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Maria do Pilar de Araújo Vieira
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Maria do Rosário da .Cunha Peixoto
Evoluçlo humana .
Celso Piedemonte de L ima
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J:Ci,,..; Yara Maria Aun
Neologismo -
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· Crla9lo laxlcal
Ieda Maria Alves
Khoury
-192 Amazânla
Bertha K. Becker
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1_ fntroduçto ao maneirismo
e à prosa barroca
( Segismundo Spina e Morris
W. Croll
APESQU,ISA
'200 ·Aristocratas versus
burguesas? -
A Revoluçilo Francesa
T. C. W. Blanning
�01 O Tratado de Veraalhes
Ruth Henig
202 Jung
EMHISTORIA
Gustavo Barcellos
-203 A geografia Ungfllatlca no
Brasil
Silvia FigL•eiredo Brandilo
204 A Ravoluçllo
Norte-Americana
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M. J. Heale
206 As origens da Ravoklçlo
CEUD I•
{BIBLIOTECA-
Rusae
Alan Wood
206 Coeallo e coerllncle textuais
Leonor Lopes Fávero
207 Como analisar narrativas
Cêndida Vilares Gancho
· 208 lnconfldlncla Mineira
Cêndida Vilares Gancho
Vera Vi!hena 3.' edição
209 O sistema colonial
Y ·: José Roberto Amaral Lapa
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A unlflcaçllo de ltêlls
John Gooch
'211 A posae da tarra
EDITORA AFILIADA
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Cândida Vilares Ganc
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.Helena Queiroz F. Lope
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Direção
Benjamin Abdala Junior
Samira Youssef Campedelli '
Preparação de texto
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lvany Picasse Batista
Coordenação gráfica
René E. Ardanuy
Coordenação de composição
(Produção/Paginação em video)
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Neide Hiromi Toyota
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Capa
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Walter BenJamin
São Paulo ISP)
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Sumário
1. Introdução 7
3. Os passos da pesquisa 29
Escolha e definição do tema - quem escolhe quem? _ 30
Investigação como resposta a inquietações
acadêmicas 31
Investigação como resposta a questões colocadas
pela própria experiência 33
Delimitação progressiva do tema 34
Redefinição do tema 36
Problematização - muitas histórias · 37
Problematizar incorporando a experiência ___ 38
A formulação da hipótese precedendo o trabalho
empírico _
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História como campo de possibilidades ___ 43
1
Diálogo entre teoria e evidências: a história como
construção 44
Seleção das evidências da experiência 45
Importância das fontes na problematização __ 46
"Produto final" - uma produção sempre em
. andamento 50 Introdução
Teoria e prática: mútua determinação 52
Um entendimento e uso da técnica 53
I
investigador atribui ao processo histórico. O pesquisador,
gral e socialmente, o conceito de política se amplia sendo de pensando assim a história, se depara com o desconhecido e
. finido como todo um espaço da luta. Nesse sentido o campo o inesperado; por isso o instrumental yom.que vai trabalhar
da política ultrapassa o âmbito estritamente institucional, os ajuda-o muito mais a perguntar do que a responder. Quere
limites da presença e da ação do Estado, para se colocar na mos assim dizer que o processo de investigação não cabe em
multiplicidade de formas de poder contidas nas estratégias esquemas prévios, e as categorias que servem de apoio ao tra
de controle e de subordinação no social. balho serão construídas no caminho da investigação.
A organização do controle social e das alternativas que Priorizar categorias fixas, abstratas, instituídas, pura
a ele se opõem não se estabelece de um momento para outro, mente analíticas, em detrimento do processo real significa per
mas se constitui em projetos historicamente vivenciados em der de vista os processos constitutivos desse real.
experimentações que têm a ver com a correlação de forças Todo conceito é histórico, constituído, em determina
de cada situação, e significa sempre uma imposição de von do momento do processo histórico, por homens reais, con
tades sobre projetos alternativos pois, ainda que perdedores, cretos, com interesses, valores também reais, concretos.
exprimem vontades, visões e perspectivas do real. Em suma, não adianta discutir a pertinência ou não, as
Se a dominação permeia o conjunto da vida social, a re propriedades, á natureza dessas categorias, mas restabelecer
sistência está aí igualmente presente, não apenas de forma o sentido histórico de processos reais. Dessa forma não dá
organizada, mas também sob formas "surdas", "implícitas". mais para falar em "condições objetivas" como condições
Daí a importância que adquire a maneira como a população externas, independentes da vontade humana, significando aí
organiza seu divertimento, suas festividades, suas formas de forças que não se podem controlar ou delas escapar. Isso con
representar a luta do cotidiano, que certamente se articulam duziria a um conceito de objetividade abstrata e daria mar
com formas literárias, com a música, a poesia, as práticas gem para uma visão mecanicista de história.
religiosas etc. O poder e a dominação não se localizam ape Essa forma abstrata de pensar as "condições objetivas"
nas no aparelho de Estado ou no nível do econômico, mas implica pensar o real como sendo constituído por níveis, ou
existe todo um processo de disciplinarização necessária da po elementos isolados: uma base, uma infra-estrutura determi
pulação, que permeia toda a atividade social, desde o traba nante e uma superestrutura determinada por esta, níveis, re
lho, escola, família, até as formas aparentemente mais ingê giões da prática social. Nessa linha de raciocínio a palavra
nuas de lazer. determinante indicaria a existência de leis externas ao homem,
Ao pensar história e cultura dessa forma, não dá para independentes de sua vontade e que portanto não podem ser
incorporar os chamados "novos·objetos" da pesquisa histó ,.. controladas, alteradas, inventadas. Nesse caso interessaria ao
rica de uma forma antiga; isto implica redefinir todo o siste pesquisador conhecer bem essas leis no sentido de explicar
ma de conceitos com que nós profissionais de história vimos a realidade.
trabalhando. Se, em contrapartida, pensarmos que os homens modi
A complexidade do real abre para o pesquisador um ficam o processo social e são por ele modificados, não fala
campo muito vasto de possibilidades de investigação. Isso por remos em leis determinantes, mas em pressões exercidas pe-
que entendemos que os papéis sociais são improvisados e
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tígios e registros que aparecem também sob as mais variadas
13
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· formas como escritos, objetos, palavras, música, literatura,
pintura, arquitetura, fotografia.
Muitas formas de registro da atividade humana foram, du
rante muito tempo, desprezadas devido'a uma postura que não
O documento - atos tinha como significativas para a história aquelas manifestações.
O termo registro se refere a uma variedade muito gran
·e testemunhos da história de de manifestações do ser humano que evidencia a amplia
ção do foco de atenção do historiador interessado em recu
perar a trajetória dos homens vivendo as várias dimensões
do social.
Entretanto nem sempre foi assim.
A história humana não se desenrola apenas nos Objetividade: o documento escrito fala
campos de batalha e nos gabinetes presiden por si mesmo
ciais. Ela se desenrola também nos quintais en
tre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios,
nas casas de jOgos, nos prostrbulos, nos colé Quando a história recebeu o estatuto de ciência, o que se
gios, nas usinas, nos nB.moros de esquinas. deu com a escola positivista em fins do século XIX, o registro
Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa maté privilegiado pelo historiador era o documento escrito, sobretu
ria humilde e humilhada, dessa vida obscura e in·
do o oficial. Esse documento assumia o peso de prova históri
juStiçada, po'rque o canto não pode ser Urria trai·
ção à vida, e só é justo cantar s� o nosso Canto ca e a objetividade era garantida pela fidelidade ao mesmo.
arrasta as pessoas e as coisas que não têm voz. Essa forma de encarar o registro e de designá-lo pelo no
Ferreira Gullar me de documento tem uma história.
A valorização do documento como garantia da objeti
Não só ao poeta, mas também a historiadores incumbe vidade, tão presente entre os positivistas, exclui a noção de
recuperar lágrimas e risos, desilusões e esperanças,.fracassos intencionalidade contida na ação estudada e na ação do his
e vitórias, fruto de como os sujeitos viveram e pensaram sua toriador e foi sendo construída historicamente.
própria existência, forjando saídas na sobrevivência, gozan A palavra documento com o sentido de prova jurídica,
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do as alegrias da solidariedade ou sucumbindo ao peso de for que conserva até hoje, já era usada pelos romanos, tendo si
ças adversas. do retomada na Europa Ocidental no século XVII.
Essa experiê!J.cia se manisfesta sob as mais variadas for Os positivistas, ao se apropriarem da palavra, conservam
mas, como valores, como imagens, como sentimentos, co lhe o sentido de prova, não mais jurídica, mas científica.
mo arte, como crença, como trabalho, como tradição. Essas O próprio fato de atribuir a palavra documento aos tes
màrufestaçõestornam-se objeto do historiador através• de ves- temunhos históricos denota uma concepção de história que
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vantes que se impõem por si mesmos ao conhecimento do his pende do homem, serve o homem, exprime o homem, de
toriador. Em decorrência, só consideravam relevantes para a monstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de
ser do homem''. 4
história aquilo que estava documentado e daí a importância dos
· Nesse caso, ao documento escrito incorporam-se outros
fatos da política institucional: atos do governo, atuação de gran
des personalídades, questões de política internacional etc. de natureza diversa, tais como objetos, signos, paisagens etc.
