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Escritas da subjetividade no
Romantismo – o eu lírico
AULA
e outros eus
Henriqueta Do Coutto Prado Valladares
Dayhane Ribeiro Paes
Meta da aula
Apresentar diversas configurações do eu lírico em
poemas do Romantismo brasileiro, levando em
consideração diferentes fases do período
oitocentista no Brasil.
objetivos
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PARTE I: AS ESCRITAS DA SUBJETIVIDADE: OS
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“NATIVISTAS”
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O Romantismo inaugurou no Brasil nossa segunda grande fase
literária: o período nacional. Há coincidência entre esse período e a
autonomia política que o país alcançou. Não que um dependesse do
outro. Politicamente, o Brasil passa de colônia a império com Pedro I.
Consequência imediata é o desabrochar do nacionalismo exagerado; o
abandono das causas portuguesas. O século XIX conheceu uma série de
transformações importantes que refletiram no jovem país: insegurança
do catolicismo; revisões políticas; transformação filosófica e, acima de
tudo, o grande desenvolvimento das ciências físicas e naturais. Tudo
isso e mais a ascensão da burguesia favoreceram o Romantismo que, no
Brasil, apresenta uma nova faceta. É o caso do indianismo de Gonçalves
Dias e de José de Alencar, ainda que se revestisse de muita irrealidade.
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Você pode assistir ao vídeo-leitura de “I Juca Pirama” no
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seguinte endereço: www.youtube.com/watch?v=ra2yyPLc2Z0.
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Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia
nas frondes da carnaúba;
Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do Sol
nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros.
Serenai verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para
que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.
Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense,
aberta ao fresco terral a grande vela? Onde vai como branca
alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?
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Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce,
mar em fora;
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano;
uma criança e um rafeiro que viram a luz no berço das florestas,
e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem.
A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa
entre o marulho das vagas:
– Iracema!...
(ALENCAR, 1992)
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Pode-se destacar também que o sentido simbólico no romance de
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AULA
José de Alencar concentra-se no encontro do colonizador com o coloni-
zado, ou seja, a relação do português com a terra brasileira. Identifica-se,
nessa obra nativista, a relação de ambiguidade entre o primitivismo
nacionalista e a transplantação cultural. Essa relação é marcada pelo
próprio título do romance Iracema, que pode ser considerado como um
anagrama da palavra América, o que seria o símbolo secreto do romance
de Alencar, que é o texto épico definidor de nossas origens históricas,
étnicas (miscigenação, formação do povo brasileiro) e sociológicas,
segundo Afrânio Peixoto. Logo, Iracema é a figura virgem e exótica que
se entrega a Martim e é destruída; da mesma forma, a terra brasileira,
por permissão dos índios (que sofrerão uma aculturação), passa a ser de
posse portuguesa. Esse discurso histórico-nativista presente no romance
de Alencar reforça o patriotismo do povo brasileiro com a presença do
personagem Moacir, que simboliza o primeiro brasileiro nascido da
miscigenação entre índios e portugueses. O filho da dor de Iracema: dela
nascido e, também, dela nutrido.
Para Alencar, esta relação que se processou por permissão do
índio provocou o surgimento do povo brasileiro. Na visão do autor,
no romance indianista, o índio era a possibilidade de despertar, nesse
povo recém-independente, o amor pela pátria (nacionalismo ufanista).
Percebe-se também que, assim, Alencar tenta concretizar a proposta do
Romantismo de construir uma linguagem brasileira. Tenta, então, escre-
ver um romance usando termos indígenas, o que revela uma linguagem
autenticamente nacional. Porém, nota-se certa visão preconceituosa
em relação aos costumes indígenas, apesar das tentativas de torná-lo
um herói. Por exemplo, no capítulo final, segundo Alencar, finalmente
“germinou a palavra do Deus verdadeiro na terra selvagem”. Para ele,
a cultura do branco e o Deus do branco são colocados como superiores
aos dos indígenas.
