Você está na página 1de 12

LITERATURA CABOVERDIANA

Revistas Organizadores Objectivos Temas Ideologias


Literárias
Claridade - Manuel Lopes Apontar as raízes Revelação da Cabo-verdianidade
(1936) - Baltasar Lopes crioulas; terra e da sua
Mindelo, - Jorge Barbosa Fincar os pés na gente;
São Vicente (…) terra (Cabo Verde); Evasão;
9 números Escrever sobre a Regionalismo;
terra
Certeza - Arnaldo França Traduzir bem ou Terra dura e seca; Consciencialização da
(1944) - Eduino Brito mal as angústias e as Destruição dos terra dura e seca;
Mindelo, - Guilherme esperanças dos falsos mitos; Orgulho em dissolver
São Vicente Recheteau cabo-verdianos. Evasão… os falsos mitos.
2 números - José Spencer
O 3º foi - Nuno Miranda
proibido pela - Orlanda Amarílis
censura. - Teixeira de Sousa
Suplemento - Carlos Leite Indagar, conhecer, Protesto Cabo-verdianidade;
Cultural - Gabriel Mariano interpretar e estudar Maior consciência do
(1958) - Ovídio Martins como as expressões ser e do estar;
Praia, Santiago - Aguinaldo Fonseca mais originais, mais Maior reflexão crítica.
1 número, mas - Francisco Lopes sinceras e sólidas da
foi organizado - Onésimo Silveira cultura cabo-
em Lisboa - José Augusto verdiana.
Monteiro
-Yolanda Morazzo
Seló - Arménio Vieira Procurar manter o Irreverência e Universalismo
(1962) - José Miranda testemunho dos provocação ao
Mindelo, Alfama claridosos. falso moralismo e
São Vicente - Maria Margarida as convenções
2 números Mascarenhas sociais.
- Mário Fonseca
- Osvaldo Osório
- Rolando Vera Cruz
Martins

O desenvolvimento sociocultural de Cabo Verde, nos finais de século XIX e durante o século XX,
deve-se fundamentalmente a:
- tradição escolar local – recorda-se que durante o século XIX temos a criação de instituição de ensino
primário, secundário e, mais tarde, seminário liceu de S. Nicolau, em 1866
- introdução da imprensa no arquipélago. Com isso, temos uma multiplicação local de actividades
ligadas: à imprensa, (publicação de vários periódicos, como: O Independente (1877), foi o
primeiro jornal publicado em Cabo Verde; depois seguiram-se outras publicações, ainda no decorrer do
século XIX, exemplo: Echo de Cabo Verde (1880), Imprensa (1880-81), A Justiça (1881) Revista de
Cabo Verde (1899); e continuou no século XX, A Esperança (1901); A Liberdade (1902-1903) etc.).
- Também temos actividades ligadas à literatura, que consequentemente traz o aparecimento de
movimentos literários, como o movimento claridoso, entre outros.
O percurso literário de Cabo Verde foi construído através de revistas que fomentavam a difusão
cultural e o conhecimento geral sobre literatura. Ocorria a publicação de algumas obras, mas em número
menor, sendo as revistas o veículo que une diversos escritores com os diferentes expoentes linguísticos.
Algumas revistas: Claridade (1936), Certeza (1944), Suplemento Cultural (1958), Raízes (1977),
Ponto & Vírgula (1983), …
MOVIMENTO CLARIDOSO

O movimento claridoso é a inauguração do período da cabo-verdianidade, ocorreu entre os anos de


1936 a 1957, no qual foram publicadas duas revistas: Claridade e Certeza.

 Revista CLARIDADE

1ª publicação – 1936 - cidade de Mindelo, S. Vicente. Publicações entre 1936 e 1960 - total de 9
números divididos em 3 fases:
1ª: a fase inicial - 1936 à 1937 - 3 números;
2ª - 1947 à 1949 - 4 números;
3ª - e último período - 1958 à 1960 - 2 números.
* Obs.: Apenas a primeira fase contou com a colaboração de todos os elementos, sendo que os
restantes números foram elaborados e publicados à responsabilidade de Baltazar Lopes. Isto dado ao
facto de os outros elementos do grupo se encontrarem ausentes e dispersos por motivos profissionais.
Nesse período Jorge Barbosa tinha sido exilado para a Ilha do Sal e Manuel Lopes encontrava-se na Ilha
de Faial, Açores, para onde tinha sido transferido por motivos profissionais, como telegrafista na
Western Telegraph.