A única habilidade do historiador consistiria em tirar dos A relação do historiador com o documento também se mo
documentos tudo o que eles continham e em não lhes acres difica. O documento já não fala por si mesmo mas necessita
centar nada do que eles não continham. O melhor historia de perguntas adequadas. A intencionalidade já passa a ser
dor seria aquele capaz de manter-se o mais próximo possível ,, alvo de preocupação por parte do historiador, num duplo sen
dos textos, despojando-se de "idéias preconceituosas". Em tido: a intenção do agente histórico presente no documento
resumo o documento falaria por si só. e a intenção do pesquisador ao se acercar desse documento.
Como decorrência desse modo de pensar a história e o Dessa maneira, a partir de interesses precisos no presen
documento surgiu a preocupação de verificar a autenticida te, o historiador escolhe os materiais (documentos) com os
de ou não dos documentos. quais irá trabalhar e formula as perguntas que lhe parecem
Nessa linha de raciocínio, outros tipos de registro, tais pertinentes. Nessa prática, progressivamente, o ponto de par
como cerâmicas, moedas, fragmentos de tecidos, utensílios, tida da investigação passa do documento para o problema.
armas, instrumentos musicais, detritos humanos, paisagem,
só eram valorizados para se fazer uma história setorizada,
como história da arte, do vestuário, dos costumes, da músi O método como garantia de objetividade:
ca etc., ou na impossibilidade dé se trabalhar.com documen documento como ilustração
tos escritos oficiais. Neste caso a história somava aos seus
estudos os estudos realizados paralelamente, pelas chamadas Tanto os ''Annales'' como outras tendências, por valo
ciências auxiliares da história, tais como arqueologia, paleo rizarem a história como ciência, acabaram desenvolvendo,
grafia, numismática etc., o que pressupunha um significati ainda que diferentemente, formas de abordagem do conhe
vo grau de erudição por parte do historiador. cimento histórico excessivamente apoiadas em esquemas ex
Essa postura positivista teve e tem vários críticos, alguns plicativos. Algumas correntes marxistas, por exemplo, ao ge
contemporâneos, outros não. neralizarem para qualquer tempo e lugar as análises de Marx
sobre conjunturas determinadas, acabam fossilizando suas
palavras. Em decorrência disso a idéia de necessidade histó
Amplia-se a noção de documento rica inscrita nos fatos aparece como elemento-chave no es-
quema explicativo. Dentro desse esquema, a própria ação dos conceituar a violência, vai colocar em pé de igualdade a vio
sujeitos históricos (classes) aparece em plano secundário em lência do grevista com a da repressão, quando, na realidade,
relação às determinações estruturais que são os elementos con o critério deveria ser o da legitimidade da violência, segundo
dicionantes dessa ação. Essas determinações estruturais são diferentes posições na experiência social. A partir daí torna
identificadas como a organização da produção entendida se se possível perceber que cada uma dessas violências tem uma
paradamente de outras manifestações (idéias, emoções, va natureza diferente. Ou por outra, se ô critério é jurídico, to
lores, sentimentos etc.) tidas como decorrentes dessa. da quebra da ordem é ilegal; nesse caso a violência da polícia
Associada a essa perspectiva, a objetividade do conhe é legítima, porque mantém a ordem e até perde sua caracte
cimento histórico é garantida pelo método. Nesse caso a in rística de violência e a violência que quebra essa ordem, co
tencionalidade do pesquisador entra na definição do tema, mo saques, invasões de terras etc., é ilegítima. Se o critério
na seleção dos documentos, mas principalmente na escolha é de considerar a violência toda vez que se prive alguém do
do método, responsável pela cientificidade do seu trabalho. seu papel de sujeito, toda forma de dominação passa a ser
}'or outro lado, a intencionalidade dos sujeitos históricos fi
·ca relegada a segundo plano e nesse caso o documento é usa
·I· violência, desde o machismo, o autoritarismo familiar, até
a violência legal, inclusive a da polícia. Vista por esse prisma
do como ilustração da vontade e competência do pesquisador. I
I· a ambigüidade conceitual da questão da violência desapare
ce e nem comporta quantificação.
A técnica em destaque
Documento como expressão da
Um procedimento comum entre os historiadores, sobre experiência humana
tudo a partir da década de 60, coloca na técnica o critério
de objetividade da construção histórica. Muitas vezes pen Nas últimas décadas, se tenta pensar a história ainda que
sando a história como progresso e o progresso em relação di com muitas dessas referências mas fora de esquemas e orto
reta com o avanço tecnológico, desenvolver qualquer tipo de doxias, e se adota uma concepção de história que leva em con
ciência, inclusive a história, é criar e incorporar técnicas que ta toda a experiência humana a que não é alheio o historia-
garantam um bom trabalho de interpretação. Daí decorre o
·
tos que dêem conta dessa relação, desenvolvendo práticas es É um objeto privilegiado para alcançar mudanças não ape
pecíficas. Por exemplo, procedimentos de análise de discur nas registradas pela literatura, mas, principalmente, mudan
so literário, de imagens, sons, procedimentos para recolhi ças que se transformaram em literatura pois, mais do que dar
mento de depoimentos etc. um testemunho, ela revelará momentos de tensão. 10 Ela po
Nesta linha de raciocínio uma questão que se coloca pa de expressar possíveis não realizados. Oferece uma avaliação
ra o historiador é observar quem produz uma dada lingua do real na medida em que tem uma visão problemática da
gem, para quem produz, como a produz e quem a domina. realidade. Nessa avaliação acaba selecionando a existência de
Tudo isso coloca a questão da luta pelo direito à expressão elementos que obstaculizam a realização das propostas e ele
e da luta dos dominados pelo direito de se apresentar na ce mentos que ajudam.
na histórica como sujeitos. Daí decorre para o historiador Da mesma forma, a música, a pintura, a charge, a TV,
a necessidade de não ver a linguagem como neutra ou "des a foto, o cinema estão carregados de propostas, questiona
politizada", mas pensada "dependendo de um mercado, ga mentos, tensões, acomodações; os agentes, através das lin
rantindo certas modalidades de relações sociais e colaboran guagens que lhe são próprias, criticam, endossam, propõem,
do na constituição de certa memória". 9 enfim se rebelam ou se submetem.
Pensar separadamente história/linguagem levaria a si
tuar separadamente história, linguagem, ideologia, poder, tra
balho etc. Linguagens: desafio para o historiador?
Ao trabalhar com outras linguagens, é preciso colocá
las como elementos constitutivos da realidade social. O fato de querer trazer para o trabalho do historiador
A identidade social não é anterior às linguagens pois es toda a diversidade de manifestações das relações humanas traz
tas são partes constitutivas daquela. Isto porque, não ape duas ordens de dificuldades:
nas expressam e espelham o social, mas a identidade social A primeira delas é a própria tradição historiográfica que
é construída também pelas linguagens. dificulta a incorporação dessas outras linguagens ao trabalho
Nesse sentido, quando o historiador incorpora a litera do historiador, como expressão de relações sociais. É uma ques
tura, por exemplo, como- material, ele não vai fazer uma re tão conceitual, na medida em que passa por abrir mão de no
flexão sobre o autor e sua obra e sua posterior inserção no ções já cristalizadas na historiografia, do privilégio do que é
ambiente social e histórico, como em geral nas histórias da verbal e escrito, por exemplo a separação entre infra-estrutura
literatura. É porque se pensa a obra literária como parte in e superestrutura; separação entre classe e consciência de classe;
tegrante do social que não se pode encará-la como reflexo dominação como algo circunscrito ao aparelho de Estado, ou
da vida do autor. E o autor e sua obra inseridos num contex emanando desse Estado e não perpassando o todo social. Trata
to construído a priori. se de pensar numa nova relação entre o particular e o todo.
A literatura, dessa forma, expressa relações sociais pro Outra está em o historiador sentir-se despreparado para
postas e, ao mesmo tempo, modela formas de agir e pensar. lidar com elas. O despreparo é o próprio desconhecirnen-
9 Cf. SILVA, Marcos A. O trabalho da linguagem. Revista Brasileira de His 1° Cf. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. São Paulo, Brasiliense,
tória, p. 45 a 61, especialmente p. 51. V. Bibliografia comentada. 1984. Introdução.
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;·,, Como observa Maria Stella Bresciani, ao trabalhar a ci
to do objeto, enquanto caminho a ser percorrido, e não a falta
dade na literatura inglesa e francesa do século XIX, os auto
de conhecimento de técnicas universais capazes de dar conta
res vão usar metáforas da natureza, na medida em que o ur,
da dimensão própria de cada linguagem, enquanto elementos
e conceitÓs abstratos. Não dá para separar a produção de uma <i bano não tinha condições de oferecer as imagens para pen
sar e representar a si próprio. Exemplos: "ondas de passan
l lDgÚagem das condições históricas em que foi produzida. Nes
tes", "mar tumultuoso de cabeças" êtc.
se sentido; o pesquisador, em vez de estar preocupado em ado '!
