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SÃO AUTÊNTICAS AS REVELAÇÕES DE S.BRÍGIDA?

DOGMÁTICA

LEITOR DE SEMPRE (Guanabara): «Quem foi Santa Brigida? Que valor possuem as revelações e as preces a ela atribuídas?
»

Trataremos da questão em três etapas, percorrendo sucessivamente a biografia de Santa Brígida, os livros de suas
«Revelações» e as maravilhosas preces que se prendem ao seu nome.

1. Esboço biográfico de S. Brígida

Brígida (Birgitta) nasceu em 1302 ou 1303, de família pertencente à casa régia da Suécia. Seu pai, o cavaleiro Birger Persson,
era senador do reino e governador («lagman») da principal província do pais (Upland). Os genitores de Brígida eram
profundamente piedosos, entregando-se assiduamente a leituras sagradas, ao jejum e a peregrinações.

Conforme o costume da época, aos treze anos casou-se com Ulf Gudmarsson, que se tornou em 1330 «Iagman» da Nericia.
O casal teve oito filhos, entre os quais sobressai a bem-aventurada Catarina, dotada de admiráveis virtudes.

Após uma peregrinação a Compostela (Espanha), Ulf, com o consentimento da sua esposa, resolveu entrar no mosteiro
cisterciense de Alvastra (Suécia), onde pouco depois veio a morrer (1344). ​ Tendo enviuvado, dizem os biógrafos que Brígida
tomou consciência dos desígnios de Deus a seu propósito: ela haveria de se tornar a esposa e a confidente do Senhor Jesus.
Passou então a viver numa casa das dependências da Abadia de Alvastra. Assim começou para ela uma nova fase de vida,
fase caracterizada por revelações.

Em 1345/1346 foi à corte da Suécia para exortar o rei e a rainha a uma vida cristã cada vez mais fervorosa; não hesitava em
dar conselhos políticos ao monarca Magnus Eriksson, visando torná-lo mais e mais o «Rex Iustus» preconizado pelos ideais
da Idade Média: recomendou-lhe, entre outras coisas, uma campanha de evangelização para converter os russos.
Admoestava os nobres e os clérigos da Suécia ao cumprimento exato dos deveres. Em seu zelo apostólico, chegou a abraçar o
cenário da Europa inteira; enviou, sim, o bispo sueco Hemming de Abbo à França e à Inglaterra, a fim de entregar aos
respectivos reis as cartas em que ela os exortava a cessar a calamitosa guerra dos Cem Anos. Ao Papa Clemente VI e a seus
sucessores imediatos, que residiam em Avinhâo (França), dirigiu repetidas intimações para que voltassem a Roma, tendo em
vista os perigos de vassalagem a que os Pontífices estavam sujeitos na França. Diz-se também que Brígida foi
frequentemente agraciada por revelações referentes aos personagens e aos povos com quem ela tomava contato em suas
viagens (têm especial importância as visões concernentes às rainhas Joana de Nápoles e Isabel de Chipre).

Em 1346 decidiu fundar em Vadstena, perto de Alvastra, um mosteiro que dava origem à Ordem Religiosa do Santíssimo
Salvador. O cenóbio apresentava uma modalidade usual na Idade Média; era um «mosteiro duplo», baseado no modelo do
que Roberto de Arbrissel havia estabelecido em Fontevrault (França) no ano de 1100: cada qual desses mosteiros
compreendia duas comunidades (uma masculina, outra feminina), que viviam separadamente em recintos e clausuras
independentes, mas obedeciam à única direção da Sra. Abadessa. Na Ordem do SS. Salvador cada comunidade feminina
contava 60 Religiosas e a Sra. Abadessa, ao passo que as comunidades masculinas constavam de 13 sacerdotes, dois
diáconos, dois subdiácarios e oito Irmãos conversos; assim o número total de irmãos e irmãs equivalia ao dos treze Apóstolos
(incluído São Paulo) e setenta e dois discípulos do Senhor Jesus.