FUNDADORES: Baltasar Lopes (que usou o pseudónimo poético de Osvaldo Alcântara), Jorge
Barbosa e Manuel Lopes. Respectivamente oriundos das ilhas São Vicente, São Nicolau e Santiago.
Colaboradores: Teixeira de Sousa, António Pedro, José Osório de Oliveira, Corsino Azevedo, João
Lopes, Jaime de Figueiredo, João Lopes, Sérgio Frusoni, entre outros.
Durante a vigência da revista, publicaram inúmeros artigos, focados sempre na tradição local, como
por exemplo nos primeiros números deram grande relevo a tradição Oral:
- Nº 1: Lantuna & motivos de finaçom - batuque da Ilha de Santiago;
- Nº 2: Vénus – morna de Xavier;
- Nº3: Poema de quem ficou de Manuel Lopes;
- os restantes números deram igualmente grande destaque a cultura cabo-verdiana, em particular a
língua cabo-verdiana, publicando artigos sobre a música do arquipélago, em particular da Ilha de
Santiago, como dos géneros musicais “Finaçon” e “Batuque”.
- Similarmente, o “Batuque” teve na revista nº 6 e 7 artigos de carácter científicos sobre a sua origem e
evolução, ainda publicaram vários outros artigos de carácter etnográfico e sociológico sobre a realidade
social e cultural cabo-verdiana.
Perante a penosa situação vivida em Cabo Verde, o grupo afirmou que tinha de intervir e a arma seria
a imprensa.
A deia inicial - criar um jornal com a finalidade de:
- pôr cobro a lacuna existente no arquipélago da imprensa;
- debruçar-se sobre a situação social e política que se vivia em Cabo Verde.
Porém, perante o preço do depósito prévio que rondava os 50 mil escudos e tendo em conta,
sobretudo, a época em questão, década de 30, e os problemas financeiros existentes localmente,
desistiram da ideia do jornal, canalizando assim os esforços para a criação de uma Revista, que
vieram a dar o nome de CLARIDADE, influenciados pela existência na Argentina de uma revista
chamada CLARIDDAD e também da França, através da revista e do movimento pacifista CLARTÉ, de
Henri Barbusse, que era do conhecimento de todos.
Claridade (referência à luz do dia)
Clar = Luz (iluminação, entendimento) idade = Idade clara (opõe-se a obscuridade, idade obscura)
Claridade surge para trazer à luz do dia os problemas de Cabo Verde. A relação do nome da
revista com a luz mostra a negação da escuridão que antes existia na literatura cabo-verdiana, escuridão
sobre a abordagem de temáticas relacionadas ao contexto social do arquipélago.
O conteúdo temático da revista é «fincar os pés na terra», por outras palavras, um olhar atento sobre
os problemas vitais de Cabo Verde e as condições de vida do seu povo.

Inspiraram-se em duas CORRENTES LITERÁRIAS: Modernismo português (revistas Presença e


Seara Nova) e Realismo (nordestino brasileiro).
Modernismo - primeira metade do século XX - criar no lugar uma nova cultura.
Algumas Características:
- utilização de elementos prosaicos e apoéticos;
- versos livres e brancos (sem métrica e sem rima);
- linguagem informal e coloquial;
- exploração de novos temas;
- sentimento de nacionalismo exacerbado (postura crítica, irónica e questiona a situação social e
cultural do país);
- inconformismo político;
- espírito revolucionário;
- dessacralização do amor (amor não é mais algo sagrado);
- valorização da cultura nacional e de novas formas de criação poética;
- nova concepção do mundo e do homem.
Realismo - últimas décadas do século XIX - retratar a vida, os problemas e costumes das classes
média e baixa não inspirada em modelos do passado.
Características:
- veracidade (demonstra o que ocorre na sociedade sem ocultar ou distorcer os factos);
- contemporaneidade (descreve a realidade, fala sobre o que está a acontecer de verdade);
- retrato fiel das personagens: carácter, aspectos negativos da natureza humana;
- amor (a mulher objecto de prazer/adultério);
- denúncia das injustiças sociais (mostra para todos a realidade dos factos.);
- determinismo e relação entre causa e efeito: o realista procurava uma explicação lógica para as atitudes
das personagens, considerando a soma de factores que justificasse suas acções);
- Linguagem próxima à realidade: simples, natural, clara e equilibrada.

IDEOLOGIA: cabo-verdianidade

Atentos à realidade do quotidiano do povo das ilhas na década de 1930, os claridosos preocuparam-se
com a precária situação vivenciada pelo povo. Estes filhos esclarecidos de Cabo Verde resolveram
assumir no arquipélago a causa do povo na sua luta pela afirmação de uma identidade cultural autónoma
baseada na criação da “cabo-verdianidade” e na análise das preocupantes condições sócio-económicas
e políticas das Ilhas de Cabo Verde.
A voz do Poeta, agora, é a voz da própria terra, do próprio povo, da própria realidade Cabo-verdiana.

