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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

JOSÉ HENRIQUE MOTA DE MENEZES

BRASIL INAUTÊNTICO: A INFLUÊNCIA DA CORRENTE CULTURALISTA NAS


VISÕES POLÍTICAS DAS CLASSES SOCIAIS.

RIO DE JANEIRO
2017
JOSÉ HENRIQUE MOTA DE MENEZES

BRASIL INAUTÊNTICO: A INFLUÊNCIA DA CORRENTE CULTURALISTA NAS


VISÕES POLÍTICAS DAS CLASSES SOCIAIS.

Projeto de dissertação submetido ao Corpo Docente do Programa de


Pós Graduação em Ciência Política do Departamento de Ciência
Política da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.

Orientador: Carlos Sávio Teixeira

RIO DE JANEIRO
2017
JOSÉ HENRIQUE MOTA DE MENEZES

BRASIL INAUTÊNTICO: A INFLUÊNCIA DA CORRENTE CULTURALISTA NAS


VISÕES POLÍTICAS DAS CLASSES.

Projeto de dissertação submetido ao Corpo Docente do Programa de


Pós Graduação em Ciência Política do Departamento de Ciência Política
da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.

Aprovado em _/___/___.

Carlos Sávio Teixeira, INST. (orientador)

Maria Antonieta Parahyba Leopoldi, PhD, PPED-IE/UFRJ,

______________,
–––––

RESUMO
–––––

ABSTRACT
–––––

SUMÁRIO
–––––

1 Introdução

De acordo com Souza (2015), seres humanos nada mais são que animais que
possuem a capacidade peculiar da interpretação de si mesmos e de sua realidade. Portanto,
fica claro que não existe um automatismo em seu comportamento, pois este é e sempre
será influenciado por uma forma bem específica de interpretação e compreensão acerca
da própria vida.
Entretanto, estas interpretações são elaboradas não pelo senso comum cotidiano,
mas por grandes pensadores, que estruturam-nas em primeiro lugar, para que depois
possam se capilarizar através das instituições sociais (estruturas institucionais, códigos
éticos, formação de leis, comportamentos, linguagens, etc). Estas mesmas interpretações
se desenvolvem como guias de nossas vidas, pois impõem restritas alternativas ao nosso
modo de pensar, nos tempos antigos eram obras de profetas religiosos.
Já nos últimos duzentos anos, as interpretações que explicam como o mundo se
configura e como devemos agir nele são obras de grandes intelectuais científicos, sendo
o maior deles – ao lado de Karl Marx – o sociólogo alemão Max Weber (SOUZA, 2015).
Este seria o maior pensador secular desta era, pois teria sido dele a origem de toda a forma
predominante de como o Ocidente moderno se interpreta e dá a essa interpretação uma
legitimação. As obras dos grandes pensadores se dão de uma forma tão abrangente e, ao
mesmo tempo, profunda nas interpretações de mundo dos indivíduos porque são ideias
dominantes que circulam pela imprensa, salas de aula, discussões parlamentares e, por
fim, no interior de cada propriedade privada e extrato familiar. Toda e qualquer forma de
relação interpessoal nada mais é do que uma simplificação das ideias produzidas por
grandes pensadores.
Para se fazer uma reflexão crítica sobre a própria realidade é preciso entender que
a importância das obras destes grandes pensadores nas nossas interpretações, discursos e
ações, é totalizante, e só desvendada através de uma análise minuciosa de como
funcionam os seus pressupostos. Tendo em vista que a ciência herdou o prestígio antes
pertencente à religião para a explicação moral e formal do mundo moderno, não existe
um tema discutido pela esfera pública que ignore a “palavra do especialista” (SOUZA,
2015:10, grifo do autor) que fala pela ciência.
Portanto, a ciência tem um grande potencial de produzir aprendizado tanto
individual quanto coletivo pela força do prestígio público que conquistou, servindo de
instância legitimadora do que se enxerga como uma boa e justa vida social. A ciência é a
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ordem social moderna com o maior poderio de legitimação interpretativa dentre todas as
outras.
1.1 Contextualização
De acordo com dados do TSE sobre os últimos períodos eleitorais, tem ocorrido
um notável desgaste do sistema representativo democrático. Uma das razões desta
afirmação se dá pelo fato de o número de abstenções de voto e votos nulos terem sofrido
consideráveis aumentos em relação aos períodos eleitorais anteriores.
Em relação às eleições presidenciais, demonstrou-se, em 2014, que a abstenção
foi a mais alta registrada desde as eleições de 1998.1 De acordo com María Martín, da
Folha de São Paulo, os fatores que motivaram aos eleitores em potencial ficarem em casa
ou anularem a sua vontade política compartilham elementos em comum: a desmotivação
e a falta de alternativa, provenientes de um pensamento necessariamente negativo acerca
do sistema político como um todo, dentre instituições e seus funcionários. De acordo com
Marco Antonio Teixeira (apud Martin, 20142), existiria uma grande desmotivação em
relação políticos e partidos no país e, segundo as pesquisas, estes seriam os dois elementos
mais desvalorizados das instituições brasileiras, tornando impossível o processo de
convencimento do eleitor.
Seguindo a mesma linha, as eleições de 2016, correspondentes às eleições
municipais, tiveram um aumento de votos brancos, nulos e abstenções 30% com relação
ao ano de 20123. Com o resultado tendo se dado em diversas capitais pelo país, os dados
despertam o debate sobre a perspectiva do eleitor sobre a política. Para Aldo Fornazieri4,
da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, duas crises combinadas teriam
sido as responsáveis pelo aumento dos votos não validados: a crise do Estado e a crise da
corrupção. A maioria da população, segundo o sociólogo, tem para si que os políticos são
necessariamente corruptos, ao mesmo tempo em que não conseguem promover benefícios
e direitos demandados pelos cidadãos.
"Ficou evidente a dificuldade do sistema político em oferecer alternativas. As
pessoas estão desconfiadas dos políticos de carreira que volta e meia estão envolvidos em

1
MARTIN, Maria. Abstenção é a mais alta desde 1998. 2014. Disponível em
<http://brasil.elpais.com/brasil/2014/10/07/politica/1412713399_211493.html>
2
Ibid, 2014.
3
FÁVERO; NUNES. Percentual de votos nulos, brancos e abstenções aumenta e desperta debate. 2016.
Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/10/1819619-percentual-de-
votos-nulos-brancos-e-abstencoes-aumenta-e-desperta-debate.shtml>

4
Ibid, 2016.
–––––

problemas", afirma Marco Antonio Teixeira5, cientista político da FGV/EASP.


Já para José Álvaro Moisés, cientista político da USP, a Lava Jato e o mensalão
seriam fatores determinantes para a insatisfação eleitoral, mas vai ainda mais fundo, ao
avaliar que o maior fator de descrença política seria o mau funcionamento das
instituições.
Estas falas são apenas alguns dos elementos que compõem o grande ciclo de
pensamento brasileiro que se generalizou ao longo da história: a interpretação
predominante sobre o Brasil que enxerga negativamente qualquer elemento que esteja
dentro do campo das instituições políticas ou que seja relacionado aos homens políticos,
através de uma perspectiva de absoluta desconfiança e descrença acerca destes
componentes.
1.2 Hipótese
O trabalho tem como pressuposto a hipótese de que a teoria de dominante acerca
de nossas instituições está configurada acerca desta ideia de um país inautêntico, e a
elaboração mental imediata da grande maioria dos indivíduos sobre como nossa
sociedade e política se configuram é predominantemente negativa, baseada na
interpretação de mundo ibérica. Esta predominância do pensamento negativo e
depreciador das nossas instituições foram e são construídas pela corrente de pensamento
social denominada culturalismo.
1.3 Objetivos
Este trabalho terá como principal objetivo avaliar a intensidade da penetração do
culturalismo na cultura política dos indivíduos da classe média em perspectiva
comparada com a ralé estrutural. Através da mensuração dos principais indicadores de
comportamento político.
Neste viés, a pesquisa tem como objetivos específicos (1) revisar a teoria
culturalista sociológica e suas abordagens pioneiras; (2) avaliar a penetração teórica do
culturalismo nas ciências sociais brasileiras; (3) traçar uma metodologia de análise
própria para a avaliação do culturalismo nos discursos das classes sociais abordadas; (4)
mensurar a penetração do culturalismo nas classes média e ralé estrutural em perspectiva
comparada.
1.4 Justificativa
O esforço da pesquisa se localiza em um contexto político de representação onde

5
Ibid, 2016
–––––

as instituições e os homens políticos são negativados de maneira cada vez mais crescente
devido à uma construção sociológica de interpretação de Brasil voltada para a negação
do desenvolvimento histórico e institucional do Estado. Esta negação traz consigo uma
visão unilateral da máquina pública como doente e culturalmente atrasada em relação aos
países desenvolvidos.
Portanto, o teor do desenvolvimento da dissertação estará em contribuir para a
construção acadêmica de um pensamento político brasileiro legítimo, com análises
institucionais que tentem desviar de análises que não contenham um aprofundamento
institucional profundo, sendo portanto longe de simplificações.
O esforço da pesquisa surgiu com a percepção de que há uma lacuna na produção
das ciências sociais no Brasil que estejam fora da lógica do culturalismo, e que, portanto,
já não contenham em si um perspectivismo que deslegitime nossas instituições e homens
políticos e, consequentemente, a visão sobre toda a sociedade civil.
1.5 Metodologia.
1.6 Estrutura do Projeto
–––––

2.1A interpretação culturalista ibérica


Segundo Teixeira (2015), a construção científica do pensamento social brasileiro
possui três grandes perspectivas de explicação para o Brasil. O liberalismo culturalista, o
estruturalismo sociológico e o construtivismo institucional. O liberalismo culturalista, ou
culturalismo, ou culturalismo conservador, é caracterizado, segundo o autor, por duas
versões principais. A primeira, a psicossocial, defende a tese de que o personalismo é um
elemento fundamental da nossa ordem social. A segunda, a institucional, sustentando que
o maior problema a ser enfrentado no país é a sua característica patrimonialista endêmica.
Este patrimonialismo se dá através de um estamento burocrático que se forma em
volta e controla o Estado, minando suas possibilidades de livre desenvolvimento do
mercado entre nós, os indivíduos. De acordo com esta corrente, o livre desenvolvimento
do mercado teria ocorrido em países desenvolvidos que não contariam com a
característica patrimonialista do Estado, como por exemplo, os Estados Unidos.
O alicerce desta visão como um todo gira em torno da ideia de que a nossa
formação histórica teria sido dominada por uma herança direta de ideias, práticas e
instituições advindas de nossa colonização ibérica que jamais foram removidas. O
patrimonialismo seria a versão do personalismo aplicada à formação de nossas
instituições. Tendo seus pressupostos adaptados em prol do reforço desta interpretação
de Brasil.
2.2 Neo-intitucionalismo e culturalismo como teorias contemporâneas da ciência
política
De acordo com March e Olsen (2008), na maior parte das teorias políticas
contemporâneas, instituições políticas tradicionais como legislatura, sistema legal e
Estado, sem contar instituições econômicas como a firma, foram sendo deixadas de lado
no que tange à sua importância em teorias anteriores de análise política. As instituições
sociais formalmente organizadas passam então a serem demonstradas como arenas onde
o comportamento político se dá, motivado por fatores mais fundamentais e específicos de
acordo com as abordagens criadas.
Todavia, em anos mais recentes, surge um ainda mais novo institucionalismo na
Ciência Política, que não pode ser considerado sequer congruente dentre suas principais
abordagens, mas também longe de poder ser ignorado levada em conta sua riqueza de
diversidade teórica. Esta corrente pode ser denominada de neo-institucionalimo, aonde
são trazidas de volta ao de bate as discussões acerca do papel das instituições sociais e
políticas, em consequência de um movimento natural e cumulativo de transformação
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destas, além dos comentários incessantes de seus teorizadores. (MARCH; OLSEN,


2008).
Para Hall e Taylor (2003), facilita-se o trabalho de revisão da corrente quando se
admite que esta correntenão é unificada ou homogênea. Portanto, é possível abordar ao
menos três modalidades de análise diferentes, todas, ainda assim, reivindicando o título
de “neo-institucionais”, que aparecem da década de 1980 em diante. Estas escolas podem
ser designadas de institucionalismo histórico, o institucionalismo da escolha racional e o
institucionalismo sociológico. Estas abordagens teriam surgido como reação a
perspectivas excessivamente comportamentais que influenciaram a produção científica
da política nas décadas de 60 e 70, porém, de qualquer forma, destoam muito dentre seus
pressupostos fundamentais de análise sobre instituições e seus resultados sociais e
políticos.
Para Vivien Schmidt (2006), o neo-institucionalismo se tornou o principal campo
de batalha metodológico entre cientistas políticos, devido, principalmente às formas de
abordagem e enfoques específicos para a explicação do comportamento institucional.
Além do mais há, para a autora, mais uma abordagem, a mais contemporânea, que seria
em tese a mais completa e universalizável em termos analíticos se comparada às
abordagens supracitadas.
Se o institucionalismo da escolha racional considera atores racionais atrás de seus
interesses e seguindo suas preferências políticas, através de uma simples lógica de cálculo
racional; o institucionalismo histórico se concentra na história da formação das
instituições políticas e de suas partes constituintes; e o institucionalismo sociológico
observa as instituições como socialmente construídas e culturalmente fragmentadas, ao
mesmo tempo em que moldam o comportamento político de seus agentes por meio de
uma “lógica de adequação” (SCHMIDT, 2006:1, grifo da autora), guiada por regras e
normas culturalmente específicas; a grande novidade é o institucionalismo discursivo,
com principal enfoque no discurso que os atores encarnam nos processos de “geração,
deliberação e legitimação de ideias sobre ação política em contexto institucional de
acordo com a ‘lógica da comunicação’.” (SCHMIDT, 2006:1).
A teoria da ciência política institucional que mais se propõe a explicar o
desenvolvimento social e político brasileiro está principalmente ancorada entre as
tradições neoinstitucionalistas histórica e sociológica, como será demonstrado no
trabalho da dissertação. Em termos de produção científica e posterior transformação de
senso comum através da adequação, é histórica, pois, através de seus pressupostos rasos,
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busca encerrar o debate da formação política e social do Brasil através da análise