Em 1349 Brígida foi a Roma, movida principalmente pelo desejo de obter da Santa Sé a aprovação de seu mosteiro duplo.
Acontecia, porém, que desde o IV Concílio do Latrão (1215) a Santa Igreja proibia a fundação de novas Ordens Religiosas
dotadas de Regras próprias e não era favorável aos mosteiros duplos (estes não deixavam de oferecer grandes riscos
espirituais aos membros de ambas as comunidades, apesar da reta intenção que os inspirava: monges e monjas, vivendo tão
estritamente associados entre si, visavam apenas prestar uns aos outros uma assistência religiosa mais eficaz, a fim de se
elevarem mais facilmente à perfeita união com Deus e à santidade). Finalmente o Papa Urbano V em 1370 aprovou as
Constituições da Ordem do SS. Salvador, determinação esta que seu sucessor Urbano VI. (em 1378) confirmou e explicitou.
No seu período áureo, a Ordem chegou a contar 79 casas, mas teve que desaparecer, quando a Santa Sé houve por bem
extinguir os mosteiros duplos.

De Roma, Brígida não voltou à sua pátria: terá recebido ordem divina de lá permanecer até que o Sumo Pontífice regressasse
de Avinhão. Alojou-se em uma casa que lhe foi posta à disposição por uma de suas amigas romanas; essa mansão,
posteriormente dita «Casa de Santa Brígida», foi durante toda a Idade Média um centro escandinavo em Roma; em torno de
Brígida formou-se um grupo de fiéis chamados «os amigos de Deus» (sacerdotes, assim como varões e mulheres do laicato,
destacando-se Catarina, a própria filha de Brígida); levavam regime de vida monacal, distribuindo o seu tempo entre oração,
estudo e visitas aos santuários da cidade; observavam rigorosa pobreza, pois Brígida ficava à mercê de seus amigos romanos,
o que a obrigava por vezes a ir mendigar junto às portas das igrejas. Era bem conhecida e geralmente estimada pelos seus
concidadãos; não obstante, a sanha popular voltava-se de quando em quando contra essa estrangeira severa e exigente como
se fôra «a bruxa do Norte» (Brígida não se intimidava diante de quem quer que fosse, desde que se tratasse de reprimir o
vício).

Muito amiga das peregrinações, em 1371 partiu para a Terra Santa, onde foi agraciada por visões correspondentes aos
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lugares que visitava e relativas principalmente ao nascimento e à Paixão do Senhor. Pouco depois de voltar a Roma, faleceu
aos 23 de julho de 1373. Foi canonizada pelo Papa Bonifácio IX em 1391, tomando-se particularmente famosa por suas
«Revelações», que passamos a considerar de perto.

2. As «Revelações» de Santa Brígida

A. Autenticidade

1. Santa Brígida deixou uma produção literária caracterizada principalmente por oito livros ditos de «Revelações»
(«Revelationes», no original latino) e um escrito suplementar intitulado «Extravagantes» (este contém as revelações que não
foram, de inicio, compreendidas na coleção dos oito livros, ficando por isto a «vaguear por fora»).

Tratam da vida de Jesus Cristo, da Virgem SS., do céu, do purgatório, do inferno, do problema do mal; contêm também
exortações do Imperador do Céu aos Reis da terra, mensagens dirigidas aos Sumos Pontífices, sentenças concernentes a
pessoas particulares, etc.

2. Como julgar a autenticidade de tais oráculos?

A fim de responder devidamente à questão, deveremos levar em conta o modo como se originaram os ditos livros.

Depois que enviuvara, quando residia em Alvastra, Sta. Brígida, incitada pelo próprio Senhor (como narram os biógrafos),
pediu um dia a seu diretor espiritual, o monge cisterciense Pedro Olafsson, que recolhesse de seus lábios as revelações
divinas que ela havia de receber e as traduzisse para o latim. Pedro Olafsson, depois de recusar, aceitou o encargo, tomando
como colaborador o sacerdote Pedro de Skeninge, confessor da santa.

Estes dois eclesiásticos acompanharam Brígida em Roma, sendo que na Cidade Eterna a santa recebeu de Deus a ordem de
aprender o latim; possuindo esta língua, far-se-ia compreender pelas pessoas que desconheciam o idioma sueco; poderia
também controlar as traduções latinas das revelações que ela ditava em êxtase. Entende-se, não lhe tenha sido fácil estudar a
gramática latina na idade aproximada de cinquenta anos em que se encontrava; experimentava muito maior atração pela visita
aos santuários de Roma; contudo a Virgem SS., sem lhe proibir esta devoção, incitava-a a prosseguir energicamente no
estudo (cf. Revelationes 1. V cc. 105 e 46). A partir de 1368 um terceiro cooperador entrou em ação: era o bispo Afonso de
Vadaterra, que renunciara à sua diocese de Jaen para entrar na Ordem dos Eremitas de S. Agostinho em Roma; incumbia-lhe
a tarefa de rever as traduções feitas por Pedro Olafsson e Pedro de Skeninge, e distribuí-las em capítulos e livros; a ele se
devem a série dos oito livros de «Revelações» (como ela hoje se apresenta) bem como a compilação das «Extravagantes».

