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O Evangelho de João PDF
O Evangelho de João PDF
INTRODUÇÃO
¹A palavra gnóstico vem do termo grego “gnosis” que significa conhecimento. O gnosticismo se aplica a um
grupo de religiões surgidas do séc. 2 em diante, que enfatizava a importância de receber o conhecimento secreto
para salvar-se do mau: isto é, do mundo material.
Vamos à obra?
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O JOVEM JOÃ0
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Tudo em João gira em torno da encarnação. Ele a viveu e
testemunhou. Não era sempre o discípulo maduro e sereno, representado
nos seus escritos. Tornou-se “santo” e exemplar somente através de uma
vida longa, onde aprendeu a ser transformado; não numa vida de natureza
do tipo efeminada como a arte gostou de reproduzi-lo. Seu nome, herdado
de seu pai, era “filho do trovão”. Seu temperamento, como convém aos
jovens, era absolutista. Jovens costumam aceitar somente aquilo que
corresponde às suas próprias metas. Jesus teve que lhe ensinar o que
significa ter um coração aberto, quando lhe disse: “Quem não é contra nós,
é por nós” (Marcos 9.40). Na ocasião, quando o grupo não foi bem recebido
numa vila samaritana, o jovem João ficou tão revoltado que sugeriu ao
mestre: “Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma,
como Elias também fez?” (2 Reis 1,10/Luc.9.54). Ninguém menos que
Elias, o maior dos profetas, era parâmetro para o jovem seguidor. João
queria resolver a questão logo, queimando todos aqueles que não os
acolheram bem. Tinha que ouvir a repreensão que não esperava: “Vocês
não sabem de que espírito vocês são”, ou em outras palavras: “Vocês não
percebem que não é o Espírito de Deus que vos sugere essa resposta?” Para
o jovem João era o “tudo ou nada”. Esse “tudo ou nada” encontramos
também no idoso Evangelista, só que “santificado” (1 João 5,12).
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Senhor!”. Sempre reconheceu primeiro, chegou primeiro, sentou mais perto.
Ele entendeu o Evangelho, a “Boa Nova”, como mensagem do Amor de
Deus (3,16). Na Bíblia, “amar” e “conhecer” sempre andam juntos; eles são
sinônimos.
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vivo. Durante seus longos anos de vida, João havia meditado sobre o que
significava tudo aquilo que teve oportunidade de viver e testemunhar.
CONTEÚDO DO EVANGELHO
No “Evangelho de João”, os diálogos de Jesus muitas vezes passam a
ser monólogo. João era capacitado para tal, porque a “fala joanina”, na
realidade, correspondia à maneira como Jesus falava. Vez e outra no seu
Evangelho não sabemos onde termina a fala de Jesus e começam os
comentários de João (leia João 3.3 até 21, e diga-me até onde o Apóstolo
cita Jesus, e onde começam os comentários de João, Evangelista)!
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(exegese) dos sinóticos; é a visão da Salvação contida na história, escrita
por uma testemunha ocular em uma época de desenfreada especulação
gnóstica, que ameaçava engolir a genuína mensagem dos Evangelistas.
Façamos força para ver e ouvir as palavras que chegaram até nós. O
Evangelho joanino nos leva ao coração do Senhor. Para “os de fora”, ele
continuará mistério. Para “os de dentro”, o Evangelho de João é
transparente (W.Nigg).
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essa opinião, escrevendo: “Tornou-se corrente entre os irmãos o dito de que
aquele discípulo não morreria. Ora, Jesus não dissera (a Pedro) que tal
discípulo não morreria, mas: ‘Se eu quero que ele permaneça até que eu
venha, que te importa?’ ” (21.21-22).
CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
O quarto Evangelho continua um enigma para qualquer investigação
racional. Como dissemos, ele deve ser lido “vendo” e “ouvindo”. Milhares de
livros a respeito da obra de João foram lançados e nenhum comentário
chegou à altura do Evangelho. Todos eles estão como que só roendo as
margens e devemos mostrar a humildade que nos compete ao procurar
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ouvir a mensagem do Evangelista. O melhor dos comentários não dispensa
o estudo cuidadoso e pessoal do próprio Evangelho.
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foi datado em um período mais tardio. Para alguns, o quarto
Evangelho foi escrito só no segundo século. Neste caso seria
pouco confiável quanto ao “Jesus histórico” e mais um resultado
da “Interpretação Cristológica” de uma época posterior.
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Em Medinet el-Fajum, às margens do deserto da Líbia, local que
pertence ao Egito e, portanto, muito distante da Palestina, foram
encontrados em escavações efetuadas nos anos 20 do século passado
muitos papiros bem conservados. Para você ter uma ideia: o achado mais
antigo é um “Contrato de Casamento” do ano 311 antes de Cristo!!!
¹ a divisão do texto bíblico em capítulos só foi introduzida por Estevão Langton (Arcebispo de Cantuária), em
1214; a divisão em trechos em 1263, por Hugo de Saint-Clair e a divisão em versículos, universalmente aceita,
foi realizada em 1551 por Robert Stevens.
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O EVANGELHO DE JOÃO (NVI)¹
(1.1) NO PRINCÍPIO era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus.
(1.1) NO PRINCÍPIO era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e
era Deus.
O Evangelista Marcos, o primeiro que escreveu um relato sobre
Jesus, começa sua obra com a palavra “Princípio’: “Princípio do Evangelho
de Jesus Cristo”. Marcos se refere ao princípio (início) do ministério terreno
de Jesus de Nazaré.
O Evangelista João também se refere ao “início” (Princípio); só que
ele olha muita mais para trás, ele começa retratando CRISTO NA
ETERNIDADE, antes que o mundo existisse. Podemos dizer: ele olha para
a eternidade passada e ali ele já vê o “Logos de Deus” habitando na
presença de Deus, sendo ele mesmo Deus.
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a Gênesis, o “logos” já existia, e esta é uma maneira de afirmar a
eternidade do “logos” e que só Deus possui.
Por essa razão, João põe tanta ênfase no fato de Jesus Nazareno ser
o Cristo Eterno, o Filho de Deus, e que este Cristo não apenas desceu
meramente sobre Jesus Nazareno (sem ter entrado em uma união real e
profunda com ele), mas que, verdadeiramente, o “Logos” assumiu a forma
humana, se encarnou na pessoa de Jesus Nazareno que o Apóstolo
conheceu e que nunca renunciou sua natureza humana. Quem morreu e
ressuscitou, foi Deus em forma humana, o “Logos encarnado”.
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divindade, isto é, a criação, veio a ser como fruto maduro, porém, através de
dores. Um século antes, a mística judaica já usou o termo “shekina”
(Glória de Deus) como sinônimo da sofia, e não podendo ser separado de
Deus.
João era judeu. Com a primeira sentença do seu Evangelho ele deixa
claro que “o logos” não é uma invenção da filosofia grega nem dele mesmo,
quando o aplica a Cristo. “Logos” é traduzido por “verbo” ou “A Palavra”.
Como uma designação neotestamentária vemos Cristo presente já no
Antigo Testamento como “descrição da pessoa, vontade e ação de Deus”. Ali
a “Palavra de Deus” é representada como uma Pessoa. A personificação da
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“Palavra” torna-se vivida nos escritos judaicos da Antiga Aliança. “Pela
Palavra de Jeová, os céus foram feitos e pelo sopro de sua boca, o exército
dele” (Salmo 33.6). Desde o Princípio, Deus agiu através “da Palavra”.
“Disse Deus: haja...e houve...” (Gênesis 1.3,4,9,...). “A Palavra” expressa
ou reflete a mente de Deus e a revela aos homens. Essa “Palavra”, o
“logos”, a manifestação da Vontade Divina, é assim definido na Nova
Versão Internacional: “... aquele que é a Palavra, Ele estava com Deus,
e era Deus” (1.1).
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Cap. 1.2-5
(2) Ele estava com Deus no princípio. (3) Todas as coisas foram feitas por intermédio
dele; sem ele, nada do que existe terá sido feito. (4) Nele estava a vida, e esta era a
luz dos homens. (5) A luz brilha nas trevas, e as trevas não a derrotaram.
(3) Todas as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele,
nada do que existe terá sido feito. O autor de João diz: “O “logos”, isto é
a “vontade expressa de Deus”, está por trás de toda a criação.
O mesmo “logos” que hoje está por trás de todo o Universo, estava
com Deus antes que houvesse Universo, não importando o ”quando” dessa
criação. Quando o Universo veio a existir, o “logos de Deus” já existia. O
logos não é criado; ele é Deus, e poderíamos dizer que esse “logos” era o
agente de Deus na criação de tudo que existe.
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De acordo com Carson, o grego do verso 3 poderia ser mais bem
traduzido como: “Todas as coisas foram feitas por ele, e o que foi feito, de
alguma forma, foi feito sem ele”. “Assim como em Gênesis capítulo 1, em
que, por causa da Palavra falada de Deus tudo veio a ser, e assim como
em Provérbios 3,19; 8,30, em que a Sabedoria (sofia) é o meio
(personificado) pelo qual tudo existe, também aqui, a “Palavra” de Deus,
entendida no Prólogo como um agente pessoal, criou tudo”.
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ou presos a determinada época, seja ela o período antes da queda do
homem ou a época da revelação do logos em forma humana na pessoa de
Jesus Nazareno (ainda não identificado por João). Deus e seu logos não
estão sujeitos a categorias de tempo.
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afirma que o brilho dessa luz é permanente e onipresente. O Evangelista
fala do caráter vitorioso dessa luz: as trevas não prevaleceram contra ela.
Elas nunca prevalecerão. A mensagem da Luz é uma mensagem de vitória.
Cap.1.6-9
(6) Surgiu um homem enviado por Deus, chamado João. (7) Ele veio como
testemunha, para testificar a respeito da luz; a fim de que por meio dele todos os
homens cressem. (8) Ele próprio não era a luz, mas veio como testemunha da luz. (9)
Estava chegando ao mundo a verdadeira luz, que ilumina a todos os homens.
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(8) Ele próprio não era a luz, mas veio como testemunha da luz.
Mais uma vez, em atitude apologética (defesa da fé), o autor procura deixar
claro que a mensagem do “Cristo ressurreto” está acima da do Batista. A
ênfase de João nesse ponto nos mostra que, na época, deve ter havido
certa rivalidade entre os dois movimentos. Resumamos como o Apóstolo
argumenta:
• O Logos era (desde a eternidade) > ... João Batista veio;
• Cristo é a “Palavra” > ... João “era homem”;
• Cristo era o próprio Deus > ... João era “comissionado por
Deus”;
• Ele é a verdadeira luz > ... João veio para testemunhar a
respeito da luz;
• Cristo é o objeto da confiança > ... João era o agente cujo
testemunho deveria levar os homens a crer na verdadeira luz.
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Cap.1.10-13
(10) O Verbo estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo
não o conheceu. (11) Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. (12) Mas, a
todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus; a saber,
aos que creem no seu nome; (13) os quais não nasceram do sangue, nem da vontade
da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.
O Verbo, pelo qual tudo veio a existir, estava presente nesse cosmos.
João já está falando claramente de “alguém”, embora ainda não o tenha
apresentado. Fala da inexplicável inimizade entre “ele” e seu “cosmos”. Ele
não questiona nem especula sobre o “porquê” dessa incompatibilidade.
Simplesmente consta o fato: A criação não “conheceu” seu criador.
(11) Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Aqui a
rejeição do “logos histórico” chega ao seu último estágio. Quem eram “os
seus” e o que é considerado “dele”? Contrariando a terminologia da Gnose,
João fala aqui como judeu (hebreu).
Com base no Salmo 24.1, que diz: “Ao Senhor pertence a terra e tudo
o que nela se contém, o mundo e o que nele habitam”, poder-se-ia pensar na
humanidade como um todo, sendo “seu”. É mais provável, porém, que
João, judeu e participante da relação especial de JHWH (Deus) com Israel,
seu povo, esteja aplicando a tragédia do logos encarnado em Cristo ao seu
próprio povo (Salmo 135.4: “Porque o Senhor escolheu a Jacó, a Israel como
seu tesouro pessoal”). A eles, Deus havia confiado toda herança (confira
Romanos 9.4-5).
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No mais, todo cristianismo primitivo (no sentido de “inicial”) lia o
Antigo Testamento à luz do Cristo encarnado. Existe uma tragédia maior
do que não ser recebido pelos que são “seus”?
João não especula sobre a sorte dos que têm rejeitado a Luz. Ele vê
“através do horizonte” (uma afirmação africana para quem vê onde
aparentemente não há nada). Nem todos têm rejeitado a Luz!
Para João não somos todos filhos de Deus. Somos, sim, todos
criados por ele. “Somos todos filhos de Deus” é pensamento helenista,
como a citação do “Fenômeno de Arato” (séc. 3 a.C.), usada por Paulo em
Atos 17.28.
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Agora, os que “recebem a Ele”, recebem um direito (o poder), o direito
de se tornarem filhos (uma comparação tipicamente joanina) não apenas
de Abraão, mas de Deus.
“... a saber, aos que creem no seu nome” Ainda não aparece o
nome Jesus, mas já se torna claro de quem o Prólogo fala. A “adoção”, ou
“o poder para ser feito filho de Deus” corresponde ao “crer em seu nome”.
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Cap.1.14
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Tudo depende da resposta a essa questão.
Filo de Alexandria (30 a.C até 40 d.C.) nada ainda sabia da crença
cristã da encarnação. Confrontado com a tendência do imperador Gaio
Calígula para a “Apoteose” (Divinização do homem), ele sentenciou: “A
transformação da natureza criada e corruptível em natureza Divina e
incorruptível consiste para a nação judaica na mais horripilante blasfêmia.
Antes Deus se transforme em homem que homem em Deus” (LegGai118).
Se Filo houvesse tido conhecimento da crença cristã, certamente
ficaria surpreendido e teria repensado seu pronunciamento.
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Nenhuma Cristologia (nem a joanina) pode ignorar o ponto principal
judaico: A obra de Cristo não pode ir contra o Domínio e a Autoridade do
Único Deus Pai. O Apóstolo Paulo, como fariseu e bom judeu, não deixou
em nenhum de seus escritos a menor dúvida a respeito. Vemos isso no
trecho de 1.Cor.15.20-28 quando no último cumprimento da história da
redenção, acontece “a sujeição do Filho Àquele que todas as coisas lhe
sujeitou, para que Deus seja tudo em todos”. Leia o texto indicado! Ele lhe
ajudará a entender melhor Jesus em relação a Deus Pai.
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O final da habitação de Deus, quando o Filho tiver devolvido ao Pai
tudo o que Este lhe sujeitava, como lemos pouco antes (1.Cor.15.20-28),
vemos descrito no Apocalipse: “Então ouvi grande voz, vindo do trono,
dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus mesmo estará com
eles. Eles serão povo de Deus e Deus mesmo estará com eles. E lhes
enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá , já não haverá
luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram”
(Apoc.21.3-4).
João, Apóstolo, afirma a respeito dos três anos vividos junto com seu
Mestre: O Verbo habitou entre nós cheio de graça e de verdade, e vimos
a sua glória, glória como do unigênito do Pai.
João olha de cima para baixo, ele usa a visão de Deus na Sua
encarnação. No mover-se de cima para baixo, da “Doxa” para “os que estão
nas trevas”, ele reconhece a “Graça” que nos alcançou. Nunca a Glória de
Deus se manifestou nos reinos desse mundo, na pompa ou no poder
temporal. Assim como Deus havia escolhido o mais insignificante e menor
povo para Si, Ele revelou Sua Glória em “fraqueza e loucura” (1.Cor1.25).
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“Até esse ponto, o leitor de João pode ser desculpado por pensar que a
glória manifesta na Palavra encarnada era abertamente visível – que o
Jesus que está para ser apresentado por nome andou pela Galileia e
pela Judeia com um tipo de luminescência que o distinguia, pois não
era um mortal comum, mas o Filho de Deus. Mas, à medida que João
prossegue com seu Evangelho, torna-se cada vez mais claro que a glória
que Cristo manifestou não foi percebida por todos (...); os olhos da fé
eram necessários para ‘ver’ a glória que era revelada pelos sinais. Desse
modo, à medida que o livro avança, a revelação da glória de Jesus está
especialmente ligada à cruz de Jesus e à exaltação (ressurreição) que se
segue...” (Carson, fim da citação)
João via algo totalmente diferente: havia visto a “doxa” (Glória), que
no Antigo Testamento significa “pesado, monumental, honrado”. O Deus do
Antigo Testamento era acima de tudo “pesado, grande, glorioso”. João e
seus amigos viam no homem sofredor que foi torturado e morto “a Glória”
de Deus; do único Deus capaz de sofrer junto com sua criação sem alegar
para si vantagens ou direitos especiais que o libertassem daquilo mesmo
que ele colocara sobre o ombro de suas criaturas. João viu no crucificado
Aquele que devia ser “levantado para que todo o que nele crê, tenha a vida
eterna” (João 3.14,15). A Glória aparece em forma humana.
31
Cap.1.15-18
(15) João testemunha a respeito dele e exclama, dizendo: “Este é o de quem eu
disse: ‘o que vem depois de mim, tem, contudo, a primazia, porque já existia antes
de mim’. (16) Porque todos nós temos recebido da sua plenitude e graça sobre graça.
(17) Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por
meio de Jesus Cristo. (18) Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no
seio do Pai, é quem o revelou”.
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eternidade passada e, portanto, ser anterior ao Batista, fato que o próprio
Batista teria reconhecido na época. Não sabemos se a afirmação do verso
15 vem do próprio Batista ou se ela é uma conclusão do Evangelista a
respeito do que ele mesmo viu e ouviu.
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mais é determinada pela “Santa Lei”, mas pela “Graça”. Isso significa para
você: Para poder relacionar-se com Deus, você é perdoado; recebe Graça.
Você percebe? Comunhão com Deus não mais fica restrita aos que são
perfeitos. Ela se abre para pessoas falhas como você e eu. Com essa nova
base, a Lei não é mais o “tutor” que ameaça com castigo; ela continua
perfeita e boa, mas não mais exclui do amor de Deus, revelada em Jesus
(Leia Romanos 8,38.39). Na pessoa de Jesus, o Evangelista viu essa
comunhão perfeita com Deus Pai, onde graça e verdade se tornaram
realidade.
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que acabamos de estudar. “O povo que caminhava nas trevas viu uma
grande luz. Sobre os que habitavam a terra da sombra, brilhou uma luz. ...
Porque o jugo que pesava sobre eles, a carga de seus ombros, a vara do
exator, tu os quebraste....Porque nasceu para nós um menino, um filho nos
foi dado. Ele tem a soberania sobre seus ombros e será chamado:
Conselheiro, Deus forte, Pai da eternidade, Príncipe da paz...” (Isaías
cap.9).
Na Antiga Aliança, Deus não tinha nome que Seu povo podia
pronunciar; Seu nome era “inefável” (não pode ser pronunciado pelo
homem) e quem se atrevia a pronunciá-lo teve que morrer, pois blasfemou
contra Deus (Lev.24.16). O judeu usa atributos Divinos quando se refere a
Deus, como “O que salva”; “O que cura”; “O Eterno”; “Senhor dos Exércitos”,
etc.
Cap.1.19
O autor do Evangelho muda o estilo de sua escrita a partir do verso
19. Enquanto o “Prólogo” (1-18) se assemelha a um poema composto em
estilo de alto teor poético (sendo possivelmente um hino cantado nas
primeiras comunidades cristãs), a partir do verso 19 o autor do Evangelho
muda para um grego simples e claro.
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dos milhares de comentários do Evangelho de João que estão no mercado.
Vou procurar indicar-lhe algumas razões.
Embora seja essa uma grande verdade, será que alguém pode me
traduzir isso numa linguagem que faça sentido para mim? Nos nossos
estudos estamos tentando pensar junto com você. Não traremos tudo pré-
mastigado. Ajudaremos você a descobrir a mensagem que o Apóstolo
apresenta. Procuraremos, ao máximo, evitar “chavões”. As lições, como
você deve ter percebido, desafiam você a pensar. Crer é pensar, também!
Nessa batalha pela “fé” (no bom sentido) encontraremos dificuldades.
Numa época em que assistimos ao deboche de tudo que é santo e reto,
limpo e verdadeiro, como podemos confiar no que cremos?
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milagres ou profecias não existem, você de início exclui boa parte dos
Evangelhos. Se há ou não há milagre ou sobrenatural, no entanto, é uma
questão puramente filosófica, não científica. A maior autoridade do mundo
em questão de religião não fala nesta questão com maior autoridade que
você! A premissa: “sobrenatural não existe” é trazida por eles, de fora, aos
textos; não é conclusão do estudo dos mesmos. A conclusão de toda a
autoridade dos críticos da Bíblia junta não tem peso maior do que a sua
própria conclusão; os dois são resultados do espírito da época e os que
sentenciam contra a Palavra o fazem como pessoas influenciadas por ele.
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homem compreensão além do momento presente, do “agora”. Nem essa
realidade ele consegue captar satisfatoriamente, sem cair em contradições.
Cuidado então com “comentários científicos” a respeito da pessoa e
mensagem de Jesus!
Você crê na Bíblia? Crê mesmo? Ouça: nem Deus nem Jesus
mandaram crer “na Bíblia”. Você deve crer (isto é: confiar
incondicionalmente) em Jesus como o Cristo revelado na Bíblia. Quem
confunde as duas coisas, com muita razão está sendo chamado de
“Biblicista”. Nós temos a mensagem da Bíblia e, no nosso caso, do Novo
Testamento, como regra de fé e vida. Ela é luz no caminho na medida em
que nela reconhecemos “a Luz do mundo”. Nós não cremos “na Bíblia”;
cremos, sim, em Jesus.
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Filho de Deus, e, para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (20.31). Tudo
que serve a esse propósito, João relata. João vê Jesus na história de Deus
com o mundo, não mais como o Messias dos judeus. João fala do Salvador
do mundo. Meio século após os Evangelistas Mateus, Marcos e Lucas, ele
já tem outra visão de seu Mestre. Ele pressupõe que seus leitores
conheçam os outros Evangelhos (ou parte deles); não relata o que naqueles
Evangelhos já foi contado, mas acrescenta. No Evangelho todo ele olha
Jesus como a encarnação de Deus. Jesus é Divino. Tudo que poderia levar
seu leitor a duvidar desse fato, João deixa de relatar. Ele não quer suscitar
dúvidas. Assim, o Apóstolo nunca vê seu Senhor em estado de fraqueza;
Jesus sempre é Senhor da situação, até na cruz (“Está consumado!”).
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“Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas
fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam
os livros que seriam escritos” (João 21.15).
• a limitação humana: João menciona aquilo que lhe serve para seu
propósito (“...para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus...”) e
Cap.1.19-28
(19) Este foi o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram de Jerusalém
sacerdotes e levitas para lhe perguntarem: “Tu quem és?” (20) Ele confessou e não
negou; confessou: “Eu não sou o Cristo”. (21) Então, lhe perguntaram: “Quem és,
pois? És tu Elias?”. Ele disse: “Não sou”. “És tu o profeta?” Respondeu: “Não”. (22)
Disseram-lhe, pois: “Declara-nos quem és, para que demos resposta àqueles que nos
enviaram; que dizes a respeito de ti mesmo?” (23) Então, ele respondeu: “Eu sou a
voz do que clama no deserto: ‘endireitai o caminho do Senhor’, como disse o profeta
Isaías”. (24) Ora, os que haviam sido enviados eram de entre os fariseus. (25) E
perguntarem-lhe: “Então, por que batizas, se não és o Cristo nem Elias nem o
profeta?” (26) Respondeu-lhes João: “Eu batizo com água; mas, no meio de vós está
quem vós não conheceis, (27) o qual vem após mim, do qual não sou digno de
desatar-lhe as correias das sandálias”. (28) Estas coisas se passaram em Betânia, do
outro lado do Jordão, onde João estava batizando.
Por duas vezes, João já havia mencionado o Batista. Aqui ele nos
apresenta o testemunho dele. Devemos saber que a fé judaica não conhece
nosso “individualismo cristão”. A fé judaica é uma unidade, assim como o
povo israelita também é um. As pregações e a prática de batismo desse
“Profeta João” (portanto chamado o “Batista”), haviam despertado a
atenção da mais alta corte religiosa em Jerusalém. O “Sinédrio”
(Assembleia composta de 71 membros, presidida pelo sumo sacerdote,
40
responsável pela doutrina da fé), decidiu examinar o movimento que vinha
se espalhando por “toda a Judeia até Jerusalém” (Marcos 1.5).
Contrariando a praxe, o Sinédrio não citou o Batista para prestar
esclarecimentos em Jerusalém, provavelmente porque a atividade dele,
como o Evangelista observa, estava fora da área de sua jurisdição religiosa;
o Batista batizava “do outro lado do Jordão” (28).
Por que o Evangelista diz: “Os judeus” enviaram..? Não é por anti-
semitismo, como foi creditado muitas vezes, erroneamente, ao Evangelista.
Ele não era inimigo do seu próprio povo. Mas na época em que o
Evangelho foi escrito, já havia se formado um abismo intransponível entre
“seguidores de Cristo” e “judeus fiéis”. João usa o termo “judeus” fria e
objetivamente. Era o termo para designar “as trevas” que haviam rejeitado
a Luz. A qualquer judeu, porém, que confessou Jesus Senhor, João
reconheceu irmão. Durante o estudo desse Evangelho encontraremos
umas 70 vezes o termo “os judeus”. Ora são as autoridades religiosas, ora
um determinado grupo de pessoas; João sempre identificou com esse
termo geral “pessoas judias que não receberam Jesus”; nunca a nação
como um todo.
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levado ao céu num carro de fogo (2 Reis 2,9-14). Os inquisidores fizeram
as perguntas conforme a ordem do “protocolo”, bem como foram
instruídos. Porém, o Batista também negou ser Elias. Ele disse: “Não
sou”.
A lenda do retorno de Elias não tem valor de revelação, mas vai além de
ser somente um rumor, um boato. Ela é o sonho religioso sem o qual o povo
de Israel não poderia viver nem suportar sua sofrida existência.
Quando Jesus perguntou aos seus discípulos: “No dizer do povo, quem é o
Filho do homem?” (Mateus 16,14), eles responderam, entre outras: “que sejas
o Elias”. O aparecimento de Jesus, Filho do Homem, deixou o povo tão
impressionado, que o tinham como o Elias reaparecido.
Quando no monte Tabor aconteceu a transfiguração mística de Jesus e seu
rosto “brilhava como o sol e suas roupas se tornaram brancas como a luz”
(Mateus 17,1-13), apareceram-lhe Moisés e Elias. Somente três discípulos
foram testemunhas da revelação do segredo messiânico, aos quais Jesus
proibiu formalmente contar algo do que viam. Eles, porém, perguntaram a
Jesus: “Como, então, dizem os escribas que tem que vir primeiro o Elias?”,
referindo-se à lenda da volta do profeta que deveria aparecer antes do
Messias. Ao contrário do Batista que antes – veja a nossa leitura - o negava,
Jesus lhes respondeu: “Elias já veio e não o reconheceram. Fizeram com
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eles o que quiseram”. Os discípulos entenderam que Jesus se referiu ao
Batista como o Elias reaparecido. A resposta de Jesus confirma a existência
da lenda do retorno do profeta. Jesus não se interessava pelo “Elias
histórico” – sua interpretação tinha como base o Elias legendário. Para Jesus
o Elias não era uma figura do passado; não, era uma pessoa presente.
Essa saudade judaica se cumpriu no Evangelho. Elias não mais está sendo
esperado; ele já veio. Esta é a diferença de interpretação sobre Elias entre
judaismo e cristianismo.
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Indicações exatas quanto a localidades que somente testemunhas
conheciam, encontramos, por exemplo, em 6.59; 8.20; 10.40-42.
• Veja literatura recente: RIESNER Rainer, Betanien jenseits des Jordans (Betânia do outro
lado do Jordão), Brunnen, 2002.
Cap.1.29-34
(29) No dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para ele, e disse: “Eis o cordeiro de
Deus, que tira o pecado do mundo! (30) É este a favor de quem eu disse: ‘após mim
vem um varão que tem a primazia’, porque já existia antes de mim. (31) Eu mesmo
não o conhecia, mas, a fim de que ele fosse manifesto a Israel, vim, por isso,
batizando com água”. (32) E João testemunhou, dizendo: “Vi o Espírito descendo do
céu como uma pomba e pousar sobre ele. (33) Eu não o conhecia; aquele, porém, que
me enviou a batizar com água me disse: Aquele sobre quem vires descer e pousar o
Espírito, este é o que batiza com o Espírito Santo. (34) Pois eu, de fato, vi e tenho
testificado que ele é o Filho de Deus.”
(29) No dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para ele, e
disse: “Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo! No dia
seguinte a quê? Alguns comentaristas entendem “no dia seguinte ao
batismo”. João, porém, não menciona o batismo de Jesus. Este é tido
como conhecido. João não volta a mencioná-lo, porque este fato poderia
ser interpretado como sujeição de Jesus ao Batista (veja estudo João
cap.12). João tampouco menciona a principal atividade do Batista, sua
pregação poderosa, seus batismos de arrependimento. Aquela atividade
servia de preparação para a chegada do Reino de Deus.
46
que, conforme as Escrituras, havia de vir”. Mais tarde, quando preso e na
Solitária, o próprio Batista foi afligido por dúvidas. “És tu (mesmo) aquele
que estava para vir, ou havemos de esperar outro?”(11.3). É interessante
que o Evangelista João nada menciona dessas dúvidas posteriores do
Batista, das quais sabemos pelos Evangelhos sinóticos. A sua visão por
ocasião do batismo de Jesus lhe era suficiente.
47
viveu. Na sua mente amadureceu o que tinha testemunhado e hoje temos
em nossas mãos a maior e mais bela obra jamais escrita a respeito da
pessoa de Jesus: vista de cima, como pelo olhar de uma águia, quando ela
voa em direção ao sol.
Cap.1.35-42
(35) No dia seguinte, estava João outra vez na companhia de dois de seus discípulos
(36) e, vendo Jesus passar, disse: “Eis o Cordeiro de Deus!” (37) Os dois discípulos,
ouvindo-o dizer isto, seguiram Jesus. (38) E Jesus, voltando-se e vendo que O
seguiam, disse-lhes: “Que buscais?” Disseram-lhe: “Rabi (que quer dizer Mestre),
onde assistes? (39) Respondeu-lhes: “Vinde e vede”. Foram, pois, e viram onde
Jesus estava morando; e ficaram com ele aquele dia, sendo mais ou menos a hora
décima. (40) Era André, o irmão de Simão Pedro, um dos dois que tinham ouvido o
testemunho de João e seguido Jesus. (41) Ele achou primeiro o seu próprio irmão,
Simão, a quem disse: “Achamos o Messias (que quer dizer Cristo), (42) e o levou a
Jesus. Olhando Jesus para ele, disse: “Tu és Simão, o filho de João; tu serás
chamado Cefas (que quer dizer Pedro).
48
(38) E Jesus, voltando-se e vendo que O seguiam, disse-lhes:
“Que buscais?” Jesus fixou os dois e eles pararam. A pergunta que dirigiu
aos dois jovens é interessante: “O que vocês estão buscando?” Ele não
perguntou a quem estavam procurando, mas o que estavam querendo.
Disseram-lhe: “Rabi (que quer dizer Mestre), onde assistes? A única
pergunta que ocorreu aos dois jovens foi a (parafraseada): “Mestre, onde é
que o senhor mora? Queríamos ter com o senhor uma oportunidade para
conversarmos sem sermos interrompidos. O assunto é importante. Foi nosso
mestre João que nos indicou o senhor”.
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Somente a esta altura João nos revela o nome de um dos dois
jovens: (40) Era André, o irmão de Simão Pedro, um dos dois que
tinham ouvido o testemunho de João e seguido Jesus. O autor tem
como certo que seus leitores sabem quem é “Simão Pedro”, pois André está
sendo identificado como irmão do conhecido grande Apóstolo Pedro.
Quando João escreveu, Pedro já estava morto, mas a lembrança do grande
líder ainda estava viva. O nome do segundo jovem ainda não é revelado.
Olhando Jesus para ele, disse: “Tu és Simão, o filho de João; ...”
Se você prestar atenção à sequência do chamado vocacional dos primeiros
seis discípulos e como este está se desenvolvendo, você notará que João
enfatiza em cada encontro o prévio conhecimento de Jesus da pessoa e da
personalidade daquele que foi “achado”.
50
havia um chamado. Seu cristianismo ou seu “seguir a Cristo” é a resposta
a um chamado. Hoje, na pregação e na leitura, a própria Palavra de Deus
consiste em um chamado, e ser cristão corresponde à resposta pessoal e
responsável.
• Ninguém nasce cristão!
51
texto que o outro jovem, ainda sem nome, também partiu à procura de seu
irmão, encontrou-o e o trouxe, pois mais adiante encontramos Tiago, irmão
de João, na lista dos quatro primeiros seguidores. João até ali,
discretamente, omitiu seu próprio nome.
Cap.1.43-51
(43) No dia imediato, resolveu Jesus partir para a Galileia e encontrou a Filipe, a
quem disse: “Segue-me”. (44) Ora, Filipe era de Betsaida, cidade de André e Pedro.
(45) Filipe encontrou a Natanael e disse-lhe: “Achamos aquele de quem Moisés
52
escreveu na Lei, e a quem se referiram os profetas: Jesus, o Nazareno, filho de José.
(46) Perguntou-lhe Natanael: “De Nazaré, pode sair alguma coisa boa?” Respondeu
Filipe: “Vem e vê”. (47) Jesus viu Natanael aproximar-se e disse a seu respeito: “Eis
um verdadeiro israelita, em quem não há dolo!” (48) Perguntou-lhe Natanael:
“Donde me conheces?” Respondeu-lhe Jesus: “Antes de Filipe te chamar, Eu te vi ,
quando estavas debaixo da figueira. (49) Então, exclamou Natanael: “Mestre, tu és o
Filho de Deus, tu és o Rei de Israel! Ao que Jesus lhe respondeu: “Porque te disse
que te vi debaixo da figueira, crês? Pois maiores coisas do que estas verás”. (51) E
acrescentou: “Em verdade, em verdade vos digo que vereis o céu aberto e os anjos
de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”.
54
sustenta uma vida de fé. Amorosamente, Jesus corrigiu e ampliou a visão
inicial de Natanael.
Cap.2.1-11
(2.1) Três dias depois, houve um casamento em Caná da Galileia, achando-se
ali a mãe de Jesus. (2) Jesus também foi convidado, com os seus discípulos, para o
casamento. (3) Tendo acabado o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não têm mais
vinho”. (4) Mas Jesus lhe disse: “Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é
chegada a minha hora”. (5) Então, ela falou aos serventes: “Fazei tudo que ele lhes
disser”. (6) Estavam ali seis talhas de pedra, que os judeus usavam para as
purificações, e cada uma levava duas ou três metretas. (7) Jesus lhes disse: “Enchei
de água as talhas”. E eles as encheram totalmente. (8) Então, lhes determinou:
“Tirai agora e levai ao mestre-sala”. Eles o fizeram. (9) Tendo o mestre provado a
água transformada em vinho (não sabendo de onde viera, se bem que o sabiam os
serventes que haviam tirado a água), chamou o noivo (10) e lhe disse: “todos
costumam por primeiro o bom vinho e, quando já beberam fartamente, servem o
inferior; tu, porém, guardaste o bom vinho até agora”. (11) Com este, deu Jesus
princípio a seus sinais em Caná da Galileia; manifestou a sua glória, e os seus
discípulos creram nele.
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falando. O velho João, na medida em que meditava, identificou-se a tal
ponto com seu Senhor que, sem que o leitor perceba, acrescenta suas
próprias palavras às de Jesus (Exemplo: 3.5-21). João é Oriental; ele
prefere uma linguagem de imagens e responde a perguntas fundamentais
com uma estória onde a coerência dos fatos externos fica sujeita à
mensagem em si.
56
Jesus já se encontrara ao norte, na Galileia, com alguns de seus
seguidores. Nada, também, nos é dito quanto à razão da presença de
Maria na festa. Jesus também foi convidado como filho mais velho,
substituindo o pai, que aparentemente não existia mais. A hospitalidade
oriental tem como certo que “amigos do amigo”, neste caso os discípulos,
naturalmente estivessem incluídos no convite.
(3) Tendo acabado o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não
têm mais vinho”.
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Ainda não é chegada a minha hora”. A essa altura, a linguagem de
João volta-se para o simbólico. Em todo seu Evangelho a “minha hora” é
tida como sinônimo da hora da morte, da cruz, da glorificação do Pai no
Filho (compare: João 7.30/ 8.20/ 12.23 e 27/13.1 / 17.1). “Essa hora”
Jesus entendeu no seu íntimo como “sua hora”. Ou será que uma dádiva
de vinho teria alguma ligação com a Sua morte? Deixaremos a resposta
para depois.
(6) Estavam ali seis talhas de pedra, que os judeus usavam para
as purificações, e cada uma levava duas ou três metretas.
Repentinamente o autor introduz seis enormes talhas de pedra. Uma
metreta corresponde a 39 litros. Seis delas correspondem a um volume
total de aproximadamente 600 litros. Em virtude do conhecimento da
Santidade de Deus e da própria necessidade de purificação, o judeu
conheceu muitos ritos de lavagem ritual (Mat.15.1-20 ou Marcos 7.1-4). A
purificação das mãos, por exemplo, não acontecia através de lavagem.
Deixava-se correr uma pequena quantidade de água pelas mãos, a partir
do pulso, conforme ritual cuidadosamente estabelecido. Não se tratava de
higiene, mas de um ritual.
Até hoje não existe água corrente na região de Caná. Toda a água
vinha do poço e era limitada. Uma festa de casamento de vários dias em
uma região quente, e na qual havia inclusive os obrigatórios banhos
rituais dos noivos, exigia muita água. Como parece, as talhas mencionadas
já estavam vazias, quando o vinho ameaçou faltar.
58
Não há descrição do milagre. Esse simplesmente é presumido.
Ninguém percebeu transformação alguma. Quando o mestre-sala
(geralmente um escravo responsável pela ordem na sala) provou a água
(que havia se transformado em vinho), ele não demonstrou conhecimento
do perigo de fim de estoque; ele o provou pensando em se tratar de um
segundo lote que havia sido aberto.
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perguntas, sem respostas. O maior inconveniente em tudo isso é a
motivação do milagre, que não aparece. Enquanto nos outros muitos
milagres relatados nos quatro Evangelhos, a ação de Jesus nasce quase
exclusivamente da misericórdia Divina perante a miséria ou o sofrimento
humano, aqui não podemos, mesmo se formos apreciadores de um bom
vinho, descobrir um sentido real, benéfico.
Cap.2.11-12
(11) Com este, deu Jesus princípio a seus sinais em Caná da Galileia;
manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele. (12) Depois disto, desceu
para Cafarnaum, ele, e sua mãe, e seus irmãos, e seus discípulos, e ficaram ali não
muitos dias.
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(11) Com este, deu Jesus princípio a seus sinais em Caná da
Galileia; manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele.
(12) Depois disto, desceu para Cafarnaum, ele, e sua mãe, e seus
irmãos, e seus discípulos, e ficaram ali não muitos dias.
João viu a festa em Caná e todo seu passado com Jesus com os
olhos da fé, adquiridos por toda uma longa vida. Ele viu o que nem os
outros, nem ele, naquele momento perceberam. O seu Evangelho tem que
ser lido com os mesmos olhos com que o Evangelho foi escrito. A
abundância do vinho... O vinho como sinônimo de alegria; as bodas como
símbolo da união entre Deus e os homens; a alegria nupcial que marca
uma festa de casamento... João viu seu Evangelho como “o Evangelho das
bodas” (Nigg), da alegria que marca essa festa da qual canta Novalis no seu
hino: “... se eles tivessem provado uma única vez, teriam deixado tudo para
trás”.
Quanto mais avançamos no Evangelho de João, melhor percebemos
a estrutura que o Apóstolo tem dado à sua obra. Vários comentaristas
entendem o milagre de Caná como prelúdio ao capítulo três, logo adiante.
Naquele capítulo, o Evangelista abordará a transformação que o Espírito
Santo opera no homem, levando-o ao “novo nascimento”. A transformação
da água em vinho de melhor qualidade, em abundância, já nos fala
daquilo que acontece quando Jesus é convidado (2.2: ... “Jesus também foi
convidado”). Os primeiros relatos de João assim fundamentam todo seu
Evangelho: abundância de perdão e transformação na presença de Jesus.
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Cap.2.13-22
(13) Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém. (14)
E encontrou no Templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os
cambistas assentados; (15) tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do
Templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos
cambistas, virou as mesas (16) e disse aos que vendiam as pombas: “Tirai daqui
estas coisas; não façais da casa do meu Pai casa de negócio”. (17) Lembraram-se os
seus discípulos de que está escrito: ‘O zelo da tua casa me consumirá’. (18)
Perguntaram-lhe, pois, os judeus: “Que sinal nos mostras, para fazeres estas
coisas?” (19) Jesus lhes respondeu: “Destruí este santuário, e em três dias o
reconstruirei”. (20) Replicaram os judeus: “Em quarenta e seis anos foi edificado
este Santuário, e tu, em três dias, o levantarás?” (21) Ele, porém, se referia ao
santuário de seu corpo. (22) Quando, pois, Jesus ressuscitou dentro os mortos,
lembraram-se os seus discípulos de que ele dissera isto, e creram na Escritura e na
Palavra de Jesus
63
(13) Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para
Jerusalém. Por que razão João coloca a subida para Jerusalém e a
intervenção de Jesus no “comércio sagrado” como introdução ao seu
ministério público, quando na realidade aconteceu no seu final? O registro
feito por João da purificação do Templo imediatamente depois do milagre em
Caná oferece uma importante chave para todo o ministério de Jesus. Nos
dois eventos é assinalada a substituição da antiga ordem (água para
purificação cerimonial) e Templo de Herodes pela nova ordem (vinho de
salvação, Is.25.6-9 e o Cordeiro ressurreto como o Novo Templo,
Apoc.21.22), conforme citação da “Bíblia de Estudo de Genebra”.
64
da casa do meu Pai casa de negócio”. “Tirem daqui estas coisas! Não
façam da casa do meu Pai casa de negócio!” – Tirar daqui “todas estas
coisas” não era nada menos que acabar com o serviço sacrifical. O que
seria do Templo sem os sacrifícios contínuos? Estes, permanentemente,
aplacavam a ira de Deus! Quinhentos anos atrás, o profeta Zacarias já
previu o fim do culto sangrento (14.21,22). E ali estava ele, em pleno
funcionamento!
Enquanto nos sinóticos a intervenção de Jesus parece ser resultado
da constatação de irregularidade comercial, em João é diferente. Jesus não
atacou condições objetivas como transações ilegais; Ele dispensou o
comércio como um todo. A casa de Seu Pai é casa de oração e não lugar de
comércio! Ao opor-se ao espírito de negócio, mesclado ao serviço sagrado,
Ele atacou o culto como um todo. Se o comercio era útil, melhor,
necessário para a manutenção do culto sacerdotal, era insuportável para
Jesus juntar negócio com adoração. As experiências das religiões, e
também da religião cristã, mostram como negócio e religião na prática se
mistura, tornando-se uma só coisa. O pior é que nem mais percebemos
que cometemos pecado grave.
65
condiciona seu sinal a uma atitude por parte deles e considerada como
impossível: destruir este Templo, orgulho dos religiosos, sua razão de ser.
Como não puderam entender o significado do “mashal”, eles responderam
questionando-o.
66
Passo a passo, João abrirá a nossa mente para a visão “do Filho”. Na
sequência do estudo de João perceberemos que segue a futilidade do
esforço religioso. E isso veremos na próxima leitura.
Cap.2.23 - 3.5
(23) Estando ele em Jerusalém, durante a Festa da Páscoa, muitos, vendo os
sinais que ele fazia, creram no seu nome; (24) mas o próprio Jesus não se confiava a
eles, porque os conhecia a todos. (25) E não precisava de que alguém lhe desse
testemunho a respeito do homem, porque ele mesmo sabia o que era a natureza
humana.
