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Universidade Federal de Mato Grosso

Instituto de Linguagens
Coordenação de Pós-graduação do Mestrado de Estudos da Linguagem –MeEL

Vigotski e Bakhtin: pontos de contato entre “Pensamento e palavra” e “Tema e


Significação na língua”

Docente: Cláudia Graziano Paes de Barros


Discente: Edson José Sant’Ana

Cuiabá – MT
2008
Vigotski e Bakhtin: pontos de contato entre “Pensamento e palavra” e “Tema e
Significação na língua”

Pensar em estudos da linguagem sem que sejam mencionados os nomes de


Bakhtin e de Vigotski, dois estudiosos russos que puderam viver em um dos períodos
mais importantes da história humana, é, no mínimo, mutilar o pensamento lingüístico
desde os tempos helênicos.
Apesar de não se saber, ao certo, da existência de um contado pessoal entre os
dois pensadores, existem algumas semelhanças entre seus respectivos procedimentos e
objetos de pesquisa, a saber: os dois, partindo do método materialista-dialético,
analisam a linguagem.
Para se ter um pouco mais compreensão sobre o método utilizado pelos
estudiosos soviéticos, é necessário entender, mesmo em linhas gerais e sempre
incorrendo no risco de uma síntese demasiado parcial, o que é o método materialista-
dialético.
De modo esquemático, tal método foi criado pelo filósofo alemão Hegel e
desenvolvido de por Marx e consiste em uma interpretação de fatos que parte de análise
lógica em que existem, pelo menos, três elementos: uma tese, uma antítese e uma
síntese. Esses elementos não estão de modo algum independentes entre si, uma vez que
ou estão ligados pela história (enquanto sucessão de fatos), pela malha social e
ideológica, por determinadas condições materiais, ou/e pela conjunção de todos esses
elementos.
Dado importante a se apresentar é que, diferente do pensamento vulgar, a síntese
resultante do conflito entre tese e antítese (afirmação e negação), não é harmoniosa,
pois, sendo produto de uma afirmação e de uma negação, simultaneamente, passa a ser a
negação da negação. Assim: na relação entre indivíduo e sociedade, o produto nem será
o indivíduo e nem a sociedade, senão a somatória contraditória das duas coisas: a
influência do indivíduo na sociedade, bem como a influência da sociedade no indivíduo.
Informação importante para essa explicação mutiladora do método dialético é
que a dialética não é a união eclética de diferentes elementos da sociedade, é o
aproveitamento do conhecimento originário da análise das contradições, que tenta
absorver de modo não contemplativo as diversas modalidades de conhecimento
humano.
Isso posto, podemos voltar a Vigotski e Bakhtin.
Bakhtin em seu texto “Tema e significação na língua” propõe a diferença entre
os dois termos, fazendo uma análise do desenvolvimento da linguagem desde os seus
primórdios, elucidando que “tema” é a substância oriunda da aglutinação arbitrária de
várias “significações”. Somente a partir do produto final de várias “significações”
organizadas é que se pode chegar a um tema: a significação estaria para o termo do
mesmo modo que o tema estaria para a somatória, caso fizéssemos a analogia com uma
operação somatória matemática.
Para Bakhtin, o que houve, ao longo dos anos, foi um desenvolvimento do
potencial lingüístico do mais simples para o mais complexo, de uma posição de
significação aglutinadora dos primeiros signos, podendo um único vocábulo expressar
uma idéia complexa (o que nos lembra, de relativo modo, o exemplo do ideograma ou
do desenho-esquema), para uma posição mais complexa, em que seria necessário o
desenvolvimento de um sintagma complexo para se chegar a uma totalidade da idéia a
ser transmitida.
Outro ponto tratado por Bakhtin no texto em questão é o da apreciação social,
que está sempre impregnada de juízos de valor acumulados no decorrer da trajetória
cultural de uma comunidade: ao tratar desse assunto, Bakhtin, dialeticamente, põe em
relação indivíduo e comunidade, pois, mesmo tendo sido social e ideologicamente
condicionado, um indivíduo é sempre refratário da ideologia que o plasmou: no nível
individual, a ideologia funciona de modo não-absoluto, manifestando-se de modo
relativamente distorcido.
Ao explicar como se torna possível a comunicação humana em casos de situação
imediata, o veterano pensador soviético aponta para a “entoação expressiva”. Seria na
variação da tonalidade da expressão que se poderia entender de modos diversos a
mesma enunciação sem prejuízo no processo comunicativo. Para ilustrar tal tese, utiliza
uma passagem da obra “Diário de um escritor”, de Dostoievski, em que seis operários
usam a mesma palavra, com sentidos diferentes, mas chegam à compreensão de um
conteúdo expressivo situacional comum.

A mesma passagem da obra de Dostoievski é utilizada por Vigotski, porém, para


fim um pouco diverso, uma vez que a finalidade do texto “Palavra e pensamento” é
outra: no assunto em questão quando utiliza o mesmo exemplo de Bakhtin, o que o
jovem pensador soviético trata é da supressão de um sujeito comum em um diálogo ou
em uma situação enunciativa. E isso só é possível quando o assunto em questão é de
conhecimento de ambas as partes. Os pesquisadores aproximam-se, mas não de modo
absoluto.
Para chegar a tal ponto em suas reflexões, Vigotski parte da noção do
desenvolvimento lingüístico e de pensamento nas crianças em fase pré-escolar
(momento em que as crianças iniciam-se no processo de assimilação do universo
simbólico dos adultos).
Partindo-se da reflexão vigotskiana, podemos dizer que a relação entre
linguagem e pensamento nas crianças, apesar de ser difícil localizar o momento preciso,
dá-se através da fala monológica.
Essa fala evoluiria até o momento em que desaparece. Entretanto, esse
desaparecimento não seria sua extinção. Seria, pelo contrário, o ápice de seu
desenvolvimento, momento em que não precisaria ser expressa pela voz e seria
assimilada como elemento estruturante do pensamento e a linguagem passaria de
expressividade em blocos para a expressividade em sintagmas.
Um dado interessante que pode ser abstraído de tais reflexões é: o processo de
desenvolvimento lingüístico e intelectivo da criança é análogo ao do homem primitivo:
o complexo processo de assimilação da linguagem e do pensamento que o ser humano
ocidental demorou milhares de anos para desenvolver, em uma criança demora, em
média, apenas alguns meses.

Dessarte, embora utilizem o mesmo método (dialética), aplicado ao mesmo


objeto (linguagem), Vigotski e Bakhtin chegam a resultados relativamente díspares,
visto que primam por perspectivas diferentes: um observa o desenvolvimento da
linguagem na sua relação com a ordem dos fatos históricos e sociais até chegar a um
ponto de análise sincrônica que lhe permita a compreensão da não dispersão total de
sentidos em situações enunciativas concretas; o outro observa o desenvolvimento da
linguagem na sua relação com o desenvolvimento do pensamento na relação indivíduo-
sociedade, portanto, a diacronia é limitada aos poucos meses da idade infantil do ser
humano. De todo modo, tais estudos atestam a validez do método dialético de estudos e
aquisição de conhecimento, comprovando a eficiência dos caminhos iniciados por
Hegel e desenvolvidos por Marx.
Referências bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais


do método sociológico da linguagem. 122. ed. São Paulo: Hucitec, 2006. pp. 133-141.

BROHM, Jean-Marie. O que é a dialéctica. Lisboa: Antídoto, 1979.

KONDER, Leandro. O que é dialética. 24. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.

VIGOTSKI, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes,


1993. pp 103-132.

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