Pois bem. A crítica sadia em nossos tempos julga que os três Secretários deram, cada qual, algo de próprio para elaborar o
texto das visões tal corno ele chegou até nós; tinham mesmo licença para acrescentar colorido e ornamento («coloribus et
lineamentis») às palavras de S. Brígida. Sendo assim, torna-se difícil distinguir nas «Revelações» de S. Brígida as partes que
provêm genuinamente da Santa, e aquelas que se devem, antes, aos respectivos Secretários. É certo que não se pode atribuir
o texto diretamente a S. Brígida; inegàvelmente, porém, tem-se a impressão de que várias passagens refletem os autênticos
traços da personalidade forte e severa de S. Brígida. Admitida esta conclusão, abre-se ulterior questão: e esses trechos que
parecem depender realmente de S. Brígida, até que ponto terão sido revelados ou sugeridos à Santa pelo próprio Deus? Esta
última questão tem que ficar aberta ou sem resposta, pois não há dados suficientes para a elucidar.

3. No séc. XIV acendeu-se árdua controvérsia em torno da autenticidade das «Revelações» de S. Brígida. Eram-lhes infensos
os conciliaristas, isto é, os teólogos que atribuíam a autoridade máxima na Igreja aos Concílios Ecumênicos, e não aos Papas;
já que as mensagens de Brígida tanto valor davam ao poder papal (insistindo na absoluta necessidade de que o Pontífice
voltasse de Avinhão a Roma, para o bem da S. Igreja), entende-se que os conciliaristas tendessem a depreciá-la e rejeitá-las.
Está claro, porém, que a posição preconcebida dos conciliaristas não pode servir de critério no caso.

Quanto às autoridades eclesiásticas, têm-se pronunciado favoravelmente às «Revelações».

Tenham-se em vista, por exemplo, as palavras do Papa Bonifácio IX, que canonizou a Santa:

«Por graça do Espírito Santo, Brígida mereceu ver, ouvir e, em espírito profético, anunciar muitas mensagens e revelações,
das quais não poucas já se cumpriram na realidade, tais como estão descritas nos volumes de suas Revelações» (Acta
Sanctorum, outubro, t. IV, pág. 470).

Já anteriormente os Papas Gregório XI (+1378) e Urbano VI (+1389) haviam aprovado os oito livros das Revelações.

É de notar, porém, que tais aprovações não equivalem a definições infalíveis. Os Papas nunca tiveram a intenção de impor
revelações privadas à crença dos cristãos; após a morte do último dos Apóstolos não há mais Revelação de fé na Igreja. É,
aliás, o Papa Bento XIV em 1767 quem o afirmava na sua obra monumental sobre «A beatificação dos Servos de Deus»: que
pensar, interroga ele, a respeito das revelações particulares aprovadas pela Igreja, como são, por exemplo, as das Stas.
Hildegardes, Brígida e Catarina de Sena? Responde: «Não podemos nem devemos dar a essas revelações, ainda que
aprovadas, um assentimento de fé católica (sobrenatural); podemos, porém, prestar-lhes assentimento de fé meramente
humana, de acordo com as regras da prudência, que insinua serem tais revelações prováveis e dignas de piedosa crença» (1.
EU, c. 53 n.-15).

Destas palavras depreende-se com clareza que as «Revelações» de S. Brígida não fazem parte do depósito da fé; por
conseguinte, o seu valor há de ser aquilatado à luz das normas da prudência humana. Ora, já que, de um lado, tais
mensagens não contêm afirmação contrária aos dogmas de fé e, de outro lado, sempre haviam estimulado a piedade, Bento
XIV e os Pontífices seus antecessores as declararam dignas de piedosa crença. Tal juízo, porém, baseado em critérios de
prudência humana, poderia ser reformado, caso outras razões de prudência o exigissem.

Justamente a crítica moderna, reconsiderando as circunstâncias e as etapas às quais se devem os livros das «Revelações» de
Santa Brígida, julga haver motivo para reservas sobre a autenticidade desses escritos (como foi dito atrás, estão distanciados
de S. Brígida pela mediação de secretários, redatores, tradutores, compiladores...). Por conseguinte, a própria prudência em
nossos dias recomenda não se dê irrestrito crédito a quanto se acha nos escritos atribuídos a Santa Brígida.