OBJECTIVOS:
• “fincar os pés na terra cabo-verdiana”;
• pensar nos problemas que afectavam o homem cabo-verdiano como: as estiagens, a decadência do
Porto Grande, o encerramento da emigração para os Estados Unidos de América, a abertura do contrato
para as roças de São Tomé;
• apontar as raízes crioulas.
Laranjeira, ao citar António Aurélio Gonçalves, acrescenta que:
“ [...] intervieram outras determinantes mais poderosas e de raízes mais fundas, como, por exemplo, a
convicção de uma originalidade regional cabo-verdiana, a necessidade de protestar e de dar o alarme
perante uma crise económica, causada pela estiagem, pelo abandono do porto de S. Vicente, pela
sufocação proveniente do encerramento da emigração para a América do Norte” - (Pires
LARANJEIRA).
Essa revista deu oportunidade ao estudo do folclore cabo-verdiano, da língua crioula, das
especificações culturais do arquipélago, dando luz às problemáticas políticas, sociais e geográficas
de Cabo Verde.

TEMAS: revelação da terra e da sua gente, evasionismo e regionalismo.


O principal projecto da Geração da Claridade era o de fincar os pés na terra - falar da terra, do
homem em todo o seu envolvimento, da cultura mais própria, criando, assim, raízes com o chão, por
forma a proporcionar uma íntima e profunda ligação de amor firme do homem à terra que o sustém.
Para realizar o desejo de levar o povo a fincar os pés na terra, os homens da Geração da Claridade
tinham, forçosamente, que dedicar grande parte do seu interesse ao movimento contrário a esta vontade
- a emigração. A atenção a esta temática, tornou (ao olhar exterior) a literatura cabo-verdiana da década
de 30 quase exclusivamente baseada na temática do "Evasionismo".
Claridade prende-se também, a temas recorrentes como os do terralongismo geográfico - a terra
longe, o local de fuga para onde emigravam os homens de Cabo Verde: América, principalmente; o
tratamento duplo do elemento Mar - mar como prisão, que impede o homem de alargar os seus
horizontes, e o mar como evasão, que permite ao homem novos conhecimentos, novas experiências e,
sobretudo, possibilidades de sobrevivência numa terra, pelo menos, mais fértil; as montanhas e planícies
áridas e secas - que impediam o homem de subsistir naquela terra tão infértil; a dimensão telúrica da
terra - onde se revela um incomensurável amor àquela terra, amor esse que tanto faz sofrer na hora da
partida; a tragédia das eternas secas das ilhas - que fustigam a terra e a alma cabo-verdianas, levando ao
desespero de querer partir.

CARACTERÍSTICAS da Claridade:
 Rompe com os arquétipos linguísticos e estéticos de influência europeia - formas clássicas (quanto à
rima, a métrica e aos géneros);
 Centra-se no plurismo da língua;
 Discurso de rotura;
 Cria uma nova consciência sobre a linguagem, valorizando traços da regionalidade, da raíz cabo-
verdiana e do crioulo, ou seja reelaborara a linguagem num hibridismo (mistura do português falado
com o crioulo)
Ex: - UÁ? Só se for uma lasca de pedra…É o que digo ocê. (Manuel Lopes, Chuva Brava)

INFLUÊNCIAS: elementos exógenos e elementos endógenos.

Elementos Exógenos (influência externas):