macroinstitucional de continuidades que teria se derivado diretamente de Portugal. Isto é,
prevalece a ideia de que nossas instituições são uma extensão continuada das portuguesas,
com alguns arranjos adaptativos. E é majoritariamente sociológica, pois visa contar uma
história de Brasil generalizando uma ideia de que as instituições foram desenvolvidas
através de um viés personalista e de uso do patrimônio público para interesses privados,
adequando este discurso à opinião pública através da produção do conceito nas mais
diversas instituições de legitimação – das universidades às mídias e aos espaços sociais
cotidianos da casa e da rua.
2.3.1 As origens da abordagem culturalista
Cultura política é um conceito multidisciplinar criado na década de 60 por
Almond e Verba, surgido da combinação das perspectivas sociológica, antropológica e
psicológica do estudo dos fenômenos políticos, com o objetivo de analisar a política da
sociedade e suas transformações contemporâneas através de uma abordagem
comportamental, dando conta de aspectos subjetivos ligados à orientação política, fosse
das elites ou da sociedade como um todo. (CARNEIRO; KUSCHNIR, 1999).
Para Almond (1990), os conceitos e categorias da teoria da cultura política estão
presentes já de forma subentendida nas análises políticas pioneiras da ciência política
como um todo, e podem ser já observadas em grandes pensadores como Maquiavel,
Montesquieu, Rousseau e Tocqueville, sem contar Platão e Aristóteles, que contêm
categorias culturais de análise política. Mas o fato da principal corrente do estudo
culturalista político ter nascido apenas nos anos 60 se dá principalmente por dois fatores:
o primeiro, a decepção com expectativas iluministas e liberais; e o segundo, pelo grande
avanço metodológico das técnicas de pesquisa, o que permitiu que se tratasse destas
questões com uma maior objetividade.
O iluminismo e liberalismo que dominavam a ciência política no século XIX e
XX traziam a ideia de progresso material e moral, e, junto a isto, uma convicção renovada
de que a raça humana iria obter sucesso na resolução de seus problemas intrínsecos.
Entretanto, com as grandes crises mundiais provenientes da I Guerra Mundial, as
expectativas se frustram, surgindo a necessidade de uma nova perspectiva de
interpretação política e social. (RENNÓ, 1998).
Em relação às novas técnicas de pesquisa, surgem os surveys, permitindo uma
maior confiabilidade e precisão nas análises sobre dados comportamentais dos indivíduos
na política, contribuindo decisivamente para a abordagem da cultura política.
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Além do
desenvolvimento de métodos de amostragem, a sofisticação dos
processos de entrevista, a utilização de técnicas de escala e de
pontuação e o uso apurado de análises e inferências estatísticas
permitiram o desenvolvimento de testes empíricos para as especulações
teóricas. (RENNÓ, 1998:1).

A cultura política na análise das transformações políticas deu origem à teoria


culturalista de análise política e social, e pode ser entendida como o “conjunto de atitudes,
crenças e sentimentos que dão origem e significado a um processo político, pondo em
evidência as regras e pressupostos nos quais se baseia o comportamento dos atores.”
(CARNEIRO; KUSCHNIR, 1999:1, grifo do autor).
Dentre as interpretações sobre a ciência política e as relações sociais nas
sociedades complexas, o indivíduo, de acordo com sua participação em diversos tipos de
instituições – família, classe, associação, partidos políticos, sistema educacional, etc. – se
tornaria exposto a uma série de elementos de socialização podendo ser congruentes ou
não entre si.
Para Almond e Verba, a análise desses elementos resultaria nas avaliações
subjetivas do sistema político, e poderiam se dividir em três tipos de orientação:
cognitiva, afetiva e avaliativa. Ainda que haja grande destaque para A democracia na
América de Tocqueville, como um trabalho pioneiro neste tipo de análise, The civic
culture de Almond e Verba (1963) se tornou a referência contemporânea obrigatória para
o debate conceitual acerca da cultura política.
2.4 O culturalismo periférico: o tradicional atávico contra o moderno racional
Para uma perspectiva crítica à abordagem culturalista, Souza (2006) analisa
especificamente o tempo em que a modernização das sociedades periféricas teve papel de
destaque nas ciências sociais, sendo enfoque principal do debate internacional na
produção científica da política e da sociologia. De acordo com o autor, no pós-Segunda
Guerra, acontece um grande boom de estudos sobre as sociedades subdesenvolvidas e
periféricas, e dá-se então início a um esforço norte-americano de reorganizar
politicamente o “mundo livre” (SOUZA, 2006: 15, grifo do autor). Tendo a teoria da
modernização como marco fundador um discurso de Truman em 1949, se desenvolve a
partir deste momento, abrangendo de maneira generalista inclusive os estudos
comparados internacionais entre os Estados periféricos.
Num primeiro momento, para a ciência política majoritária e hegemônica, as
análises desaguavam em um quadro geral de categorias que pressupunha dentro de si uma
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oposição simplista entre tradicional e moderno. O último polo era associado de maneira
cada vez mais contundente à sociedade contemporânea americana, principalmente pela
grande exaltação dos trabalhos clássicos de Tocqueville e Weber – desde que encobertos
os seus sentidos ambíguos sobre a democracia americana e modernidade num geral – e
trouxe consigo uma visão dotada de extrema apologia e triunfalismo perante outras
sociedades. (SOUZA, 2006).
Já num segundo polo, o do tradicionalismo, demonstrava um culturalismo
ultrapassado e mais próximo do selvagem das sociedades periféricas como um todo, tendo
como pressuposto uma estratégia de desenvolvimento voltada para o “etapismo da
sociologia da modernização”6, ou do contrário, sua falência como projeto de Estado. De
acordo com Souza, grande parte da sociologia culturalista e institucionalista, ainda nas
produções atuais, se embasa por estes pressupostos.
A produção acadêmica periférica, a partir de então, teria se pautado
majoritariamente pelos mesmos paradigmas teóricos, e, segundo Souza (2015), absorve
elementos de propagação de algo que seria equivalente ao racismo biológico do século
XIX, com tamanha legitimação científica: o “culturalismo científico” (SOUZA, 2015: 14,
grifo do autor), que tem como principal elemento norteador a divisão das sociedades
categorizadas como avançadas e as atrasadas qualitativa e substancialmente. Esta
construção opositiva é moldada tanto no campo cognitivo quanto moral, demonstrando
que as sociedades avançadas – e portanto seus membros – devem ser percebidas como
“racionais” e “moralmente superiores”.
Não podendo ser de outra forma, portanto, as sociedades periféricas e, mais
especificamente latino-americanas passam a ser observadas e categorizadas a partir da
análise culturalista hegemônica como “afetivas e passionais”, portanto, intrinsecamente
corruptas, dado que “personalistas” em detrimento das sociedades anglo-saxãs
estritamente “impessoais.” Para Souza (2015), a construção científica e sua legitimação
se dão através dos conceitos centrais de Max Weber, tendo estes sido deturpados em prol
de uma construção teórica capaz de legitimar uma divisão de vida prática racista que
separa “gente” superior das sociedades desenvolvidas e “subgente” inferior das
sociedades latinas e periféricas. Weber seria a grande chave para se entender a forma

6
Se tornava então fulcral a atividade política das sociedades não-ocidentais ou periféricas ser voltada
para a repetição dos passos das sociedades centrais na sua formação tanto psicossocial quanto
institucional, e este processo de repetição tratado como “modernização espontânea” (SOUZA, 2006:13,
grifo do autor), seria o grande garantidor da entrada destas sociedades na modernidade econômica,
política e cultural.
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como o racismo científico se naturaliza no âmbito científico e consequentemente na esfera


prática em todas as ditas sociedades modernas, centrais ou periféricas.
2.5 Culturalismo, brasil e o racismo científico
Segundo Souza (2015), Weber foi utilizado pelo mais importante sociólogo norte-
americano do século, Talcott Parsons para parir a imagem de modelo idealizado da
sociedade norte-americana como o mais próximo da perfeição moral e racional.
Principalmente na sua teoria dos pattern variables (SOUZA, 2015: 15, grifo do autor) –
padrões variáveis, que se tornaria a espinha dorsal de toda a sua teoria da modernização,
ainda predominante nos dias atuais, mesmo que transvestido de outras formas. Este
conceito passa então a ser integrado por teóricos da América Latina precisamente a partir
da década de 1930. O conceito mais importante desta teoria predominante de
interpretação de mundo seria a ideia de “patrimonialismo”, que foi retirado de modo a-
histórico e fraquíssimo revisionismo analítico da obra de Weber.
Como já citado, predominam as interpretações de primitivo, pessoal e “corrupto”
como características marcantes de uma sociedade patrimonialista, em detrimento da
modernidade - tendo como marcas a impessoalidade, a confiança e a racionalidade – que
não teria nos alcançado. Este quadro, tendo vigorado até a atual ciência hegemônica, não
é questionado em seus pressupostos, onde percebe-se que foi usada uma leitura unilateral
da tese de Weber sobre a peculiaridade do Ocidente, descartando seu trabalho crítico às
suas formas de desenvolvimento. (SOUZA, 2015)
O racismo científico estaria no fato de que esta leitura hegemônica das ciências
sociais acaba por diferenciar, através da perspectiva cultural, indivíduos e sociedades por
meio de uma medição de personalidade fatalista e frágil. Se antes a diferença era racial e
biológica, a distinção entre os povos, a partir de agora, se legitima através de uma noção
de “estoque cultural” (SOUZA, 2015:15), dividindo as sociedades do Atlântico Norte
num patamar de superioridade moral e cognitiva em relação não só às sociedades latino-
americanas, mas a todas as outras sociedades, como as europeias e as de terceiro mundo
num geral, transformando a sociedade norte-americana num padrão absoluto, onde teriam
se concretizado todas as promessas da modernidade.
Do ponto de vista prático, dar validade teórica e científica universalmente aceita,
foram colocadas em intensa atividade agências estatais norte-americanas e externas
através de um grande financiamento de pesquisas que atestassem a superioridade de sua
sociedade em relação a outras. Clássicos como Edward Banfield e sua obra “The moral
basis of a backward Society” e os já citados cunhadores do conceito de cultura política,
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Almond e Verba, com “The civic culture: political atitudes and Democracy in five
nations” foram fundamentais para a confirmação do princípio já moldado pela ciência de
sua época.
Se Parsons e sua teoria da modernização exerceram modelo devassador nas
ciências sociais ocidentais, Gilberto Freyre já cunhava os primeiros alicerces do
culturalismo legitimamente brasileiro. Na década de trinta, através da publicação de Casa
Grande & Senzala, dá-se início então a uma autointerpretação que define perfeitamente
o corte que existe entre moderno e tradicional (ou pré-moderno) vinculado à nossa
formação social, enaltecendo os aspectos positivos da miscigenação racial para o
desenvolvimento nacional. Pode ser considerado o primeiro grande intérprete do Brasil
que trouxe um olhar não-racista para o debate. Contudo, lançava as bases para uma análise
cultural conservadora de interpretação.
Ainda assim, a análise mais poderosa sobre nós mesmos partiria de um teórico
que iria inserir os elementos weberianos na primeira interpretação de Freyre, fazendo uma
espécie de inversão de seus conceitos e nos trazendo a interpretação quiçá mais poderosa
até os dias atuais: Sergio Buarque de Holanda, e seu Raízes do Brasil. (SOUZA, 2001,
2009 e 2015). Seria o primeiro grande intérprete de Brasil que, já se utilizando da
perspectiva cultural, transformava a mistura racial de nosso país em algo unicamente
prejudicial para um projeto de estabelecimento nacional.
Neste momento da análise do trabalho, é onde haverá o desenvolvimento da tese
de Souza que se aproxima da definição de Teixeira (2015) sobre o culturalismo liberal
brasileiro. Para Souza, a maior interpretação social brasileira, predominante desde o
século XX até os dias atuais, possui as noções de personalismo/patrimonialismo como
seu principais alicerces, no intuito de justificar, em primeiro lugar, uma suposta
singularidade de nossa sociedade, e, consequentemente, a ideia cultural de um
comportamento pré-moderno entre nós. A pré-modernidade seria o núcleo, portanto, da
noção do “jeitinho brasileiro” (SOUZA, 2015:18, grifo do autor), onde confere o
distanciamento da hierarquia moral entre nós e os anglo-saxões, e onde prevaleceria o
capital social das relações pessoais, estando as pessoas limitadas a este de acordo com
os seus interesses individuais, e nunca de forma estritamente racional, principalmente no
ambiente burocrático (a administração pública, por exemplo), o que geraria uma ideia de
descomprometimento cívico como uma das consequências mais danosas.
Já especificamente neste último âmbito, Souza (2015) traz uma leitura do teórico
que trouxe a análise personalista com enfoque no comportamento dentro das instituições:
–––––