Eis algumas afirmações ocorrentes nas «Revelações», e comuns entre os medievais, a respeito das quais os estudiosos
modernos nutrem certas dúvidas (note-se bem que não se trata de assuntos dogmáticos, mas de temas de história apenas):
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- o Apóstolo São João teria sido primo de N. S. Jesus Cristo, conforme Revel. 110, 35;

- Santa Petronilha teria sido filha de São Pedro, de acordo com Revel. VI 93;

- São Dionísio, padroeiro da França, haveria sido o Areopagita convertido por São Paulo e enviado de Roma à Gália para
pregar o S. Evangelho (1. IV c. 21, 103s);

- em Roma podem-se comemorar 7.000 mártires diferentes em cada dia do ano (Revel. III 27);

- o Imperador Trajano, mediante as preces de S. Gregório Magno, haveria sido libertado do inferno e introduzido na bem-
aventurança celeste (1. IV, c. 13).

A fim de não se cometer injustiça, torna-se mister notar o seguinte: - o fato de que tais.afirmações sejam inverossímeis ou
mesmo falsas, não impede que o Espírito Santo tenha realmente manifestado a S. Brígida certos traços e episódios de suas
Revelações, como insinuava o Papa Bonifácio IX no trecho que atrás transcrevemos.

Em conclusão, visto que é difícil, se não impossível, determinar o grau de autenticidade ou de revelação divina dos escritos
atribuídos a S. Brígida, convém manter sobriedade no uso dos mesmos. Tenha-se, aliás, por certo que no depósito comum da
fé, ou seja, no Credo diretamente comunicado por Cristo aos Apóstolos, todo homem encontra os elementos de que necessita
para a sua santificação; o subsídio das revelações particulares não é essencial ao aperfeiçoamento da vida cristã.

B. Traços doutrinários

1. Pode-se dizer que a característica dominante da espiritualidade de Santa Brígida é a devoção para com a santíssima
humanidade de Cristo e para com a Mãe do Salvador; S. Brígida deu grande atenção às expressões humanas do Senhor
Jesus, expressões pelas quais se irradiava a Divindade. Ao fazer isto, aliás, a Santa correspondia bem às tendências da
piedade medieval (tenham-se em vista, por exemplo, São Francisco de Assis e seu ideal cavaleiresco; S. Bernardo e sua
devoção para com o Menino Jesus e Maria SS.).

Eis algumas passagens das «Revelações» nas quais se manifesta tal tendência:

A Virgem SS. terá aparecido um dia a Brígida, dizendo-lhe: «Hei de te mostrar como era meu Filho em sua humanidade, e
como foi Ele sobre a Cruz na hora da sua Paixão» (Extravag. LXVI).

A respeito do Menino Jesus, haverá Maria SS. declarado a Brígida:

«Quando alimentava o meu Filho, tal era a sua beleza que todos aqueles que O viam eram aliviados em suas penas; por isto
diziam muitos judeus uns aos outros: 'Vamos fazer uma visita ao Filho de Maria'» (Revel. VI1).

Educada em meio à sociedade feudal, em que o ideal do cavaleiro empolgava as almas nobres, a Santa se deleitava em
considerar o. Senhor Jesus como cavaleiro heroico, sequioso de defender ou propugnar a causa do bem, pronto a se sacrificar
totalmente por heroísmo. Por conseguinte era principalmente para a Paixão de Jesus que se voltava a atenção de Brígida.

Aos dez anos de idade, referem os biógrafos, teve uma visão do Senhor crucificado que lhe ficou indelevelmente impressa na
memória:

«Brígida, um dia ouvindo pregar sobre a Paixão de Cristo, gravava com amor em seu coração o que ela percebia. Na noite
seguinte, apareceu-lhe Cristo tal como Ele se achava no momento de sua crucifixão, e lhe disse: 'Eis como fui ferido'. Brígida,
julgando então que o Salvador acabava de ser novamente crucificado, interrogou: 'Senhor, quem Vos tratou assim?' ​ 'Aqueles
que me desprezam e desdenham o meu amor', respondeu Jesus.