a) A presença pessoal de alguns escritores portugueses em Cabo Verde, nos anos compreendidos entre
os fins de 20 e os princípios de 30comoAugusto Casimiro, António Pedro e José Osório de Oliveira;
b) A revista portuguesa «Presença»;
c) A moderna literatura brasileira, nomeadamente a da segunda fase e o realismo nordestino.
Elementos Endógenos (influências internas):
a) A tradição literária e cultural cabo-verdiana, personificadas praticamente em três escritores: José
Lopes, Pedro Cardoso e Eugénio Tavares, pois valorizam o homem ilhéu e da sua língua, o crioulo
cabo-verdiano; 
b) A publicação do livro de poemas de António Pedro, “Diário” (1929);
c) O discurso oculto que se desenvolveu entre aqueles que haveriam de fundar a revista Claridade.
d) A publicação do livro de Jorge Barbosa, “Arquipélago” (1935), que abriu as portas para o exercício
de uma literatura moderna cabo-verdiana, por se impor pela renovação da retórica e temática da poesia
cabo-verdiana.
Chegaram aos poetas Baltasar Lopes da Silva, Manuel Lopes e Jorge Barbosa obras da literatura
brasileira dos anos 20 e 30 do século XX e a partir de sua leitura eles começaram a pensar a
literatura cabo-verdiana do Movimento Claridade.
“ Há pouco mais de 20 anos, eu e um grupo reduzido de amigos, começámos a pensar o nosso
problema, isto é, no problema de Cabo Verde. Precisávamos de certezas sistemáticas que só nos
poderiam vir, como auxílio metodológico e como investigação, de outras latitudes. Ora aconteceu que
por aquelas alturas nos caíram nas mãos, fraternalmente juntas, em sistema de empréstimo, alguns
livros que consideramos. Na ficção o José Lins do Rego d'O menino de engenho, do Bangüê; o Jorge
Amado do Jubiabá, e Mar morto; o Amando Fontes de Os corumbas; o Marques Rebelo de O caso da
mentira...” – Baltazar Lopes
PUBLICAÇÕES:
 Ambiente - poemas de Jorge Barbosa (1941)
 Poemas de longe - António Nunes(1945)
 Chiquinho - Baltasar Lopes (1947)
 Caderno de um ilhéu - Jorge Barbosa (1956)
 Chuva braba - 1º romance de Manuel Lopes (1956). […] 
Algumas obras dos pré-claridosos: os Lírios e cravos (1951), de Pedro Cardoso, e as Poesias
(1952), de Januário Leite, poetas do cabo-verdianismo.

SÍNTESE
Esta revista constitui a primeira mudança importante no panorama da literatura insular, pelo seu
carácter grupal e de cabo-verdianidade.
Teve um grande impacto social, fundamentalmente a nível literário, publicando inúmeros artigos
literários dos jovens autores cabo-verdianos, dando a conhecer através da literatura: poemas, contos,
romances etc., apresentando sempre como “pano de fundo”, a realidade social, política, cultura e
quiçá religiosa do arquipélago.
Todavia, tendo em conta o regime que vigorava na altura baseado na censura, através dos seus
agentes, designadamente da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), tiveram de ser
discretos, caso contrário corriam o risco de serem alvos de processos polícias, do referido órgão e
encarcerados no temido campo de concentração de Tarrafal, onde foram presos e torturados várias vozes
contra o regime.
Porém, mesmo assim alguns artigos foram apontados pela censura, como por exemplo o artigo da
página 9, da revista nº 2, Um galo que cantou na Baía…, um excerto do conto de Manuel Lopes.
Podemos dizer que o movimento claridoso:
- teve um papel preponderante na afirmação e emancipação da cultura cabo-verdiana face a cultura
dominante na época da metrópole;
- representa um ponto de viragem da literatura moderna cabo-verdiana, com uma vertente
rigorosamente nacional, lutando pela afirmação de uma identidade cultural nacional própria,
preocupando-se, como aludimos anteriormente, com a situação social, política e económica do
arquipélago;
- despertou e iluminou ainda mais a intelectualidade cabo-verdiana.
Os vestígios dessa repercussão podem ser verificados nas obras primas lançadas pelos escritores
"claridosos", que marcaram a literatura cabo-verdiana, como: Arquipélago, Chiquinho, Chuva Braba,
Os Flagelados do Vento Leste…
Do mesmo modo, a revista lançou sementes literárias que germinariam em outras importantes
publicações cabo-verdianas, tais como: Certeza, Suplemento Cultural, Raízes e Ponto & Vírgula, em
que se se destacaram os escritores: Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Aguinaldo Fonseca, Terêncio
Anahory, Yolanda Morazzo, Leão Lopes e Germano de Almeida.