' No caso das imagens, na fotografia, no filme documen
tàr esta ou aquela técuica "própria" para desvendar esta ou . ;�.
tário por exemplo, o pesquisador tende a identificar esses re
aquela linguagem, deve e8tar criando procedimentos que dêem .f
, gistros com o real, não os pensando como construção.
conta de desvendar o lugar social onde foi produzida, procu I•
� A imagem por si não recupera a realidade. O que ela
rando responder à questão por que as coisas estão representa
das de uma determinada maneira, antes de se preocupar em
� faz é trazer para sua mente associações de imagens. Em rea
lidade o enquadramento da foto e do filme corresponde ao
responder o que está representado.
recorte oferecido pelo documento. Daí ser importante anali
Dentro dessa perspectiva cai por terra o argumento de que
� sar, examinar os planos das fotos (ou dos filmes) e entender
o pesquisador, para dar conta de recuperar um objeto de estu ;'.\
'· o porquê de um tal enquadramento e não outro. Da mesma
do que se expressa através da linguagem literária por exemplo, ��
forma, ter em mente que há sempre um campo conceitual me
deva dominar conhecimentos de lingüística, semiótica. Não resta
dúvida de que tais conhecimentos podem auxiliar na pesquisa, i: diando a relação espectador-fotógrafo, por exemplo.
O pesquisador em seu trabalho, portanto, deverá se preo
mas se o historiador não extrapolar esse campo de reflexão, pro
cupar em alcançar o fotografado e o fotógrafo através da foto.
!;
êur,ando desvendar de que se fala, como se fala, de onde se fa
Por exemplo, um pesquisador, estudando o carnaval
la etc., e para isso estar criando procedimentos capazes de dar
;_; através de fotos, só conseguiu identificar algumas bastante
conta dessa realidade, estar fazendo relações, a investigação será
antigas como fotos carnavalescas a partir das legendas dos
superficial ou inadequada.
jornais e revistas que as publicaram. Isto porque essas fotos
>' não continham nenhum dos elementos que coincidissem com
as representações que o pesquisador faz do carnaval (confe
Dimensão própria de cada linguagem
te, serpentina, fantasia, máscara). Com isso queremos dizer
É preciso não perder a dimensão própria de cada lin da importância do campo conceitual comum aos agentes so
guagem. No caso específico da literatura, é preciso estar aten ciais, entendidos enquanto pesquisador, carnavalescos e fo
to às metáforas, imagens etc., pois os recursos da linguagem tógrafo, para a compreensão do objeto.
O pesquisador tem que estar atento ao modo como a lin
são recursos históricos.
Esses recursos se formulam dentro de um campo con guagem foi produzida tentando responder por que as coisas es
ceitual que não é apenas filosófico, mas que é também histó tão representadas de uma determinada maneira, antes de se per
rico; ou seja, está sendo forjado continuamente: são doutri guntar o que está representado. Isto porque a eficácia de um
nas, conceitos que se elaboram pela experiência de viver de filme não está propriamente nas informações que passa, mas
cada época e de seus grupos sociais. principalmente nas operações efetuadas por sua linguagem.
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cial, deve-se fazê-lo como expectativa, como uma maneira
de encantinhar a investigação. O que se deve ter como pres
suposto é que a classe vive uma relação antagônica que se
expressa em situações de exploração e de dominação em to
das as dimensões do social. A explicação de como isso se rea Os passos da pesquisa
liza só poderá surgir do diálogo entre o pesquisador que pensa
a classe de uma dada forma e as evidências da classe em es
tudo. Nesse sentido é importante recuperar como essa classe
pensou a si própria e o seu momento, como a contradição
foi vivida.
No diálogo, os resultados obtidos pelo pesquisador
levam-no a fazer novas perguntas e/ou buscar novas evidên
cias. Ou seja, a problematização do objeto se configura no
transcorrer da pesquisa. Articular o passado historicamente não signifi
ca conhecê-lo, "tal como ele propriamente foi".
Significa apoderar-se de uma lembrança tal qual
ela cintilou no Instante de um perigo. (...) O pe.
A preservação dos registros da experiência rigo ameaça, tanto o conteúdo dado da tradição
·
humana: um trabalho a ser feito
·
como aqueles que a recebem. Para ambos é um
só e mesmo perigo: deixar-se transformar em
instrumento da classe dominante. (...) Ora, do
Porque para o historiador vem se colocando o recurso minantes do momento são os herdeiro� de to
a novas linguagens e, portanto, a novas formas de registro, dos aqueles que uma vez venceram.
Walter Benjamin
também se coloca a questão de como preservá-los, indexá
los, referenciá-los, divulgá-los para aumentar o intercâmbio,
para democratização desses mesmos registros, muitos deles A história deve ser pensada no duplo sentido do termo:
tendo permanecido inatingíveis por muito tempo. como experiência humana e como sua própria narração, in
Esta é uma questão que vem preocupando parte dos his terpretação e projeção.
toriadores, sobretudo aqueles que vêm realizando pesquisas Essa experiência humana não se modifica enquanto pas
ou desempenhando funções junto a arquivos, museus, cen sado. O que se modifica é a investigação sobre ela, de acordo
tros de documentação e aqueles que vêm procurando maio com as problemáticas que o investigador se coloca no presen
res recursos para o trabalho de magistério em história. te, que envolvem sua própria experiência de vida e as concep
É importante também lembrar que os registros da expe ções das quais parte. Essa subjetividade está presente no traba
riência humana não estão só nesses arquivos, museus e cen lho do historiador, independentemente de ele se dar conta ou
tros mas estão por toda parte, ao alcance de todos. não, influindo na compreensão dos nexos e das relações sociais
imbricadas nas formas de expressão da atividade humana.
30
caso, o que buscam é uma maior quantidade de dados que De Decca, pensando a Revolução de 1930 como expres
completem um conhecimento histórico "objetivo", "verda são de um projeto vencedor e a história como campo de pos
deiro", que já estaria à disposição. sibilidades, se propõe a desvendar o processo de constitui
Esses pesquisadores são levados, comumente, a definir ção do tema revolução e do marco 1930 pela recuperação das
seu objeto de estudo a partir de marcos e temas cristalizados propostas em jogo naquele momento: Nesse caso, o marco
pela memória, quer esta apareça como historiografia erudita e o tema aparecem como construção e como representação
ou como tradição num sentido geral. da fala do poder e não como elementos referenciais para a
Nessa perspectiva, não questionando a razão nem o pro construção do objeto.
cesso de constituição desses marcos e temas, contribui para Ainda no primeiro caso, outros se interessam por apro
perpetuar as relações de poder que estão na base daqueles te fundar debates e questões suscitadas pelo curso, considera
mas e daqueles marcos. das importantes para responder a inquietações que lhe são
Tais temas já trazem consigo uma relação de poder, uma colocadas hoje pelo social. Nesse caso, o que direciona seu
carga de significados, que lhe foram atribuídos pelos atores trabalho é uma problemática e não o preenchimento de lacu
no exercício de sua prática política. Trazem também um aval nas. Um exemplo disso: o curso, ao tratar da abolição, sus
da própria historiografia que a endossa. Dessa forma tais te citou em al_guns alunos o interesse em perceber o tratamento
mas são suportes de práticas concretas, com interesses con dado à questão racial por diferentes agentes sociais. Embora
cretos, detectáveis, mas que aparecem sob a chancela da ob a investigação tenha se situado no início do século, o que es
jetividade, que escamoteia o lugar de onde a historiografia fala. tava colocado para eles não era o conhecimento abstrato de
Nesse caso, o pesquisador deveria desvendar as próprias um tema do passado mas o como essa questão se apresentou
e como se apresenta hoje na sociedade em que vivem.
condições de produção daquele tema enquanto discurso de po
der, as condições históricas de produção do discurso acadê
Investigação como resposta a questões
mico e as condições históricas de seu próprio discurso. Essa
colocadas pela própria experiência
tarefa deve ser assumida pela aprendizagem escolar da história.
Um exemplo disso é a produção historiográfica em tor
No segundo caso, quando priorizam responder a questões
no da "Revolução de 1930", conforme nos mostra Edgar de
colocadas pela própria experiência, demonstram interesse em
Decca. 11 Apontando para aqueles que pretenderam realizar
dar respostas a questões levantadas em sua atividade profissio
um estudo crítico a respeito ''desse evento'', faz notar que não
nal, militância política ou problemas colocados pelo cotidiano.
conseguem mover-se fora do campo construído pelo poder;
A cada ano, um número maior de alunos se interessa pelas ques
não questionam 1930 como marco divisor, nem o tema revo tões do ensino, por movimentos sociais, pelos setores margina
lução. Não percebem que esse marco foi construído pelo pró lizados da população - negro, mulher, menor etc.
prio poder com o objetivo de dizer como o processo deveria Cabe notar que muitos pesquisadores, embora motiva
ser lido, silenciando todas as outras propostas. dos a trabalhar temas considerados relevantes e até mesmo
de interesse imediato para a sociedade, correm o risco de dar
11 DECCA, Edgar de. 1930, o silêncio dos vencidos. São Paulo, Brasiliense, um tratamento muito ascético a esse tema, esvaziando-o de
19&1. seu conteúdo social e político.
r-
34 35
Isto acontece quando a problematização é feita a partir cia tem mostrado que esta delimitação tem se dado de for
da bibliografia e da reflexão teórica, excluindo ou minimizan mas diferentes e por motivos diferentes.