Raymundo Faoro. O personalismo, sem alterar seus pressupostos, através da obra Donos
do Poder, adapta as suas ações ao funcionalismo público, e acaba por concentrar todo o
esforço das relações sociais voltadas para o auto-interesse e favorecimento agora na
máquina do Estado. Neste momento é que surge a noção de patrimonialismo – o uso do
bem público para interesses privados – com base weberiana e é tomado de assalto para a
interpretação do Estado brasileiro como intrinsecamente corrupto.. Neste ponto, Souza
afirma que, colocada à mesa do senso comum a ideia de um Estado originalmente
corrupto, abre-se caminho para uma perspectiva social que concentra no Estado todas as
virtudes da racionalidade moderna. Portanto, o culturalismo estaria agindo em prol da
legitimação do livre mercado através de uma depredação da lógica do Estado.
Isto posto, o autor dita que Roberto DaMatta fecha o ciclo do pensamento vira-
latas contemporâneo com o que considera uma crítica vazia, mesmo que legitimada, ao
apontar uma peculiaridade própria ao povo brasileiro para criticá-la, tornando-nos
intrinsecamente inferiores. Para Souza, DaMatta seria o principal autor da tradição
sociológica do personalismo nas ciências sociais, e seria até hodiernamente o sociólogo
conservador mais influente do Brasil, sendo a sua obra, A casa e a rua, o trabalho
contemporâneo que outorga o título brasileiro de sua interpretação sociológica
inferiorizada – uma sociologia da inautenticidade (SOUZA, 2001).
O trabalho irá desenvolver o panorama culturalista que corresponde ao começo
do século XX à contemporaneidade brasileira, tendo como pressuposto de que esta
ideologia se tornou predominante no senso comum dos indivíduos quando refletem sobre
si mesmos. A parte do trabalho exposta resumidamente acima mostrará de maneira geral,
através de uma revisão da literatura culturalista e seus principais críticos, como o
culturalismo teria tomado tal proporção na ciência política e social brasileira.
O culturalismo se relaciona com a visão política a partir do momento em que cria
um olhar sobre representação política com um viés predominantemente negativo. A
interpretação voltada ao personalismo/patrimonialismo traz consigo sintomas que
podemos observar parcialmente, como a indiferença, a descrença e aversão em relação ao
sistema político, aos partidos e aos eleitos. Deste modo, ocorre um natural afastamento
da política, visto que esta visão se generaliza e se retroalimenta através de interpretações
teóricas rasas que se legitimam e se desenvolvem sem uma consideração profunda de suas
bases.
–––––

2.6 O culturalismo em sergio buarque de holanda


De acordo com Candido (1995), Sergio Buarque em sua obra retrata
metodologicamente elementos contrários: se utiliza de conceitos de Weber e os dinamiza
através de um processo simultâneo que teria seguido a marca das reflexões de sociedade
na América Latina. Tenta apanhar a realidade por meio da exaltação de um sentido forte
da história, suscitando ao mesmo tempo seu sentido oposto, o que resulta em uma grande
força de esclarecimento. Neste sentido, os códigos para a compreensão de sua obra está
nas grandes oposições:
Trabalho e aventura; método e capricho; rural e urbano; burocracia e
caudilhismo; norma impessoal e impulso afetivo — são pares que o
autor destaca no modo-de-ser ou na estrutura social e politica, para
analisar e compreender o Brasil e os brasileiros. (CANDIDO, 1995:
15).

Para Sallum Junior (1999), Raízes do Brasil, com a principal motivação de


entender o processo de transição sociopolítica dos anos 30 e depois na nova edição na
década de 40, chega à conclusão de que as instituições de nossos antepassados
portugueses não fazem outra coisa se não oprimir os cérebros dos vivos. A obra não
reconstrói a história de nossa sociedade ou narra a sequência de eventos que ocorrera
desde suas origens, mas abordam nossas formas de sociabilidade com a reconstrução de
fragmentos de nossa vida social, e das instituições e mentalidades nascidas no passado
que ainda fazem parte de nossa identidade social e são um grande problema. Precisam,
então, ser superados. Buarque então se propõe a reconstruir uma nova identidade nacional
brasileira, deixando pra trás o pensamento tradicional de nossa interpretação. Entende
que a única forma de reconstruir esta identidade nacional – um dos pólos de tensão social
e política em sua época presente – é através do que propõe ao final de seu livro, uma
revolução do modo de pensar social, considerando a identidade brasileira como devir e
em processo de construção.
2.6.1 RAÍZES DO BRASIL E OS ELEMENTOS DE UMA TEORIA CULTURAL
NEGATIVA
Analisando o trabalho de construção teórica de Buarque em Raízes do Brasil, é
preciso entender que o autor não retira a sua interpretação depreciadora de um vácuo, ou
considera que o Brasil tenha sido original em seu atraso institucional e social. É preciso
dar enfoque a um dos elementos que distingue Buarque e os culturalistas de outras
correntes de pensamento: o Brasil como uma simplificada continuação da Europa Ibérica
em alguns aspectos, e especificamente de Portugal majoritariamente.
–––––

2.6.1.1 Herança personalista ibérica


Ainda para Sallum Jr. (1999), a teoria de Buarque acredita que o grande pilar de
nossa identidade que ainda está em construção. Isto quer dizer que a concepção de
natureza humana dos brasileiros é compartilhada de portugueses e espanhóis pois destes
foi herdada. As maiores características desta concepção são a cultura da personalidade, a
valorização extremada da pessoa, a autonomia do indivíduo em relação a seus
semelhantes, e a valorização do homem no sentido de não depender dos demais.
Este sentimento de dignidade individualista teria nascido da nobreza e da ética
dos fidalgos.7 Para Ferrari 8, ser fidalgo era ser homem livre de impostos, de prestar ou
não vassalagem, ocupar qualquer ofício (modesto ou elevado), ter privilégios como a
inviolabilidade do seu domicílio, ser julgado apenas por seus pares, não ter a obrigação
de suportar alojamentos de tropas do exército, e de transmitir a fidalguia a seus filhos sem
qualquer outro requisito se não o de sangue. Fidalgos em Portugal tinham o privilégio
exclusivo de certas profissões (como juiz, vereador, juiz de fora, capitão-mor) jamais
acessíveis a plebeus, não sendo permitido a eles exercícios que envolvessem ofícios
mecânicos (esforço físico), estando sujeitos a perda da fidalguia 9.
Até a época de D. Afonso V (mandato de 1446-1481), o título de “rico-homem”
era o maior título da nobreza portuguesa, apenas abaixo da Família Real. Mesmo sendo
homens de linhagem, o rei, por recompensa, serviços prestados, valor pessoal ou compra,
podia nomear rico-homens. A categoria social imediatamente inferior era a dos infancões,
que descendiam dos fidalgos, mas não podiam ser nomeados em decisão do rei, o que não
tirava o seu grande valor social, que necessariamente possuíam linhagem descendente de
homens de terras e possuíam alta importância na sociedade apenas pela posse de bens.
A partir desta construção social de classe, a burguesia herda, segundo Buarque
(SALLUM JR., 1999), a ética fidalga. Isto teria trazido uma série de consequências
negativas, como a frouxidão da estrutura social e grande permeabilidade das hierarquias
– em distinção às barreiras hierárquicas feudais –, pois permitia veloz ascensão social na
sociedade portuguesa sem grandes obstáculos já no século XIII. Diferente de toda a

7
De acordo com Dias Sanches (1970), a palavra fidalgo vem da aglutinação de “filho-de-algo”,
significando um indivíduo que possuía alguma coisa de bens ou estava em uma condição nobre, e tem
origem castelhana. REF: DIAS SANCHES, José Rodrigo. Os Sanches de Vila Viçosa. Universidade de
Michigan: Sá da Costa, 1970.
8
FERRARI, Juan José Leñero, “La Hidalguía en el Pueblo Cantabro, Su carácter casi universal y la razón
de su origen en las montañas de Santander. Análisis de padrones de los SS XVI-XIX. Linajes principales
en algunos lugares y condición histórico social”.
9
oliveira, Luís da Silva Pereira, Privilegios da Nobreza, e Fidalguia de Portugal, Lisboa, 1806.
–––––

Europa até então, com suas hierarquias sociais extremamente solidificadas. A burguesia,
nesse sentido, jamais precisou de uma inovação abrupta, pois, associando-se às classes
dirigentes mais antigas, acabou assimilando seus princípios: tradicionalismo acima da
razão fria e calculista, o que resulta forçosamente em falta de hierarquia organizada não
só na estrutura social, mas em todos os setores inclusive que envolvessem relações
comerciais.
Já neste momento, podemos enxergar, aos olhos de Buarque, o prestígio pessoal
como mais importante que o nome herdado, e uma inversão: a abundância dos bens e de
fortuna, altos feitos e altas virtudes, começa a ser mais importante que os privilégios
herdados de família. Há em Portugal e na Espanha, antes de todo o velho continente, a
possibilidade de fidalgos em todas as posições sociais. O personalismo ibérico exalta,
então a autonomia da pessoa, acima da ação sobre objetos exteriores e coisas, que seriam
estranhos ao indivíduos e prejudiciais a sua dignidade. Em termos de trabalho, inclusive,
Buarque tenta demonstrar que a moderna ética religiosa jamais teria sido exaltada pela
cultura personalista, dando lugar à ociosidade da Antiguidade clássica, sendo superior à
luta pela conquista do pão de cada dia. O ócio, para os ibéricos, importa mais que o
negócio, e a atividade produtiva é menos valorosa que a contemplação e o amor.
(SALLUM JR., 1999).
Nesta altura, Sergio Buarque (2016) entende que a herança cultural ibérica traz,
portanto, três características principais aos homens. O primeiro deles envolve a carência
de uma moral do trabalho, e a pouca possibilidade de organização social. Deste modo,
não há solidariedade de interesses, organização ou coesão entre os homens. A
solidariedade que existe entre estes n]ao seria a compatibilização de interesses, mas de
vínculos sentimentais: um sentimento compartilhado apenas entre parentes e amigos,
círculos limitados ou particularistas.
O segundo aspecto envolve algo que seria positivo, a exaltação do mérito pessoal
acima dos privilégios herdados. Não fosse a negação que o acompanha, o afastamento da
noção de individualismo moderno – que vê a igualdade dos homens como essenciais. Para
esta característica personalista, a desigualdade nada mais é, portanto, de um resultado
inevitável da competição entre eles. Há no mundo homens naturalmente menos e mais
talentosos. O personalismo, nesse aspecto é um individualismo aristocrático, com uma
aristocracia aberta ao talento.
O terceiro aspecto relegado pelo personalismo ibérico é a necessidade constante
de governos centralizadores. De forma a conter as tendências anárquicas trazidas pelo
–––––

enaltecer da personalidade. A estabilidade política, então, só se torna possível através da


renúncia desta personalidade e autonomia pessoal, em busca de um bem maior. Portanto,
um grande dilema toma conta do desenvolvimento das sociedades ibéricas e
compartilhado com “alma comum” ao Brasil: a anarquia social personalista e a recorrente
única solução de uma ditadura violenta.
2.6.1.2 A herança maldita: cultura da personalidade portuguesa
Neste mesmo sentido, de acordo com Avelino (1990), Buarque, num propósito de
compreender a existência ou não de um tipo próprio de cultura, analisa que temos uma
característica principal, a cultura da personalidade. Há uma valorização exacerbada do
homem, resultando em um individualismo radical, luta e competição constantes. O
acréscimo do prestígio pessoal, ausência de um princípio de hierarquia. Neste sentido, as
bases da organização social se enfraquecem, assim como a solidariedade e a ordenação.
A única forma de disciplina que se pode inserir em um contexto tão profundo de
emotividade seria a obediência cega, visto que contratos jamais teriam tido influência na
estrutura social.
Buarque (2016) antepõe, primeiramente, dois grandes tipos sociais: o trabalhador
– referindo-se a povos do norte europeu que vivenciaram a Reforma Protestante e
compartilham a moral voltada para o trabalho, demandando uma grande harmonização
de interesses e associativismo entre os indivíduos. Estes homens, portanto, seriam
notadamente mais econômicos, metódicos, planejados, racionais e industriosos. Já o tipo
aventureiro, os povos da Península Ibérica, são definidos pela cultura da personalidade, e
uma presença abrupta da moral católica ortodoxa, contando com a valorização da
ociosidade, desordem social, atividades mercantis ou a qualquer atividade que traga, com
o menor esforço possível, lucros imediatos.
Da mesma forma que polariza estes conceitos, faz também uma distinção ideal
entre dois outros tipos em consequência dos primeiros, agora voltados especificamente
para a forma de colonização: o ladrilhador e o semeador. A colonização espanhola na
América teria sido marcada pelo primeiro tipo, e caracterizada pelo comportamento de
prevenção e cálculo frio das próximas ações, o que derivaria em grandes núcloes estáveis
de povoação, com uma preferência de fixação em planaltos de clima mais ameno. Já o
tipo semeador, onde se encontram os portugueses, a tendência é agir conforme se dão as
contingências dos dias, tratando dos problemas gradativamente. Caracterizado pela falta
de planejamento, dá alguns resultados como a feitorização típica de suas colônias, onde
predominariam poderes regionais, além de distribuições desiguais de população voltadas
–––––

para a região litorânea. (HOLANDA, 2016). Para Avelino (1999), este estilo de
povoamento só poderia resultar em incapacidade de abstração, discriminação e
planejamento urbano.
Uma sociedade desorganizada, facções e famílias agitando as relações
sociais.(AVELINO, 1999). Sallum Jr (1999) mostra que a abolição da escravatura foi um
grande marco entre duas eras. A primeira contava com a proeminência do rural sobre
urbano, contando com o forte elemento da exploração agrária embasando-o. A segunda,
com a grande elevação do urbano sobre o rural. Em 1808 este processo já havia começado
com a chegada da Corte. A evolução racional-legal da gestão nacional e regional tentava
superar a mentalidade tradicionalista oligarca, além da abertura dos portos.
Entretanto, se do ponto de vista de gestão e relações comerciais o urbano começa
a prevalecer sobre o rural, a base das relações pessoais, em Buarque, jamais teria sido
superada. O que ele considerava como família patriarcal, constituída por uma autarquia
economicamente suficiente em si mesma, com agregados familiares e escravos
domésticos, foi responsável como o grande elo social para o estabelecimento do
personalismo na sociedade como um todo. A mentalidade social jamais teria sido
revertida como as reformas urbanas. A maioria dos centros urbanos ainda eram
dominados por senhores rurais com grandes posses, e a forma de pensar da Casa-Grande
penetra cidades e profissões. Uma característica deste elemento é a grande exaltação de
títulos de natureza erudita, em contraponto ao trabalho de esforço físico. (SALLUM JR.
1999).
Para Cardoso (1993), Buarque analisa que a sociedade brasileira é caracterizada
por ações sociais que não valorizam as regras, em contrapartida da exaltação do acaso e
da sorte. Desta forma, não é possível a construção de uma sociedade democrática ou uma
maior possibilidade de chances iguais a todos. O brasileiro teria um espírito inquieto que
o faria quebrar a rigidez social, mas não em prol da transformação das estruturas e
benefício dos outros, uma violação de regras em favor de si mesmo. O ganho imediato:
aplausos dos outros indivíduos pela grande coragem de transposição da norma. O homem
cordial não é um homem bom, mas um homem da emoção e não afável.
2.6.1.3 O homem cordial
Dentro do desenrolar de Raízes, Sérgio Buarque traz o conceito que o tornaria
mais conhecido futuramente através de seus revisores, comentadores, e grande parte dos
mais imponentes interpretadores do Brasil: o conceito de “homem cordial”, no quinto
capítulo de sua obra.
–––––