IRMÃO e um cenário trágico de fome! Essas Aventuras pelos Oceanos


Levas aos teus bailes já não existem...
Cruzaste Mares a tua Existem apenas
na aventura da pesca da baleia, melancolia no fundo da tua nas histórias que contas do
nessas viagens para a América alegria, passado,
de onde às vezes os navios não quando acompanhas as Mornas com o canhoto atravessado na
voltam mais. com as posturas boca
Tens as mãos calosas de puxar graves do violão e risos alegres
as enxárcias dos barquinhos no ou apertas ao som da música que não chegam a esconder
mar alto; crioula a tua
viveste horas de expectativas as mulheres amoráveis contra o melancolia...
cruéis peito... O teu destino...
na luta com as tempestades; A Morna... O teu destino
aborreceu-te esse tédio marítimo parece que é o eco em tua alma sei lá!
das longas calmarias da voz do Mar Viver sempre vergado sobre a
intermináveis. e da nostalgia das terras mais ao terra,
Sob o calor infernal das fornalhas longe a nossa terra,
alimentaste de carvão as caldeiras que o Mar te convida,
dos vapores, o eco pobre
em tempo de paz da voz da chuva desejada, ingrata
em tempo de guerra. o eco querida!
E amaste com o ímpeto sensual da da voz interior de nós todos, Ser levado talvez um dia
nossa gente da voz da nossa tragédia sem eco! na onda alta de alguma estiagem!
as mulheres nos países A Morna... como um desses barquinhos
estrangeiros! tem de ti e das coisas que nos nossos
Em terra rodeiam que andam pelas Ilhas
nestas pobres Ilhas nossas a expressão da nossa humildade, e o Oceano acaba também por
és o homem da enxada a expressão passiva do nosso levar um dia!
abrindo levadas à água das drama, Ou outro fim qualquer humilde
ribeiras férteis, da nossa revolta, anónimo...
cavando a terra seca da nossa silenciosa revolta Ó Cabo-Verdiano humilde
nas regiões ingratas melancólica! anónimo
onde às vezes a chuva mal chega A América... — meu irmão!
onde às vezes a estiagem é uma a América acabou-se para ti...
aflição Jorge Barbosa, Ambiente, 1941.
Fechou as portas à tua expansão!
Este poema, presente na obra Ambiente, comporta várias linhas temáticas, caracteristicamente,
claridosas. É evidente, no princípio do poema, a viagem à América, que parece surgir, neste contexto,
como solução e fuga aos problemas do território insular. De facto, é através do irmão que se ausenta
dessas «pobres ilhas nossas» (linha 18) e que é, pois, caracterizado como «homem da enxada/ abrindo
levadas à água das ribeiras férteis/ (…) onde às vezes a chuva mal chega/ onde às vezes a estiagem é
uma aflição / e um cenário trágico de fome!» (linhas 19 a 25), que o poeta faz transfigurar e aparecer
espaços reais e, também, definidos. A América é, neste sentido, para o cabo-verdiano, lugar paradisíaco,
onde pode solucionar os seus problemas económicos; contudo, lentamente, apercebemo-nos de que o
que é narrado, no poema, vai-se convertendo num sonho, contribuindo, deste modo, para uma apatia e
uma melancolia ancoradas no Irmão e que os seguintes versos ilustram, evidentemente: «essas
Aventuras pelos Oceanos/ já não existem.../ Existem apenas/ nas histórias que contas do passado,/ com o
canhoto atravessado na boca/ e risos alegres/ que não chegam a esconder/ a tua/ melancolia...» (linhas
52 a 60). Posteriormente a essa queda no mundo do sonho e da melancolia, o sujeito lírico retoma a
linha realista, advertindo à solidariedade fraterna do cabo-verdiano. Em suma, neste poema barbosiano,
temos a presença e a recorrência a variadas linhas temáticas: a fome, a miséria, a falta de esperança no
dia de amanhã, as secas, o terra-longismo geográfico e o duplo tratamento do elemento pantalássico.
Com efeito, ainda que algumas dessas linhas sejam, tenuemente, exploradas, a verdade é que as duas
últimas temáticas são forças motoras do poema.

Análise do romance “Flagelados do Vento Leste”

O romance “Flagelados do Vento Leste” de Manuel Lopes de certo modo é um hino telúrico entoado
numa mensagem de celebração e resignação, cuja tensão dramática advém do dilema de “partir / ficar”.
José da Cruz, o lavrador e rendeiro depois de ter resistido estoicamente na terra ressequida, junta-se à
multidão de refugiados que enche a estrada rumo è cidade. E o velho proprietário Nhô Lourencinho, ao
interceptar José da Cruz na estrada, repreende-o por ter perdido a sua dignidade no acto de ter
abandonado a terra sagrada.
Na verdade, esse romance transmite uma mensagem central baseada na ficção da ideia de um povo
capaz de lidar com os caprichos da natureza. Com a sugestão do horrífico na referência ao “harmatan”
soprando do continente africano – é uma representação da força indomável da natureza volúvel.
Flagelados desenrola-se contra o pano de fundo de uma orquestração trementista entrecortada por
cânticos fúnebres e macabros a uma terra amaldiçoada.
Flagelados contém cenas arrepiantes de tragédias, crimes hediondos e sortilégios contados num estilo
supra-realista e operático.
Esse romance tem figuras simbólicas, por exemplo: Nhô Lourencinho, a voz cava e ameaçadora da
terra sagrada e, mais além, da consciência colectiva dum grupo do qual o autor implícito é o porta-voz.
O “Flagelados” termina com a proposição que o cabo-verdiano, como o Sísifo do mito grego, tem de
resignar-se ao seu destino. E a metáfora de constantemente tornar a empurrar uma rocha encostada
acima, depois de ela constantemente rolar para baixo serve para reflectir as configurações que ordenam
as estruturas estético – ideológicas da narrativa de Manuel Lopes.
“Caracterizar Flagelados como evasionista é ignorar que a forma e o conteúdo convergem duma
maneira totalizadora, como o ponto de vista do autor implícito.” – Manuel Lopes