do as fontes enquanto registros dos atores em questão. Ocorre Um exemplo disso pode ser evidenciado numa pesquisa
também porque esse procedimento traz implícita a valorização - realizada por aluno de graduação na disciplina Pesquisa
da teoria capaz de. conduzir ao conhecimento e capaz de ga Histórica, em 1 984, na PUC-SP - que se propunha buscar
rantir o padrão científico, a objetividade. Nesse caso a histo elementos que possibilitassem o posterior entendimento dó
riografia é vista como o próprio real, ou expressão do real. projeto nacional-populista e sua falência em 1964, através do
Suponhamos que um pesquisador esteja interessado em estudo do Segundo Reinado até a Proclamação da Repúbli
estudar a questão da terra no Brasil a partir da década de ca. Pela formulação da proposta fica evidenciado que a na
60, por considerá-la uma questão atual, uma problemática tureza do processo em estudo já estava definida e rotulada
retirada do social, da experiência e que se coloca para a so como nacional-populista. O pesquisador já partia do deter
ciedade. Se problematizada apenas a partir da bibliografia minado em vez de uma indagação; já tinha, dessa forma, o
e da reflexão teórica perde sua força de ação e questionamen ponto de partida e o de chegada da pesquisa. Por isso, para
to, pois os vários sujeitos do passado envolvidos naquela ques entender 1964, sentiu a necessidade de buscar a origem desse
tão não são ouvidos ou levados em conta, uma vez que os nacional-populismo (numa visão linear da história). Ao buscá
saberes produzidos no próprio embate são ignorados. A pro la estava procurando os elementos constitutivos desse fenô
blemática deve surgir de uma relação íntima entre o sujeito meno e, de certa forma, as razões de sua falência.
que pesquisa e o objeto pesquisado e, através dele, com os A periodização também já estava estabelecida; a falên
sujeitos sociais que experimentaram a questão da terra, seja, cia situada em 64, o tempo obscuro (a origem) que o pesqui
por exemplo, pela reivindicação da reforma agrária, Ol! por sador procurava compreender localizado entre o Segundo Rei
sua recusa. Nesse caso, os diferentes registros - legislação, nado e a Proclamação da República. Nesse caso o tempo de
escrituras, cordel - deixados pelos agentes sociais - pro
vigência do projeto nacional-populista estava mais ou menos
prietários, posseiros, movimentos organizados etc. - parti
ciparão da formulação da problemática. É preciso pensar es
circunscrito entre a Proclamação da República e 1 964 (pro
vavelmente a partir de 1 930). O referencial para a escolha do
ses registros não como o real, mas como parte do real, pro
tema, a problematização e a periodização, estava na biblio
duzidos segundo determinados interesses e valores. Por aí o
pesquisador estará tentando perceber qual a problemática que grafia sobre populismo.
estava em jogo, não impondo uma problematização a partir A amplitude do tema não vinha também de uma possí
de critérios externos, percebendo a intersecção de vários tem vel complexidade do mesmo, mas exclusivamente da postura
pos simultâneos na construção desse objeto ao qual estão li teórica do pesquisador. Por entender "a história em linha de
gados tanto os sujeitos do presente - inclusive o pesquisa evolução e movimento em que se encadeiam origem-matu
dor - quanto os do passado. ração-superação", o pesquisador ordenou os fatos segundo
um princípio de causação linear. (Ordenação de fatos seleti
Delimitação progressiva do tema
va, numa linha de sucessão. Tudo o mais que não cabe nessa
linha é desprezado.)
Alguns temas propostos, inicialmente de forma muito A explicação era dada ao nível da teoria. Propunha-se
ampla, vão sendo progressivamente delimitados. A experiên- a explicar o tema a partir de uma relação determinável entre
r'' "
;
36 37
o sistema capitalista e o regime político. Esta relação existi nhecimento da existência de uma Confederação Sindicalista
ria, cabendo ao pesquisador desvendá-la. Cooperativista Brasileira, sem registros na historiografia. A
O fato de problematizar, a partir da historiografia, já indicação apontava para o fato de que essa Confederação teria
reflete uma posição teórica que não questiona o modo de se franqueado ao PC a página do jornal O Paiz. Buscando o
constituir pela memória e pela historiografia do populismo material do· partido nessa página operária, percebeu que a
como elemento definidor e explicativo desse momento. maior riqueza dela não estava nos artigos do PC, mas nos
O pesquisador, inicialmente, por considerar a proposta editoriais da Confederação, porque veiculavam uma proposta
utópica pela amplitude e não pela posição metodológica, re de conciliação entre capital e trabalho, que apontava clara
solveu concentrar a pesquisa no discurso parlamentar do Im mente para um projeto de reorganização social em bases cor
pério, buscando a formação do Partido Republicano. Ao en porativas. A partir dessa constatação o pesquisador fez al
contrar dentro do Partido Conservador uma cisão, conside gumas indagações iniciais: por que o silêncio da historiogra
rou que esta fosse um possível indício do que vinha buscan fia a respeito de uma proposta desse tipo, na medida em que
do - a gênese do discurso e da ideologia republicanos. ela só registrava propostas corporativistas vindas de intelec
Ao realizar a pesquisa empírica e a discussão metodoló tuais ligados à classe dominante? Que estran�a aproximação
gica, que o colocava em contato com autores cuja postura seria essa entre o PC e uma Confederação conservadora e um
teórica questionava os pressupostos dos quais partira, redi jornal também conservador? A partir daí houve uma redefi
mensionou seu objeto de trabalho, tendo percebido a com nição do tema que, conseqüentemente, acompanhava uma re
plexidade do social e a dificuldade de explicá-lo pela causa definição da problemática, uma vez que o pesquisador leva
ção linear, única. Percebeu melhor a complexidade do social ra em conta os registros dos atores sociais na prática sindical
e a dificuldade de traçar uma linha reta entre aquela cisão no período que, por alguma razão, caiu no esquecimento.
e a formação do Partido Republicano, porque a formação Essa mudança de tema e reorientação de problemática
desse partido atenderia a fatores muito mais amplos e múlti auxiliavam inclusive um melhor entendimento da prática do
plos e a cisão poderia até ser secundária. PC que, na pesquisa, passava para um segundo plano. Essa
mudança exemplifica bem que escolher e definir o tema se
Redefinição do tema relacionam profundamente com sua problematização.
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sujeitos ativos que problematizaram sua própria existência Esses agentes viveram-no de uma dada forma e estabe�
implica elaborar procedimentos que permitam recupe } leceram relações de uma dada natureza, com determinadas
ranssa problematização colocada pelos agentes do passado, 1f propriedades, que o pesquisador não pode ignorar. Pelo con
I
a partir das questões que o presente coloca ao pesquisador. trário, essas propriedades e o modo como o urbano e o con
Nisto consiste a problematização. I ceito de urbanização se constituíram dão substância às cate
Se o pesquisador tem como objetivo recuperar a proble gorias utilizadas pelo pesquisador.
mática vivida pelos agentes em estudo, necessita acompanhar Esse percurso fica bastante evidenciado até pelo título
o processo de constituições dos atores sobre sua experiência. do trabalho final - "Decifra-me ou devoro-te - o urbano
A problematização é contínua, acompanhando o traba na literatura modernista". O decifra-me ou devoro-te pode
lho todo: é o movimento constante que vai do empírico à teo ter no mínimo dois significados. Para os modernistas signi
ria e vice-versa, demandando a elaboração ou reelaboração fica a cidade se colocando como um problema a ser equacio
de noções, conceitos, categorias de análise, porque tais ele nado. Em se tratando de um momento de expansão urbana,
mentos, por mais abstratos que sejam, surgem de engajamen a cidade se modifica rapidamente, trazendo transformações
tos empíricos e do diálogo com as evidências. nos comportamentos, hábitos de vida, modos de pensar, mu
danças nas concepções estéticas, gerando no homem da épo
Problematizar incorporando a experiência ca uma certa perplexidade e daí o enigma, Para as pesquisa
doras significa a necessidade de decifrar a relação entre
No diálogo, os dados obtidos pelo pesquisador levam urbano-literatura modernista-história.
no a reelaborar os conceitos, as noções, as categorias de .Esse procedimento busca uma interação entre o sujeito
análise. que pesquisa e o objeto pesquisado; entre teoria e prática;
Numa pesquisa também realizada por alunas de Pesquisa entre o pensar e o agir.