(3.1) Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um dos
principais dos judeus. (2) Este, de noite, foi ter com Jesus e lhe disse: “Rabi,
sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes
sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele”. (3) A isto, respondeu Jesus: “Em
verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o
Reino de Deus”. (4) Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo
velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez? (5)
Respondeu Jesus: Em verdade , em verdade te digo: quem não nascer da água e do
Espírito não pode entrar no reino de Deus.
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(2) Este, de noite, foi ter com Jesus... Aos Rabinos era
recomendado estudar durante a noite. Essa deverá ser a razão principal da
visita noturna e não o medo de ser visto, como, querendo desqualificar
esse homem, se costuma alegar. Um membro venerado da autoridade
religiosa judaica consultou a Jesus. Jesus já fora interpelado pelos
fariseus muitas vezes, nem sempre para ser apanhado em algum erro
(como costumamos interpretar), mas para ouví-lo a respeito de assuntos
controversos entre os fariseus. Estes gostavam de discussões sem fim
sobre cada detalhe da Lei e assim, Nicodemos, quando procurou a Jesus,
veio preocupado com um determinado assunto a ser discutido, importante
o suficiente para conhecer a opinião de Jesus.
Jesus não esperava elogios, Ele foi direto ao cerne da questão. Antes
que a pergunta certamente pronunciada por Nicodemos aparecesse (João
no-la omite), Jesus já colocou a condição preliminar. (3) A isto,
respondeu Jesus: “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém
não nascer de novo, não pode ver o Reino de Deus”.
69
palavra “de novo” usada por João, no grego, pode significar tanto “de novo”
como “de cima”.
70
descida do Espírito Santo. Conforme a profecia de Ezequiel, cap. 36. 25-
32, o batismo nas águas vai junto com a ação renovadora de Deus. Como
João, nos versos seguintes, não mais menciona a água, falando somente
sobre a ação do Espírito, fica claro que João viu a predominância do
Espírito sobre o sacramento do batismo, embora o considere necessário. O
Espírito Santo, como experiência da igreja, seria o agente que operasse a
mudança de natureza. Essa depende sempre de Deus e nenhum esforço
humano poderá resultar em “nascimento de cima”.
• Você já sentiu que ser cristão é mais do que ser batizado? Ainda
mais, se você foi batizado sem o seu consentimento, quando
você nem o percebia!?
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mereçamos, mas porque Jesus no-la concede quando O reconhecemos
Senhor. Essa intervenção de cima é o “novo nascimento”.
(8) O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes
donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do
Espírito.
Tanto no grego (pneuma) quanto no hebraico (ruach) o “vento”
mencionado aqui significa “espírito”. O vento é misterioso; não sabemos de
onde vem. Ele tem liberdade total e ninguém pode dispor dele. Assim,
disse Jesus, assim acontece com aquele que nasceu de novo. Você percebe
73
algo diferente nele, mas não sabe o que é. Você não pode negar esse “algo”,
tampouco explicá-lo. Nicodemos era um homem experiente e sábio; ele
conhecia a vida. Certamente percebeu este “algo” na pessoa de Jesus. Foi
isso que o havia atraído ao Mestre. Até nós percebemos em certos crentes
algo que gostaríamos de ter. Mas como chegar lá?
Não sabemos se esta frase ainda fez parte da conversa com o nobre
fariseu, pois Jesus já está usando o plural. Jesus está dizendo,
parafraseado: “Uma coisa lhe direi: Como vocês procuram entender coisas
espirituais, se vocês nem dão crédito às minhas palavras quando lhes falo
de coisas terrestres? Eu tenho autoridade porque falo daquilo que Eu vi e do
qual Eu fui testemunha”.
74
ainda não querem crer naquilo que dizemos”? Observe o plural: “nós”;
“temos visto” ou “vocês não creem”.
Cap. 3. 13-15
(13) Ora, ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, a saber, o
Filho do Homem (que está no céu). (14) E do modo porque Moisés levantou a serpente
no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, (15) para que todo
o que nele crê, tenha a vida eterna.
Nos livros apócrifos de Enoque (livros que não fazem parte da nossa
Bíblia) se faz referência a esse “Filho do Homem” em forma de parábolas.
1 Enoque 37-71 descreve o filho celestial do Homem, o Messias, o Eleito e o
Justo. É claro que são quatro termos para o mesmo intermediário de Deus.
Enoque falou de um “Filius hominis absconditus”, escondido no presente
tempo no reino celestial e que no dia de sua epifania (aparecimento) em
poder e glória vingar-se-ia nos inimigos de Deus.
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autodenomina “Filho do Homem”, Ele não se refere a Daniel 7. Por que
não?
Veja o raciocínio do Apóstolo: Por que razão alguém deveria ser
entronizado no céu e lhe serem outorgados todo o poder e glória no fim dos
tempos, a Ele que era com Deus desde o início, sim, que era Deus (João
1,1), alguém que se entende como o “EU SOU” e declara “Eu e o Pai
somos Um” (João 10,30), um pelo qual todas as coisas foram criadas
(1,3)? Para João, a entronização de Daniel já está no passado. Muitas
teorias a respeito foram levantadas; não perderemos nosso tempo com
elas.
No aramaico (idioma que Jesus falava), o termo “Filho do Homem”
(bar-enasch) ou no hebraico (bem-adam) significa simplesmente “filho de
Adão” (qualquer um) ou simplesmente o gênero.
77
título “Filho do Homem” na boca do maldito crucificado, tomavam
providências para a eliminação desse termo. Assim, já na época apostólica,
os fariseus procuravam por meios contra o autopredicado de Jesus. Era
importante tirar das menções do “Filho do Homem” a ideia de um ser
humano.
78
Com o avançar do tempo, a igreja entre os não judeus não mais fazia
uso dogmático do título com que Jesus se autodenominava, pois não mais
o entendeu. Ele não servia na cultura grega. A igreja como um todo
preferiu empregar o título “Cristo (Messias)” em clara oposição aos judeus
para os quais o Messias ainda não apareceu. Os livros de Enoque, no
entanto, continuavam sendo lidos nas igrejas cristãs até o quarto século,
quando o “Cânon” do Novo Testamento foi definido (a escolha dos livros
que fariam parte dele) e os livros de Enoque foram excluídos. Nem nos
Tratados dos primeiros Pais da Igreja aparece mais o título “Filho do
Homem”. Havia se tornado sem sentido para as igrejas cristãs não
judaicas.
79
ergueram seu olhar à serpente levantada, à espera de ajuda dela, foram
curados.
Em todo seu Evangelho e assim também no contexto da conversa
com Nicodemos, João usa o termo “levantar” quando fala da crucificação,
onde Jesus foi levantado à vista de todos, como à elevação que
corresponde à glorificação do Filho na Sua volta ao Pai. Havia necessidade
de Jesus ser “levantado” como “escândalo”; havia necessidade da cruz
para ser “levantado” à glória. O Espírito Santo, vivificador, não podia vir
antes que a cruz, Páscoa e pentecoste preparassem o caminho. A
reconciliação do mundo, obra de Deus, era prerrogativa para a entrada no
Reino. Essa, em essência, seria a resposta a Nicodemos.
(15) para que todo o que nele crê, tenha a vida eterna.
Haverá um escândalo, disse João, em que seu olhar decidirá sobre
vida ou morte. A morte de Jesus, levantado da terra, será um escândalo
para a inteligência (1.Cor.1.23). Ela, no entanto, será o meio através do
qual o poder e a glória de Deus se manifestarão. Pela primeira vez, João
recorre ao termo “vida eterna” como sinônimo da “entrada no Reino de
Deus”. O termo “eterno” aqui não é o contrário filosófico de “tempo”, tempo
sem fim, algo aterrorizador. “Eterno” quer dizer “pertencendo ao novo
‘aeon”’, com as características do mundo por vir, do “Reino de Deus”.
Nós não procuramos uma vida sem fim. O que Jesus nos oferece é
uma vida pertencente ao “aeon” (época, era) de Deus, que desconhecerá
temporalidade e corrupção.
Cap. 3. 16-21
80
(16) Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho
unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. (17)
Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas
para que o mundo fosse salvo por ele. (18) Quem nele crê não é julgado; o que não
crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus. (19) O
julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do
que a luz; porquanto as suas obras eram más. (20) Pois todo aquele que pratica o
mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de que não serem arguidas as
suas obras. (21) Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, a fim de que as suas
obras sejam manifestas, porque feitas em Deus.
(16) Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu
Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a
vida eterna.
O termo nessa sentença, que deve exigir a maior atenção, aparece
(em português) no meio da sentença. Ele deveria estar no começo: “de tal
maneira Deus amou”; “assim Deus amou, que deu...” Somente Deus é
capaz de amar de tal maneira um mundo (o cosmo) em estado de
inimizade. Não fomos nós que, analisando o comportamento de Deus,
descobrimos o Seu amor. Através do amor de Deus para com “o mundo”
podemos aprender em que consiste o “amor”. Esse amor de Deus para com
o “cosmos” não tem sua razão no mundo, nem na maneira com que este
eventualmente se posiciona perante Deus. O amor jorra abundantemente e
aparentemente sem motivo, considerando o inimigo como “amado”.
(17) Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que
julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.
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(Mat.3.10,12), a mensagem de Deus através do Filho não é Juízo, mas
Salvação. Os Evangelistas sinóticos ainda viam Jesus como futuro Juiz.
João corrigiu: Sua vinda significa salvação – para o mundo!
(18) Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado,
porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.
82
também são más. Não porque o homem peca, ele é mal. Ele aborrece a luz
porque dela se esconde na escuridão.
Paulo nunca poderia ter escrito João 3.21. Ele, ex-fariseu, conheceu
a miséria de alguém quebrantado pela Lei. João nada disso sabia. Paulo,
em Romanos 7, aparece torturado na sua luta íntima. Ele conheceu a
ruptura traumática com seu antigo modo de religiosidade. João, no
entanto, parece livre, relaxado. Nada das lutas de Paulo notamos em nosso
Apóstolo. Paulo alcançou a paz através e após uma luta feroz. João, desde
seu chamado, parece repleto de uma permanente sobriedade feliz.
Caso não, procure alguém com quem falar sobre essa decisão de sua
vida. Vá a alguém em quem você nota aquele “algo” de que tratamos duas
lições atrás! Procure vida, não teologia!
Cap. 3.22-30
83
(22) Depois disto, foi Jesus com seus discípulos para a terra da Judeia; ali
permaneceu com eles e batizava. (23) Ora, João também estava batizando em Enom,
perto de Salim, porque havia ali muitas águas, e para lá concorria o povo e era
batizado. (24) Pois João ainda não tinha sido encarcerado. (25) Ora, entre os
discípulos de João e um judeu suscitou-se uma contenda com respeito à purificação.
(26) E foram ter com João e lhe disseram: Mestre, aquele que estava contigo além
do Jordão, do qual tens dado testemunho, está batizando, e todos lhe saem ao
encontro. (27) Respondeu João: O homem não pode receber coisa alguma se do céu
não lhe for dada. (28) Vós mesmos sois testemunhas de que vos disse : eu não sou o
Cristo, mas fui enviado como seu precursor. (29) O que tem a noiva é o noivo; o
amigo do noivo que está presente e o ouve muito se regozija por causa da voz do
noivo. Pois esta alegria já se cumpriu em mim. (30) Convém que ele cresça e que eu
diminua.
(22) Depois disto, foi Jesus com seus discípulos para a terra da
Judeia; ali permaneceu com eles e batizava.
Em João 1.34 lemos que Jesus, após seu primeiro encontro com o
Batista e seu próprio batismo e experiência no deserto, deixou o
movimento batista, sendo acompanhado nesse ato pelos seus primeiros
seis discípulos, todos oriundos do movimento batista. Ele voltou para o
norte, para sua Galileia. O velho Apóstolo lembra que, posteriormente,
Jesus retornou ao Jordão, permanecendo ali por um bom tempo. A
mensagem do Batista, a anunciação do Reino de Deus por Deus ordenada,
também movia a mente de Jesus. Embora Ele não tenha se ligado
diretamente ao movimento batista, viu o batismo como condição inicial
(indicando o arrependimento) como tão indispensável que, por alguns
meses, permitiu aos seus discípulos uma atividade similar. Ali Jesus foi
procurado por muita gente.
(24) Pois João ainda não tinha sido encarcerado. Com essa frase
intercalada João corrige a informação inconsistente de Marcos de que
Jesus somente iniciou sua atividade ministerial após o Batista ser preso
(Marcos 1.14). Por aproximadamente oito meses tanto João Batista como
Jesus ministravam no Jordão, independentes, mas com o mesmo
ministério, embora à certa distância. Os seguidores do Batista não viam de
bons olhos a atividade do grupo de Jesus. Eles entenderam como traição o
fato de alguns de seus antigos companheiros terem aberto outro campo
84
sob a liderança de Jesus. A situação agravou-se quando o movimento de
Jesus começou a crescer, ultrapassando o do Batista.
85
O posicionamento do Batista, “o maior dos nascidos de mulher”, como
Jesus o definiu em Mateus 11.11, uma figura impressionante na divisória
das duas épocas, na passagem da Antiga para a Nova Aliança, é
comovente. Livre de orgulho e necessidade de reconhecimento público, ele
reafirma sua posição já dada em 1.22 – 27,30. Ele novamente se definiu
“precursor de outro maior”. Os seus seguidores parecem não ter dado a
devida atenção às palavras de seu mestre.
(28) Vós mesmos sois testemunhas de que vos disse: eu não sou
o Cristo, mas fui enviado como seu precursor. Não havia razão alguma
para inquietação entre seus seguidores. João era o precursor, aquele que
abriu o caminho. Ele havia chegado ao limite de sua atuação. O
movimento crescente em volta de Jesus configurava sua própria missão
como cumprida: ele havia anunciado Aquele que seria maior do que ele.
86
missão o castigavam, mas Jesus, através dos mensageiros enviados, o
lembrou das profecias. Importava a ele diminuir.
O Rei Ibrahim procurou Deus e não O encontrou. Uma noite, ele ouviu alguém
usando botas pesadas andando no telhado do palácio. Subindo para ver quem era,
viu que era o seu melhor amigo, que conhecia a sua busca espiritual. O Rei
perguntou a ele:
“O que você está fazendo aí em cima?”
“Procuro camelos.”
“Que tolice procurar camelos no telhado de um palácio”, exclamou o Rei, ao que o
amigo respondeu:
“Tolice é procurar Deus sentado num Trono”!
Cap. 3.31-36
(31) Quem vem das alturas certamente está acima de todos; quem vem da
terra é terreno e fala da terra; quem veio do céu está acima de todos (32) e testifica
o que tem visto e ouvido; contudo, ninguém aceita o seu testemunho. (33) Quem,
todavia, lhe aceita o testemunho, por sua vez, certifica que Deus é verdadeiro. (34)
Pois o enviado de Deus fala as palavras dele, pois Deus não dá o Espírito por
medida; (35) O Pai ama ao Filho, e todas as coisas tem confiada às suas mãos. (36)
Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde
contra o Filho, não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus.
87
(3.32). Muitos seguiram a Jesus, assim como hoje, quando observamos “a
moda” de usar o nome de Jesus para tudo enquanto rende alguma coisa.
88
conhecimento do nosso espírito (da centelha divina). Bastaria encontrá-
la, viajando dentro de si. A pessoa de Deus cai fora, pois o que dele
precisamos já temos em nós. Não há necessidade de um sacrifício
substituto (de Jesus); cada um pode livrar-se por si mesmo. Jesus teria
se libertado pela destruição do seu corpo; Judas, por sua vez,
sacrificou-se por lealdade ao mestre (VEJA, 27.12.06, “O homem que compreende
Judas”).
(34) Pois o enviado de Deus fala as palavras dele, pois Deus não
dá o Espírito por medida;
89
Jesus é o verdadeiro Enviado por não falar nada de si; Ele fala
somente “as palavras de Deus”. Somente o Filho pode falar palavras
divinas, porque é Um com o Pai. Os profetas recebiam o Espírito “por
medida”, exatamente para a execução de seu ministério. O Filho, porém, o
recebeu “sem medida”, isto é: inteiro, completo, permanente. Ele não fala
como um vendedor, que mede bem o estoque antes de vender certa
quantidade do seu produto a seu cliente. No Filho temos “abundância”.
João não diz: “quem crê em Deus...”; tampouco ele diz: “quem crê no
Pai”... Menos ainda ele diz: “quem crê nos dogmas da Igreja...”
Deus quer (ou pode) ser encontrado somente no Seu Filho. “Quem
crê no Filho...”!
90
É para aplacar a ira de Deus sobre a sua, sobre a minha cabeça, que
Jesus morreu; pois quando aceito que Deus em Cristo o fez por mim, por
amor e não por merecer, estou certificando que Deus é verdadeiro (3.33).
Assim você, com corpo, alma e espírito, está livre para servir ao Deus
verdadeiro. O corpo não é prisão, ele será templo do Espírito de Deus.
Cap. 4.1-17
(4.1) Quando, pois, o Senhor veio a saber que os fariseus tinham ouvido dizer
que ele, Jesus, fazia e batizava mais discípulos que João (2) (se bem que Jesus
mesmo não batizava, e sim os seus discípulos) (3) deixou a Judeia, retirando-se
outra vez para a Galileia. (4) Era lhe necessário atravessar a província de Samaria.
(5) Chegou, pois, a uma cidade samaritana, chamada Sicar; perto das terras que
Jacó dera a seu filho José. (6) Estava ali a fonte de Jacó. Cansado da viagem,
assentara-se Jesus junto à fonte, por volta da hora sexta. (7) Nisto, veio uma mulher
samaritana tirar água. Disse-lhe Jesus: “Dá-me de beber”. (8) Pois seus discípulos
tinham ido à cidade para comprar alimentos. (9) Então, lhe disse a mulher
samaritana: “Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher
samaritana (porque os judeus não se dão com os samaritanos)? (10) Replicou-lhe
Jesus:” Se conheceras o dom de Deus e que é o que te pede: dá-me de beber, tu lhe
pediras, e ele te daria água viva”. (11) Respondeu-lhe ela: “Senhor, tu não tens com
que a tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água viva? (12) És tu, porventura,
maior do que Jacó, o nosso pai, que nos deu o poço, do qual ele mesmo bebeu, e ,
bem assim, seus filhos, e seu gado?” (13) Afirmou-lhe Jesus: “Quem beber desta
água, tornará a ter sede; (14) aquele, porem, que beber da água que eu lhe der nunca
mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der, será nele uma fonte a jorrar
para a vida eterna. (15) Disse-lhe a mulher: “Senhor, dá-me dessa água para que eu
não mais tenha sede, nem precise virar aqui buscá-la”. (16) Disse-lhe Jesus: “Vai,
chama teu marido e vem cá; (17) ao que lhe respondeu a mulher: “Não tenho
marido.” Replicou-lhe Jesus: “Bem disseste, não tenho marido; (18) porque cinco
maridos já tiveste, e esse que agora tens não é teu marido; isto disseste com
verdade”.
91
Estado de Israel em duas partes (nordeste e sul), assim no tempo de
Jesus, a região dos “Samaritanos” se interpôs entre a Judeia (no sul) e a
Galileia (ao norte). O caminho mais rápido e mais curto do sul para o norte
atravessava a tal “Samaria”. O historiador Josefo relatou: “Os apressados
terão que usar a rota pela Samaria, pois só dessa maneira será possível,
partindo da Galileia, alcançar Jerusalém no prazo de três dias” (Vita 52§
269). O caminho alternativo pelo vale do Jordão era penoso e pouco usado.
Os judeus ortodoxos, os fiéis, porém, o preferiam, pois desprezavam e, pior
ainda, odiavam os Samaritanos. “Quem comer pão dos samaritanos é
semelhante ao que come carne de cachorro” diziam as más línguas
rabínicas. Os judeus fiéis à Torá esmeraram-se em evitar qualquer contato
contaminador com os samaritanos.
92
O encontro de Jesus com a mulher samaritana costuma ser
interpretado por alguns comentaristas como exemplo de um
aconselhamento espiritual, psicologicamente bem estruturado, com uma
pobre mulher moralmente arruinada. Como resultado do aconselhamento,
costuma ser apontado o verso 24 (adoração a Deus em espírito e em
verdade). Essa explanação moralista e superficial, pensamos, nada tem a
ver com a mensagem de João.
93
usado por João) poder-se-ia tratar também tanto de seis da manhã como
das seis da tarde. Costumava se tirar água dos poços no declinar do dia.
Para nosso estudo não é de relevância se foi meio-dia ou seis da tarde:
Veio uma mulher da cidade, embora essa cidade tenha sua própria fonte.
Aqui já vemos como a figura da mulher samaritana começa a representar
“os samaritanos” como comunidade distinta. Ela veio à procura de uma
água melhor.
Ou a mulher não escutou bem ou ela não levou muito a sério “esse
judeu”. Novamente sua resposta demonstrou uma mistura de cinismo e
curiosidade. Como é que “esse judeu” lhe daria água “viva”?
94
maior do que Jacó, o nosso pai, que nos deu o poço, do qual ele
mesmo bebeu, e, bem assim, seus filhos, e seu gado?”
Outras traduções dizem “tu nem tens balde para tirar...”. A mulher
não se deu por vencida. “O senhor quer ser maior que nosso pai Jacó,
querendo que eu lhe peço por “água viva” uma vez que essa água fora boa o
suficiente para ele, nosso pai, seus filhos e até seu gado?”
A mulher, no entanto, entendeu mais uma vez outra coisa. Sua visão
limitada, tanto cultural como socialmente, fez com que ela ouvisse o
seguinte: “Água milagrosa!” Ela imediatamente enxergou a possibilidade de
um fim das andanças diárias, cansativas e repetitivas, em busca de água!
Fim da eterna sede que sempre se renovava. Será que esse “judeu” tinha
poderes mágicos que tornariam possível tudo isso? Supersticiosa, como ela
(e como são todas as pessoas religiosas) era, imediatamente pediu: (15)
Disse-lhe a mulher: “Senhor, dá-me dessa água para que eu não mais
tenha sede, nem precise virar aqui buscá-la.
95
Quando conversamos com alguém, às vezes temos que mudar “o
caminho” para chegar ao que queremos abordar. Foi esse o caso com a
mulher samaritana.
Cap. 4.18-29
(16) Disse-lhe Jesus: “Vai, chama teu marido e vem cá; (17) ao que lhe respondeu
a mulher: “Não tenho marido.” Replicou-lhe Jesus: “Bem disseste, não tenho marido; (18)
porque cinco maridos já tiveste, e esse que agora tens não é teu marido; isto
disseste com verdade”. (19) “Senhor”, disse-lhe a mulher, “vejo que tu és profeta.
(20) Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é
o lugar onde se deve adorar”. (21) Disse-lhe Jesus: “Mulher, podes crer-me que a
hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. (22) Vós
adorareis o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação
vem dos judeus. (23) Vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores
adorarão em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus
adoradores. (24) Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em
espírito e em verdade”. (25) “Eu sei”, respondeu a mulher, “que há de vir o messias,
chamado Cristo; quando ele vier, nos anunciará todas as coisas”. (26) Disse-lhe
Jesus: “Eu o sou, eu que falo contigo”. (27) Neste ponto, chegaram os seus
discípulos e se admiraram de que estivesse falando com uma mulher; todavia,
nenhum lhe disse: “que perguntas?” ou :”por que falas com ela?”. (28) Quanto à
mulher, deixou o seu cântaro, foi à cidade e disse àqueles homens: (29) “Vinde
comigo e vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito. Será este,
porventura, o Cristo?!”
97
“Nós adoramos o que conhecemos” (“... o que temos ouvido, o que
temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas
mãos apalparam, com respeito ao Verbo da Vida... e dela damos
testemunho...” 1.João 1.1,2). Você percebe? João não fala mais como
judeu, nem são as palavras de Jesus à samaritana proferidas neste verso:
são as palavras do Apóstolo à Igreja primitiva cristã.
98
prestou atenção no “... a hora já chegou”. Para a mulher samaritana tudo
ainda era visão escatológica. Ela, como samaritana, também esperava o
Messias (para eles é o “Ta’eb” = “aquele que está retornando”). Mas quando
será que “ele” virá para anunciar também a eles “todas as coisas”?
99
O trecho de 31 a 39 abrirá a nossa visão, pois aparecerão
ramificações no Evangelho de Lucas e nos Atos dos Apóstolos. Quem serão
esses “outros” do verso 38?
Cap. 4.30-42
(30) Saíram, pois, da cidade e vieram ter com ele. (31) Neste ínterim, os
discípulos lhe rogavam, dizendo: “Mestre, come!” (32) Mas ele lhes disse: “Uma
comida tenho para comer, que vós não conheceis”. (33) Diziam, então, os discípulos
uns aos outros: “Ter-lhe-ia, porventura, alguém trazido o que comer?” (34) Disse-
lhes Jesus: “A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou e
realizar a sua obra. (35) Não dizeis vós que ainda há quatro meses até à ceifa? Eu,
porém, vos digo: erguei os olhos e vede os campos, pois já branquejam para a ceifa.
(36) O ceifeiro recebe desde já a recompensa e entesoura o seu fruto para a vida
eterna; e, destarte, se alegram tanto o semeador como o ceifeiro. (37) Pois, no caso,
é verdadeiro o ditado: “Um é o semeador, e outro é o ceifeiro. (38) Eu vos enviei
para ceifar o que não semeastes; outros trabalharam, e vós entrastes no seu
trabalho. (cont)
100
Após a morte de Jesus, Samaria representou a primeira etapa no
trabalho missionário pós-Páscoa. Era sumamente importante para os
primeiros cristãos terem a certeza de trabalharem segundo a vontade de
Cristo quando se dirigirem a esse país.
O texto que lemos hoje nos dará algumas dicas a respeito. Enquanto
Jesus estava acima de ressentimentos religiosos e culturais, seus
discípulos ainda não estavam. Jesus não se revelou interessado na
propagação do “Messias”, pois essa notícia sem a consumação da redenção
(morte e ressurreição) e sem a descida do Espírito Santo levaria a nada. Os
discípulos fora de Israel, em “terra pagã” (e Samaria era vista como tal),
somente anunciariam o Messias judaico, superior ao “Ta’eb” dos
samaritanos. Para atuar entre gentios, anunciando-lhes a Boa Nova da
mesma condição de aceitação no Reino como era válida para os judeus,
Deus ainda tinha muito trabalho a realizar nos próprios discípulos (confira
Pedro em Atos 10)!
Enquanto as pessoas alertadas pela mulher samaritana não
chegaram, o Evangelista aborda no seu estilo metafísico verdades básicas
proferidas por Jesus quanto ao trabalho missionário, especificamente
aplicados ao povo da Samaria.
101
(31) Neste ínterim, os discípulos lhe rogavam, dizendo: “Mestre,
come!” (32) Mas ele lhes disse: “Uma comida tenho para comer, que
vós não conheceis”.
102
(36) O ceifeiro recebe desde já a recompensa e entesoura o seu
fruto para a vida eterna; e, destarte, se alegram tanto o semeador
como o ceifeiro.
Conquanto normalmente decorra um tempo entre semeadura e
colheita, Jesus viu o campo onde o semear e a colheita coincidem: nos
samaritanos, o tempo da colheita já tinha chegado.
A colheita feita por Jesus no momento em que o povo de Sicar aflue
em direção a Ele não foi mais que uma antecipação da verdadeira colheita
que, depois da morte de Jesus, ficou reservada aos Apóstolos em Samaria
(Atos 8.14ss).
103
O livro de Atos nos diz que a missão em Samaria foi inaugurada
pelos “helenistas”, em particular por Filipe, um dos “sete” (diáconos) e que
só depois os Apóstolos Pedro e João se fizeram responsáveis pelo seu
campo. “Os Apóstolos em Jerusalém, ouvindo que Samaria havia aceitado a
palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João” (Atos 8.14).
(30) Saíram, pois, da cidade e vieram ter com ele. (39) Muitos
samaritanos daquela cidade creram nele, em virtude do testemunho
da mulher, que anunciara: “Ele me disse tudo quanto tenho feito”.
(40) Vindo, pois, os samaritanos ter com Jesus, pediam-lhe que
permanecesse com eles; e ficou ali dois dias. (41) Muitos creram nele,
por causa de sua palavra, (42) e diziam à mulher: “Já agora não é pelo
que disseste que nós cremos; mas porque nós mesmos temos ouvido e
sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo.
104
• Você creu porque sua amiga, seu amigo lhe falaram? Ou - como
no caso dos samaritanos -, “você mesmo tem ouvido a Sua voz
no Evangelho” e respondido, crendo?
Cap. 4.43-45
(43) Passados dois dias, partiu dali para a Galileia. (44) Porque o mesmo Jesus
testemunhou que um profeta não tem honra na sua própria terra. (45) Assim,
quando chegou à Galileia, os galileus o receberam, porque viram todas as coisas que
ele fizera em Jerusalém, por ocasião da festa, à qual eles também tinham
comparecido.
(43) Passados dois dias, partiu dali para a Galileia. (44) Porque o
mesmo Jesus testemunhou que um profeta não tem honra na sua
própria terra. Passados dois dias de extensas conversas com os cidadãos
samaritanos, Jesus dirigiu-se à Galileia, sua terra, ao norte. Os
comentaristas bíblicos, em sua grande maioria, entendem da seguinte
forma algo aparentemente contraditório nos verso 44 e 45: “Porque” Jesus
sabia que em sua própria terra não chamaria tanta atenção (tal qual
acontecera quando ministrava na Judeia onde chamou a atenção perigosa
das autoridades religiosas, cap.4.1,2), e desejando ministrar sem correr o
risco de novos confrontos, Ele decidiu voltar à Galileia. Ali, com exceção de
Nazaré, onde havia sido expulso da Sinagoga (o que sabemos por Marcos
6.1-6), Ele fora bem recebido pelos seus compatriotas.
João não especifica quais foram tais “todas as coisas” que Jesus
operava em Jerusalém. Esses feitos, todavia, haviam impressionado
profundamente os peregrinos vindos da Galileia, que agora receberam de
braços abertos o seu compatriota famoso.
108
(47) Tendo ouvido dizer que Jesus viera da Judeia para a
Galileia, foi ter com ele e lhe rogou que descesse para curar seu filho,
que estava à morte. O autor mostra conhecimento geográfico. O próprio
oficial, tendo recebido a notícia da chegada do homem curador nas
montanhas da Galileia, se pôs a caminho. No seu desespero venceu a
subida tortuosa e cansativa até Caná, a 27 km de distância em linha reta.
Esse oficial era um homem acostumado a dar ordens. Enquanto
apressadamente subiu, martelava na sua mente o seguinte pensamento:
Esse Jesus terá que descer imediatamente, pois meu filho esta à morte. Se
Jesus atrasar e o filho vier a morrer, tudo está perdido. Diz João, que o
oficial exausto “rogou para que Jesus descesse para curar seu filho”.
109
O oficial imediatamente reforçou seu pedido. Ele não queria milagre,
ele quis ver seu filho salvo. Ele o amava; talvez fosse seu filho único. O
lamento de Jesus permite presumir que, no momento em que o oficial lhe
lançou seu pedido, às sete da noite, Jesus já tinha sido solicitado por
outros muitos. (49) Rogou-lhe o oficial: “Senhor, desce, antes que meu
filho morra”. A confiança e o sofrimento do homem comoveram a Jesus.
(50) “Vai”, disse-lhe Jesus, “teu filho vive”. Ao invés de atender o
oficial, dispondo-se a acompanhá-lo – o que era de se esperar –, Jesus,
certamente cansado, fitando-o com seu olhar, só disse uma única frase.
“Teu filho vive”. Não disse: “Seu filho viverá”.
110
sustentava na Palavra de Jesus. Agora, porém, ele não creu mais em uma
palavra, mas passou a crer na pessoa. A partir daquele momento, tudo
que Jesus lhe diria teria validade, vendo ou não um resultado momentâneo.
(54) Foi este o segundo sinal que fez Jesus, depois de vir da
Judeia para a Galileia. Na composição da obra, além de suas próprias
recordações, o velho Apóstolo recorreu a outras fontes de tradição que se
unem no seu Evangelho. Enquanto na leitura anterior ouvimos de “muitos
feitos” (milagres) por ocasião da festa em Jerusalém, João retorna neste
relato a uma outra fonte anterior, onde os milagres de Jesus eram
enumerados. Após o sinal em Caná, considerado o primeiro milagre
realizado por Jesus na Galileia, esta tradição considera a cura do filho do
oficial como “o segundo sinal desde que voltou para a Galileia”. Qual foi,
então, o terceiro? Não precisamos perder tempo com hipóteses a respeito.
Fato é que João não deu continuação a essa contagem. O Apóstolo não
cedeu à tentação de tentar provar a Divindade de Jesus com a enumeração
de “sinais”. Como primeiro “teólogo” do cristianismo ele os observou “de
cima”, como a águia – seu símbolo, e a qual, durante seu voo, tem a visão
da paisagem como um todo. João procurou decifrar a mensagem que estes
sinais, em conjunto com as palavras, lhe trouxeram. Vistas na perspectiva
de Deus, as peças se juntaram e o Evangelista podia concluir sua obra
mais tarde com as palavras que usou: “... muitos outros sinais que não
estão escrito neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais
que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em
seu nome” (20.30,31).
111
receberam; mas a todos quantos O receberam, deu-lhes o poder de serem
feitos filhos de Deus; aos que creem no Seu nome” ?
112
questão de respeito ao Apóstolo, haviam deixado a obra sem alterar a
sequência dos relatos. Várias questões, até teológicas, assim ficariam mais
claras. Contra essa hipótese pesa o fato de que até os mais antigos
manuscritos desde sempre nos apresentam o Evangelho na ordem atual.
Seja quem for a quem devemos essa obra, apesar de vários “vazios”
cronológicos, o autor deve ter lançado o Evangelho convencido da
coerência e da veracidade do seu conteúdo. Seguiremos, portanto, à
ordem tradicional dos capítulos.
(5.1) Passadas estas coisas, havia uma festa dos judeus, e Jesus
subiu para Jerusalém. O calendário festivo judaico conhecia três festas
de peregrinação, dias em que os israelitas procuravam ir a Jerusalém,
seguindo a ordem contida em Deuteronômio 16.16: “Três vezes por ano,
todos os seus homens se apresentarão ao SENHOR, o seu Deus, no local
que ELE escolher...”. São a Páscoa, a Pentecoste e a Festa dos
Tabernáculos. A festa em que os judeus fiéis, impedidos de peregrinar três
vezes por ano, de maneira alguma podiam faltar no Templo, era a Páscoa.
Com o artigo indefinido “uma festa”, o Evangelista não nos revela qual era
a festa e quando é que Jesus subiu para Jerusalém, que fica a 818 metros
acima do nível do mar. Qualquer caminho para a cidade Santa trilhava
montanha acima. Assim, a ida a Jerusalém na Bíblia sempre é
apresentada como “subir à cidade”. O Evangelista tampouco nos dá
alguma indicação a respeito da duração do período que se passou desde
que se deram os últimos acontecimentos que foram relatados no capítulo
quarto. Entendemos que pelo menos nove meses se passaram, período que
compreende a extensa atividade de Jesus na Galileia apresentada nos
Evangelhos sinóticos. Nada nos é dito a respeito dos discípulos e não
sabemos se Jesus subiu sozinho.
113
1952, quando nas cavernas de Qumran foi descoberto o “Rolo de Cobre”
(3Q), confirmou-se a tradição bíblica. Este rolo hoje está exposto no Museu
de Amman (Jordânia). Nele, o tanque é mencionado com seu nome
“Betesda” (Casa da Misericórdia) na forma gramatical dupla, o que
confirma a existência de um tanque duplo. Como explicamos
anteriormente, os nomes citados estão todos em aramaico, idioma da
época e não em hebraico.
(4) ... esperando que se movesse a água. Porquanto um anjo descia em certo
tempo, agitando-a; e o primeiro que entrava no tanque, uma vez agitada a água, sarava
de qualquer doença que tivesse.
Dificilmente o Apóstolo escreveu o texto do verso quatro que
encontramos hoje nas Bíblias. Este não consta em nenhum dos mais
antigos manuscritos. O primeiro autor que menciona o conteúdo do verso
4 foi Tertuliano (145-220 d.C). Trata-se de uma observação baseada na
religiosidade popular, acrescentada à margem da Escritura e incluída
posteriormente numa cópia subsequente (o que na Bíblia várias vezes
aconteceu). A observação de João em 9.32 mostra claramente que não se
conhecia em toda Jerusalém algo como um tanque cuja água curava
“qualquer doença”. Com a observação no verso quatro, o copista
certamente visava explicar melhor ao leitor da época do Evangelista sobre
o que consta no verso sete, isto é, a convicção pessoal do homem doente.
114
rebelião. As palavras de Jesus dirigidas ao homem curado e contidas no
verso 14, talvez também tenham algo a dizer-nos a respeito.
(8) Então, lhe disse Jesus: “Levanta-te, toma o teu leito e anda”.
115
Ao contrário da situação do paralítico constante em Marcos cap.2,
onde amigos, vencendo obstáculos tremendos, levaram o doente à
presença de Jesus, esse doente não tinha ninguém. A sua mente estava
presa à superfície da água no tanque. Nem sabia quem era o homem que
ora o abordou com a sua curiosa pergunta: “Queres ser curado?” Ele não
tinha nenhuma razão para demonstrar fé. Ao contrário, ele havia
expressado sua frustração quanto à impossibilidade de ter a sua chance
de cura. Da mesma forma como em João 2.7 e em 4.50, a ajuda ao homem
acontece em forma de uma ordem: “Levanta-te, toma o teu leito ( melhor:
colchonete) e anda!” No texto original em grego, o termo usado tem uma
conotação um tanto vulgar, como se disséssemos: “Pega a tua trouxa e sai
daqui!” (H.Thyen). O que nos chama atenção, é que João usa literalmente
os mesmos termos com os quais Jesus se dirigiu ao paralítico em Marcos
2.9! Como já lembramos na introdução ao Evangelho de João, temos boa
razão para crer que os três Evangelhos sinóticos não só eram conhecidos
por João, mas até citados nas congregações. Quando Mateus e Lucas
relatam o milagre de Marcos 2, eles, discretamente, substituíram o termo
um tanto vulgar - “trouxa” - por um termo mais respeitoso (o termo usado
por João aparece no NT somente ainda em Mc. 6.55 e Atos 5.15 e 9.33).
116
A continuação na próxima leitura mostrará as implicações das duas
maneiras de entender a ordem de Jesus.
Cap. 5.9-18
(9) Imediatamente, o homem se viu curado e, tomando o leito, pôs-se a andar. E
aquele dia era sábado. (10) Por isso, disseram os judeus ao que fora curado: “Hoje é
sábado, e não te é lícito carregar o leito”. (11) Ao que ele lhes respondeu: “O mesmo
que me curou me disse: Toma o teu leito e anda”. (12) Perguntaram-lhe eles: “Quem
é o homem que te disse: Toma teu leito e anda? (13) Mas o que fora curado não
sabia quem era; porque Jesus havia se retirado, por haver muita gente naquele
lugar. (14) Mais tarde, Jesus o encontrou no Templo e lhe disse: “Olha que já estas
curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior”. (15) O homem retirou-
se e disse aos judeus que fora Jesus quem o havia curado. (16) E os judeus
perseguiam Jesus, porque fazia estas coisas no sábado. (17) Mas ele lhes disse: “Meu
pai trabalha até agora, e eu trabalho também”. (18) Por isso, pois, os judeus ainda
mais procuravam matá-lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia
que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus.
117
(10) Por isso, disseram os judeus ao que fora curado: “Hoje é
sábado, e não te é lícito carregar o leito”. João, como judeu, conheceu
bem a “Mishna” (hebr. “schana” = aprender repetindo). A Mishna, porém,
só reconhecia uma acusação se a transgressão era precedida de uma
advertência. Essa advertência da parte dos “judeus” está sendo feita ao
homem curado no verso 10: “Hoje é sábado, e não te é lícito carregar o
leito”. Somente a partir daí e se ele insistisse em pecar cairia no
julgamento.
(13) Mas o que fora curado não sabia quem era; porque Jesus
havia se retirado, por haver muita gente naquele lugar. O homem
curado, por sua vez, não sabia responder. Nunca antes havia visto Jesus e
esse tinha desaparecido na multidão.
118
peques mais...” indica que, junto com a cura física houve perdão dos
pecados. A advertência de Jesus faz sentido, se nos lembramos dos 38
anos no deserto. A sua nova vida deveria ser nova também no que tange ao
seu relacionamento com Deus; caso contrário, a “coisa pior” seria a mesma
que acontecera à geração de seus pais no deserto: não viria a terra
prometida; não haveria comunhão íntima com Deus.
A presença do homem no Templo nos sugere que ele foi apresentar-
se aos sacerdotes como testemunha de cura ou para agradecer através de
uma oferta qualquer.
Observe que a iniciativa do encontro com o curado novamente partiu
de Jesus. Sempre é com a misericórdia de Deus que alguém inicia o
caminho, nunca será com a ameaça do inferno. Somente quando
compreendemos o tamanho do amor incondicional de Jesus teremos
condições de “não pecar mais” e de andar em um novo caminho.
(17) Mas ele lhes disse: “Meu pai trabalha até agora, e eu
trabalho também”. Podemos parafrasear a resposta do “acusado” da
seguinte forma: “Assim como meu Pai trabalha sem interrupção, assim
também eu trabalho sempre” (Thyen). O tempo gramatical no imperfeito,
usado por João no verbo trabalhar, mostra que a afirmação de Jesus não
se restringiu somente à cura recente; ela é característica pelo seu
posicionamento perante a Torá. Karl Barth, o maior teólogo protestante do
século vinte, parafraseou a declaração de Jesus da seguinte forma: “Eu
119
faço ...o que, como Filho de meu Pai, tenho obrigação de fazer e o posso, sem
levar em consideração a Lei dada aos homens e válida para eles, como
dever do Filho e direito de Salvador conforme o direito que não quebra a Lei
de Moisés nem a revoga, mas como “ius divinum” determina tanto sua
origem quanto seu limite (Decl. 275). Embora difícil de entender, a
declaração acima nos dá uma ideia da autocompreensão de Jesus. Releia-
a e reflita sobre ela!
Pode ser que você, até hoje, nunca prestou atenção à declaração de
Jesus no verso 17 e nunca pensou em suas implicações. Peço-lhe que leia
novamente este verso e a interpretação que o segue.
120
Certamente você já encontrou dificuldades em compreender como e
por que Jesus seria Deus, como a Igreja o professa. Pergunto: Jesus é
Deus mesmo ou são duas pessoas distintas? O que João nos quer dizer?
121
dificuldades internas na igreja existentes no fim do primeiro século
(quando João escreveu), e a rápida ascensão do farisaísmo que, após a
destruição do Templo deixou a condição de seita para trás e assumiu com
mão firme a liderança espiritual do judaismo, tudo isso significava para a
igreja judáica-cristã o fim da comunhão nas Sinagogas.
Atos 15.5 diz que vários fariseus haviam crido (reconhecendo Jesus
SENHOR) e criado, com sua inclusão no movimento judaico-cristão, não
poucos problemas. A problemática coexistência entre judeus “crentes” e
judeus fiéis à Torá fora testada muitas vezes. Um exemplo é a execução de
Tiago, irmão do SENHOR, no ano 63, sob Agrippa II. Não devemos
confundir essa execução com a de Tiago, irmão do Apóstolo João, sob
Herodes, em 44 d.C. (relatado em Atos 12.2), com motivação política.
122
na qual o Evangelho de João é datado, aconteceu sob a liderança do
Patriarca Gamaliel II um sínodo, no qual, entre outros assuntos fora
discutido e aprovado uma maldição formal e a excomunhão dos judeus que
confessassem Jesus SENHOR. O último assunto tratado no sínodo foi a
hoje denominada “birkat há-mînîm”, uma maldição contra os “Nazarenos“
(Nosrîm). Existem várias versões dessa maldição, chamada “Bênção sobre
a heresia”. Ela foi colocada como 12ª Beracha na oração que, com essa
inclusão, tornou-se a atual “Oração das 18”, oração principal que cada
judeu fiel faz três vezes ao dia.
