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EDUCAÇÃO: PRIMEIRO PASSO RUMO À ELIMINAÇÃO DAS

BARREIRAS À ACESSIBILIDADE DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

José Erigutemberg Meneses de Lima *

A educação é a arma mais poderosa que deve ser manejada contra a


exclusão das pessoas com deficiência.

Os romanos antigos tinham permissão para sacrificar os filhos que


nascessem com algum tipo de deficiência. Em Esparta, as monstruosidades como
eram chamadas os recém-nascidos com ausência da chamada vitalidade e com
distorções da forma humana eram lançados ao mar.

Os costumes com o passar dos tempos tornaram-se mais tolerantes


em relação aos deficientes. O preconceito se fixou nas mudanças. A sociedade
romana não suportava presenciar pessoas deficientes a esmolar nas ruas, praças e
portas dos templos da cidade. A repugnância às monstruosidades traçou cruel para
pessoas com deficiência um destino. Cegos eram usados como remadores nas
travessias do rio Tibre e meninas e mulheres cegas eram colocadas em
prostíbulos. Em agitado mercado compravam-se e vendiam-se homens sem pernas
ou sem braços, de três olhos, gigantes, anões e hermafroditas, como demonstrou
Will Durant em seu História da Civilização.

Dê-se grande salto no tempo, e se vai perceber que as mudanças se


fizeram para que tudo permanecesse no mesmo. Em 1913, o Reino Unido aprovou
uma lei que permitia a exclusão de deficientes colocando-os em clínicas de
internação e a Alemanha nazista Hitler exterminava pessoas que não fossem
perfeitas de acordo com o padrão ariano.

Em 2016, em pleno século XXI, a sociedade ainda exclui e julga


pessoas nascidas com limitações ou que as adquiriram no curso da vida por
enfermidades ou envelhecimento. O preconceito permanece como a grande pedra
a impedir pessoas com deficiência a exercerem a cidadania. As limitações
aumentam no olhar de quem estigmatiza, exclui e rotula de monstruosidades, os
deficientes de hoje.

Na Roma antiga era a Lei das Doze Tábuas, o cerne da constituição


da república romana e das antigas leis não escritas e regras de conduta que
autorizava o extermínio de crianças nascidas com deformações físicas, ou sinais
de monstruosidade1

Séculos se passaram, o tempo rompeu as barreiras do obscurantismo


e, atualmente, as constituições regulam os valores sociais que garantindo os
direitos elementares das pessoas, incluindo-se o primordial que é o da vida com
dignidade. No Brasil o império das leis se inicia com a Constituição Federal. Carta
magna que assegura a igualdade entre as pessoas e impõe o cumprimento de
ações afirmativas que deem efetividade aos títulos e artigos de lei que anunciam a
proteção às pessoas com deficiência.

Nos estados são as Constituições Estaduais e nos municípios os


Códigos de Postura que reforçam os comandos constitucionais. Se Habemos leis,
então as pedras encontradas no meio do caminho deixam de existir. Os
legisladores possuidores de vara de condão, justificando os votos recebidos dos
eleitores, e que iniciaram seus projetos, discursaram nas tribunas, aprovaram a
legislação, posaram para fotos publicadas em jornais e redes sociais pensam
assim e após a atividade legislativa saem dos gabinetes e vão para os lares dormir
tranquilos, imaginando que o legislado terá eficácia e força capaz de explodir em
mil fragmentos as rochas dos impedimentos às pessoas com deficiência.

Num passe de mágica, barreiras e obstáculos vencidos, a vida se


torna igualitária. Mas... Sempre o mas vem e expõe a mais cruel faceta da
realidade e estraga os sonhos... Infelizmente, tanto quanto há pedras há mas no
meio deste caminho. Sobre remoção de barreiras pelo processo legislativo, não,

1
. Em sua linguagem original a famosa lei determinava o seguinte: Tábua IV - Sobre o Direito
do Pai e do Casamento. - Lei III - O pai de imediato matará o filho monstruoso e contra a forma
do gênero humano, que lhe tenha nascido recentemente. ("Tabula IV - De Jure Pátrio et Jure
Connubii .............. Lex III - Pater filium monstrosum et contra formam generis humanae, recens
sibi natum, cito necato ").
não é isto o que se observa na prática diária. O cimento, as ferragens, os
automóveis e o mobiliário deram novas camadas às pedras que aumentaram de
tamanho e de peso não podendo ser lixados ou removidos pelo emaranhado de
leis, normas, regulamentos.