Histórica, em 1985, que se propunha recuperar o urbano em
São Paulo pela literatura dos modernistas, ao pensar esse ur A formulação da hipótese precedendo
bano, as pesquisadoras estavam inicialmente projetando pa o trabalho empírico
ra o passado um conceito de urbano contemporâneo a elas, já
muito cristalizado, envolvendo uma relação direta entre ur Mas nem todos pensam assim.
bano e expansão industrial. No transcorrer da pesquisa, no Quando se propõem a investigar um objeto, algumas pes
diálogo com as fontes, se deram conta que essa forma de con soas sentem a necessidade de alguns pontos de apoio que in
figurar o urbano não correspondia às representações que os diquem, com uma certa margem de segurança, os caminhos
modernistas faziam do fenômeno� Nesse caso, partindo de a seguir. Isso ocorre devido a uma herança cientificista que
algo determinado, buscavam na literatura a ilustração daquilo pénsa o método como o elemento fundamental para garantir
que já estava dado. O próprio contato com a literatura leva a objetividade do trabalho do historiador. Essa herança ad
ria à percepção de que a constituição do urbano era um pro vém de toda uma discussão sobre ciência que, em fins do sé
blema a ser recuperado a partir das representações dos agen culo XIX e seu desenvolvimento no XX, influiu na constru
tes qUe o viveràm . ção de uma noção de método em história. E o método então
�
I
41
40
seria visto como "caminho a ser percorrido, demarcado, pertencer a algum sistema científico". Não existe a preocu
do começo ao fim, por fases ou etapas. E, como a pesqui pação com uma problematização contínua.
sa tem por objetivo um problema a ser resolvido, o método Ciro F. Cardoso, por exemplo, parafraseando Marc
serve de guia para o estudo sistemático do enunciado, com Bloch, considera que "as fontes só falam utilmente se sou
preensão e busca de solução do referido problema (... ); não bermos fazer-lhes as perguntas adequadas". Mas "tais per
é outra coisa do que a elaboração, consciente e organiza guntas" - diz ele - "não decorrem das próprias fontes, não
nascem delas, e sim da cultura histórica do pesquisador, da
da, dos diversos procedimentos que nos orientam para reali
sua base teórica, de mil conhecimentos externos àquele do
zar o ato reflexivo, isto é, a operação discursiva de nossa
cumento com que estiver trabalhando no momento". 13
mente". 12
Concordamos que as fontes precisam de perguntas ade
Essa forma de pensar pesquisa científica está muito pre
quadas; só que essa adequação resulta da mútua determi
sente no trabalho dos historiadores. Muitos deles, ao desen
nação do sujeito e do objeto, ou seja, a fonte participa das
volverem uma pesquisa ou discorrerem sobre métodos em his
perguntas que o pesquisador lhe faz.
tória, seguem e/ou recomendam como primeiro passo a lei
Esta diferença fica patente quando Ciro F. Cardoso ex
tura da bibliografia, buscando identificar as lacunas no co
pressa o que para ele é história: "A história é, para nós, uma
nhecimento do objeto, os pontos de fragilidade desse conhe
ciência em construção. Num certo sentido, isto é verdadeiro
cimento; o segundo passo seria tomar conhecimento de to para qualquer ciência: vimos que os cientistas já não buscam
das as posturas teóricas no sentido de escolher ou formular verdades absolutas e eternas. No caso da história, porém,
uma. Dados esses dois passos surgiria o terceiro que é a for
f: além deste sentido geral, queremos dizer com 'ciência em
� mulação de hipóteses sobre o objeto em questão. Só então
é que o pesquisador iria coletar as fontes, para comprovar
construção' que a conquista do seu método científico ainda
não é completa, que os historiadores ainda estão descobrin
ou não as hipóteses previamente formuladas. do os meios de análise adequados ao seu objeto". 1 4
Esta forma de conceber a pesquisa histórica supõe uma Quando diz que as verdades não são absolutas e eter
submissão do pesquisador, tanto aos procedimentos do mé nas, o sentido é de que o conhecimento é cumulativo por
todo como aos recursos da técnica, pois a ênfase recai nos que, na medida em que se aperfeiçoa o modo de conhecer
procedimentos do pesquisador em detrimento de sua relação a realidade, de apreensão do objeto, mais elementos dessa
com o objeto. Nesse caso, a formulação de hipóteses como realidade poderão ser trazidos à tona.
uma das etapas previstas pelo método, ganha relevo podendo Dentro dessa postura, a historiografia representaria es
até se transformar em lei "se confirmada empiricamente e se se acúmulo de conhecimento que está sendo buscado. Daí a
necessidade de se fazer uma análise exaustiva da historiogra
12 fia, antes de abordar o objeto. Por este prisma a obra histo-
Cf. Rums, Franz Victor. Introdução ao projeto da pesquisa científica.
Petrópolis, Vozes, 1978. Afirmações desse gênero são encontradas em uma
série de livros sobre ·pesquisa científica cuja preocupação é dar subsídios para
história. São Paulo, Brasiliense,
a investigação em todas as áreas do conhecimento: CERVO, A. L. & BER 13 CARDOSO, Ciro F. Uma introdução à
VIAN, P. A. Metodologia científico. São Paulo, McGraw-HiJI, 1974; CAs 1981. p. 47.
TRo, C. M. A prática da pesquisa. São Paulo, McGraw-Hill, 1978. 14 Idem, ibidem, p. 43.
42 43
riográfica é vista como o retrato do passado possível até seja, a formulação de hipóteses sucessivas, envolvendo teo
aquele momento. O que se vai tentar perceber é se foi mais ria e foute.
ou menos fiel, daí a necessidade que tem o historiador de Problematizar nesse caso é dar voz aos sujeitos históri
conhecê-la bem, para perceber as lacunas, os pontos que cos. Nesse procedimento o pesquisador interroga os agentes
ainda não foram bem trabalhados ou com os quais não sociais a partir de suas preocupações e de sua postura e se
concorda. deixa interrogar por esses agentes. A partir desse diálogo o
Nesta postura valoriza-se a teoria e técnicas como meios pesquisador vai formular ou reformular seus próprios con
seguros (científicos) de abordar esse passado; por isso o ceitos, verificar que outros agentes deve abordar e, conseqüen
pesquisador vai precisar dos conceitos, das categorias de temente, que registros buscar. Por isso não é possível com
análise. partimentar o processo de investigação em fases estanques.
Na medida em que se acha que o procedimento do his
toriador é que garante a objetividade, a 'teoria, ferramenta
História como campo de possibilidades
por excelência de que o historiador lançará mão para recu
perar seu objeto, ganha um enorme relevo. Daí a preocupa
Em contraposição à idéia de necessidade histórica, com
ção em elaborar conceitos e categorias precisos.
a qual esses historiadores trabalham, vemos a história como
Para os historiadores que trabalham dessa maneira, ana
um campo de possibilidades no qual os sujeitos são atuantes
lisada a historiografia e feita a opção teórico-metodológica,
e portadores de projetos diferenciados.
passa-se à elaboração de hipóteses.
Nesse caso, desvendar as injunções de uma problemáti
Formulada a partir da bibliografia e do arcabouço teó
ca vencida no passado, mas ainda presente hoje, é chamar
rico, a hipótese teria como fim orientar o pesquisador na bus
a si a possibilidade de intervir no presente e no futuro. Isto
ca e descoberta dos fatos e relações que existem entre eles.
"envolve a preocupação com a tarefa crítica de desenvolver
Assim o trabalho com as fontes aparece como uma atividade
um conhecimento histórico que se saiba prática política e en
à parte, apenas ilustrativo de um conhecimento elaborado fo
ra delas. Isso explica o fato de Ciro F. Cardoso afirmar que frente a necessidade de desmontar os discursos que o consti
tuem como lugar da erudição neutra (...)". 15
as perguntas formuladas às fontes o são a partir da ' 'cultura
histórica do pesquisador, da sua base teórica, de mil conhe O que se busca no passado é algo que pode até ter-se
cimentos externos àquele documento com que estiver traba perdido nesse passado, mas que se coloca no presente como
lhando. no momento" . questão não resolvida.
Nessa postura os sujeitos sociais que estão por trás Vendo a história como um campo de possibilidades,
dos registros não têm muito a dizer; essa função cabe mais visualizam-se, em cada momento, diferentes propostas em
ao pesquisador através de seus "mil conhecimentos exter jogo e se uma delas venceu,. venceu não porque tinha de
nos". vencer, mas por uma série de injunções que é preciso des
.Se a fonte participa das perguntas que o pesquisador lhe vendar .
faz, cai por terra a preocupação com a formulação de hipó
teses fechadas prevalecendo a idéia de problematização, ou 15 Cf. SILVA, M. A. Op. cit., p. 52.
42 43
riográfica é vista como o retrato do passado possível até seja, a formulação de hipóteses sucessivas, envolvendo teo
aquele momento. O que se vai tentar perceber é se foi mais ria e fonte.
ou menos fiel, daí a necessidade que tem o historiador de Problematizar nesse caso é dar voz aos sujeitos históri
conhecê-la bem, para perceber as lacunas, os pontos que cos. Nesse procedimento o pesquisador interroga os agentes
ainda não foram bem trabalhados ou com os quais não sociais a partir de suas preocupações e de sua postura e se
concorda. deixa interrogar por esses agentes. A partir desse diálogo o
Nesta postura valoriza-se a teoria e técnicas como meios pesquisador vai formular ou reformular seus próprios con
seguros (científicos) de abordar esse passado; por isso o ceitos, verificar que outros agentes deve abordar e, conseqüen
pesquisador vai precisar dos conceitos, das categorias de temente, que registros buscar. Por isso não é possível com
análise.
partimentar o processo de investigação em fases estanques .
Na medida em que se acha que o procedimento do his
toriador é que garante a objetividade, a ·teoria, ferramenta
História como campo de possibilidades
por excelência de que o historiador lançará mão para recu
perar seu objeto, ganha um enorme relevo. Daí a preocupa
Em contraposição à idéia de necessidade histórica, com
ção em elaborar conceitos e categorias precisos.
a qual esses historiadores trabalham, vemos a história como
Para os historiadores que trabalham dessa maneira, ana
um campo de possibilidades no qual os sujeitos são atuantes
lisada a historiografia e feita a opção teórico-metodológica,
e portadores de projetos diferenciados.
passa-se à elaboração de hipóteses.