CARDOSO, Fernando Henrique. Livros que inventaram o Brasil. Novos Estudos, v. 37, p. 21-
35, 1993.
De acordo com Avelino (1999), Buarque avaliava que o fenômeno da família
patriarcal jamais permitiu que a sociedade colonial fosse suplantada, e esta mentalidade
teria acompanhado o indivíduo até a parte externa de seu ambiente doméstico, quando o
público se transborda para o privado. A prevalência dos laços afetivos transpassa então
para a vida política pública. A síntese deste processo é o supracitado homem cordial. De
origem ibérica desconhecedora da Reforma Protestante, a cordialidade característica da
cultura da personalidade é distante de qualquer caminho que tenha como norte disciplina
para a consecução de objetivos. As relações humanas, simples e diretas, tornam-se
superiores às relações impessoais e burocráticas. Um horror à distância social, com o
prezar da aproximação com pessoas e objetos. A cordialidade passa a ser tão intensa que
penetra inclusive no mundo racional dos cálculos e negócios. Agora se conhece o
vendedor e seus compradores, e há uma confusão entre cliente e o amigo freguês.
Para Candido (2016), o capítulo sobre o homem cordial trata de características
que são próprias a nós, brasileiros, consequentes da estrutura familiar. Recebems então o
peso das “relações de simpatia” (CANDIDO, 2016, posição 8577, grifo do autor), que
trazem grande dificuldade a interações sociais fora dos seus agrupamentos já conhecidos.
Dessa forma,
não acha agradáveis as relações impessoais, características do Estado,
procurando reduzi-las ao padrão pessoal e afetivo. Onde pesa a família,
sobretudo em seu molde tradicional, dificilmente se forma a sociedade
urbana de tipo moderno. Em nosso país, o desenvolvimento da
urbanização criou um “desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem
vivos ainda hoje”. E a essa altura, Sérgio Buarque de Holanda emprega,
penso que pela primeira vez no Brasil, os conceitos de
“patrimonialismo” e “burocracia”, devidos a Max Weber, a fim de
elucidar o problema e dar um fundamento sociológico à caracterização
do “homem cordial”, expressão tomada a Ribeiro Couto.

O homem cordial não pressupõe uma bondade inerente, mas o predomínio dos
comportamentos afetivos, incluindo suas manifestações exteriores, contrárias aos rituais
do homem polido. O homem cordial, portanto, é totalmente impróprio às relações
impessoais referentes a função e posição do indivíduo seja em qualquer campo de
atuação. O que importa a ele são as marcas pessoal e familiar, derivadas das afinidades
gestadas na intimidade de seus grupos primários mais íntimos.
Em Sallum Jr (1999), temos que Buarque observa o Estado que surge como a
separação entre os escopos individual e coletivo, e o problema especificamente brasileiro,
–––––

a prevalência dos valores familiares por sobre os coletivos. Já que sua ação está embasada
nos princiíos patriarcais, o privado é sempre confundido com o público, o que derivará
no termo que será esmiuçado mais a frente, do funcionário “patrimonial”.
Em termos psicossociais, a contribuição brasileira para a civilização brasileira: a
cordialidade. Uma cordialidade, contudo, que não se relaciona com gentilezas, mas um
conjunto de orientações da ação voltadas para o predomínio da natureza sentimental
acima da disciplina das regras impessoais. A cordialidade é portanto o horror a viver
somente no plano familiar com suas aspirações patriarcais. A transposição dessas relações
e de sua personalidade emocional para com o trato de toda a sua organização social. O
horror à hierarquia e a busca pela intimidade no tratamento são dois de seus principais
elementos.
2.7 Crítica ao culturalismo em Sérgio Buarque de Holanda
SOUZA, Jessé. A modernização seletiva: uma reinterpretação do dilema brasileiro.
Editora UnB, 2000
Como já brevemente abordado, Souza (2000) mostra que há uma interpretação
dominante no pensamento da formação social e cultural brasileira de que:
a) a influência ibérica em nossa construção social tem uma especificidade não-
européia no sentido clássico. O pensamento ibérico só compartilha em comum
com as demais culturas europeias a herança romano-cristã que foi predominante
na era medieval.
b) A Península Ibérica – e especialmente Portugal, jamais sofreu os efeitos das
maiores revoluções e movimentos históricos da modernidade, como o
Iluminismo, a Reforma Protestante, a Revolução Francesa ou o capitalismo
industrial competitivo.
c) A maior influência para o Brasil teria sido, portanto, os restos de uma Europa pré-
moderna, o que teria inclusive facilitado a mistura de raças e culturas entre nós.
Nesta direção, Sérgio Buarque possuiria uma visão sofisticada e ao mesmo
tempo carente de pressupostos profundos da concepção de mundo ibérica em seu
sentido amplo. Entretanto, a sua sofisticação na construção da obra consegue
explicar a influência de sua obra sobre o pensamento social brasileiro de forma
tão profunda.
De qualquer modo, Buarque escolhe o mote do personalismo, ou
melhor, da cultura da personalidade, como o traço mais característico e
decisivo da cultura ibérica que se implantou entre nós. O termo
personalismo é também ambíguo[...]. De início, temos já a direção
–––––

crítica de todo o livro. Será a institucionalização da cultura da


personalidade que impedirá a solidariedade, formas de organização e
de ordenação horizontais no nosso país: “em terra onde todos são
barões, não é possível acordo coletivo durável”. Essa falta de coesão
social teria marcado toda a nossa história tanto hoje como no passado.
(SOUZA, 2000: 162).

Todavia, a o personalismo ibérico ainda contaria com uma característica positiva


em relação em seus moldes sociais. Ele seria anti-tradicional e caracteristicamente
democrático, visto que possui em si o caráter visivelmente meritocrático em contrapartida
ao ideário de privilégios herdados. Desta se forma, se compartilha entre nobres e plebeus
uma ética personalista e intrinsecamente fidalga e aristocrática, devido a possibilidade de
mobilidade social diferenciada de outros países do velho continente. Buarque estaria
afirmando que esta mentalidade do reconhecimento social pelo mérito e responsabilidade
individual seria o maior impedidor para a constituição de um espírito de auto-organização
entre iguais. Entretanto, já seria algo de se estranhar esta característica ser apontada a
formação moral ibérica descolada do europeísmo racionalista, visto que, de acordo com
Souza (2000), o protestantismo ascético foi decisivo para a criação e consolidação de
ideias referentes a responsabilidade pessoal e mérito diferencial baseados no
desempenho.
Personalismo, no sentido utilizado por ele, vincula responsabilidade
individual e respeito ao mérito individual enquanto aspectos subordinados
à própria personalidade. Os fins e objetivos perseguidos por essa
personalidade fidalga jamais são extrapessoais ou impessoais, o que
implicaria, desse modo, submissão a objetos exteriores, quer sejam de
natureza religiosa quer sejam mundanos. O alfa e ômega da idéia de
personalismo em Sérgio Buarque aponta, portanto, para uma constelação
de interesses e valores que encontram no próprio indivíduo sua razão de
ser e seu norte. (SOUZA, 2000:163).

Por conta disto, a vinculação de sentimentos e afetos é a substância das relações


sociais em uma cultura de personalidade, fragilizando as relações sociais baseadas em
interesses racionais e coletivos. A grande prevalência da autarquia individual só traria a
alternativa da obediência irrestruta dos vínculos verticais hierárquicos, e teria derivado
diretamente da formação social de Portugal.
No caso brasileiro, a verdade, por menos sedutora que possa parecer a
alguns de nossos patriotas, é que ainda nos associa à Penísula Ibérica, a
Portugal especialmente, uma tradição longa e viva, bastante viva para
nutrir, até hoje, uma alma comum, a despeito de tudo quanto nos separa.
Podemos dizer que de lá nos veio a forma atual de nossa cultura; o resto
foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma. (HOLANDA,
1985:31 apud SOUZA, 2000).
–––––

O personalismo, portanto, é raíz dos muitos males, como o predomínio de uma


ética aventureira em relação a uma ética de trabalho ou sujeição a um elemento
cooperativo e racional, mesmo que seja também permitido elementos virtuosos como a já
levantada plasticidade. Entretanto, mesmo uma destas poucas virtudes, que teria sido
responsável pela fixação dos portugueses em ambiente tão hostil e desconhecido, através
do desbravamento e assimilação social e racial dos indígenas e africanos, para Souza seria
uma espécie de “virtude dos fracos” (2000: 164, grifo do autor), levando ao ajuste eo
compromisso ao invés da imposição unilateral da vontade típica de calvinistas. A
fraqueza lusitana virou sua força.
Em relação a formação das cidades, para Buarque estaria claro que não há uma
solução para a continuidade entre o personalismo e a herança rural. A influência rural é
tão esmagadora que não deixaria espaço sequer para outros tipos de urbanização, se não
à que deu origem: o patriarcalismo. O engenho, que bastava a si próprio, uma autarquia
personalista e econômica, tem a sua continuação na formação dos novos centros urbanos.
Neste caminho, estes herdam dessas antigas formações concentradas em si próprias
características corriqueiras, como a solidariedade grupal construída apenas a partir de
sentimentos e deveres de amizade e de compadrio, mas jamais pelos interesses objetivos
comuns ou ideias pessoais. O personalismo de origem rural, portanto, na transição rural
para a cidade, se “transveste” (2000:165, grifo do autor) de urbano e toma conta das novas
relações. (SOUZA, 2000). O personalismo, neste sentido, seria o transbordamento do tipo
weberiano patriarcalista de origem rural para o funcionamento das novas sociedades
urbanas modernas.
Clímax do argumento de Buarque em Raízes, o “homem cordial” é basicamente
uma condensação e síntese de vida a ideia transmitida na obra. Buarque conflui
perspectivas micro e macrossociológicas subjetivas e objetivas, no campo institucional
quanto cultural de maneira abrangente. Do personalismo, portanto, Buarque deriva o
fenômeno do Estado patrimonial e o catolicismo familiar. Se o aspecto cultural simbólico
dos indivíduos marcava a personalidade individual, nestes há uma institucionalização do
personalismo em sistema, que derivaria mais tardar numa estrutura social ancorada
totalmente a valores personalistas: a sociedade do homem cordial.
O patrimonialismo é derivado diretamente do patrimonialismo, com o elemento
da negação do Estado racional democrático, segundo Buarque. O Estado neste ponto
aparece como uma extensão da sociabilidade familiar privada, focada em elementos
particularistas dos afetos em detrimento das relações impessoais. A burocracia racional
–––––

não pode, portanto, se desenvolver em meio a um ambiente totalmente personalista do


Estado patrimonialista, que será abordado nos tópicos seguintes.

2.8 O patrimonialismo faoriano na teoria culturalista


Se o personalismo é a versão psicossocial da corrente culturalista, o
patrimonialismo teria se transformado na principal interpretação social de Brasil acerca
das instituições duras. Entende-se então este conceito como uma simplória continuação
do primeiro, agora do ponto de vista da interpretação da máquina pública e do
funcionamento do Estado, através de Raymundo Faoro.
Segundo o autor, (2001 apud JASMIN, 2014), a formação histórica brasileira traz
intrínseca a si a dominação patrimonialista, que teria sido transplantada em termos
continuativos de Portugal. A antiga metrópole, desde o século XIV promovia
centralização estatal, além de um capitalismo politicamente orientado em favor do estado
monárquico, ou a Coroa. Seguindo pelo entendimento da dominação tradicional de
Weber10, a nação é administrada como uma casa do soberano, em um tradicionalismo
patriarcal comandado pelo Rei. O quadro administrativo11 então passa a se apropriar de
poderes de mando e possibilidades econômicas referentes ao Estado, como fossem
privados, atendendo a interesses particulares. Além disso, acaba por transformar

10
Weber entende como dominação a possibilidade de um mandato político encontrar certa obediência entre
outras pessoas. Quando este fato se dá, uma das tipificações específicas é a dominação tradicional, onde é
fundamentada pela santidade da tradição e na poderosa crença na legitimidade do soberano para que exerça
seu mandato. Não há regra ou norma objetiva racional, apenas obediência dos dominados em relação a este.
Os indivíduos, nesse sentido, são servidores, ou funcionários se referente ao profissional da burocracia. Os
seus súditos não são seus companheiros ou sequer iguais, mas súditos e subservientes. Alguns dos tipos
originários de um sistema de dominação tradicional são a gerontocracia (autoridade dos mais velhos) e o
patriarcalismo. (RAMOS, 2014).
RAMOS, Guerreiro. A sociologia de Max Weber. Revista do Serviço Público, v. 57, n. 2, p. 267-282,
2014.
11
Se a dominação tradicional é uma das tipificações de Weber para os tipos de controle social, a dominação
racional-legal pode ser a versão antagônica do mando. Esta baseia a dominação do soberano pela legalidade
que foi escrita por normas e estatutos jurídicos objetivos e impessoais. Suas principais características são:
a) O soberano jamais está acima das leis. Estando ele subordinado a estas.
b) A obediência ao soberano é entendida a figura pessoal deste, mas a uma ordem impessoal.
c) Quadro administrativo para gerir o Estado, contando com a separação clara entre patrimônio
público e patrimônio privado do soberano. Funcionários sujeitos à prestação de contas.
d) Princípio da competência e hierarquia administrativas, sendo cada autoridade responsável por um
determinado conjunto de funções, dentro de uma escala de gradações administrativas.
e) “Casos” resolvidos através da utilização de regras e normas técnicas impessoais.
f) É exigido um saber profissional dos funcionários, contando com um processo que envolve
competição para seleção dos mesms, levando em consideração seu mérito e capacidade.
(RAMOS, 2014).
–––––

mecanismos militares e judiciais em alicerces da posição privilegiada em que se encontra


o estamento12.
Neste sentido, o capitalismo é visto como um apêndice do Estado, isto é,
politicamente orientado e irracional, limitando o desenvolvimento da economia em prol
dos interesses privados de alguns. Se Faoro enxerga o cálculo econômico e racional do
capitalismo de mercado como impessoal, este passa então a ser desviado de sua principal
função para acabar se subordinando às necessidades e arbítrios do príncipe. Desta forma,
as classes sociais como definidas pelo clássico modelo liberal jamais poderiam se
desenvolver, pois o Estado passa a ter polo exclusivo da iniciativa social, econômica e
política, estando o povo relegado a mero espectador. Para Faoro (2001), a
anemia econômica é também a anemia política, e se a falta do
capitalismo industrial é razão do subdesenvolvimento, a inexistência
das classes autônomas explica o caráter autoritário e excludente da
política nacional. O resultado é que não há sociedade civil
independente, pensamento liberal ou capitalismo racional – signos
pressupostos de modernidade – mas dominação patrimonial, estamental
e burocrática. (JASMIN, 2014: 9).