NIO
o pouquíssimo que ficou

jornada sem venturas


ncia
dos amontoados nos porões
da nossa frota imperial
s ilhas no rumo de S. Tomé
inda
s da memória não podemos contar.

ale Jorge Barbosa

Linhas de análise:
Relacionar o título com o poema
Estado de espírito do sujeito poético
A problemática apontada no poema
Enquadrar a poesia na sua revista literária
 Revista CERTEZA

A definição do terreno em que se move o grupo (claridoso) é de clareza, a que o grupo seguinte
acrescentará um novo dado, a Certeza, nome do grupo e da nova revista.
O sufixo - eza (clareza da claridade) - torna objectivas e passíveis de precisão as qualidades, que assim
passam de estados a objectos. Ou seja, Certeza vem dar clareza às intenções e as mensagens dos claridosos.
Aparece em 1944 vai até 1945 marcando, também, o período claridoso. Essa revista é, infelizmente,
efémera, somente dois números foram publicados, porque o terceiro foi destruído por ordem do governo
português. Foi fundada por estudantes do liceu. Nela, Arnaldo França, Nuno Miranda, Tomás Martins,
António Nunes, Teixeira de Sousa, Guilherme Rocheteau e outros jovens, ensaiam uma nova mensagem e
mostram que compreenderam a dos poetas da Claridade. O impulsionador foi o militar em serviço no
Arquipélago Manuel Ferreira, tornado escritor cabo-verdiano por direito e por opção.
Estes jovens ensaiam uma nova mensagem, e mostram que compreenderam a dos Poetas da Claridade. Mas
a Certeza não é apenas uma compreensão da Claridade.
Os seus poetas têm cada vez mais contacto com o mundo. Sentem e sabem que para além da realidade
cabo-verdiana existe uma realidade humana, de que não podem alhear-se. Sentem e sabem que não é apenas
em Cabo Verde que “há gritos lancinantes pela noite silenciosa” e “homens vagabundos” que “fitam estrelas
que a madrugada esculpiu”. E dizem, querem dizer “um canto… que cruze nos mares mais distantes e entre
nos corações dos homens…um canto com contornos de paz e relevos de esperança”.
Assim, tinham por objectivo traduzir bem ou mal as angústias e as esperanças dos cabo-verdianos.
Trataram temas relacionados com a terra dura e seca, a destruição dos falsos mitos, a evasão, entre outros.
Ideologias eram a consciencialização da terra dura e seca e a orgulhosa descoberta dos falsos mitos.
Ela é de carácter neo-realista. Marcou de forma mais nítida o caminho da Cabo-verdianidade.
“É bom não esquecer que por altura do seu aparecimento se desenvolva – já no horizonte o triunfo das
forças aliadas no campo da guerra europeia, e, mais pressentidos que conscientemente esperado,
desenhavam-se os fecundos tempos em que ainda vivemos.” (Arnaldo França)
O ideário da revista está definido no poema “Poema de amanhã” 1945 de António Nunes.
A poesia de António Nunes destaca-se pelo sopro protestário e reivindicativo que o seu sempre citado
“Poema de amanhã” simboliza e se fez bandeira da geração que lutou pela independência do país.
POEMA DE AMANHÃ
- Mamãi! - Mamãi!
sonho que, um dia, sonho que, um dia,
em vez dos campos sem nada, estas leiras de terra que se estendem
do êxodo das gentes nos anos de estiagem quer sejam Mato Engenho, Dacabalaio ou Santana,
deixando terras, deixando enxadas, deixando tudo, filhas do nosso esforço, frutos do nosso suor,
das casas de pedra solta fumegando do alto, serão nossas.
dos meninos espantalhos atirando fundas,
das lágrimas vertidas por aqueles que partem, E, então,
e dos sonhos, aflorando, quando um barco passa, o barulho das máquinas cortando,
dos gritos e maldições, dos ódios e vinganças, águas correndo por levadas enormes,
dos braços musculados que se quedam inertes, plantas a apontar,
dos que estendem as mãos, trapiches pilando,
cheiro de melaço estonteando, quente,
dos que olham sem esperança o dia que há-de vir, novas seivas brotando da terra dura e seca,
dos que estendem as mãos, vivificando os sonhos, vivificando as ânsias vivificando a Vida!...
dos que olham sem esperanças o dia que há-de vir,
António Nunes

