação aos seus
contemporâneos, muitos dos quais ainda se apoiavam nos pressupostos racistas e do
darwinismo social, populares entre as elites letradas brasileiras de então.
Outra inovação trazida por Capistrano para a historiografia brasileira foi a
incorporação de temas além daqueles contemplados pela historiografia do século
XIX, que se concentrava nas elites e nos feitos dos “grandes vultos”. Ao contrário,
Capistrano se interessava por temas de história econômica e o que posteriormen-
te chamaríamos de história social. Percebia claramente as desigualdades sociais e
econômicas do país, agravadas pelo preconceito racial.

capítulo 2 • 53
O dono da casa grande, como toda a população masculina, exceto quando viajava, an-
dava de ceroula e camisa, geralmente com rosários, relíquias, orações cuidadosamente
cosidas e escapulários ao pescoço. Nas ocasiões solenes, recebendo visitas, revestia-se
de quimão, timão ou chambre. «Quando um brasileiro põe-se a usar um desses hábitos
talares começa a se considerar personagem importante (gentleman) e com título por-
tanto a muita consideração», informa Koster. A roupa caseira das mulheres constava de
camisa e saia; o casebeque só apareceu mais tarde. As moças solteiras dormiam juntas
num gineceu chamado camarinha. Não apareciam aos estranhos. Era comum verem-se
os noivos pela primeira vez no dia do casamento (ABREU, 1988, p. 128).

Décadas mais tarde, relatos como esse, da rotina diária das populações, seriam
chamados de “história do cotidiano”, uma variação da História Social fortemente
influenciada pela “Nova História” francesa.
Ademais, ele incorporou os imensos territórios do interior do Brasil, não se li-
mitando ao estudo da orla marítima. Por essas razões, Capistrano é tido como uma
“ponte” entre a historiografia da segunda metade do século XIX e do século XX.
Estudiosos de sua obra consideram-no fundador de uma nova historiogra-
fia brasileira, por centralizar seus esforços na compreensão do Brasil “autêntico”,
aquele que se formou não nas franjas da civilização europeia, mas nos seus interio-
res, nas minas, nas estradas. Esse Brasil não estava em Londres, nem mesmo em
Portugal; estava nas vilas de caboclos, nos quilombos, nas aldeias indígenas. Não
que ele desprezasse essas fontes de informação, mas elas, por si só, seriam insufi-
cientes para se conhecer a verdadeira história do Brasil. E esta só era possível ser
encontrada na cabana do sertanejo, e não nos palacetes do Rio de Janeiro.
Mas ele não rejeitou totalmente a produção da geração anterior. Ao contrário,
incorporou dela o que havia de melhor, isto é, o rigor metodológico e a crítica das
fontes. Daí sua admiração quase que reverencial a Francisco Varnhagen, cuja obra
mais importante, “História Geral do Brasil”, reeditou e prefaciou, em 1906.
Ele foi um “revisionista”? Sem dúvida. Abriu sua obra mais importante,
“Capítulos de história colonial” (1907), com a descrição dos costumes indíge-
nas; na sequência, dos negros; somente no terceiro capítulo entrou o português,
sob o título de “conquistador”. A respeito dos índios, vejamos um pequeno
excerto de “Capítulos”:

capítulo 2 • 54
Tinham os sentidos mais apurados, e intensidade de observação da natureza incon-
cebível para o homem civilizado. Não lhes faltava talento artístico, revelado em produtos
cerâmicos, trançados, pinturas de cuia, máscaras, adornos, danças e músicas. Das suas
lendas, que às vezes os conservavam noites inteiras acordados e atentos, muito pouco
sabemos: um dos primeiros cuidados dos missionários consistia e consiste ainda em
apagá-las e substituí-las (Idem, p. 8).

Como se vê, ele buscava qualidades e virtudes naqueles em quem muitos só


viam defeitos: o relacionamento apurado com a natureza e o domínio de ricas
tradições e lendas. Na sequência, ainda localiza uma das causas da perda dessas
tradições: a ação dos missionários.
Ao final dos três séculos de colonização, este era o retrato da população bra-
sileira pelo seu olhar:

A maioria constava de mestiços; a mestiçagem variava de composição conforme as


localidades. Na Amazônia prevalecia o elemento indígena, abundavam mamelucos, ra-
reavam os mulatos. Na zona pastoril existiam poucos negros e foram assimilados muitos
índios. À beira-mar e nas comarcas dos metais sobressaía o negro, com todos os deri-
vados deste radical. Ao Sul dos trópicos elevava-se a porcentagem dos brancos. Das
três raças irredutíveis, oriunda cada qual de um continente e compelidas à convivência
forçada, eram os africanos a que maior número de representantes puros possuía, em
consequência das levas anualmente fornecidas pelo tráfico dos negreiros (Idem, p. 125).

Havia miscigenação em todo o território, com ênfase em uma das grandes


“raças”, em função de fatores econômicos e da antiguidade da ocupação. Ou seja,
onde a atividade econômica era mais intensa, voltada para o comércio ultramari-
no, a presença do africano era maior; nas regiões de parca presença do conquis-
tador europeu, prevalecia o indígena. Finalmente, ao sul, pequenos proprietários
rurais de origem europeia determinaram o predomínio do elemento branco entre
a população. Capistrano não julga; ao contrário de vários dos seus antecessores,
não usa a História para justificar preconceitos raciais.
Quando faleceu, em 1927, perto de completar 74 anos, havia dedicado mais
de cinco décadas à História do Brasil. É, sem sombra de dúvida, um dos “clássicos”
da historiografia brasileira, ao lado de Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado

capítulo 2 • 55
Júnior. Já em 1945, Nelson Werneck Sodré o incluiria na sua obra de síntese da
produção intelectual nacional, emblematicamente intitulada “O que se deve ler
para conhecer o Brasil”. Na década de 1950, o igualmente clássico Sérgio Buarque
afirmaria sua “dívida” para com Capistrano de Abreu, a quem considerava pre-
cursor da historiografia que se praticava na década de 1950 e responsável pelo
mais exaustivo levantamento documental sobre a história do Brasil. Em suma, foi
responsável pela síntese dos rigores de uma metodologia ao estilo alemão, com as
temáticas sociais e culturais que despontavam nas décadas iniciais do século XX.

CONEXÃO

Figura11: Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922).

Livro: “Triste fim de Policarpo Quaresma” (Lima Barreto, 1915):


Através do personagem central da obra, Policarpo Quaresma, Lima Barreto faz
uma ácida crítica à sociedade do final do século XIX.
Há uma interessante e bem cuidada adaptação cinematográfica do livro de Lima
Barreto. Recomendável.
Filme: “Policarpo Quaresma: herói do Brasil” (Brasil, 1998, 123 minutos).
Dirigido por Paulo Thiago, em adaptação de Alcione Araújo da obra de Lima Barreto.

capítulo 2 • 56
Figura12: Pôster do filme Policarpo Quaresma: herói do Brasil.

LEITURA
CHAUÍ, Marilena – Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Editora Fundação
Perseu Abramo, 2000.
Esse livro abre a coleção que visava repensar o Brasil nos seus 500 anos, através de um
olhar crítico, bem distante do ufanismo que permeou as comemorações oficiais. O “mito” de
um país isento de conflitos, abençoado por Deus, perpassa nossa história desde o descobri-
mento. E, em verdade, oculta uma sociedade autoritária e excludente. Esse é o percurso da
filósofa e professora Marilena Chauí.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, José Capistrano de. Capítulos de História Colonial. (1907) Belo Horizonte: Itatiaia,
1988. Também disponível para “download” em <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/
bn000062.pdf>
________. Caminhos antigos e povoamento do Brasil. (1899) AMED, Fernando.
As cartas de Capistrano de Abreu: sociabilidade e vida literária na “belle époque” carioca. São Paulo:
Alameda, 2006.
BOMFIM. Manoel. A América Latina: males de origem. (1905) Rio de Janeiro: Topbooks, 1993.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. (1901) Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/bn000153.pdf>

capítulo 2 • 57
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado (org.). Estudos sobre a escrita da história. Rio de Janeiro: 7
Letras, 2006.
GOMES, Angela de Castro. História e historiadores. Rio de Janeiro. FGV, 1996.
LAPA, José Roberto do Amaral. História em questão. Petrópolis: Vozes, 1976.
NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. (1883). Petrópolis: Vozes, 1988.
_________. “A intervenção estrangeira durante a Revolta”. (1896) In: Obras completas. Vol. II. São
Paulo: Instituto Progresso, 1949.
RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. (1932) Disponível em <http://www.brasiliana.com.br/
obras/os-africanos-no-brasil>.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil -
1879-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

IMAGENS DO CAPÍTULO
Figura1: https://pt.wikipedia.org/wiki/Auguste_Comte#/media/File:Auguste_Comte.jpg
Figura 2: https://commons.wikimedia.org
Figura 3: https://commons.wikimedia.org
Figura 4: https://pt.wikipedia.org
Figura 8: https://commons.wikimedia.org
Figura 10: Departamento de Correios e Telégrafos
Figura 11: https://commons.wikimedia.org

capítulo 2 • 58
3
A Produção
Historiográfica no
Brasil República a
partir de 1930
A Produção Historiográfica no Brasil
República a partir de 1930

OBJETIVOS
•  Conhecer as transformações pelas quais passou a historiografia brasileira a partir da dé-
cada de 1930;
•  Compreender as causas das mudanças pelas quais passou a produção do conhecimento
histórico no Brasil desde 1930;
•  Analisar a obra de Gilberto Freyre, “Casa-grande e senzala”;
•  Conhecer a obra de Sérgio Buarque de Holanda;
•  Analisar a influência do marxismo na historiografia brasileira através da obra de Caio Prado
Júnior e Nelson Werneck Sodré.

Introdução

No primeiro capítulo, destacamos o fato de que a História só veio a se tornar


uma ciência com cátedra universitária, mundialmente falando, a partir do iní-
cio do século XIX, no contexto da construção e do fortalecimento dos Estados
Nacionais. Isso quer dizer que motivações de natureza nada científicas estão, desde
o seu nascimento, imbricadas na História. Com a elevação ao patamar de ciên-
cia universitária, ela passou a sofrer pressões decorrentes de interesses editoriais,
disputas internas por postos na carreira acadêmica, além dos naturais embates
teórico-metodológicos.

No Brasil não foi diferente.

Vimos que a institucionalização da História, ocorrida durante o Brasil


Império, se deu em razão de interesses políticos de grupos que defendiam uma
maior centralização do poder. Muitas décadas depois, em pleno século XX, os fa-
tores políticos voltariam a influenciar decisivamente os rumos da produção histo-
riográfica acadêmica no país. Desta feita, as insatisfações generalizadas em relação
à República, que concentrava os poderes políticos nas mãos das elites oligárquicas

capítulo 3 • 60
e mantinha boa parte da população brasileira na indigência, afetariam a atividade
intelectual do país por inteiro, inclusive a escrita da história.
Se, logo no início do século, Euclides da Cunha fez a aproximação da
Sociologia e da História, a união definitiva se daria na década de 1920, com o
pernambucano Gilberto Freyre.

Gilberto Freyre e a “democracia racial”

No pensamento social brasileiro anterior a Gilberto Freyre (1900–1987) predo-


minavam interpretações deterministas ao lado das de cunho positivista, quando o
objeto analisado era a sociedade nacional. Falando mais claramente, o entendimento
que a intelectualidade brasileira fazia da nossa sociedade era francamente racista:

Os modelos civilizatórios paradigmáticos adotados eram europeus e dos Estados Unidos.

As sociedades latino-americanas eram tidas como atrasadas devido à intensa


miscigenação.

O Brasil das elites sonhava ser a Europa dos brancos.

O estudioso pernambucano promoveu uma verdadeira virada sociológi-


ca através da sua interpretação da história do Brasil: o que era negativo ganhou
positividade. A miscigenação de raças, o sincretismo cultural e o calor tropical
tornaram-se, para Freyre, fatores de destaque e de elogio. Certamente, traços da
antropologia culturalista e relativista de Franz Boas, com quem Gilberto Freyre
havia estudado.
Dessa forma, Freyre conseguiu substituir o determinismo racial de seus prede-
cessores brasileiros pela ideia da “simbiose” cultural, ou seja, o encontro positivo
entre a cultura “fornecedora” do português e a “receptora”, dos indígenas e africanos.

capítulo 3 • 61
Figura1: Gilberto Freyre, o sociólogo que buscou na história as bases para o entendimento
da sociedade brasileira.