Neste sentido, Faoro não consegue enxergar algo que não uma esquizofrenia entre
o arcaico e o moderno no país, resultando, diferentemente de Buarque, na ausência de
uma cultura original específica. Trazendo o conceito de “lei do desenvolvimento
combinado” (JASMIN, 2014, grifo do autor) de Trotsky buscou entender os processos de
desenvolvimento dos chamados “países atrasados” em âmbito global. Se estes tem a
necessidade de defender a sua economia da competição predatória das grandes potências
econômicas, são forçados portanto a “dar saltos, suprimindo fases intermediárias da
evolução normal, provocando sérias incongruências na esfera econômica e cultural.
(FAORO, 1958: 266, apud JASMIN, 2014). Se há um estilo de desenvolvimento
econômico harmonioso, os países atrasados em contexto de desigualdade econômica com
o resto do globo, passam por um processo de “combinação de fases distintas, da
amálgama de formas radicais com as mais modernas”. (Trotsky, apud Faoro, 1958).
Dando a sua contribuição para a interpretação psicossocial, Faoro conclui o
Estado e a nação são realidades diversas e opostas entre si, que se desconhece. Há uma
justaposição entre duas sociedades: uma letrada, cultivada e a outra primitiva, sem
estratificações ou simbolismos. Um meio termo delirante entre a cultura europeia que

12
Entendidos aqui como estratos sociais cujas posições são definidas pela lei e pelo costume, onde é
possível a ascensão de categorias sociais mediante enobrecimento, tendo aval de indivíduos de estratos
superiores. São menos robustos que castas, porém mais rígidos socialmente do que classes sociais.
(Manual de Sociologia, Morris Ginsberg, Editorial Losada, 1942, pp. 147:8-9)
–––––

lhes outorga uma camada intelectual de pensamento, e as pessoas de sua própria terra,
com seu temperamento inconsciente de si próprio ou das coisas ao redor. Portanto, há
apenas “homens sem raízes”, com um “idealismo sobranceiro à realidade” e de
“irrealismo sem contato com as fontes da imaginação. O processo esquizofrênico que
envolve juristas querendo construir a realidade à espada das leis em contraposição a um
povo primitivo que não consegue distinguir valores políticos e religiosos, acaba abrindo
espaço para a sustentação histórica da ordem patrimonialista, que estará sempre se
alimentando deste descompasso, frustrando a possibilidade de uma “genuína cultura
brasileira”. (FAORO, 1958: 269).
Para Mendonça (1999), o tema central de Faoro em “Donos do Poder” está
centrado na ética entre dominados e dominadores, com uma peculiaridade que denomina
de relação estamental-patrimonial-burocrática. Usando deste conceito para traçar uma
análise comparativa em relação às políticas ibérica e anglo-saxônica, a primeira análise
mais profunda do Estado Patrimonial se daria nesta obra. Com base em Portugal, este
estilo de desenvolvimento histórico social teria trazido consigo uma prisão mental de
longa duração, submetendo a ação política de quaisquer governantes precedentes.
Para Faoro existiria uma tentativa de introdução dos ideias liberais em um solo
que ele considera ingrato, pois possuidor de uma realidade estamental velada, onde as
classes sociais não se desenvolveriam de forma alguma em um capitalismo orientado pelo
Estado. Na visão do autor, nós não conseguimos importar o capitalismo em sua fase pura,
impessoal e desvinculada a interesses, mas um capitalismo “politicamente orientado”
(MENDONÇA, 1999, grifo meu). Para usar a expressão weberiana, patrimonialismo
político, com uma burocracia abrangente facilmente se confundindo com o Estado ou
excesso deste, o que, na verdade, “não se coaduna sequer com o conceito de nação”.1314
Há, portanto, apenas uma ausência de liberalismo político, criando um campo
aberto para as relações de dominação, mesmo que ocorram, ao longo dos anos,
modificações nos mecanismos formais de poder. Nesta direção, Faoro seguiria uma linha
de pensamento que divide o país em duas éticas: se de um lado o país vive com a quase
sempre violada ética judaico-grego-romano-cristã, há, ao mesmo tempo, a conduta de

13
Mendonça demonstra que o autor reforça o argumento de Donos de Poder mais tardar em diversos
publicações em periódicos, como a revista Isto É, e a Carta Capital. Seguindo a linha de notas da autora, o
trabalho se utilizará de referência para citações de seus artigos através de siglas das revistas ao lado da data,
no formato: “IS, dd-mm-aaaa.” para revista Isto É; e “CC, dd-mm-aaaa.”, para a revista Carta Capital, de
acordo com a necessidade da citação direta.
14
IS, 15.11.1989
–––––

senhor de escravos, que até mesmo sem escravos se perpetua15. Para Mendonça, o autor
denuncia a domesticação das consciências e o processo de ocultamento das relações de
exploração através da desculpa da modernidade. Cria-se então a dicotomia entre
modernização e modernidade. A primeira orientando os projetos dirigidos pelo estamento
em benefício dos dominantes para a domesticação das classes subalternas inferiores. Já a
modernidade, conquanto, também orientada pelas classes dirigentes, mas envolvendo e
revitalizando a sociedade em um esforço de apaziguamento.
O problema aqui, como abordado por Jasmin, é que neste momento os dois valores
(modernização e modernidade) acabam por se excluir, pois aqui não houve uma absorção
do moderno pelo tradicional como teria sido no processo de racionalização ocidental –
europeu e norte-americano. O problema, para Faoro, é estritamente cultural.
“continuaremos num terreno pantanoso, o terreno de mundos opostos que não
podem se homogeneizar, enquanto não resolvermos nosso problema cultural.
Se quisermos continuar uma oligarquia, com poucos enganando sempre a
todos, é só deixar como está, com direito a alguns protestos sem
consequência.” (IS, 30.09.1992).

Para Mendonça, o prognóstico de Donos de Poder, em verdade, da passagem do


projeto liberal ao neoliberalismo, só houve a permanência do capitalismo politicamente
orientado, em novas roupagens. Dentre estas, concessões e fiscalizações que serviriam
para dar novos donos à economia, demonizando o nacionalismo e o estatismo como
pragas. Para Faoro, o neoliberalismo liquida o papel da proteção social concernente ao
Estado e à democracia. E se o estado provia o pouco que fosse para a vida econômica e
social, contemporaneamente torna sacra a concorrência, ignorando a origem dos bens, em
prol da privatização e desregulamentação desmedidas. O neoliberalismo teria conseguido,
então, destruir a democracia social16, e o papel da elite dissidente e de cima é o de
depredar o que o Estado transmite à sociedade civil.
A elite, portanto, pelo Estado pretende anular o próprio Estado. Este, diante dos
índices de miséria crescentes, se limita a prover, caso houver sobras públicas, assistência
à população, mas sempre entregando à mão invisível17 do mercado. Com o neoliberalismo
após ditaduras militares latinas, se alçou o livre mercado ao seu auge, com a livre empresa
e corte de barreiras fiscais, ficando o Estado apenas como protetor da esfera privada.18
Desta forma, há a manutenção da estrutura estamental patrimonial sobre um estado

15
IS, 30.09.1992.
16
CC, 30.09.1998.
17
FAORO, 1993.
18
IS, 16.12.1992.
–––––

mínimo, que é legitimado pelo neoliberalismo. Uma estrutura normativamente


constitucional, podendo até mesmo ser democrática em sua essência. Porém
concentrando poderes aos detentores do poder, tomando iniciativas na formação das
decisões estatais, através de mecanismos de controle e limitação à participação popular.
Surge, para Faoro, um modelo estamental que enrijece as consciências, sendo esta
estrutura uma teia de relações que se repete incessantemente na história, sempre
orientadas diretamente pela honra social e influência no comando das decisões sobre
recursos e fontes de poder, todos patrimonialmente apropriados. O problema do país está
no décifit de cidadania, mesmo com a abundância do eleitorado. Uma massa disforme
que se manipula facilmente pelas vontades das elites. As regras do jogo mudam, assim
como presidentes, e não há nem nunca houve cidadania no país, muito menos democracia.
Teríamos uma elite perversa, indiferente aos outros, e não tem senso de responsabilidade
social. (MENDONÇA, 1999).
Soma-se a isto o mito mais recente: a globalização. Um mito que traz a
inevitabilidade da exclusão social, juros e desempregos. A visão de Faoro, por mais que
entenda a secularização e racionalização da estrutura de dominação, jamais exime a
responsabilidade dos atores envolvidos na história. Portanto, o homem jamais teria sua
ação eliminada pelo funcionamento do “sistema”, da “estrutura”, ou do “jogo”
(MENDONÇA, 1999:108, grifos do autor). Mendonça conclui que na medida em que
retoma o componente ético fundamental das relações de poder a obra
de Raymundo Faoro, no final se manifesta contra a submissão da
política a qualquer determinismo histórico que obste o livre agir do ser
humano. Embora a persistente lembrança de nossa, até então imutável,
estrutura de poder, a percepção desta última como feixe de relações
contempla a questão da responsabilidade e do livre agir dos homens na
esfera pública, portanto, a sua capacidade de mudança. Melhor dizendo,
talvez no próprio fato de Faoro ter mantido ativo durante quarenta anos
o espírito de denúncia — mesmo em situações nas quais parte da
intelectualidade omitiu-se ou aderiu ao jogo das sombras — radique a
esperança na possibilidade mesma que contém a política de ser a esfera
da libertação do homem antes que da sua servidão.

Fica clara neste ponto uma análise da teoria faoriana como um viés menos
determinista tanto da perspectiva histórica quanto da perspectiva cultural, embora não
aprofunde os pressupostos weberianos de que Faoro se utiliza para a construção de seus
argumentos ao longo dos anos.
Em Faoro (1993), tem-se que os senhores feudais dos tempos de escravidão se
convertem nos atuais capitães do comércio e da indústria, incutindo valores políticos e
econômicos do liberalismo do final do século XVIII até o final do XIX. Se antes os
–––––

senhores feudais eram donos dos excedentes, agora estes pertencem aos capitalistas. O
liberalismo político pressupunha a sociedade civil como base da ordem política e social,
excluindo-se a ideia de sua própria debilidade em relação aos mandos de uma classe
superior, emergente das sociedades civis modernas. Mas agora, com uma sociedade civil
mais ativa politicamente, o novo antagonismo de pressões mutuas seria entre governantes
e governados. Estes últimos, enfraquecido perante a um “grupo burocrático,
burocraticamente estratificado” (FAORO, 1993:16, grifo do autor), com a tradição de
uma ordem política autocrática, autossuficiente.
Assim, o poder estatal, de maneira direta ou derivada, seria o dono das terras e
regulador da economia. Este tipo social, a primeira alternativa após o declínio do
feudalismo, é o subtipo nomeado de patrimonialismo pela sociologia weberiana. Um
subtipo da categoria de dominação tradicional – junto ao patriarcalismo e a gerontocracia.
A dominação tradicional no campo do patrimonialismo, entretanto, não prescinde quadro
administrativo, pois, se na dominação racional-burocrática se dá uma racionalidade
orientada por meios e fins, a tradicional, uma vez que obedece a valores éticos, religiosos
e principalmente políticos é orientada por uma racionalidade material. (FAORO,
1993:16, grifo do autor).
O funcionamento da economia na dominação racional, onde imperam a igualdade
jurídica e a defesa contra o arbítrio, se constitui por uma estrutura autônoma, centrada no
livre-mercado. Mesmo que a racionalidade material esteja voltada para as leis que regem
as regulamentações de mercado. A racionalidade material vinculada a valores exige a
presença de um poder ou instância superior que regulamente e ordene a sociedade e a
economia. A definição de valores não se compatibiliza com uma ordem jurídica ou
racional que exclua ou limite de alguma forma o poder público. Já a racionalidade formal,
segundo tipologia weberiana, tem confluído com a existência do capitalismo, onde são
levados em conta a calculabilidade, o funcionamento e a previsibilidade das ações sociais
no geral. O problema da racionalidade material da dominação tradicional patrimonial é
que ela é incompatível com a igualdade jurídica e garantias institucionais contra o arbítrio,
o que torna o indivíduo completamente dependente do poder que lhe dita seus principais
valores, como o de conduta.
Portanto, o sistema burocrático estatal, nesta estrutura patrimonial, ao invés de se
desenvolver conquanto a sociedade ganha autonomia, pelo contrário, reafirma
historicamente a dependência ao poder da autoridade, e desaparecem as possibilidades
em que há uma ordem política onde a sociedade civil é a sua base. Mas a simples e grave
–––––

dicotomia onde ou o indivíduo é governante, ou é governado. O soberano, além disso,


controla através de seu quadro administrativo todos os recursos econômicos e militares
de suas terras, que são vistas como seu patrimônio. (FAORO, 1993).
Isto reitera a por vezes necessidade do patrimonialismo de um quadro
administrativo para seu funcionamento:
O patrimonialismo, em certas situações, permanece debaixo de uma ordem
nominalmente racional burocrática. Trata-se de uma ordem racional-
burocrática que encobre um tipo patrimonial. Em todos – ou quase todos – os
casos de recepção do capitalismo, quer o comercial, quer o industrial, esse
fenômeno torna-se visível. Em outros casos, quando o patrimonialismo se
desenvolve num patrimonialismo de quadro administrativo, como nas
monarquias ibéricas, o capitalismo adquire um caráter político, do qual
dificilmente se desvencilhará. [...] O Brasil tem as características de uma e de
outra modalidade. Herdeiro do patrimonialismo português, recebeu, com a
independência, o impacto do mundo inglês, já moderno, adotando a máscara
capitalista e liberal, sem negar, ou, como se diria com mais propriedade, sem
superar o patrimonialismo. (FAORO, 1993:17).