Todavia, como já foi dito, a contribuição de Alencar está mais
na linguagem poética com que narra uma história brasileira do que na
fidelidade aos fatos, por isso afirmou-se, anteriormente, que Alencar
deturpou o cenário da terra e caricaturou o índio. O que chama a
atenção em Iracema, assim como em outros romances indianistas do
mesmo autor, é a construção de uma identidade brasileira que foge dos
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PARTE II: AS ESCRITAS DA SUBJETIVIDADE:
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OS “INTIMISTAS”
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Mário de Andrade: o leitor-autor de outros autores (românticos)
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realmente sofrido dos pavores juvenis do ato sexual. A educação dele foi
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excessivamente entre saias, o que já é prejudicial para o desenvolvimento
masculino dos rapazes” (ANDRADE, 1978, p. 217).
Você vai lembrar que muitas vezes durante, várias aulas, tecemos
nossas considerações sobre a complexidade que envolve este Eu que
assume narrativas, cartas, poemas, discursos ficcionais. Insistimos no
fato de que a subjetividade daquele que escreve não desaparece nos
personagens que cria, nas histórias que conta. Entretanto, evitamos um
total atrelamento entre vida e obra do autor, ou chegar através do Eu
poético, ou seja, do sujeito ficcional a afirmações sobre sua vida social e
pessoal, por não optarmos pelo risco de nos tornarmos generalizadores
ou preconceituosos. Trabalhamos no sentido de pensar que o Eu, no
plano ficcional, se torna móvel, assume diversas “capas”, “máscaras” e
“caras”, sem com isso se tornar inexistente. Se agíssemos assim, estarí-
amos desprezando na obra literária a imaginação que permite ao Eu ser
também outros que o habitam. Há uma célebre afirmação de Flaubert,
autor de Madame Bovary. Ele disse: “Madame Bovary, c’est moi” (Trad.
“Madame Bovary sou eu”). Da mesma forma, sabemos que Jorge Amado
não é Gabriela (de Gabriela, cravo e canela) ou que Machado de Assis
não é a Capitu (de Dom Casmurro). Multiplicaríamos os exemplos
para concluirmos que todas estas possibilidades de existências outras se
devem ao autor empírico, que as inventa, mas que este não se confunde
exatamente com nenhuma delas.
Intencionamos com este introito lançar um olhar crítico sobre
a leitura de Mário de Andrade em relação às afirmações bastante pre-
conceituosas, apenas quando se refere à obra de Álvares de Azevedo,
como lemos na última parte do item anterior Machado de Assis também
foi leitor de Álvares de Azevedo e considera que, com tão pouca idade
(Álvares de Azevedo morreu aos 20 anos), ele deixou uma obra bastante
significativa do Romantismo.
Machado, assim como Mário de Andrade, observa o espírito
melancólico do jovem poeta expresso em muitos dos seus versos, des-
tacando três poemas do autor: “À minha mãe”, “Virgem morta” e
“Saudades” (ANDRADE, 1978, p. 904). Mas da crítica de Machado
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em “É ela! É ela!”: “Como dormia! que profundo sono!.../[...] É ela! é
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ela! – repeti tremendo,”.
Namoro a cavalo
Eu moro em Catumbi: mas a desgraça,
Que rege minha vida malfadada,
Pôs lá no fim da rua do Catete
A minha Dulcinéia namorada.
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É ela! É ela!
É ela! é ela! – murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou – é ela!...
Eu a vi... minha fada aérea e pura,
A minha lavadeira na janela!
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Mas se Werther morreu por ver Carlota
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Dando pão com manteiga às criancinhas,
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Se achou-a assim mais bela... eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camisinhas!