Essa “virada” antropológica decorreu do abandono da desgastada noção de


raça em benefício da ideia de cultura, e foi extremamente fecunda, repercutindo
positivamente por décadas a fio nas ciências sociais brasileiras.
Esta foi a grande contribuição de Gilberto Freyre para o pensamento brasilei-
ro: a partir da dimensão cultural da sociedade, ele localizou o elemento identitário
fundamental da nacionalidade. Para ele, esse encontro de raças tão diferentes entre
si foi o fator responsável pela originalidade mundial da cultura brasileira. O que
era negatividade para outros autores, para ele, era o aspecto determinante da nossa
positividade. Este é um fator tão importante do pensamento freyreano, que mere-
ce ser enfatizado: ele teve a coragem de questionar o paradigma até então vigente
de que o atraso brasileiro decorria da miscigenação do europeu superior com as
raças inferiores.
No entanto, Gilberto Freyre não deixou de ser um autor influenciado pelas
teses do determinismo racial e/ou geográfico ainda em voga em sua época. Por isso
a busca por um modelo tipicamente tropical de desenvolvimento que excluísse
necessariamente a adoção dos paradigmas da sociologia então praticada nas lati-
tudes temperadas. De certa forma, o que ele fez foi inverter o polo da abordagem
usual das teses racistas vigentes desde o século XIX. Onde os europeus enxergavam
males de vícios – nos trópicos – Freyre vislumbrava uma civilização nova, original
e, por isso mesmo, dotada de positividade.

capítulo 3 • 62
A luso-tropicalidade

Neste tópico, vamos explorar aquilo que há de mais original nas formulações
do sociólogo recifense: o advento de uma nova civilização, guiada pela mão do
português, à qual ele chamaria de “luso-tropicalidade”. Suas reflexões originaram-
-se a partir do avanço do nazi-fascismo. Segundo Freyre, tratava-se de uma “guerra
entre culturas”; de uma “guerra essencial e silenciosa de defesa” da nossa cultura
contra os “imperialismos animados pelo ideal de reduzir os considerados por eles
inferiores fisicamente e culturalmente à condição de vassalos, escravos, servos (...)”
(FREYRE, 1940, p. 45 e 46).
Segundo o sociólogo pernambucano, essa guerra entre culturas era efetivamente
mais perigosa do que as guerras entre os Estados, pois estas eram efêmeras e passa-
geiras, enquanto que as “culturais” se prolongavam por séculos a fio. Isso porque os
objetivos e, portanto, os resultados, seriam assaz prejudiciais para a cultura derro-
tada. No caso em questão, a cultura nazista, apoiada nos dogmas da superioridade
ariana, da pureza racial, e da massificação da população, contrastava de forma irre-
dutível com a cultura luso-brasileira. Esta se baseava, segundo Gilberto Freyre, na
“democracia racial”, na mestiçagem e no equilíbrio entre antagonismos. Sua obra,
ao menos nesse lustro da metade inicial do século XX, era concebida pelo próprio
autor como parte do esforço de guerra entre as civilizações, calcado na Sociologia.
Efetivamente, sua luso-tropicalidade exigiu uma interdisciplinaridade sem
igual para as ciências sociais de sua época. O próprio Freyre se considerava um
“dadaísta científico” (FREYRE, 1961, p. 243), tamanha a pluralidade de influên-
cias que sua obra deixava transparecer: botânica, psicológica, histórica, antropoló-
gica e sociológica. Com isso, ele conseguiu quebrar uma série de paradigmas, não
apenas no plano acadêmico-científico, mas, principalmente, na autoimagem de
uma parcela significativa da sociedade brasileira. Por exemplo, os escravos foram
alçados à posição de corresponsáveis pela colonização do país, e as mulheres, con-
sideradas o repositório das tradições.
Os traços positivos do caráter português, maleável e pouco propenso ao au-
toritarismo nas relações pessoais, imprimiram em sua colônia na América do Sul
uma realidade muito diferente daquela verificada nas colônias dos demais países
europeus. Nestas, de domínio inglês, holandês e francês, não houve a simbiose cul-
tural tal qual verificada no Brasil, pois prevaleceu o etnocentrismo do colonizador.

capítulo 3 • 63
A obra-prima: “Casa-Grande e Senzala”

Sua obra seminal, certamente uma das mais importantes das ciências sociais
brasileiras, é “Casa-Grande e Senzala”.

Darcy Ribeiro destacou sua relevância na consolidação de uma mentalidade so-


ciológica genuinamente.

Fernando Novais salientou a antecipação, em décadas, dos temas que consagra-


riam a historiografia francesa da “Nova História” .

Até mesmo o notório historiador francês Lucien Febvre, um dos luminares da Es-
cola dos “Annales”, não poupou elogios à obra de Freyre por ocasião seu prefácio
à edição francesa de “Casa-Grande e Senzala” .

Sem dúvida, as páginas de “Casa-Grande” estão repletas de descrições de cenas


cotidianas e detalhes da vida que transcorria privadamente entre quatro paredes.
As pesquisas de Freyre concentraram-se, também, nos elementos da cultura mate-
rial, como hábitos alimentares, vestuário e toda a gama de utensílios domésticos e
de trabalho. Igualmente digno de nota, sua visão da mentalidade da época estava
enquadrada pelas estruturas mentais de longa duração da sociedade lusitana.
A obra resultou das comparações feitas pelo autor entre as formas de
colonização portuguesas em seus diferentes domínios, seja na Ásia, na África
ou na América. Naqueles continentes, Freyre reparou que a fixação portuguesa
foi superficial, sem a profundidade verificada nas paragens sul-americanas. Outro
grande mérito da obra que merece ser destacado é o fato de Gilberto Freyre não ter
utilizado esquemas teóricos alheios, muito menos aqueles concebidos por autores
estrangeiros ao analisarem realidades socioculturais e geográficas muito diferentes
daquela do Brasil colonial.
Não nos esqueçamos do subtítulo de “Casa-Grande e Senzala”: “Formação
da família brasileira sob o regime da economia patriarcal”. O sistema patriarcal
da colonização portuguesa no Brasil era representado, conforme Gilberto Freyre,
pela casa-grande. Tratava-se de um modelo genuinamente português, aliás,

capítulo 3 • 64
luso-tropical, pois fora forjado nos trópicos, a partir da experiência lusa de coloni-
zação nos demais continentes onde possuíam domínios.

Foi nos terreiros da casa-grande, conforme Freyre, que ocorreu o sincretismo cul-
tural entre o senhor português, o índio amansado e o africano cativo. Para provar a in-
tensidade desse sincretismo, que denominou “simbiose cultural”, ele aludiu a exemplos
da vida cotidiana. A capela doméstica, o cemitério familiar, as receitas culinárias, as
cantigas de ninar. Esses e inúmeros outros exemplos, para Freyre, são reveladores da
“coesão” dos domínios do patriarca. Mas observe que Freyre ressaltou o ambiente fami-
liar, não o indivíduo, tampouco o Estado nem alguma companhia comercial. Isso porque
a família reunia uma grande variedade de funções sociais e econômicas. Por isso, para
ele, a base econômica era a família, que, em suas palavras, “é uma força social que se
desdobra em política” (FREYRE, 2004, p. 81).

Figura 2: Edição de 2008, pela Global Editora, de São Paulo.

Foi, também, no âmbito da casa-grande que se deram o sincretismo cultural


e a mestiçagem, responsáveis, segundo o sociólogo, pela “democracia racial”. Para
ele, desde os primórdios da colonização, os portugueses jamais se preocuparam
com a “pureza racial”, mas sim com as rendas para a receita real e com a difusão

capítulo 3 • 65
da fé católica. Esta, para Freyre, funcionou como uma espécie de “elo mágico”,
unindo territórios e culturas absolutamente diferentes. Dessa forma, o catolicis-
mo, usando a expressão do próprio autor, foi o “cimento” da unidade cultural
brasileira (idem, p. 91).
Com efeito, é nessa “unidade na diversidade”, como ele ressaltou, que reside a
singularidade civilizatória brasileira. Portanto, a pluralidade cultural está na base
da sociedade brasileira; daí sua vocação democrática, ao menos no âmbito cultural
e das relações sociais.
Paradoxalmente, o senhor de engenho jamais deixou de ser um escravocrata
e, portanto, de se comportar como tal. Ou seja, as relações entre a casa-grande e a
senzala implicavam duas posições psíquicas antagônicas: o sadismo do senhor e o
masoquismo do escravo. Essa posição masoquista do cativo, para Freyre, transfor-
mou-se, ao longo do tempo, em uma verdadeira cultura do masoquismo, que pode
ser socialmente verificada pela vocação das camadas subalternas da população para
a submissão política. Por essa razão, o povo brasileiro não seria afeito à democracia,
preferindo regimes políticos autoritários. Segundo Gilberto Freyre, “no íntimo, o
que o grosso do que se pode chamar povo brasileiro ainda goza é a pressão sobre ele
de um governo másculo e corajosamente autocrático” (idem, p. 114).
Certamente, esse patrimonialismo característico do Brasil, desde a colônia
até o império, trouxe sérias e profundas implicações para o espaço público na-
cional. Mandonismo, nepotismo e fisiologismo, velhos conhecidos da nossa po-
lítica institucional, sem sombra de dúvida, têm suas raízes na configuração so-
cial patrimonialista.

Considerações Finais

José Carlos Reis (2007) situa Freyre entre os estudiosos que elogiam a coloni-
zação portuguesa, daí o conceito freyreano de “luso-tropicalidade”. Para ele, esse
aspecto seria determinante de um futuro de destaque do Brasil finda a moderni-
dade. Esta, entendida como uma etapa histórica transitória, uma vez ultrapassada
pelos progressos técnicos, possibilitaria ao homem mais tempo livre, o que está
mais de acordo com a apreensão ibérica de tempo. Assim sendo, as raças mestiças
com o ibérico estariam melhor preparadas para o futuro pós-moderno. Nessa tese,
encontra-se também a ideia polêmica da “democracia racial” que teria caracteriza-
do as relações entre os senhores e seus escravos no Brasil colonial.

capítulo 3 • 66
No entanto, essa tese destoa daquilo que a documentação empírica da época,
levantada por outros autores, a exemplo de José Alípio Goulart (1971), revelou.
Tais estudos demonstraram ter ocorrido exatamente o oposto, ou seja, os portu-
gueses eram reconhecidos pela extrema crueldade com que tratavam seus escravos.
Nestes termos, é importante registrar que, apesar de a severidade ter sido uma ca-
racterística intrínseca ao relacionamento entre o senhor de engenho e o escravo ca-
tivo em todas as colônias modernas, os portugueses na América eram tidos como
os mais “perversos” (GOULART, 1971, p. 21). Desde o século XVII, a Coroa
lusitana já recebia denúncias de abusos e tratamentos cruéis (GOULART, 1971,
23). Apesar das sucessivas recomendações reais de abrandamento das punições dos
escravos pelos senhores, os maus-tratos atravessaram toda a colônia e adentraram
o período imperial (FIGUEIREDO FILHO, p. 44).

Há ainda que se ressaltar que a perspectiva freyreana não deixa de ser “senhorial”,
contribuindo, através do mito da “democracia racial”, para a camuflagem das desigual-
dades históricas e nocivas que, desde sempre, caracterizaram a sociedade brasileira.
Outros consideram sua análise superficial, pois não teria levado em conta as seculares
formas de dominação e exploração usadas pelas elites senhoriais. A tese da harmonia
social, que enfatizava aquilo que as “raças” teriam, supostamente, intercambiado, ofus-
cou os conflitos e as diversas formas de resistência popular.
É inegável, portanto, o viés europeizante – no caso, com ênfase no português – das
teses freyreanas. Elas visavam, entre outros objetivos, reabilitar a imagem do coloni-
zador ibérico, secularmente desgastada e, segundo Freyre, “longamente caluniada”.
Havia, pois, racismo implícito? Há quem diga que sim. E há quem diga o contrário.