Há versões diferentes da maldição. A mais conhecida é a recensão
palestinense, encontrada em 1890 na Geniza do Cairo (Egito). Ela diz: “Aos
renegados e traidores (Mesûmmadim) nenhuma esperança. Desarraiga o
reino da arrogância (makhût zadôn), rapidamente, nos nossos dias! Os
Nosrîm (Nazarenos = cristãos judeus) e os Mînîm (hereges), sejam eles
aniquilados num único instante. Apagados sejam do livro da vida. Não
sejam eles inscritos juntos com os justos. Louvado sejas Tu, SENHOR, que
abaixas os insolentes” (cit. Salomon Schechter, JQR 10, 1898). A “recensão
babilônica” do século três já não mais menciona explicitamente os
Nazarenos. Nela, estes estão incluídos nos “traidores em geral”.
123
20.3-7). A Carta escrita pelo meio-irmão do Senhor Jesus, martirizado em
63 d.C. (a “Carta de Tiago”) no N.T., pelo seu conteúdo, bem podia
pertencer ao Antigo Testamento, se não mencionasse duas vezes a Jesus,
chamando-o de SENHOR (1.1 e 2.1). Era o que separava os judeus.
Deus nos deu Jesus para conhecermos a Ele! (confira Col. 2.9). Com
o verdadeiro “panteão” de “mãe de Deus” e centenas ou milhares de Santos
e Santas venerados em Templos dedicados a eles, o “cristianismo” não
merece mais se enquadrar entre as religiões “Monoteístas” (confira
Ex.20.3-6). Essa é a visão do judeu.
124
Igreja Católica Romana até o passado recente leia o livro: David I.Kertzer.
O VATICANO E OS JUDEUS. Ed. Rocco, Rio de Janeiro, 2003. A Igreja
protestante, no seu todo, não ficou muito atrás. Eram poucos os que se
levantaram contra o assassinato em massa.
Cap. 5.19-24
(19) Então, lhes falou Jesus: em verdade, em verdade vos digo que o Filho
nada pode fazer de si mesmo, senão aquilo que vir fazer o Pai; porque tudo o que
este fizer, o Filho também semelhantemente o faz. (20) Porque o Pai ama ao Filho, e
lhe mostra tudo o que faz, e maiores obras do que estas lhe mostrará, para que vos
maravilheis. (21) Pois assim como o Pai ressuscita e vivifica os mortos, assim
também o Filho vivifica aqueles a quem quer. (22) E o Pai a ninguém julga, mas ao
Filho confiou todo julgamento, (23) a fim de que todos honrem o Filho do modo por
que honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que O enviou. (24) Em
verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me
enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida.
125
deram pouca atenção ou simplesmente não entenderam (fato que os
Evangelistas sinóticos afirmam várias vezes). O “discípulo amado” (João)
ouviu diferente.
(20) Porque o Pai ama ao Filho, e lhe mostra tudo o que faz, e
maiores obras do que estas lhe mostrará, para que vos maravilheis.
Em 3.35 já lemos que, por amor, o Pai confiou tudo ao Filho. Pela
mesma razão revelará “maiores obras” do que estas. Quais seriam essas
obras maiores? Será que o Evangelista, dentro de seu Evangelho, se referiu
a 2.23 ou à ressurreição de Lázaro ainda por vir (cap.11)? Provavelmente
familiarizado com os Evangelhos sinóticos, o Evangelista poderia pensar
na posterior ressurreição da filha de Jairo (Marcos 5.22) ou na do filho da
viúva de Naím (Lucas 7.11). Não sabemos. Todas essas obras seriam obras
maiores, convidando “os judeus” a se maravilharem. Note: a promessa de
ver obras maiores estava sendo dada aos “judeus” presentes na
interpelação, a seus acusadores. O Evangelista não falou de obras num
futuro indefinido, mas do iminente.
127
*(JHWH – Jahwe- nome de Deus, lido pelos judeus como se estivesse escrito “adonai” (Senhor), por
precaução para não pecar contra o terceiro Mandamento, Ex.20.7)
128
• Na “Boa Nova” dos Evangelhos você ainda hoje pode ouvir a voz de
Deus através das palavras do Filho!
Cap. 5.25-30
(25) Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os
mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão. (26) Porque
assim como o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si
mesmo. (27) E lhe deu autoridade para julgar, porque é Filho do Homem. (28) Não
vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos os que se acham nos
túmulos ouvirão a sua voz e sairão: (29) os que tiverem feito o bem, para a
ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para ressurreição do juízo.
(30) Eu nada posso fazer de mim mesmo. Julgo como ouço e meu juízo é justo pois
não procuro minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.
Você observou uma diferença nos assuntos “dos últimos dias” entre
os Evangelhos sinóticos e o de João? Nos Evangelhos sinóticos vemos
Jesus vivendo a expectativa escatológica iminente (a qualquer momento). Os
primeiros cristãos participavam dessa esperança das “últimas coisas à
porta”. Jesus os advertia por várias vezes a vigiarem (confira Mateus
24.36). O grande Apóstolo Paulo contava com o retorno de Jesus ainda
durante seu tempo de ministério. Agora, meio século mais tarde, com o
último dos Apóstolos (João) ainda vivo e Jesus ainda não tendo voltado e,
portanto, não ter chamado os mortos à vida, João entende que já
podemos ter parte desse Reino de Deus a ser revelado, quando
“ouvimos e cremos nas Palavras do Filho”.
130
(27) E lhe deu autoridade para julgar, porque é Filho do Homem.
Não ao apocalíptico “um como Filho do Homem” (Daniel 7.13), que
“apareceu junto com as nuvens e é conduzido até à presença do ancião”
(Deus), mas sim, ao Filho amado foi dado o poder de julgar. Ainda não fora
respondida a pergunta do “porquê” do verso 22. O verso 27 nos responde:
“Porque era homem” (confira Atos 17.31).
(28) Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos
os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: (29) os que
tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem
praticado o mal, para ressurreição do juízo.
A ressurreição de todos os mortos está além do alcance do nosso
Evangelho, pois não mais se restringirá à mencionada em 4.23 e 5.25.
Assim como a voz do Filho dará aos que a ouçam uma nova condição de
vida (2.Cor.5.17), incluirá todos os mortos desde o tempo de Adão, sejam
eles enterrados, queimados, engolidos ou simplesmente “sumidos”.
131
Cap. 5.31-40
(31) Se eu testifico a respeito de mi mesmo, o meu testemunho não é
verdadeiro. (32) Outro é que testifica a meu respeito, e sei que é verdadeiro o
testemunho que ele dá de mim. (33) Mandastes mensageiros a João, e ele deu
testemunho da verdade. (34) Eu, no entanto, não aceito humano testemunho; digo-
vos, entretanto, estas coisas para que sejais salvos. (35) Ele era a lâmpada que ardia
e alumiava, e vós quisestes, por algum tempo, alegrar-vos com a sua luz. (36) Mas eu
tenho maior testemunho do que o de João; porque as obras que o Pai me confiou
para que eu as realizasse, essas que eu faço testemunham a meu respeito de que o
Pai me enviou. (37) O Pai que me enviou, esse mesmo é que tem dado testemunho
de mim. Jamais tendes ouvido a sua voz, nem visto a sua forma. (38) Também não
tendes a sua palavra permanente em vós, porque não credes naquele a quem ele
enviou. (39) Examinai as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas
mesmas que testificam de mim. (40) Contudo, não quereis vir a mim para terdes
vida.
De um lado temos Jesus, tido por sábio entre muitos dos fariseus,
até “enviado por Deus, não temendo os homens” (confira 3.2).
132
No Evangelho todo, Jesus aparece como testemunha em causa
própria, porém sempre sob a premissa de, por si mesmo, não falar ou fazer
alguma coisa (5.19; 30). Na realidade, não é Ele que advoga em causa
própria: é “outro” que o faz. O teólogo suíço, Karl Barth (1909-1968) o
expressou da seguinte forma: “Nisso consiste a soberania de Jesus... A
tarefa, o fardo, a preocupação de dizer, de anunciar, de proclamar: ‘estou
aqui e sou Eu’ – não pesa sobre Ele. ‘Um outro’ faz tudo isso para Ele...”
(Barth, Decl.289).
133
ordenar. Caso haja alguém que não ouça as minhas palavras, que este
profeta anunciar em meu nome, eu próprio irei acertar contas com ele...”.
(35) Ele era a lâmpada que ardia e alumiava, e vós quisestes, por
algum tempo, alegrar-vos com a sua luz.
Jesus não estava falando de qualquer luminária, quando mencionou
a candeia que era João. Falando a judeus conhecedores das Escrituras,
todos sabiam a que trecho Jesus se referia: “... seus fiéis exultarão de
alegria. Ali farei brotar uma linhagem de Davi,e prepararei uma lâmpada ao
meu Messias...” (Salmo 131.16b,17ª) ou Bíblia católica Salmo 132.
134
O Batista era a luminária colocada por Deus a fim de iluminar o
Cristo, o Messias; essa era sua real missão, o conteúdo da verdade pela
qual ele dava testemunho.
Mas, ao invés de exultar de alegria “por aquele” que foi enviado por
Deus e apontado pelo Batista e cegos, como eram, “alegraram-se por um
pouco de tempo” na trêmula luz do próprio João Batista.
Ao reconhecer a alegria temporária dos judeus no Batista – mesmo
que não tenham compreendido a finalidade dessa luz –, o próprio autor do
Evangelho deixa claro que sua obra se opõe primeiramente a um judaismo
que há muito incorporou a figura do profeta Batista como “seu”, mesmo
não entendendo sua mensagem. Da mesma maneira a Igreja hoje nomeia
(incorpora) “Santos” sem se minimamente preocupar com a mensagem da
parte de Deus através daquelas pessoas extraordinárias.
O Batista não era qualquer um. Era o homem eleito por Deus para
dar testemunho daquele que, desconhecido ainda, havia aparecido no meio
de Israel como “a luz do mundo” (1.5/8.12). Por essa razão, Jesus lhes
apontou a possibilidade de “salvação”. Os dois, o Batista e Jesus, foram
mal entendidos; os dois encontravam ouvidos fechados, surdos para a voz
“dAquele outro” e cegos para a obra que no Filho fora consumada. Ao invés
disso, haviam incorporado o profeta como um deles e a Jesus também
consideravam como um “igual a eles”, embora merecedor de morte por
causa de suas palavras.
135
(37) O Pai, que me enviou, esse mesmo é que tem dado
testemunho de mim.
O próprio Pai dera testemunho pelas obras realizadas por Jesus. Os
judeus, conhecedores das Escrituras, não viram sendo cumpridos os
sinais que os profetas anunciavam? O próprio profeta João Batista não
realizou nenhum milagre; nenhum sinal dele consta nas Escrituras. Era o
Batista que anunciara o “maior” que viria após ele. E agora não querem
aceitar o cumprimento e testemunho do próprio Pai! Como podiam crer
nas Escrituras se não as reconhecem sendo cumpridas?
Jesus sabia que Deus, qualquer que tenha sido a forma, tinha falado
com Israel, seu povo, e com Moisés, pessoalmente, “como um homem fala
com outro, face a face” (Êxodo 33.11). Quando Moisés entrou na Tenda da
Reunião, ouviu a voz falando, e quando Moisés no Sinai falou com Deus,
“Este lhe respondeu no trovão”.
136
ser identificado pela voz com que fala, nem pela sua aparência, pois é
Espírito Criador; não pode ser definido. Os acusadores de Jesus nunca
podiam ter a palavra desse Deus “permanecendo” neles. A mensagem, sim,
a Sua Palavra na Torá, eles conheciam. Eles podem ouvi-la (através da
Torá) e guardá-la, bem como esquecê-la.
Somente o Filho pode ser reconhecido pela sua voz. “As ovelhas
ouvem a Sua voz e O seguem... pois conhecem a Sua voz” (10.4). A esse
enviado, no qual vemos o Pai, não cremos?!
Cap. 5.41-47
(41) Eu não aceito glória que vem dos homens, (42) sei, entretanto, que não
tendes em vós o amor de Deus. (43) Eu vim em nome do meu Pai, e não me recebeis;
se outro vier em seu próprio nome, certamente, o recebereis. (44) Como podeis crer,
vós que aceitais glória uns dos outros, e, contudo, não procurais a glória que vem de
Deus único? (45) Não penseis que eu vos acusarei perante o Pai; quem vos acusa é
Moisés, em quem tendes firmado a vossa confiança. (46) Porque, se, de fato, crêsseis
em Moisés, também creríeis em mim; porquanto ele escreveu a meu respeito. (47)
Se, porém, não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?
(41) Eu não aceito glória que vem dos homens, (42) sei,
entretanto, que não tendes em vós o amor de Deus. Pouco antes, no
verso 34, Jesus havia declarado que não aceita humano testemunho a seu
favor. Agora Ele parece dizer: “Não estou atrás de vosso reconhecimento.
Entendi muito bem todos vocês! Vocês não têm nenhum amor singelo para
com Deus nos seus corações”.
O teólogo Karl Barth diz:
“Se os judeus pensavam que o Nazareno estivesse interessado em
lhes provar no sentido histórico sua autoridade, falando como humano e
procurando reconhecimento também humano, estariam redondamente
enganados... Jesus estava se referindo unicamente ao testemunho
“daquele outro” e para tanto, levantou “o testemunho” do Batista, para
lembrá-los que aquele “outro” testemunho já lhes havia sido dado, e
através de homens...”
Continuando parafraseando as palavras de Jesus por Karl Barth:
“Vocês podem admirar o Batista, podem ficar espantados com meus
sinais (milagres), lembrar das antigas promessas das Escrituras, estudar
teologia – mas vocês não amam a Deus! O Sujeito de todos esses
testemunhos não lhes interessa! Outrossim, não seria possível não me
reconhecer, não aceitar, eu que vim em o nome desse Sujeito, em o nome
do Deus Único – não como outra testemunha, mas sim, como Aquele de
quem todos os testemunhos falavam” (Decl. 295).
Quando Jesus disse “vós”, Ele não se referiu à nação judaica como
um todo. Ele apontou aos oponentes nesse seu discurso. É deles que Jesus
não procura honra; das testemunhas das Escrituras, no entanto (sejam
eles Moisés ou o Batista), Ele já as recebeu, porque nas vozes deles já fora
possível ouvir a Palavra do Pai.
138
me deste do mundo” e na mesma oração pouco depois (36): “Eu lhes fiz
conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer, a fim de que o amor com que
me amaste esteja neles e eu neles também”. Não podemos deixar de
lembrar da “voz de Deus” na sarça ardente (Ex.3.14): “EU SOU O QUE
SOU” sem lembrar das várias declarações de Jesus: “Eu sou...” lembradas
por João no seu Evangelho.
(44) Como podeis crer, vós que aceitais glória uns dos outros, e,
contudo, não procurais a glória que vem de Deus único?
Se perdemos de vista a Glória devida ao Deus Único - revelado na
pessoa de Jesus somente -, tendemos a procurar e aceitar honras uns dos
outros e em nenhuma esfera isso se constata melhor do que na da religião.
Essa sentença é geral, e durante toda a história da Igreja ela tem sido um
juízo contra ela. Não precisamos apontar para Roma, onde honras devidas
a Deus estão sendo perpetuamente roubadas. Basta olhar para os
milhares de gordos “minipapas” do mundo Evangélico, tidos como “Anjos
do Senhor” e muito mais...
(45) Não penseis que eu vos acusarei perante o Pai; quem vos
acusa é Moisés, em quem tendes firmado a vossa confiança.
A missão de Jesus não é a de acusar. Sua missão é a de salvar
(3.17). Os judeus têm plena confiança na missão atribuída a Moisés, a de
ser em favor do povo no dia do Juízo Final; isto é, na sua intervenção como
mediador ou advogado perante Deus. Assim ocorreu no passado durante a
peregrinação no deserto, quando Moisés várias vezes conseguiu desviar a
ira de Deus (por exemplo, em Êxodo cap. 32). Este advogado, em que os
judeus confiam, é quem os acusará. A esperança do judeu em Moisés é vã.
139
Não cremos que temos de “colher” determinados versos do
“Pentateuco” (livros de Moisés) para provar que eles apontam para o
Cristo. O Apóstolo João viu toda a Escritura, da primeira até a última
palavra, como “a história de Deus com o seu povo”. Já o Prólogo do
Evangelho faz referência à Criação. Podemos ver em João 1.16-17 o
paralelismo entre a figura de Moisés, intermediador da Graça Divina
limitada para seu povo, e a pessoa de Jesus que, pela Graça escatológica
revelada em si, supera a Graça de Deus na Antiga Aliança. Assim, Moisés
já falava de Jesus, embora indiretamente, anonimamente.
Cap. 6.1-4
(6.1) Depois destas coisas, atravessou Jesus o mar da Galileia, que é o de
Tiberíades. (2) Seguia-o numerosa multidão, porque tinham visto os sinais que ele
fazia na cura dos enfermos. (3) Então, subiu Jesus ao monte e assentou-se ali com
os seus discípulos. (4) Ora, a Páscoa, festa dos judeus, estava próxima.
142
aquilo que, de fato, aconteceu naquele dia. Todos os Evangelistas sabem
que, após a refeição, Jesus ordenara que os restos fossem recolhidos. Só
que em Marcos, no relato mais remoto, foram 12 cestos na primeira e sete
na segunda alimentação enquanto João somente conhece doze cestos. Não
há dúvida de que os Evangelistas querem transmitir uma mensagem
através do número de cestos cheios recolhidos das sobras.
Parece que João reuniu os dois relatos de Marcos (6,35s e 8,1-9) num
só. Marcos, por sua vez, parece ter usado o caminho contrário: da tradição e
do conhecimento mais remoto, ele por razões que ora não podem ser
definidas, criou dois acontecimentos. Chamam atenção os números
diferentes de cestos nos dois acontecimentos relatados por Marcos. A
alimentação dos cinco mil com 12 cestos cheios parece apontar para a
esperada reunião dos doze tribos (ainda espalhados) de Israel, enquanto os
sete cestos na alimentação dos quatro mil representam a totalidade dos
povos, vindos dos quatro cantos do mundo. Marcos compreendeu, ao
escrever seu Evangelho, que a Páscoa apontava para a consumação do
tempo. João, por sua vez, meio século mais tarde, entendeu que a reunião e
consumação só seriam possíveis pelo Senhor ressurreto e Seu Espírito,
concedido a Seu povo. Portanto reuniu as duas narrações de Marcos numa
só.
143
O autor do livro de 2 Reis 4.42 conta que “veio um homem de Baal-
Salisa e trouxe ao homem de Deus pães das primícias, vinte pães de
cevada, e espigas verdes no seu alforje. Disse Eliseu:’Dá ao povo para que
coma’. (43) Porém, seu servo lhe disse: ‘Como hei de por isto diante de cem
homens?’ Ele (Eliseu) tornou a dizer: ‘Dá-o ao povo, para que coma; porque
assim diz o Senhor: Comerão, e sobejará. (44) Então, lhes pôs diante;
comeram, e ainda sobrou, conforme a palavra do Senhor”.
Mais ainda: Pão de cevada era comida típica de gente pobre: comida
de disciplina para maus soldados, alimento para escravos e gente
insignificante. Fonte: Bauer, Com.92.
Cap. 6.5-15
(5) Então, Jesus erguendo os olhos e vendo que grande multidão vinha ter
com ele, disse a Filipe: “Onde compraremos pães para lhes dar a comer?” (6) Mas
dizia isto para o experimentar; porque ele bem sabia o que estava para fazer. (7)
Respondeu-lhe Filipe: “Não lhes bastariam duzentos denários de pão, para receber
cada um seu pedaço.” (8) Um de seus discípulos, chamado André, irmão de Simão
Pedro, informou a Jesus: (9) Está aí um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois
peixinhos; mas isto que é para tanta gente?” (10) Disse Jesus: “Fazei o povo
assentar-se; porque havia naquele lugar muita relva. Assentaram-se, pois, os homens
em número de quase cinco mil. (11) Então, Jesus tomou os pães, e, tendo dado
graças, distribuiu-os entre eles; e também igualmente os peixes, quanto queriam.
(12) E, quando já estavam fartos, disse Jesus aos seus discípulos: Recolhei os
pedaços que sobraram, para que nada se perca. (13) Assim, pois, o fizeram e
encheram doze cestos de pedaços dos cinco pães de cevada, que sobraram aos que
haviam comido. (14) Vendo, pois, os homens o sinal que Jesus fizera, disseram:
“Este é, verdadeiramente, o profeta que devia vir ao mundo”. (15) Sabendo, pois,
Jesus que estavam para vir com o intuito de arrebatá-lo para o proclamarem rei,
retirou-se novamente, sozinho, para o monte.
144
após a longa caminhada? Como sabemos de João 1,43-45, fora Filipe que
havia anunciado a Natanael que acabara de encontrar aquele de quem
Moisés havia escrito, quando prometeu um profeta que seria igual a ele.
Não sabemos se Jesus lhe dava oportunidade de confirmar sua convicção
inicial; ou isso já seria especulação? Não sabemos.
145
antigo e amado mestre somente o homem Jesus de Nazaré. Escrevendo, ele
vê perante si o Filho, o Verbo, o Deus encarnado. Dessa visão, que os
Evangelistas sinóticos ainda não tinham alcançado, nascem muitas das
diferenças em detalhes que encontramos nos quatro Evangelhos. João
escreveu vendo.
Lembre-se do símbolo que a igreja concedeu a João: a águia. Os
demais Evangelistas escreveram como quem relata fielmente
acontecimentos e palavras.
146
Há inúmeras tentativas para explicar esse sinal; do ridículo (que
cada um havia trazido seu lanche) até à completa negação do
acontecimento. A luz nunca se impõe; ela nasce no coração daquele que a
procura na própria pessoa de Jesus.
(15) Sabendo, pois, Jesus que estavam para vir com o intuito de
arrebatá-lo para o proclamarem rei, retirou-se novamente, sozinho,
para o monte.
Assim como Jesus não podia ou queria fazer-se “igual a Deus”, uma
vez que já o era desde a eternidade (5,18s), tampouco podia ser
proclamado rei dos judeus, pois já o era (1.49).
147
Cap. 6.16-29
Era noite. Marcos, no seu relato que corresponde ao que Pedro lhe
passou, diz que os homens temiam que se tratasse de um fantasma e
gritaram de medo. Para poder enxergar alguém, à noite, no meio de uma
tempestade e com a água das ondas salpicando em seus rostos, esse
alguém deveria ter irradiado alguma luz.
148
O Evangelista João é menos detalhista que Marcos e Mateus. Ele
não viu necessidade de detalhar novamente o que os sinóticos já tinham
feito. Pelo relato de Marcos temos a impressão que as palavras desse
“fantasma” ainda aumentaram o horror dos homens, pois ele anotou que
eles ficaram “atônitos”. Enquanto Marcos e com ele Mateus, além do “sou
Eu” nos transmitiram outras sentenças, João se limita às poucas palavras
que importavam e que, na ocasião, os discípulos angustiados não
conseguiam compreender “porque seus corações estavam endurecidos”,
como disse Marcos (8,52).
(20) Mas Jesus lhes disse: “Sou eu. Não temais!” Ao contrário de
Marcos, em cujo relato ainda havia alusão à possibilidade de um
“fantasma”, para João não restava dúvida. Tanto nós quanto os leitores
que na época de João liam seu Evangelho, ao terminar a leitura da obra
não terão mais dúvidas: aquilo que os discípulos angustiados ouviram era
nada mais nada menos do que a identificação do “Sou eu”; era a mesma
identificação que Moisés ouviu da sarça ardente (Ex. 3,14). Era o mesmo
“EU SOU” dos capítulos João 8,24.28.58; 13,19 e 18,5.7.8 (confira!).
Lembre-se das palavras iniciais cada vez quando Deus falava com
alguém! Somente alguns exemplos no NT: Lc.1,30/Luc 2,10/Atos 18,9. O
Evangelista viu claramente o que chamamos de uma “teofania” (quando
Deus, sob alguma forma, manifestava-se “presente”).
Anos mais tarde, quando João compôs seu Evangelho, ficou evidente
para ele a ligação do “sinal do pão” com esse encontro. No corre-corre
daquele momento não havia como entender a presença do Deus Vivo, mas
para João, refletindo, tudo ganhou sentido: era outro sinal de Deus,
confirmando seu Filho.
149
Para quem, como João Evangelista, reconhece na aparição de Jesus
“como andando sobre as águas” uma manifestação da pessoa de Deus
(teofania), não mais é necessário especular sobre “como” e “o quê”, como
fazem alguns comentaristas que não aceitam Jesus como o “Logos de
Deus”. Uma solene segurança inunde o coração daqueles que, como João,
tem seus olhos espirituais abertos.
150
(26) Respondeu-lhes Jesus: “Em verdade, em verdade vos digo:
vós me procurais, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos
pães e vos fartastes”.
O duplo “amém, amém” de Jesus na sua resposta não admitiu
contestação. Jesus não censurou o povo pelo fato de ter sido saciado e,
portanto, satisfeito. Ele lhes apontou sua incapacidade de pensar além do
pão e não ter reconhecido o doador, o Pai, nem ter-lhe dado graças.
(27) Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que
subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará; porque
Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo. Parafraseando: Não gastem
suas forças e seu tempo na procura do pão que rapidamente perece. Vão
atrás daquele alimento que lhes dá vida eterna (= comunhão no Reino de
Deus)!
Eles não haviam notado o sinal através do qual o Pai acabara de
confirmar diante da multidão Aquele que lhes daria esse outro “pão”!
Certamente alguns dos presentes se lembravam do maná “do céu”
que Moisés no deserto havia dado aos israelitas. Ali Deus já os avisou:
“Ele (Deus) te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o
maná, que tu não conhecias, para te dar a entender que não só de pão
viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do SENHOR, viverá o
homem” (Deut.8,3). A lição do maná aparentemente ainda não havia
transformado a mente das pessoas ao redor de Jesus.
• Quais as suas obras para “merecer” o céu? Será que elas são
suficientes?
• ou você está disposto a colocar toda sua confiança unicamente
no Filho amado, no qual Deus também se revela a você?
O próximo estudo lhe dirá por que você estará seguro, confiando
naquilo que Deus fez por você.
151
Cap. 6.30-40
(30) Então, lhe disseram eles: “Que sinal fazes para que o vejamos e
creiamos em ti? Quais são os teus feitos?” (31) Nossos pais comeram o maná no
deserto, como está escrito: ‘Deu-lhes a comer pão do céu.’” (32) Replicou-lhes Jesus:
“Em verdade, em verdade vos digo: não foi Moisés quem vos deu o pão do céu; o
verdadeiro pão do céu é meu Pai quem vos dá. (33) Porque o pão de Deus é o que
desce do céu e dá vida ao mundo. (34) Então, lhe disseram: “Senhor, dá-nos sempre
desse pão.” (35) Declarou-lhes, pois, Jesus: “Eu sou o pão da vida; o que vem a mim
jamais terá fome; e o que crê em mim, jamais terá sede. (36) Porém eu já vos disse
que, embora me tenhais visto, não credes. (37) Todo aquele que o Pai me dá, esse
virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora. (38) Porque eu
desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele que
me enviou. (39) E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca de
todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia. (40) De fato,
a vontade de meu Pai é que todo homem que vir o Filho e nele crer, tenha a vida
eterna; e eu o ressuscitarei no último dia.
(30) Então, lhe disseram eles: “Que sinal fazes para que o
vejamos e creiamos em ti? Quais são os teus feitos?” (31) Nossos pais
comeram o maná no deserto, como está escrito: ‘Deu-lhes a comer
pão do céu.’”
A teologia farisaica tinha como certo que o milagre do pão do céu
durante a peregrinação no deserto, sob a liderança de Moisés, novamente
se manifestaria na era messiânica. O pão que Moisés lhes tinha dado
vinha do céu; assim eles entendiam, pois Êxodo 16.4 diz: “... eis que vos
farei chover pão do céu; sairá o povo e colherá a porção de cada dia, a fim
de que...”. A Sinagoga farisaica reconhecia em Moisés o seu primeiro
libertador e esperava o segundo libertador - o “Messias”.
152
(32) Replicou-lhes Jesus: “Em verdade, em verdade vos digo:
não foi Moisés quem vos deu o pão do céu; o verdadeiro pão do céu é
meu Pai quem vos dá. (33) Porque o pão de Deus é o que desce do céu
e dá vida ao mundo.
(35) Declarou-lhes, pois, Jesus: “Eu sou o pão da vida; o que vem
a mim, jamais terá fome; e o que crê em mim, jamais terá sede.
153
presença daquele que nos convidou e que nos passou vida: Jesus. ELE É o
pão da vida.
Este Jesus faz um convite. É simplesmente “vir” a Ele. Quem vem a
Jesus, sai do lugar onde está, deixa um tipo de vida para trás e se junta ao
Senhor. Não podemos comer e beber no lugar em que antes estávamos.
Temos que ir até ele. Só então que nunca mais teremos fome ou sede –
uma imagem de necessidades humanas bem familiares ajudaria a seus
ouvintes entenderem.
(37) Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a
mim, de modo nenhum o lançarei fora.
Você notou que, com poucas exceções (p.ex. nos primeiros versos do
cap.1), João costuma falar de duas pessoas aparentemente distintas: o Pai
e o Filho. O Filho depende do Pai, vive em absoluta dependência dele e
executa a vontade do Pai. Às vezes, o Filho e o Pai são Um só (10.30).
Lembramos que o Apóstolo desenvolveu seu Evangelho de acordo
com aquilo que ele, como homem, podia discernir. Ele conheceu Jesus
como pessoa humana, como Rabi, que de um modo todo diferente de tudo
que a religião judaica até então conhecia, vivia em harmonia com Deus
Pai. Às vezes, João não mais consegue ver duas pessoas distintas; são os
momentos raros, em que é revelado Deus Pai no Filho.
154
Em nada eram diferentes de muitas pessoas de hoje em dia, para os quais
Jesus é escândalo e pedra de tropeço.
A nossa tradução não é muito feliz. O texto não afirma que Jesus
não recusaria ninguém que viesse a ele, através da ação de Deus. Os
melhores comentaristas entendem que não se trata de recusar, mas de
guardar. Todos aqueles que o Pai lhe deu, Jesus guardará para sempre.
Se o Pai nos atrai para reconhecê-lO em Jesus, Este cuida para que
não nos percamos nunca. Esta é a vontade do Pai em Jesus, e na
consumação dos tempos não nos perderemos em algum lugar ou no nada:
seremos reconhecidos e chamados, ressuscitados por Jesus.
(40) De fato, a vontade de meu Pai é que todo homem que vir o
Filho e nele crer, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último
dia.
Que segurança temos em Jesus! Abra seus ouvidos e permita que o
Pai o leve à plena revelação de Jesus. O Evangelista aqui menciona o “ver”
e depois o “crer”. A fé não aparece milagrosamente ou através de algum
esforço humano. A fé não é um pulo no escuro. A obra de Deus no homem
acontece no âmbito da fé, que é resultado da revelação que temos, quando
vemos Jesus.
A tarefa mais urgente não é servir. A tarefa mais urgente é conhecer
Aquele que, quando é visto como o que é, salva e guarda.
155
Hoje, em dias difíceis, onde tantos “Jesuses” são anunciados para
remediar tantas necessidades temporais, procure conhecer o Jesus que o
Apóstolo João anuncia! NEle há vida, hoje, agora, e para toda a eternidade.
Uma observação:
O filósofo e teólogo dinamarquês, Soeren Kierkegaard, tratou do problema de
como, filosoficamente, uma salvação eterna (pertencendo ao metafísico) pode estar ligada
a um fato histórico (portanto terreno). Para a razão humana, nenhum fato histórico pode
nos dar certeza de uma salvação eterna. Kierkegaard desenvolveu essa questão de
maneira fantástica na sua pequena obra “Migalhas filosóficas” (Vozes). Se você gosta de
filosofia, trabalhe esse pequeno, mas pesado livro, onde a necessidade de um salvador
humano aparece como necessário. O livro não “prova” nada e não nega nada; são
pensamentos objetivos muito interessantes e de maneira alguma há o perigo de
perdermos a nossa fé; pelo contrário!
Cap. 6.41-52
(41) Murmuravam, pois, dele os judeus, porque dissera: Eu sou o pão que desceu do
céu. (42) E diziam: “Não é este Jesus, o filho de José? Acaso, não lhe conhecemos o
pai e a mãe? Como, pois, agora diz: Desci do céu? (43) Respondeu-lhes Jesus: Não
murmureis entre vós. (44) Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o
trouxer ; e eu o ressuscitarei no último dia. (45) Está escrito nos profetas: E serão
todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e
aprendido, esse vem a mim. (46) Não que alguém tenha visto o Pai, salvo aquele que
vem de Deus; este o tem visto. (47) Em verdade, em verdade vos digo: “Quem crê
em mim, tem a vida eterna. (48) Eu sou o pão da vida. (49) Vossos pais comeram o
maná no deserto e morreram. (50) Este é o pão que desceu do céu, para que todo o
que dele comer não pereça. (51) Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém
dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha
carne”. (52) Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este dar-nos a
comer sua própria carne?
156
(42) E diziam: Não é este Jesus, o filho de José? Acaso, não lhe
conhecemos o pai e a mãe? Como, pois, agora diz: Desci do céu?
Os judeus presentes na Sinagoga não responderam diretamente a
Jesus. Discutiam reservadamente, entre si, a respeito desse cidadão tão
bem conhecido, filho de José que, como lhes parecia, obviamente mostrava
sinais de alteração do “Alter Ego”; confundindo-se com o que,
“obviamente”, não era. Falaram sobre Ele na terceira pessoa, mostrando
com isso que continuavam considerando-o um deles, em nada maior.
157
revela obedecendo à nossa ordem. Quando Ele se revela, é porque Ele o
concedeu.
(46) Não que alguém tenha visto o Pai, salvo aquele que vem de
Deus; este o tem visto.
O tempo do verbo indica que Jesus não se referiu a uma vaga
lembrança pré-natal de Sua condição pré-temporal, eterna. Tampouco se
tratava de um “ver” ótico, nem de uma visão mística. Confira 1.18:
“Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é
quem o revelou”. Jesus falou tendo o Pai permanentemente perante seus
olhos.
Nesse jogo das palavras, Jesus confronta a morte física daqueles que
comeram do maná no deserto com a permanência na presença do Pai
daqueles que comem do “pão do céu”, representado por Ele. Mesmo
morrendo fisicamente, serão guardados na presença de Jesus até o dia da
ressurreição. Não desaparecerão, diluindo-se no nada.
159
Assim, o verso 51, no seu contexto, deve ser compreendido como
metáfora. Parafraseando: Quem ouve a Palavra e não a deixa entrar por
uma das duas orelhas e sair pela outra, mas a “incorpora”, assim como
Ezequiel “comeu” o livro que lhe foi dado por Deus (Ez.2,8-3,3), tornar-se-á
de uma vez participante da vida eterna. Fica patente que, neste trecho,
Jesus não se referiu à eucaristia, onde sempre de novo se “come” o pão
eucarístico. É um acontecimento único!
(52) Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este
dar-nos a comer sua própria carne?
Trata-se de uma das repetidas interpretações errôneas das palavras
de Jesus por parte dos “judeus”, típicas para o nosso Evangelista. Em
nenhum momento Jesus desafiou os judeus à pratica do canibalismo. O
“pão” que Jesus lhes daria (futuro!), aponta para a morte única na Cruz,
para a salvação do mundo. Não temos nenhuma referência à eucaristia
que se repete sem fim, até que Ele volte. “Comer”, isto é, incorporar o Logos
encarnado, é o mesmo que, na Antiga Aliança, encontramos nas Palavras:
“Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua
alma e de toda a tua força” (Deut.6,5). Nesse livro creditado a Moisés, já
encontramos o entendimento de que “não só de pão viverá o homem, mas
de tudo que procede da boca do Senhor viverá o homem” (Deut.8,3).
Jeremias, por sua vez, declarou: “Achadas as tuas palavras, logo as comi;
as tuas palavras me foram gozo e alegria para meu coração...” (Jer. 15,16).
Você já sentiu em sua vida que Deus lhe queria falar, mostrando-lhe
o Filho, e você deixou para mais tarde ou simplesmente ignorou esses
momentos?
Há amargura no seu coração, murmuração contra o Altíssimo?
Nessa condição, Deus dificilmente poderá levar você a “ver” Jesus,
compreender quem Ele era e é.
160
Cap. 6.53-59
(52) Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este dar-nos a comer sua
própria carne?
(53) Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a
carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós
mesmos. (54) Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e
eu o ressuscitarei no último dia. (55) Pois a minha carne é verdadeira comida, e o
meu sangue é verdadeira bebida. (56) Quem comer a minha carne e beber o meu
sangue, permanece em mim, e eu, nele. (57) Assim como o Pai, que vive, me enviou,
e igualmente eu vivo pelo Pai, também quem de mim se alimenta por mim viverá.
(58) Este é o pão que desceu do céu, em nada semelhante àquele que os vossos pais
comeram e, contudo, morreram; quem comer este pão viverá eternamente. (59)
Estas coisas disse Jesus, quando ensinava na Sinagoga de Cafarnaum.
(52) Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este
dar-nos a comer sua própria carne?
O verso 51 (Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele
comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a
minha carne) é a chave do “discurso joanino do pão” (cap.6) e que se refere,
como hoje a maioria dos eruditos admite, à morte redentora de Jesus,
nada tendo a ver com a eucaristia.
161
como instruções quanto à eucaristia cristã, algo que somente tomou forma
após Pentecoste. Tampouco é uma reinterpretação do rito da eucaristia por
João, encaixada na fala de Jesus. É muito importante ter isso em mente
quando estudamos o texto.
Nos versos 26-50, o auditório fora desafiado a crer nAquele que, por
Deus, foi enviado como “pão da vida”. Agora, nos versos seguintes, 51-59,
João acentua (intensifica) o paradoxo, mostrando que a fé na missão do
Filho, em si, não é suficiente. Deve ser “inteirado”, incorporado “Àquele que
daria sua carne e verteria seu sangue” para salvação do mundo. Assim, a
fome e a sede de uma vez para sempre serão aplacadas (6,35).
162
que daria pela vida do mundo (e semelhantemente do sangue) são todas
interpretadas como referências à eucaristia. Enquanto Jesus falou de uma
entrega que Ele faria (e fez uma vez na cruz, sendo glorificado) e que o
crente deve “comer” (inteirar), essa é uma realidade quando ele crê; na
Igreja Romana acontece esse “inteirar” na eucaristia, repetida inúmeras
vezes e nunca sendo suficiente. Encontramos na Igreja Romana a visão
dos judeus, só levemente espiritualizada, pois a Igreja Romana insiste em
que o pão (hóstia) e o vinho se transformam em carne e sangue do Senhor
e, assim, o católico fiel “come” a carne e “bebe” o sangue em todas as
missas, recebendo dessa forma a vida com Deus (sendo, assim, a única
religião na qual se come seu Deus). Aquilo que Deus fez no Seu Filho,
independentemente do homem, a missa alega repetir. Com essa
interpretação na Igreja Romana, humanos (e, portanto, pecadores!),
“administram” o dom de Deus e determinam quem faz parte dos eleitos.
Mais ainda: vista dessa forma, a religião cristã seria a única na qual se
come o seu deus a cada domingo – concepção essa totalmente pagã.
163
aceitar o sacrifício (sangrento) do Logos, feito homem; quem incorporar
essa realidade transformadora, terá o precioso dom de ter Cristo nele
habitando e, consequentemente, é guardado em Jesus.
164
Como já mencionamos, a palavra usada no original grego para
“Sinagoga” pode apontar tanto para a Sinagoga como o local de encontro e
leitura e discussão da Santa Lei de Deus, quanto para uma assembleia de
pessoas. Seja como for, o Evangelista nos lembra que todo esse discurso
de Jesus perante um auditório de judeus fiéis se deu na cidade de
Cafarnaum, na Galileia. Como veremos na próxima leitura, fora ele a razão
da ruptura definitiva dos Galileus com seu cidadão ilustre. No
entendimento deles, desta vez, o filho de José tinha ido longe demais nas
suas afirmações.
Cap. 6.60-66
Muitos de seus discípulos, tendo ouvido tais palavras, disseram: Duro é este
discurso; quem o pode ouvir? (61) Mas Jesus, sabendo por si mesmo que eles
murmuravam a respeito de suas palavras, interpelou-os: Isto vos escandaliza? (62)
Que será, pois, se virdes o Filho do Homem subir para o lugar onde primeiro estava?
(63) O Espírito é que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos
tenho dito são espírito e são vida. (64) Contudo, há descrentes entre vós. Pois Jesus
sabia, desde o princípio, quais eram os que não criam e quem o havia de trair. (65) E
prosseguiu: Por causa disto, é que vos tenho dito: ninguém pode vir a mim, se, pelo
Pai, não lhe for concedido. (66) À vista disso, muitos de seus discípulos o
abandonaram e já não andavam com ele.
166
Se relacionarmos o verso 63 com o anterior, as palavras soam como
uma maravilhosa conclusão. Ainda não há como “ver” que sua carne era
“pão do céu”. Somente como carne “dada voluntariamente como sacrifício”
(confira Hebr. 9,14), ela terá utilidade. A carne em si para nada aproveita.
Tudo que Jesus tinha dito nos versos 29 a 58 era “vida”. Todas aquelas
palavras se tornariam vida quando o Espírito Santo fosse dado. Para tanto,
Jesus tinha que voltar ao Pai, “levantado” na cruz e “glorificado”, nas
palavras de João.
Desta forma, os dois versos 62 e 63 formam uma unidade que
aponta para o que, hoje, nos é conhecido; mas para os seguidores, naquele
momento, ainda não fazia sentido.
(64) Contudo, há descrentes entre vós. Pois Jesus sabia, desde o
princípio, quais eram os que não criam e quem o havia de trair.
167
O Evangelista escolheu e compeliu as palavras de Jesus numa
sequência de seis degraus, todos com a mesma estrutura. Cada degrau ou
etapa começa com uma curta observação ou pergunta da parte do
auditório, à qual Jesus responde adequadamente. As etapas se seguem
crescendo em intensidade, aparentemente provocando cada vez mais.
Cap. 6.67-71
(66) À vista disso, muitos de seus discípulos o abandonaram e já não andavam
com ele. (67) Então, perguntou Jesus aos doze: Porventura, quereis também vós
outros retirar-vos? (68) Respondeu-lhe Simão Pedro: Senhor, para quem iremos? Tu
tens as palavras da vida eterna; (69) e nós temos crido e conhecido que tu és o
Santo de Deus. (70) Replicou-lhe Jesus: Não vos escolhi eu em número de doze?
Contudo, um de vocês é diabo. (71) Referia-se ele a Judas, filho de Simão Iscariotes;
porque era quem estava para traí-lo, sendo um dos doze.
(67) Então, perguntou Jesus aos doze: ... Pela primeira vez, no
seu Evangelho, João menciona “os doze”. Ao contrário dos Evangelhos
sinóticos, o Evangelista não menciona o momento em que Jesus escolheu
os doze para estarem com Ele (confira Marcos 3,14). João nunca usou o
atributo “Apóstolo” quando se referia aos doze, pois, para ele, quem os
designou para serem Apóstolos foi o Cristo ressurreto. Por enquanto, os
doze são seguidores ou discípulos somente.
168
Devemos imaginar os doze em meio à expressão “muitos
admiradores”, sempre que os Evangelistas mencionam “uma multidão”. No
nosso Evangelho, os doze escolhidos nominalmente por Jesus do meio
desses “muitos” que O seguiam, já apareceram discretamente no episódio
da refeição milagrosa, que deu início ao longo discurso sobre “o pão do
céu”. No fim da refeição, Jesus havia pedido a seus discípulos que
recolhessem as sobras, para que nada se perdesse. Foi esse grupo dos
doze que, cada um, procurava sobras, para que “nada se perdesse”,
somando doze cestos. Esse “nada se perdesse” é importante. Somente
João o diz, e esse cuidado em relatar tudo e não perder nada do que viu e
ouviu caracteriza o nosso Evangelista.
169
Como é que o Evangelista João se lembra da fala de Pedro? O
Evangelista João confirma com as palavras de Pedro o que já sabemos do
prólogo: Jesus é O Santo de Deus; não a figura do Messias judaico
somente, mas, sim, acima da condição de criatura, portanto “Santo”, como
Deus é Santo. Na procura de uma expressão digna para Jesus advinda da
boca de Pedro, o Evangelista lhe atribuiu a condição que somente concede
a Deus.