 Suplemento Cultural do Boletim de Cabo Verde

Enquadrada no período Cabo-verdianitude (1958 - 1965) a revista literária, Suplemento Cultural, teve
apenas um único número, pois foi proibida pela Censura. Foi organizada em Lisboa e, posteriormente,
publicada na cidade da Praia, ilha de Santiago em 1958.
Indagar, conhecer e interpretar as expressões mais originais, mais sinceras e sólidas da cultura cabo-
verdiana constituem os principais objectivos desta revista.
Fazem parte desta geração de Suplemento Cultural nomes como: Gabriel Mariano, Ovídio Martins,
Aguinaldo Fonseca, Terêncio Anahory, Carlos Leite, Onésimo Silveira, Francisco Lopes, José Augusto
Monteiro e Yolanda Morazzo. Tendo a maioria formação universitária, convivendo de perto com outros
africanos da Casa dos Estudantes do Império.
Estes jovens retomam os temas iniciais da Claridade, ou seja, os temas da cabo-verdianidade, integrando,
contudo, os problemas de Cabo Verde na problemática geral africana. Por outro lado, o avanço ideológico
desses jovens escritores leva-os a utilizar um discurso declaradamente de revolta, com o consequente
enriquecimento formal das novas correntes da lírica portuguesa. Ou seja, o discurso dos jovens que o
lançaram era já de frontalidade anticolonialista, ao mesmo tempo que de consciencialização da componente
africana da sua cultura.
Em suma, protesto é o tema, predominante, nesta geração. A cabo-verdianidade, maior consciência do ser e
do estar e ainda, uma maior reflexão crítica representavam as suas ideologias.
Só com o Suplemento Cultural do Boletim de Cabo Verde é que se assume, a par da cabo-verdianidade, a
negritude. É de Gabriel Mariano um curto artigo sobre “Negritude e caboverdianidade” (in: Cabo Verde, 104,
Maio de 1958) e de Onésimo Silveira um vigoroso e polémico ensaio: Consciencialização na literatura cabo-
verdiana (Lisboa, CEI, 1963).
Onésimo Silveira vinha com essa publicação dar travejamento crítico ao ideário poético da geração que na
retaguarda apoiou o movimento militar na luta da libertação. O ensaio é uma desenvolvida diatribe contra os
escritores da Claridade. Em síntese, afirmava Onésimo Silveira:
- a literatura claridosa podia caracterizar-se como “realismo paisagístico”;
- os romances Chiquinho e os Flagelados do vento leste era criticáveis, respectivamente, o primeiro por ter
“escassas páginas” sobre as crises originadas pela morte de milhares de pessoas, devido à seca e o segundo,
por se enquadrar num “realismo puramente descritivo de que está ausente uma intenção social reformista”, era
criticável também a narrativa de António Aurélio Gonçalves;
- salvava-se a Chuva Braba, de Manuel Lopes, “romance de intenção social clara, tanto pelo criticismo
pertinente, como pela luz que seu epílago traz à decantada questão evasionista”;
- os claridosos tinham aproveitado dos mestres brasileiros apenas o “realismo pinturesco ou paisagístico e
não o realismo profundo ou de estrutura”;
- mostravam uma “nítida fuga aos componentes negróides da cultura cabo-verdiana”;
Era preciso, portanto, “tornar o homem caboverdiano consciente do seu destino africano”, invertendo os
termos de proposição claridosa e, ao invés de considerar Cabo Verde um caso de regionalismo europeu, passar
a considerá-lo um caso de regionalismo africano, por via do “influxo de renascimento africano, quer revitaliza
todos os campos de actividade e, todos os momentos de espiritualidade do homem negro ou negrificado”...
Ovídio Martins
Poeta bilingue, ou melhor, com incursões na linguagem crioula. Este autor faz suceder a uma fase
socialmente inconformista, mas impregnada de um suave lirismo, uma temática directamente intervencionista,
militante e de denunciadora da situação de dependência colonial e fortemente protestatória contra a passiva ou
renúncia a um activismo imediato, justificativos da generosidade do seu sacrifício em adiar o tempo para o seu
amor. Este autor estudou em Lisboa, a partir de 1947, mas, face às persegições da política, demandou a
Holanda, onde publicou o seu livro de poemas mais importante, Gritarei berrarei matarei – não vou para
Pasárgada (1973). Numa primeira fase, os poemas detêm-se nos campos semânticos da seca, do apelar ao
mar, do desespero, do amor inalcançado, de uma ambígua nostalgia das origens, não explicitadas; dois
poemas, no entanto, exprimem a retomada intertextual dos laços com a Claridade, ao citar os seus textos, e
uma crítica acerada ao chamado evasionismo, tomando uma posição explícita contra esse evasionismo
claridoso.