Em meio a todas essas críticas, para Leandro Konder (1998, p. 359), Gilberto
Freyre foi responsável pela diminuição do preconceito dos intelectuais brasileiros
em torno do tema da escravidão. Contudo, no final dos anos 1940, sua verve
conservadora se manifestou no âmbito da política, quando passou a emprestar seu
nome às causas anticomunistas (ibid.).

Sérgio Buarque de Holanda

Os anos 1920 assinalam uma época de mudanças na mentalidade de alguns


setores da sociedade brasileira. Em certo sentido, pode-se dizer que a sociedade,

capítulo 3 • 67
ou ao menos parte dela, modernizava-se. Por exemplo, entre os dias 11 e 18 de
fevereiro de 1922, ocorreu o evento emblemático da “Semana de Arte Moderna”,
que reuniu artistas de vanguarda da música, escultura, pintura e literatura, além
de intelectuais de diversos campos do conhecimento. Seu impacto foi imediato e
duradouro, dando início ao que se pode chamar de “movimento modernista”. Em
resumo, a intelectualidade estava sinalizando o início de um profundo questiona-
mento das teses racistas que prevaleciam nas obras sobre o Brasil até então. Muito
em breve, teses valorizando o legado colonial brasileiro viriam à tona.

ATENÇÃO
No cenário político, o ano de 1922 também testemunhou o surgimento de um movimen-
to igualmente impactante, o “tenentista”, que reuniu os jovens oficiais das Forças Armadas
que aspiravam por reformas na estrutura sociopolítica nacional. Foi graças à influência dos
“tenentes” que, anos mais tarde, ocorreria a “Revolução de Trinta”.

Em resumo, a “República Velha”, de matriz oligárquica, estava sendo questio-


nada, assim como os privilégios das elites agrárias e a mentalidade autoritária que
impregnava amplos setores da sociedade.
Essas transformações, evidentemente, alcançaram a produção historiográfica,
sobretudo a partir da década seguinte, quando despontaram obras claramente in-
fluenciadas pela Sociologia de Max Weber. Neste cenário de mudanças, despontou
Sérgio Buarque de Holanda.
Nascido em São Paulo em 1902, aos dezenove anos (1921), mudou-se com
a família para o Rio de Janeiro, onde, no ano seguinte, ingressou no curso de
Direito da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Escritor talentoso, logo angariou
a simpatia de Oswald de Andrade e Mario de Andrade, tendo participado ativa-
mente do Movimento Modernista de 1922. Ao concluir o curso, iniciou a carreira
de jornalista no Jornal do Brasil e, a serviço deste, foi enviado como correspon-
dente internacional para a Alemanha. Lá, entrou em contato com a dura realidade
do pós-guerra e o fortalecimento do nazismo. Além disso, teve a oportunidade de
aprofundar seus conhecimentos sobre a obra de Max Weber, na qual se inspiraria
para construir sua tese sobre o “homem cordial”, da qual falaremos mais adiante.
Quando do seu retorno ao Brasil, no início dos anos 1930, Sérgio Buarque
de Holanda ingressou na Universidade do Distrito Federal, iniciando uma longa

capítulo 3 • 68
carreira de magistério que duraria quase quarenta anos. Em 1946, assumiu a dire-
ção do Museu Paulista (Museu do Ipiranga), administrado pela USP, onde passou
a lecionar em 1958. Desligou-se da USP e encerrou suas atividades no magistério
em 1969, em protesto pela demissão de colegas da universidade pela ditadura
militar. Com efeito, pode-se afirmar que a cientificização da produção historio-
gráfica brasileira, com a criação de cátedras universitárias de História, começou a
ser sentida nos anos 1940.
Sua vasta obra, que reúne dezenas de livros e artigos, o coloca entre o grupo
dos mais importantes historiadores brasileiros, ao lado de Varnhagen, Capistrano
e Caio Prado Jr. Ela é fortemente marcada pelo momento histórico e pelos debates
intelectuais de sua juventude. Percebe-se, nitidamente, o esforço de décadas para
a compreensão do que é “ser brasileiro”.

CONEXÃO
Boa parte da vasta obra de Sérgio Buarque de Holanda está disponível, através de down-
loads e links, no site Intérpretes do Brasil.
Nesse endereço eletrônico, também estão disponíveis diversos artigos de comentaristas
sobre a obra de Sérgio Buarque. Vale a pena conferir.

Sua obra pode ser caracterizada como uma tentativa de compreensão da psi-
cologia social do brasileiro, contextualizada no panorama político e econômico do
país desde seus primórdios coloniais.

É nessa linha que se situa o clássico “Raízes do Brasil”, no qual Sérgio Buarque de
Holanda apresenta a famosa tese do “homem cordial”: os brasileiros, apesar de indo-
lentes, apresentavam a necessária ousadia dos aventureiros. Essa obra é de 1936, e
nela percebemos uma forte influência das ideias de “mestiçagem positiva” desenvol-
vidas por Gilberto Freyre (“Casa grande & Senzala”, publicado em 1933). Há, nessas
duas obras, uma excelente discussão sobre o povo brasileiro e sua subjetividade, fruto
da injunção das três raças e das condições austeras da colonização.

capítulo 3 • 69
Mas, se o pernambucano Gilberto Freyre centrou suas análises na figura do
senhor de engenho, sedentário por natureza, Sérgio Buarque focalizaria o “des-
bravador”, o “aventureiro” bandeirante e “monçoeiro”. Marcado por sua cultura
original europeia, o bandeirante precisa, necessariamente, se adaptar às novas cir-
cunstâncias da colônia, ao meio ambiente muitas vezes hostil, à distância da terra
natal, e ao índio arredio. Deste, o colonizador incorporou práticas alimentares e
conhecimentos de plantas e raízes, e adotou para si os caminhos fluviais e trilhas
pela mata fechada.
Seguindo essa linha de raciocínio, foi em sua obra “Raízes do Brasil”, de
1936, que ele lançou a tese de que o resultado cultural desse embate civiliza-
cional foi o surgimento do “homem cordial”.

Ao contrário do europeu, frio e


calculista, acostumado a protocolos As marcas profundas desse pa-
e procedimentos burocráticos, o triarcalismo prevalecem até os dias
homem cordial segue seus senti- de hoje na política e na economia
mentos, privilegiando sua teia de nacionais, na forma do nepotismo e
relações pessoais em detrimento da dos compadrios políticos.
obediência às normas legais.

Em suma, abandonado pela coroa, que perdeu o interesse por essa distante
e improdutiva colônia, o paulista se viu na contingência de buscar formas alter-
nativas de vida. Daí a necessidade de adaptação ao meio. Lembremo-nos que foi
graças ao seu esforço que a colônia portuguesa na América se interiorizou.

RESUMO
Concluindo, Sérgio Buarque de Holanda trouxe para o pensamento social brasileiro
contribuições que vão muito além da História. Partiu desta para dialogar com as diferentes
correntes teóricas de seu tempo, e também do século XIX. Destas últimas, reconheceu a
importância da preservação dos documentos – razão pela qual esteve à frente do Museu
Paulista por uma década – e do tratamento crítico dos mesmos. O “homem cordial” é uma
clara inovação das teses weberianas. Nesse sentido, não incorporou as conclusões de Gil-
berto Freyre, tampouco seguiu as trilhas do materialismo histórico-dialético, como fizeram
Caio Prado Jr. e Nelson Werneck Sodré.

capítulo 3 • 70
Nelson Werneck Sodré: entre a caserna e o partido

Escritor prolixo, autor de mais de quatro dezenas de livros e milhares de ar-


tigos, publicados nos mais diferentes periódicos, Nelson Werneck Sodré (1911)
pode ser apontado como um dos mais importantes historiadores brasileiros
do século passado. O simples fato de ter sido pioneiro na abordagem de temas
indispensáveis para a compreensão da formação histórica brasileira já o habilitaria
a ocupar uma posição de destaque na história da nossa erudição. Teve grande re-
levância no vanguardismo temático, a exemplo de suas obras sobre nosso passado
militar e literário, e sobre a formação da nossa imprensa, livros estes que, para-
lelamente ao seu pioneirismo, permanecem indispensáveis devido à extensão da
documentação arrolada e à profundidade das análises.
Contudo, seu maior mérito repousa na utilização peculiar do método materialista
histórico. Por essa mesma razão, Sodré tem sido alvo das mais exacerbadas críticas.

Figura 3: Nelson Werneck Sodré, general e historiador.

Militante comunista e intelectual honesto, sentiu necessidade de melhor apa-


relhar-se teoricamente para poder, na ótica do marxismo, aprofundar suas análises
sobre o Brasil. Devido a isso, não publicou nada entre 1949 e 1962, tendo se
dedicado aos estudos teóricos e a ministrar cursos de curta duração e palestras na
órbita do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros).
Aproveitava esses eventos para testar novas hipóteses formuladas a partir do
seu refinamento teórico. Essa situação explica por que as novas edições de seus
livros anteriores à década de 1960 sofreram acréscimos e alterações considerá-
veis. Por exemplo, a primeira edição de “História da Literatura Brasileira”, de

capítulo 3 • 71
1938, reunia apenas 246 páginas; a última edição trabalhada pelo autor, a décima
(2002), compôs um grosso volume de mais de 700 páginas.

Figura 4: Outra obre de Sodré nascida clássica.

É igualmente digno de nota o fato de Nelson Werneck Sodré, identificado


desde a juventude como um pensador de esquerda, ter feito carreira militar e che-
gado ao generalato. Sua vida foi assim, plena de múltiplos interesses, refletidos na
diversidade de assuntos que abordou em sua vastíssima obra.
Sua produção literária teve início ainda na mocidade. Em 1931, aos vinte
anos, debutou na imprensa com um artigo no Correio Paulistano, colaboração
que se prolongou até 1959, resultando na impressionante cifra de 1.021 artigos.

Do ponto de vista historiográfico, que é o que mais nos interessa neste momen-
to, sua relevância se deve ao fato de ter proposto e realizado uma profunda revisão
teórico-metodológica nos fundamentos das análises sobre o Brasil. Acreditava que a
historiografia brasileira era produzida de forma não metódica, o que resultava em análi-
ses superficiais e pouco conclusivas. Além disso, contrariamente à produção de então,
defendia que a história do Brasil não poderia ser desvinculada dos eventos além-mar,
pois o Brasil estava visceralmente subordinado a potências estrangeiras desde seu
surgimento. Por fim, criticava o fato de os autores limitarem-se ao período colonial,
não abordando temas relativos à história contemporânea, a exemplo da Revolução de
1930, que considerava divisora de águas na realidade político-econômica brasileira.

capítulo 3 • 72
COMENTÁRIO
Segundo o materialismo histórico-dialético, formulado por Karl Marx e Friedrich Engels,
a história é resultado dos conflitos sociais, ou seja, fruto da própria ação humana em sua luta
por melhores condições de vida, contra a opressão ou pelo poder. É por essa razão que eles
abrem o texto do “Manifesto do Partido Comunista” (1848), obra seminal do materialismo
histórico-dialético, com a frase epigráfica: “A história de todas as sociedades que existiram
até nossos dias tem sido a história da luta de classes”.

Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e com-
panheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido
numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre,
ou por uma transformação revolucionária, da sociedade inteira, ou pela destruição das
duas classes em luta.

As grandes transformações da humanidade, aquelas que acarretam mudanças profun-


das nos padrões civilizatórios, são de caráter revolucionário. E, ainda que demore gerações
para que o processo de transformação se conclua, a causa motora são sempre as condições
materiais de vida. Por isso, a teoria se chama “materialismo histórico-dialético”. “Materialis-
mo”, porque são as condições econômicas de vida que impulsionam os homens e que estão
na base de todas as demais atividades humanas. “Histórico”, porque esse embate pode pro-
duzir transformações profundas nas relações sociais e econômicas, ou seja, na história. E
“dialético”, porque o “motor” da história é o conflito social.