O Evangelista João entendeu que Jesus não somente era o Messias
dos judeus, mas, sim, “o Logos” de Deus, em forma humana. Portanto, ele
aponta através da afirmação de Pedro para “o Santo de Deus”. Aquela
confissão de Pedro, o qual teve seu lugar na história e da qual todos os
Evangelistas falam, é relatada por cada um dos quatro Evangelistas de
acordo com o contexto cultural, histórico e teológico no qual cada
Evangelho foi composto.
Jesus foi traído! Se Ele o soubesse desde o início, não teria sido
traição. Ser traído é ser entregue por aquele em quem confiava. Sabemos
como a traição dói. Jesus havia escolhido a dedo seus doze. No decorrer do
tempo cresceu-lhe a certeza de que seria traído por um de seus próximos,
mas nunca Ele apontou Judas como o traidor. A frase “um de vocês é
diabo” não isentou nenhum deles. Vale lembrar que a palavra “diabo”
(diabolos) significa literalmente “acusador / caluniador/ aquele que cria
confusão” e só mais tarde ganhou o sentido que hoje atribuímos a esse
termo.
170
Jesus conheceu os seus, assim como eles começavam a conhecê-lO.
Havia observado o comportamento de cada um deles. Quando anunciou
veladamente o sofrimento e a morte, quando falou do pão e do sangue,
cada um dos discípulos tinha que posicionar-se intimamente. Sabemos
que a grande maioria O abandoou ante essa perspectiva de sofrimento e
morte e que até os doze começavam a argumentar entre si a respeito.
“Senhor, será que sou eu”? Faria muito bem se cada um de nós se
conscientizasse das duas condições: da absoluta certeza da fidelidade de
Deus e da “salutar” incerteza quanto à nossa própria fidelidade – condição
do discípulo que luta para andar sempre perto do Senhor e dEle depende
em tudo. Esse discípulo não brinca com o pecado.
Mais uma vez, João pensa em voz alta. Naquele momento histórico
ainda não sabia quem seria o traidor. Na última ceia, anuindo ao pedido
171
de Pedro, este inclinou-se para Jesus, procurando saber quem seria o
traidor. Nunca João escondeu a profunda frustração e condenação por
aquele seu ex-colega que ousou trair seu Mestre. Parece-nos que antes
nunca havia desconfiado de Judas. O tratamento hostil dado a ele no seu
Evangelho nos permite tirar essa conclusão. Com a observação acima, ele
adianta ao leitor uma informação que, por enquanto, não era do
conhecimento dos doze.
Será um deles que trairá Jesus, mas quem? Senhor, serei eu que te
trairei?
Cap. 7.1-13
(01) Passadas estas coisas, Jesus andava pela Galileia, porque não desejava
percorrer a Judeia, visto que os judeus procuravam matá-lo. (2) Ora, a festa dos
judeus, chamada de Festa dos Tabernáculos, estava próxima. (3) Dirigiram-se, pois,
a ele os seus irmãos e lhe disseram: Deixa este lugar e vai para a Judeia, para que
também os teus discípulos vejam as obras que fazes. (4) Porque ninguém há quem
procure ser conhecido em público e, contudo, realize os seus feitos em oculto. Se
fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo. (5) Pois nem seus irmãos criam nele. (6)
Disse-lhes, pois, Jesus: O meu tempo ainda não chegou, mas o vosso sempre está
presente. (7) Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim me odeia, porque eu dou
testemunho a seu respeito de que as suas obras são más. (8) Subi vós outros à festa;
eu, por enquanto, não subo, porque o meu tempo ainda não está cumprido. (9)
Disse-lhes Jesus estas coisas e continuou na Galileia.
(10) Mas, depois que seus irmãos subiram para a festa, então, subiu ele também, não
publicamente, mas em oculto. (11) Ora, os judeus o procuravam na festa e
perguntavam: Onde estará ele? (12) E havia grande murmuração a seu respeito
entre as multidões. Uns diziam: Ele é bom. E outros: Não, antes, engana o povo. (13)
Entretanto, ninguém falava dele abertamente, por ter medo dos judeus.
172
A interpretação da “guarda do sábado” era um assunto de extrema
importância entre os fariseus. Havia opiniões divergentes entre eles em
torno “do que era e do que não era agradável a Deus” no dia sagrado. Os
fariseus nunca chegaram a uma definição final; portanto, havia um espaço
amplo para opiniões divergentes.
173
deserto e festa de colheita. Como era celebrada imediatamente após o dia
da expiação, o senso de alegria pela redenção era proeminente. Numa
escala diária decrescente era feito um sacrifício especial de setenta
novilhos. As trombetas eram tocadas todos os dias. Havia a cerimônia do
derramamento de água de Siloé em comemoração a Êxodo 17.1-7. O pátio
interior do Templo era iluminado e a luz de um grande candelabro
lembrava a coluna de fogo que, durante as noites no deserto, tinha servido
como guia do povo (Num.14,14). Havia uma procissão de tochas. Acima de
tudo, os israelitas armavam suas tendas feitas de galhos de árvores nas
praças e nos telhados das casas e acolhiam milhares de peregrinos que
chegavam de todas as regiões do país.
A razão pela qual João menciona essa festa é que ela servia de palco
para Jesus, quando proferiu suas palavras em que interferiu nos ritos da
água e no da luz, proclamando-se a Si mesmo a verdadeira luz e a fonte de
água viva (7,37 e 8,12). Veremos mais sobre isso daqui a pouco.
Tudo indica que João quis deixar evidente a ironia e a descrença dos
irmãos de Jesus. Parecem não saber nada dos sinais que Jesus operou na
região, ou são descrentes e O desprezam. Por Sua própria família, Jesus
era tido como “fora de si” e, até após a ressurreição, nada mais ouvimos da
família dEle no nosso Evangelho. Sua mãe nunca aparece nos Evangelhos
participando em favor dEle, mas certamente observava, com angústia, o
comportamento estranho de seu filho. Ela não havia esquecido o que lhe
fora dito pelo Anjo, em Lucas 1,39-55 (perpetuado no “Magnificat” da
igreja), ou por Simão (Lucas 2,25-35), e que aparentemente ainda não fazia
sentido. Ela não compartilhava com ninguém, mas o Evangelista diz que
ela “guardou aquilo no coração”. Maria só aparecerá mais tarde debaixo da
cruz onde seu Filho agonizava.
(6) Disse-lhes, pois, Jesus: O meu tempo ainda não chegou, mas
o vosso sempre está presente. O Evangelista, usando a mesma
tipificação de “tempo” (kairós) tanto para Jesus quanto para seus irmãos,
deixou muito claro o abismo que os separava. A “hora”, em que Seu
sacrifício mudaria o rumo do mundo, ainda não havia chegado. A hora
174
deles, no entanto, sempre estava presente. Para eles, como para nós, vale o
que o salmista diz no salmo 95,7.8: “Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não
endureçais o coração...” Enquanto é hoje, há oportunidade de procurar a
Deus e ouvir a exortação de 2.Coríntios 5,20 (confira!).
175
apócrifos foram reconhecidos como falsos já no século quarto e, por isso,
não fazem parte do Cânon do nosso Novo Testamento.
(8) Subi vós outros à festa; eu, por enquanto, não subo, porque o
meu tempo ainda não está cumprido.
176
(12) E havia grande murmuração a seu respeito entre as
multidões. Uns diziam: Ele é bom. E outros: Não, antes, engana o
povo.
O Evangelista revela a razão da preocupação do clero. A atmosfera
de angústia e ansiedade entre a multidão dos peregrinos o preocupava.
Todos falavam com voz baixa “dele”, esperando “vê-lo”. Jesus era famoso e
conhecido o suficiente. O impessoal “Ele” já O identificava. Esse povo não
pensou em termos teológicos, como o faziam as autoridades nas
discussões com o Galileu (caps.6 e 8). A eles interessava o geral. Ou era
“bom” ou “ruim”!? As multidões de peregrinos “ignorantes”, vistas pelos
fariseus com desprezo (cap.7,49: “... esta plebe, que nada sabe da Lei, é
maldita”) era uma fonte permanente de preocupação para os fariseus e os
sacerdotes do Templo. Enquanto o Evangelista se referiu no verso anterior
à elite que temia o poder do povo, mas o via com desdém, vemos nesse
verso a indefinição “do mundo”, representada pela massa de peregrinos
com suas discussões às escondidas e sua murmuração, apostando às
escondidas na chegada “dEle” ou não.
Cap. 7.14-24
(14) Corria já em meio a festa, e Jesus subiu ao templo e ensinava. (15) Então, os
judeus se maravilhavam e diziam: Como sabe este letras, sem ter estudado? (16)
Respondeu-lhes Jesus: O meu ensino não é meu, e sim daquele que me enviou. (17)
Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de
Deus ou se eu falo de mim mesmo. (18) Quem fala por si mesmo está procurando a
sua própria glória; mas o que procura a glória de quem o enviou, esse é verdadeiro, e
nele não há injustiça. (19) Não vos deu Moisés a lei? Contudo, ninguém dentro vós o
observa. Por que procurais matar-me? (20) Respondeu a multidão: Tens demônio.
Quem é que procura matar-te? (21) Replicou-lhes Jesus: Um só feito realizei, e todos
vos admirais. (22) Pelo motivo de que Moisés vos deu a circuncisão (se bem que ela
não vem dele, mas dos patriarcas), no sábado circuncidais um homem. (23) E, se o
homem pode ser circuncidado em dia de sábado, para que a lei de Moisés não seja
violada, por que vos indignais contra mim, pelo fato de eu ter curado, num sábado,
ao todo, um homem? (24) Não julgueis segundo a aparência, e sim pela reta justiça.
177
Desde os primeiros séculos da igreja há especulações quanto à
ordem dos capítulos 5,6 e 7. A fala de Jesus, no presente momento,
encaixa-se muito bem como continuação de 5,47, onde Jesus também
discutiu com os religiosos. Assim, há vários comentaristas que defendem
uma troca acidental de capítulos ou trechos durante a composição final da
obra, o que não iremos considerar no nosso estudo. Ficaremos com a
ordem que os manuscritos nos deram desde o início, sem com isso fazer
um julgamento histórico. O conteúdo nos interessa muito mais do que
uma certeza da sequência histórica. Essa nunca nos revelará o “Logos de
Deus”. Mencionamos essa questão somente para que você não se assuste
caso encontre defensores da teoria de uma “intervenção tardia da igreja
primitiva”, nos textos. Não é a ordem cronológica dos acontecimentos que
nos salva.
178
Filon de Alexandria (25.a.C. – 50 d.C.), baseando-se em Deut. 18,15
havia previsto que: o profeta enviado por Deus, quando repentinamente
aparecesse, nada dele mesmo diria, pois o profeta é portador da fala de
Deus, que está livre para usar os órgãos do profeta para proclamação se
Sua vontade (spec.leg.1,65). A resposta de Jesus era sólida e convincente.
(19) Não vos deu Moisés a lei? Contudo, ninguém dentro vós o
observa. O Deus de Israel lhes havia dado a Lei através de seu servo
Moisés par ser observada. Nem o mais básico eles, os religiosos,
observavam. Faltava-lhes a disposição para reconhecer o que vinha da
parte de Deus; procuravam sua própria honra... e por que procurais
matar-me? Não é que Jesus chorava misérias. Ele acusou, apontando
de um lado para a Lei e simultaneamente para o interesse deles em livrar-
se de Jesus. A grande maioria dos peregrinos imediatamente contestou
Jesus: (20) Respondeu a multidão: Tens demônio. Quem é que procura
matar-te? A multidão nada sabia de planos sinistros do clero. Esse Jesus
lhes parecia louco. Foram imediatamente corrigidos por Jesus. (21)
Replicou-lhes Jesus: Um só feito realizei, e todos vos admirais. Uma
única cura Jesus realizou num dia de sábado – cuja interpretação ainda
era assunto de discussões sem fim – e esse ato foi suficiente para optar
pela sua eliminação. Novamente encontramos o “admirar” no sentido de
“escandalizar”. Vocês ficam escandalizados com uma única cura realizada
no dia de sábado, uma ação que Moisés autorizou na sua Lei?
(22) Pelo motivo de que Moisés vos deu a circuncisão (se bem
que ela não vem dele, mas dos patriarcas), no sábado circuncidais um
homem.
Jesus se revela profundo conhecedor da Lei, superando em muito
seus acusadores. A Torá determina em Levítico 12,3 a necessidade da
circuncisão dos meninos no oitavo dia, sinal da aliança com Deus (a
circuncisão consiste no corte do prepúcio do pênis nos meninos). Se esse
oitavo dia cai num sábado, ele suplanta (prevalece) sobre sábado e a Lei é
179
cumprida. “A circuncisão após esse dia levará à eliminação do povo”, assim
disse o Rabi Eliezer e concluiu: “Não podemos concluir partindo do mais
leve para o mais pesado? Se por um só membro o sábado é suplantado (não
considerado), não será também quando se trata da pessoa toda? Rabi
Eleazar b.Azarja (100 d.C.) determinou assim: “Se a circuncisão, que trata
de um só dos 448 membros do corpo humano, suplante o sábado, quanto
mais o sábado é suplantado quando uma pessoa inteira está em perigo de
vida”.
(23) E, se o homem pode ser circuncidado em dia de sábado,
para que a lei de Moisés não seja violada, por que vos indignais contra
mim, pelo fato de eu ter curado, num sábado, ao todo, um homem?
A acusação contra Jesus de quebrar o sábado, fazendo-se
mesmo Deus, carecia de qualquer fundamento. Como a Torá era a base da
discussão tanto para os fariseus quanto para Jesus, toda a discussão se
reduziu à interpretação da Lei e Jesus provou como as acusações contra
Ele careciam de fundamento; mais ainda: era procedimento dentro dos
limites colocados pelos próprios fariseus .
Cap. 7.25-36
(25) Diziam alguns de Jerusalém: Não é este aquele a quem procuram matar? (26)
Eis que ele fala abertamente, e nada lhe dizem. Porventura, reconhecem
verdadeiramente as autoridades que este é, de fato, o Cristo? (27) Nós, todavia,
sabemos donde este é; quando, porém, vier o Cristo, ninguém saberá donde ele é.
(28) Jesus, pois, enquanto ensinava no Templo, clamou, dizendo: Vós não somente
me conheceis, mas também donde eu sou; e não vim porque eu, de mim mesmo, o
quisesse, mas aquele que me enviou é verdadeiro, aquele a quem vós não conheceis.
(29) Eu o conheço, porque venho da parte dele e fui por ele enviado. (30) Então,
procuravam prendê-lo; mas ninguém lhe pôs a mão, porque ainda não era chegada a
sua hora. (31) E, contudo, muitos de entre a multidão creram nele e diziam: Quando
vier o Cristo, fará, porventura, maiores sinais do que este homem tem feito? (32) Os
fariseus, ouvindo a multidão murmurar estas coisas a respeito dele, juntamente com
os principais sacerdotes enviaram guardas para o prenderem. (33) Disse-lhes Jesus:
Ainda por um pouco de tempo estou convosco e depois irei para junto daquele que
me enviou. (34) Haveis de procurar-me e não me achareis; também aonde eu estou,
vós não podeis ir. (35) Disseram, pois, os judeus uns aos outros: Para onde irá este
que não o possamos achar? Irá, porventura, para a Dispersão entre os gregos, com o
fim de os ensinar? (36) Que significa, de fato, o que ele diz: Haveis de procurar-me e
não me achareis; também aonde eu estou, vós não podeis ir?
180
(25) Diziam alguns de Jerusalém: Não é este aquele a quem
procuram matar? (26) Eis que ele fala abertamente, e nada lhe dizem.
181
A ideia do Messias oculto não se espelhava na real doutrina
farisaica quanto à pessoa do Cristo. Por Gênesis 49,10 sabia-se que Ele
viria da tribo de Judá; mais tarde foi revelada sua descendência da
linhagem de Davi (Sal.Salom.17,21) e o profeta Miquéias apontou Belém
como lugar do seu nascimento (Miquéias 5,1). Assim, a tal “religiosidade
popular”, até aos dias de hoje, nem sempre corresponde com as Escrituras
e as autoridades nada fazem, pois para eles não importa muito o que “esta
plebe, que nada sabe” (7,49) pensa.
Jesus respondeu à alegação de que não podia ser o Messias
esperado por causa de sua ascendência conhecida:
182
um “ódio santo”. Convenhamos: A única alternativa seria uma entrega
incondicional, confessando: “meu Senhor, meu Deus” (João 20,18).
183
Voltemos à situação no Templo. Os peregrinos estavam em
desacordo entre si. Segundo a crença popular, o Messias faria inúmeros
milagres. Alguém, por acaso, poderia operar mais milagres do que “este”?
184
de procurar-me e não me achareis; também onde eu estou, vós não
podeis ir.
Ainda por um pouco de tempo... A advertência a respeito do
“pouco de tempo” será o tema que dominará a partir de agora todos os
assim chamados “discursos de despedida” de Jesus (confira 12,35/ 13,33
/ 14,19 / 16,16s).
Sempre de novo o Evangelista procura salientar a revelação
única, histórica de Deus. Essa “única” revelação consiste no envio
escatológico do Filho. Há um “tarde demais!” Existe, sim, a possibilidade
de chegar tarde demais! Haverá os que O procurarão e não mais
encontrarão. Seu retorno será o julgamento do mundo.
Mesmo se aplicarmos esse “tarde demais” somente à presença
física da pessoa de Jesus Nazareno, o retorno da pessoa do Espírito Santo
será juízo, pois Ele “convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo...”
(João 16,8).
Pela primeira vez no seu Evangelho, Jesus falou abertamente de
Seu retorno ao que O enviou, ao Pai. O tempo urgia! Percebemos o peso
dessa afirmação pouco adiante, quando Jesus, em 12,35, exorta: “Ainda
por um pouco a Luz está convosco. Andai enquanto tendes a luz, para que
as trevas não vos apanhem...”. O clamor de Jesus lembra às palavras de
Isaías: “Buscai o Senhor enquanto se pode achar!” (Is.55,6). O que mais
pesou na palavra de Jesus era o: “... aonde estou, vós não podeis ir”. Jesus
usou a forma gramatical do presente. Ele sempre está com o Pai e, quando
não mais estiver entre eles em forma humana, não haverá mais como
seguí-lO. Não poderemos entrar na Glória do Pai como humanos.
(35) Disseram, pois, os judeus uns aos outros: Para onde irá
este, que não o possamos achar? Irá, porventura, para a Dispersão
entre os gregos, com o fim de os ensinar?
185
As palavras de Jesus, no entanto, continuavam martelando a mente
dos ouvintes. O que Ele queria, mesmo, dizer? Para o Evangelista, o verso
35 já soou como profecia cumprida. Na época em que ele escreveu seu
Evangelho, a igreja entre os gregos já tomara forma. Jesus tinha chegado a
eles também.
Cap. 7.37-39
(37) No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se
alguém tem sede, venha a mim e beba. (38) Quem crer em mim, como diz a
Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. (39) Isto ele disse com respeito
ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele
momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado.
Qual era o “último, o grande dia?” Não temos como chegar a uma
resposta conclusiva sobre se era o sétimo ou o oitavo dia da festa.
Mencionamos brevemente qual era o ritual nesses dias e veremos em que o
oitavo dia era distinto dos anteriores.
186
Era o último dia em que o sacerdote tirava água do poço de Siloé e
também o último dia em que as pessoas moravam em tendas (uma
lembrança das estadias no deserto). Disseram em Israel:” Quem nunca viu
a alegria do apanhamento da água não viu alegria nenhuma”(cit.Thyen).
187
(38) Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior
fluirão rios de água viva (tradução comum).
188
Deus, como figura histórica (e não Jesus como hoje O conhecemos, como o
Glorificado, como Deus), pôs fim ao simbolismo do culto judaico porque com
suas palavras a profecia da vinda da era messiânica se cumpriu ( Zac.
14,8).
Veremos mais tarde, a partir do capítulo 13, como João começa cada
vez mais nitidamente a ver a realidade da igreja, Cristo e Deus e Espírito
não mais reduzida à categoria “tempo”. O que seguirá para a igreja não
mais será preso a acontecimentos, ao tempo, à dimensão na qual todos
nós, como humanos, ainda vivemos.
189
Cap. 7.40-52
(40) Então, os que dentre o povo tinham ouvido estas palavras diziam: Este é
verdadeiramente o profeta; (41) outros diziam: Ele é o Cristo; outros porém,
perguntavam: Porventura, o Cristo virá da Galileia? (42) Não diz a Escritura que o
Cristo vem da descendência de Davi e da aldeia de Belém, donde era Davi? (43)
Assim, houve uma dissensão entre o povo por causa dele; (44) alguns dentro eles
queriam prendê-lo, mas ninguém lhe pôs as mãos. (45) Voltaram, pois, os guardas à
presença dos principais sacerdotes e fariseus e estes lhe perguntaram: Por que não o
trouxestes? (46) Responderam eles: Jamais alguém falou como este homem. (47)
Replicaram-lhes, pois, os fariseus: Será que também vós fostes enganados? (48)
Porventura, creu nele alguém dentre as autoridades ou algum dos fariseus? (49)
Quanto a esta plebe que nada sabe da lei, é maldita. (50) Nicodemos, um deles, que
antes fora ter com Jesus, perguntou-lhes: (51) Acaso, a nossa lei julga um homem,
sem primeiro ouví-lo e saber o que ele fez? (52) Responderam eles: Dar-se-á o caso
de que também tu és da Galileia? Examina e verás que da Galileia não se levanta
profeta.
Em Êxodo 16, Deus, através de seu servo Moisés, revelou seu poder
através do milagre do Maná (pão) e, no capítulo seguinte (Ex.17), os
sedentos beberam da água que jorrava da pedra. A sequência desses dois
milagres constituía o clímax da tradição bíblica-judaica (confere Salmo
105,40.41).
Em Deut. 18,15.18, Moisés havia prometido ao povo um “outro
profeta, semelhante a ele, a quem deveriam ouvir, caso não queiram
morrer”. Alguns de entre o povo que ouviram a Jesus clamar, refletindo,
mostraram-se convencidos de que “este” realmente era “O profeta”
anunciado por Moisés.
190
Muito ao contrário, ouvimos que o reconhecimento de Jesus como o
Cristo (Messias) levaria à excomunhão (exclusão) da Sinagoga (9,22/34!/
12,42) e conforme 16,1s, até ao martírio. Ao apresentar Jesus, desde o
início de seu Evangelho, como o “Logos” que está (presente!) no seio do
Pai, o nosso Evangelista considerou Jesus infinitamente mais digno do que
“o profeta”. Tampouco encontramos em lugar nenhum alguma indicação
que permitisse interpretar “o bom pastor” como “o profeta como Moisés”.
Quando João apresenta a figura do bom pastor, ele muito claramente se
referia a Ezequiel 34,23s: (“... suscitarei para elas um só pastor, e ele as
apascentará; o meu servo Davi é que as apascentará; ele lhes servirá de
pastor”). A identificação de Jesus por João culmina em João 10,30 com a
sentença que resume o Evangelho todo : “Eu e o Pai somos Um”.
191
percebe o quanto dependemos da ação do Espírito Santo na tarefa de
evangelização?!
(43) Assim, houve uma dissensão entre o povo por causa dele;
(44) alguns dentro eles queriam prendê-lo, mas ninguém lhe pôs as
mãos.
A multidão continuou confusa. Formara-se uma cisão entre os que
lhe deram algum crédito e outros que exigiam Sua prisão. Mas onde
estavam os responsáveis pela ordem, enviados para pôr fim à pregação do
Galileu?
(45) Voltaram, pois, os guardas à presença dos principais
sacerdotes e fariseus e estes lhe perguntaram: Por que não o
trouxestes? (46) Responderam eles: Jamais alguém falou como este
homem.
No verso 32 ouvimos que os fariseus, junto com os saduceus e
sacerdotes, haviam acionado a Polícia do Templo. Essa, após observar por
algum tempo o movimento em volta de Jesus, retornou com mãos vazias
aos responsáveis pela ordem de prisão, justificando seu procedimento com
uma sentença curta e precisa, que deixou evidente o quanto ficaram
impressionados pela pessoa e as palavras de Jesus. Enquanto prestavam
atenção, haviam simplesmente “esquecida” a ordem dada pelos seus
mandantes.
192
voltavam da Babilônia, sucedeu uma mudança considerável. Sob Esdras e
Neemias, mais tarde representados pelos Rabinos, o termo no plural
apontava de forma depreciativa para aqueles que durante o exílio da elite
judaica permaneciam na sua terra. Eles ficaram longe do desenvolvimento
do conhecimento e da sabedoria da Torá dos que voltaram. As mudanças
da religião de JHWH sob a influência do Deuteronômio e do Exílio lhes
eram totalmente estranhas e assim nasceu o significado desprezível do
termo “plebe”, não somente aplicado aos das regiões da Galileia e da
Samaria, mas, aos poucos, a todos os iletrados.
(50) Nicodemos, um deles, que antes fora ter com Jesus, perguntou-
lhes: (51) Acaso, a nossa lei julga um homem, sem primeiro ouví-lo e
saber o que ele fez?
193
Sabemos de 18,15 que o então discípulo João era conhecido do
sumo sacerdote. Por alguma via de parentesco ou amizade ele tinha
trânsito entre os “de cima”. Os detalhes nos encontros ou rixas com as
autoridades (às vezes impressionando pela sua exatidão e relatados
somente no Evangelho de João), permitem a hipótese de informações
dadas pós-Páscoa por membros do Sinédrio e sacerdotes que se juntavam
à igreja primitiva judaico-cristã (José de Arimateia; Nicodemos e outros,
conf. Atos 6,7).
(53) E cada um foi para sua casa. (8.1) Jesus, entretanto, foi para o monte das
Oliveiras. (2) De madrugada, voltou novamente para o Templo, e todo o povo ia ter
com ele; e, assentado, os ensinava. (3) Os escribas e fariseus trouxeram à sua
presença uma mulher surpreendida em adultério e, fazendo-a ficar de pé no meio de
todos, (4) disseram a Jesus: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante
adultério. (5) E na Lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; tu,
pois, que dizes? (6) Isto diziam eles tentando-o, para terem de que o acusar. Mas
Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo. (7) Como insistissem na
pergunta, Jesus se levantou e lhes disse: Aquele que dentre vós estiver sem pecado,
seja o primeiro que lhe atire pedra. (8) E, tornando a inclinar-se, continuou a
escrever no chão. (9) Mas, ouvindo eles esta resposta e acusados pela própria
consciência, foram-se retirando um por um, a começar pelos mais velhos até aos
últimos, ficando só Jesus e a mulher no meio onde estava. (10) Erguendo-se Jesus e
não vendo a ninguém mais além da mulher, perguntou-lhe: Mulher, onde estão
aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? (11) Respondeu ela: Ninguém,
Senhor! Então, lhe disse Jesus: Nem eu tampouco te condeno; vai e não peques
mais.
Nos estudos recentes vimos Jesus envolvido em uma veemente
discussão com os religiosos na área do Templo. Celebrava-se a Festa dos
Tabernáculos.
Lembramos que a longa discussão apresentada nos capítulos 7 e 8
do Evangelho de João tiveram seu início em 7.15., quando os peregrinos
ficaram perplexos perante a autoridade com a qual Jesus publicamente
ensinava no pátio do Templo, sem nunca ter estudado numa escola
194
rabínica. Vimos, mais adiante, como a tentativa dos responsáveis pela
ordem no santuário fracassou em acionar a “Polícia do Templo”. Não lhes
fora possível pôr fim à agitação. Os próprios guardas haviam ficado
maravilhados de tal forma, pelo que ouviram, que não ousaram prender
Jesus.
Somente no capítulo oitavo, verso 12, o Evangelho voltará à
discussão em andamento no Templo, a qual mais tarde, abruptamente,
teve fim com a tentativa de apedrejamento de Jesus. Este era o castigo
exigido pela Lei de Moisés em casos de blasfêmia ou, mais exatamente,
caso alguém ousasse pronunciar o inefável nome de Deus. O Evangelista
observou que, a essa altura, “Jesus se ocultou, saindo do Templo” (versos
52 e 53). Em outros termos, Jesus teve de sumir apressadamente para não
correr risco de vida. Mas isso será o tema das próximas leituras.
195
época de João não mais havia nem escribas, nem saduceus e nem
sacerdotes. Todos eles desapareceram com a destruição do Templo
ocorrida nos anos 70, quer dizer, antes do Evangelho de João ser
composto. Portanto, a história da mulher fazia parte de uma obra anterior
ao Evangelho de João e, por razões hoje desconhecidas, foi incluída nele
mais tarde por ser reconhecida como autêntica.
(53) E cada um foi para sua casa. Não sabemos a que este verso se
refere; se é um resto que pertencia à perícope original anterior ou se foi
concebido como meio de introdução ao que segue.
196
sejam atiradas a começar pela maior autoridade presente e durasse até a
total deformação do corpo da vítima (não exposta por causa do saco).
197
As poucas palavras de Jesus haviam transformado os acusadores
em acusados. De maneira soberana e aparentemente desinteressada,
Jesus novamente abaixou-se, dispensando dessa forma os fariseus e
escribas e voltou à sua “atividade sem importância”, mexendo com seu
dedo no pó da terra. Era impossível haver uma humilhação maior para os
acusadores presunçosos.
Soa como ironia santa a palavra de Jesus. Então, lhe disse Jesus:
Nem eu tampouco te condeno;... Parecia dizer: se nem esses homens
santos e rigorosos, quanto à Lei, te condenam, nem eu preciso fazê-lo.
Consenti com a Lei e o castigo, mas também concordo com o perdão
concedido pelos responsáveis da Lei.
Observe: O Único que podia jogar a pedra, não o fez. Com autoridade
de juiz Ele proferiu o “vai” e como Salvador acrescentou o “e não peques
mais”. Um comentarista, opinando sobre isso, disse que talvez nem Jesus
se sentia suficientemente sem pecado algum e por isso não iniciou a
matança. O pobre teólogo parece não ter lido e nada “visto” do que o
Evangelho de João nos revela sobre o Filho!
198
justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em
Cristo Jesus...” (Romanos 3,23.24s).
Cap. 8.12-20
(12) De novo, lhes falava Jesus, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue,
não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida. (13) Então, lhe objetaram
os fariseus: Tu dás testemunho de ti mesmo; logo, o teu testemunho não é
verdadeiro. (14) Respondeu Jesus e disse-lhes: Posto que eu testifico de mim
mesmo, o meu testemunho é verdadeiro, porque sei donde vim e para onde vou;
mas vós não sabeis donde venho, nem para onde vou. (15) Vós julgais segundo a
carne, eu a ninguém julgo. (16) Se eu julgo, o meu juízo é verdadeiro, porque não
sou eu só, porém eu e aquele que me enviou. (17) Também na vossa Lei está escrito
que o testemunho de duas testemunhas é verdadeiro. (18) Eu testifico de mim
mesmo, e o Pai, que me enviou, também testifica de mim. (19) Então, eles lhe
perguntaram: Onde está teu pai? Respondeu Jesus: Não me conheceis a mim nem a
meu Pai; se conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai. (20) Proferiu ele
estas palavras no lugar do gazofilácio, quando ensinava no Templo; e ninguém o
prendeu, porque não era ainda chegada a sua hora.
200
“Olhai para mim e sedes salvos, vós, todos os limites da terra; porque eu
sou Deus, e não há outro”, Ele não deixava margem para outro EU SOU.
201
“quem me segue não andará em trevas; pelo contrário, terá a luz da vida”.
Alguns seguem à luz; muitos permanecem nas trevas.
202
é que testifica a meu respeito, e sei que é verdadeiro o testemunho que Ele
dá de mim”.
203
Como podemos conciliar a aparente contradição entre os versos 15 e
16? Vimos em 3,18 (“quem nele crê não é julgado; o que não crê já está
julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus”) que a
recusa do Filho consiste em julgamento. Dessa forma também
interpretamos 5,22 onde Jesus afirmou que o Pai confiou todo julgamento
ao Filho.
204
confessa que Jesus Cristo veio em carne (na forma de humano) é de Deus; e
todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus...” (2,3). Onde
estão os representantes cristãos que estão “cativos pela revelação de Deus
em Cristo Jesus”? “Porque muitos enganadores têm saído pelo mundo
afora, os quais não confessam Jesus Cristo vindo em carne; assim é o
enganador e o anticristo” (2 João 7). Quem, hoje em dia, leva a sério as
palavras de João e reconhece em Jesus de Nazaré o Cristo de Deus, o
“Logos”, é tido como “fundamentalista”, termo depreciativo nos círculos
teológicos mais liberais. Os homens não querem curvar-se perante o Filho,
mas alegam servir a Deus.
205
Com suas palavras, Jesus, indiretamente, também deu seu veredicto
sobre o culto em templos. O “EU SOU” de Jesus levou e leva ao fim
escatológico não somente do Templo judaico e de seu serviço sangrento,
mas da própria religião em si. Na “religião”, o homem serve a um Deus que
nem conhece.
• Você conhece o Deus a quem diz servir?
Cap. 8.21-30
(21) De outra feita, lhes falou, dizendo: Vou retirar-me, e vós me procurareis, mas
perecereis no vosso pecado; para onde eu vou, vós não podeis ir. (22) Então, diziam
os judeus: Terá ele, acaso, a intenção de suicidar-se? Porque diz: Para onde eu vou,
vós não podeis ir. (23) E prosseguiu: Vós sois cá de baixo, eu sou lá de cima; vós sois
deste mundo, eu deste mundo não sou. (24) Por isso, eu vos disse que morrereis nos
vossos pecados; porque, se não crerdes que EU SOU, morrereis nos vossos pecados.
(25) Então, lhe perguntaram: Quem és tu? Respondeu-lhes Jesus: Que é que desde o
princípio vos tenho dito? (26) Muitas coisas tenho para dizer a vosso respeito e vos
julgar; porém aquele que me enviou é verdadeiro, de modo que as coisas que dele
tenho ouvido, essas digo ao mundo. (27) Eles, porém, não atinaram que lhes falava
do Pai. (28) Disse-lhes, pois, Jesus: Quando levantardes o Filho do Homem, então,
sabereis que EU SOU e que nada faço por mim mesmo; mas falo como o Pai me
ensinou. (29) E aquele que me enviou está comigo, não me deixou só, porque eu faço
sempre o que lhe agrada. (30) Ditas estas coisas, muitos creram nele.
206
certeza a interpretação “certa”. No entanto, indicaremos a que nos parece a
mais correta.
... lhes falou, dizendo: (EU) Vou retirar-me, e vós me procurareis, mas
perecereis no vosso pecado; para onde eu vou, vós não podeis ir.
Eles não entenderam que Jesus lhes falou da volta para o Pai.
Mesmo assim, as suas considerações serão ironicamente exatas: seu
caminho para o Pai o levará à morte. No entanto, como cf. 19,18, ninguém
tem poder para tirar-lhe a vida ou, de certo modo, Ele morrerá porque
207
assim quer, porém como oferta, em sacrifício, como o bom pastor que dá
sua vida pelas ovelhas (10,11).
(25) Então, lhe perguntaram: Quem és tu? Quem és tu, para nos
ensinares? Não sabes, por acaso, com quem estás falando? A pergunta
cética ou irônica dos fariseus deixou evidente que sua resistência e
negação eram conscientes e nunca seriam vencidas com palavras. Cada
palavra a mais de Jesus era revelação jogada fora.
208
Na procura do real sentido da resposta de Jesus aparecem diversas
opiniões. O texto no original grego não nos permite definir com exatidão o
que Jesus queria dizer. Três opções nos são apresentados pelos
estudiosos.
(26) Muitas coisas tenho para dizer a vosso respeito e vos julgar;
porém aquele que me enviou é verdadeiro, de modo que as coisas que
dele tenho ouvido, essas digo ao mundo. Aquele que me enviou é
verdadeiro e Eu (enfático, no original) só digo ao mundo o que dele tenho
ouvido.
No decorrer do tempo, muita especulação surgiu querendo
especificar onde e quando Jesus tinha ouvido do Pai aquilo que disse estar
transmitindo.
209
com a forma gramatical (tempora verbi) que o Evangelista usou nas
diversas referências.
Eles não entenderam quando Jesus lhes declarou (verso 24) Sua
identidade com o Pai. Será que realmente não captaram a reivindicação
contida nas palavras acima? Desentendimento proposital é uma arma
poderosa. O mesmo acontece hoje em muitos corações.
210
traspassaram...” A LXX (latim) diz: “... olharão para mim ...”. Essa direção
não aponta a uma ameaça de julgamento, mas de salvação.
A essa altura Jesus via, com clareza, o caminho que tinha de andar
até ao fim. Ele sentiu-se seguro, pois estava obedecendo. A obediência
completa era o segredo de sua confiança total.
(30) Ditas estas coisas, muitos creram nele. Não sabemos o que
aconteceu com esse grupo que creu, mas sobre ele certamente estava a
promessa acima mencionada de reconhecimento do Salvador.
211
Cap. 8.31-47
(31) Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós
permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; (32) e
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. (33) Responderam-lhe: Somos
descendência de Abraão e jamais fomos escravos de alguém; como dizes tu: Sereis
livres? (34) Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: todo o que
comete pecado é escravo do pecado. (35) O escravo não fica sempre na casa; o filho,
sim, para sempre. (36) Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.
(37) Bem sei que sois descendência de Abraão; contudo, procurais matar-me, porque
a minha palavra não está em vós. (38) Eu falo das coisas que vi junto de meu Pai;
vós, porém, fazeis o que vistes em vosso pai. (39) Então, lhe responderam: Nosso pai
é Abraão. Disse-lhes Jesus: Se sois filhos de Abraão, praticai as obras de Abraão. (40)
Mas agora procurais matar-me, a mim que vos tenho falado a verdade que ouvi de
Deus; assim não procedeu Abraão. (41) Vós fazeis as obras de vosso pai. Disseram-
lhe eles: Nós não somos bastardos; temos um pai, que é Deus. (42) Replicou-lhes
Jesus: Se Deus fosse, de fato, vosso pai, certamente, me havíeis de amar; porque eu
vim de Deus e aqui estou; pois não vim de mim mesmo, mas ele me enviou. (43)
Qual a razão por que não compreendeis a minha linguagem? É porque sois incapazes
de ouvir a minha palavra. (44) Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis
satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na
verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é
próprio, porque é mentiroso e pai da mentira. (45) Mas, porque eu digo a verdade,
não me credes. (46) Quem dentre vós me convence de pecado? Se vos digo a
verdade, por que razão não me credes? (47) Quem é de Deus ouve as palavras de
Deus; por isso, não me dais ouvidos, porque não sois de Deus.
(31) Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós
permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus
discípulos; (32) e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.
O grupo, ao qual Jesus se dirigiu no verso acima e que no final da
conversa procura apedrejá-lo, não parece idêntico ao da leitura passada.
No verso 30 ouvimos que “muitos creram em Jesus”, o que é mais do que
“crer no que Ele disse”. Creram na Sua pessoa.
212
Na visão bíblica-judaica, a “verdade” está fundamentada no que
Deus fala. Na pessoa de Jesus, essa palavra estava presente.
“Vendo Sara que o filho de Agar, a egípcia, o qual ela dera à luz a Abraão,
caçoava (literalmente “brincar com”), disse a Abraão: Rejeita essa escrava
e seu filho; porque o filho dessa escrava não será herdeiro com Isaque,
meu filho” (Gen 21,9.10).
213
O Senhor da casa (aqui metaforicamente visto em Abraão) é o Deus
de Israel. Como escravos do pecado, nem eles, judeus, ficariam na casa do
Pai a não serem libertos, antes, pelo Filho.
(38) Eu falo das coisas que vi junto de meu Pai; vós, porém,
fazeis o que vistes em vosso pai. (39) Então, lhe responderam: Nosso
pai é Abraão.
De Abraão, os judeus não tinham mais nada além da descendência
biológica. Parafraseando: “A comprovação de que vocês não mais são filhos
de Abraão está no fato de vocês aceitarem as insinuações de seu verdadeiro
pai (cujas palavras vocês não rejeitam), da mesma forma como eu (Jesus)
estou fazendo exatamente o que vi em Meu Pai” – uma expressão pesada e
de duplo sentido, sendo imediatamente repelida com a resposta: “Nosso
Pai é Abraão”!
214
Mais uma vez, a tradução para o português é falha,
propositadamente talvez. O texto do verso 40, não só no original, mas nos
outros idiomas também, diz: “... procurais matar-me, homem, que vos
tenha...”. O tradutor talvez tenha feito o que muitos antigos copistas
fizeram: procurou evitar um mal-entendido, alterando palavras ou
omitindo-as.
Com o termo “homem”, o Evangelista prepara o chão para o verso 44
onde o diabo será chamado de “homicida”, de assassino.
(41) Vós fazeis as obras de vosso pai. Disseram-lhe eles: Nós não
somos bastardos; temos um pai, que é Deus.
A resposta “não somos bastardos; temos um pai que é Deus” pode ser
uma expressão do orgulho judaico, porém, como eles fizeram referência a
“bastardo” (lit. mamser , o que fora gerado ilegalmente com culpa de
sangue) pode ter sido “uma indireta” à pessoa de Jesus. “Não somos
bastardos (como tu)”.
215
(42) Replicou-lhes Jesus: Se Deus fosse, de fato, vosso pai,
certamente, me havíeis de amar; porque eu vim de Deus e aqui estou;
pois não vim de mim mesmo, mas ele me enviou. (43) Qual a razão
por que não compreendeis a minha linguagem? É porque sois
incapazes de ovir a minha palavra.
Qual fora a razão dessa surdez espiritual dos judeus? Ela não era
proveniente do acaso; havia uma incapacidade objetiva presente.
216
Se (eu) vos digo a verdade, por que razão não me credes? (47)
Quem é de Deus ouve as palavras de Deus; por isso, não me dais
ouvidos, porque não sois de Deus.
Dar ouvidos é mais do que “ouvir” somente. Na linguagem bíblica do
nosso autor, “dar ouvidos” é sinônimo de “obedecer”. Desobedecer a Deus é
obedecer a outro que se apresenta na forma do “EU” a todos nós.
Cap. 8.48-59
(48) Responderam, pois, os judeus e lhe disseram: Porventura, não temos
razão em dizer que és samaritano e tens demônio? (49) Replicou Jesus: Eu não
tenho demônio; pelo contrário, honro a meu Pai, e vós me desonrais. (50) Eu não
procuro a minha própria glória; há quem a busque e julgue. (51) Em verdade, em
verdade vos digo: se alguém guardar a minha palavra, não verá a morte
eternamente. (52) Disseram-lhe os judeus: Agora, estamos certos que tens demônio.
Abraão morreu, e também os profetas, e tu dizes: Se alguém guardar a minha
palavra, não provará a morte, eternamente. (53) És maior do que Abraão, o nosso
pai, que morreu? Também os profetas morreram. Quem, pois, que te fazes ser? (54)
Respondeu Jesus: Se eu me glorifico a mim mesmo, a minha glória nada é; quem me
glorifica é meu Pai, o qual vos dizeis que é vosso Deus. (55) Entretanto, vós não o
tendes conhecido; eu, porém, o conheço. Se eu disser que não o conheço, serei
como vós: mentiroso; mas eu o conheço e guardo a sua palavra. (56) Abraão, vosso
pai, alegrou-se por ver o meu dia, viu-o e regozijou-se. (57) Perguntaram-lhe, pois, os
judeus: Ainda não tens 50 anos e viste Abraão? (58) Respondeu-lhes Jesus: Em
verdade, em verdade vos digo: antes que Abraão existisse, EU SOU. (59) Então,
pegaram em pedras para atirarem nele; mas Jesus se ocultou e saiu do Templo.
217
Leia, se possível, os capítulos 9 – 11 da “Carta” de Paulo “aos Romanos” e
observe a dor e a tristeza do Apóstolo por causa dessa situação. Veja também o
que João não viu e conheça a visão de Paulo: o avivamento futuro de seu próprio
povo e o que esse acontecimento significará para a igreja cristã, quando se
cumprir.
218
Você pode imaginar o que significa “não ver a morte eternamente”?
“Não ver a morte”, no uso semita, é sinônimo metafórico de “ter vida
eterna”.
Os judeus não entendiam. Será que Ele até proclamava imortalidade
para si e seus seguidores!? Eles viam confirmado seu julgamento: ele
estava louco mesmo!