Santa Catarina como de resto todo o Brasil esconde sob o tapete das
leis um grande número de pessoas com deficiência e que sobrevivem sem contar
com as atenções da sociedade civil e das autoridades públicas. Às pessoas com
deficiência é negado o exercício da cidadania, recusados os direitos constitucionais
de ir e vir e de gozar a vida com dignidade.

As cidades catarinense assemelhadas às cidades brasileiras em


geral, foram projetada para jovens e adultos sem deficiências, sendo os
administradores indiferentes aos embaraços causados ao dia a dia de crianças,
adolescentes, mulheres e idosos impedidos de seguirem seus objetivos livremente
e de serem incluídos e aceitos numa sociedade não solidária e desigual.

A ordem social por aqui não é igualitária. As estruturas urbanas foram


pensadas por e para indivíduos nascidos sob o padrão da perfeição, seja lá o que
isso signifique. Os espaços urbanos, a exemplo de logradouros e edifícios públicos
e privados, não foram e continuam não pensados para pessoas que envelhecem,
contraem cegueira, são portadoras de nanismo, entre outras peculiaridades do ser
humano. Os fragilizados vestem diariamente as capas de super-homens e
supermulheres e saem às ruas sujeitando-se aos riscos da kryptonita que são a
infraestrutura urbana da cidade projetada exclusivamente para uso de pessoas
sem deficiências.

O que leva governantes, empresários e demais segmentos sociais a


conviver, aceitar e perpetuar essa perversa lógica excludente? Vários fatores
contribuem, sendo principal a nosso ver o desconhecimento. Desta forma, a
maneira possível de visibilizar à falta de igualdade material das pessoas com
deficiência é a educação.
A educação é a chave para mudanças. É a arma mais poderosa que
deve ser manejada contra a exclusão das pessoas com deficiência. O
conhecimento adquirido permitirá o desenvolvimento do raciocínio de que não é
possível ignorar e ser conivente com os problemas estruturais da cidade que
impedem o pleno acesso das pessoas com deficiência.

O conhecimento e a introspecção de valores pela educação permitirão


a compreensão sobre a condição das pessoas com deficiência. E a partir da
aprendizagem é plausível se pensar em cidadania, em senso de compartilhamento
de direitos e na convivência harmônica entre deficientes e demais pessoas,
abrindo-se caminhos que levem à eliminação da segregação, do preconceito, das
barreiras e dos obstáculos físicos.

É assim, imprescindível obrigar instituições de ensino públicas e


privadas, já a partir do ensino básico, à inclusão em seus currículos escolares o
problema das pessoas com deficiência. Saiba-se, contudo que a educação é
apenas uma das bandeiras a ser hasteada no campo de combate, visando à
derrota das desigualdades e da lógica contra as pessoas com deficiência.

A fiscalização diuturna e a cobrança sem trégua do cumprimento das


normas são os pés que faltam no tripé sem o qual a sociedade permanecerá
capenga sem condições de superar as barreiras e os obstáculos das cidades
projetadas para espartanos belos e saudáveis. Cidades projetadas, modernas, mas
que escondem abaixo de águas caudalosas dos mares de preconceito pessoas
sem vitalidade e com distorções da forma humana, no jargão antigo e que
modernizado representa hoje as pessoas com deficiência.

No Brasil e em Santa Catarina ainda tratamos as pessoas com


deficiência como os romanos da antiguidade as tratavam?

José Erigutemberg Meneses de Lima, advogado, economista, participante do


Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência – COMPED
Blumenau, representando a subseção da OAB-Blumenau

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