Nesse caso, desvendar as injunções de uma problemáti
Formulada a partir da bibliografia e do arcabouço teó
ca vencida no passado, mas ainda presente hoje, é chamar
rico, a hipótese teria como fim orientar o pesquisador na bus
a si a possibilidade de intervir no presente e no futuro. Isto
,,,
ca e descoberta dos fatos e relações que existem entre eles.
"envolve a preocupação com a tarefa crítica de desenvolver
Assim o trabalho com as fontes aparece como uma atividade
à parte, apenas ilustrativo de um conhecimento elaborado fo um conhecimento histórico que se saiba prática política e en
ra delas. Isso explica o fato de Ciro F. Cardoso afirmar que frente a necessidade de desmontar os discursos que o consti
as perguntas formuladas às fontes o são a partir da "cultura tuem como lugar da erudição neutra (. . . )". 15
histórica do pesquisador, da sua base teórica, de mil conhe O que se busca no passado é algo que pode até ter-se
cimentos externos àquele documento com que estiver traba perdido nesse passado, mas que se coloca no presente como
lhando no momento". questão não resolvida.
Nessa postura os sujeitos sociais que estão por trás Vendo a história como um campo de possibilidades,
dos registros não têm muito a dizer; essa função cabe mais visualizam-se, em cada momento, diferentes propostas em
ao pesquisador através de seus "mil conhecimentos exter jogo e se uma delas venceu, · venceu não porque tinha de
nos". vencer, mas por uma série de injunções que é preciso des
Se a fonte participa das perguntas que o pesquisador lhe vendar.
faz, cai por terra a preocupação com a formulação de hipó
teses fechadas prevalecendo a idéia de problematização, ou 15 Cf. SILVA, M. A. Op. cit., p. 52.
44 45
Frente a essas contingências, M . Odila Dias recuperou a sil", 17 levantando as condições de vida e de trabalho da classe
trajetória dessas mulheres através de uma gama variada operária, partia do pressuposto de que o trabalhador não era
de registros tais como Maços de População, Ofícios Diver apenas um fator de produção, mas também um agente so
sos da Capital, Autos-Crimes da Capital, Crimes da Sé, Que cial. Embora pensando assim, ao levantar os dados separa
relas, Escravos, Processos de Divórcio, Devassas e Visitas ram condições de vida e condições de trabalho. Dessa sepa
Pastorais, Atas da Câmara Municipal, Documentos Inte ração resultou o arrolamento de dados "sem lugar" na pes
ressantes para a História e Costumes de S. Paulo, Inventá quisa, classificados como "cotidiano operário".
rios e Testamentos, Coleção Cronológica de Leis Extrava Repensando o objeto de estudo em função das evidên
gantes etc. cias trazidas à luz pelos dados empíricos e de uma proposta
A falta de fontes sobre essas mulheres e a forma co metodológica, qual seja de que as relações sociais de produ
mo foram registradas já é indicativo para o pesquisador da ção não são apenas relações econômicas, mas sociais, políti
problemática vivida por elas. Isso exige uma leitura nas cas, culturais etc., os pesquisadores concluíram que haviam
entrelinhas que ultrapasse a intencionalidade imediata do re separado aquilo que nunca estivera separado. Em outras pa
lavras, pensar o trabalhador como agente social e não apenas
gistro. Trata-se de estar pensando não só o que está sendo
como força de trabalho, remete à "complexidade do todo so
representado, mas por que está sendo representado daquela
cial e às lutas que nele se verificam, imprimindo-lhes a dinâ
forma.
mica,. Dessa forma, a dominação do elemento operário não
No caso de M . Odila Dias, isso só foi possível na medi
ocorre "apenas dentro da fábrica mas também fora dela"; é
da em que rompeu com uma série de ortodoxias. Ainda que
dada na "sociedade como um todo e não apenas neste ou na
utilizando registros dos mais tradicionais no campo de tra
quele lugar' ' . A partir daí o que estava separado passou a fa
balho do historiador, não faz uma leitura economicista, pensa -
zer sentido conjuntamente, inclusive aqueles dados referentes
a dominação permeando o todo social, estuda atividades im ao "cotidiano operário".
provisadas e não institucionalizadas. No segundo caso, o mesmo grupo buscando a relação Es
tado/classes sociais através da legislação, vista como instru
Importância das fontes na problematização mento da intervenção governamental entendida no processo
de Juta de classes, num primeiro momento valorizou dados re
Nesse sentido não dá para fazer a seleção de fontes ferentes à política financeira, impostos, taxas, política fiscal,
depois da problematização, como geralmente recomendam relação empresa/Estado etc.
os manuais. O pesquisador, no encaminhamento da pesqui
·
sa, se depara com registros que funcionam como elemen 17 Projeto desenvolvido no Departamento de História do Instituto de Filoso
to perturbador, ou porque não consegue explicá-los, ou por fia, Letras e Ciências Humanas da Unicamp, sob a coordenação geral de Déa
que questionam linhas importantes de sua reflexão. No pri Ribeiro Fenelon, com a participação de: Antonio Paulo Rezende, Coraly G.
Caetano, Heloísa F. Cruz, João B. Mazziero, José Flávio Oliveira, Kazumi
meiro caso, por exemplo, o grupo que desenvolveu o pro Munakata, M. Alice Ribeiro, M . Antonieta Antonacci, M. Auxiliadora G.
jeto "Fontes para o Estudo da Industrialização no Bra- de Decca, M. Clementina P. Cunha. Veja Revista Brasileira de História, 2
(3), mar. 1982.
49
48
2°
te a partir da teoria e as evidências passam a ter uma função não na Primeira República.
meramente ilustrativa.
FAUSTO, Boris. Revolução de 1930: história e historiografia. 2. ed. São Pau·
lo, Brasiliense, 1972. p. 47.
18 Ibidem, p. 83 a 90.
2 1 DECCA, E. de. Op, cit.
19 DIAS, M. Odila L. S. Op. cit.
50 51
"Produto final" - uma produção Nessa perspectiva trabalhos herméticos só fazem senti
sempre em andamento do numa percepção de conhecimento excludente, que separa
o conhecimento da experiência social.
O trabalho final do historiador também deve aparecer Num determinado procedimento de pesquisa, que am
como um momento da reflexão e não como um produto aca plia o campo da investigação, incorporando as emoções, os
bado; deve reconstituir o próprio percurso da investigação. valores, a experiência, que se expressam por diferentes lin
Ao apresentar o caminho percorrido, trazendo à luz as guagens, é natural que a forma do produto final também se
evidências, o porquê de sua escolha, como foram tratadas, modifique. A escrita, vista por muitos como a expressão mais
o pesquisador está trazendo, ao mesmo tempo, o lugar de on natural e espontânea da comunicação humana, tem sido a
de fala e as implicações metodológicas de seus procedimen linguagem por excelência do historiador.
tos. Nesse caso apresenta um conhecimento sobre o objeto Na medida em que o historiador percebe que pode fa
e não o conhecimento. zer um trabalho usando a música, o desenho, a literatura,
A tradicional maneira de apresentar o trabalho dividi a foto, como fonte e como objeto, deve perceber também que
do em três partes fundamentais - o arcabouço teórico, o con pode fazer uso dessas linguagens enquanto formas de comu
texto histórico e o tema propriamente dito - fica descarta nicação do seu próprio trabalho, pois uma linguagem não
da porque supõe pensar a teoria como uma instrumentação consegue expressar integralmente a outra. Por exemplo, uma
metodológica e técnica que funcione como receita para de linguagem escrita não tem condições de dar conta de toda uma
senvolver a pesquisa e "desenterrar" os dados; porque su carga de significados presente numa entonação de voz, nu
põe a necessidade de construir um contexto histórico para tor ma expressão facial, num jogo de luz e sombras.
nar inteligível o tema da pesquisa. O trabalho final de uma pesquisa realizada por alunos
Em que pese o fato da maioria dos historiadores que tra da graduação em 1985, sobre o festival da música popular
balham dessa forma declararem na introdução de seus tra brasileira de 1967, da rádio e televisão Record, foi apresen
balhos que esta separação é apenas didática, na realidade ela tado sob a forma de um programa de rádio. Esta escolha se
expressa uma forma compartimentada de pensar e construir deu em parte devido às condições dos próprios pesquisado
o objeto e que não poderia deixar de se expressar na apre res que exerciam atividades ligadas ao rádio e em parte devi
sentação final do trabalho. do ao próprio objeto. Em se tratando de um festival de mú
Numa proposta de incorporar o social ao trabalho do sica, apresentar o trabalho sob forma de programa de rádio
historiador e entendendo que esse processo de incorporação permitiu acompanhar melhor o caminho da reflexão feito com
é uma via de mão dupla, ou seja, tem um retorno para o so a música e não apenas com a letra. Por outro lado, como
cial, o produto final desse trabalho deve se apresentar sob a música é uma linguagem que envolve a audição, um pro
forma pulsante, viva, acessível a um público não especia duto final que use esse mesmo recurso tem muito maiores pos
lizado. sibilidades de ser alcançado e de ser compreendido, além de
O trabalho do historiador expressa uma reflexão sobre se tornar bem mais agradável de acompanhar.
diferentes práticas sociais em tempos diferenciados e, ao mes O historiador, ao apresentar seu trabalho sob essas for
mo tempo, sobre a prática acadêmica. mas, está trazendo para o debate as próprias formas, que-
jO S \1 \ /-- --�=��----
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..