O que eles não observavam era que Jesus havia ligado a sua
promessa às palavras pronunciadas imediatamente antes; eles não
consideravam o contexto. Neste, Jesus falou dAquele que os julgaria pelo
seu posicionamento contra ele. Todos os que mantivessem a palavra dele
não seriam julgados e nunca apagados da memória de Deus. A promessa
de Jesus estava sendo dada no contexto da honra do Pai.
Essa é a pergunta que através dos séculos, até hoje, separa e une.
Para alguns, Jesus era e continua sendo nada mais do que um homem,
talvez endemoninhado e com uma presunção doentia. Se, por outro lado,
reduzimos Jesus a um homem extremamente religioso e bom, exemplar,
anulamos suas palavras. Ele foi morto exatamente por não ser um
religioso. Em todos os sentidos Jesus rompe os parâmetros. Você tem
coragem de levar a sério as Suas palavras?
219
(54) Respondeu Jesus: Se eu me glorifico a mim mesmo, a minha
glória nada é; quem me glorifica é meu Pai, o qual vos dizeis que é
vosso Deus. (55) Entretanto, vós não o tendes conhecido; eu, porém, o
conheço. Se eu disser que não o conheço, serei como vós: mentiroso;
mas eu o conheço e guardo a sua palavra.
(56) Abraão, vosso pai, alegrou-se por ver o meu dia, viu-o e regozijou-
se.
Jesus, assim como seus oponentes, viviam na história de Israel.
Abraão, Isaque e Jacó, como pais, eram sempre presentes nas suas
avaliações religiosas. O que será que Jesus quis dizer quando afirmou que
Abraão viu “seu dia”?
No judaismo, esperava-se o Messias na sua função humana como
libertador e futuro rei de Israel. Assim se falava dos “dias do Messias”, de
uma nova “era” (plural de dias).
Os profetas, por sua vez, falavam do “dia de JHWH” (singular)
quando olhavam para o futuro. Eles viam a consumação das promessas de
Deus na história humana.
220
glorificação por Deus, quando Ele fosse “levantado”, isto é, Sua morte e Sua
ressurreição. Era “o dia” que os profetas anunciavam.
221
do Logos está além do “vir a ser” e do “acontecimento”. Enquanto tudo na
terra tem seu início e também seu fim, o “Eu sou” é sem início e sem fim.
Este “EU SOU” sempre inclui o “EU ERA” e o “EU SEREI”. Assim não
há como reduzir o “era” do Prólogo, projetando-o em alguma época
temporal, seja no tempo antes da caída do homem (Gen.3) ou até no
período do Jesus homem.
O grupo de pessoas que discutia com Jesus teve de ouvir que não
eram verdadeiros filhos de Abraão; que eram filhos do diabo e, portanto,
mentirosos que tramavam um assassinato. Tudo isso fazia parte de um
bom debate. Agora porém, o limite fora ultrapassado.
222
No decorrer da história, a Igreja “cristã” sempre tem se mantido
intocável, dessa mesma maneira, quando desafiada por alguém que amava
Jesus mais do que a letra da Lei da instituição denominada “Igreja”. E que,
através de todas as suas representações, em todas as épocas, tem
eliminado esses “hereges” através das mais horríveis métodos de tortura e
assassinatos – em nome de guardiã da “religião”. Os “Reformados”
(Protestantes) matavam menos que Roma sim, mas matavam também os
que ousaram estar discordando de sua doutrina.
Segundo a mídia, nunca morreram no mundo tantas pessoas como
vítima de conflitos religiosos como hoje (Spiegel).
Será que você dispõe de um lugar na sua casa (ou fora), onde ninguém
o (a) interrompa quando tenta estudar o texto? Incentivamos você a
procurar um cantinho e um horário que lhe facilitem a leitura. Sem
“mastigar” o alimento, ele para nada serve; ele só infla. Assim acontece
também com o alimento espiritual; ele precisa ser transformado em vida.
223
SOU” do Pai. Surgem as perguntas: Deus e Jesus são pessoas distintas?
Como podem ser Um só? Jesus se referia sempre ao Pai como autoridade
superior - não é assim? Hoje, Deus Pai e Cristo ainda são duas pessoas
ou uma só?
A igreja, na sua procura por uma definição, chegou através de muita
luta à seguinte afirmação: O Pai e o Filho são de uma mesma “substância”
(ano 325 d.C.). O que significa isso? Significa que tanto o Pai quanto o
Filho são Deus; não deuses, mas um só e o mesmo Deus. Difícil, não é?
Faremos umas considerações no intuito de entender melhor quem, na
visão do Evangelista João, é o Pai e quem é o Filho.
• Deus Pai
Em Jesus não tivemos “o Pai” na terra. Deus continuou Deus, Espírito,
invisível, Eterno e Único. Deus não tem tamanho definido ou limitado; Ele
não ficou menor enquanto Jesus esteve na terra. O “lugar” de Jesus no
céu não ficou vazio. Deus continuou Deus, ilimitado e Único.
• Jesus do Evangelho
Jesus de Nazaré era humano, portanto visível e sujeito a todas as
limitações que caracterizam a criatura humana. Jesus morreu a morte
física, a qual cada um de nós terá que aceitar e passar.
O mistério e a maravilha que o Evangelista João proclama, é a
“encarnação” de Deus na pessoa de Jesus humano. João não trabalhou
com fatos místicos; não argumentou com um nascimento virginal de
Jesus. O Evangelista simplesmente afirmou o fato: Em Jesus, o Pai se
tornou visível, dando testemunho em palavras humanas e
compreensíveis.
Em Jesus ouvimos a voz do Pai. Jesus era mais que um profeta que
enunciava palavras e cujo conteúdo o profeta mesmo, às vezes, nem podia
encaixar nas circunstâncias em que vivia como, por exemplo, ocorre com o
profeta Isaías. Os profetas falavam do que Deus lhes “sussurrou”, e assim
transmitiam mensagens ao povo.
224
Não havia o “era” (uma vez...). Era sempre o “é ” que caracteriza Deus.
Com esse retorno nasce a pergunta: o cristão tem duas autoridades no céu?
Se foi na pessoa de Jesus que Deus se nos fez conhecer, por que razão
não nos podemos dirigir a Ele, a quem amamos acima de todas as coisas?
Se Ele era e é “um” com o Pai, não pode receber nossa adoração?
225
com homens e mulheres sendo venerados, adorados; numa religião que se
assemelha às religiões pagãs.
• Até quando?
“Quando, porém, todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, o próprio Filho
também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja
tudo em todos”; e João 14,6: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém
vem ao Pai senão por mim”:
226
Quanto a isso, no que Cristo e Sua igreja significam nesse mundo, nós,
judeus e cristãos, temos o mesmo entendimento: Ninguém vem ao Pai,
senão por Ele (Cristo)
O Israel (de Deus), eleito pelo seu Pai, espreita inflexivelmente, além de
todo mundo e toda história, na direção daquele último ponto, muito
distante, onde este seu Pai, Ele mesmo, o Um e Único será “tudo em
todos”!
> Nesse instante, quando Cristo deixa de ser Senhor,
> Israel deixa de ser eleito;
> neste dia, Deus deixa de ter o nome através do qual somente Israel
o conhece: o Eu sou,
> e ELE será tudo em todos...” (Final das citações).
227
Na continuação veremos o que a Torá significa para o judeu. Para
aquele leitor do Evangelho de João que não conhece a função da “Lei de
Moisés, o termo “Torá” corre perigo de ganhar uma conotação negativa.
Considerações (II)
Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e luz para os meus caminhos.
(Salmo 119,105)
229
religião judaica num contexto cultural hostil. A civilização helenista como
poder secular em Israel representava um real perigo para o judaismo,
perigo que tinha de ser enfrentado. O instrumento de maior eficácia para
tal era “a Lei”, junto com todo ensino de sabedoria, o que fez nascer a
“Toralogia” (Ontologia “Toraica”). A “sabedoria” (que era a “norma” no
mundo antigo) passou a sua função cósmica para a Torá.
A visão dos fariseus quanto à Torá era essa: (e continua a ser para o
judeu fiel até hoje):
• A Torá fora criada antes do mundo vir a ser.
• A Torá estava com Deus.
• A Torá é de procedência divina (lit: a filha de Deus).
• A Torá é o instrumento divino para toda a criação.
• A Torá traz vida.
• A Torá é luz.
• A Torá é verdade.
• A Torá é o meio de presença de Deus no mundo.
• A Torá representa o próprio Deus.
“Se você tem cumprido a Torá em tudo, não se ufane, pois para isso
mesmo você foi criado” (Rabban Jochanan bem Zakkai), Abot II,8b).
231
“O SANTO, Ele seja louvado, procurou apreciar Israel, e para tanto lhes
multiplicou as Suas instruções e mandamentos, pois diz: O SENHOR,
pela Sua graça, tinha prazer em fazer grande e maravilhosa sua
instrução” (Rabi Chanina, filho de Akaschja; Mishna Makkot III,16).
“Para não dar aos povos do mundo um pretexto para dizer: ‘por ser
dada naquela terra, não a reconheceremos’”. Outra resposta: “para
evitar brigas entre as tribos; para que um não diga: ‘ela foi dada no
meu terreno’ e outro: ’não, foi no meu’”.
Por isso foi dada no deserto, como bem de todos, publicamente, num
lugar sem dono. Em três coisas a Torá foi dada: no deserto, no fogo e
na água. Como essas são comuns e gratuitas para todos os
habitantes do mundo, assim também (as instruções) serão sem preço
para todos os habitantes do mundo (Mekhilta de Ex.20,1, J.Winter).
232
Mais adiante, ao termos mais claro em quê o ensino de Jesus era
contrário ao dos fariseus (homens dispostos a obedecer à Lei em tudo,
custe o que custar), falaremos da morte expiatória de Jesus. Ali faremos
outra consideração sobre a Lei, adicional ao Evangelho, tendo em vista a
declaração chocante do Apóstolo Paulo, radical e contrária ao
entendimento judaico: “... se a justiça (perante Deus) é perante a Lei,
segue-se que morreu Cristo em vão”.
Foi com base nessa Lei que Jesus fora julgado e condenado.
Observação
09 de março de 2008: Notícia de Jornal após um atentado contra uma Escola rabínica
em Jerusalém. A escola vetou a visita de condolência do Primeiro-Ministro israelense
Olmert, como segue:
“Não podemos receber um Primeiro-Ministro que atua contra o espírito da Torá e aceita que Israel
se retire de uma parte da terra de Israel”, declarou à radio pública um dos diretores da Instituição,
o rabino Haim Steiner.
“A Torá nos proíbe formalmente de entregar a estrangeiros uma só polegada da terra de Israel”,
acrescentou o rabino, que acusou Olmert de transgredir os mandamentos divinos e exigiu a
retomada da colonização da Cisjordânia.
Cap. 9.1-7
(9.1) Caminhando Jesus, viu um homem cego de nascença. (2) E os seus
discípulos perguntaram: Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse
cego? (3) Respondeu Jesus: Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se
manifestem nele as obras de Deus. (4) É necessário que façamos as obras daquele
que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar. (5)
Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo. (6) Dito isso, cuspiu na terra e,
tendo feito lodo com a saliva, aplicou-o aos olhos do cego, (7) dizendo-lhe: Vai, lava-
te no tanque de Siloé (que quer dizer Enviado). Ele foi, lavou-se e voltou vendo.
233
A cura da cegueira era tida como impossível; somente uma ação milagrosa
de Deus a tornaria possível.
234
A questão da misteriosa relação causa/efeito era assunto de
intermináveis discussões entre os fariseus. O povo, em geral, considerava
as doenças como castigo divino. As pessoas acreditavam que uma
enfermidade ou incapacidade física era uma punição de Deus, seja pelo
pecado da própria pessoa ou pelo pecado de seus ancestrais, ou então um
mal sinistro, causado pelo inferno. As fontes da época sugerem que a
doença física era vista como intervenção divina, enquanto a mental sugeria
intervenção satânica (possessão). Essa convicção era tão enraizada nos
corações que, ao avistar uma pessoa sofredora, um cego ou paralítico por
exemplo, tornou-se habitual exclamar em alta voz: ”Louvado sejas Tu, juiz
da verdade” (Boor).
(3) Respondeu Jesus: Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi
para que se manifestem nele as obras de Deus.
235
(4) É necessário que façamos as obras daquele que me enviou,
enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar. (5)
Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.
(6) Dito isso, cuspiu na terra e, tendo feito lodo com a saliva, aplicou-
o aos olhos do cego, (7) dizendo-lhe: Vai, lava-te no tanque de Siloé
(que quer dizer Enviado). Ele foi, lavou-se e voltou vendo.
236
Após as advertências aos seus discípulos presentes e justificar seu
proceder como a manifestação necessária da glória de Deus, Jesus fez um
lodo do pó da terra e sua saliva.
Após aplicar o lodo aos olhos do cego, Jesus lhe ordenou que ele se
lavasse no tanque de Siloé. O que significa o acréscimo do Evangelista na
identificação do tanque “que quer dizer ‘Enviado’”? A água do tanque de
Siloé construído por Ezequias (2.Reis 20,20) servia primeiramente para
atividades rituais, como a dupla retirada de água diária durante os oito
dias da Festa dos Tabernáculos (cap.7). O tanque era abastecido por um
túnel subterrâneo com 514 metros de extensão, que trazia a água da fonte
de Gihon. A palavra Siloé, em hebraico, significa “enviado, condução ou
escoadouro”, o que, à primeira vista, faz referência à própria água do
tanque considerada pelos judeus como “viva, doce e abundante” (Josefo).
237
autoridade de Jesus, que manifestou a obra de Deus, e a obediência do
homem cego.
O Evangelista resumiu em poucas palavras: ele foi, lavou-se e voltou,
vendo.
A partir da próxima leitura, desencadeia-se um longo processo de
profundo sentido espiritual, que nos levará a compreender melhor a
natureza do homem natural (cego para com Deus) e da fé como sinônimo
de “ter aberto os olhos”.
Cap. 9.8-23
(8) Então, os vizinhos e os que dantes o conheciam de vista, como mendigo,
perguntavam: Não é este o que estava assentado pedindo esmolas? (9) Uns diziam:
É ele. Outros: Não, mas se parece com ele. Ele mesmo, porém, dizia: Sou eu. (10)
Perguntaram-lhe, pois: Como te foram abertos os olhos? (11) Respondeu ele: O
homem chamado Jesus fez lodo, untou-me os olhos e disse-me: Vai ao tanque de
Siloé e lava-te. Então, fui, lavei-me e estou vendo. (12) Disseram-lhe, pois: Onde
está ele? Respondeu: Não sei. (13) Levaram, pois, aos fariseus o que dantes fora
cego. (14) E era sábado o dia em que Jesus fez o lodo e lhe abriu os olhos. (15)
Então, os fariseus, por sua vez, lhe perguntaram como chegara a ver; ao que lhes
respondeu: Aplicou lodo aos meus olhos, lavei-me e estou vendo. (16) Por isso,
alguns dos fariseus diziam: Esse homem não é de Deus, porque não guarda o sábado.
Diziam outros: Como pode um homem pecador fazer tamanhos sinais? E houve
dissensão entre eles. (17) De novo, perguntaram ao cego: Que dizes tu a respeito
dele, visto que te abriu os olhos? Que é profeta, respondeu ele. (18) Não acreditaram
os judeus que ele fora cego e que agora via, enquanto não lhe chamaram os pais (19)
e os interrogaram: É este o vosso filho? Como, pois, vê agora? (20) Então, os pais
responderam: Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego; (21) mas não
sabemos como vê agora; ou quem lhe abriu os olhos também não sabemos.
Perguntai a ele, idade tem; falará de si mesmo. (22) Isto disseram seus pais porque
estavam com medo dos judeus; pois estes já haviam assentado que, se alguém
confessasse ser Jesus o Cristo, fosse expulso da Sinagoga. (23) Por isso, é que
disseram os pais: Ele idade tem, interrogai-o.
(8) Então, os vizinhos e os que dantes o conheciam de vista, como
mendigo, perguntavam: Não é este o que estava assentado pedindo
esmolas? (9) Uns diziam: É ele. Outros: Não, mas se parece com ele.
Ele mesmo, porém, dizia: Sou eu.
Os quatro episódios, que seguem, são cuidadosamente trabalhados
pelo Evangelista e desenvolvem as contendas em volta da cura que
acabara de acontecer. Neles fica evidente que os líderes religiosos do povo
(que a si mesmos julgaram os únicos possuidores de discernimento
espiritual, uma vez que, propositadamente, fecharam seus olhos perante
Aquele que é “a luz do mundo”) eram os verdadeiros cegos. Eles foram
julgados pelo seu próprio comportamento.
238
Somente agora o leitor do Evangelho está sendo informado do fato
que o cego anônimo era um pedinte conhecido na cidade. As opiniões
divergentes dos vizinhos quanto à identidade do homem curado não
querem dizer que havia alguma dúvida quanto à pessoa dele. O julgamento
negativo de alguns, que alegavam haver somente uma semelhança com o
pedinte conhecido, tinha sua razão de ser pela sua firme convicção da
impossibilidade de uma tal cura. Uma cura desse porte contrariaria toda a
sua experiência de vida: portanto, a única explicação razoável seria a de
algum engano quanto à pessoa. Como “o que não pode ser, não deve ser”
(Morgenstern), a lógica exigia a existência de um equívoco. O
comportamento dessas pessoas, que conheciam o pedinte há anos,
confirma o fato de que realmente aconteceu algo “impossível”.
(13) Levaram, pois, aos fariseus o que dantes fora cego. (14) E era
sábado o dia em que Jesus fez o lodo e lhe abriu os olhos. (15) Então,
os fariseus, por sua vez, lhe perguntaram como chegara a ver; ao que
lhes respondeu: Aplicou lodo aos meus olhos, lavei-me e estou vendo.
(16) Por isso, alguns dos fariseus diziam: Esse homem não é de Deus,
porque não guarda o sábado. Diziam outros: Como pode um homem
pecador fazer tamanhos sinais? E houve dissensão entre eles.
239
alguém de fora, os fariseus já tinham sido cientificados de que a cura
impossível havia sido feita em dia de sábado.
Aqui vale uma observação. O crente de hoje não corre menos perigo
que esses fariseus quando insensível à ação do Espírito de Deus no tempo
presente, defende os “versos bíblicos”. A letra não matou só no tempo do
Apóstolo Paulo (2 Cor.3,6)! Quando ministrada sem o necessário
discernimento espiritual, ela ainda hoje mata, e sua aplicação “cega”
espanta as pessoas do caminho, ao invés de atraí-las para Jesus.
Ainda que Jesus certamente é mais que profeta, temos que entender
que com Ele surgira um profeta em Israel. Por trezentos anos Israel ficara
sem a voz de um profeta até que, finalmente, com João Batista surgiu um,
anunciando outro, maior. Que Jesus era profeta, o homem cego
experimentou quando se lavou no tanque de Siloé. O mesmo
240
testemunharam a mulher samaritana (4,19) e a multidão saciada com pão
em 6,14 (um dos nossos corinhos cantados antigamente nas igrejas,
confere a Jesus os títulos de Profeta, Sacerdote e Rei).
(18) Não acreditaram os judeus que ele fora cego e que agora via,
enquanto não lhe chamaram os pais (19) e os interrogaram: É este o
vosso filho? Como, pois, vê agora? (20) Então, os pais responderam:
Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego; (21) mas não
sabemos como vê agora; ou quem lhe abriu os olhos também não
sabemos. Perguntai a ele, idade tem; falará de si mesmo.
(22) Isto disseram seus pais porque estavam com medo dos
judeus; pois estes já haviam assentado que, se alguém confessasse ser
Jesus o Cristo, fosse expulso da Sinagoga. (23) Por isso, é que
disseram os pais: Ele idade tem, interrogai-o.
241
do cego. Desde aquele acontecimento os seguidores do Nazareno eram
discriminados. Os pais do homem curado, com medo de serem contados
entre os tais, procuravam manter-se longe das investigações.
Cap. 9.24-34
(24) Então, chamaram, pela segunda vez, o homem que fora cego e lhe
disseram: Dá glória a Deus; nós sabemos que esse homem é pecador. (25) Ele
retrucou: Se é pecador, não sei; uma coisa sei: eu era cego e agora vejo. (26)
Perguntaram-lhe, pois: Que te fez ele? Como te abriu os olhos? (27) Ele lhes
respondeu: Já vo-lo disse, e não atendestes; por que quereis ouvir outra vez?
Porventura, quereis vós também tornar-vos seus discípulos? (28) Então, o
injuriaram e lhe disseram: Discípulo dele és tu; mas nós somos discípulos de Moisés.
(29) Sabemos que Deus falou a Moisés; mas este nem sabemos de onde é. (30)
Respondeu-lhes o homem: Nisto é de estranhar que vós não saibais donde ele é, e,
contudo me abriu os olhos. (31) Sabemos que Deus não atende a pecadores; mas,
pelo contrário, se alguém teme a Deus e pratica a sua vontade, a este atende. (32)
Desde que há mundo, jamais se ouviu que alguém tenha aberto os olhos a um cego
de nascença. (33) Se este homem não fosse de Deus, nada poderia ter feito. (34) Mas
eles retrucaram: Tu és nascido todo em pecado e nos ensinas a nós? E o
expulsaram.
(24) Então, chamaram, pela segunda vez, o homem que fora cego e
lhe disseram: Dá glória a Deus; nós sabemos que esse homem é
pecador.
A interrogação dos pais do jovem curado havia fracassado. Mudando
de tática e pela segunda vez, os representantes religiosos convocaram o
homem “que fora cego”. Com sua áurea de competência e demonstrando
superioridade em assuntos de religião, usaram a fórmula habitual no
Rabinato que exigia obediência e confissão de toda a verdade. Foi dessa
maneira que Josué, séculos atrás, solenemente havia inquirido a Acã
(Josué 7,19). Procuraram intimidar o homem, que agora os encarou. “Dar
glória a Deus”, para eles, implicava em calar-se; parar de falar de uma tal
cura pois, como “nascido totalmente em pecado” - a prova disso eles viam
no seu nascimento como cego –, seu testemunho de cura certamente
acobertava algum complô contra a verdade. O julgamento do caso, para
eles, já fora concluído. Esse homem, Jesus no caso, era um pecador
perigoso, pois mais uma vez não havia guardado o sábado ao fazer e
aplicar o lodo - atitude proibida no dia de descanso. Agora tratou-se de dar
à investigação um ar de justiça e objetividade.
242
(25) Ele retrucou: Se (ele) é pecador, não sei; uma coisa sei: eu era
cego e agora vejo.
O homem antes cego não mostrou-se impressionado pelo
procedimento autoritário daqueles que se julgaram no direito de interrogá-
lo. Com sua nova capacidade de enxergar seus próximos, aprendeu
distinguir entre pessoas e com isso descobriu seu próprio “eu”. Ele era
capaz de manter-se e defender seu ponto de vista. Nem entrou no assunto
“pecador”, acusação ridícula demais para um cego desde o ventre materno
e que teve seus olhos abertos. O que lhe valeu era o seguinte: ele era cego
e agora via.
(28) Então, o injuriaram e lhe disseram: Discípulo dele és tu; mas nós
somos discípulos de Moisés.
Ao invés de continuarem com a conversa, os religiosos passaram a
insultá-lo, usando de toda a sua presunçosa superioridade. Deixando de
lado a impressão de uma investigação objetiva revelaram toda a sua
animosidade e insegurança ao começarem a desprezar o curado como
seguidor de uma pessoa de origem desconhecida – não quanto à família e
lugar – , mas quanto à autoridade de Jesus em assuntos espirituais,
negando-lhe a qualidade de “Enviado”.
243
Ao contrário de seguidor “daquele homem”, os fariseus se
orgulhavam de serem seguidores de Moisés - autoridade em revelação fora
de dúvida! (29) Sabemos que Deus falou a Moisés; mas este nem
sabemos de onde é.
A Moisés Deus havia legitimado, pois falava com ele. A Torá o afirma
por várias vezes (confira Ex.33,11s; Deut.34,10). Eles, os fariseus, estavam
de posse das palavras de Moisés, escritas, preto no branco. Ao contrário
desse homem que fazia parte da plebe que nada sabe da Lei (7,49), eram
eles os intérpretes competentes da Lei.
244
fazem Sua vontade (Is.1,15; Sl.65,18; 108,7; Pv.15,29; Jó 27,8s e outros).
Esse “nós” não está limitado aos que, por ora, disputaram, nem aos
judeus; ele atinge todas as nações do mundo. A ironia do texto está em
que um homem que, aparentemente, não conheceu as Escrituras, tinha
que lembrar àqueles que se julgavam administradores (ou donos) dela, de
conhecimentos elementares, isto é, que somente Deus e seu “Servo
Amado” - que Ele colocou como luz para o mundo - são capazes de abrir os
olhos dos cegos (Is.42,6).
245
seguidores de Jesus estavam sendo excluídos definitivamente do convívio
nas Sinagogas.
Não basta você crer que Jesus era o Messias dos judeus. Jesus era o
Messias de Deus (em grego: Cristo de Deus), o Enviado da parte do Pai,
para que todas as nações e raças tivessem acesso a Deus por meio de
Jesus. (João 1,12-14).
Cap. 9.35- 41
(35) Ouvindo Jesus que o tinham expulsado, encontrando-o, lhe perguntou:
Crês tu no Filho do Homem? (36) Ele respondeu e disse: Quem é, Senhor, para que
eu nele creia? (37) E Jesus lhe disse: Já o tens visto, e é o que fala contigo. (38)
Então, afirmou ele: Creio, Senhor; e o adorou. (39) Prosseguiu Jesus: Eu vim a este
mundo para juízo a fim de que os que não veem vejam, e os que veem se tornem
cegos. (40) Alguns dentre os fariseus que estavam perto dele, perguntaram-lhe:
Acaso, também nós somos cegos? (41) Respondeu-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não
teríeis pecado algum; mas, porque agora dizeis: Nós vemos, subsiste o vosso pecado.
247
parte de Jesus ou acidental, não sabemos), Jesus outra vez tomou a
iniciativa. Ele abordou o homem que ainda não o conhecia de vista.
(36) Ele respondeu e disse: Quem é, Senhor, para que eu nele creia?
Sabemos de João 5,27 que a Jesus foi dada autoridade para julgar
não porque era o “Juiz universal” de Daniel 7,13, mas sim por ser um
homem, um ser igual a nós. Se o “Filho do Homem” fosse o ser
escatológico de Daniel 7,13, o homem curado não poderia perguntar por
ele, pois sua pergunta pressupôs que este Filho do Homem estivesse
presente entre eles.
248
Não é desse modo que chegamos a uma compreensão interior do
misterioso predicado “Filho do Homem” contido nas Escrituras.
Encontramos na literatura abordagens e opiniões muito distintas para
esse título. Para chegarmos a entender melhor a identidade do misterioso
“Filho do Homem”, devemos observar e aprender com o Jesus homem, sua
vida na carne, suas palavras e suas atitudes na interdependência do Pai.
(38) Então, afirmou ele: Creio, Senhor; e o adorou (lit. caiu aos seus
pés). O verso 38 e a introdução no verso 39 faltam em alguns manuscritos
antigos. O contexto, contudo, não permite admitir (como alguns fazem) que
a confissão: “Eu creio, Senhor” fosse somente um acréscimo da liturgia da
igreja primitiva. O homem agora está cumprindo o que antes os fariseus
dele exigiam: ele deu glória a Deus pelo que vivenciou.
(39) Prosseguiu Jesus: Eu vim a este mundo para juízo a fim de que os
que não veem vejam, e os que veem se tornem cegos.
249
(40) Alguns dentre os fariseus que estavam perto dele,
perguntaram-lhe: Acaso, também nós somos cegos? (41) Respondeu-
lhes Jesus: Se fosseis cegos, não teríeis pecado algum; mas, porque
agora dizeis: Nós vemos, subsiste o vosso pecado.
250
possibilidade. Quem não crê está julgado (3,18) e, exatamente na
perseverança da presunção de estar vendo, cumpre-se nele o
julgamento. Aos que, desse modo, permanecem conscientemente na
condição de cegos, vale a palavra de Jesus: “subsiste o seu pecado”.
Esse o paradoxo (a aparente contrariedade) da revelação: para poder
continuar sendo Graça, tem que consistir em escândalo e assim tornar-
se julgamento. Para poder ser Graça, ela deve revelar o pecado e aquele
que não permite que este seja descoberto insiste nele e, assim, pela
revelação, o pecado definitivamente se torna pecado de fato” (com.259f)
(Trad.do autor).
• Responda para si mesmo: Sua “vista espiritual” lhe foi concedida pela
revelação do Filho de Deus?
• ou, como você é “muito religioso, você entende “essas coisas” ? Nisso,
somente, consiste o julgamento.
Cap. 10.1-8
(10.1) Em verdade, em verdade vos digo: o que não entra pela porta no
aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, esse é ladrão e salteador. (2) Aquele,
porém, que entra pela porta, esse é o pastor das ovelhas. (3) Para este, o porteiro
abre, as ovelhas ouvem a sua voz, ele chama pelo nome as suas próprias ovelhas e as
conduz para fora. (4) Depois de fazer sair todas as que lhe pertencem, vai adiante
delas, e elas o seguem, porque lhe reconhecem a voz; (5) mas de modo nenhum
seguirão o estranho; antes, fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos.
(6) Jesus lhes propôs esta parábola, mas eles não compreenderam o sentido daquilo
que falava. (7) Jesus, pois, lhes afirmou de novo: em verdade, em verdade vos digo:
eu sou a porta das ovelhas. (8) Todos quantos vieram antes de mim são ladrões e
salteadores; mas as ovelhas não lhes deram ouvido.
251
(10.1) Em verdade, em verdade vos digo: o que não entra pela porta
no aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, esse é ladrão e
salteador.
A imagem de pastor e de rebanhos de ovelhas era familiar a todos
e amplamente usado no Antigo Testamento para definir o relacionamento
entre Deus e seu povo através de seus representantes e reis. A situação
cotidiana que Jesus expôs nesse dito enigmático serviu para ilustrar,
melhor confrontar o bom pastor com o mau pastor, mercenário e ladrão.
Vejamos alguns exemplos onde as Escrituras falam:
(2) Aquele, porém, que entra pela porta, esse é o pastor das ovelhas.
(3) Para este, o porteiro abre, as ovelhas ouvem a sua voz, ele chama
pelo nome as suas próprias ovelhas e as conduz para fora. (4) Depois
de fazer sair todas as que lhe pertencem, vai adiante delas, e elas o
seguem, porque lhe reconhecem a voz; (5) mas de modo nenhum
seguirão o estranho; antes, fugirão dele, porque não conhecem a voz
dos estranhos.
Na situação histórica concreta da qual o nosso “dito enigmático”
emana, não há necessidade de encontrar um significado claro para cada
detalhe. O que está focado são: o pastor, as ovelhas e os estranhos que
fazem o papel de pastor. Não há um significado espiritual claro para o
porteiro; ele está presente na história porque, na realidade, ele sempre faz
parte da situação.
252
Somente aquele pastor que mantém um relacionamento com suas
ovelhas, entra pela porta. O porteiro o conhece e lhe abre o portão quando
o pastor, cedo de manhã, vier buscar as suas ovelhas. Tanto na nossa
história como na prática, há animais de vários donos no pátio. Como o
pastor reconhece aqueles que lhe pertencem? A solução, ainda hoje, é
surpreendentemente simples. O pastor chama as suas ovelhas pelo nome e
estas reconhecem a sua voz! As que são dele procuram o portão, onde o
pastor as espera e o seguem para fora. “... ele chama pelo nome as suas
próprias ovelhas e as conduz para fora”(3).
Até aqui, Jesus não fez nenhuma aplicação direta; o que Ele
contou era do conhecimento de todos. Não se trata de uma “parábola”,
portanto não havia necessidade de interpretação. O “dito enigmático” se
assemelha a um espelho no qual cada um, conforme sua capacidade e
vontade (coragem!), pode reconhecer a si mesmo.
(6) Jesus lhes propôs esta parábola (melhor: “dito egmático”), mas eles
não compreenderam o sentido daquilo que falava.
253
mesmo encarregar-se-ia da tarefa de cuidar de seu povo, dando-lhe um
pastor segundo o coração de Deus (Jer.3,15; Ezequ.34,11-16; 34,23; Mi
5,3), assim como no passado fez através de Moisés e Davi.
254
“...eu sou a porta...” A essa altura, Jesus introduziu uma
interpretação (exegese) que muda o foco da história contada. O que agora
está sendo visado é a legitimação do pastor (não mais das ovelhas, como no
trecho anterior). Se somente Jesus é a porta, não há outro acesso às
ovelhas reunidas - senão essa porta. Em outras palavras: somente aquele
que fora escolhido e chamado e que entrou pela porta, pode ser pastor de
ovelhas. O contraste está entre o ladrão e o pastor. Qualquer um que
passou pelo muro e alega autoridade sobre as ovelhas é enganador.
(8) Todos quantos vieram antes de mim são ladrões e salteadores; mas
as ovelhas não lhes deram ouvido.
255
manhã, antes do nascer do sol e entrar pelo portão vigiado pelo porteiro
(verso 2).
Portanto, todos que antes dele vieram, de qualquer lugar obscuro
e na proteção da escuridão da noite, vieram para roubar, pulando o muro!
A prova dessa conclusão está no quando Jesus diz: “são ladrões” – e não
“eram ladrões”. Jesus estava falando da situação atual na qual se
encontrava. Estava pensando nos homens de seu tempo, daqueles que
agiram sem ele ou contra ele, alegando serem os únicos pastores e líderes
autorizados do povo.
Como judeu fiel, Jesus viu que os líderes religiosos, os seus
pastores, arbitrariamente manipulavam o povo como os ladrões que
pulavam o muro.
“... mas as ovelhas não lhes deram ouvido.” Tudo que vemos parece
contradizer a palavra de Jesus. Cada vez menos pessoas O seguiam, ao
ponto dEle consultar seus Doze: “Vocês também querem ir”? Os fariseus e
escribas, tanto naquele tempo quanto no tempo de hoje, estão em alta
consideração. Não parece que o mundo todo corre atrás deles? Não se
contam em milhões os crentes, quando aparecem as pessoas que se
autodenominam “bispos”, “Apóstolos” e “pastores” das ovelhas?
Cap. 10.9-18
(9) Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará, e sairá, e
achará pastagem. (10) O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir; eu vim
para que tenham vida e a tenham em abundância. (11) Eu sou o bom pastor. O bom
pastor dá a vida pelas ovelhas. (12) O mercenário, que não é pastor, a quem não
pertencem as ovelhas, vê vir o lobo, abandona as ovelhas e foge; então, o lobo as
arrebata e dispersa. (13) O mercenário foge, porque é mercenário e não tem cuidado
com as ovelhas. (14) Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me
conhecem a mim, (15) assim como o Pai me conhece a mim, e eu conheço o Pai; e
256
dou a minha vida pelas ovelhas. (16) Ainda tenho outras ovelhas, não desde aprisco;
a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz; então, haverá um rebanho
e um pastor. (17) Por isso, o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a
reassumir. (18) Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou.
Tenho autoridade para a entregar e também para reavê-la. Este mandamento recebi
de meu pai.
257
o tratamento cruel dado a ele e a seus pais serviam como ilustração. A
ovelha não encontrou pasto, ... foi expulsa.
(11) Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas. (12)
O mercenário, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê
vir o lobo, abandona as ovelhas e foge; então, o lobo as arrebata e
dispersa. (13) O mercenário foge, porque é mercenário e não tem
cuidado com as ovelhas.
259
(14) Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me
conhecem a mim, (15) assim como o Pai me conhece a mim, e eu
conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas.
(16) Ainda tenho outras ovelhas, não desde aprisco; a mim me convém
conduzi-las; elas ouvirão a minha voz; então, haverá um rebanho e um
pastor.
Teria sido possível aumentar ainda mais a fúria do clero do que
com essa declaração secundária? O salmo 95,7 não declarava ao judeu
categoricamente: “Ele é o nosso Deus, e nós, povo de seu pasto e ovelhas
de sua mão” – ou “...foi ele que nos fez, e dele somos; somos o seu povo e
rebanho do seu pastoreio” (100,3)?
(17) Por isso, o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a
reassumir. (18) Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu
espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar e também
para reavê-la. Este mandamento recebi de meu pai.
260
acontecer, a morte já estava certa, porém, não debaixo de pressão. A morte
de Jesus será o Seu feito, parte de Sua obediência.
O amor do Filho para com seu Pai está contido no fato de Jesus não
morrer para ficar sem vida, mas, sim, para reassumi-la; passar pela morte
- salário inevitável do pecado desde Adão. A obediência de Jesus trará a
vitória sobre a morte. Na visão de João, a morte de Jesus consiste na oferta
voluntária dela. Não como mera demonstração de poder, mas para poder
trazer ao aprisco ovelhas de outro curral. “A mim convém trazer outras
ovelhas...” (16). Assim, a morte do bom pastor ganha seu sentido. Já em
outro lugar Jesus falou desse ato, quando disse em 5,26: “assim como o
Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si
mesmo”.
Obra e luta de Jesus tem sido sempre em favor de seu povo: Israel.
Lembremos que Jesus estava falando como judeu a judeus. Nunca
projetemos ideias e conceitos cristãos nas Suas palavras!! Até a sua morte,
Jesus manteve sua fidelidade de judeu para com seu povo Israel. Morreu
como “rei dos judeus”, denominação sarcasticamente eternizada por
Pilatos através da inscrição na cruz.
“Mas Deus prova seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo
morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Ro 5,8).
261
Cap. 10.19-42
(19) Por causa dessas palavras, rompeu nova dissensão entre os judeus. (20)
Muitos deles diziam: Ele tem demônio e enlouqueceu; por que o ouvis? (21) Outros
diziam: Este modo de falar não é de endemoninhado; pode, porventura, um demônio
abrir os olhos aos cegos?
(22) Celebrava-se em Jerusalém a Festa da Dedicação. Era inverno. (23) Jesus
passeava no Templo, no Pórtico de Salomão. (24) Rodeavam-no, pois, os judeus e o
interpelaram: Até quando nos deixarás a mente em suspenso? Se tu és o Cristo,
dize-o francamente. (25) Respondeu-lhes Jesus: Já-vo-lo disse, e não credes. As
obras que eu faço em nome de meu Pai testificam a meu respeito. (26) Mas vós não
credes, porque não sois das minhas ovelhas. (27) As minhas ovelhas ouvem a minha
voz; eu as conheço, e elas me seguem. (28) Eu lhes dou a vida eterna; jamais
perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. (29) Aquilo que meu Pai me deu é
maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar. (30) Eu e o Pai somos
um. (31) Novamente, pegaram os judeus em pedras para lhe atirar. (32) Disse-lhes
Jesus: Tenho-vos mostrado muitas obras boas da parte do Pai; por qual delas me
apedrejais? (33) Responderam-lhe os judeus: Não é por obra boa que te apedrejamos,
e sim por causa da blasfêmia, pois, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo. (34)
Replicou-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: sois deuses? (35) Se ele
chamou deuses àqueles a quem foi dirigida a palavra de Deus, e a Escritura não pode
falhar, (36) então, daquele a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, dizeis: Tu
blasfemas; porque declarei: Sou Filho de Deus? (37) Se não faço as obras de meu Pai,
não me acrediteis; (38) mas, se faço, e não me credes, crede nas obras; para que
possais saber e compreender que o Pai está em mim, e eu estou no Pai. (39) Nesse
ponto, procuravam, outra vez, prendê-lo; mas ele se livrou das suas mãos. (40)
Novamente, se retirou para além do Jordão, para o lugar onde João batizava no
princípio; e ali permaneceu. (41) E iam muitos ter com ele e diziam: Realmente,
João não fez nenhum sinal, porém tudo quanto disse a respeito deste era verdade.
(42) E muitos ali creram nele.
(20) Muitos deles diziam: Ele tem demônio e enlouqueceu; por que o
ouvis? Em lugar nenhum o Evangelista João mencionou o exorcismo
como uma das atividades de Jesus. Demônios não eram assunto para
João. Entre os ouvintes de Jesus havia quem simplesmente o descartou
como “enlouquecido” (dos quais nunca haverá falta) conforme as
acusações já feitas em 8,48 e 52 e também relatadas por Marcos (3,21).
262
Os mais ponderados entre os religiosos, pensando bem, não viam
sinais de possessão demoníaca. Para eles, o feito com o homem cego desde
o ventre materno os havia deixado pensativos. Eles se lembravam daquela
cura impressionante ocorrida algumas semanas atrás.
263
israelita (como o fez mais tarde Bar Kochba), ou silenciava de vez. Era hora
de arrancar-lhe a palavra decisiva. De qualquer maneira, essa palavra final
lhes serviria de arma contra Ele próprio, caso surgisse perigo da parte dos
romanos.
Caso se declarasse “O Ungido” (o Messias), todas as promessas
proféticas da Torá deixariam de serem histórias; tornar-se-iam presença,
exigindo obediência ilimitada de toda nação de Israel e, mais, de toda a
humanidade, pois tudo lhe seria por Deus colocado nas suas mãos.
Mas, caso tivesse tal ousadia, qual seria a prova para tal
reivindicação, negada já por duas vezes?(Mat.16,1; Marcos 8,11;
Luc.11,16; João 6,30)
Eles não faziam parte das ovelhas, propriedades suas. Jesus não
lhes devia satisfação nenhuma. Em João 6,37. 44 e 65 vemos o motivo que
livrou Jesus da obrigação de dar satisfação aos que o interrogaram. Este
era o segredo da segurança e da calma com que Jesus trilhava seu
caminho em direção à paixão.
264
mundo; ela acontece na liberdade escatológica do indivíduo perante o
anúncio da mensagem de Cristo.
265
17,22). Essa unidade do Pai com o Filho não pode ser definida como
existente somente no nível moral, nem metafísico, e menos ainda místico.
266
O judeu, ao contrário, por sua longa e difícil caminhada, aprendeu
o que diariamente por duas vezes reza: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus,
é o único Senhor” (Deut.6,4.5). Isso arde no coração de cada judeu; a fé no
Único Deus verdadeiro (que não deve ser confundido com Alá). Até hoje é
insuportável para o judeu imaginar um “outro” ao lado de Deus; mais
ainda, quando este “outro” é homem; e em Jesus eles viam (e veem) o
homem Nazareno.
(34) Replicou-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: sois
deuses?
Como bom conhecedor das Escrituras, Jesus citou um trecho do
salmo 82, (verso 6.7), onde juízes humanos e aparentemente injustos são
citados como sendo “deuses”. A eles é dito que, em breve, haverão de
sucumbir. Jesus sabia que seus acusadores não se atreveriam em
contradizer essa passagem – “de vossa lei”, - como Jesus ironicamente
observou.
267
(39) Nesse ponto, procuravam, outra vez, prendê-lo; mas ele se livrou
das suas mãos.
268
Conclusão parte I
Aquilo que João, nos seus últimos anos de vida talvez, compôs, era
resultado do ensino de muitos anos. Em João 14,26, ele fala da garantia de
uma lembrança segura e compreensão adequada da história do Cristo.
Essa “garantia” assumiu o Espírito Santo: “Mas o conselheiro, o Espírito
Santo, que o Pai enviará em meu nome, lhes ensinará todas as coisas e lhes
fará lembrar tudo o que eu lhes disse”.
269
O Evangelista viveu nos seus últimos anos de vida a dramática
situação de ameaça e perseguição da igreja por parte do Império Romano
com seu culto idólatra a César. O seu Apocalipse (último livro do NT) deve
ser entendido desse ponto de vista. No Evangelho, no entanto, a situação é
outra. O que nele está dito a respeito de perseguição e dificuldades
vindouras (15,22-25 e 16,1-4) aplica-se exclusivamente à situação judaica
daquela época (em que Jesus viveu) e não menciona o que o velho João
testemunhara na época do imperador Domiciano (81-96). Se ele tivesse
escrito no espírito da época que ele viveu, ele teria pintado uma imagem de
Jesus muito diferente, e colocado na boca de Jesus respostas à situação
atual. Mas não é esse o caso.
João lembrou fielmente aquilo que Jesus, uns 50 anos atrás, disse a
respeito do futuro imediato que esperava os discípulos; exatamente aquilo
que Atos, nos capítulos 4,5,7 e 8 nos registram, como palavras cumpridas.