Essa postura crítica em relação à historiografia brasileira produzida até então,


se consolidou ao longo dos treze anos em que se dedicou a se aprofundar na teoria
marxista. Isso o fez refutar, por exemplo, a tese de Caio Prado Júnior, apresentada
em 1942 em “Formação do Brasil Contemporâneo”, de que o Brasil colonial já
era capitalista, integrado ao nascente “sistema capitalista internacional”. A polêmi-
ca instaurou-se quando, finalmente, em 1962, veio a lume “Formação Histórica
do Brasil”

capítulo 3 • 73
Formação Histórica do Brasil (1962)

Esse livro, que de certa forma já nasceu clássico, incorpora as transformações


teóricas pelas quais Werneck Sodré passou após seus estudos sobre o materialismo
histórico. Além disso, revela a estrutura dos cursos homônimos que ministrava
desde 1956 no ISEB, conforme se pode notar em suas mais de quatrocentas pági-
nas (a edição que consultamos, a 12ª, é de 1979).
Vejamos sua definição de História, apresentada nas primeiras linhas de sua
obra mais importante, do ponto de vista desta ciência. Para ele:

a História é uma ciência social, seu objeto é o conhecimento


do processo de transformação da sociedade ao longo do tempo.

Sendo uma ciência social, a história trata de eventos repetíveis, suscetíveis,


portanto, de abordagem científica (1979, p.3). Esse cientificismo da História seria
assegurado pela utilização do materialismo histórico-dialético, tido por ele como
instrumento de construção de um conhecimento objetivo sobre a história dos
povos. A adoção do marxismo enquanto método analítico revela também sua coe-
rência política, uma vez que, desde a juventude, fora simpatizante do comunismo.
A obra, todavia, não inovou na periodização, mantendo a tradicional divisão
entre colonização, independência, império e república, precedidos por um capí-
tulo de análise da conjuntura europeia, particularmente a portuguesa, no período
pré-descobrimento. Não recorreu a fontes primárias, mas aos autores já conside-
rados clássicos em relação aos períodos supracitados. Contudo, foi absolutamen-
te inovador ao utilizar-se de autores marxistas para aprofundar suas análises, a
exemplo de Mariátegui, Caio Prado Jr., Celso Furtado (o autor mais utilizado), e
o próprio Lenin.
Respeitoso no tratamento ao seu leitor, logo nas primeiras linhas anunciou
que adotaria a classificação econômica conforme os modos de produção: as dife-
rentes épocas históricas se distinguem pela forma como os homens produzem. E,
por extensão, as relações de produção definem as relações sociais: divisão em clas-
ses; propriedade dos meios de produção; formas de distribuição etc. (1979, p. 3).
Conforme Sodré, no Brasil – e aqui reside sua grande inovação teórica – coe-
xistiram todos os “regimes de produção”, isto é, escravismo, capitalismo e feuda-
lismo. Trata-se, pois, da “contemporaneidade do não coetâneo” (1979, p. 4). Por

capítulo 3 • 74
isso, foi obrigado a forjar um novo conceito, o de “modo de produção escravista
colonial”. Isso porque, segundo ele, não se poderia chamar o grupo mercantil
português de burguesia propriamente dita, uma vez que capital comercial era dife-
rente de capitalismo. Havia, pois, na opinião de Sodré, uma lamentável confusão
teórica entre capitalismo e mercantilismo.

Explicando: no mercantilismo, predominavam as relações mercantis, não havendo


propriamente preocupação com a produção, que era o que caracterizava o capitalismo
propriamente dito. Isso vale para Portugal nos séculos XV a XVIII: os capitais eram
investidos na circulação, e não na produção. Estava, pois, instaurada a polêmica com
Caio Prado Jr., pois este, em “Formação do Brasil Contemporâneo” (1942), considera-
va o Brasil colonial já capitalista.

A tese do feudalismo no Brasil

Nelson Werneck Sodré acreditava que o longo processo de Reconquista – a


luta contra o mouro invasor – fortaleceu tanto o grupo feudal, quanto os merca-
dores. Nesse processo, a centralização monárquica não significou o advento do
Estado Moderno, nos moldes absolutistas. Prevaleceram, ainda, as relações basea-
das na confiança e na submissão, em troca das terras que iam sendo recapturadas
junto aos muçulmanos, ou seja, manifestações tipicamente feudais, no entendi-
mento de Sodré. Mas isso não é o mesmo que dizer que as sesmarias equivaliam à
implantação do feudalismo no Brasil, como pretendiam alguns estudiosos, afinal,
como ele observa, modos de produção não se criam por decretos reais.
Para Werneck Sodré, o feudalismo no Brasil resultou da regressão da econo-
mia mineradora e açucareira. Em seus termos, a regressão feudal verificada no
sertão brasileiro foi provocada pela degenerescência do modo de produção do
escravismo colonial. Esse feudalismo se caracterizaria pelas relações de produção
não assalariadas envolvendo o proprietário da terra e os parceiros. A não mone-
tarização da economia e as relações de submissão e confiança que se estabeleciam
entre o camponês e o coronel, ao lado de um pequeníssimo investimento de capi-
tais na produção por parte deste, seriam o suficiente para caracterizar essas relações
como feudais.
Contudo, seus críticos argumentavam que a “parceria”, ou “meia” (o meeiro),
eram relações assalariadas de produção, com remuneração in natura, não havendo,

capítulo 3 • 75
portanto, feudalismo no Brasil. Ademais, a produção visava um excedente comer-
cializável, tanto nos mercados próximos, quanto para exportação para a capital e
outras regiões das respectivas províncias/estados (REIS, 1999).

Em busca do Brasil moderno

Marxista, Werneck Sodré não perdia do horizonte a perspectiva histórica da


revolução socialista. Portanto, procurava localizar no Brasil do século XX as forças
sociais e econômicas que poderiam desempenhar a missão histórica de fazer o país
ingressar no capitalismo, fase necessária para acedermos ao socialismo. Somente
após a “revolução nacional-burguesa”, poder-se-ia cogitar a transição para uma
sociedade mais justa.
Para ele, os grandes proprietários rurais do país – os latifundiários – não com-
punham uma burguesia terratenente. Pelo contrário, o latifúndio era identificado
como um dos setores mais atrasados da economia nacional, responsável pela mi-
séria de milhões de trabalhadores, devendo, portanto, ser duramente combatido.
A cafeicultura, que para alguns estudiosos representava o setor progressista
do latifúndio brasileiro, para Sodré, não alterou a “estrutura colonial”, pois pou-
co modificou as relações de produção, convivendo por décadas com o trabalho
escravo e, após a abolição do tráfico negreiro, com o trabalho servil do imigrante.
Foi o fim da escravidão, concomitantemente com os primeiros investimentos
industriais, que provocaram algumas alterações estruturais na economia e na so-
ciedade brasileiras. Essas mudanças, ainda que pequenas, foram sentidas na mo-
dernização dos centros urbanos, onde surgiu uma burguesia citadina ligada ao
setor de serviços, e na flexibilização das relações sociais.
Para Nelson Werneck Sodré, o grau de desenvolvimento dos instrumentos de
produção era indicativo do grau de desenvolvimento econômico da sociedade, no
sentido dos modos de produção. Para ele, estava claro que o Brasil ainda não havia
passado por sua “revolução burguesa” e, portanto, não se poderia falar em revolu-
ção socialista. Os entraves para o franco ingresso do país no capitalismo seriam o
imperialismo e seus aliados internos, os latifúndios. Cabia, pois, ao povo brasileiro
–o campesinato, o proletariado, a classe média e a burguesia nacional – realizar a
verdadeira revolução nacional.

capítulo 3 • 76
COMENTÁRIO
Nelson Werneck Sodré teve o mérito de não considerar o período do capitalismo comer-
cial como uma fase de transição, o que é muito comum entre os autores economicistas que
vislumbram o capitalismo industrial como um fim teleológico predefinido, sendo, portanto,
a-histórico. Ao perceber, no Brasil dos séculos XIX e XX, contradições seculares convivendo
com aspectos modernos, demonstrou ser o autor, ao lado de Celso Furtado, que melhor
opera o raciocínio dialético. Por outro lado, entendemos que se equivocou ao preservar o for-
malismo da tipologia dos modos de produção, considerando “feudais” relações de produção.

Caio Prado Júnior: o Brasil sob o crivo do materialismo histórico-dialético

Caio Prado Júnior nasceu em São Paulo, em 1907, em uma família aristocrá-
tica vinculada à cafeicultura. Bacharel em Direito pela tradicional Faculdade do
Largo São Francisco, também se formou em Geografia, o que explica seus amplos
conhecimentos sobre as condições econômicas das diferentes regiões brasileiras.
Intelectual eclético, além de História, interessava-se também por Política, Filosofia
e Economia. Destacou-se como um dos mais importantes editores do país, sendo
um dos fundadores e responsáveis pela Editora Brasiliense.

ATENÇÃO
Apesar de ter sido militante no Partido Comunista desde a juventude, suas obras, ao con-
trário de boa parte daquelas assinadas por Nelson Werneck Sodré, não reproduziam a ideo-
logia oficial do partido. Livre-pensador, sua inteligência não aceitaria ser guiada por amarras
conceituais. Viajou pelo Brasil a fim de conhecer de perto as mazelas do povo brasileiro, o
que lhe proporcionou uma visão realista das condições socioeconômicas do país.

capítulo 3 • 77
Figura 4: Caio Prado Jr., precursor das análises marxistas sobre o Brasil

No cenário da Historiografia, que é o que mais nos interessa, foi autor de qua-
tro obras seminais que, como veremos, malgrado problemas conceituais, conti-
nuam a ser leitura fundamental para os interessados no conhecimento do passado
brasileiro, bem como na história do nosso pensamento historiográfico.

Publicou “Evolução Política do Brasil”, obra pioneira na utilização


1933 do materialismo histórico-dialético como ferramenta teórica para
análise da história política do país

Nove anos depois, veio a público o clássico “Formação do Brasil


1942 Contemporâneo”, sobre o qual nos debruçaremos mais amiúde.

Apenas três anos mais tarde, Caio Prado Jr. publicou o vigoroso
1945 “História Econômica do Brasil”.

Finalmente, no calor da derrota das esquerdas que ocorrera em


1964, foi publicado “A Revolução Brasileira”. Trata-se de um
1966 escrito de combate no qual o autor tece as perspectivas de uma
transformação socialista do Brasil, calcado em uma análise de
base materialista de nossas contradições.

capítulo 3 • 78
Formação do Brasil Contemporâneo (1942)

Consideramos essa obra essencial para o conhecimento da concepção de


História e da visão do Brasil de Caio Prado Jr., por isso, vamos nos dedicar a ela
com mais afinco.
O objetivo da obra, apresentado pelo autor logo nas primeiras linhas, era
“compreender o Brasil contemporâneo”. Para alcançá-lo, Caio Prado advertiu o
leitor que ele não encontraria “devaneios históricos”, mas, ao contrário, “dados
indispensáveis para interpretar e compreender o meio que o cerca na atualidade”
(1942 p. 10). Para isso, entendia o autor que era necessário “ir tão longe”, ou seja,
ao nosso passado colonial, de onde encontramos “permanências” na atualidade: “o
passado (...) aí ainda está, e bem saliente” (idem, p. 11).
Como “heranças” desse passado “saliente”, o autor apontou para o predomí-
nio, no presente, de uma economia exportadora, para a fragilidade do mercado
interno, e a consequente subordinação econômica da nação. Destacou também
aquilo que identificou como sendo uma “insuficiente organização do trabalho
livre”, fruto da longa duração do escravismo colonial. Além disso, enxergou nas
populações rurais, em pleno século XX, relações sociais de cunho colonial, com
padrões idênticos àqueles registrados pelos viajantes dos séculos passados (ibid.).
Em suma, para ele;

não completamos ainda hoje a nossa evolução da economia co-


lonial para a nacional.

Com efeito, ao propor esse objetivo para o seu texto, Caio Prado Jr. revelava,
de pronto, ter uma visão utilitarista e pragmática da História. Por exemplo, dis-
pensava os “devaneios” e privilegiava o “útil”. Ao mesmo tempo, podemos ler nas
entrelinhas dos seus objetivos uma concepção de História enquanto a ciência que
explicaria o presente através do passado.
Ele estava convencido de haver um “sentido” na história de um povo quan-
do observada à devida distância cronológica: “este se percebe no conjunto de fatos
e acontecimentos que a constituem num largo período de tempo” (idem, p. 19).
Trata-se de “uma linha mestra e ininterrupta de acontecimentos que se sucedem
em ordem rigorosa, e dirigida sempre numa determinada orientação” (idem, p. 19).
Para alcançar o objetivo proposto e desvelar o “sentido” da História brasileira,
Caio Prado sentiu necessidade de articular a geografia, a economia, a sociedade

capítulo 3 • 79
e a política coloniais. Seu projeto se revelou, pois, um projeto de “história total”,
típico dos historiadores marxistas, por pretender abarcar todas as esferas da vida
social e econômica.