52 53
brando o fetichismo em torno do texto escrito, seja como fon estará na ' 'boa escolha da teoria'', no ' 'rigor científico''. Aca
te ou como produto final. Pensar nessas linguagens como ob ba por considerar as evidências como simples ilustração de
jeto é refletir sobre as implicações de sua contribuição e de um conhecimento produzido fora da investigação.
seus usos. No fundo, o que ocorre nesse caso é uma cisão entre teo
Qualquer que seja a escolha do historiador por uma de ria e prática.
terminada linguagem, ela deve ser pensada e apresentada não Nessa postura, é a técnica que vai fazer a mediação en
como o real, mas como uma representação do real. tre a teoria e as evidências.
A prática do historiador está muito impregnada do dis
curso da universalidade da técnica, o que o faz se preocupar
Teoria e prática: mútua determinação com modelos de fichas, por exemplo, sem perceber que esses
modelos, apesar de terem uma pretensão universalizante, não
O saber histórico se repõe como teoria e, como tal, no vão dar conta de recuperar a complexidade do social.
vamente será questionado pelas evidências. Se nenhuma técnica é neutra porque está ligada a uma
Todo esse modo de pensar o real histórico e o conheci determinada concepção de história e de pesquisa o historia
mento histórico recusa a noção de objetividade universal. A dor ao abordar um objeto precisa criar técnicas adequadas
objetividade está em recuperar o movimento, a contradição aos seus pressupostos.
do acontecer histórico , entendido como processo vivido por
homens reais numa relação de dominação e subordinação em Um entendimento e uso da técnica
todas as dimensões do social. O critério de objetividade do
Há alguns anos atrás, desenvolvemos com alunos de gra
pesquisador, nesse caso, está no diálogo, na medida em que
duação na disciplina Pesquisa Histórica, na PUC-SP, um tra
consegue que ambas as partes (teoria e evidências) se deter
balho - Imprensa e sociedade 22 que visava investigar o
-
minem mutuamente. Essa objetividade, entretanto, é relati
papel jogado pelos jornais O Correio Paulistano e O Com
va, porque se o pesquisador tenta alcançar os sujeitos sociais
bate no encaminhamento do processo sucessório de 1930, par
pelo respeito às propriedades das evidências, por outro lado,
tindo de algumas premissas:
só consegue se acercar dessas evidências a partir de uma pos
- pensar as diferentes linguagens, inclusive a jornalística co
tura dada, por exemplo, questões teóricas, dimensões insti
mo forjadas no acontecer social, visto como experiência
tucionais do trabalho, posições políticas do pesquisador etc.,
de classe;
que é o lugar de onde fala.
- pensar essa imprensa como portadora de um projeto es
Todo critério de objetividade se reporta a esse lugar de on
pecífico, apresentado como universal;
de o pesquisador fala. Se, na relação teoria-evidências, enfati - subjacente a isto considerar o pensar e o representar co
za o segundo termo, cai no empirismo, que identifica o real mo momentos da práxis tanto quanto a ação. Em decor-
com o documento, numa postura positivista ou neopositivista.
Nesse caso o critério de objetividade é o próprio documento.
22 VIEIRA, M. do Pilar; PEIXOTO, M. do Rosário; KULCSAR, Rosa; KHOURY,
Se enfatiza a teoria, operando com conceitos e catego Yara. Imprensa e sociedade; Relatório final de pesquisa para o Conselho
rias abstratos, preestabelecidos, a garantia da objetividade de Ensino e Pesquisa. PUC-SP, 1984. Mimeografado.
54
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.S :E .2 o Nesse caso a palavra manutenção é uma palavra-chave
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os discursos e ao mesmo tempo estabelece um diálogo entre
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os agentes. Permite verificar a quem as propostas vão bene
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aparecem de forma implícita, ou seja, embutidas no próprio
64
4
forma referida já supõe determinadas perguntas que têm na
sua base um dado pressuposto.
Nunca é demais repetir que a técnica surgiu no bojo do
trabalho, como resultado de uma reflexão que tinha como
referente o material empírico. Ela surge de uma problemati
zação e, ao mesmo tempo, dá elementos para encaminhá-Ia
A orientação -
dentro daquela idéia de que a problematização é contínua no
processo da pesquisa.
diferentes experiências
caminhando juntas
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68
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está em movimento e que este movimento é contraditório, para o futuro e, ao mesmo tempo, está se colocando como
recusa a idéia de que o acontecer histórico obedece a uma sujeito de conhecimento. Nisso dialoga com os sujeitos pas
lógica rígida. Nesse caso procura uma outra lógica que dê con sados (anarquistas) e outros envolvidos na questão.
ta do movimento, da contradição - é o que Thompson cha Nessa abordagem que faz do passado se acerca de ou
ma de "lógica histórica". 24 tros pesquisadores através da bibliografia e do orientador,
Dentro dessa lógica os procedimentos (conceitos, cate não para buscar o conhecimento sobre os anarquistas ou re
gorias, técnicas) não são visíveis passo a passo. Serão forja ceitas de como estudá-los, mas para discutir procedimentos
dos no diálogo entre o pesquisador e os "registros" e for e fazer as próprias opções, isto é, forjar seus próprios ca
mulados explicitamente. minhos.
A recuperação que faz do passado não tem condições
A pesquisa está ao alcance de qualquer pessoa que se
de ser totalmente objetiva porque a subjetividade do pesqui
disponha a recuperar no passado o processo de constituição
sador está presente. Nesse sentido, o conhecimento do pas
do espaço de tensões e conflitos que é o presente e no qual
sado é uma representação mas não arbitrária, porque cons
busca se situar.
truída a partir de evidências. A compreensão desse passado
Nessa tarefa se coloca como sujeito ativo, que terá que pode questionar, modificar a compreensão do presente, que,
se posicionar continuamente fazendo opções, escolhendo e por sua vez, pode também modificar a compreensão do
forjando caminhos no diálogo permanente como os sujeitos passado.
históricos envolvidos no seu objeto de estudo, com outros Enfatizamos que é de fundamental importância que se
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pesquisadores (bibliografia) e com o próprio orientador. Por jam esclarecidos os lugares de onde cada um fala, pensando
exemplo, um pesquisador, para quem a questão da autono o saber já construído não como o real ou como o retrato fiel
do passado, mas como um conhecimento construído a partir
.J mia da· classe trabalhadora se coloca hoje, busca no passado
de pressupostos e de interesses, procurando desvendar as ra
o modo como essa autonomia era pensada e vivida, os tipos
de organização, as teorizações que apareceram nessa prática zões de ser e aparecer do objeto.
e as injunções que a tornaram uma proposta vencida. Nesse Nessa tenda de trabalho, aluno e professor dedicam-se
sentido, estudar uma prática onde essa autonomia estava pre à construção de um saber. Como diz Chauí "O saber é o tra
balho para elevar à dimensão do conceito uma situação do não
sente se torna importante e é nessa perspectiva, por exem
saber, isto é, a experiência imediata cuja obscuridade pede o
plo, que o estudo do anarquismo pode ganhar significado
trabalho de clarificação. A obscuridade de uma experiência
muito grande. Por outro lado, não interessa reviver o anar
nada mais é senão seu caráter necessariamente indeterminado
quismo tal qual era no momento, mas sim o modo como en
e o saber nada mais é senão o trabalho para determinar essa
caminhou a questão da autonomia da classe trabalhadora. indeterminação (. . . ) só há saber quando a reflexão aceita o
Ao incorporar essa experiência e pensá-la hoje (passado, pre risco da indeterminação que a faz nascer, quando aceita o ris
sente e futuro se confundem na síntese histórica), o pesqui co de não contar com garantias prévias e exteriores à própria
sador está se colocando como ser político procurando saídas experiência e à própria reflexão que trabalha" . 25
5
encarado como produção de saber e nunca como exercício
ou treinamento.
O exercício ou treinamento supõe a idéia de que � pro
dução historiográfica, teórica, assume a forma de conheci
mento acabado, isto é, de idéias instituídas.
O conhecimento entendido como uma verdade alcança Conclusão
da dispensa a questão o que fazer e o que pensar porque se
constrói a partir de normas prévias e exteriores ao objeto do
conhecimento. Nessa concepção ele se apresenta como uni
versal e cumulativo.
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Sócrates
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72 73
seu viver, produzem outras interpretações, o que evidencia Por tudo isso vemos nosso trabalho como construção;
o caráter incompleto do conhecimento histórico. Passa ain tem a ver com o presente, não é definitivo e tem profundo
da pela reflexão sobre diferentes temporalidades históricas envolvimento com múltiplos saberes produzidos na experiên
como "fazeres em aberto". Isso implica não aceitar "o si cia cotidiana, tanto na academia quanto em outras dimensões
lêncio sobre o emissor do discurso historiográfico, como se da prática social.
esse discurso fosse pura emanação do objeto (os documen Ao fim dessa conversa está muito presente para nós o sig
tos, o saber acumulado na área) e aquele emissor não pas nificado político do trabalho historiográfico, da nossa expe
sasse de um parteiro dessa emanação" . 26 riência profissional, assim como dessa reflexão.