Para Faoro, sempre haverá patrimonialismo em uma dominação tradicional não


feudal, e uma orientação que se dá de cima para baixo, com uma sociedade civil
obedecendo ao comando do poder, sem maiores conflitos internos. Este sistema gera uma
autocracia autoritária, e o poder central com o auxílio do quadro administrativo comanda
desde a economia e militares ao aparelho burocrático e os próprios indivíduos, debilitados
pela lealdade ao soberano. Historicamente, o patrimonialismo vai desde as sociedades
hidráulicas do despotismo oriental19, ainda alheias ao capitalismo, até o estado
patrimonial que se encontra oculto no fenômeno moderno do capitalismo: um capitalismo
politicamente orientado, funcionando como um apêndice do setor público e de todo o
funcionamento da máquina pública. Para o autor, seria um grave erro interpretar o
patrimonialismo como qualquer forma de intervenção estatal na economia, visto que os
recursos econômicos e administrativos dependem do soberano ou do poder público, que
faz concessões, estímulos, subsídios e autorizações para o setor privado. Em sua visão,
portanto, a empresa é uma iniciativa popular uqe só ganha poder e se desenvolve pela via
do meio público e legal. A propriedade pública, neste sentido, se torna favor e concessão,
através de meios fiscais econômicos e financeiros, além de outros estímulos. (FAORO,
1993).

19
Wittfogel (1957) busca identificar a origem do Estado autoritário sobrepondo-se a sociedade já em grupos
sociais de sociedades que se constituíram em torno de áreas irrigadas. Em um detalhado estudo histórico,
tem-se que a agricultura irrigada destas sociedades estabelecem um tipo de propriedade não passível de
herança, ou um território que não se pode fracionar. Um tipo de propriedade nesta modalidade, fomentou
um sistema defensivo forte contra populações vizinhas, além de trabalhos regulares de conservação e forte
atividade de uma administração centralizada. Isto deu origem a instituições políticos extremamente
estatizadas e historicamente submetidas a um poder central patrimonial e absolutista.
–––––

2.7.1 Patrimonialismo no Brasil segundo Faoro


O patrimonialismo, segundo Faoro (1993), coincide com o começo da história
brasileira e tem sua origem ibérica, na monarquia de Avis do século XIV com sua vocação
marítima, e se perpetua aos planos financeiros das décadas de 1980 e 1990 atuais. A
sociedade civil portanto jamais foi autônoma e desenvolve-se apenas de acordo com os
impulsos do poder público. Um processo que se repete historicamente.
Sobre Buarque, Faoro considera que faz uso errado do termo patrimonialismo,
mesmo que citando Weber, para analisar o quadro burocrático brasileiro em sua
conjuntura histórica de Raízes. Para Buarque, a história brasileira teria a característica da
família patriarcal, dando origem a um desequilíbrio social. Entretanto, quando Buarque
emprega pela primeira vez o termo patrimonial, ele não está se referindo diretamente a
patrimonialismo. O que mais se aproxima de uma conceituação de patrimonialismo
estaria presente em uma passagem de sua obra de 1972, a História Geral da Civilização
Brasileira: “É inegável a existência de uma ação paternalista do Estado a animar ou
embargar, conforme o caso, qualquer inciativa privada que visasse o bem comum, e nunca
se tornara ela tão evidente como na época da guerra.” (p.93 apud FAORO, 1993).
Embora Buarque pareça não estar familiarizado com o conceito de Estado
patrimonial, parece aceitar o domínio de um estamento por sobre a sociedade brasileira,
o qual nomeia de patronato, que considerava um estilo de governo onde a democracia
representativa favorece governos por meio de favores públicos. Os “legistas” que
ocupavam o poder eram uma corporação homogênea responsável pelos mandos estatais.
E os eleitos e eleitores, pertenciam às camadas dos “empregados públicos”, que, na sua
quase totalidade, se emprenhavam de princípios aristocráticos, mesmo com as reformas
liberais.
Faoro entende que o limite weberiano de Buarque é o entendimento de que o
Estado continuou a ser um prolongamento do poder familiar na política. Em uma
passagem de Raízes20, escreve “nossa monarquia tutelar, compreensível onde dominava
um sistema agrário patriarcal”. Limite, pois contrário ao esquema de Weber de
categorização, visto que na visão de Buarque o patriarcalismo seria dotado de um quadro
administrativo, compondo nada mais que uma extensão da casa familiar.
De qualquer modo, reforça-se aqui que Faoro (1993) entende que entre nós, o
liberalismo econômica não pode se realizar por meio de uma travessia entre racionalidade

20
Faoro não especifica a edição.
–––––

material para a formal, visto que foi impedida pelo patrimonialismo. Para o liberalismo
ter sucesso no Brasil, só é possível através da demlolicação da ordem tradicional-
patrimonial.
De acordo com Werneck Wianna (1999), Weber, quando utilizado por
interpretadores de nossa formação histórica, tem sido utilizado como instrumento para
justificativa do atraso social inerente à nossa sociedade, por meio do que chama de
sociologia da modernização. Logo, para uma ruptura do processo de atraso que nos
domina, é preciso entender que estamos em estado de atraso em relação a países mais
modernizados, e entender isto é um processo necessário para os procedimentos de
transformação social que tem como norte o moderno. Weber na atualidade é utilizado em
nossas ciências scoais e na opinião pública em uma interpretação de brasil que aponta
geralmente para o atraso como um vício de origem, sendo resultado nosso tipo de
colonização: o patrimonialismo ibérico, transplantado do Estado português a partir de sua
chegada. Desta visão, advém a ideia de um Estado altamente autônomo em relação à
sociedade civil que, abafando a livre iniciativa e os interesses privados acabou por
comprometer uma vida social mais orgânica e afirmou a racionalidade burocrática por
sobre a racional-legal.
Dentro deste olhar, a ausência de experiência feudal nos países ibéricos, inclusive
no Brasil, aproxima a forma patrimonial de nosso Estado à tradição política do Oriente,
onde jamais se demarcaram fronteiras bem definidas sobre separação entre público e
privado. Faoro em Donos do Poder, aproxima o iberismo do despotismo oriental, além de
demonstrar interesse em revisar a tese de Weber – que vincula a ascensão do espírito
capitalista à ética calvinista – levantando uma ideia de que apenas países que teriam
superado o feudalismo adotaram o sistema capitalista, com uma efetiva integração entre
Sociedade e Estado. (VIANNA, 1999)
Para Schwartzman (1982), não seriamos um caso ocidental, pois aqui o Estado
antecede os grupos de interesses, sendo cada vez mais autônomo em relação à sociedade
civil, com interesses em atender os objetivos próprios de seus dirigentes, usando da
administração pública como um bem em si mesmo. Se estamos, portanto, inscritos em
um sistema político identificado com o oriente, conhecemos apenas um sistema político
de cooptação acima do de representação, com uma sociedade estamental do mesmo modo
sobrepondo a estrutura de classes liberal. Seu pensamento conflui com Faoro (1993) a
primazia do Direito Administrativo sobre o Direito Civil, a forma de dominação
–––––

patrimonial-burocrática, e um indivíduo como um ser carente de iniciativa e direitos


perante o Estado.
Werneck Vianna mostra que neste olhar weberiano teríamos um capitalismo
politicamente orientado, trazendo consigo um meio doentio de se alcançar a modernidade,
o que implica na não-ruptura prévia do passado patrimonial. Há após isso uma reprodução
continuada, pois as elites identificadas apenas com o Estado deterioram cada vez mais o
processo de mudança social a partir das bases civis. O estado chamado neopatrimonial
restringe a livre manifestação dos interesses individuais, dificultando a participação
através de práticas cooptativas, agregando sindicatos e, por fim, fomentando as
desigualdades crônicas do país.
Para se romper com esta estrutura ideal característica do oriente, o Estado precisa
se abrir à grande diversidade de interesses da sociedade civil, estimulando o sistema de
representação, emancipando os seus anseios em contraposição a qualquer influência
tutelar. O argumento é de que o caráter quase asiático do Estado brasileiro é um obstáculo
à liberdade civil e a padrões mais igualitários, pois o Estado é radicalmente autônomo em
relação à sociedade civil. A física dos interesses individuais deve remover a metafísica
brasileira que foi e sempre será comprometida com uma sociedade intrinsecamente
hierárquica e desigual. (VIANNA, 1999).
Para se remover então este padrão que depreda o livre desenvolvimento da
sociedade civil, é preciso agir no campo da institucionalidade política, mudando a forma
como o Estado age para garantir a plena liberdade aos interesses, produzindo uma maior
igualdade social. O patrimonialismo, aqui, é visto como traço do Estado, e não da
sociedade, por isso a sociedade civil não é relevada como dimensão analítica para
transformação. Ainda para Werneck Vianna, esta leitura do patrimonialismo weberiana,
quanto mais voltada ao ideal oriental clássico, onde não se tomou conhecimento de
propriedade individual – visto que, desde os gregos clássicos, esta ideia teria nascido com
o Ocidente – apenas enxerga reformas políticas e não sociais, visto que é presa ao ângulo
das instituições políticas.
Nesta interpretação que vê o patrimonialismo pela forma do Estado e não da
sociedade, o que ainda se tem de oriental em nossas instituições políticas haveria de
começar a se dissolver num primeiro esboço ocidental onde deveria se assentar toda nossa
arquitetura institucional em busca da superação do atraso: o Estado de São Paulo com a
expansão da agroexportação cafeeira. Um novo modo de construir instituições que vai de
–––––

encontro com a “pesada carga de um Estado parasitário a fim de dar passagem aos
interesses e à livre agregação.”
Nesse sentido, conta-se a saga de infortúnios da democracia brasileira
a partir das derrotas políticas de São Paulo, que o teriam privado de
universalizar o seu paradigma ocidental. Nessa versão, portanto, a
chamada revolução de 1930 teria retomado o velho fio ibérico de
precedência do Estado sobre a sociedade civil, a era Vargas entendida
como contínua ao ciclo dominado pelo eixo Pombal—D. Pedro II, uma
projeção do Império, uma vez que expressaria as mesmas "vigas
mestras da estrutura" ao traduzirem a realidade patrimonialista na
ordem estatal centralizada (Faoro, 1975 apud VIANNA, 1999, grifo do
autor).

2.7.2 As teorias do patrimonialismo, o brasil neoweberiano e a transformação


conceitual de Faoro
Segundo Pereira (2016), o patrimonialismo é uma teoria de Estado que dita a não
separação concreta entre público e privado, além de um sistema racional-legal de
administração pública não desenvolvido. Tem, suas origens na persistência do
personalismo, clientelismo, patronato e corrupção que seriam peculiaridades do Estado
brasileiro e sua formação. Todavia, não são termos usados para uma análise fria do Estado
para interpretação sobre suas instituições, mas sempre utilizados para visões pejorativas
deste e de suas práticas políticas. O conceito de patrimonialismo, então, é sempre
utilizado para criar uma dicotomia rasa – práticas personalistas e clientelistas versus
racionais-legais universalistas – que, ao invés de aprofundar, obscurecem a complexidade
do funcionamento do Estado Brasileiro.
Segundo Weber (1978), o estado patrimonial é caracterizado majoritariamente
pela autoridade racional legal e menos na autoridade tradicional e tem como principal
característica a fusão do poder pessoal e público concentrado nos líderes do Estado –
originalmente no monarca e sua corte. A dominação patrimonial pressupõe os poderes de
governo e seus direitos econômicos como vantagens econômicas apropriadas de forma
privada. Mais particularmente apropriação dos poderes judiciais e militares, como
exemplo, tende a ser tratada como tendo base legal para uma posição de status
privilegiado do soberano. Em um estado patrimonial, “the prince organizes his political
power... just like the exercise of his patriarcal power... [and] military and judicial
authority are exercised without any restraint by the master as components of his
patrimonial power.” (1978, vol 1: 236 apud PEREIRA, 2016). Neste ponto, Weber deixa
claro que não há litígio quando se trata do patrimônio do soberano em relação às coisas
públicas, pois ele tem a posse destes bens e direitos, e é legitimado.
–––––

A dominação patrimonial é, para Weber, uma evolução da dominação


patronal/patriarcal, mas em um território mais vasto e mais complexo. A antiga
dominação patriarcal era alicerçada em reclamações tradicionais de legitimidade, como a
piedade filial21 e conformidade com as normas de lealdade pessoal restrita ao mestre.
Contrasta com a dominação burocrática, onde há normas embasadas na racionalidade,
apelando para a legalidade abstrata e regras reforçadas aos administradores no intuito de
gerar conhecimento profissional especializado.
As principais características de um governo patrimonial girariam em torno de:
a) Forças armadas leais ao governante e não ao Estado, massacrando inclusive
oposicionistas.
b) As necessidades políticas e econômicas do governante são cumpridas por obrigações
das coletividades. Normalmente o governante, em troca, garante privilégios a esses
coletivos mais próximos.
c) A administração deste tipo de Estado patrimonial consiste sumariamente em oficiais
que tem relação de dependência pessoal com o governante, sem burocracia ou
especialização profissional necessária.
Além destas características, de acordo com as pesquisas de Weber, o autor
conseguiu identificar ao menos cinco definições diferentes para o funcionamento do
Estado patrimonial de acordo com suas idiossincrasias: 1) estado do tipo patrimonial; 2)
o estado patrimonial-militar; o 3) estado patrimonial-burocrático; 4) o patrimonialismo
político semi-burocrático; e o 5) estereotipado e arbitrário padrão do estado patrimonial.
Além das distinções entre patrimonialismo local e central, usando os termos tanto para
versões de Estados ou países. Estas distinções surgem devido ao entendimento de que há
uma frequente disputa de poder do soberano que intenta legitimar seu governo com as
elites aristocráticas já estabelecidas, além das dificuldades burocráticas da região, os
recursos, e a forma como os poderes paralelos ascendem em relação ao poder deste
soberano. (PEREIRA, 2016).
Para Pereira, o primeiro uso do conceito de patrimonialismo no Brasil teria se
dado no ano de 1957 com Faoro (primeira edição de “Os donos do poder”) e teria aberto
um novo fluxo de análises neoweberianas. Interessante se destacar que interpretações de
Brasil em Weber eram minoritárias se comparadas às marxistas22 – que analisam o estado