O “Sentido da Colonização” e o Brasil do século XX

Caio Prado partia do pressuposto que as colônias existiram e foram estabeleci-


das apenas e tão somente em proveito da metrópole, isto é, foi o capital comercial
que instalou e estruturou a América Latina, em um movimento que envolveu, do
século XV até meados do século XVIII, todas as grandes potências europeias. Por
isso, a efetiva ocupação portuguesa de suas possessões americanas não foi um fato
isolado, mas fez parte desse processo de expansão do capitalismo mercantil.
O Brasil, portanto, nasceu capitalista! E sua função precípua era fornecer pro-
dutos primários (açúcar, algodão, ouro, cacau etc.) e capitais (tráfico negreiro e
monopólio comercial) para Lisboa. A sociedade e a economia coloniais foram
organizadas nesse sentido, influenciando marcadamente o Brasil do século XX.
O autor também criticava aqueles que consideravam o início da História do
Brasil como o “descobrimento”. Para ele, nossa História teve início em Portugal,
nos séculos finais da Reconquista. Contudo, nessa busca pelas origens mais primi-
tivas do Brasil, contraditoriamente, Caio Prado Jr. ignorou as populações ameri-
canas pré-cabralinas e as nações africanas (idem, p. 21).

Em todo o período colonial, a base da mão de obra foi a do escravo, sobretudo o ne-
gro africano. O trabalho branco nas colônias portuguesas era praticamente incipiente,
sendo restrito a alguns poucos mestres de ofício (ourives, carpinteiros, engenheiros,
alguns médicos etc.) indispensáveis para a grande produção econômica. Coerente
com seu entendimento de que a colonização era, antes de tudo, um grande empreen-
dimento, Prado Jr. afirmava que a escravidão do africano não passava de um “negócio,
puramente a realização de uma empresa de comércio (...)”(idem, p. 271).

Para nosso autor, portanto, a escravidão configurava uma das “permanências”


coloniais no Brasil contemporâneo que impediam, e ainda impedem, sua moder-
nização. Isso porque a abolição apenas alterou o estatuto jurídico do trabalhador;
sua condição de existência manteve-se em nível ínfimo.

capítulo 3 • 80
Finalmente, Caio Prado inovou em relação à historiografia da época ao adotar
a vinda da Família Real ao Brasil (1808) como o marco cronológico que separa o
período colonial do Brasil contemporâneo. Nessa época – início do século XIX - o
sistema colonial encontrava-se esgotado, e o país exigia ao menos alguma moderni-
zação para acompanhar as rápidas transformações da economia europeia. Insistindo
na tese das “permanências”, Caio Prado considerava que os três séculos de coloni-
zação calaram fundo na estrutura econômica brasileira, pois as sucessivas mudanças
de regimes políticos – Império e República, respectivamente - em nada alteraram as
“linhas gerais e caracteres fundamentais” da organização produtiva nacional.

Nem mesmo Caio Prado Jr. é “intocável”

COMENTÁRIO
Há, ainda hoje, uma espécie de idolatria em torno do nome e da obra de Caio Prado Jr.,
o que impede uma aproximação neutra e objetiva do seu legado. Mas, uma leitura atenta do
próprio “Formação do Brasil Contemporâneo”, revela problemas seríssimos.

Por exemplo, chegam a ser surpreendentes as opiniões de Caio Prado Jr. acerca
das características culturais das populações pré-cabralinas e africanas que foram
submetidas ao trabalho escravo pelos europeus. Nesse aspecto, o marxista paulista
demonstrou ser fortemente influenciado pela sociologia evolucionista de Comte
e Spencer. Para ele, os africanos eram “povos bárbaros e semibárbaros arrancados
de seu habitat natural” (idem, p. 272). Negros e índios eram “raças que beira-
vam ainda o estado de barbárie, e que no contato com a cultura superior de seus
dominadores, se abastardaram por completo” (idem, p. 275). Isso levou o Brasil
colonial a ter uma composição social que, para ele, não passava de um “aglome-
rado incoerente e desconexo, mal amalgamado e repousando em bases precárias”.
Essas “raças” - “pretos boçais e índios apáticos” (idem, p. 277) – estavam sendo
absorvidas pela cultura do colonizador:

capítulo 3 • 81
As raças escravizadas e assim incluídas na sociedade colonial, mal preparadas e adap-
tadas, vão formar nela um corpo estranho e incômodo. O processo de sua absorção se
prolongará até nossos dias, e está longe de ter terminado (idem, p. 276).

O resultado foi uma contribuição cultural, para ele, “passiva”, agindo mais
como “fermento corruptor da outra cultura, a do senhor branco que se lhe sobre-
põe” (idem, p. 272).
Além dessas espantosas opiniões sobre as etnias que compuseram a população
brasileira, Caio Prado Jr. revelou ter um manejo surpreendentemente insuficiente
da dialética. Por exemplo, é impensável para um intelectual que se pretende mar-
xista emitir juízos como aquele acerca da escravidão moderna, para ele, um:

corpo estranho que se insinua na estrutura da civilização ocidental, em que já não


cabia. (...) E, por isto, para objetivo tão unilateral [a escravidão], puseram os povos da
Europa de lado todos os princípios e normas essenciais em que se fundava sua civili-
zação e cultura (idem, pp. 270-271).

Todo marxista mediano sabe que o capitalismo não exclui outras formas de or-
ganização econômica, mas pode coexistir pacificamente com elas, até mesmo subor-
dinando-as aos seus interesses. Além disso, Caio Prado equivocou-se ao considerar
que padrões eruditos de cultura, como aqueles que julgou predominarem na Europa
Moderna, não convivem satisfatoriamente bem com a barbárie. De fato, uma gran-
de ingenuidade para quem se considerava materialista-histórico e que, pessoalmen-
te, conheceu a violência inaudita das duas Guerras Mundiais e do nazismo.

COMENTÁRIO
Para Carlos Nelson Coutinho (1990), estudioso do marxismo brasileiro, Caio Prado Jr.
dominava mal os conceitos marxistas, e isso se devia ao seu pioneirismo, por ser uma espécie
de precursor no Brasil do uso científico-acadêmico do legado de Marx e Engels. Outros es-
tudiosos afirmam que ele teve influências do neopositivismo do Círculo de Viena, que se re-
fletiam nas suas considerações preconceituosas sobre a população brasileira (REIS, 1999).

capítulo 3 • 82
O Futuro

Divergindo da grande corrente marxista de sua época, Caio Prado Jr. rejeitava
a tese da III Internacional e do PCB do passado feudal brasileiro, e também do seu
projeto revolucionário democrático-burguês. Como dissemos, para ele, o Brasil é
capitalista desde colônia, aliás, padece de um subcapitalismo, ou capitalismo sub-
desenvolvido. E, sendo o Brasil capitalista, não cabe falar em revolução burguesa,
mas em desenvolvimento das forças produtivas, de modo que o país rompa com
seu passado colonial e promova as transformações estruturais necessárias para ele-
var o padrão de vida da população. Esse processo deve ser conduzido pelo Estado,
pois a burguesia, regida pela lógica do lucro, não objetiva a satisfação das necessi-
dades elementares da população.
Além disso, a classe dominante no Brasil, para Caio Prado, é um mosaico
composto por industriais, financistas, estancieiros, latifundiários, capital in-
ternacional, em suma, é extremamente diversa. Porém, diversidade não significa
antagonismo. Para ele, o setor urbano da burguesia não se opõe, como queria
o PCB, ao rural, muito menos ao imperialismo. Esses diferentes segmentos da
burguesia brasileira se subordinam ao todo do capitalismo internacional como
engrenagens de um poderoso sistema que se alimenta deles, e vice-versa.

REFLEXÃO
Assim, ao falar em “revolução” no Brasil, Caio Prado Jr. se refere a transformações na
estrutura socioeconômica do país, e não a uma transição imediata para o socialismo. Essas
transformações urgentes correspondem à efetiva independência do país, ou seja, à constru-
ção de uma economia voltada para o mercado nacional que retire da miséria os milhões de
brasileiros que nela se encontram.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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capítulo 3 • 83
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capítulo 3 • 84
4
As principais
tendências
historiográficas
brasileiras
contemporâneas
As principais tendências historiográficas
brasileiras contemporâneas

OBJETIVOS
•  Conhecer as influências da Nova História francesa, da “New History” inglesa e do estrutu-
ralismo na produção historiográfica brasileira;
•  Conhecer e analisar os desdobramentos das influências das tendências historiográficas
dos principais autores do marxismo do século XX na produção historiográfica brasileira;
•  Discutir como se situa a produção do saber histórico contemporâneo entre a narrativa
e a cientificidade.

A Escola dos “Analles” e suas influências na historiografia brasileira

Já aprendemos que a escrita da História muitas vezes sofre influência de ques-


tões nada científicas, como o cenário político do país e as batalhas ideológicas
nele envolvidas. Um exemplo disso foi a própria criação do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro, em 1838, no contexto das lutas pela consolidação do
Império e pela centralização do poder. Na década de 1930, também por motiva-
ções muito distantes das acadêmicas, outro fato científico foi gerado que alteraria
por definitivo a produção de conhecimento histórico no Brasil: a fundação da
Universidade de São Paulo (USP), em 25/01/1934.
Criada no contexto da luta política entre a elite “quatrocentona” paulista e o
governo Vargas, a USP reuniu faculdades isoladas que já existiam, a exemplo da
Faculdade de Direito do Largo São Francisco e da Escola Politécnica. Para suprir
a então recém-criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), foram tra-
zidos professores franceses, a exemplo de Claude Lévi-Strauss, Fernand Braudel e
Roger Bastide, entre outros – foi a chamada “missão francesa”. Esse fato, digamos,
pitoresco, marcou definitivamente a produção de História no Brasil, assinalando
a força das escolas francesas de historiografia no país.

capítulo 4 • 86
ATENÇÃO
Lembrete do professor Hilário Franco Jr., importante medievalista da Universidade de
São Paulo: “a historiografia é um produto cultural que, como qualquer outro, resulta de um
complexo conjunto de condições materiais e psicológicas do ambiente individual e coletivo
que a vê nascer. Daí a história política ter-se desenvolvido nas cidades-Estado gregas, a
história de hagiografias, nos mosteiros medievais, a história dinástica e nacional, nas cortes
monárquicas modernas, a história econômica, no ambiente da industrialização dos séculos
XIX-XX, a história das mentalidades, no contexto das inquietações e esperanças da segunda
metade do século XX.” Conf. FRANCO JR., H. A Idade Média: nascimento do ocidente. 2. ed.
São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 14.

Por essa razão, historiadores como Georges Duby, Jacques Le Goff e Pierre
Nora, entre outros, estão entre os “reis do sucesso” nos estudos universitários de
História no país. Eles são herdeiros das inovações introduzidas por Marc Bloch
e Lucien Febvre, quando da criação da revista acadêmica de História chamada
“Analles de Histoire économique et sociale’’, ligada à Universidade de Estrasburgo,
na França, em 1929. A revista existe até hoje e, ao longo dessa trajetória de dé-
cadas, passou por reformulações em sua linha editorial, mas sempre mantendo o
caráter inovador. Por isso a expressão “Escola dos Annales’’.
Com forte influência de outras ciências sociais, como a Sociologia, a Antropologia
e a Psicologia, a revista logo se especializou na publicação de pesquisas e artigos
que fugiam ao modelo convencional da historiografia positivista, muito em voga na
França na década de 1920. Fernando Braudel, um dos jovens professores franceses
contratados quando da inauguração da USP, acabaria por se tornar, nos anos 1950,
um dos mais importantes historiadores do grupo dos “Annales’’.
Segundo levantamento feito por Capelato, Glezer e Ferlini (1994), as princi-
pais teses defendidas na USP sob orientação dos professores da “missão francesa”
revelam preocupação “com a orientação metodológica e com o rigor da análise
documental, iniciando uma relação com temas da historiografia francesa, especial-
mente a dos Annales, vanguarda na época’’. Ainda segundo as autoras:

capítulo 4 • 87
A tese de doutorado de Eurípedes Simões de Paula, “O Comércio Varegue e o Grão
principado de Kiev”, defendida em 1942, orientada por Jean Gagé, expressava influên-
cias das obras de Marc Bloch e das preocupações de Braudel, estudando aspectos
de História Medieval, na ótica de cruzamento de espaços com a análise de relações
político-econômicas. A tese de Pedro Moacir Campos, “Alguns aspectos da Germânia
Antiga, através dos autores clássicos” (1945) e a de Eduardo d'Oliveira França, “A
realeza em Portugal e as origens do absolutismo” (1945), reafirmaram o diálogo com
os Annales (1994, p. 351).