•• Abrir mão da teoria e das certezas como algo dado e pré
vio, que norteia e dá substância ao trabalho de investigação,
significa um desafio, um estímulo e configura-se como uma
tarefa árdua ainda que prazeirosa. Desafia e estimula por
que, à medida que abre mão de critérios seguros, o historia
dor, tendo que forjar sua própria trilha, elaborando seus ins
trumentos de trabalho, aparece como agente da historicida
i .l
de que também se interpreta. Nesse caminho rearticula suas
relações com a teoria; ele a pensa e a constrói no interior da
investigação.
Se para alguns isto pode ser angustiante e temerário, por
destruir certezas, por retirar pontos de apoio ou referências,
para outros representa uma conquista, por liberá-los para der
rubar fronteiras penetrando em campos considerados intran
sitáveis pelo historiador.
Iniciativas dessa natureza, não tão recentes, no campo
da história vêm sugerindo aos profissionais da área que pres
tem atenção ao processo de conhecimento mais do que ao
produto.
É uma tarefa árdua porque nela o historiador se vê na
contingência de enfrentar a cumplicidade entre o conhecimen
to histórico e a memória dos dominantes presente nas temá
ticas, nos currículos, na argumentação científica, inclusive no
26 Cf. SILVA,
discurso da objetividade.
6
vendo seu funcionamento e evolução. Aceitam uma histó
ria total que aborde os grupos humanos sob todos os seus
aspectos e para isso ampliam a noção de documento. Para
Febvre, a história se faz ' 'com tudo o que, pertencendo ao
Vocabulário crítico homem, depende do homem, serve o homem, exprime o
homem ( ... )" . Além disso consideram que a história deve
estar aberta às outras áreas de conhecimento humano; pa
·""'' ra tanto, defendem a interdisciplinaridade.
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Evidência: ver documento.
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História social: de acordo com a concepção das autoras, é a
que se ocupa da explicação global dos fatos humanos aci
ma de qualquer compartimentação; não é um estudo para
lelo do social, do cultural, do econômico, do político, mas
Por acreditar que as palavras e os conceitos adquirem sim um estudo que leve em conta todas essas dimensões.
significados diferenciados de acordo com as concepções da Centra o eixo dessa explicação nos mecanismos que asse
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queles que os emitem, procuramos discutir, no decorrer do
Ji
guram a dominação e exploração de uns homens sobre os
texto, o caráter histórico da produção do conhecimento. As outros e que se traduzem nas relações econômicas, políti
sim, as questões polêmicas receberam, no próprio texto, um cas, sociais, culturais, nas tradições, nos sistemas de valo
tratamento de modo a deixar claro o lugar social de onde fa res, nas idéias e formas institucionais etc.
lamos e a possibilidade de outras leituras das mesmas ques
Historiografia: é a produção do conhecimento histórico. Pa
tões. Entretanto, buscando corresponder às características da
ra alguns essa produção, por ser científica, acaba por se
coleção "Princípios", apresentamos algumas informações.
identificar com o próprio acontecer histórico; outros pen
Documento: para muitas tendências é a expressão de toda a sam essa produção como construção, ou seja, uma repre
manifestação humana, como por exemplo objetos, paisa sentação do real feita pelo historiador a partir da sua in
gens, signos etc., além dos documentos escritos. Para ou serção no social (concepções, experiências, valores etc.) ar
tros, como o positivismo por exemplo, são somente docu ticulada à leitura dos registros.
mentos escritos. Ver positivismo. Marxismo: nome genérico dado ao sistema de pensamento
Escola dos "Annales": também conhecida como escola fran elaborado pelo filósofo alemão Karl Marx (1818-1883). Pa
cesa, é constituída por um grupo de historiadores france ra ele e seu mais conhecido colaborador - Engels (1820
ses ligados à revista Annales d'Histoire Économique et Sa -1 895) -, a história é um processo dinâmico, dialético,
cia/e, fundada em 1 929. Seus iniciadores - professores no qual cada realidade social traz dentro de si o princípio
universitários - foram Marc Bloch e Lucien Febvre. Ainda de sua própria contradição. No processo histórico, essas $
que não tenha unidade teórica, abrigando várias tendên contradições são geradas pela luta entre as diferentes clas
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cias, este grupo representou uma oposição ao positivismo. ses sociais. Esses autores vão exercer uma influência de- "
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cisiva nas formas posteriores de se escrever história. Sua vistas julgavam que estas consistiam em duas coisas
do lugar , esta
obra é muito complexa, o que levou seus seguidores a vá meiro lugar, determinar os fatos; em segun
s imedi atam ente
rias leituras. O historiador marxista inglês E . P . Thomp belecer as leis. Os fatos eram determinado
estab elecid as atra
son distingue quatro formas de conceber o marxismo: I �) pela percepção sensorial. As leis eram
, por indu
a mais "ortodoxa" que concebe o marxismo como um "cor vés da generalização feita a partir destes fatos
espéc ie de histo
po auto-suficiente de doutrina, completo, internamente con ção. Sob esta influência, surgiu uma nova
as condições
sistente e plenamente realizado num conjunto de textos es riografia, cujos historiadores, buscando criar
para a história,
critos". Isto supõe um conjunto de escritos aprovados e uma que lhes possibilitassem determinar as leis
que pudes
autoridade central que os aprove; 2�) esta forma é mais fle lançaram-se no afã de recolher todos os fatos
verac idade de tais
....,, xível e se apresenta somente como método; em geral ela de sem. Preocupados com a autenticidade e
I o oficia l, con
fatos dão grande ênfase ao documento escrit
' I
riva para uma colocação muito vaga ou,�gradualmente, as
sume a forma mais ortodoxa ao obrigar a definir sobre os siderado como prova histórica.
textos de Marx o que seja fundamental; 3 �) há também a Registro: ver documento.
corrente que aceita o marxismo como um legado que pode
se combinar com outros legados: tal colocação pode levar
a um ecletismo sem sentido; 4�) face a essas concepções
Thompson propõe um marxismo como "tradição" no sen
tido que essa palavra assume nos estudos literários. Escla
j
rece que prefere tradição a escola porque "me é mais fácil
pensar em uma pluralidade de vozes em conflito que, ape
sar disso, argumentam dentro de uma tradição comum, do
que imaginar esta pluralidade dentro de uma escola".
Memória: individual é um "conjunto de funções psíquicas, gra
ças às quais o homem pode atualizar impressões ou infor
mações passadas, que ele representa como passadas" .(. . . )
"Memória coletiva (. . .) é um instrumento e um objetivo
de poder. São as sociedades cuja memória social é sobretu
do oral ou que estão em vias de constituir uma memória
coletiva escrita que melhor permitem compreender esta lu
ta pela dominação da recordação e da tradição, esta mani
festação da memória." (J. Le Goff, p. 46.)
Positivismo: conjunto de doutrinas caracterizado sobretudo
pelo impulso que deu ao desenvolvimento de uma orienta
ção cientificista ao pensamento filosófico. Seu maior ex
poente foi o francês Auguste Comte (1798-1857). Devido
à concepção que tinham de ciências da natureza, os positi-
79
7
Estuda a improvisação de papéis por mulheres oprimidas
no processo de urbanização da cidade de São Paulo du
rante o século XIX. Traz para a cena histórica agentes so
ciais antes relegados, valorizando-lhes o saber e a expe
," II
de pesquisa recuperando o diálogo estabelecido entre pes
quisadores e objeto investigado em três linhas de pesquisa
I proposta.
___ . Trabalho, cultura e história social. Revista Projeto
ARIÉs, Phelippe. História social da criança e da faml1ia. Rio História, São Paulo, EDUC, (4), jun. 1984.
de Janeiro, Ed. Guanabara, 1986. Aborda a complexidade do social, apontando para a ne
cessidade de se superar os limites e divisões compartimen
i
Estuda a organização familiar na Europa (França sobre
tudo) nos séculos XVI ao XVIII. Recupera o papel da tadoras das diferentes formas de conhecer a realidade.
J
criança na família e na sociedade e o valor que lhe é atri LE GoFF, Jacques, org. Memória e história. Enciclopédia Ei
buído, utilizando como principais fontes a pintura e a li naudi. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1979.
teratura. v. I .
CuNHA, Maria Clementina Pereira. O espelho do mundo: Ju Trata de temas candentes para a discussão em torno da
query a história de um asilo. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
memória, do documento, da relação passado-presente, en
1986. tre outros.
Trabalhando a instituição do Juquery desde sua fundação MACHADO, Arlindo. 1lusãó especular. São Paulo, Brasilien
até os anos 1 930, a autora estuda o saber psiquiátrico, ar se, 1984. (Co!. Primeiros Vôos.)
ticulado a um conjunto de saberes e práticas, engendrado Obra que propõe resgatar o verdadeiro papel da fotogra
pela e para a ordem burguesa que se instituía. Mostra a fia, definindo, analisando, valorizando a especificidade de
medicina e a psiquiatria corroborando os teóricos do to sua linguagem. Considera a fotografia - como qualquer
talitarismo, numa ação disciplinadora da sociedade, so sistema simbólico construído para representar o mundo -
bretudo no que diz respeito à sua articulação com a pro como ideológica, porque longe de constituir uma entida
blemática urbana. de autônoma, transparente, é determinada, em última ins
tância, pelas contradições da vida social.
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em S.
SILvA, Marcos A. O trabalho da linguagem. Revista Brasi
Paulo no século XIX. São Paulo, Brasiliense, 1984.
leira de História, (11), set. 1985.
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