CAMINHO LONGE caminho longe Não devia, mas tem.


ladeira de São Tomé
Caminho Não devia ter sangue Parados os olhos se esfumam
no fumo da chaminé. Aos netos deste século? correndo nas ribeiras
Devia sorrir de outro modo saltitando nas lavadas
o Cristo que vai de pé. Ou terei de falar gritando
Nesta língua lusa gritando sempre:
E as bocas reservem fechadas E eu sem arte nem musa «Fugi di roça
a dor para mais além Mas assim terei palavras Fugi di roça!»
para deixar E na ânsia de levar o grito
Antigas vozes pressagas Aos herdeiros do nosso século para o vale e para a montanha
no mastro que vai e vem. Em crioulo gritarei corre por todos os cantos da
A minha mensagem roça!
Caminho Que de boca em boca E esse sangue de negro e
caminho longe Fará a sua viagem mulato
ladeira de São Tomé é seiva que faz prosperar…
Devia ser de regresso Deixarei o recado o cafeeiro cresce
devia ser e não é. Num pregaminho é cacau gostoso
Nesta língua lusa e a verdura trepa
Gabriel Mariano – 12 Que mal me entendo. trepa para os céus!
Poemas de circunstâncias, 1965
Ovídio Martins Mas o grito desse sangue
derramado
fica ao de cima pairando no
CAMINHO LONGE tempo…
CANÇÃO DA ROÇA E nas noites de vento
Caminho obrigado e nas noites de calma
Caminho trilhado Roça tem sol nas manhãs de sol
Nos braços da fome roça tem água e nos dias de chuva…
café maduro
Caminho sem nome e cacau gostoso… «Fugi di roça
Caminho de mar Fugi di roça!»
Um vilão a chorar Roça tudo tem!
Terêncio Anahory -
Falarei em crioulo! Mas roça também tem Caminho Longe
Mas que sinais deixar sangue de negro e mulato
A nosso favor
Não houve campanhas de solidariedade
Não se abriram os lares para nos abrigar
E não houve braços estendidos fraternalmente
para nós

Somos os flagelados do vento-leste!


“FLAGELADOS DO VENTO LESTE”
O mar transmitiu-nos a sua perseverança
Nós somos os flagelados do vento-leste!
Aprendemos com o vento a bailar na E as estiagens já não nos metem medo As vozes do mar
desgraça Porque descobrimos a origem das Que nos salgou o sangue
As cabras ensinaram-nos a comer pedra coisas As vozes do vento
(quando pudemos!...) Que nos entranhou o ritmo do equilíbrio
Somos os flagelados do vento-leste! E as vozes das nossas montanhas
Somos os flagelados do vento-leste! Estranha e silenciosamente musicais
Morremos e ressuscitamos todos os
anos Os homens esqueceram-se de nos chamar Nós somos os flagelados do vento-leste!
Para desespero dos que nos impedem irmãos
A caminhada E as vozes solidárias que temos sempre Ovídio Martins
Teimosamente continuamos de pé Escutado
Num desafio aos deuses e aos homens São apenas

ANTIEVASÃO

Pedirei
Suplicarei
Chorarei

Não vou para Pasárgada

Atirar.me-ei ao chão
E prenderei nas mãos convulsas
Ervas e pedras de sangue

Não vou para Pasárgada

Gritarei
Berrarei
Matarei

Não vou para Pasárgada

Ovídio Martins

Pasárgada é uma palavra-tema utilizado pelo poeta brasileiro Manuel Bandeira:


Vou-me embora p’ra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora p’ra Pasárgada.
In Libertinagem, 1930

Esta palavra-tema foi introduzida em Cabo Verde nos anos 30, emergindo com o movimento da revista Claridade com conotação
positiva e com função de “fincar os pés na terra” denunciado a situação de abandono a que o arquipélago tinha sido votado:
Saudade fina de Pasárgada...
Em Pasárgada eu saberia
Onde é que Deus tinha depositado
O meu destino...
Osvaldo Alcântara, in Atlântico, 1946
Já em Suplemento Cultural e com Seló, altera-se a conotação e “Pasárgada” passa a ter uma função de mobilização para a
resistência:
Não vou para Pasárgada (Ovídio Martins)
e para o combate contra a dominação colonial e contra uma certa mística cabo-verdiana, simbolizada, po exemplo, pela música e
pelo grogue.

Você também pode gostar