21
De acordo com a filosofia confucionista, é uma virtude de respeito aos pais e aos antepassados. Wonsuk
Chang; Leah Kalmanson (2010). Issues, East Asia and Beyond. [S.l.]: SUNY Press. p. 68.
22
Principalmente Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes.
–––––

em última instância formado pelas forças de produção –, e só iriam se reforçar no ano de


1975 com a obra de Schwartzman, “Bases do autoritarismo brasileiro”. A obra de
Schwartzman iria apelar aos leitores “cansados da regra do autoritarismo” (PEREIRA,
2016, grifo meu). Alguns elementos históricos contribuiriam mais tarde para o aumento
deste fluxo, como a queda do Muro de Berlim e o declínio do marxismo ortodoxo, abrindo
grande espaço para o neoweberianismo no Brasil, a ponto de, analisando o contexto das
modernas ciências sociais no Brasil, é rara uma análise distante da caracterização do
Estado brasileiro como patrimonial.
Segundo Pereira, o conceito de Faoro sobre patrimonialismo é totalmente diverso
do utilizado em Weber originalmente. Faoro faz uma transformação fundamental do
conceito. Neste ponto, a teoria faoriana versa sobre um patrimonialismo como subtipo de
Estado especificamente característico à formação do estado luso-brasileiro, que tem
origem medieval, mas ainda persiste na modernidade. O patrimonialismo, neste sentido,
mina o desenvolvimento do capitalismo industrial e as possibilidades de um maior
pluralismo da sociedade civil brasileira. Isto em contraponto ao estado ideal moderno
típico caracterizado pelo capitalismo racional. Neste sentido, o patrimonialismo faoriano
explicaria o atraso econômico e político brasileiro e seu pecado original, concordando
com as análises anteriores de que a nação jamais prosperará enquanto o poder não emanar
do povo, e sim de um Estado complemtanete autônomo. Não importa o quanto o estado
brasileiro se modernize, visto que a ordem patrimonial mantém suas práticas arcaicas que
atrasam o país e portanto precisa ser extirpada.
The state machine… maintained itself Portuguese, hypocritically
castelike, obstinately administrative, aristocratically superior. Instead
of renovation, the Lusitanian embrace produced a “social enormity,” in
which old cadres and anachronistic institutions frustrate the growth of
the virgin world… [It] generated a civilization marked by obscurity…
an opaque clarity, light covered by dark glass, a vague and transparent
figure covered by fog… a shadow that walks among shadows, being
but not being, going but not going, a lack of definition in its form and
its creative will. Covering it, over the skeleton in the air, is the rigid
tunic of the inexhaustible past, heavy and suffocating. (FAORO, 2001:
837-838, apud PEREIRA, 2016).

O Que precisa se destacar é o contraste da visão de patrimonialismo entre Faoro


e Weber. Para Faoro, o patrimonialismo é compatível com a administração pública
racional-legal. Para Weber, não há esta possibilidade. A visão de Faoro levanta uma ideia
de que por trás da faceta de meritocraica e profissionalismo, o personalismo e o
clientelismo das práticas patrimoniais irão sempre persistir, criando uma divisão
–––––

permamente entre Estado e nação, onde os governantes do estado patrimonial jamais


respeitarão a demanda da população por direitos, gerando um povo sufocado, o que é uma
visão bem diferente do olhar de Weber original. Trazendo alguns autores neoweberianos
para análise, temos podemos exemplificar Schwartzman, onde o estado patrimonial é
marcado pelo despotismo burocrático, como já citado, onde a burocracia pesada na
administração estatal domina a frágil sociedade ciivl e seus dcidadãos dependentes e
alienados.
Em Uricoechea (1980), temos que o estado patrimonial não é baseado apenas no
tradicionalismo e autoridade pessoal como algo uniforme. Porém se trata de uma
construção sintética para tentar trazer uma leitura abstrata sobre a existência conjunta
tanto dos elementos universalistas e racionais-legais do centro da estrutura de poder e dos
elementos particulares e tradicionais da periferia deste sistema. Já para Mainwaring
(1999), o patrimonialismo seria uma burocracia federal autoritária que é tomada pelas
elites contra a participação dos indivíduos, influenciando e utilizando os recursos da
burocracia para financiar seus patrocinadores e a si mesmos.
Fazendo uma releitura dos principais conceitos de patrimonialismo no âmbito
mais contemporâneo, podemos destacar o seguinte quadro:
–––––

CONCEITOS CONTEMPORÂNEOS DE PATRIMONIALISMO


- Um resultado natural da sociedade rural que historicamente
influenciou profundamente a política econômica brasileira.
CHILCOTE, (1990) - Provê vantagens para a classe mandatária no país: senhores de terra e
de engenho do Nordeste e os cafeeiros de São Paulo, e os senhores de
gado de Minas e do Rio Grande do Sul.
- O Estado patrimonial controla e dá recursos (patrimônio a aliados e
amigos, e nega patronato a inimigos.
- Burocracia estatal com vida própria, certificando, verificando e agindo
EAKIN, MORSE (1998) como amortecedor dos poderosos e dos fracos.
- Pluralista dentro de si, mas não representativo. Compartimenta
privilégios antes de promover igualdade.

- Política baseada na obediência ao desejo pessoal do soberano.


CHAUÍ, (2000) - Produz-se um Estado onde um governante “reina”, exercendo poder de
forma personalista. Em troca de fornecer favores aos seus próximos.
- Uma série de trocas entre patrões e clientes que acontece entre o
AVRITZER (2002) Congresso e o Poder Executivo, onde o primeiro favorece as leis do
segundo, em troca de recursos para o seu Estado natal.
- Equivalente ao “pork barrel”23 do parlamento americano.
OLIVEIRA (2003) - Capitalismo político, onde capitalistas recebem monopólios do Estado.
REID (2014) Supressão da diferença entre interesses públicos e privados.

Para Pereira, estas definições tem algo central em comum. Se o conceito é


aplicado ao estado brasileiro, há a ocorrência de diversos elementos: a combinação do
campo racional-legal com o pessoal, uso de força e lei como instrumentos de arbítrio
pessoal pelo soberano, apropriação de recursos públicos por atores privados, existência
de redes clientelística a atores privilegiados e uma falta de senso generalizada acerca de
bem público e cidadania universal.
Para Gonçalo (2001 apud PEREIRA, 2016),o conceito de estado patrimonial
captura elementos de um passado agrário do Brasil. Tradicionalmente, a terra não era
meramente um fator de produção, mas, além disso, também uma espécie de recompensa

23
Da tradução “barril de porco”, uma metáfora para a apropriação dos gastos governamentais por políticos
trazendo recursos financeiros apenas para o seu Estado de origem, ou de mandato atual. Em campanhas
eleitorais americanas, o termo é muito usado pejorativamente para atacar oponentes. DRUDGE, Michael
W. Special Correspondent, 2008. ""Pork Barrel" Spending Emerging as Presidential Campaign Issue".
Disponível em: America.gov. United States Department of State. Acesso em 18 de Agosto de 2017.
–––––

pelos serviços e proximidade do poder, assim como responsável pela acumulação e


manutenção desse poder e privilégio. Esse poder incluía a habilidade de dirigir o aparato
legal e coercitivo de uma região do Estado, subalternizando populações locais. A divisão
original das capitanias hereditárias já deixa isto claro, quando as grandes terras eram
distribuídas aos chamados amigos do rei (GONÇALO, 2001: 23, grifo do autor).
Todavia, mesmo dentre todas estas definições com suas nuanças e pontos em
comum levando a entendimentos parecidos do estado patrimonial brasileiro por inúmeras
justificativas trazidas de Weber, Faoro, com a sua interpretação voltada ao problema do
fantasma ibérico, traria o elemento cultural a ser superado pelas nossas instituições como
uma peculiaridade brasileira sem igual no Ocidente moderno.
2.7.3 Outras recepções de Weber nas ciências sociais brasileiras.

Em um outro ângulo da recepção de Weber no Brasil, as instituições políticas


transitam para o campo da sociologia, com uma maior centralidade nas questões agrárias
(ignoradas pela leitura institucionalista), entendendo o patrimonialismo tendo como base
a sociedade, e entendendo o Brasil com um processo de desenvolvimento histórico
advindo do Oriente, mesmo que de forma retardatária e ambígua, visto que combina a
arquitetura liberal com o instituição da escravidão e organização social patrimonial.
Weber, nesta linha de análise, é utilizado apenas para o entendimento de uma sociedade
senhorial escravocrata e sua organização estamental.
Se Faoro e Schwartzman identificam os elementos quase asiáticos que teriam
composto a formação do Estado nacional devido à transplantação do patrimonialismo do
Estado português – sendo a raíz de todos os nossos males –, para demonstrar a
heterogeneidade de sua recepção no Brasil, há os interpretes de Weber que entendem o
Estado como
a) “única entidade que podia ser manipulável desde o início [...] com vistas à sua
progressiva adaptação à filosofia política do liberalismo.” (FERNANDES,
1975:35, apud VIANNA, 1999).
b) Em uma perspectiva mais neutra, para quem
a organização administrativa desse período [década de 1890]
fundava-se formalmente no princípio burocrático de obediência a
um poder público abstratamente definido, legitimado e expresso
por normas racionalmente criadas e legalmente estatuídas.(Franco,
1969:116 apud VIANNA 1999).

c) Ou ainda mais além, entender a burocracia imperial não como um estamento, mas
entendendo o nosso atraso (VIANNA, 1999:3, grifo do autor) como sendo
–––––

originado das relações sociais e entendendo a natureza patrimonial destas por sobre
o funcionamento do Estado. (CARVALHO, 1980).
Nesta linhagem, onde o eixo interpretativo gira em torno do elo ambíguo que
aparece a partir da Independência entre ordem racional-legal e a patrimonial, assim como
entre liberalismo político e estruturas econômicas herdadas da colônia, o atraso e o
moderno, representação e cooptação, a ruptura somente se daria em um plano longe do
Estado: nas relações sociais de origem patrimonial. Desta forma, este encerramento se
daria num processo de longa duração, com uma gradual transformação nas relações
tradicionais, responsáveis pela contenção social ao longo da história. Se a revolução
burguesa no país é entendida por esta corrente como dominada pelo andamento passivo,
é preciso então uma transição da ordem senhorial escravocrata para o funcionamento da
ordem social competitiva24.
2.7.4 Crítica ao culturalismo em Raymundo Faoro
Para Souza (2001), Faoro tem um objetivo claro em Os Donos do Poder:
desmontar o caráter patrimonial do estado brasileiro. Este patrimonialismo seria o
responsável pela substância jamais democrática, sempre particularista e baseada em
privilégios que teria marcado o país desde sua independência. Para comprovar sua tese,
Faoro mergulha até Portugal do século XII e expõe que o Brasil herda a forma de
exercício de poder político de sua metrópole. Da mesma forma que Buarque, aqui, nossa
herança ibérica se fixa na sociedade e se torna responsável pela relação inautêntica entre
nós e a modernidade.
Para Faoro, Portugal foi o primeiro país europeu a unificar seu território sob
comando de um único rei, enquanto nos outros países reinavam as lutas por comando
entre senhores de terras, através de séculos. A guerra de expulsão dos mouros do território
português traz a a incorporação das terras e exércitos ao seu domínio. No século XIV, o
patrimônio do Rei já se sobrepunha ao do clero e três vezes maior que a nobreza. A partir
disto, ocorrem medidas centralizadoras por parte do poder real, e a justiça suprema do