Brígida, voltando a si, guardou, a partir desse dia, uma recordação tal da Paixão de Cristo que não podia pensar nos
sofrimentos do Salvador sem derramar lágrimas. Experimentava tão profundo deleite na contemplação das chagas de seu
Esposo que ela ficava toda abrasada de amor, e a compunção a levava a derramar lágrimas» (Birger, Vita S. Birgittae 6).

A figura de Jesus padecente é descrita nas «Revelações» com abundância de pormenores, todos muito realistas:

«Estava coroado de espinhos. De seus olhos, seus ouvidos e suas barbas escorria o sangue... Tinha o queixo deslocado, a
boca aberta, a língua a sangrar... O ventre, abrindo uma concavidade, parecia tocar as costas, como se Ele já não tivesse
intestinos» (Revel. VII15).

Esse Jesus, ora tão gracioso, ora tão identificado com os homens, é um porta-voz de amor que deseja ardentemente o amor '
das criaturas.

É a SS. Virgem quem diz a Brígida, conforme as «Revelações»:

«Meu Filho te ama com todo o seu coração. Por isto, recomendo-te que nada ames a não ser Ele mesmo» (Revel. VI1).

Jesus, por sua vez, incute logo no limiar das «Revelações»: «Tu, filha que escolhi para Mim, ama-Me de todo o coração, mais
do que qualquer dos bens deste mundo; pois eu, que te criei, a nenhum dos meus membros poupei, movido por amor a ti. E
tanto amo a tua alma que eu preferiria ser de novo crucificado (se fosse possível) a ver perder-se a tua alma» (Revel. 11).

As palavras assim dirigidas a Brígida aplicam-se na verdade a todos os homens:

«Se fosse possível, eu livremente aceitaria de novo, em favor de cada homem em particular, penas semelhantes às que aceitei
sobre a Cruz em prol de todos os homens em geral, a fim de que recuperassem a esperança daquela felicidade que lhes foi
outrora prometida» (Revel. I 58).

«Ó amigos, amo as minhas ovelhas com tanta ternura que, se fôra possível, eu morreria em favor de cada uma delas, a morte
que padeci para a Redenção de todas, em vez de ver algumas delas perder-se» (Revel. I 59).

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As palavras assim atribuídas ao Senhor Jesus fazem eco genuíno às de São Paulo em Gál. 2,20 : «Ele me amou e se
entregou por mim».

2. O amor a Deus despertava em S. Brígida o zelo ardoroso na repressão dos vícios morais. Seus escritos lembram
frequentemente os dos profetas do Antigo Testamento, que receavam interpelar governantes e governados, sacerdotes,
príncipes e simples fiéis, a fim de os desviar do mar.

Talvez cause surpresa a atitude dos pecadores daquela época de fé, os quais chegavam a dizer como em nossos dias:

«Não sabemos se existe um Deus; e, caso exista, não o levamos em conta» (Revel. 15).

Em consequência, queixava-se o Senhor a Brígida: «O mundo se envergonha de falar da fé e dos meus mandamentos. Caso
alguém fale disso, todos escarnecem essa pessoa e a acusam de mentir» (Revel. 138).

O estilo pungente das exortações de Brígida se pode avaliar pelo seguinte espécimen:

«Assim fala o Filho de Deus à sua esposa : 'Escreve, da minha parte, ao Papa Clemente VI estas palavras : Exaltei-te e fiz-te
subir ao supremo grau das honras. Levanta-te, pois, e promove a reconciliação dos reis da França s da Inglaterra, feras
perigosas que levam as almas à perdição. A seguir, vem para a Itália, a fim de anunciar a Palavra de Deus, assim como o ano
de salvação e de amor divino. Verás as praças rubras em virtude do sangue dos meus santos. Depois dar-te-ei a recompensa
que não tem fim'» (Revel. VI 63).

Neste trecho há uma alusão à guerra dita «dos Cem Anos», entre a. França e a Inglaterra, iniciada em 1337. O «ano de
Salvação» seria um ano de jubileu ou de ampla misericórdia concedida aos pecadores.

Os trechos até aqui transcritos já permitem aquilatar o conteúdo das «Revelações» de S. Brígida.