Na década de 1970, reunido em torno da revista, um grupo de jovens his-


toriadores deu início a mais um riquíssimo desdobramento da historiografia dos
Annales. Partindo da premissa de trabalho “tudo é história’’, inaugurada por Marc
Bloch décadas antes, os membros dessa que seria conhecida como Terceira Geração
da Escola dos Annales, ou Nova História, abriram importantes frentes de trabalho
para o historiador. A obra inaugural, uma trilogia organizada por Pierre Nora e
Jacques Le Goff, recebeu, respectivamente, os emblemáticos títulos: “História:
novos objetos’’, “História: novas abordagens’’ e “História: novos problemas’’. A
edição original francesa é de 1974; no Brasil, foram publicados pela Francisco
Alves Editora, do Rio de Janeiro, em 1976.
A Nova História buscava novas interpretações para os problemas usualmente
abordados, recorrendo a novos métodos de pesquisa e à incorporação das mais
diferentes fontes de pesquisa. Rapidamente, isso levou os historiadores dessa cor-
rente a buscarem na cultura e nas “mentalidades” as explicações para os compor-
tamentos coletivos. Neste, em particular, há uma visível e fortíssima influência da
Antropologia: a realidade social, na sua totalidade, é um construto cultural. Em
outros termos, cada cultura constrói suas próprias explicações para os fenômenos
sobre os quais se interroga. É evidente que os fenômenos são, em sua maioria qua-
se que absoluta, os mesmos. Por exemplo, todos os grupos humanos têm inquieta-
ções ante a inevitabilidade da morte, ou procuram compreender o ciclo natural da
vida. Esse conjunto de elementos compõe aquilo que os historiadores dos Annales
chamariam de “imaginário”. Mesmo nas sociedades divididas em classes, boa parte
do imaginário é comum.
Até mesmo os temas consagrados pela historiografia tradicional, como a his-
tória política, passaram a ter outro tratamento. Isso porque os Annales instituíram
a chamada “história problema”, isto é, o historiador posiciona-se ante seu objeto

capítulo 4 • 88
de forma indagativa, interrogando-o e problematizando-o. Como resultado, a já
citada história política, por exemplo, passou a incorporar as demais camadas da
sociedade, até então preteridas nesse tipo de estudo, e também passou a ser fonte
de pesquisa das ideologias e do imaginário de sua respectiva época.
Rapidamente, as influências da Nova História no Brasil começaram a ser
sentidas, sobretudo através da ampliação de temas pesquisados, a exemplo de
questões referentes ao cotidiano e às mentalidades. Desse modo, surgiram estudos
sobre o sentimento diante da morte, as transformações na sexualidade, a família,
as visões acerca do corpo e da natureza, entre outros. Ao mesmo tempo, novas
fontes primárias passaram a ser utilizadas, a exemplo dos rituais religiosos, dos mi-
tos, da imprensa e das artes de forma geral. Em suma, essa moderna historiografia
focaliza temas emergentes, como: história da família, das mulheres, gênero e etnia,
buscando outras experiências e tensões na sociedade brasileira dos mais diferentes
períodos, regiões e grupos de convívio.

Figura1: Coleção em quatro volumes sobre a vida privada no Brasil. Segue os moldes da
coleção similar francesa, obra paradigmática da corrente da Nova História.

Essas temáticas são sempre trabalhadas de um ponto de vista que privilegia


não apenas as camadas elitizadas da sociedade, mas principalmente as subalternas:
é a “história vista de baixo”. Outro aspecto epistemológico relevante que distingue
essa modalidade de historiografia das demais é o fato de ela levar em conta as tem-
poralidades diferentes das camadas sociais variadas. Isso porque a percepção do

capítulo 4 • 89
tempo é variável entre os diferentes grupos humanos e entre as diferentes camadas
de uma mesma sociedade.
A historiografia dos Annales, em grande parte dedicada à Idade Média, fez
crescer o interesse por esse período da História, levando ao aparecimento no Brasil
de pesquisadores dedicados aos estudos sobre o medievo. Tudo indica que não se
tratou de um interesse passageiro, pois centros de estudos sobre o período medie-
val foram criados em diversas universidades brasileiras. Foram justamente os estu-
dos sobre a Idade Média, sob a rubrica da Escola dos Annales, que mais buscaram
dialogar com outras ciências sociais, a exemplo da Antropologia e da Psicologia.

História do “Tempo Presente” e História Oral

Dentre as várias inovações trazidas pela Nova História que se fizeram sentir na
produção historiográfica brasileira, se encontram a incorporação de temas referen-
tes à História do “Tempo Presente” (HTP), e a crescente prática da História Oral.
Sobre elas, faremos uma breve digressão.
Sabidamente, as balizas cronológicas adotadas como inauguradoras de “eras
históricas” resultam de convenções adotadas a posteriori dos acontecimentos aos
quais elas se referem. Na maioria absoluta das vezes, esses “marcos” cronológicos
contemplam as visões de mundo e as aspirações da posteridade que as instituiu.
Aliado a isso, cabe salientar que cada grupo humano tem sua própria visão re-
trospectiva, de forma que, como observou Eric Hobsbawm, “é provável que não
existam mais do que meia dúzia de datas que são marcos simultâneos nas distintas
histórias de todas as regiões do mundo”.(HOBSBAWM, Eric. Sobre a História.
São Paulo: Cia. das Letras, 1998, p. 244.)
Por exemplo, os norte-americanos consideram como História Contemporânea
apenas o século XX, tendo dificuldades em se reconhecerem nos seus compatriotas
do século XVIII. Os franceses, pelo contrário, se orgulham do seu passado revolu-
cionário setecentista, até hoje buscando nele referências sociais importantes.
Esses marcos cronológicos, dentre vários outros aspectos, cumprem uma im-
portante função social: são responsáveis pelo reconhecimento da ocorrência de
momentos fundadores de novas sociabilidades, de novos arranjos sociais. Eles de-
marcam o “antes” e o “depois”. O Brasil nunca mais foi o mesmo depois do Golpe
de 1964 e da ditadura. Por essa razão, a discussão acerca dos limites cronológicos,
para o trabalho do historiador acadêmico, é extremamente contemporânea, e está
cada vez mais presente nos debates historiográficos.

capítulo 4 • 90
Nesse contexto, se inserem as discussões acerca da “história do tempo presen-
te”. Esse debate é decorrente, sobretudo, da experiência francesa do imediato pós-
-guerra, quando foi fundado o “Comitê de História da Segunda Guerra Mundial”,
em 1951, resultado da fusão entre a “Comissão de História da Ocupação e da
Libertação da França” e o “Comitê de História da Guerra”. Sua prática histo-
riográfica levou os especialistas a procurarem expandi-la para outros campos da
História recente, o que culminou na criação do “Instituto de História do Tempo
Presente”, em 1978.
A rigor, os historiadores brasileiros nunca demonstraram dificuldades teó-
rico-metodológicas em relação a pesquisas sobre temas daquilo que seria uma
História do presente. No entanto, o debate levantado pelos acadêmicos franceses
fez com que, no Brasil, esses temas fossem melhor embasados do ponto de vista
teórico, o que levou ao surgimento de centros de estudos destinados à História
do presente, a exemplo do “Laboratório de Estudos do Tempo Presente”, ligado
à Universidade Federal do Rio de Janeiro, e o “Grupo do Estudos do Tempo
Presente”, da Universidade Federal de Sergipe.
Pelas características dos objetos aos quais se dedica, a HTP recorre, frequen-
temente, às “fontes orais”. Criticadas por sua subjetividade intrínseca, contudo,
estas fontes não dispensam os mesmos tratamentos dados pelo historiador a todos
os demais tipos de fontes. Dentro desse contexto de rigor metodológico, o de-
poimento, o testemunho, não é nem mais, nem menos confiável do que quais-
quer outros documentos. A vantagem para o historiador do tempo presente na
utilização desse tipo de fonte, é que ela pode revelar as motivações pessoais dos
protagonistas, explicitar as pressões às quais estavam submetidos e que os levaram
a tomar tal decisão e, por fim, aferir como são apreendidas as informações pelas
mais diferentes camadas da sociedade.
Todas as fontes são marcadas pela temporalidade que as produziu. Portanto,
não há fontes mais ou menos isentas, o que responde às críticas de que a HTP
recorre a fontes demasiadamente marcadas pelo presente. Ora, todas as fontes são
fruto do seu presente e marcadas por uma subjetividade, seja psicológica, ideológi-
ca ou ambas (o que é mais provável). Por essa razão, a fonte oral não é associada –
assim como qualquer outro tipo de fonte - à “verdade”, mas à experiência histórica
pessoal do depoente, como rebatem seus defensores.
A polêmica em torno da História Oral é enorme e, obviamente, foge ao es-
copo deste texto. Quero apenas registrar que, dentre as três possibilidades de pro-
dução de pesquisas em História Oral apontadas por Janaína Amado e Marieta

capítulo 4 • 91
Ferreira, a presente pesquisa recorreu a ela enquanto uma metodologia que se
utiliza de fontes orais.²
Estas, enquanto fontes, não têm estatuto diferenciado em relação aos demais
tipos de fontes, recebendo, pois, o mesmo tratamento crítico. As autoras ainda
salientam que a “denominação ‘História Oral’ é ambígua, pois adjetiva a história,
e não as fontes, estas sim orais”. Ainda conforme as autoras:

A fonte oral é o material recolhido por um historiador para as necessidades de sua


pesquisa, em função de suas hipóteses e do tipo de informações que lhe pareça ne-
cessário possuir.³

Grosso modo, as autoras descrevem os outros dois tipos de pesquisa em


História Oral da seguinte maneira:

História Oral enquanto ciência, isto é, possui “objeto próprio e capacidade


1 de gerar no seu interior soluções teóricas para as questões surgidas na
prática”. Ela seria, portanto, “uma outra história”.

História Oral enquanto técnica: os aspectos propriamente “técnicos da


2 produção da entrevista e da sua conservação predominam”, não havendo
nenhuma preocupação de natureza teórico-metodológica.4

NOTA

²Conf. AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta (orgs.). Usos & Abusos da História
Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 11 e segs.
³ Idem, p. 54.
4 Idem, p. 14

Uma das críticas mais contundentes ao uso dessa metodologia se apoia no fato
de que, na História Oral, o pesquisador cria suas próprias fontes. Tal crítica parte

capítulo 4 • 92
da presunção de que o depoente, no momento da entrevista, está totalmente à
mercê do historiador, e que este poderia “manipular” a fonte ao seu “bel-prazer”.
O oralista – praticante de História Oral – é orientado por princípios éticos
rigorosíssimos. Nesse sentido, o depoente é encarado como um ator social pro-
priamente dito ao qual o pesquisador não pode ignorar. E, ressalva necessária, isso
não quer dizer que o depoente esteja sendo visto como portador da veracidade e
da infalibilidade, mas sim como portador de experiências e memória.
A memória, por sua vez, é um dos pilares da História Oral, uma vez que os te-
mas trabalhados pelos oralistas (os praticantes de História Oral) são temas atuais,
que os franceses denominariam de “História do Tempo Presente”. Por essa caracte-
rística de atualidade, com muitos atores ainda vivos, outras versões do passado po-
dem entrar em concorrência com o discurso oficial e com a memória hegemônica.