ATIVIDADE
Atende ao objetivo 1
RESPOSTA COMENTADA
Os poetas românticos (Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Castro
Alves, Fagundes Varela) emprestam ao eu lírico de seus poemas os
males sofridos pelo medo de amar, de morrer, além do o respeito e
da idealização da mulher amada, conforme tratamos nos comen-
tários sobre as obras destes autores nesta aula. Destacamos, por
exemplo, que não há o encontro carnal entre o eu lírico e a mulher
amada, que aparecem nos poemas, evidenciando a desilusão amo-
rosa. Há versos em que isso se torna bem claro. Você deve então
explicitar tal atitude do eu lírico no poema escolhido.
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Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais... Inda mais... Não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral!... Que tétricas figuras!...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
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Era um sonho dantesco...
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O tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... Estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Regam o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
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[...]
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Oh! Musa de Guiné, cor de azeviche
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Estátua de granito denegrido,
Ante o Leão se põe rendido,
Despido do furor de atroz braveza,
Empresta-me o cabaço d’urucungo,
Ensina-me a brandir tua marimba,
Inspira-me a ciência da candimba
[...]
Quero que o mundo me encarando veja,
Um retumbante Orfeu de carapinha.
[...]
(SILVA, 1981)
Para nós que temos nos acercado das escritas das subjetividades,
não podemos deixar para trás o poema de Luís Gama intitulado “Quem
sou eu?”, também conhecido como “Bodarrada”, (porque o negro,
naquele tempo, era chamado de “bode”). Lê-se, então, na epígrafe ao
poema, cujo título é uma pergunta, a resposta que evidencia o trata-
mento e o sentimento daqueles seres humanos que eram coisificados (se
tornavam coisas), transformados em objetos (como mesas e cadeiras
ou quaisquer outros) para serem negociados e vendidos: “Ninguém”.
Seguem transcritos os versos de A. E. Zaluar (Dores e flores), que ser-
vem de “epígrafe” ao poema citado de Luís Gama: “Quem sou eu? Que
importa quem?/Sou um trovador proscripto/Que trago na fronte escripto/
Esta palavra – Ninguém!”.
CONCLUSÃO
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Atividade Final
Atende aos objetivos 1 e 2
Com base no que você aprendeu nesta aula, qual seria sua avaliação crítica
acerca das contribuições da literatura para a nacionalidade brasileira através do
movimento romântico? Cite exemplos de fatos históricos que foram considerados
nessa construção do sujeito lírico do século XIX.
Resposta comentada
Em sua resposta, você pode articular as três escritas da subjetividade (nativistas,
intimistas e antiescravagistas) ao que já aprendeu sobre a história do Brasil no século
XIX, tanto chamando a atenção para uma possível identidade nacional, a partir de
uma reflexão especializada, quanto comentando cada fato em suas particularidades,
naquilo que tange à construção desse sujeito lírico, que enfatizamos nesta aula.
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RESUMO
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A aula destacou os valores que no período romântico marcaram as escritas da
subjetividade.
José de Alencar criou personagens índios como Iracema, a virgem dos lábios
de mel. Gonçalves Dias, em “I-Juca-Pirama”, revelou o “filho das selvas, bravo,
forte, filho do norte”. Dele vieram imagens que passaram a não ser mais de um
só personagem, mas a circular em discursos, quando falamos do Brasil. “Canção
do Exílio”, de Gonçalves Dias, talvez seja um dos poemas mais parodiados da
literatura brasileira.
Lemos ainda os poemas dos românticos que exaltaram a mulher amada. Os poetas
criaram tanto eus líricos nos poemas com atitudes sempre iguais frente às musas
distanciadas, inatingíveis, intocáveis.
Se tivermos de citar a luta contra a escravidão travada nos idos dos oitocentos,
havemos de citar “Vozes d’África”, de Castro Alves. Embora não eleito pela crí-
tica ao lugar que merecia, lá está Luís Gama, também naquele tempo, com seus
poemas-denúncia contra a opressão, o poder e a crueldade destinada aos nossos
irmãos sofridos e marcados pela injúria da escravidão. Ele usou o riso como arma
política para não deixar impunes os que feriam os direitos humanos.
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