Se João tivesse escrito com liberdade literária, Jesus teria, nas suas
palavras de despedida, dado conselhos quanto à estruturação necessária
da Igreja local (Instituição) e mencionado os cargos (presbítero, bispo,
ancião). Nada disso encontramos no seu Evangelho. Jesus viu a igreja
como uma vinha, em que cada cacho está ligado sem intermediação a Ele
pessoalmente, de maneira direta e produzindo seu fruto. Normativos para
a vida dos discípulos entre si são: o amor mútuo e a disposição total de
“lavar um os pés dos outros” (13,12-17; 13,34s).
270
Tudo isso comprova grandemente a fidelidade histórica com que o
Evangelista lembrou, o que realmente Jesus havia dito, sem amoldar o
texto às exigências do momento em que era escrito ou lido. No Evangelho
de João não se trata, portanto, de composições livres do nosso Evangelista.
Por essa razão, João não perde muito tempo com atos ou palavras
isoladas. Ele procura levar o leitor a compreender o “ser” de Jesus: Sua
pessoa. Até sua visão da fé é ontológica: significa compreender o ser de
Jesus. O conteúdo da fé é dinâmico, é uma pessoa e não um dogma.
Fé
O Evangelho trata, do começo até ao fim, de fé versus incredulidade.
Julgamentos morais não encontramos em nenhum lugar. Os judeus não
são “filhos do diabo” por causa de algum feito maligno; eles o são por
271
causa de sua incapacidade de reconhecer a Jesus, Seu “ser” e por causa de
sua firme decisão de eliminação do Filho.
“Deus é amor”
Embora o amor de Deus constitua o cerne no Novo Testamento,
notamos que os Apóstolos falam dele com uma certa discrição. Paulo, por
exemplo, inicia sua “Carta aos Romanos” (considerada a exposição
272
fundamental da fé cristã) com a justiça de Deus. Somente em 5,5s, ele
apresenta o amor de Deus no contexto da fé. A tão famosa composição de
1.Cor.13, que considera o amor como fato decisivo na vida do crente e
tudo o mais como nulo na sua ausência, não é o tema central da “Carta
aos Coríntios”. Os Apóstolos perceberam logo o perigo de equívocos no uso
desse termo.
A vida toda de Jesus e sua missão eram baseadas no amor para com
o Pai. A palavra, em 5,19.20, expressa bem o amor mútuo entre Pai e
Filho. Mesmo assim, a palavra amor nunca é usada por Jesus, quando se
refere a seu Pai. Somente em 14,31, uma única vez, Jesus menciona seu
amor pelo Pai como fato determinante por seu caminho até à cruz. É nas
palavras de despedida, que ouvimos do amor dos discípulo para com seu
mestre, sem, contudo, apresentar detalhes de como esse amor se
manifestara. A declaração do “Novo mandamento”, em 13,34, aparece
repentinamente, de súbito. Em nenhum outro lugar havia sido
mencionada.
Contudo, o assunto “amor” é a realidade decisiva em todo o
Evangelho (3,16; 13,1; 13,34s; 14,15; 14,31; 15,9.10; 16,27; 17,23-26;
21,15-17).
273
“Deus é Amor” não só é contrário ao que o “Apóstolo do Amor” nos
transmite, como também desvaloriza o Evangelho todo!
274
INTRODUÇÃO II aos caps. 12 – 21 do Evangelho segundo João.
Caro(a) leitor(a):
275
Representar fielmente uma cultura nos termos de uma outra, é
problemático. A tradução de um idioma (Koinê, que hoje não existe mais)
para outro é difícil e deixa marcas.
• “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” – essa famosa frase significa, no
hebraico, exatamente isto: “não interpretam literalmente; procurem
entender a profundidade que está atrás de cada palavra”.
Marcos 9,23: Na nossa Bíblia (tradução do grego) Jesus diz ao pai do filho
doente: “se podes”! o que não faz sentido. O termo “há-im-tuchal” porém
diz: se tu pudesses só!
Uma das mais famosas má-iterpretações está em Mateus 22,21: “Dai, pois,
a Cezar o que é de César e a Deus o que é de Deus”. O desconhecimento da
cultura religiosa da época e demonstrada na tradução para o grego, deu
origem à famosa teologia dos “Dois Reinos”. O Papa Bonifácio lançou, em
1308, a primeira bula a respeito; Agostinho, Lutero... todos defendiam a
convivência dos “dois reinos”: o espiritual e o terreno, e a necessária
submissão do cristão ao reino desse mundo, com consequências fatais. O
que Jesus disse foi (resumidamente): “Devolva (joga) a moeda blasfema do
imperador (pois tinha a sua imagem impressa na moeda) na cara dele e
entrega a Deus tudo, pois a Ele você e tudo que tens pertence!” Observe
que Jesus menciona primeiro César e depois Deus; isso seria impossível
caso se tratasse de uma divisão entre “duas autoridades distintas” – em
qualquer outro caso, Deus seria mencionado primeiro!!
Resumindo:
Durante 2000 anos, a cristandade se contentou com a “Vulgata” (o
texto dos Evangelhos em latim), que nada mais é que a tradução de uma
tradução, para devagarzinho começar a compará-la com o texto grego. Hoje
sabemos que, sem o conhecimento do Hebraico e o aramaico, não podemos
interpretar corretamente o texto no espírito da época de Jesus. Lemos coisas
no texto que nem ali estão e damos por “não históricos” outros, cujo
significado em aramaico não conhecemos.
277
Somente a desaparecida “Hebraica Veritas”, tão elogiada por
Jerônimo, poderia nos levar de volta ao texto. As novas descobertas de
manuscritos antigos, no século passado, nos ajudam, em parte, na
reconstrução deles.
Cap. 11.1
(11,1) Estava enfermo Lázaro, de Betânia, da aldeia de Maria e de sua irmã
Marta.
279
Hoje já se pensa de modo diferente: nenhuma das inúmeras
tentativas, contraditórias entre si, que postulavam uma fonte anterior a
João, trabalhada pelo Evangelista, convence hoje (Hennebery/Thyen).
Tem-se como certo que o texto todo foi elaborado por João. Se este é
o caso, João certamente trabalhou a história de tal forma que nela temos
revelada, por ocasião do final do ministério público de Jesus, a maior e
mais gloriosa confirmação tanto da pessoa de Jesus, como de suas
palavras.
280
suas ovelhas conhecem a sua voz (10,4.16.27); que chama suas ovelhas
pelo nome (10,3 confira com 11,43) e de que ninguém – nem a morte –
as tira de sua mão (10,28b). Muito além, João liga, no capítulo 11, à
palavra em 5,19ss (...sim, para admiração de vocês, ele lhe mostrará
obras ainda maiores do que estas. Pois, da mesma forma que o Pai
ressuscita os mortos e lhes dá vida, o Filho também dá vida a quem ele
quer). Por ocasião da morte de Lázaro, o Pai mesmo dá seu testemunho
pela verdade das palavras de Jesus”.
(H.Thyen, Das Johannes-Evangelium, Mohr-Siebeck,2005)
Cap. 11.1-16
(11,1) Estava enfermo Lázaro, de Betânia, da aldeia de Maria e de sua irmã Marta. (2)
Esta Maria, cujo irmão Lázaro estava enfermo, era a mesma que ungiu com bálsamo
o Senhor e lhe enxugou os pés com os seus cabelos. (3) Mandaram, pois, as irmãs de
Lázaro dizer a Jesus: Senhor, está enfermo aquele a quem amas. (4) Ao receber a
notícia, disse Jesus: Esta enfermidade não está para morte e sim para a glória de
Deus, a fim de que o Filho de Deus seja por ela glorificado. (5) Ora, amava Jesus a
Marta, e a sua irmã, e a Lázaro. (6) Quando, pois, soube que Lázaro estava doente,
ainda se demorou dois dias no lugar onde estava. (7) Depois, disse aos seus
discípulos: Vamos outra vez para a Judeia. (8) Disseram-lhe os discípulos: Mestre,
ainda agora os judeus procuravam apedrejar-te, e, voltas para lá? (9) Respondeu
Jesus: Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê
a luz deste mundo; (10) mas, se andar de noite, tropeça, porque nele não há luz. (11)
Isto dizia e depois lhes acrescentou: Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas vou para
despertá-lo. (12) Disseram-lhe, pois, os discípulos: Senhor, se dorme, estará salvo.
(13) Jesus, porém, falara com respeito à morte de Lázaro; mas eles supunham que
tivesse falado do repouso do sono. (14) Então, Jesus lhes disse claramente: Lázaro
morreu; (15) e por vossa causa me alegro de que lá não estivesse, para que possais
crer; mas vamos ter com ele. (16) Então, Tomé, chamado Dídimo, disse aos
condiscípulos: Vamos também nós para morrermos com ele.
A menção das duas irmãs sugere que o autor presume como certo
que os leitores de seu Evangelho estariam familiarizados com a história de
Maria e Marta registrada em (Lucas 10,38-42). O Evangelista ainda indica
o nome da aldeia mencionada em Lucas: era Betânia, distante a cinco
quilômetros, aproximadamente, de Jerusalém. Do Evangelho de Marcos,
281
largamente conhecido, os leitores do Evangelho de João também sabiam
da unção do Senhor por uma mulher (Marcos 14,3). Lázaro, doente, aqui
apresentado como irmão de Maria, serve para identificar a mulher sem
nome (nos sinóticos) que ungiu o Senhor, quando este caminhava rumo à
Jerusalém. O nome dela era Maria. Mais adiante, o nosso Evangelista a
lembrará também (12,1-11).
(4) Ao receber a notícia, disse Jesus: Esta enfermidade não está para
morte e sim para a glória de Deus, a fim de que o Filho de Deus seja
por ela glorificado.
282
Atentos, ouvimos a afirmação de Jesus de que a doença de Lázaro
não resulte em morte, mas que nela o Filho de Deus fosse glorificado.
(7) Depois, disse aos seus discípulos: Vamos outra vez para a Judeia.
(8) Disseram-lhe os discípulos: Mestre, ainda agora os judeus
procuravam apedrejar-te, e, voltas para lá?
283
(9) Respondeu Jesus: Não são doze as horas do dia? Se alguém andar
de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo; (10) mas, se andar
de noite, tropeça, porque nele não há luz.
... e por vossa causa me alegro de que lá não estivesse, para que
possais crer; mas vamos ter com ele.
284
Os Doze mal ouviram que Jesus havia prometido acordar a Lázaro.
As palavras do sono de Lázaro, para Jesus, eram reais. Para os Doze não.
Cap. 11.17-31
(17) Ao chegar, Jesus verificou que Lázaro já estava no sepulcro havia quatro dias.
(18) Betânia distava cerca de três quilômetros de Jerusalém, (19) e muitos judeus
tinham ido visitar Marta e Maria para confortá-las pela perda do irmão. (20) Quando
Marta ouviu que Jesus estava chegando, foi encontrá-lo, mas Maria ficou em casa.
(21) Disse Marta a Jesus: “Senhor, se estivesses aqui meu irmão não teria morrido.
(22) Mas sei que, mesmo agora, Deus te dará tudo o que pedires”. (23) Disse-lhe
Jesus: “O teu irmão vai ressuscitar”. (24) Marta respondeu: “Eu sei que ele vai
ressuscitar na ressurreição, no último dia”. (25) Disse-lhe Jesus: “Eu sou a
ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá; (26) e quem
vive e crê em mim , não morrerá eternamente. Você crê nisso?” (27) Ela lhe
respondeu: “Sim, Senhor, eu tenho crido que tu és o Cristo, o Filho de Deus que
deveria vir ao mundo”. (28) E depois de dizer isso, foi para casa e, chamando à parte
Maria, disse-lhe: “O Mestre está aqui e está chamando você”. (29) Ao ouvir isso,
Maria levantou-se depressa e foi ao encontro dele. (30) Jesus ainda não tinha
entrado no povoado, mas estava no lugar onde Marta o encontrara. (31) Quando
notaram que ela se levantou depressa e saiu, os judeus, que a estavam confortando
em casa, seguiram-na, supondo que ela ia ao sepulcro, para ali chorar.
(20) Quando Marta ouviu que Jesus estava chegando, foi encontrá-lo,
mas Maria ficou em casa.
(21) Disse Marta a Jesus: “Senhor, se estivesses aqui meu irmão não
teria morrido.
A expressão de Marta no verso 21 não era uma censura; ela sabia
muito bem que teria sido difícil, senão impossível, que Jesus chegasse a
tempo para curar Lázaro. Humanamente falando, a notícia – na visão dela
– havia alcançado Jesus demasiadamente tarde. Ficara a expressão de
profundo pesar: “se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido”.
(22) Mas sei que, mesmo agora, Deus te dará tudo o que pedires”.
Quando Marta mandou chamar Jesus que estava longe, apesar do
que mencionamos em 21 acima, o fez com uma confiança ilimitada. Pela
frase do verso 22, Marta dava a entender que, possivelmente, Jesus ainda
286
podia trazer Lázaro de volta à vida. Tratou-se de um pedido indireto,
formulado não como pedido, mas feito em forma de confissão. Suas
palavras revelaram um coração revolvido até às profundezas e oscilando
entre a tristeza e a esperança. A fé de Marta, embora obscurecida pelas
dúvidas, dispersava as trevas do desespero momentâneo com a sua
declaração.
Não era bem assim que a igreja definiu “o ser” de Jesus. O Pai
“aconteceu” com Sua presença salvadora e justificadora na pessoa do
judeu de nome Jesus (de Nazaré), em palavras e atos. São duas pessoas,
embora uma contida na outra (confira “Considerações”, após o cap.8: “Uma
ou duas pessoas”?)
287
(25) Disse-lhe Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê
em mim, ainda que morra, viverá; (26) e quem vive e crê em mim, não
morrerá eternamente.
288
Como o próprio Jesus não se contradiz na mesma sentença, segue-
se que o termo “morrer” nas duas sentenças não se refere ao mesmo nível.
Havemos de lê-las num sentido diferenciado:
25b (“... ainda que morra ...”) fala da morte física, como a de
Lázaro; 26b, no entanto, (“... não morrerá eternamente”) fala da morte
espiritual. Essa última sentença, na tradução correta como negação
empática (“certamente não haverá de morrer”) só podia significar que a
vida eterna daquele que crê é indestrutível e também não cessa com
a morte física.
(30) Jesus ainda não tinha entrado no povoado, mas estava no lugar
onde Marta o encontrara. Como não se podia evitar, a pressa com que
Maria (grego = Mirjam) se levantou e correu, chamou a atenção dos
presentes:
289
(31) Quando notaram que ela se levantou depressa e saiu, os judeus,
que a estavam confortando em casa, seguiram-na, supondo que ela ia
ao sepulcro, para ali chorar.
Pelo contexto entendemos que o lugar onde Jesus permanecia era
próximo ao túmulo. Ele não estava interessado em entrar na casa enlutada
com sua intensa movimentação de luto.
Cap. 11.32-44
(32) Chegando ao lugar onde Jesus estava e vendo-o, Maria prostrou-se aos
seus pés e disse: “Senhor, se estivesses aqui meu irmão não teria morrido”. (33) Ao
ver chorando Maria e os judeus que a acompanhavam, Jesus agitou-se no espírito e
perturbou-se. (34) “Onde o colocaram”, perguntou ele. “Vem e vê, Senhor”,
responderam eles. (35) Jesus chorou. (36) Então os judeus disseram: “Vejam como
ele o amava!” (37) Mas alguns deles disseram: “Ele, que abriu os olhos do cego, não
poderia ter impedido que este homem morresse?” (38) Jesus, outra vez
profundamente comovido, foi até o sepulcro. Era uma gruta com uma pedra
colocada à entrada. (39) “Tirem a pedra”, disse ele. Disse Marta, irmã do morto:
“Senhor, ele já cheira mal, pois já faz quatro dias”. (40) Disse-lhe Jesus: “Não lhe
falei que, se você cresse, veria a glória de Deus?” (41) Então, tiraram a pedra. Jesus
olhou para cima e disse: “Pai, eu te agradeço porque me ouviste. (42) Eu sei que
sempre me ouves, mas disse isso por causa do povo que está aqui, para que creia
que tu me enviaste”. (43) Depois de dizer isso, Jesus bradou em alta voz: Lázaro,
venha para fora!” (44) O morto saiu, com as mãos e os pés envolvidos em faixa de
linho e o rosto envolto num pano. Disse-lhes Jesus: “Tirem as faixas dele e deixem-
no ir”.
290
(33) Ao ver chorando Maria e os judeus que a acompanhavam, Jesus
agitou-se no espírito e perturbou-se.
• Será que a sua revolta íntima era causada pela presença provocante
do poder da morte que trazia consigo tanta mágoa?
• Ou será que Jesus ficou indignado perante alguma falta de fé?
Porém, qual seria a real esperança que sobrava para os presentes?
• Ou por ter sido o choro de Maria, agarrando-se a seus pés, sem
considerar quem Ele era?
292
(37) Mas alguns deles disseram: “Ele, que abriu os olhos do cego, não
poderia ter impedido que este homem morresse?”
A recente cura do cego de nascença em Jerusalém ainda estava na
boca de muita gente, inclusive na dos visitantes. Essas considerações em
meio ao lamento, talvez em voz alta, fizeram acender ainda mais a
indignação de Jesus. Não eram as pessoas pelas quais Ele estava sendo
desafiado. Era a visível e real presença da morte, da demonstração do
poder de seu último inimigo, da morte que Ele, fonte da vida da parte de
Deus, teria que provar também.
(38) Jesus, outra vez profundamente comovido, foi até o sepulcro. Era
uma gruta com uma pedra colocada à entrada. Na época, usualmente,
serviam cavernas ou grutas, às vezes naturais, como sepulturas. Nas duas
paredes laterais da caverna havia bancos talhados, nos quais os mortos,
envoltos em panos, descansavam. Uma grande pedra colocada na entrada
evitava a entrada de animais silvestres e outros predadores. A região
montanhosa nos arredores de Jerusalém era rica em cavernas.
(39) “Tirem a pedra”, disse ele. Disse Marta, irmã do morto: “Senhor,
ele já cheira mal, pois já faz quatro dias”.
Não há como enfatizar melhor a irreversibilidade da morte física e
com isso a impossibilidade de ajuda, como Marta o fez com as suas
palavras de protesto. A experiência provava que, no quarto dia, um cadáver
já está em decomposição.
Pouco antes, Marta ouvia de Jesus as palavras: “teu irmão há de
ressurgir”. Há intérpretes que entendem o protesto de Marta como prova de
que não esperava nada mais; outros apontam para sua falta de fé e usam
duras palavras contra a fé que precisa de “sinais” (como é fácil e hipócrita
apontar a fé falha de outros!).
(40) Disse-lhe Jesus: “Não lhe falei que, se você cresse, veria a glória
de Deus?”
Qual, afinal, foi o objetivo do “Evangelho de João”? “... estes sinais
foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e,
para que, crendo, tenhais vida em seu nome”. Todos nós precisamos de
“sinais” para crermos. A fé de Marta, frente ao túmulo de seu irmão morto,
necessitava da recordação e advertência do Senhor. Se Marta cresse, assim
disse Jesus, ela veria não o horror da morte, mas sim “a glória de Deus”.
293
As testemunhas lembravam desse “olhar para cima”. O Evangelista
não nos conta da conversa de Jesus com o seu Pai, por cujo atendimento
lhe agradeceu. No seu agradecimento, Jesus usou a expressão simples e
exclusiva de “Pai” (como em Luc.11,2).
(43) Depois de dizer isso, Jesus bradou em alta voz: Lázaro, venha
para fora!”
Jesus chamou Lázaro pelo seu nome. O leitor do Evangelho lembra
o que Jesus disse do bom pastor: ele chama suas ovelhas pelo seu nome
(10,3.27); que conhece os seus e é conhecido pelos seus, assim como o Pai
conhece o Filho e esse o Pai (10,1); de cuja mão ninguém as arrebatará
(10,28-30). Do mesmo modo o leitor se lembra da afirmação de Jesus em
5,24, onde Ele advertiu que: “... vem a hora, e já chegou, em que os mortos
ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem, viverão”.
294
Paralisados pelo que viram, ninguém havia se lembrado do mais
necessário, isso é, de livrar o ressuscitado das faixas. O próprio Jesus teve
que dar a ordem de soltar a Lázaro, cujos movimentos estavam altamente
dificultados, cremos.
“Eu nada posso fazer de mim mesmo; na forma que eu ouço, eu julgo
(5,30); “... as obras que o Pai me confiou para que as realizasse, essas que
eu faço testemunham a meu respeito de que o Pai me enviou” (5,36), não
somente as obras, mas também as palavras testificam, pois, “o que tem
visto e ouvido ele testifica” (3,32); “... as coisas que tenho ouvido dele, essas
digo ao mundo” (8,26); “... vos tenho falado a verdade que ouvi de Deus”
(8,40). Suas palavras são as palavras de Deus (8,47) e tudo, Ele recebe da
parte de Deus. “Minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me
enviou e realizar sua obra”(4,34).
Como toda a sua vontade se orientou no Pai, assim também a sua
oração. Ele sabia que o Pai sempre o ouvia, e por isso Ele agradeceu
(11,42.41). Sua oração era oração porque não era algo estático, definitivo,
rezado e acabado, mas algo pessoal, renovando-se permanentemente e
publicamente testemunhado frente ao tumulo de Lázaro.
295
Suplemento para Cap. 11.32-44
O morto saiu, com as mãos e os pés envolvidos em faixa de linho e o rosto
envolto num pano. Disse-lhes Jesus: “Tirem as faixas dele e deixem-no ir”.
296
Para termos uma visão de uma hipótese possível retornamos aos
capítulos 2,3 e 4 do nosso Evangelho. Ali vimos como o autor usou de
grande liberdade literária para colocar a base de sua mensagem
fundamental (20,31). Lembramos que naqueles três capítulos, o
Evangelista ignorou qualquer sequência histórica.
297
Lázaro (caso seja uma metáfora) exemplifica que nem a morte física nos
deixará fora do alcance da mão do Pai (11,25.26). Na sua obediência,
Jesus glorificou ao Pai e foi glorificado por Ele.
298
missionário para os pastores de sua própria igreja será uma tarefa muito
desagradável” (Modern Theology and Biblical Criticism, 1959).
Neste caso, a frase “Cristo pode ajudar até onde não há mais vida
nem esperança” revela-se papo sem fundamento.
Nem por isso todas as pessoas que viram o fato chegaram à fé,
exatamente como Jesus previa. Muito pelo contrário: o milagre da
ressurreição de Lázaro, o acontecimento, o “sinal” em si, não conduziu à fé,
mas sim, ao endurecimento (João 11,45s). Mais sobre isso na próxima
leitura.
Numa narração como a de Lázaro, onde temos “a história” em si
como único meio para termos informação a respeito da realidade física e a
transcendental, teríamos que dizer: Não sei como separar o acontecimento
de sua realidade transcendente!
Cada escola teológica tem seu tempo. Até a de hoje! Ela será
substituída por outra, e assim, ad infinitum, enquanto Deus tiver paciência
e nos der tempo para pensar. Devemos ter em mente essa relatividade do
conhecimento quando procuramos interpretar a Palavra de Deus, que,
por si, é eterna.
Cap. 11.45-57
(45) Muitos dos judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo o que Jesus
fizera, creram nele. (46) Mas alguns deles foram contar aos fariseus o que Jesus
tinha feito. (47) Então os chefes dos sacerdotes e os fariseus convocaram uma
reunião do Sinédrio. “O que estamos fazendo”, perguntaram eles, “Aí está esse
homem realizando muitos sinais miraculosos. (48) Se o deixarmos, todos crerão
nele, e então os romanos virão e tirarão tanto o nosso lugar como a nossa nação”.
(49) Então, um deles, chamado Caifás, que naquele ano era o sumo sacerdote, tomou
a palavra e disse: “Nada sabeis! (50) Não percebeis que vos é melhor que morra um
homem pelo povo , e não pereça toda a nação. (51) Ele não disse isso de si mesmo,
mas, sendo o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus morreria pela nação
judaica, (52) e não somente por aquela nação, mas também pelos filhos de Deus que
estão espalhados, para reuni-los num povo. (53) E daquele dia em diante, resolveram
tirar-lhe a vida. (54) Por essa razão, Jesus não andava mais publicamente entre os
judeus. Ao invés disso, retirou-se para uma região próxima do deserto, para um
povoado chamado Efraim, onde ficou com os seus discípulos. (55) Ao se aproximar a
Páscoa judaica muitos foram daquela região para Jerusalém a fim de participarem
das purificações antes da Páscoa. (56) Continuavam procurando Jesus e, no Templo,
perguntavam uns aos outros: “O que vocês acham? Será que ele virá à festa?” (57)
Mas os chefes dos sacerdotes e os fariseus tinham ordenado que, se alguém
soubesse onde Jesus estava, o denunciasse, para que o pudessem prender.
(45) Muitos dos judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo o que
Jesus fizera, creram nele.
302
Por outro lado, lhe seria de pouca ajuda ser reconhecido como
sumo sacerdote pelo governador romano se como tal não fosse aceito pelos
próprios judeus e reconhecido por eles como supremo chefe e porta-voz
nos assuntos de interesse do povo judaico. Ele era o único homem “eleito”
e qualificado para entrar no Sagrado dos Sagrados (Santo dos Santos), no
Templo, uma vez por ano (Lev.16,32); ele, que estava “mais próximo de
Deus” e ungido para representar o povo perante de Deus.
O perigo era real. “Os romanos tirarão o nosso lugar”! “Nosso lugar”,
termo técnico para o Templo (usado somente aqui e em 4,20). Esse não se
podia perder! Com ele, dinastias de sacerdotes, escribas e fariseus iam
perder sua existência, sua razão de ser. E com a perda “do lugar” eles
303
perderiam o povo; pois era da fé que todos eles viviam e era o dinheiro do
povo que mantinha funcionando todo este aparelho religioso.
(49) Então, um deles, chamado Caifás, que naquele ano era o sumo
sacerdote, tomou a palavra e disse: “Nada sabeis! (50) Não percebeis
que vos é melhor que morra um homem pelo povo, e não pereça toda
a nação.
Muitos comentaristas apontaram o verso 49 como prova contra a
autoria de João Evangelista. Como judeu, João sabia que o cargo do sumo
sacerdote era vitalício. Como ele pode escrever “naquele ano”? A
observação “naquele ano” não constitui prova contra a autoria do
Evangelista, mas atesta que o comentarista está mal informado quanto aos
hábitos políticos e religiosos da época. Da mesma forma como João sabia
que o cargo era vitalício, também sabia da prática romana. Após Caifás,
que ocupava o cargo durante longos dezoito anos (18-36), os sumos
sacerdotes ficaram somente poucos anos, alguns até por poucos meses no
cargo! A observação do Evangelista simplesmente identifica o sumo
sacerdote naquele ano memorável: Caifás. Este não fez segredo do seu
desprezo após acompanhar a discussão, e notando que havia mais
desespero e perplexidade do que evidência de responsabilidade política nos
votos dos fariseus. Portanto sentenciou: “Ignorantes! Esqueceram o
princípio político de que o bem do povo exige o sacrifício do indivíduo? Ou
‘ele’ ou nós todos!”
(51) Ele não disse isso de si mesmo, mas, sendo o sumo sacerdote
naquele ano, profetizou que Jesus morreria pela nação judaica, (52) e
não somente por aquela nação, mas também pelos filhos de Deus que
estão espalhados, para reuni-los num povo.
304
No Prólogo era dito que “aos que o receberam, aos que creram no seu
nome, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus” (1,12).
Perguntamos: Essa palavra implica em uma condição que nós tenhamos
que cumprir? Não é Deus que aparece como quem oferece e dá? Receber
não é cumprir uma exigência! A promessa é condicional, sim, mas no
sentido de “dar razão a Deus”. Receber a Jesus implica em concordar com
Ele; não em cumprir exigências!
305
Após diversas tentativas fracassadas de eliminação, o Sinédrio
oficializou a determinação de eliminar o Nazareno. O texto pode ser
traduzido também da seguinte forma: “... daquele dia em diante, estavam
se consultando em como tirar-lhe a vida”, o que dá mais sentido à frase.
(54) Por essa razão, Jesus não andava mais publicamente entre os
judeus. Ao invés disso, retirou-se para uma região próxima do deserto,
para um povoado chamado Efraim, onde ficou com os seus discípulos.
A decisão tomada, embora ainda sem definição de como e quando,
feriu a Torá, porque foi tomada na ausência do acusado e sem ouví-lo,
como manda a Lei. Tempos atrás, um dos membros do Sinédrio,
Nicodemos, já havia protestado e apontado essa falha jurídica no
julgamento, mas foi silenciado (7,50ss).
O sexto capítulo fica ligado através do verso 6,4 à Páscoa final, onde
João menciona as palavras de Jesus: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu.
Se alguém comer deste pão, viverá para sempre. Este pão é a minha carne,
que eu darei pela vida do mundo” (6,51). O texto que segue pode ser visto
como a versão joanina da instituição da ceia dos sinóticos, que João não
traz.
No conteúdo e no significado do Evangelho nada fica alterado
através da extensão de um ano (sinóticos) para três. Continuaremos,
portanto, a leitura com a tradicional interpretação de três anos de
ministério de Jesus.
307
Cap. 12.1-11
(12.1) Seis dias antes da Páscoa, Jesus chegou a Betânia, onde vivia Lázaro, a quem
ressuscitara dos mortos. (2) Ali prepararam um jantar para Jesus. Marta servia,
enquanto Lázaro estava à mesa com ele. (3) Então Maria pegou um frasco de nardo
puro, que era um perfume caro, derramou-o sobre os pés de Jesus e os enxugou com
os seus cabelos. E a casa encheu-se com a fragrância do perfume. (4) Mas um de
seus discípulos, Judas Iscariotes, que mais tarde ia traí-lo, fez uma objeção: (5) Por
que este perfume não foi vendido, e o dinheiro dado aos pobres? Seriam trezentos
denários. (6) Ele não falou isso por se interessar pelos pobres, mas porque era
ladrão; sendo responsável pela bolsa de dinheiro, costumava tirar o que nela era
colocado. (7) Respondeu Jesus: “Deixa-a em paz; que o guarde para o dia do meu
sepultamento. (8) Pois os pobres vocês sempre terão consigo, mas a mim nem
sempre terão”. (9) Enquanto isso, uma grande multidão de judeus, ao descobrir que
Jesus estava ali, veio, não apenas por causa de Jesus, mas também para ver Lázaro,
a quem ele ressuscitara dos mortos. (10) Assim, os chefes dos sacerdotes fizeram
planos para matar também Lázaro, (11) pois por causa dele muitos estavam se
afastando dos judeus e crendo em Jesus.
(12.1) Seis dias antes da Páscoa, Jesus chegou a Betânia, onde vivia
Lázaro, a quem ressuscitara dos mortos. (2) Ali prepararam um jantar
para Jesus.
O período de silêncio e a falta de informação a respeito da
permanência de Jesus na região de Efraim (11,54) abrange
aproximadamente dois meses. Agora, “seis dias antes da Páscoa”, Jesus
apareceu em Betânia, vilarejo onde Ele chamou Lázaro de volta à vida.
308
Vamos fazer uma outra consideração interessante: Quais dos nossos
Evangelistas estavam presentes no evento? O Evangelista João, na
condição de discípulo, provavelmente sim. Pedro, discípulo, era
testemunha também, e sua versão encontramos no Evangelho de Marcos.
Lucas, por sua vez, levantou na sua pesquisa (confira Lucas 1,1-4)
uma versão diferenciada que, por ora, não procuramos interpretar.
Existem várias teorias quanto ao lugar e à casa onde este jantar fora
oferecido. Não vamos nos perder nesse detalhe. Marcos a identificou como
“a casa de Simão, o leproso” (homem possivelmente curado por Jesus).
Pelo número de presentes deveria ter sido uma casa ampla.
(3) Então Maria pegou um frasco de nardo puro, que era um perfume
caro, derramou-o sobre os pés de Jesus e os enxugou com os seus
cabelos.
Imagine este jantar, composto somente de homens. As conversas
foram certamente meio pesadas, pois não ficara muito claro o que o Mestre
pretendia. Considerações sobre a possível subida à capital e as opiniões
diferentes foram discutidas. Repentinamente e sem que a maioria dos
presentes o percebesse, uma mulher aproximou-se discretamente por
detrás de Jesus (pela ordem em que se deitava na mesa só era possível
aproximar-se de alguém por trás, por onde as pernas descansavam). Nas
suas mãos, ela segurou um vaso de alabastro. Com um movimento
309
inesperado ela virou o vaso e deixou seu valioso conteúdo derramar sobre
os pés de Jesus. Era nardo puro, extrato da raiz de uma planta da Índia,
portanto um extrato extremamente caro. Todos ficaram estarrecidos. Não
somente isso fez os homens presentes ficarem sem palavras: sem
pronunciar alguma palavra, a mulher abaixou-se e cuidadosamente
começou a limpar e secar com seu longo cabelo os pés de Jesus.
310
E a casa encheu-se com a fragrância do perfume.
(4) Mas um de seus discípulos, Judas Iscariotes, que mais tarde ia traí-
lo, fez uma objeção: (5) Por que este perfume não foi vendido, e o
dinheiro dado aos pobres? Seriam trezentos denários.
(6) Ele não falou isso por se interessar pelos pobres, mas porque era
ladrão; sendo responsável pela bolsa de dinheiro, costumava tirar o
que nela era colocado.
311
Judas” e não menciona seu suicídio. Em 13,27, ele categoricamente diz:
“... Satanás entrou nele”. Tendo visto seu ex-colega na mão de Satanás,
nada mais o interessou a seu respeito.
(7) Respondeu Jesus: “Deixa-a em paz; que o guarde para o dia do meu
sepultamento.
Por Marcos sabemos que Maria quebrou o vaso; nada sobrou. Maria
ofereceu tudo ao Senhor. O que mais ela podia fazer para expressar seu
amor e sua abnegação perante seu Mestre? Faria sentido guardar um
resto?
Após a poderosa manifestação com Lázaro ela via o Senhor a
caminho de Jerusalém, onde certamente seria coroado e reconhecido
Senhor! Na visão de Maria, a unção não era para a morte, mas para o
coroação!
Ou será que Maria, com a intuição própria da mulher que ama,
sentiu que esta talvez fosse a última oportunidade de honrá-lo? Os boatos
da ordem de captura certamente já haviam chegado a Betânia. Será que foi
essa a razão do jantar festivo: uma despedida? Não o sabemos. Sabemos
sim, que os discípulos não haviam entendido a hora e ainda esperavam
alguma revelação que os compensasse pela sua fidelidade. A menção do
sepultamento na resposta de Jesus certamente deixou os presentes
pensativos. Sua defesa de Maria perante a objeção de Judas fez ruir
esperanças.
(8) Pois os pobres vocês sempre terão consigo, mas a mim nem
sempre terão”.
Como selando suas palavras, este seu Mestre ainda colocou o
desperdício do perfume acima da ordenança da Torá, que exige cuidar dos
pobres e de órfãos e viúvas! (Em alguns manuscritos falta o verso 8).
Cap. 12.12-19
(12) No dia seguinte, a grande multidão que tinha vindo para a festa ouvir falar que
Jesus estava chegando a Jerusalém. (13) Pegaram ramos de palmeiras e saíram ao
seu encontro, gritando: “Hosana!” – “Bendito é o que vem em nome do Senhor!”
“Bendito é o rei de Israel!” (14) Jesus conseguiu um jumentinho e montou nele,
como está escrito: (15)”Não tenha medo, ó cidade de Sião; eis que o seu rei vem,
montado num jumentinho”. (16) A princípio seus discípulos não entenderam isso.
Só depois que Jesus foi glorificado, eles se lembraram de que essas coisas estavam
escritas a respeito dele e lhe foram feitas. (17) A multidão que estava com ele,
quando mandara Lázaro sair do sepulcro e o ressuscitara dos mortos, continuou a
espalhar o fato. (18) Muitas pessoas, por terem ouvido falar que ele realizara tal
sinal miraculoso, foram ao seu encontro. (19) E assim os fariseus disseram uns aos
outros: “Não conseguimos nada. Olhem como o mundo todo vai atrás dele!”
313
Com referência ao presente texto, vários intérpretes suspeitam que
foram baseados em fontes pré-joaninas. Como a nossa tarefa é interpretar
o texto do Evangelho e não especular a respeito de fontes hipotéticas,
ficaremos como o nosso texto assim como o temos em mãos. Ele
basicamente corresponde ao texto de Marcos; a possibilidade do uso desse
Evangelho por João, que o adaptou de acordo com seus pontos de vista
teológicos, parece evidente.
(12) No dia seguinte, a grande multidão que tinha vindo para a festa
ouvir falar que Jesus estava chegando a Jerusalém.
314
de Israel. Simão determinou que anualmente se comemorasse aquela data
com alegria”.
(Como este e mais alguns livros tidos como “não inspirados” não foram incluídos no
Cânon do NT, eles não fazem parte das Bíblias Protestantes; mas constam das Bíblias
usadas na Igreja Católica).
316
Mais tarde, Pedro exortou a seus ouvintes: “Antes (de tudo), cresçam
na graça e no conhecimento do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe
3,18). A vida com Deus tem seu começo quando Deus nos abre a visão e os
ouvidos para o seu Filho. Conhecer a Deus é antes crescer no
conhecimento de Jesus; uma experiência que tem início, mas não tem
fim. Conhecimento não é o mesmo que “ensino”! Conhecimento é pessoal,
toca a pessoa; enquanto que “ensino” é objetivo sempre neutro; ele não
necessariamente toca o coração; é saber; é “teologia” – que não salva
ninguém!
• Você vai à igreja para “aprender mais um pouco” ou para “conhecer a
Jesus”? A diferença entre aprender e conhecer é decisiva!
(17) A multidão que estava com ele, quando mandara Lázaro sair do
sepulcro e o ressuscitara dos mortos, continuou a espalhar o fato. (18)
Muitas pessoas, por terem ouvido falar que ele realizara tal sinal
miraculoso, foram ao seu encontro.
Com poucas palavras o Evangelista justifica o entusiasmo da
multidão, que se havia formado. João dispensou a entrada de Jesus em
Jerusalém em si, relatada detalhadamente pelos sinóticos. Para ele pesou
outro fato:
317
Cap. 12.20-28
(20) Entre os que tinham ido adorar a Deus na festa da Páscoa, estavam alguns
gregos. (21) Eles se aproximaram de Filipe, que era de Betsaida da Galileia, com um
pedido: “Senhor, queremos ver Jesus”. (22) Filipe foi dizê-lo a André, e os dois
juntos o disseram a Jesus.
(23) Jesus respondeu: “Chegou a hora de ser glorificado o Filho do Homem. (24)
Digo-lhes verdadeiramente que, se o grão de trigo não cair na terra e não morrer,
continuará ele só. Mas se morrer, dará muito fruto. (25) Aquele que ama sua vida, a
perderá; ao passo que, aquele que odeia sua vida neste mundo, a conservará para
vida eterna. (26) Quem me serve precisa seguir-me; e, onde estou, o meu servo
também estará. Aquele que me serve, o Pai o honrará. (27) Agora meu coração está
perturbado, e o que direi? Pai, salva-me desta hora? Não, eu vim exatamente para
isto, para esta hora. (28) Pai, glorifica teu nome!”
318
O quarto Evangelista (ao contrário dos sinóticos) vê Jesus, desde o
primeiro capítulo, como salvador “do mundo”. Esta sua função também
está sendo insinuada quando Jesus se apresenta como “luz do mundo”.
João deixou claro que “a salvação vem dos judeus” (4,22, menção eliminada
nas Bíblias durante o “3º Reich” de Hitler, 1933-45). Ela vem dos judeus para o
mundo. “Mundo” era sinônimo de “mundo grego”, cultura pagã dominante
na época de Jesus.
319
Como se existisse alguma ligação secreta entre a chegada desses
gregos e o ministério de Jesus, este lhes respondeu com um “mashal”
(palavra de sentido enigmático, misterioso). O pedido dos gregos deixou
Jesus profundamente impressionado. Por que será ?
(25) Aquele que ama sua vida, a perderá; ao passo que, aquele que
odeia sua vida neste mundo, a conservará para vida eterna. (26) Quem
me serve precisa seguir-me; e, onde estou, o meu servo também
estará. Aquele que me serve, o Pai o honrará.
A linha de pensamento, por algum instante, está sendo
interrompida para continuar em 27.
320
Devemos ler estas palavras como ditas aos que O cercavam
naquela hora: peregrinos e discípulos, gente entusiasmada e gente curiosa.
Seja onde for que Jesus estiver, ali também estará seu “serviçal”.
Seja na vida ou na morte, na pobreza, no medo ou na glória, ali estará seu
serviçal também, longe das “honras” pelas quais o mundo religioso
avidamente procura e liberalmente concede. Ali somente ... o Pai o
honrará.
(27) Agora meu coração está perturbado, e o que direi? Pai, salva-me
desta hora? Não, eu vim exatamente para isto, para esta hora. (28)
Pai, glorifica teu nome!”
321
Cap. 12.28-36
Então veio uma voz dos céus: “Eu já o glorifiquei e o glorificarei novamente”. (29) A
multidão que ali estava e a ouviu, disse que tinha trovejado; outros disseram que
um anjo lhe tinha falado. (30) Jesus disse: “Esta voz veio por causa de vocês, e não
por minha causa. (31) Chegou a hora de ser julgado este mundo; agora será expulso
o príncipe deste mundo. (32) Mas eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a
mim. (33) Ele disse isso para indicar o tipo de morte que haveria de sofrer. (34) A
multidão falou: “A Lei nos ensina que o Cristo permanecerá para sempre; como
podes dizer:’ O Filho do Homem precisa ser levantado’? Quem é esse ‘Filho do
Homem’?” (35) Disse-lhes então Jesus: “Por mais um pouco de tempo a luz estará
entre vocês. Andem enquanto tem a luz, para que as trevas não os surpreendam,
pois aquele que anda nas trevas não sabe para onde está indo. (36) Creiam na luz
enquanto a tem, para que se tornem filhos da luz”. Terminando de falar, Jesus saiu
e ocultou-se deles.
(28) “... Pai, glorifica teu nome!” Então veio uma voz dos céus: “Eu já o
glorifiquei e o glorificarei novamente”. (29) A multidão que ali estava
e a ouviu, disse que tinha trovejado; outros disseram que um anjo lhe
tinha falado.
322
Somente Jesus entendeu a resposta. Entendeu que a glorificação
viria através da morte em obediência ao Pai. Assim como o Pai glorificou o
Filho na ressurreição de Lázaro, Ele novamente o faria.
(30) Jesus disse: “Esta voz veio por causa de vocês, e não por minha
causa. (31) Chegou a hora de ser julgado este mundo; agora será
expulso o príncipe deste mundo. (32) Mas eu, quando for levantado da
terra, atrairei todos a mim. (33) Ele disse isso para indicar o tipo de
morte que haveria de sofrer.
Em 3,19, João havia declarado que o julgamento era este: “A luz veio
ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas
obras eram más”. Negando a fé em Jesus, os homens já estavam julgados.
A decisão já estava tomada. A preferência do mundo pela sombra se
consumiria na “elevação” do Filho, isto é, na sua morte.
323
(34) A multidão falou: “A Lei nos ensina que o Cristo permanecerá
para sempre; como podes dizer:’ O Filho do Homem precisa ser
levantado’? Quem é esse ‘Filho do Homem’?” (35) Disse-lhes então
Jesus: “Por mais um pouco de tempo a luz estará entre vocês. Andem
enquanto tem a luz, para que as trevas não os surpreendam, pois
aquele que anda nas trevas não sabe para onde está indo. (36) Creiam
na luz enquanto a tem, para que se tornem filhos da luz”.
Ele é eterno. “... quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado,
verá a sua prosperidade e prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR
prosperará nas suas mãos. Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma
e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará
a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si ... porquanto derramou
a sua alma na morte; foi contado com os transgressores; contudo, levou
sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu”
(Palavras proféticas de Isaías,53,1-12, setecentos anos antes de Jesus).
324
Cap. 12.37-43
(37) Mesmo depois que Jesus fez todos aqueles sinais miraculosos, não creram nele.