Ao incorporar a memória e a experiência pessoal dos atores sociais, a História Oral


acabou por dar outra dimensão cronológica ao “acontecimento”, bem diferente daquela
que o restringe a uma mera fatalidade ou a um evento de curta duração. Para a História
Oral, o acontecimento, por ser ponto de fixação de memórias, transcende sua duração
cronológica, pois irá repercutir na subjetividade dos sujeitos por toda a sua existência.
Seja como for, o uso da História Oral permite que protagonistas anônimos da História
relatem suas vivências e suas trajetórias. Há quem diga que, finalmente, através da
História Oral, estão sendo ouvidos os excluídos da História. Em uma justa busca por
institucionalização, os oralistas brasileiros contam hoje com uma entidade atuante, a
Associação Brasileira de História Oral (ABHO), responsável por cursos, oficinas e pu-
blicações especializadas.

CONEXÃO
A ABHO possui uma revista especializada semestral, que já se encontra no seu 15º exem-
plar. Ela recebe artigos no esquema de “dossiês”. O site da revista é: revista.historiaoral.org.br

capítulo 4 • 93
MULTIMÍDIA

Figura 2: Cartaz de divulgação do filme "Narradores de Javé"

Lançamento: 23 de janeiro de 2004 (Brasil)


Direção de Eliane Caffé.

Conta a interessante história, fictícia, mas que poderia ser verdadeira, de uma pequena
cidade no nordeste brasileiro que, para evitar o alagamento pelo lago de uma barragem a ser
construída, precisa provar deter algum valor histórico. E, o que os habitantes encontram é sua
própria história pessoal. É uma aula de História Oral.

Demais Centros de Produção Historiográfica

Paralelamente à Universidade de São Paulo, outros centros de estudos foram


progressivamente se tornando importantes polos produtores de historiografia no
Brasil. Assim, a partir dos anos 1940, importantes autores sediados no Rio de
Janeiro e em outros estados contribuiriam de modo fundamental para o desenvol-
vimento da Ciência Histórica no Brasil. Essa produção está diretamente relaciona-
da ao surgimento de cursos universitários de História. Nomes como José Honório
Rodrigues, Francisco Falcon, Francisco Iglesias e José Roberto do Amaral Lapa se
tornariam referências na historiografia brasileira desde então. Foram produzidas
obras de caráter monográfico, mas também obras de síntese histórica, a exemplo
de “A Formação do Mundo Moderno”, de F. Falcon.

capítulo 4 • 94
A produção desse primeiro grupo de “formadores” não é homogênea. Pelo contrário,
diversas tendências teóricas se fazem sentir, a exemplo dos Annales, do marxismo e
do weberianismo. Contudo, todos esses historiadores estão profundamente marcados
pela obra de Capistrano de Abreu e de outros pioneiros da historiografia brasileira.

Datam dessa época as primeiras preocupações em teorizar a produção histo-


riográfica brasileira, a exemplo de “O fardo do homem branco: Southey, histo-
riador do Brasil” (1974), de Maria Odila Leite da Silva Dias, e “João Francisco
Lisboa: jornalista e historiador” (1977), de Maria de Lourdes Mônaco Janotti.
Nesse sentido, é evidente que a produção do IHGB também passaria a ser avaliada
por historiadores da historiografia brasileira. Por exemplo, a tese de Manoel Luiz
Salgado Guimarães, “A escrita da história no século XIX. Historiografia e nação
no Brasil (1838-1857)”, de 1987, faz uma vigorosa avaliação da produção sob os
auspícios do IHGB sobre as premissas de uma História Política. No ano seguinte,
1988, veio a público uma importante análise da obra de Capistrano de Abreu:
“Ronda noturna: narrativa, crítica e verdade em Capistrano de Abreu”, de autoria
de Ricardo Benzaquen de Araújo.

Figura 3: Exemplo da força da História Regional, livro de Sérgio L. Bezerra de Trindade


sobre o Rio Grande do Norte.

Nessa linha da História Regional, sob influência da obra de Laura de Mello


e Souza, “Desclassificados do ouro”, ocorre uma crescente produção sobre o pe-
ríodo colonial em diferentes estados. As temáticas são plurais; em comum, o

capítulo 4 • 95
recorte temporal. Elas inovam a tradicional abordagem da História Econômica e
da História Administrativa. Essas pesquisas se ocupam, por exemplo, do cotidiano
de homens e mulheres nas diferentes capitanias. Também dão destaque aos negros
e aos mestiços, além da instabilidade geral da sociedade. As fontes utilizadas são as
mais diversas, como por exemplo, os livros de batismo, a iconografia, os ex-votos,
cartas e diários pessoais.
A história ambiental é um tema que vem suscitando crescente interesse desde
que as questões relacionadas à ecologia tornaram-se vitais para a sobrevivência no
planeta. Trata-se, portanto, de uma nova área de pesquisa, que tem trazido interes-
santes informações e revelações. A natureza no Brasil desperta, desde sua “desco-
berta”, o interesse de inúmeros naturalistas e viajantes europeus. As descrições de
sua fauna e flora, das formações do relevo e das características climáticas ocupam,
certamente, milhares de páginas nos relatos desses curiosos estudiosos. A caatinga,
o cerrado, a mata atlântica e a floresta amazônica são descritas com riqueza de
detalhes, revelando o espanto do estrangeiro frente a essa natureza tão exuberante.

Marxismo

A historiografia de caráter marxista surgiu praticamente em simultaneidade


à fundação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922, apesar de não estar dire-
tamente subordinada a ele. Vimos no capítulo anterior como Caio Prado Júnior,
apesar de membro do PCB, preservou sua independência intelectual em relação ao
partido. No entanto, parte da produção historiográfica marxista era propriamente
militante, isto é, escrita por integrantes do partido e apoiadas nas suas diretrizes
políticas. Mesmo sem ser propriamente um historiador, mas sim um renomado
romancista, um dos mais importantes autores dessa modalidade de historiografia
foi o baiano Jorge Amado. Em 1954, lançou a série “Subterrâneos da liberdade”,
que narra a trajetória pecebista na clandestinidade da ditadura do Estado Novo.
É dele também a primeira biografia do líder da Coluna Prestes, “O cavaleiro da
esperança: vida de Luiz Carlos Prestes”, de 1956.
Foi a partir dos anos 1960, sintomaticamente após o XX Congresso do
PCURSS, em fevereiro de 1956, ocasião na qual os crimes cometidos durante o
governo de Josef Stalin foram denunciados, que a historiografia de base marxista
viveu uma grande virada. Desde então, os historiadores marxistas se afastaram
do dogmatismo regido por Moscou e do economicismo que predominavam até
então, e buscaram na história social e na história cultural as explicações para a

capítulo 4 • 96
dinâmica das classes trabalhadoras e da própria luta de classes. Passou-se a buscar
compreender os costumes e as regras de sobrevivência, além dos elementos psi-
cossociais que contribuem para a identidade de classe. Nesse processo, foi dada
especial atenção aos códigos morais e linguísticos estabelecidos entre os membros
das camadas trabalhadoras.
Essa inovação foi especialmente forte na chamada Escola Marxista Inglesa,
reunida em torno da “New Left Review” (traduzindo ao pé da letra, “Revista
da Nova Esquerda”). Vários desses historiadores eram oriundos da militância no
Partido Comunista Britânico, a exemplo de Eric Hobsbawm, Christopher Hill,
E.P.Thompson e Maurice Dobb, e acabaram se tornando alguns dos mais renoma-
dos e influentes historiadores do século XX.
Dentre todos, certamente o livro que teve maior repercussão foi “The making of
the English working class” (1963), de E. P. Thompson. O autor recorreu a fontes do-
cumentais inusitadas, que reproduziam os valores morais e a subjetividade dos traba-
lhadores ingleses no processo da Revolução Industrial. Ou seja, a classe trabalhadora
não se faz apenas em função da posição econômica ocupada na estrutura produtiva,
mas, sobretudo, a partir das experiências e da mentalidade compartilhados.
Essa corrente foi especialmente influente no Brasil, e levou vários historiado-
res a adotarem a perspectiva de uma “história vista de baixo”, contribuindo deci-
sivamente para a expansão da História do Tempo Presente e da História Oral em
nosso país. Dentro dessa perspectiva, passaram a ser feitas pesquisas no país sobre
temas até então praticamente ignorados, como movimentos sociais, sindicalismo
e militância política. São temas relevantes para a compreensão das dificuldades
históricas na conquista de direitos sociais e na ampliação da democracia no Brasil
e que, até o surgimento do marxismo renovado, eram trabalhados dentro de uma
perspectiva estritamente partidária, ou seja, dogmática.

COMENTÁRIO
É claro que essa corrente recebe críticas, tanto da direita quanto da esquerda. A primeira
tenta desqualificá-la, atribuindo-lhe a velha e rançosa pecha de “comunista”. A esquerda de
extração stalinista e de outras vertentes a considera “revisionista”, um “desvio pequeno-bur-
guês” que deve ser combatido com tanta força quanto a própria burguesia. Clivagens sociais,
como não poderia deixar de ser, se refletem na Ciência da História através das eternas “ba-
talhas” historiográficas e lutas pela hegemonia na memória social.

capítulo 4 • 97
A principal matriz teórica dessa renovação no marxismo provém do italiano
Antonio Gramsci, duramente perseguido pelo regime fascista italiano e morto na
década de 1930. Segundo ele, a classe supõe a formação de um modo de pensar,
sentir e interpretar a realidade, um conjunto de significações e valores que se inte-
riorizam e expressam o sentido da realidade para a maioria dos seus membros. Em
outras palavras, classe é onde os indivíduos elaboram suas representações de si mes-
mos e das relações sociais, interpretam os acontecimentos e atuam na sociedade.
Uma importante manifestação contemporânea desse modelo de marxismo na
historiografia brasileira é o livro de Pedro de Moraes, “1968: a paixão de uma
utopia” e, da coleção “Descobrindo o Brasil”, o livro “Ditadura militar, esquerdas
e sociedade”. Outro autor, falecido recentemente, que merece ser citado é Jacob
Gorender, com “Combate nas trevas”, que se tornou uma espécie de “clássico”
sobre a história das esquerdas no Brasil durante a ditadura.
A História Oral também tem apresentado interessantes contribuições, inclu-
sive sobre a história da esquerda brasileira, através da recuperação da memória de
ex-militantes das organizações comunistas. Por exemplo, a obra de Dulce Pandolfi,
“Camaradas e companheiros: história e memória do PCB”, e a pesquisa de Alzira
Abreu, “Intelectuais e guerreiros”, sobre a militância estudantil secundarista.
Também vale a pena citar o livro de Elizabeth Xavier Ferreira, “Mulheres, militân-
cia e memória”, que aborda a questão da militância política pelo viés de gênero,
aprofundando os relatos das experiências, inclusive sobre as situações de tortura.

COMENTÁRIO
Em relação às obras de síntese das ideias e dos movimentos de cunho marxista no Brasil,
as últimas décadas trouxeram importantes obras. Entre elas, destacamos uma do cientista
político Emir Sader, o livro introdutório ao tema: “O anjo torto: esquerda (e direita) no Brasil”.
Além desse, merece menção um livro de Michel Lowy que amplia o horizonte para o conti-
nente: “O marxismo na América Latina”. Finalmente, citamos a coleção organizada e dirigida,
entre outros, por João Quartim de Moraes, “História do Marxismo no Brasil”, que reúne ex-
celentes artigos que contemplam toda a trajetória da esquerda brasileira, desde o começo
do século XX.

Atualmente, há uma intensa produção historiográfica de cunho marxista (UFF,


UFRJ, USP, PUC-SP, UFRB) que enfoca aspectos até então não trabalhados de

capítulo 4 • 98
forma satisfatória. Trata-se das organizações de esquerda independentes, ou dissi-
dentes das grandes organizações da esquerda, que se autonomeiam “alternativas”.
Também há pesquisas sobre movimentos de minorias, a exemplo de quilombolas,
homossexuais, afrodescendentes e indígenas. Grupos artísticos e de preservação da
cultura popular também estão sendo pesquisados, bem como associações de bairro
e grupos populares. Percebe-se um esforço por parte da historiografia acadêmica em
recuperar determinadas vivências políticas, até então marginalizadas ou ignoradas.