3. As orações ditas «de Santa Brígida»

1. A partir do séc. XV, começou a difundir-se com grande aceitação uma série de quinze orações referentes à Paixão de N. S.
Jesus Cristo e atribuídas a Santa Brígida. No prefácio que acompanha essas fórmulas, lê-se a seguinte explicação:

Era sua Paixão dolorosa o Senhor terá recebido 5460 ferimentos; por conseguinte, a fim de os venerar dignamente, poderia o
fiel cristão recitar diariamente as quinze orações, acrescentando-lhes outros tantos «Pai Nosso» e «Ave Maria»; terá assim, no
decorrer de um ano, saudado cada uma das chagas do Redentor. A quem adote essa prática; são prometidos vários favores:
na sua família, quinze pessoas serão libertadas do purgatório, quinze pecadores se converterão e quinze justos serão
confirmados no bem; o próprio orante irá crescendo na sua vida interior, obterá o reconhecimento de todos os seus pecados e
a contrição perfeita; receberá a S. Eucaristia quinze dias antes de morrer e será salvo; Cristo mesmo, em companhia da
Virgem SS., virá buscar a sua alma e levá-la para o céu. ​ Se alguém tiver vivido durante trinta anos em estado de pecado
mortal, e, não obstante, tiver recitado ou ao menos tiver feito o propósito de recitar devotamente as referidas orações,
receberá o perdão de suas culpas, obterá do Senhor tudo que pedir, inclusive a prolongação de sua vida caso esteja nas
proximidades da morte! ​ Mais ainda: quem ensinar essas orações a outros, terá o mesmo mérito que aquele que as recitar. Em
todo lugar onde tais preces sejam proferidas, Deus há de proteger os homens contra os perigos das inundações e dos
incêndios. Veja-se «Orationes XV D. Birgittae de Passione Domini ad vetustissima exemplaria diligenter correctae, Prologus»,
documento editado em Veneza (1535) juntamente com as «Meditações de S. Bernardo» («Divi Bernardi Meditationes
devotissimae ac alia quaedam eius- dem et aliorum pia opuscula»).

Vistas as crendices supersticiosas sugeridas por tal prefácio, compreende-se que a S. Congregação do índice, por decreto de
30 de junho de 1671, tenha proibido as quinze orações de S. Brígida «nisi deleatur prologus», a não ser que se cancele o
respectivo prefácio (o texto de tais preces em si nada tem de herético; é, ao contrário, belo e piedoso).

2. Quanto ao Rosário dito «de S. Brígida», recebeu, sim, a aprovação da S. Igreja. Contudo só por equivoco é atribuído à Santa
(os documentos mais antigos referentes a esta devoção datam do começo do séc. XVI). Destina-se a honrar os 63 anos que
presumidamente a Virgem SS. terá passado na terra; por isto divide-se em seis partes, cada uma das quais compreende 1
Credo, 1 «Pai Nosso» e 10 «Ave Maria»; para terminar, recitam-se mais 1 «Pai Nosso» (que completa o número 7 das Dores e
das Alegrias de Maria SS.) e 3 «Ave Maria», que perfazem o total de 63 «Ave Maria» correspondentes à duração da vida
terrestre de Maria.

Pergunta-se: por que terá sido essa maneira de orar associada ao nome de Santa Brígida? Em resposta, goza de
probabilidade a explicação seguinte: S. Brígida julgava que a Virgem SS. passou quinze anos na terra após a Ascensão de
Jesus; este número, somado aos quinze anos que, conforme os medievais, Maria devia ter quando Jesus nasceu, assim como
aos trinta e três anos da vida de Cristo, levava a um total de 63 anos. ​ Sem dúvida, tal cálculo é muito arbitrário e inconsistente.

É supersticiosa e condenável a seguinte prática de piedade que certos folhetos apresentam como decorrentes das revelações
feitas a S. Brígida e S. Elisabete: Cristo, desde o seu nascimento até a sepultura, terá derramado 61.362 gotas de sangue; por
conseguinte, digam-se diariamente 7 «Pai Nosso» e «Ave Maria» durante doze anos até preencher o número correspondente
ao das gotas de sangue derramadas pelo Senhor. A quem assim procede, vão prometidas cinco graças extraordinárias, entre
as quais a isenção das penas do purgatório, tanto para o orante como para os seus familiares até o quarto grau.

É de lamentar, tenha sido o nome de S. Brígida associado a tais crendices. Não obstante, a Santa fica sendo figura de primeira
grandeza na história da Igreja: coloca-se na linha das mulheres heroicas (S. Catarina de Sena, S. Joana d'Arc, S. Teresa de
Ávila... ) de que Deus se quis servir para despertar as consciências dos homens em épocas calamitosas.

Dom Estêvão Bettencourt (OSB)

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