(38) Isso aconteceu para se cumprir a palavra do profeta Isaías, que disse: “Senhor,
quem creu em nossa mensagem, e a quem foi revelado o braço do Senhor?” (39) Por
esta razão eles não podiam crer, porque, como Isaías disse noutro lugar: (40) “Cegou
os seus olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos nem
entendam com o coração, nem se convertam, e eu os cure”. (41) Isaías disse isso
porque viu a glória de Jesus e falou sobre ele. (42) Ainda assim, muitos líderes dos
judeus creram nele. Mas, por causa dos fariseus, não confessavam a sua fé, com
medo de serem expulsos da Sinagoga; (43) pois preferiam a aprovação dos homens
do que a aprovação de Deus.
(37) Mesmo depois que Jesus fez todos aqueles sinais miraculosos
(outra tradução... sinais tão grandes...), não creram nele.
325
No início de seu ministério, Jesus criticou o condicionamento de sua
fé a sinais: “Se vocês não virem sinais e maravilhas, nunca crerão” e agora,
que Deus se compadeceu de tal forma e lhes deu os sinais, não creram?
Como o Evangelista podia interpretar o fato? Será que Deus fracassou na
sua missão através de Jesus?
Se Moisés declarou que era o próprio JHWH que “até hoje” não deu
ao seu povo mente para entender, nem olhos para verem ou ouvidos para
ouvirem, João só podia aceitar o fato da rejeição de Jesus, lembrando-se
das palavras de Isaías (53,1): “Quem creu em nossa mensagem? E a quem
foi revelado o braço do SENHOR?” Essa pergunta retórica, que abre a
quarta descrição do “Servo do Senhor” no livro de Isaías, só permite Uma
resposta: “Ninguém!” Ninguém entendeu a mensagem! Apesar de se terem
passado séculos desde Moisés, a condição do povo de Israel não havia
mudado.
(39) Por esta razão eles não podiam crer, porque, como Isaías disse
noutro lugar: (40) “Cegou os seus olhos e endureceu-lhes o coração,
para que não vejam com os olhos nem entendam com o coração, nem
se convertam, e eu os cure”.
326
Já nos tempos dos Apóstolos, Marcos referia-se ao mistério da
incredulidade de Israel (Mc.4,11s) e Lucas o fez em Atos 28,26s. Paulo
trabalhou o assunto em Romanos caps 9-11.
Foi a luz que veio ao mundo que tornou a escuridão evidente. O envio
dos discípulos ao mundo (20,21), começando em Jerusalém (Lucas 24,47)
é o sinal de que o julgamento do mundo e de todas as pessoas culpadas
não são fatos determinados desde a eternidade passada. Se não houvesse
determinação divina de salvação, o envio dos Apóstolos não faria sentido.
327
Segundo o Evangelista, e de acordo como entendemos sua
mensagem, podemos considerar que Deus já decidiu pela nossa salvação,
atraindo-nos a Jesus. A única decisão possível, livre e espontânea de fato,
é a de rejeitar (abandonar) a Jesus (6,66) e de permanecer nos nossos
pecados (9,41).
(41) Isaías disse isso porque viu a glória de Jesus e falou sobre ele.
(42) Ainda assim, muitos líderes dos judeus creram nele. Mas, por
causa dos fariseus, não confessavam a sua fé, com medo de serem
expulsos da Sinagoga; (43) pois preferiam a aprovação dos homens do
que a aprovação de Deus.
328
eclesiástica, ficaria profundamente comprometida se dissessem o que
pensavam.
329
Não confunda atividade religiosa com Deus! Veja, como Ele lhe
estende a Sua mão através de Jesus! A Ele, Deus, toda a honra e glória
para sempre!
Cap. 12.44-50
(44) Então Jesus disse em alta voz: “Quem crê em mim, não crê apensas em mim,
mas naquele que me enviou. (45) Quem me vê, vê aquele que me enviou. (46) Eu vim
ao mundo como luz, para que todo aquele que crê em mim não permaneça nas
trevas. (47) Se alguém ouve as minhas palavras, e não lhes obedece, eu não o julgo.
Pois não vim para julgar o mundo, mas para salvá-lo. (48) Há um juiz para quem me
rejeita e não aceita as minhas palavras; a própria palavra que proferi o condenará
no último dia. (49) Pois não falei de mim mesmo , mas o Pai que me enviou me
ordenou o que dizer e o que falar. (50) Sei, que o seu mandamento é a vida eterna.
Portanto, o que eu digo é exatamente o que o Pai me mandou dizer”.
Pela penúltima lição sabemos que Jesus se ocultou. Ele não mais
falou às multidões. O que então significa essa inclusão que começa com
“Então, Jesus falou com alta voz”?
(44) Então Jesus disse em alta voz: “Quem crê em mim, não crê
apensas em mim, mas naquele que me enviou.
330
importa é levar o leitor ao reconhecimento de Jesus como o Logos, o Filho,
o Deus conosco.
(46) Eu vim ao mundo como luz, para que todo aquele que crê em mim
não permaneça nas trevas.
Você considera difícil crer em Deus? Jesus veio como luz! Pedro,
meio século antes, havia escrito sobre “aquele que nos chamou das trevas
para sua maravilhosa luz” (1.Pedro 2,9). Se você quer andar em segurança,
ande na luz! Isso é até mais fácil, pois “na sombra” você tropeçará e
facilmente será enganado por qualquer igreja, seita, movimento ou
ideologia.
331
(47) Se alguém ouve as minhas palavras, e não lhes obedece, eu não o
julgo. Pois não vim para julgar o mundo, mas para salvá-lo.
(49) Pois não falei de mim mesmo, mas o Pai que me enviou me
ordenou o que dizer e o que falar.
332
No Evangelho de João não encontramos um Deus que ameace com o
inferno. O Evangelista nem conhece essa palavra ou, pelo menos, nem a
usa. Encontramos um Deus cujo mandamento é a vida eterna para a qual
nos chamou pelo Seu Filho, que nos abriu a porta, trouxe a luz e levou as
nossas iniquidades embora.
Jesus era “sem pecado” no sentido de não nos dizer o que não, (antes),
ouvia da parte do Pai. Ele não nos engana. Nele “acontece” Deus conosco.
Cap. 13.1-11
(13.1) Um pouco antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que havia chegado o
tempo em que deixaria este mundo e iria para o Pai, tendo amado os seus que
estavam no mundo, amou-os até o fim. (2) Estava sendo servido o jantar, e o diabo
já havia induzido Judas Iscariotes, filho de Simão, a trair Jesus. (3) Jesus sabia que
o Pai havia colocado todas as coisas debaixo do seu poder, e que viera de Deus e
estava voltando para Deus; assim, levantou-se da mesa, tirou sua capa e colocou
uma toalha em volta da cintura. (5) Depois disso, derramou água numa bacia e
começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha que estava em
sua cintura. (6) Chegou-se a Simão Pedro, que lhe disse ”Senhor, vais lavar os meus
pés?” (7) Respondeu Jesus: “Você não compreende agora o que estou fazendo; mais
333
tarde, porém, entenderá”. (8) Disse Pedro: “Não, nunca lavarás os meus pés!” Jesus
respondeu: ”Se eu não os lavar, você não terá parte comigo”. (9) Respondeu Simão
Pedro: “Então, Senhor, não apenas os meus pés, mas também as minhas mãos e a
minha cabeça!” (10) Respondeu Jesus: “Quem já se banhou precisa apenas lavar
seus pés; todo o seu corpo está limpo. Vocês estão limpos, mas nem todos”. (11)
Pois ele sabia quem ia traí-lo, e por isso disse que nem todos estavam limpos.
334
Até este momento, João nunca mencionou o amor do Senhor para
com os Seus, nem o deixou transparecer. Embora presente, ele constitui
um mistério.
Os homens, aos quais Jesus agora fala, são “os Seus, escolhidos
desse mundo” (15,19). São os Seus neste mundo, porém ainda deste
mundo. Dentro de poucas horas e em fuga desesperada, eles deixarão
Jesus sozinho (16,32). Mesmo “separados” de Jesus por sua natureza
humana, eles são amados. Durante seu ministério, o amor de Jesus teve
que suportar, tolerar, perdoar e purificar. O amor, necessariamente, tem a
natureza da cruz. Ali, ele encontrará sua perfeição. As palavras “até ao fim”
podem ser traduzidos também como “até a sua conclusão”(ou: perfeição).
335
(3) Jesus sabia que o Pai havia colocado todas as coisas debaixo do
seu poder, e que viera de Deus e estava voltando para Deus; assim,
levantou-se da mesa, tirou sua capa e colocou uma toalha em volta da
cintura.
(5) Depois disso, derramou água numa bacia e começou a lavar os pés
dos discípulos, enxugando-os com a toalha que estava em sua cintura.
Num silêncio constrangedor, Jesus começou a lavar os pés de seus
discípulos, começando com o primeiro e passando para o próximo.
Ninguém falava uma só palavra.
(6) Chegou-se a Simão Pedro, que lhe disse ”Senhor, vais lavar os
meus pés?”
336
Ao chegar a Pedro, este se negou veementemente a ver seu Senhor
no papel de um escravo pagão. Começou um diálogo que determinará a
primeira interpretação do acontecimento constrangedor para Pedro e os
demais discípulos. Pedro não estava disposto a ver seu Senhor na tarefa de
um desprezado escravo. Seu Senhor? Ele, lavando seus pés? Nunca!
(8) Disse Pedro: “Não, nunca lavarás os meus pés!” Jesus respondeu:
”Se eu não o(s) lavar, você não terá parte comigo”.
“Se eu não te lavar, não terás parte comigo”, pode ter sido para os
leitores de João uma indicação indireta da necessidade do batismo, pois
Jesus já havia ressuscitado quando João escreveu e a igreja já observava
os dois mandamentos: o partir do pão (1 Cor 11,17ss) e o batismo.
(9) Respondeu Simão Pedro: “Então, Senhor, não apenas os meus pés,
mas também as minhas mãos e a minha cabeça!”
337
“Pedro”, nome honroso designado por Jesus a Simão por ocasião de
seu chamamento (1,42), naturalmente quis ter parte com Jesus. Ele, como
sempre, precipitado e efusivo, queria o máximo possível. Se a lavagem dos
pés já dava participação, uma lavagem inteira deveria fazer muito mais
efeito! Pedro ainda não compreendera o simbolismo da ação de Jesus e
confundiu-a com um tipo de purificação levítica (dos sacerdotes para o
serviço sagrado).
338
Cap. 13.12-17
(12) Quando terminou de lavar-lhes os pés, Jesus tornou a vestir sua capa e voltou
ao seu lugar. Então lhes perguntou: ”Vocês entendem o que lhes fiz? (13) Vocês me
chamam ‘Mestre’ e ‘Senhor’, e com razão, pois eu o sou. (14) Pois bem, se eu, sendo
Senhor e Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar os pés uns
dos outros. Eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz. (16) Digo-
lhes verdadeiramente que nenhum escravo é maior do que o seu senhor, como
também nenhum mensageiro é maior do que aquele que o enviou. (17) Agora que
vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem.
Na lição passada vimos como “ter parte com Jesus”, isto é, ser
propriedade dEle, depende do fato de Jesus ter nos lavado. “Se eu não os
lavar, vocês não terão parte comigo”. Nada podemos contribuir a não ser
humilhar-nos e permitir que Jesus faça Sua obra em nós.
Se Jesus agora quer saber se os seus entendiam o que Ele lhes fez,
fica evidente que o Evangelista viu uma segunda interpretação possível.
Muitos teólogos consideram os versos 12 a 17 um acréscimo da mão de
339
um redator da igreja primitiva (Richter, Langbrandner, Becker e outros) no
intuito de ensinar.
340
Na convivência dos cristãos revela-se o quanto somos humanos;
aparece aquilo que doi, destroi, perturba e impede a comunhão. Não no
púlpito, mas na convivência mútua aparecem as nossas faltas de fé, a falta
de viva esperança e a ausência de amor e comprometimento.
341
Ser igual não é ser maior. Se os discípulos se sentem mal em
executar esse serviço vital entre si, eles querem ser maiores do que Aquele
que os chamou. A teoria é convincente. A prática, porém, em todas as
comunidades cristãs, é mais difícil, porém possível.
Como disse o velho João? “Eles saíram do nosso meio; entretanto não
eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido
conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum
deles é dos nossos. Vocês possuem a unção que vem do Santo e tem
conhecimento. Não escrevi para vocês porque não saibam a verdade, antes,
porque a sabem, e porque mentira alguma jamais procede da verdade” (1
João 2,19-21.
Cap. 13.18-30
(18) Não falo a respeito de todos vós, pois eu conheço aqueles que escolhi; é, antes,
para que se cumpra a Escritura: Aquele que come do meu pão levantou contra mim
seu calcanhar. (19) Desde já vos digo, antes que aconteça, para que, quando
acontecer, creiais que EU SOU. (20) Em verdade, em verdade vos digo: quem recebe
aquele que eu enviar, a mim me recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me
enviou. (21) Ditas estas coisas, angustiou-se Jesus em espírito e afirmou: Em
verdade, em verdade vos digo que um de vocês me trairá. (22) Então, os discípulos
olharam uns para os outros, sem saber a quem ele se referia. (23) Ora, ali estava
conchegado a Jesus um dos seus discípulos, aquele a quem ele amava; (24) a esse
fez Simão Pedro sinal, dizendo-lhe: Pergunta a quem ele se refere. (25) Então, aquele
discípulo, reclinando-se sobre o peito de Jesus, perguntou-lhe: Senhor, quem é? (26)
Respondeu Jesus: É aquele a quem eu der o pedaço de pão molhado. Tomou, pois,
um pedaço de pão e, tendo o molhado, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. (27)
342
E, após o bocado, imediatamente, entrou nele Satanás. Então, disse Jesus: O que
pretendes fazer, faze-o depressa. (28) Nenhum, porém, dos que estavam à mesa
percebeu a que fim lhe dissera isto. (29) Pois, como Judas era quem trazia a bolsa,
pensaram alguns que Jesus lhe dissera: Compra o que precisamos para a festa ou lhe
ordenara que desse alguma coisa aos pobres. (30) Ele, tendo recebido o bocado, saiu
logo. E era noite.
(17) Agora que vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem. (18) Não falo
a respeito de todos vós, pois eu conheço aqueles que escolhi; ...
Jesus disse: “Eu conheço aqueles que escolhi”. Por que então não o
desmascarou antes, expulsando-o? Tocamos aqui no mistério da
predestinação. Uma palavra das Escrituras tinha que se cumprir.
... é, antes, para que se cumpra a Escritura: Aquele que come do meu
pão levantou contra mim seu calcanhar.
343
(19) Desde já vos digo, antes que aconteça, para que, quando
acontecer, creiais que EU SOU.
Jesus voltou a afirmar o que já disse a Pedro no verso 7, isto é, que
todo o seu comportamento e palavras somente poderão fazer-lhes sentido
quando vier o consolador, após a Páscoa. Somente então, “quando
acontecer”, eles reconhecerão e crerão que era o EU SOU - o mesmo que
falou a Moisés da sarça ardente o EU SOU O QUE SOU (Ex.3,14) - quem
lhes lavou os seus pés!
344
infeliz no lugar errado e sem querer, pudesse colocar a vida de seu Mestre
em perigo.
Essa pergunta: ”Por acaso, sou eu”? ecoa pela história da igreja, onde
sempre de novo Jesus tinha sido traído, negado, suas palavras pervertidas,
sua pessoa usada para justificar violência e ganância e os seus seguidores
verdadeiros perseguidos por aqueles que se chamavam “cristãos”.
(23) Ora, ali estava conchegado a Jesus um dos seus discípulos, aquele
a quem ele amava; (24) a esse fez Simão Pedro sinal, dizendo-lhe:
Pergunta a quem ele se refere.
A observação “conchegado a Jesus” e “reclinando-se sobre o peito de
Jesus” (v.25) causou aos pintores de todas as épocas tamanho problema.
(Lembre-se da pintura da ceia por Leonardo da Vinci, onde o grupo está
representado sentado à mesa e que, por causa desse equívoco, tem dado
base a tanta interpretação maldosa).
345
A dupla Pedro/João ocupa um lugar especial no relato do
Evangelista: Pedro junto com o discípulo amado no pátio do palácio do
sumo sacerdote (onde Pedro negaria por três vezes conhecer Jesus,
18,15s); Pedro e João correndo para a sepultura, após receber a notícia do
sumiço do corpo de Jesus (20,3s); Pedro e João juntos na pescaria no lago
da Galileia, João reconhecendo a Jesus ressurreto no homem na praia e
Pedro avançando pelas águas após a pescaria maravilhosa (21,1) e,
finalmente, a tripla pergunta de Jesus a Pedro, na sua reabilitação pelo
Senhor, e a preocupação do mesmo quanto a João (21,20).
Voltemos ao Cenáculo:
346
era (o “arquétipo do discípulo mau”), revelou-se como perfeito pela inclusão
dele no seu amor (3,16). Se com o bocado dado a Judas o amor de Jesus
valeu até para com seu inimigo, o leitor do Evangelho (inclusive você e eu)
podemos corresponder ao amor de Deus somente através de uma entrega
incondicional a Ele (Mat.5,44).
(28) Nenhum, porém, dos que estavam à mesa percebeu a que fim lhe
dissera isto. (29) Pois, como Judas era quem trazia a bolsa, pensaram
alguns que Jesus lhe dissera: Compra o que precisamos para a festa
ou lhe ordenara que desse alguma coisa aos pobres.
(30) Ele (Judas), tendo recebido o bocado, saiu logo. E era noite.
347
Judas estava a caminho para fazer valer seu intento; não havia mais
como voltar para trás. A noite escura, apesar da estação de lua cheia na
Páscoa, é uma metáfora também: Para Judas, a luz do mundo não mais
brilhava. A noite colocou fim às atividades de Jesus. Tudo estava definido,
embora nenhum dos onze com Jesus à mesa o percebesse.
Havia chegada a hora em que Jesus podia dirigir suas últimas instruções
aos seus.
Cap. 13.31-38
(31) Depois que Judas saiu, Jesus disse: “Agora o Filho do homem é glorificado, e
Deus é glorificado nele. (32) Se Deus é glorificado nele, Deus também glorificará o
Filho nele mesmo, e o glorificará em breve. (33) Meus filhinhos, vou estar com
vocês apenas mais um pouco. Vocês procurarão por mim e, como eu disse aos
judeus, agora lhes digo: Para onde eu vou, vocês não podem ir. (34) “Um novo
mandamento vos dou: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem
amar-se uns aos outros”. (RA: “que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos
amei, que também vos ameis uns aos outros”). (35) Com isso todos saberão que
vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros. (36) Simão Pedro lhe
perguntou: “Senhor, para onde vais?”. Jesus respondeu: “Para onde eu vou, vocês
não podem seguir-me agora, mas me seguirão mais tarde”. (37) Pedro perguntou:
“Senhor, por que não posso seguir-te agora? Darei a minha vida por ti!” (38) Então
Jesus respondeu: “Você dará a vida por mim? Asseguro-lhe que, antes que o galo
cante, você me negará três vezes!
349
(31) Depois que Judas saiu, Jesus disse: “Agora o Filho do homem é
glorificado, e Deus é glorificado nele.
(33) Meus filhinhos, vou estar com vocês apenas mais um pouco.
Vocês procurarão por mim e, como eu disse aos judeus, agora lhes
digo: Para onde eu vou, vocês não podem ir.
350
arruinadas em breve. Desconsiderando todos os avisos de Jesus, eles
ainda esperavam o breve aparecimento do Reino de Deus em Israel.
Nenhum deles, nem João entenderam que era essa a última noite, a última
refeição junto com seu amado Mestre.
(34) “Um novo mandamento vos dou: Amem-se uns aos outros. Como
eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros”. (R.A: “que vos ameis
uns aos outros, assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos
outros”). (35) Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se
vocês se amarem uns aos outros.
Não sabemos, a que altura da conversa o Senhor deu aos seus esse
“novo mandamento”, pois, de alguma forma, ele interrompe os
acontecimentos durante o jantar. Os eruditos discordam profundamente
sobre a interpretação desse “novo mandamento”.
351
O bocado molhado oferecido a Judas, que estava por entregar a
Jesus, revela o amor incondicional de Jesus até perante seus inimigos
(Pedro, que o negará por três vezes e seus vacilantes seguidores que,
todos, o deixaram, fugindo, com a exceção parcial de João e Pedro). Da
forma como Jesus amou, os seus seguidores deveriam amar-se uns aos
outros. Não há nenhuma restrição aos “irmãos” no “novo mandamento”. O
amor de Deus revelado no envio de seu Único Filho (3,16) e que se
cumprirá na morte de Seu Filho, tem sua continuação no envio dos seus ao
mundo, exigindo deles o mesmo amor, disposto até para o martírio, obra,
obviamente, de seus inimigos (13,36-38; 16,2s). Enquanto o amor
incondicional é marca inconfundível do discípulo de Jesus, “aqueles do
mundo” amam somente o que é deles (7,18s).
352
O profeta Jeremias já falou desse novo mandamento quando, em
31,33ss, vê a lei posto no íntimo de seu povo, escrito nos seus corações...”.
O novo mandamento não é outro a não ser o do Sinai e o da Torá. Entra em
vigor o pacto da antiga Aliança, quebrado tantas vezes.
(36) Simão Pedro lhe perguntou: “Senhor, para onde vais?”. Jesus
respondeu: “Para onde eu vou, vocês não podem seguir-me agora, mas
me seguirão mais tarde”.
(37) Pedro perguntou: “Senhor, por que não posso seguir-te agora?
Darei a minha vida por ti!”
Pedro ainda não entendeu que Jesus estava falando de sua morte,
do final de seu ministério. Continuou pensando que Jesus tinha em vista
ir para algum lugar perigoso e ofereceu-se para acompanhá-lo, lutando por
Ele e, caso necessário, dando sua vida por Jesus.
(38) Então Jesus respondeu: “Você dará a vida por mim? Asseguro-lhe
que, antes que o galo cante, você me negará três vezes!
353
Marcos diz que Pedro continuou insistindo, desconsiderando as
palavras de Jesus e oferecendo-se para lutar. E acrescenta: “e todos os
discípulos falaram o mesmo” (Marcos 14,31).
Pela pergunta de Jesus, marcada pela tristeza: “Você dará a vida por
mim?” entendemos que a relação do bom pastor para com as suas ovelhas
não pode ser invertida. O sacrifício de Pedro para seu Mestre não será o
martírio, mas a tripla negação dele antes das três horas da manhã!
Vamos fazer o quê? Sair da Igreja porque ela não presta? Não cremos
que essa seja a melhor opção. Como seria se, você e eu, dentro da Igreja
que estamos, fôssemos diferentes? Para tanto, precisamos ser habitação do
Espírito Santo, não do Espírito de ganância ou do da intolerância e do
orgulho doutrinário/denominacional.
354
Ns próximas leituras veremos o que o Evangelista João nos diz
quanto ao Espírito Santo, o “Parácleto” (Consolador). Será que estou
disposto a fazer uma autoavaliação sincera na luz do que a Palavra de Deus
nos diz?
Cap. 14.1-3
(14.1) “Não se perturbe o coração de vocês. Creiam em Deus; creiam também em
mim. (2) Na casa de meu Pai há muitos aposentos (moradas); se não fosse assim, eu
lhes teria dito. Vou preparar-vos lugar. (3) E se eu for e vos preparar lugar, voltarei e
os levarei para mim, para que vocês estejam onde eu estiver.
Deus não pode ser tirado da nossa vista, pois ninguém jamais O viu.
Pela saída anunciada do Filho, o “ver” se transformará em “não ver
mais”; vem a negatividade, vem a morte como desafio do domínio da fé
no contexto atual (compare Calvino,Com.350f).
... se não fosse assim, eu lhes teria dito. Vou preparar-vos lugar.
356
Embora Jesus até agora (no relato do Evangelista) não literalmente o
houvesse afirmado, já o disse implicitamente em 12,26: “Quem me serve
precisa seguir-me; e, onde eu estou, o meu servo também estará” e em
12,32: “Mas eu, quando for levantado da terra,atrairei todos a mim”.
357
Na Escritura, combinações variadas de concepções diferentes não
são novidade; veja as diferentes concepções dos profetas no AT!
Obs: A história da igreja cristã conhecia essa “sede” pelo martírio durante a
sangrenta perseguição entre 65 e 250 d.C. efetuada pelo Império Romano. Na fé do
povo, os mártires começavam a ocupar o papel de intercessores. A igreja, por sua
vez, começou a desenvolver a ideia do “primat”, isto é, de que os mártires
compravam com seu sangue a entrada imediata no céu (Apoc. 6,9-11). Mais tarde,
mártires foram declarados “dispensados” do purgatório, onde cristãos comuns
pagariam após a sua morte o que lhes faltava para a entrada no céu. Não mais era
suficiente “o sangue do Cordeiro”; veio a ideia da “complementação por graças”,
ideia pagã em roupagem cristã.
A promessa das moradias com Ele, o “estar no lugar onde Ele está”, é
a promessa de ver a glória de Jesus, agora velada, numa existência além
da morte (Lighfoot,Schenke, Neugebauer). Vários intérpretes já veem na
promessa de Jesus (14,2-3) a vinda individual de Jesus a cada um dos
“seus” por ocasião da morte.
358
O “estar em Cristo” e com isso, “a vida eterna”, não é uma posse
garantida que por si só resiste a todas as aflições e investidas do “príncipe
desse mundo”. Ela deve ser provada durante a vida toda através da fé, da
esperança e do amor, do recorrer à graça do perdão (1 João 1,7-2,2) e da
comunhão com irmãos (1 João e,23). Esse “estar em Cristo”, no entanto,
ainda não é o que seremos quando Ele vier (veja Filipenses 3,21).
Cap. 14.4-6
(4) Vocês conhecem o caminho para onde vou”. (5) Disse-lhe Tomé: “Senhor, não
sabemos para onde vais; como então podemos saber o caminho?” (6) Respondeu
Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por
mim.
(4) Vocês conhecem o caminho para onde vou”. (5) Disse-lhe Tomé:
“Senhor, não sabemos para onde vais; como então podemos saber o
caminho?”
360
Primeiro: É o judeu histórico, o homem de Nazaré, que declarou que Ele, e
Ele somente e nenhum outro, era o caminho da verdade e da vida, pelo
qual qualquer pessoa chega ao Pai e o Pai até nós. Passando ao largo,
ninguém chegará ao Pai.
361
A salvação nunca poderá ser definida com a lógica abstrata de
condições necessárias para a sua existência. As igrejas protestantes que
tanto acusam os católicos por sua prática da “justificação pelas obras”,
estão, cada uma a seu modo, erguendo sua própria justificação através de
seu modo de colocar o “dom da graça” na camisa de força de seus dogmas
(e tradições!)
362
-com uma esperança viva. A declaração do verso 14,6, portanto, é
basicamente um chamado à esperança e não uma “vara de disciplina”.
Releia esse texto várias vezes. Faça suas perguntas, se houver dúvidas.
Cap. 14.7-14
(7) Se vocês realmente me conhecessem, conheceriam também o meu Pai. Já agora
vocês o conhecem e o tem visto”. (8) Disse Filipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, e isso
nos basta”. (9) Jesus respondeu: “Você não me conhece, Filipe, mesmo depois de eu
ter estado com vocês durante tanto tempo? Quem me vê, vê o Pai. Como você pode
dizer: ‘Mostra-nos o Pai’? (10) Você não crê que eu estou no Pai e que o Pai está em
mim? As palavras que eu lhes digo não são apenas minhas. Ao contrário, o Pai, que
vive em mim está realizando a sua obra. (11) Creiam em mim quando digo que estou
no Pai e que o Pai está em mim; ou, pelo menos, creiam por causa das mesmas
obras. (12) Digo-lhes a verdade: Aquele que crê em mim fará também as obras que
tenho realizado. Fará coisas ainda maiores do que estas, porque eu estou indo para
o Pai. (13) E eu farei o que vocês pedirem em meu nome, para que o Pai seja
glorificado no Filho. (14) O que vocês pedirem em meu nome, eu farei.
363
Filipe, ignorante quanto a tudo que Jesus acabou de lhe dizer,
parecia pensar em alguma “teofania” (aparecimento de Deus), como aquela
dada aos setenta anciãos em Ex. 24,10, ou ao profeta Isaías em 6,1s.
364
verdade (realidade) com definições, dogmas, cujas deficiências e “efeitos
colaterais” levaram a incontáveis mal-entendidos e até matanças em nome
deles.
Quem não souber expressar e demonstrar o grau de confiança, de
comunhão e amor aos quais alguém (você?/eu?) mesmo fora levado pela
confissão do “vere Deus”, do Deus em Cristo, não pode e não deve falar
como cristão. Sem o êxtase da confiança, da amizade e do amor, não se
propaga “dogmas”. Tão valiosa é a nossa fé!
(10) Você não crê que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As
palavras que eu lhes digo não são apenas minhas. Ao contrário, o Pai,
que vive em mim está realizando a sua obra. (11) Creiam em mim
quando digo que estou no Pai e que o Pai está em mim; ou, pelo
menos, creiam por causa das mesmas obras.
“As obras que eu tenho realizado” e até “coisas ainda maiores do que
estas” – o que Jesus estaria afirmando com essas palavras? Certamente
não seria a concessão de forças sobrenaturais e espetaculares através das
quais os discípulos fariam “obras maiores” do que a ressurreição de
Lázaro. Infelizmente encontramos essa compreensão entre irmãos na fé
que, através dessa interpretação malograda, embarcam para magia e
espetáculos estranhos ao Espírito de Jesus. As “obras maiores” tem seu
caráter definido na descrição dada pelo próprio Jesus: “... obras que eu
tenho realizado”. Não serão obras a serem feitas pelos discípulos, mas
obras daquele que subiria para seu Pai e então lhes concederia as obras
maiores.
365
A afirmação surpreendente de obras maiores após a ida de Jesus ao
Pai tem levado alguns teólogos a apontar o sucesso missionário nos povos
pagãos e sinais e milagres ocorridos como cumprimento da promessa.
Embora essa argumentação tenha alguma base, não nos parece ser esse
seu sentido real. Assim como as obras de Jesus não podiam ser avaliadas
conforme os valores deste mundo, tampouco o poderão as obras maiores
dos discípulos, caso fossem mesmo obras segundo o espírito de Jesus. O
sucesso das obras de Jesus fica evidente somente quando visto pela fé. O
mesmo valerá para as obras maiores dos discípulos.
(13) E eu farei o que vocês pedirem em meu nome, para que o Pai seja
glorificado no Filho. (14) O que vocês pedirem em meu nome, eu farei.
366
As palavras de Jesus em 16,23s: “Naquele dia vocês não me
perguntarão mais nada. Eu lhes asseguro (amém, amém) que meu Pai lhes
dará tudo o que pedirem em meu nome. Até agora vocês não pediram nada
em meu nome. Peçam e receberão, para que a alegria de vocês seja
completa” tornam visível que qualquer oração “em nome de Jesus”
pressupõe sua ida ao Pai. A menção do nome de Jesus é mais do que
“autorização”. A precisão da oração com as palavras “em meu nome” só
pode ser a invocação do Jesus glorificado. Quatro vezes Jesus usou o verbo
no futuro. Isso aponta para um novo aêon, uma nova fase na história da
salvação, ainda por vir. Somente o Jesus glorificado nos é fiador do dom do
Espírito Santo e será Esse que operará do mesmo modo que Jesus
trabalhou. Nenhum homem por si só é capaz de realizar obras para ou em
favor de Deus.
Por mais estranho que possa parecer, Ele usa pessoas, não anjos,
para abençoar a sua vida apontando-lhe Jesus. Somente esse sopro torna
a desprezada Palavra de Deus, a Bíblia, da qual o mundo zomba,
merecedor de crédito.
• Você já ouviu aquilo que somente Deus lhe pode dizer? Que
Ele ama você e que Ele quer que você, pecador(a) torne-se
seguidor(a) de Seu Filho amado ?
Cap. 14.15
367
Se você ama alguém, torna-se óbvio que você procura fazer tudo que
“o amado” lhe pede. Você até procura ler nas entrelinhas para adivinhar o
desejo dele, para logo poder realizá-lo. Fazer o que o amigo lhe pede nunca
será obediência cega - será complementação de uma só vontade.
Se Deus não nos amasse, o verso 15 ficaria dessa forma: Por Eu ser
Deus, você terá que obedecer ao que eu mandar.
Como você tem lido o Evangelho até agora? Você tem lido o
Evangelho, ou tem somente lido os nossos comentários, sem atentar
diretamente ao que João disse?
Poderá ser que você diga assim: “Veja, a Palavra de Deus foi escrita em
idioma que não conheço. Antes de todos os demais, sejam os estudiosos os
primeiros que deverão lê-la”...
Bem, imaginemos então que a carta da amada estaria escrita num idioma
que o amado não conhece, e que não haja por perto ninguém capaz de ajudar
na tradução dela. Talvez ele, o amado, nem queira a ajuda, porque não deseja
que alguém saiba do conteúdo da carta. O que o amado faz? Ele pega um
dicionário, senta-se à mesa e começa a tradução, palavra por palavra, para ver
se consegue entender o que está escrito...
Você vê, o amado está fazendo nas próprias palavras da amada distinção
entre “ler” e “ler”; entre ler com o dicionário e ler a carta da amada
fluentemente, sem nenhum auxílio. O sangue lhe sobe à cabeça de tanta
impaciência enquanto ele, sentado à mesa, se cansa de lutar com o dicionário.
Se algum amigo lhe dissesse que isso era “ler a carta” da amada, ficaria
enfurecido. Agora, ele conseguiu terminar a sua tradução; finalmente ele “lê” a
368
carta da amada. Ele vê todo esse trabalho cansativo e difícil de tradução como o
mal necessário a fim de poder “ler” a carta da amada.
Vemos que o amado fez na carta da amada diferença entre “ler” e “ler”. Em
primeiro plano, ele entendeu que, se a carta continha algum desejo manifestado
pela amada, ele deveria começar imediatamente a cumpri-lo e não perder
nenhum segundo a mais.
Se você for um estudioso, um erudito, preste bem atenção para não ler com
dicionário (pois assim não é ler a Palavra de Deus), esquecendo-se de ler a
Palavra de Deus mesma. Se você for uma pessoa simples, não fique com inveja
dos mais cultos! Alegre-se, pois você poderá ler a Palavra de Deus diretamente,
sem demora e sem escrúpulos. E nessa leitura vale: se houver algum desejo
manifestado, um mandamento ou uma ordem, lembre-se dos amantes... e ande
rapidamente para cumpri-la!
Mas, pode ser que você diga: “Há muitos trechos difíceis na Palavra de
Deus, livros inteiros, misteriosos até”! Aqui quero responder da seguinte forma:
Se eu aceitar esse tipo de argumentação de alguém, a tal argumentação deveria
vir de alguém cuja vida pregressa tem obedecido rigorosamente a todos os
trechos de fácil interpretação. Esse será o seu caso? No caso do nosso amado,
ficaria dessa forma: Mesmo se houvessem trechos de difícil interpretação na
carta que recebeu, junto com trechos claros, ele diria: Devo cumprir
imediatamente aquilo que eu entendi. Como vou me sentar e meditar sobre as partes
escuras e deixar de cumprir aquilo que entendi?!
369
Isso quer dizer: Se você lê a Palavra de Deus, vale o seguinte: Aquilo que
compromete você não são os trechos de difícil interpretação, mas, sim, os que
você entende; e a eles você deve obedecer imediatamente. Se na Palavra inteira
houvesse somente uma (1) só ordem que você entende, você teria que cumpri-la
primeiro, e não primeiro sentar e pensar a respeito das demais que ainda lhe
parecem obscuras. A Palavra de Deus lhe foi dada a fim de que você a
executasse, não a fim de treinamento para a interpretação de trechos difíceis. Se
você não lê a Palavra de Deus dessa forma, obedecendo imediatamente ao
pouco que entende, você não lê a Palavra de Deus!
Mais ainda: se, enquanto eu leio a carta, alguém estranho entra no meu
aposento, eu me sinto perturbado. Por essa razão, antes de começar a ler, eu
cuido de trancar a porta. Não estou disponível para ninguém, pois quero estar
sozinho, tranquilo, junto com a carta. Se não fosse assim eu não poderia ler a
carta da amada. Quero estar sozinho, junto com a carta.
Exatamente assim acontece com a Palavra de Deus; quem não está sozinho
com ela, não lê a Palavra de Deus.
370
... Bem, a gente ainda pode se defender de outra maneira da cobrança da
Palavra de Deus, alegando estar de certo modo a sós com ela; só que isso não
convence. Veja: tome a Palavra de Deus, tranque a porta atrás de você (e pegue
dez dicionários e vinte e cinco comentários: dessa forma, você poderá ler a
Palavra de Deus tão calmamente e descomprometido como se você lesse o jornal
do dia). Caso acontecesse (por mais estranho que isso possa parecer), no exato
momento em que você estivesse se sentido muito bem ao ler um trecho, que
repentinamente lhe surgisse o pensamento: “Será que eu agi desse modo,
obedeci aqui?” (naturalmente isso só acontece enquanto você não está lendo
com todo o rigor científico e distraído por um breve momento), o perigo não
seria tão grande assim... Veja você, há diferentes maneiras de interpretação e,
quem sabe, exatamente neste presente momento, um novo manuscrito está
sendo encontrado em algum lugar... e, assim, - que Deus nos guarde –, existe a
possibilidade de nova interpretação! Cinco teólogos concordam com essa
interpretação, sete com a contrária, e mais quatro tem uma explicação meio
esquisita, enquanto que outros três não têm opinião formada a respeito, ou não
tem nenhuma e, finalmente, eu mesmo também não estou bem certo comigo
mesmo; a minha opinião pessoal é a mesma dos três que não têm opinião
formada, e assim por diante...
Dessa forma, o tal homem não fica tão embaraçado como eu que tenho de
obedecer imediatamente à Palavra ou, então, reconhecer a minha humilhação
através dela. Não, este homem continua contente e diz: “Não tenho nada contra
o que está escrito, farei com toda a certeza o que ela diz – assim que a minha
maneira de ler a Palavra estiver contextualizada e os intérpretes, de alguma
maneira, concordando!” Que triste abuso da erudição! Como ficou fácil ao
homem enganar a si mesmo!...
Devemos estar sozinhos com a Palavra de Deus, assim como o amante queria
ficar sozinho com a carta da amada – pois, do contrário, não seria leitura real da
carta da amada – não seria leitura da Palavra de Deus e não seria “olhar-se no
espelho”... Não devemos observar o espelho, não; devemos olhar-nos a nós
mesmos no espelho (que é a Palavra de Deus). Se você for uma pessoa muito
instruida, lembre-se disso: Se você não ler a Palavra de Deus diferentemente,
pode acontecer que você, que tem lido a cada dia, por muitas horas, a Palavra
de Deus, jamais tenha lido realmente a Palavra de Deus. Faça diferente (fora de
seu “estudo”) e procure ler a Palavra de Deus ou, pelo menos, reconheça
perante você mesmo que, (apesar de seu elevado estudo diário), não está lendo a
Palavra, melhor, que você não quer nada com Deus...
Imagine um país! O rei declara uma lei que vale para toda a população. O
que acontece? Acontece uma misteriosa metamorfose. Todos se transformam
em intérpretes da ordem do Rei. Os funcionários começam a elaborar escritos; a
cada dia aparece uma nova interpretação da lei, cada uma mais erudita, mais
bela, mais maravilhosa, mais poderosa, mais profunda, mais engenhosa que a
anterior; e a crítica que deveria manter a visão do resumo de tudo, não vence a
371
imensa literatura. Mais ainda, ela mesma cresce e incha tanto que não há mais
como discernir entre uma e outra: Tudo virou interpretação! Só que ninguém leu
a declaração do Rei! Não é apenas que tudo tenha virado interpretação, não, ...
mas a ocupação com a interpretação virou o assunto principal, tomou o lugar
da lei do rei.
Toda essa nova ciência avança e se diz com o propósito de ajudar a entender
melhor a Palavra de Deus! Contudo, olhe mais de perto e você vai ver que ela
serve para defender-se da Palavra de Deus... A meu ver, é humano teimar, opor-se
à Palavra, não querer que ela tome o poder sobre nós. Se ninguém mais quer
confessar isso, eu o confesso, eu mesmo ajo assim! ...
Caro leitor dos Estudos de João, por que será que julgamos
apropriado encaixar esse recorte de Sören Kierkegaard nos nossos Estudos?
372
Cap. 14.15-24
(15) Se vocês me amam, obedecerão aos meus mandamentos. (16) Eu pedirei ao Pai,
e ele lhes dará outro Conselheiro para estar com vocês para sempre, (17) o Espírito
da verdade. O mundo não pode recebê-lo, porque não o vê nem o conhece. Mas
vocês o conhecem, pois ele vive com vocês e estará em vocês. (18) Não os deixarei
órfãos; voltarei para vocês. (19) Dentro de pouco tempo, o mundo não me verá mais;
vocês, porém, me verão. Porque eu vivo, vocês também viverão. (20) Naquele dia
compreenderão que estou em meu Pai, vocês em mim, e eu em vocês. (21) Quem
tem os meus mandamentos e lhes obedece, esse é o que me ama. Aquele que me
ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me revelarei a ele. (22) Disse
então Judas, (não o Iscariotes): “Senhor, mas porque te revelarás a nós e não ao
mundo?” (23) respondeu Jesus: “Se alguém me ama, guardará (obedecerá) à minha
palavra. Meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos morada nele. (24) Aquele que
não me ama não obedece às minhas palavras. Estas palavras que vocês estão
ouvindo não são minhas; são de meu Pai que me enviou.
(16) Eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Conselheiro para estar
com vocês para sempre, (17) o Espírito da verdade.
374
O termo “mundo” abrange todos os seres humanos. “Nós” não temos
um órgão natural capaz de detectá-lo. O “mundo” somente perceberá o
fruto desse Espírito (Santo) em determinadas pessoas. Sem este
testemunho não haverá como “o mundo” atentar à realidade da fé cristã.
Você se lembra da declaração de Jesus: “Amem-se uns aos outros. Como eu
vos amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão
que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros”
(13.34,35)? Será que é isso que o mundo percebe quando olha aos que se
denominam “discípulos de Jesus”, cristãos, afinal? Temo que não. Não há
um testemunho geral e verídico da nossa identificação com Jesus na igreja
que se autodenomina pelo seu nome. É um fato preocupante.
“... o mundo não o vê nem o conhece” não diz que ninguém pode vir a
crer, mas condiciona esse “ir a Jesus” ao testemunho que “os Seus” estão
dando perante o mundo. Podemos, então, obstruir totalmente o caminho
para Deus? Felizmente não. É o próprio Pai que está atraindo pessoas,
como você e eu, mas o mau testemunho dos que se chamam cristãos pode
dificultar ou até abortar aquele “sopro”, que está sobre todos os homens
(3,8). No mais, como alguém, atraído por Deus, poderá crescer sem o vivo
testemunho de outros que, há mais tempo, estão “no caminho”?
375
(18) Não os deixarei órfãos; voltarei para vocês. (19) Dentro de pouco
tempo, o mundo não me verá mais; vocês, porém, me verão. Porque
eu vivo, vocês também viverão. (20) Naquele dia compreenderão que
estou em meu Pai, vocês em mim, e eu em vocês.
Uma vez que Jesus não estará mais presente como sujeito do amor,
o amor para com Ele somente poderá ser comprovado pela observação de
“Seus mandamentos”. Somente através do amor mútuo e incondicional do
“novo mandamento”, os discípulos agora sozinhos, poderão demonstrar
seu amor para com Jesus. O amor exigido não é limitado aos “do grupo”,
como pode parecer, quando falamos do amor mútuo. Como veremos em
20,21s, a missão dos discípulos alcançará a todos. Seguir não é ir atrás de
376
alguém. Seguir é ir no lugar daquele a quem se segue. Em 20,21s isso fica
evidente. Os discípulos irão no lugar de Jesus, com a autoridade
concedida pelo Parácleto presente. Quem obedecer no amor ao seu
próximo, aquele será amado por meu Pai, e também Jesus o amará e se
revelará a ele (21). Revelar significa “mostrar-se” ou “abrir-se para com
alguém”.