Teoria e Historiografia

Nas últimas décadas, têm crescido as reflexões feitas por historiadores brasilei-
ros acerca de sua própria atividade, isto é, pelas questões teóricas que ela envolve.
Ao mesmo tempo, discutem-se os resultados da nossa produção, ou seja, a histo-
riografia. Assim sendo, a Teoria da História e a Historiografia estão se convertendo
em importantes áreas de atuação, pois são responsáveis pelo balizamento teórico-
-metodológico das pesquisas. Creio estar sendo superada aquela antiga opinião
que prevalecia entre os historiadores, de que a Teoria da História não teria funcio-
nalidade, limitando-se à mera especulação.
Contudo, é cada vez maior a percepção entre os cultores da arte de Clio de que
a Teoria da História e a análise da produção historiográfica de um período buscam
aproximar a própria Ciência da História, em suas transformações internas às veri-
ficadas no âmbito maior da sociedade. Trata-se de refletir sobre o próprio fazer do
historiador; uma reflexão sobre o seu ofício; as mudanças pelas quais a produção
da História passou nas últimas décadas.
No centro dessas discussões e reflexões recentíssimas, encontra-se o papel da
narrativa histórica. Ou seja, como se dá a escrita da História? O que o historiador
leva em conta quando produz historiografia? Nesse sentido, vale a pena lembrar
da extrema importância da narrativa na formação do pensamento dito ocidental.
Contudo, há que se ressalvar que, quando falamos em narrativa, não estamos fa-
lando de ficção. Se há semelhanças entre a narrativa histórica e a ficcional, elas se
limitam aos aspectos estilísticos e literários propriamente ditos. As diferenças, no
entanto, são gritantes, posto que a História enquanto ciência tem um compromis-
so insuperável com a verdade. Discussões aprofundadas acerca dos aspectos teóri-
cos da escrita da História estão sendo desenvolvidas pelo ativo grupo de estudos
de Teoria da História e Historiografia ligado à Universidade Federal de Goiás, que
produz a Revista “Teoria da História”.

capítulo 4 • 99
Figura 4: Capa da Revista de "Teoria da História", da Universidade de Goiás, publicada
desde 2009.

Com o intuito de aprofundar as discussões teóricas sobre o ofício do historia-


dor, a ANPUH (Associação Nacional dos Professores Universitários de História)
vem estimulando a formação de mesas-redondas e comunicações sobre temas afins
em seus simpósios. Por essa razão, percebe-se claramente o crescimento do interes-
se dos historiadores brasileiros em discutir, em conferências e encontros, os pro-
blemas teóricos inerentes às suas pesquisas. Exemplos disso são os debates e artigos
sobre o historicismo, a questão da narrativa e o tratamento de fontes.

CURIOSIDADE
Os “Brazilianistas”
Os anos 1960 e 1970 registraram uma volumosa produção de obras de historiadores
norte-americanos dedicados aos estudos sobre o Brasil. Cerca de 600 profissionais foram
formados nessa especialidade. Certamente, a qualidade não era homogênea, mas análises
extremamente interessantes foram feitas nessa conjuntura. Essas décadas foram particu-
larmente pródigas em estudos o sobre mundo subdesenvolvido e sobre a América Latina,
em particular devido ao crescimento dos movimentos nacionalistas nessas regiões do globo.
Desde o início do século XX, os EUA, através dos seus arquivos e bibliotecas, concentravam
o maior volume de livros referentes aos Brasil e documentos brasileiros. Dentre esses histo-
riadores, os mais conhecidos no Brasil são Thomas Skidmore e John Foster Dulles.

capítulo 4 • 100
Centros de Documentação e Arquivos

Atualmente, entende-se por documentação histórica uma vasta gama de ele-


mentos, que incluem não apenas os registros oficiais, mas também a produção
cultural de forma geral. Por essa razão, o leque de fontes documentais disponí-
veis para o historiador contemporâneo é vastíssimo. Porém, os documentos ofi-
ciais e outras fontes escritas não perderam sua importância, sendo ainda as mais
valorizadas pelos historiadores brasileiros. Por isso, vale destacarmos alguns dos
mais importantes arquivos de centros de documentação, pelo seu incontestável
apoio à pesquisa histórica. Lembramos que o direito à informação, seja ela con-
temporânea ou pretérita, é fundamental para o fortalecimento da democracia e
do Estado de Direito.
Primeiramente, chamamos atenção para o Centro de Documentação e
Memória, CEDEM, da UNESP. Ele mantém sob sua guarda milhares de docu-
mentos das organizações da esquerda desde o começo do século XX, periódicos,
material iconográfico e vários outros. São documentos reveladores da visão que as
organizações tinham de aspectos circunstanciais da conjuntura daquele momento,
e como pretendiam intervir nessa conjuntura. Há também cartas pessoais de mi-
litantes, nas quais são manifestadas posições políticas e as dificuldades enfrentadas
na rotina da militância. Há, ainda, jornais locais, folhetos e panfletos, agrupados
por Secretarias Estaduais e por área de atuação. Assim, em São Paulo, por exem-
plo, é possível localizar facilmente documentos produzidos pelas células que atua-
vam no Movimento Operário ou no Movimento Estudantil.
Há também o acervo do Arquivo Edgard Leuenroth, o AEL, da Universidade
de Campinas. Distribuídos em vários fundos e coleções, devidamente cataloga-
das, podemos localizar documentos de organizações anarquistas, partidos po-
líticos e movimentos sociais. Também está sob a guarda do AEL o conjunto
dos 707 processos que tramitaram na Justiça Militar brasileira que envolvem os
crimes contra a “segurança nacional” –os famosos processos do projeto “Brasil:
Nunca Mais” (BNM).
Em diversos estados da federação, podemos consultar os arquivos do
Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS), ou simplesmente DOPS.
Em São Paulo, esse acervo está sob a guarda do Arquivo Público do Estado de
São Paulo, assim como em Minas Gerais, os documentos estão preservados pelo

capítulo 4 • 101
Arquivo Público Mineiro. Neles encontram-se, além das “fichas” policiais dos mi-
litantes detidos para interrogatórios, relatórios de agentes policiais sobre as ativi-
dades das organizações. Essa documentação consiste em recortes de periódicos,
correspondências policiais, listas de nomes, depoimentos, relatórios policiais, do-
cumentos processuais, listas de objetos sobre investigações do processo de forma-
ção de uma célula partidária e das relações estabelecidas por esta com outras orga-
nizações políticas e com o movimento estudantil. Além disso, todo esse material
nos permite coletar informações sobre a estrutura organizacional dos partidos e
sobre a atuação dos respectivos dirigentes e militantes de base.
Além dos arquivos dos centros acima mencionados, vários outros por todo
o território nacional buscam estimular a doação de documentos e arquivos pes-
soais, com o intuito de assegurar a mais ampla recuperação da memória nacional.
Trata-se da ampliação da capacidade de acesso de todos os interessados ao maior
volume possível de vestígios do nosso passado, alçados, dessa forma, à condição de
“patrimônio histórico”.
Um exemplo notório desse esforço de captação de arquivos privados é o
Arquivo Nacional. A rigor, essa atividade é realizada pelo Arquivo desde sua cria-
ção, no século XIX. Por exemplo, o Arquivo Nacional recebeu, em 1974, a doação
do arquivo do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e, em janeiro de
2012, o fundo Luiz Carlos Prestes.
Vale a pena frisar que o patrimônio documental deve ser compreendido como
um elemento a serviço da contemporaneidade que irá pesquisá-lo e consultá-lo.
Não pode ser interpretado como expressão da verdade, uma vez que a própria in-
tenção de quem o preservou para servir de base para futuras narrativas históricas,
revela vontades políticas.

Considerações Finais

Dispersa em vários centros de pesquisa e programas de pós-graduação pelo


país, a atual produção historiográfica brasileira apresenta-se diversificada, tanto
em termos temáticos, quanto em relação às bases teórico-metodológicas. Em co-
mum, percebe-se nos jovens historiadores uma preocupação com a produção his-
toriográfica anterior, sendo possível ler nos trabalhos atuais a incorporação das
contribuições das obras anteriores sobre temas afins. Também é muito visível uma
preocupação com o rigor metodológico no tratamento das fontes, sejam elas pri-
márias ou secundárias, revelando o apreço dos pesquisadores brasileiros em relação

capítulo 4 • 102
ao trabalho empírico. Em tempo, isso se deve também à crescente preocupação
com a preservação documental e patrimonial, o que está levando ao progressivo
aperfeiçoamento dos arquivos e centros de documentação, e a um esforço crescen-
te por parte das autoridades para preservação do patrimônio histórico.
Grosso modo, nos primeiros quinze anos do século XXI, a produção historio-
gráfica brasileira pode ser assim distribuída em termos percentuais:

História Política – 20%


História Social – 18%
História Cultural – 18%
História Econômica – 16%
História Regional – 12 %
Biografias – 10%
Historiografia, Metodologia e Teoria da História – 8%

Acredita-se que os temas referentes à História Política estejam na preferência


dos pesquisadores brasileiros, pelas próprias características do Estado e da vida
política nacional, sempre envolta em controvérsias e sérias polêmicas. Nesse caso,
a História estaria, nitidamente, servindo como um instrumento para tentar com-
preender as razões das dificuldades do Brasil em fortalecer o Estado de Direito e as
instituições político-administrativas.

CURIOSIDADE

Figura 5: ANPUH, Associação Nacional dos Professores Universitários de História.

capítulo 4 • 103
Entidade representativa dos historiadores brasileiros. Sediada no campus da USP, na
“Cidade Universitária”. Realiza simpósios nacionais a cada dois anos, intercalados com en-
contros regionais organizados por suas filiais estaduais. Organiza também grupos de trabalho
e de estudo, que discutem temas relativos ao desenvolvimento e fortalecimento da pesquisa
e ensino de História em suas diferentes áreas. O site é: <http:>http://site.anpuh.org</http>

Observe que há uma grande dificuldade em “catalogar” a produção historio-


gráfica brasileira atual porque as pesquisas não se restringem a “tipos ideais” e por-
que, devido ao caráter multidisciplinar, os marcos metodológicos ficam atenuados.
Em linhas muito gerais, pode-se perceber que a temática do subdesenvolvi-
mento, predominante nos estudos sociais brasileiros nos anos 1960 e 1970, deu
lugar a temas relacionados à vida social, política e cultural. De qualquer modo, é
nítida a falência da história positivista, ou seja, daquele modelo de historiografia
que se pretende capaz de alcançar a verdade dos fatos, oculta nos documentos
oficiais, e narrá-la de forma objetiva e imparcial.
Contudo, observa-se que no Brasil, ao contrário de países europeus, como a
França, a produção historiográfica ainda é limitada. Em uma sociedade na qual
prevalece a mentalidade tecnicista, que valoriza apenas aquilo que tem efeito prá-
tico e imediato na esfera da produção, tudo que escapa a essa lógica imediatista
é considerado supérfluo. Por isso, são inúmeras as dificuldades que o historiador
enfrenta para realizar seu ofício. Se as Ciências Humanas em geral já são desvalo-
rizadas, imagine a História.
A História que se produz contemporaneamente no Brasil tem mostrado for-
ça, e luta por uma maior institucionalização – a exemplo do registro da profissão
de historiador – e pela ampliação dos campos de atuação (História Empresarial,
História das Ciências, História de Gênero e Minorias). Ao contrário de uma
História “total”, elaborada a partir do ponto de vista das classes dominantes, te-
mos uma história multifacetada, que busca resgatar as diferentes memórias, e não
apenas as dos “vencedores”.
A historiografia contemporânea nacional é fruto da junção das fortes influên-
cias externas, sobretudo da nova historiografia marxista inglesa e da Escola dos
Annales, com a tradição historiográfica brasileira oitocentista. Por isso a crescente
valorização dos períodos colonial, medieval e contemporâneo, e dos temas inau-
gurados pelos Annales e pela “história vista de baixo”.

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Contudo, a produção em geral vem crescendo, mas ainda concentrada nos
grandes centros. É imprescindível que a Ciência da História se fortaleça, pois sua
contribuição é fundamental para a consolidação do Estado de Direito. Diferentes
versões, abordagens variadas, metodologias continuamente renovadas: aqui reside
o esforço do historiador para com a ética e a verdade.

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