24
Segundo Arruda (1996), Florestan define a ordem social competitiva como a ordem social aquisitiva, ou
da civilização burguesa que tem elementos como a ética racional, a competição, a luta e a igualdade legal-
formal, isto é, no sentido de Weber, é o entendimento da ordem social se apropriando da noção de mercado
como o princípio das relações interpessoais. A partir disto, ocorrem o funcionamento e a diferenciação do
sistema produtivo, assim como suas adaptações aos potenciais avanços econômicos e socioculturais. Em
termos de Marx, é na ordem social competitiva que acontece a classificação, mas estratificação das classes
apenas aparece no universo da produção. Florestan, a partir desta elaboração, estabelece a relação entre
classe e preconceito, concluindo que a situação social do negro é intrínseca para se entender o que destino
era pretendido para a ordem social competitiva e as classes no Brasil. A análise da marginalidade negra e
mulata torna claro os impasses que trouxe a modernização.
–––––

país era de uso particular da Coroa. Características como o controle do poder do clero e
da nobreza, e desenvolvimento da economia monetária – sucedendo o pagamento com
terras – possibilitaram em Portugal uma menor descentralização do poder no Estado, visto
que a moeda traz a possibilidade de renovação constante do pagamento a serviços
prestados ao dominador. (SOUZA, 2001)
Neste sentido, Portugal, em relação ao resto da Europa, é prematuramente
centralizada e monetizada a partir das bases sociais do poder real, permitindo uma
acumulação tão grande que trouxe reservas que possibilitaram a ascensão ultramarina.
Em uma Portugal mesmo medieval, temos uma antecipação de anos a frente de outros
países europeus que apenas conheceriam este processo em alguns séculos seguintes. Este
processo daria origem ao já citado Estado Patrimonial, de acordo com Faoro. Seguindo a
linha de domínio pessoal e racionalização do Estado para a manutenção do poder, as
esferas da economia, do direito e da justiça se racionalizam em prol do soberano.
Entretanto, para Faoro, por mais que a dominação patrimonial seja compatível com a
economia monetária, falta ao sistema patrimonial a calculabilidade, a previsibilidade e a
racionalidade típicos de um sistema moderno.
Para Souza (2001), entretanto, Faoro ao se utilizar do conceito de patrimonialismo
é a-histórico, pois entende que o autor pouco se importa com as transformações históricas
do que entende por estado burocrático. Estaria ignorando por exemplo, que o quadro
burocrático para Weber sempre se limitaria a uma atividade meio para uma corrente de
transmissão entre líderes e de massas, não uma disputa. Segundo Souza, Faoro
influenciado por uma leitura de Nabuco sobre a influência da elite dos funcionários
letrados no Brasil no século XIX, toma posse de um conceito característico a uma época
específica, alongando-o a quase oito séculos seguintes, como uma espécie de maldição.
Toda a ideia do livro estaria na argumentação que gira em torna da transfiguração do
Estado na ideia de estamento controlador em nome de seus próprios interesses, desta
forma impedindo o florescimento da sociedade civil e empreendedora. Logo, um efeito
perverso:
impede as condições propícias para o desenvolvimento do capitalismo
industrial. Ou, em outras palavras, impede a constituição mesmo de uma
sociedade moderna, visto que o Estado, ao se substituir a atividade empresarial
individual baseada no cálculo, intervém inibindo o exercício das liberdades
econômicas fundamentais. Com isso, não apenas a atividade econômica é
comprometida, mas o próprio exercício das liberdades públicas básicas,
acarretando, também, a tibieza da vida democrática como tal. Nesse sentido, a
grande oposição ideológica do livro será aquela entre uma sociedade guiada e
controlada pelo Estado, de cima, e as sociedades onde o Estado é um fenômeno
–––––

tardio e o autogoverno combina com o exercício das liberdades econômicas.


(SOUZA, 2001: 172).

Todavia, há um grande ponto fora da curva no desenvolvimento ocidental: os


Estados Unidos. Único país em que se teria observado um Estado centralizado
tardiamente. Esta leitura da excepcionalidade do desenvolvimento norte-americano25
(SOUZA, 2001:172, grifo do autor), que se inicia com a publicação clássica de
Tocqueville, seria responsável em maior ou menor medida pela argumentação dos
grandes intérpretes de Brasil para explicar o seu subdesenvolvimento ao longo dos
séculos XIX e XX. Portanto, esta visão cegaria o autor para outras alternativas de análise
sobre nosso desenvolvimento político e econômico, e traz a possibilidade de Faoro
justificar o nosso atraso social.
A partir desta visão de Brasil vista como limitada por Souza, Faoro então teria
trazido a interpretação do desenvolvimento institucional do país pela lente do Estamento
patrimonial, onde uma camada social possui uma solidariedade interna por uma noção de
prestígio compartilhado, se apropriando do Estado para a perpetuar seus privilégios. Ela
teria se consolidado a partir da crise política portuguesa do final do século XIV, trazendo
um equilíbrio entre a nascente burguesia e a decadente nobreza. O estamento surge como
novo fenômeno, com um conceito fundamental para sua sustentação: a honra – um dos
conceitos fundamentais para as sociedades pré-capitalistas tradicionais.
O estamentos são atraso, mas florescem,
de modo natural, nas sociedades em que o mercado não domina toda a
economia, a sociedade feudal ou patrimonial. Não obstante, na sociedade
capitalista os estamentos permanecem, residualmente, em virtude de certa
distinção mundial, sobretudo nas nações não integralmente assimiladas ao
processo de vanguarda...O estamento supõe distância social e se esforça pela
conquista de vantagens materiais e espirituais exclusivas. As convenções, e
não a ordem legal, determinam as sanções para a desqualificação estamental,
bem como asseguram privilégios materiais c de maneiras. O fechamento da
comunidade leva à apropriação de oportunidades econômicas que
desembocam, no ponto extremo, nos monopólios de atividades lucrativas e de
cargos públicos. Com isso, as convenções, os estilos de vida incidem sobre o
mercado, impedindo-o de expandir sua plena virtualidade de negar distinções
pessoais. Regras jurídicas, não raro, enrijecem as convenções, restringindo a
economia livre em favor de quistos de consumo qualificado, exigido pelo
modo de vida. De outro lado, a estabilidade econômica favorece a sociedade
de estamentos, assim como as transformações bruscas, das técnicas ou das

25
Autores como Richard Münch acreditam que a interprenetração entre ética e mundo norte-americana, que
formaram uma cultura unitária, singularizaram a cultura do país, trazendo uma excepcionalidade onde traz
a principal característica de nunca ter passado por práticas tradicionais e não-democráticas de dominação.
O problema, para Souza, é que isto permitiu a reinterpretação histórica de praticamente todos os
desenvolvimentos europeus e latinos precedentes, se utilizando da visão inclusiva e universalista do
racionalismo ocidental. Souza não nega que o desenvolvimento norte-americano tenha sido excepcional.
Entretanto, acredita ser um extrapolo esta visão concebida como uma “versão dourada” do Ocidente.
(SOUZA, 2001: 141-142)
–––––

relações de interesse, os enfraquecem. Daí que representem eles um freio


conservador, preocupados em assegurar a base de seu poder. Há estamentos
que se transformam em classes e classes que evolvem para o estamento sem
negar seu conteúdo diverso. Os estamentos governam, as classes negociam.
(FAORO, 1975: 46-47, apud SOUZA, 2011).

Como um liberal clássico, portanto, Faoro traz que o resíduo estamental se torna
eterno fragilizando a atividade do mercado, tendo como sua origem na “elite má”
(SOUZA, 2011:174, grifo do autor). Em relação às precondições para a formação do
modelo estamental, Faoro é claro. A constituição do estamento só pode surgir por um
equilíbrio de forças singular entre clero, nobreza e burguesia ascendente, resultando em
um vácuo de poder, trazendo uma marca social diferente de todas as forças políticas que
lutariam pelo poder. Se utilizando de argumento semelhante a Marx e Elias para explicar
os domínios cesaristas ou absolutistas, o autor traz o conceito de ascensão tirana em
vácuos de poder quando há um incessante equilíbrio de forças sociais. Entretanto, a tese
faoriana traz peculiaridade que, de acordo com Souza, seria mais uma marca de seu uso
a-histórico.
Se Marx e Elias dão ênfase no período de transição deste fenômeno como algo
excepcional, quando um sistema de valores e instituições se encontra envelhecido e fraco
indo ao encontro de outro novo e imaturo, Faoro levanta a ideia não só de permanência,
mas de eternidade da situação para analisar o caso brasileiro. Outro problema analítico
não abordado por Faoro seria a grande relação entre o líder ou rei e seu quadro
administrativo, tão central na avaliação de Weber sobre todas as formas de dominação
política existentes. Para Faoro esta questão permanece em segundo plano. A possibilidade
mais plausível seria da preponderância do quadro administrativo sobre o rei, uma espécie
de funcionário-mor do estamento.
Mas Faoro deixa claro que a organização político administrativa é parte do reino,
assim como as especificações das atribuições dos delegados do rei, e dos ligados à corte
e estrutura municipal. Um domínio inconteste e absoluto do soberano, centralizando a
política e a administração. Para Souza, “se o soberano é absoluto e inconteste, não existe
sentido em falar de governo pelo estamento. Se o poder do quadro administrativo é mera
delegação do soberano, ele, o soberano, é a base de todo poder. O nome dessa forma de
poder seria monarquia absolutista e não domínio estatal”. (SOUZA, 2001: 176).
Todavia, para Faoro o estamento seria o grande responsável pela política real:
Mas o soberano será, também ele, despojado de atribuições, perderá a marca
de proprietário do reino, convertido em seu administrador, defensor e zelador:
o principado eleva-se acima do príncipe...O conglomerado de direitos e
privilégios, enquistados no estamento, obriga o rei, depois de suscitá-lo e de
–––––

nele se amparar, a lhe sofrer o influxo: a ação real se fará por meio de pactos,
acordos, negociações. (FAORO, 1975, apud SOUZA, 2001).

Portanto, uma grande ambivalência pressupõe a obra faoriana, em toda sua


construção. Marca disso é um olhar que só poderia ser retrospectivo ao acusar a Corte
Portuguesa quinhentista de grossa corrupção. A acusação de corrupção aqui jamais seria
cabível, visto que o conceito de soberania popular alicerçada no direito público e
constitucional moderno só se desenvolveria após séculos, tratando como verdadeiro
crime o usufruto de recursos públicos para interesses particulares. No caso considerado,
entretanto, a propriedade efetivamente é do soberano, e ele faz dela o que bem entende.
Nada que envolva algo ilegítimo ou ilegal para os padrões da época.
A retrospecção de Faoro seria tão profunda que Souza entende que ela perpassa
toda a construção de seu argumento. Deste modo, o rei transforma-se em apenas
funcionário em nome da consolidação do ethos comunitário, e a apropriação pessoal de
fundos públicos volta no tempo até eras onde a noção de ilegalidade da prática é
inaplicável, e desconhecida da consciência dos indivíduos. Para Souza (2001: 177), o
“fundo moralista do argumento se completa e se revela: ele cria o criminoso, na medida
em que lhe confere realidade corpórea e material na noção de estamento e lhe imputa o
crime, a ‘arte de roubar’, a corrupção e o favorecimento particular”, ainda que isto s´[o
se já reconhecível pelo leitor de nossos dias.
A história portuguesa, em verdade, seria apenas um apêndice para a verdadeira
tese de pecado original (ibidem) da formação social brasileira. O diagnóstico, portanto,
seria o da doença hereditária. Se a centralização de poder precoce portuguesa e a
concentração de recursos na mão do poderoso estamento possibilitaram a aventura
ultramarina, quando esta se dá, eterniza a partir de então uma forma de dominação que
jamais permitirá o Portugal moderno, ou na esfera econômica – ausência do capitalismo
industrial e competitivo – ou na política – falta de espírito democrático.
A transposição deste argumento para o Brasil não seria menos problemática.
Faoro então investe na tese quase universalmente aceita de descentralização política e
administrativa na colônia dos séculos XVI e XVII, ao menos até a descoberta das minas
do século XVIII, com a tese dos latifúndios autônomos. A plasticidade portuguesa
inclusive é negada por Faoro, visto que acredita numa intervenção forte da coroa
Portuguesa mesmo antes da descoberta do ouro acima das capitanias. Uma força que
impedia o livre desenvolvimento econômico de regiões independentes. O estamento teria
controlado bem de perto o desenvolvimento das capitanias sob seu protetorado, sem
–––––

perdoar possíveis sinais de desvios contratuais. O que desmente a tese hegemônica de que
as capitanias não sofriam com uma coerção da Corte nestes séculos. (SOUZA, 2001).
O argumento aqui é de que, por mais que haja uma forte orquestração do processo
econômico e social da colônia por parte do estamento da metrópole, não se justificava
pelo capitalismo comercial. Isto é, o planejamento das colônias e seu controle de longe
não significou formas de regulação, controle, e regulamento da conduta prática e
cotidiana colonial, contando a colônia com estímulos de mercado raros e episódicos, sem
maior interferência na cadeia produtiva. O núcleo da argumentação do controle da
metrópole por sobre a colônia então não é justificado. O “controle de longe” (SOUZA,
2001:179) fica esvaziado.
Neste ponto, Souza identifica uma linha argumentativa presente em toda a teoria
faoriana: chamar de estamental toda e qualquer política dirigida a partir do Estado. Esta
linha ficará ainda mais clara quando Faoro versa sobre a transformação do Estado
português para furiosamente controlador e autoritário, por conta da descoberta de ouro
em Minas, para a condição de Reino Unido, em 1808, apenas representaria o estamento
sob outros disfarces.
A migração da família real para a colônia cria condições para a constituição de
um mercado capitalista, por meio da abertura dos portos, estímulos à indústria e ao
comércio com o aumento da economia monetária, assim como a instituição de uma
aparelho de Estado racional. Reformas institucionais modernas, melhoramentos urbanos,
transporte público, estímulo a artes, criação do jardim botânico, tipografia régia, ensino
superior, etc., transformando a capital brasileira em uma das grandes do mundo. As
condições materiais saltam e as simbólicas transformam-se concomitantemente de
maneira profunda. A partir do novo mercado que se adentra, “novas ideias, valores,
hábitos, comportamentos e visões de mundo transformam-se radicalmente em questão de
poucas décadas na maior revolução histórica do país.” (SOUZA, 2001:180). Entretanto,
para Faoro, por mais que não negue as mudanças, só consegue enxergar mais do mesmo:
a permanência do estamento por outras vestes.
A principal crítica de Souza neste ponto seria a dirigida a qualquer liberal clássico,
a crença liberal de que qualquer ação estatal acaba por amortecer as forças vitais da
sociedade, com a predominância do Estado como estimulador e condutor da vida social
como um mal em si, evitando o aparecimento de formas autônomas de organização social.
Para Souza, enviesado pelo espírito da excepcionalidade americana de desenvolvimento,
Faoro escreve cego de acordo com a predisposição que toma conta de todos os intérpretes
–––––

do desenvolvimento dos países ocidentais. Souza mostra que foram condições muito
especiais que permitiram aos Estados Unidos um desenvolvimento social que evitou a
presença muito forte do caráter de dominação tradicional, assim como a presença do
Estrado em excesso no início de seu processo de organização social. “Em todos os outros
exemplos históricos de desenvolvimento capitalista o Estado foi e é uma realidade
fundamental.” (SOUZA, 2001, 181) Desta forma, a tese do patrimonialismo destaca o
desenvolvimento americano dos demais, culpando o atraso brasileiro pela simples
presença estatal.
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