377
Judas, pensando na epifania-teofania (aparecimento de Deus) para
julgamento do mundo, não compreendeu o sentido de volta de Jesus,
ignorada pelo mundo.
• Não pensem que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas
espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha
e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim, os inimigos do homem
serão os da sua própria casa. Quem ama o seu pai ou a sua mãe
mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua
filha mais do que a mim, não é digno de mim; e quem não toma a sua
cruz e vem após mim não é digno de mim. Quem acha a sua vida,
perdê-la-á; quem, todavia, perde a vida por minha causa, achá-la-á
(Mat. 10,34s).
378
Obediência a Jesus não é legalismo; é relacionamento de amor. Jesus
não veio trazer religiosidade medíocre. A mediocridade, a hipocrisia
espiritual e a neurose de correr atrás da aprovação do mundo acabam com
o testemunho cristão.
Cap. 14.25-31
(25) Tudo isso lhes tenho dito enquanto ainda estou com vocês. (26) Mas o
Conselheiro, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, lhes ensinará todas
as coisas e lhes fará lembrar tudo o que eu lhes disse. (27) Deixo-lhes a paz; a minha
paz lhes dou. Não a dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem
tenham medo. (28) Vocês me ouviram dizer: Vou, mas volto para vocês. Se vocês me
amassem, ficariam contentes porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu.
(29) Isso eu lhes digo agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vocês
creiam. (30) Já não lhes falarei muito, pois o príncipe deste mundo está vindo. Ele
não tem nenhum direito sobre mim. (31) Todavia é preciso que o mundo saiba que
eu amo o meu Pai e faço o que meu Pai me ordenou. Levantem-se, vamos-nos daqui!
(25) Tudo isso lhes tenho dito enquanto ainda estou com vocês. (26)
Mas o Conselheiro, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome,
lhes ensinará todas as coisas e lhes fará lembrar tudo o que eu lhes
disse.
379
Não havia necessidade de lembrar literalmente as sentenças de
Jesus (embora muitas delas tenham sido gravadas na mente dos
discípulos). O Espírito da Verdade instrui de uma forma que nunca entra
em contradição com as palavras de Jesus. Nisso conhecemos a inspiração
que vem de Deus, quando ela condiz com o que temos escrito sobre Sua
Palavra.
(27) Deixo-lhes a paz; a minha paz lhes dou. Não a dou como o mundo
a dá.
Na época de Jesus, a saudação que se fazia ao partir, consistia nas
seguintes palavras “Vá em paz!” (Marcos 5,34; Lucas 7,50;8,48). Jesus não
desejou “a paz” aos Seus, ao se despedir deles. A “paz” como saudação
(que o mundo dá) é vaga, palavra vazia que, posta à prova, subitamente se
esvai. Jesus não nos deseja a paz; Ele nos concede Sua paz como legado. A
maneira como Jesus consolou Seus seguidores angustiados é testemunha
de sua paz, a qual tinha sua raiz no Seu relacionamento íntimo com Seu
Pai, Deus. Essa paz Ele deixou como legado para os Seus; também para
você e para mim. Nesta paz, vinda do relacionamento com Seu Pai, Jesus
venceu a Sua angústia frente ao que sabia ser necessário nas horas
seguintes.
380
momento em que você se entrega a Jesus e realmente precisa dEle para
viver, você não mais duvida. Sem essa segurança, você não será capaz de
viver a vida como seguidor de Jesus!
(29) Isso eu lhes digo agora, antes que aconteça, para que, quando
acontecer, vocês creiam.
381
(30) Já não lhes falarei muito, pois o príncipe deste mundo está vindo.
Ele não tem nenhum direito sobre mim.
João sabia que o inimigo, Satanás (diabolos), não tinha direito sobre
Jesus por Este ter permanecido na comunhão íntima com o Pai, sendo Um
com Ele (e, quando escreveu seu Evangelho, João já tinha compreendido
isso).
O Evangelista João nada nos relata de uma posterior luta íntima de
Jesus no jardim Getsêmani (como o temos em Marcos 14,32-42; Mateus
26,36-45). Os estudiosos, em geral, veem nesse fato uma tendência do
nosso Evangelista, que escreveu para sua Igreja desprezada e aflita, de ter
o cuidado de passar a imagem de Jesus forte, vencedor. Por essa razão, ele
deixou de lado os momentos onde o homem Jesus, como ser humano,
demonstrou grande aflição e medo. O velho João, quando escreveu, já
conhecia Jesus como glorificado. Não sabemos se, a essa altura, seu exílio
na ilha de Patmos já pertencia ao passado. Em Patmos, João viu Jesus
como o Cordeiro Vencedor. Não lhe fazia sentido dar ênfase aos momentos
de aflição que Jesus Nazareno passou aqui na terra. O que traria conforto
para os cristãos das comunidades joaninas era a visão de Jesus Vencedor
(Apoc.caps.5 e 22).
382
Hoje, Jesus não pede que nos lembremos de seus sofrimentos com
choro e clamor. Aquilo que Ele quer de mim e de você continua ser aquilo
que pediu de seus discípulos: Obediência como demonstração de amor.
Para tornar possível a obediência a um Cristo glorificado junto ao Pai,
temos que nascer de novo. Temos que mudar de Senhor se quisermos
serví-lo. Para trilhar em direção à perdição, é suficiente que sejamos nós
mesmos o nosso próprio dono. Você se lembra do capítulo 3º de João? Se
não nascermos de novo não podemos nem ver nem entrar no Reino de
Deus, isto é, na esfera do domínio de Deus. Como é difícil abdicar dos
direitos sobre si mesmo numa cultura que declara o homem dono de si
mesmo!
Glória a Deus! Deus continua sendo o mesmo que Jesus conhecia
como Pai; assim, a entrega dos nossos direitos a Ele permanece possível.
(31) Todavia é preciso que o mundo saiba que eu amo o meu Pai e faço
o que meu Pai me ordenou. Levantem-se, vamos-nos daqui!
Ainda faltava obediência ao Pai até o fim. Lemos, às vezes, que Jesus
veio com a tarefa de morrer na cruz. Pensar dessa forma mostra uma
simplificação perigosa da pessoa do nosso Salvador. O ministério de Jesus
consistia numa obediência permanente a seu Pai e o caminho de Jesus foi
clareando paulatinamente, na medida em que Ele obedecia (14,10s). A
visão do ministério que Jesus tinha na hora de Seu batismo não era a
mesma que tinha na última ceia, junto com os seus seguidores. Permitir
ser imolado como um cordeiro, assumindo o lugar de qualquer pecador,
isto é, “de todos”, e reconhecer isso como vontade do Pai, foi o clímax do
seu ministério; e a demonstração de obediência perante o mundo (... é
preciso que o mundo saiba...).
383
• Outros pensam em uma troca de textos; alguma incoerência na
ordem dos acontecimentos e palavras (Bultmann); outros levantam a
hipótese de que seguidores de João teriam composto os três
capítulos e encaixados a esta altura (Schnackenburg).
• Finalmente há quem considere os três capítulos como “pós-redação”
da igreja primitiva. Estes até alegam poder reconhecer três autores
distintos, embora desconhecidos (Becker).
• O amor verdadeiro para com Deus não transformará você num cego e
burro, não. Ele espantará o medo; o medo não tem mais lugar.
Cap. 15.1
(15.1) Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor.
384
No Antigo Testamento (AT), a videira (pé de uva) é um símbolo
comum para Israel, o povo da aliança com Deus: Sl.80,9-16); Is.5,1-7;
27,2ss; Jr 2,21; 12,10ss; Ez 15,1-8; 17,1-21; 19,10-14; Os 10,1-2. Confira!
385
autores recentes a chamá-la de “mâsâl” (dito sábio ou enigmático,
contendo uma verdade escondida) em vez de parábola.
386
Jesus entra como “videira verdadeira” no lugar de Israel,
considerada como videira de fruto podre. Assim como Jesus (10,11) é
apresentado como “o bom pastor” em contraste com os maus pastores (os
mercenários), temos em Jesus nada menos que uma substituição salvífica
(lembre-se da substituição em Marcos 12,9).
387
selada por sua morte em favor deles, completa-se pelo amor e obediência
receptivos dos crentes, e é a essência do cristianismo”(Barret, cit.em
Carson).
Não devemos nos surpreender se encontrarmos na (boa) literatura
católica tudo ou quase tudo relacionado com a eucaristia. Essa é a “arma”
da Igreja Romana, com a qual ela mantém os seus adeptos como
dependentes de si mesma. A união com Cristo, no entanto, não acontece
através da eucaristia. Esta união, celebrada de acordo com a Palavra do
Novo Testamento, é a boa confissão da obra consumada de Cristo e nada
podemos acrescentar a ela, nem repeti-la “sem sangue”, como se procede
nas missas dominicais ou não. Este ponto de vista é o que, na realidade,
nos separa e o que causa muito pesar não somente a nós. Entristecemos a
Jesus e ao Espírito Santo, que nos foi dado para unir e não para separar.
• Vamos?
Cap. 15.1-8
(15.1) Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. (2) Todo ramo que, estando
em mim, não dá fruto, ele corta; e todo que dá fruto ele poda, para que dê mais
fruto ainda. (3) Vocês já estão limpos, pela palavra que lhes tenho falado. (4)
Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês. Nenhum ramo pode dar fruto
por si mesmo, se não permanecer na videira. Vocês também não podem dar fruto, se
não permanecerem em mim. (5) Eu sou a videira; vocês são os ramos. Se alguém
permanecer em mim e eu nele, esse dará muito fruto; pois sem mim vocês não
podem fazer coisa alguma. (6) Se alguém não permanecer em mim, será como o
ramo que é jogado fora e seca. Tais ramos são apanhados, lançados ao fogo e
queimados. (7) Se vocês permanecerem em mim, e as minhas palavras
permanecerem em vocês, pedirão o que quiserem, e lhes será concedido. (8) Meu Pai
é glorificado pelo fato de vocês darem muito fruto; e assim serão meus discípulos.
(15.1) Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. (2) Todo ramo
que, estando em mim, não dá fruto, ele corta; e todo que dá fruto ele
poda, para que dê mais fruto ainda.
388
O Evangelista aponta para as duas funções contraditórias do Pai
(podando/ cortando) e ao futuro contraditório dos respectivos ramos (dar
fruto/sendo cortado e queimado).
Não é bem isso que certo “bispo” de uma Igreja está prometendo aos
seus fiéis. Lemos em “O poder sobrenatural da fé” de sua autoria: “A
salvação eterna, as bênçãos físicas, financeiras, espirituais e o louvor são
os direitos (!) dos filhos de Deus...o propósito de Deus é que a vida fosse
vivida em abundância, com todos os seus direitos e privilégios, sem
nenhuma forma de aflição, angústia ou preocupação... que a vida não
tivesse nenhum tipo de interrupção provocada por doenças, enfermidades,
dores, enfim, qualquer tipo de sofrimento ou morte...”(pág.70). A qual dos
dois autores, João ou o “bispo”, você dá crédito?
Segundo: Jesus diz que o Pai corta todo ramo que, “estando em
mim”, não dá fruto, isto é: Ele se livra da madeira morta, para que os
ramos vivos e produtivos possam ser claramente distinguidos deles e
possam ter mais espaço para crescer.
389
Somos ligados à videira? O ramo frutífero não está ligado
ocasionalmente, por uma hora semanal, à videira. Vinte e quatro horas
por dia - dia e noite -, ele está ligado. Assim, para um discípulo não há
apenas determinadas horas de comunhão e sendo o resto somente “vida
normal”. A metáfora não deixa meio-termo. Somente ligados
permanentemente produzimos o fruto que Deus quer ver em nós (Salmo
1,2).
Alguns escritores populares (seguindo a A.W.Pink) procuram sugerir
que ramos sem fruto, ao invés de serem cortados, são “erguidos do chão”.
Eles argumentam que “cortar ramos que estavam nele” não condiz com a
declaração de Jesus em 6,37: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a
mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora”. Esses escritores
modernos afirmam que a palavra “airô” que consta nessa passagem não
significa ‘corta’ (NVI) e sim, “ergue” (do chão) – isto é, os ramos sem fruto
são ‘erguidos’ para que possam ser expostos ao sol que lhes foi negado e,
assim se tornem ricamente frutíferos. Entretanto, nas vinte e quatro vezes
que a palavra “airô” aparece no Evangelho, somente em oito casos essa
interpretação é lícita (Carson). Mais ainda, no contexto da vinicultura esse
“erguer do chão” não existe. Ramos sem fruto são cortados. Trata-se,
portanto, de uma tentativa de negar de certa forma o julgamento do ramo
sem fruto – algo que a metáfora, em si, não permite.
(3) Vocês já estão limpos, pela palavra que lhes tenho falado.
O poder purificador da palavra que Jesus falou a seus discípulos é
equivalente à vida da videira, pulsando através dos ramos. À Palavra
(logos) de Jesus não é atribuído nenhum poder mágico. Ao contrário, o que
se quer dizer é que o ensino de Jesus, em sua completude, incluindo o que
Ele é e o que Ele fez (visto que Ele é o logos encarnado) já começou a ter
um efeito definido na vida desses seguidores.
390
por não permanecer ligado à videira; mas responsabilizar o cristão
podemos. A ideia é clara: a dependência contínua na videira permite ao
ramo a assimilação de vida; no caso do cristão, essa permanência é o sine
qua non da frutificação espiritual. O crescimento é interno, dirigido pela
vida pulsante da videira no ramo; somente esse tipo de crescimento produz
fruto agradável a Deus.
391
fazer coisa alguma. (6) Se alguém não permanecer em mim, será como
o ramo que é jogado fora e seca. Tais ramos são apanhados, lançados
ao fogo e queimados.
392
Veja o que a “Teologia da Prosperidade” diz quanto à permanência
em Jesus e a nossa condição de realizar algo independentemente da
videira:
“A mente de Cristo ou a Palavra de Deus não somente cria uma unidade
de fé, mas também nos faz participantes da natureza divina, permitindo-
nos ter o direito de pensar e agir livremente, de acordo com a nossa
própria vontade. A mente de Cristo não nos impõe qualquer restrição, ou
obriga a qualquer atitude contrária à nossa... Ele nos enche de condições,
liberdade e direção, através do Seu Espírito, para que cada um venha a
promover a sua própria plenitude de vida, mediante seu próprio esforço
neste sentido” (pág 69/81.O Poder sobrenatural da Fé).
Sem mim vocês não podem fazer coisa alguma (15,5). Será que Cristo é
Posto de Gasolina, onde abastecemos a fé para depois, por nossa livre e
espontânea vontade, desenvolvermos mediante o nosso próprio esforço O
QUÊ?
Enquanto o “bispo” citado oferece...
... a salvação eterna, as bênçãos físicas, financeiras, espirituais e o
louvor são os direitos dos filhos de Deus...o propósito de Deus são que a
vida fosse vivida em abundância, com todos os seus direitos e privilégios,
sem nenhuma forma de aflição, angústia ou preocupação... que a vida
não tivesse nenhum tipo de interrupção provocada por doenças,
enfermidades, dores, enfim, qualquer tipo de sofrimento ou morte...
O verso oito retorna ao que foi dito no verso um: Meu Pai é o
agricultor, o “lavrador”. Somente Ele, o Pai, elimina tudo que for infrutífero
e torna o que dá fruto, podando-o, mais frutífero ainda. Como Pai amoroso
Ele ouvirá as orações daqueles que permanecem ligados à videira. Não é a
glorificação do Filho, já consumada pelo Pai (o Evangelho foi escrito muito
393
após a Páscoa), mas a glorificação do Pai que acontece enquanto nós, como
discípulos, permanecemos ligados na videira, que é Cristo, dando muito
fruto. A frutificação traz glória para o Pai através do Filho. Assim, tanto os
leitores de João na sua época quanto nós hoje, devemos considerar o fato
de que deixar de honrar o Filho é deixar de honrar a Deus (5,23). Ausência
de fruto não só é prenúncio de fogo e julgamento, como também tira de
Deus a glória que lhe é devida. Podemos, finalmente, parafrasear o verso
oito da seguinte maneira: “Dar fruto é para a glória de meu Pai, e (assim)
vocês serão meus discípulos”(Carson).
Cap. 15.9-13
(9) Como o Pai me amou, assim eu vos amei; permaneçam no meu amor. (10) Se
vocês obedecerem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim
como eu tenho obedecido aos mandamentos de meu Pai e em seu amor permaneço.
(11) Tenho lhes dito estas palavras para que a alegria de vocês seja completa. (12) O
meu mandamento é este: Amem-se uns aos outros como eu os amei. (13) Ninguém
tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos.
394
está “tentando seguir a Jesus” e tem dúvidas se você vai conseguir ou não,
leia esta Carta. Ela se encontra poucas páginas antes do Apocalipse de
João, no final do Novo Testamento. Veja o que dela comentamos:
“... Aquele que diz: “Eu o conheço”, mas não obedece aos seus
mandamentos, é mentiroso, e a verdade não está nele. Mas, se alguém
obedece à sua palavra, nele verdadeiramente o amor de Deus está
aperfeiçoado... aquele que afirma que permanece nele, deve andar
como Ele andou”(1 João 12,4-6).
“Se andarmos na luz, como Ele está na luz, temos comunhão uns com
os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado”.
Se afirmarmos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos,
e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, Ele
é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda
a injustiça. Se afirmarmos que não temos cometido pecado, fazemos
de Deus um mentiroso, e a sua palavra não está em nós. Meus
filhinhos, escrevo-lhes estas coisas para que vocês não pequem. Se,
porém, alguém pecar, temos um intercessor junto ao Pai, Jesus Cristo,
o Justo”. Ele é a propiciação ( intercessão) pelos nossos pecados, e não
somente pelos nossos, mas também pelos pecados de todo o mundo”
(1 João 1,7-2,2).
“Posso testemunhar que eles têm zelo por Deus, mas o seu zelo não se
baseia no conhecimento. Porquanto, ignorando a justiça que vem de
Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se submeteram à
395
justiça de Deus. Porque o fim da Lei é Cristo, para a justificação de
todo o que crê (Romanos 10,2-4).
(11) Tenho lhes dito estas palavras para que a alegria de vocês seja
completa.
Em 14,27, Jesus prometeu aos Seus a Sua paz e insistiu que eles
permaneçam no amor dele (15,10); e agora Ele lhes promete a alegria Dele.
Jesus insiste que Sua própria obediência ao Pai é a base de Sua alegria e
Ele promete que aqueles que O obedecem partilharão da mesma alegria. O
propósito de Jesus, ao estabelecer essas exigências, é que a alegria deles
seja completa. Confira como o velho Apóstolo, mais tarde, escreveu para
sua igreja em 1ª João,1,4: “Escrevemos estas coisas para que a nossa
alegria seja completa”. O Apóstolo, a essa altura, já conhecia essa alegria e
a compartilhou com seus irmãos.
396
este serviço necessário), Jesus os lembrou que o servo não está acima de
seu Senhor (13,16 igual a Mateus 10,24).
(13) Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos
seus amigos.
397
Em contextos diferentes encontramos Jesus ordenando a seus
discípulos o amor pelos inimigos (Mateus 5,43-47). O Apóstolo Paulo, por
sua vez, testemunha que os inimigos de Deus foram reconciliados com Ele
pela morte de Seu filho (Romanos 5,8-10). No contexto de tal sacrifício, o
“amor rebaixa seu próprio nível se ele começa a perguntar quem é meu
amigo e quem é meu inimigo” (Loyd).
• Como você ama? Você faz distinção? Quem “merece” seu amor? Seu
“reservatório de amor” está com nível baixo?
Cap. 15.14-16
(14) Vocês serão meus amigos, se fizerem o que lhes ordeno. (15) Já não os chamo
servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz. Em vez disso, eu os tenho
chamado amigos, porque tudo que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido. (16)
Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto que
permaneça, a fim de que o Pai lhes conceda o que pedirem em meu nome.
398
como seu amigo (João 11,11), Ele não é chamado de amigo de Lázaro. Nas
Escrituras, Deus e Jesus jamais são referidos como “amigo” de qualquer
pessoa. Eles continuam sendo Deus.
Obviamente, isso não quer dizer que Deus ou Jesus seja um “não
amigo”. Se a amizade for medida estritamente na base de quem ama mais,
pecadores culpados não podem encontrar amigo melhor e mais verdadeiro
que no Deus Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, e do que no Filho que Ele
enviou. No entanto, a amizade mútua e recíproca do tipo moderno não está
em questão e não pode existir sem rebaixar a Deus (Carson). Aqui cabe
lembrar os diferentes nomes incoerentes atribuídos a Deus nas
comunidades modernas, como “chefe”, “amigão”, “aquele lá em cima” e
outros absurdos.
O cristianismo primitivo não assimilou a qualificação de amigo de
Deus; ela ficou restrita ao movimento “gnóstico”. Ali, ela continuou sendo
usada para designar aqueles aos quais o ‘iluminador’ viesse para trazer
“conhecimento”.
(15) Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu
senhor faz. Em vez disso, eu os tenho chamado amigos, porque tudo
que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido.
Os termos “Já não...” não devem ser interpretados como se, “antes”,
Jesus já tivesse chamado Seus discípulos de “servos” no seu sentido
literal, e o qual significa escravos, ou os tenha tratado tal qual escravos
fazendo parecer que Ele se distanciava do que havia dito em 13,13, e,
através da declaração acima, somente agora torna amigos Seus “servos”.
Pois tudo que Ele ouviu de Seu Pai não somente passou aos Seus
discípulos; mas Ele o fez desde o primeiro dia do chamado de cada um.
399
As palavras “já não...” não acrescentam um significado histórico-
salvífico. Em tempos passados, o povo da aliança de Deus não era
informado do plano de salvação de Deus como acontece de maneira plena
nesse momento concedido aos discípulos de Jesus. Embora haja muitas
coisas que eles não conseguem entender nessa limitação (16,12), Jesus
disse a eles tudo o que Ele aprendeu com Seu Pai. O Parácleto que Jesus
enviaria, completará, após a crucificação e a ressurreição, a revelação
relacionada à pessoa e obra de Cristo (14,26 e 16,12-15), deixando assim
os discípulos de Jesus mais informados, mais privilegiados e
compreendendo mais que quaisquer crentes que vieram antes (Carson);
confira 1 Pedro 1,10-12.
400
Quanto às Igrejas exclusivistas (= só nós entramos no céu!) de hoje,
sejam elas a Católica Romana, ou as Evangélicas, como, por exemplo a
“Congregação Cristã no Brasil”, ou seitas, como os “Testemunhas de Jeová”
e outras mais, lembremo-nos de que quem definirá o ser membro de Cristo
ou não, não somos nós, mas é Ele.
Cap. 15.17-26
(17) Este é o meu mandamento: Amem-se uns aos outros. (18) Se o mundo os odeia,
tenham em mente que antes me odiou. (19) Se vocês pertencessem ao mundo, ele os
amaria como se fossem dele. Todavia, vocês não são do mundo, mas eu os escolhi,
tirando-os do mundo; por isso, o mundo os odeia. (20) Lembrem-se das palavras que
eu vos disse: Nenhum escravo é maior do que o seu senhor. Se me perseguiram,
também perseguirão vocês. Se obedeceram à minha palavra, também obedecerão à
de vocês. (21) Tratarão assim vocês por causa do meu nome, pois não conhecem
aquele que me enviou. (22) Se eu não tivesse vindo e lhes falado, não seriam
culpados de pecado. Agora, contudo, eles não têm desculpa para o seu pecado. (23)
Aquele que me odeia, também odeia o meu Pai. (24) Se eu não tivesse realizado no
meio deles obras que ninguém mais fez, eles não seriam culpados de pecado. Mas
agora eles as viram e odiaram a mim e a meu Pai. (25) Mas isto aconteceu para se
cumprir o que está escrito na Lei deles: ‘Odiaram-me sem razão’. (26) Quando vier o
conselheiro, que eu enviarei a vocês da parte do Pai, o Espírito da verdade que
provêm do Pai, ele testemunhará a meu respeito.
401
Não mais de dez dias nos separam daquele momento. Quão intensos
foram os últimos dias, e quantas realidades espirituais o Senhor havia
revelado ao seu grupo que já não mais contava com Judas Iscariotes.
Encontramo-nos a poucas horas da prisão de Jesus. Vimos nas leituras
anteriores como, assustados e inseguros, os Onze começaram a considerar
a possibilidade de que seu amado Senhor, de alguma forma, os deixaria
sozinhos. A insegurança quanto ao futuro estava invadindo os seus
corações.
Nós, que lemos o Evangelho, ao contrário dos Onze, sabemos dos
acontecimentos que vieram como um vendaval sobre o pequeno grupo, e
que nem sequer lhes fora possível formar uma ideia concreta sobre o que
estava acontecendo. Sabemos que o grupo se separou em fuga
desesperada quando Jesus foi preso. Sabemos do túmulo vazio, do susto e
das aparições do Ressuscitado durante quarenta dias; sabemos da
manifestação na vinda do prometido “Parácleto” quarenta dias mais tarde
e como este evento transformou os Onze. Entretanto, os Onze nada sabiam
de tudo isso.
402
Na sua “Primeira Carta”, o Apóstolo advertiu os seus
contemporâneos: “Meus irmãos, não se admirem se o mundo os odeia” (1
João 3,13). João entendeu “o mundo” (kosmos) no sentido mais amplo,
como “ordem moral criada em ativa rebelião contra Deus”. Os seguidores
de Cristo serão e estão sendo odiados porque estão ligados àquele que é
supremamente odiado. Se os seguidores de Jesus tiverem o testemunho de
obediência e frutificação, causarão o mesmo efeito sobre o mundo tal qual
o de seu mestre. Eles serão vistos como estranhos a este mundo.
(21) Tratarão assim vocês por causa do meu nome, pois não conhecem
aquele que me enviou. As possíveis reações aos discípulos de Jesus,
sejam elas para o bem ou sejam para o mal, por fim não dependem de
quem eles são, e sim, de quem Jesus é para eles.
403
seu Evangelho, encontra dificuldades na resposta à pergunta formulada
por Bonhoeffer: “Quem, afinal, é Cristo para nós hoje?”
Tenha o povo reconhecido isso ou não, a obra de Jesus não era nada
menos que a obra de Deus: nas suas palavras, as palavras de Deus eram
ouvidas (5,19ss) e, nas Suas obras, a atividade de Deus era vista (4,34).
Em Jesus, o próprio Deus era visto (14,9). Jesus era de tal forma ligado a
seu Pai, tanto em Sua pessoa quanto em Suas obras, que toda atitude
dirigida a Ele é simultâneamente dirigida a Deus. As pessoas do mundo
não têm pretexto para seu pecado!
Qualquer que seja o pretexto que o mundo possa ter conjurado para
justificar seu mal antes da vinda de Cristo, ele o perdeu totalmente no
momento em que essa revelação sublime veio da parte do próprio Deus. Os
responsáveis, tanto no tempo de Cristo como hoje em dia, preferem
404
continuar a “representar o sacrifício”, eles mesmos, diariamente, igual ao
Antigo Testamento, ao invés de aceitarem a obra de Cristo, realizada de
uma vez por todas em nosso favor (confira Hebreus 7,26ss). Temos
dificuldades em reconhecer que ELE ministrou o perdão por nós de uma
vez por todas; preferimos nós mesmos resolver, ministrar ou intermediar a
questão com Deus e até, negar-lhe a necessidade de reconciliação,
ignorando a realidade do pecado, declarando-a virtude ou opção.
(25) Mas isto aconteceu para se cumprir o que está escrito na Lei
deles: ‘Odiaram-me sem razão’.
405
Cap. 15.27 - 16.4a
(27) E vocês também testemunharão, pois estão comigo desde o princípio. (16.1) Eu
lhes tenho dito tudo isso para que vocês não venham a tropeçar. (2) Vocês serão
expulsos das Sinagogas; de fato, virá o tempo quando quem os matar pensará que
está prestando culto a Deus. (3) Farão essas coisas porque não conheceram nem o
Pai, nem a mim. (4) Estou lhes dizendo isto para que, quando chegar a hora,
lembrem-se de que eu os avisei.
(16.1) Eu lhes tenho dito tudo isso para que vocês não venham a
tropeçar
O maior perigo que os discípulos (de Jesus) enfrentarão em relação à
oposição do mundo não é a morte e, sim, a apostasia – a perda da fé. Os
seguidores não devem ficar escandalizados (lit. ‘skandalon) se o mundo
reagir com oposição ao seu testemunho de quem é Jesus.
... de fato, virá o tempo quando quem os matar pensará que está
prestando culto a Deus.
(3) Farão essas coisas porque não conheceram nem o Pai, nem a mim.
407
cumpre fielmente a profecia de Kierkegaard (filósofo dinamarquês), ao
mesmo tempo em que procura manipular verdades e mitos, apresentando
a pessoa de Jesus e a fé nEle (não Deus!) como a causa de toda desgraça
humana. É o testemunho de Jesus que ainda hoje causa oposição e
blasfêmias sem fim (“Código Da Vinci” e centenas de obras semelhantes).
A própria Igreja é ridicularizada, até mesmo porque ela faz tudo para
merecer este tratamento. O atual supremo “Administrador da Igreja”,
quando ainda era bispo, lamentou com muita razão: “Assim, a Igreja de
hoje, ela mesma, se tornou o maior obstáculo para a fé de muitos que só
conseguem enxergar nela a busca humana de poder, o espetáculo
mesquinho daqueles que, nela, com a sua alegação de administrar o
cristianismo, representam o maior obstáculo para o espírito verdadeiro do
cristianismo” (J.Ratzinger. Introdução ao cristianismo, 1968).
(4) Estou lhes dizendo isto para que, quando chegar a hora, lembrem-
se de que eu os avisei.
Cap. 16.4b - 11
(4b) Não lhes disse isso, porque eu estava com vocês. (5) Agora que vou para aquele
que me enviou, nenhum de vocês me pergunta: “Para onde vais?” (6) Porque falei
estas coisas, o coração de vocês se encheu de tristeza. (7) Mas eu lhes afirmo que é
para o bem de vocês que eu vou. Se eu não for, o Conselheiro não virá para vocês;
mas se eu for, eu o enviarei. (8) Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da
justiça e do juízo. (9) Do pecado, porque os homens não creem em mim; (10) da
justiça, porque eu vou para o Pai, e vocês não me verão mais; (11) e do juízo, porque
o príncipe deste mundo já está condenado.
408
O verbo usado no tempo passado “eu estava ...” indica que Jesus
tinha em mente a iminente separação.
(5) Agora que vou para aquele que me enviou, nenhum de vocês me
pergunta: “Para onde vais?”
409
conversando com Ele. O próprio Jesus insiste que seria melhor viver após
a vinda do Espírito. Ele estaria com eles em qualquer lugar, não mais
limitado a uma única localidade.
410
(9) ... do pecado, porque os homens não creem em mim; ...
Assim, como Jesus forçou uma divisão no mundo (15.20),
mostrando que o que o mundo faz é mau, da mesma forma o Parácleto
continua essa obra, primeiramente através do testemunho dos Discípulos.
A incredulidade não produz apenas a condenação (3,18,36), mas também
a ignorância intencional de sua necessidade. O Espírito Santo enfatiza o
pecado do mundo apesar da incredulidade do mesmo; Ele declara o
mundo culpado de pecado porque eles não creem em Jesus.
... porque eu vou para o Pai, e vocês não me verão mais; ...
A razão pela qual o Parácleto declara o mundo culpado na sua
justiça é porque Jesus está indo para o Pai. Enquanto Jesus viveu, foi Ele
que mostrou o vazio das pretensões do mundo. Foi Ele que expôs, através
de Sua luz, a escuridão: “Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os
homens amaram mais as trevas e não a luz, porque as suas obras eram
más” (3,19). A obra do Parácleto continuará a expor este julgamento, uma
vez que Jesus não mais está presente. Quem são aqueles que não mais o
verão? As palavras são dirigidas aos Discípulos, aos Onze. A partir de
então, eles serão responsáveis pelo testemunho do julgamento.
411
Cap. 16.12-15
(12) Tenho ainda muito que lhes dizer, mas vocês não o podem suportar agora. (13)
Mas quando o Espírito da verdade vier, ele os guiará a toda a verdade. Não falará de
si mesmo; falará apenas o que ouvir, e lhes anunciará o que está por vir. (14) Ele me
glorificará, porque receberá do que é meu e o tornará conhecido a vocês. (15) Tudo o
que pertence ao Pai é meu. Por isso eu lhes disse que o Espírito receberá do que é
meu e o tornará conhecido a vocês.
(12) Tenho ainda muito que lhes dizer, mas vocês não o podem
suportar agora. (13) Mas quando o Espírito da verdade vier, ele os
guiará a toda a verdade. Não falará de si mesmo; falará apenas o que
ouvir, e lhes anunciará o que está por vir.
412
Nós, do século 21, lemos o Evangelho com enfoque diferente do que
João quis colocar. Nós procuramos encontrar um significado especial em
cada versículo para sua aplicação prática na igreja de hoje, enquanto que
para João o enfoque mais relevante era apresentar Cristo como o raiar da
nova era escatológica.
413
O Parácleto não representa uma nova fonte adicional de revelação.
Tudo o que Ele traz Ele recebeu “daquilo que é de Jesus” e da mesma
maneira como Jesus recebeu as Suas palavras e obras do Pai, faz com que
Suas palavras sejam as de Deus e Suas obras as de Deus (14,10; 12,49;
7,17; 5,17). Tudo que é de Deus pertence também a Jesus. O Parácleto
continua a obra reveladora de Jesus e O glorifica. O Evangelista não
conhece nenhum sopro de Espírito que não seja a revelação de Deus na
pessoa histórica de Jesus. A ontologia (relação Pai, Filho, Espírito Santo) é
perfeita. Se não fosse assim, como o Parácleto convenceria o mundo de seu
pecado contra Deus ao rejeitar Jesus?
414
De onde vem este termo tão universal no seu significado? O
Evangelista usa uma imagem bem conhecida na teologia judaica. Essa
conhecia “parácletos” (uma palavra emprestada do grego) junto a Deus. A
religiosidade popular judaica entendia cada boa obra como um “parácleto”
que advoga perante Deus a favor da pessoa, enquanto cada pecado servia
ao acusador (confira Apoc 12,10) para denegri-la junto a Deus (confira cap.
2 de Jó).
“Ser escravo da lei pode ser definido como a rígida adesão a um código de vida
do passado que nos impede de seguir a presente voz do Senhor. Vemos a lei
como um padrão de vida; mas trata-se de um padrão fixo. Quando éramos
crianças, o professor de educação física na escola baixava ou subia a corda
para o salto em altura segundo nossa idade e capacidade. O padrão estava
sujeito a ajustes e dava espaço para nosso desenvolvimento. No entanto, o
padrão da lei é rígido. Não deixa espaço para que avancemos além de
determinado ponto.
“Eu, porém, vos digo...”(Mat 5,22). Essas palavras contêm um princípio
para todos os tempos. Já ouvi pessoas usarem o seguinte argumento: “Esse
assunto foi discutido na época de Calvino, ou...”! Mas a época deles faz parte
415
do “aos antigos”, assim como o nosso ontem. Se faço o que fiz há um mês,
pois hoje o Senhor me orienta a fazê-lo, isso é vida; mas se faço porque Ele me
orientou a fazê-lo há um mês, é lei. A lei pode ter uma semana ou existir há
séculos; contudo, a direção do Espírito jamais pode ter 24 horas de idade. A
pergunta vital é: Sabemos o que há de novo em minha caminhada com Ele no
dia de hoje?” (W.Nee.Uma Mesa no Deserto. Ed.dos Clássicos. 7/10)
Cap. 16.16-22
(16) Mais um pouco e já não mais me verão; um pouco mais, e me verão de novo”.
(17) Alguns dos seus discípulos disseram uns aos outros: “O que ele quer dizer com
isso: ‘Mais um pouco e não me verão’; e, ‘um pouco mais e me verão de novo’, e
‘porque vou para o Pai’?” (18) e perguntavam: “Que quer dizer ‘um pouco mais’?
Não entendemos o que ele está dizendo”. (19) Jesus percebeu que desejavam
interrogá-lo a respeito disso, pelo que lhes disse: “Vocês estão perguntando uns aos
outros o que eu quis dizer quando falei: Mais um pouco e não me verão; um pouco
mais, e me verão de novo? (20) Digo-lhes que certamente vocês chorarão e se
lamentarão, mas o mundo se alegrará. Vocês se entristecerão, mas a tristeza de
vocês se transformará em alegria. (21) A mulher que está dando à luz, sente dores,
porque chegou a sua hora; mas, quando o bebê nasce, ela esquece a angústia, por
causa da alegria de ter vindo ao mundo um menino. (22) Assim acontece com vocês:
agora é hora de tristeza para vocês, mas eu os verei outra vez, e vocês se alegrarão,
e ninguém lhes tirará essa alegria.
416
período curto de dois ou três dias com o de muitos anos, sob a mesma
perspectiva de “um pouco”. Jesus certamente referiu-se naquele momento
aos acontecimentos dos próximos dias. As Suas palavras eram dirigidas
aos Onze na sua situação histórica, não à igreja de João no final do
primeiro século nem em relação à parusia.
(17) Alguns dos seus discípulos disseram uns aos outros: “O que
ele quer dizer com isso: ‘Mais um pouco e não me verão’; e, ‘um pouco
mais e me verão de novo’, e ‘porque vou para o Pai’?” (18) e
perguntavam: “Que quer dizer ‘um pouco mais’? Não entendemos o
que ele está dizendo”. (19) Jesus percebeu que desejavam interrogá-lo
a respeito disso, pelo que lhes disse: “Vocês estão perguntando uns
aos outros o que eu quis dizer quando falei: Mais um pouco e não me
verão; um pouco mais, e me verão de novo?
417
(21) A mulher que está dando à luz, sente dores, porque chegou a sua
hora; mas, quando o bebê nasce, ela esquece a angústia, por causa da
alegria de ter vindo ao mundo um menino.
(22) Assim acontece com vocês: agora é hora de tristeza para vocês,
mas eu os verei outra vez, e vocês se alegrarão, e ninguém lhes tirará
essa alegria.
Quando Jesus prometeu que ninguém lhes tirará a alegria, não foi
porque: “vocês me verão outra vez”. O mais importante e fundamental é
que Ele os verá, e que ninguém lhes tiraria esse privilégio. A perspectiva
fundamental para todos os discípulos de Jesus, em todas as épocas, é que
Ele os vê. Ele nos vê, mesmo que nós, em certos momentos, não
consigamos acreditar nisso. Observe também a relação entre Mestre e
discípulo: “Não é vocês que me escolheram, mas Eu os escolhi...”.
418
Cap. 16.23-24
(23) Naquele dia vocês não me perguntarão mais nada. E eu lhes asseguro que meu
Pai lhes dará tudo o que pedirem em meu nome. (24) Até agora vocês não pediram
nada em meu nome. Peçam e receberão, para que a alegria de vocês seja completa.
Cristãos são aqueles que, por definição, de fato sabem (1.João 2,20),
pois estar profundamente informado quanto ao que Deus está fazendo é
marca do padrão alterado da história da redenção na nova aliança. De fato,
esse é exatamente o motivo de Jesus chamar os Onze de “Seus amigos”
(Carson).
Bultmann diz, com razão: “Esta... é a situação escatológica: não
haver mais perguntas!”
E eu lhes asseguro que meu Pai lhes dará tudo o que pedirem em meu
nome. (24) Até agora vocês não pediram nada em meu nome. Peçam e
receberão, para que a alegria de vocês seja completa.
419
Alguns intérpretes querem entender os versos 20-24 como palavras
que se referem exclusivamente à “parusia”, ao “escaton” (lit. ‘o último’), ao
fim dos tempos, à consumação final. A visão desse “final” sofreu muitas
mudanças no decorrer do tempo:
Quando João escreveu, os três Evangelistas sinóticos já haviam
estabelecido, cada um, a sua visão dos ”últimos dias”. A igreja dos
primeiros cinquenta anos da era cristã vivia na esperança da iminente
volta de Jesus (a qualquer momento), pois a tradição apocalíptica (dos
mistérios do tempo do fim) entendeu a ressurreição de Jesus e a
ressurreição de todos como inseparável um do outro.
420
os últimos séculos, porém, toda a teologia novamente foi
“escatologizada”, isto é, redefinida em relação à “parusia que, - para a
teologia liberal -, não aconteceu”. Bultmann definiu, de acordo com sua
teologia, o ‘”escaton” como “aqui e agora”, acontecendo no coração de cada
um, não como um fato, mas, sim, como “aquele que nos fala na pregação”.
Essa declaração foi algo semelhante a um “tiro de misericórdia na fé
bíblica”. Karl Barth, que antes procurou uma alternativa ao liberalismo,
sentenciou: “Cristianismo que não é radicalmente escatológico, não tem
nada, mas nada mesmo, a ver com Cristo” (Neo-ortodoxia). Atualmente, a
teologia procura reformular a esperança no “escaton”, definindo-o como a
revelação ainda não consumada do evangelho e Deus como Aquele não
acima de nós, mas, sim, “à nossa frente” (Teologia da Esperança).
421
este um direito dele e uma obrigação ensinar ao povo a dar, para receber.
Afinal de contas, foi o próprio Senhor Jesus quem nos admoestou: “Pedi,
e dar-se-vos-á... (Mat. 7,7)” (O Poder Sobrenatural da Fé, pág.16/17).
Outro fala de como ter para ser – aqui neste mundo passageiro. Os
dois usam o mesmo verso da Bíblia.
Cap. 16.25-33
(25) Embora eu tenha falado por meio de figuras, vem a hora em que não usarei mais
esse tipo de linguagem, mas lhes falarei abertamente a respeito de meu Pai. (26)
Nesse dia vocês pedirão em meu nome. Não digo que pedirei ao Pai em favor de
vocês, (27) pois o próprio Pai os ama, porquanto vocês me amaram e creram que eu
vim de Deus. (28) Eu vim do Pai e entrei no mundo; agora deixo o mundo e volto
para o Pai”. (29) Então os discípulos de Jesus disseram: “Agora estás falando
claramente, e não por figuras. (30) Agora podemos perceber que sabes todas as
coisas e nem precisas que te façam perguntas. Por isso cremos que vieste de Deus”.
(31) Respondeu Jesus: “Agora vocês creem? (32) Aproxima-se a hora, e já chegou,
quando vocês serão espalhados cada um para sua casa. Vocês me deixarão sozinho.
Mas eu não estou sozinho, pois meu Pai está comigo. (33) Eu lhes disse essas coisas
para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo,
tenham ânimo! Eu venci o mundo”.
(25) Embora eu tenha falado por meio de figuras, vem a hora em que
não usarei mais esse tipo de linguagem, mas lhes falarei abertamente
a respeito de meu Pai.
422
Não cremos que o Evangelista nos quis dizer que o Ressuscitado,
(seja pessoalmente ou através do Parácleto), teria falado diferentemente do
que o fez em seu ministério terreno. Mais provável é que a menção da fala
aberta se refere à revelação final, à hora da parusia, à volta de Jesus em
glória. Ali, então, quando as últimas sombras serão dispersas, veremos o
Pai, conforme a esperança do Apóstolo Paulo em 1 Cor.13,12: “Agora
vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face”.
(26) Nesse dia vocês pedirão em meu nome. Não digo que pedirei ao
Pai em favor de vocês,...
423
dos pagãos e a religiosidade popular da época do Antigo Testamento (não
ao ensino do AT) e a das velas. Jesus é o fiador da obra que realizou em
obediência ao Pai e neste sentido Ele é o nosso “Advogado”. O Evangelho
de João é que nos testifica esse bem, isto é, a paz que o mundo (com todas
as suas opções religiosas) não nos pode dar (14,27).
Jesus atestou aos Onze o amor do próprio Pai pelo simples fato deles
terem crido que Ele veio do Pai. Ele veio do Pai, entrou no mundo, e agora
volta ao Pai. As palavras de despedida de Jesus têm a sua conclusão na
garantia de uma perfeita comunhão com o Filho e com o Pai.
424
Imediatamente Jesus colocou um sinal de interrogação. Não que
lhes negasse a sua fé, só que essa fé ainda não dava nenhum motivo para
presunção. Na fé dos Onze ainda não havia segurança, como logo adiante
de fato provariam.
Jesus não necessitava perguntar para saber o que estava neles; Ele
sabia perfeitamente que o teste vindouro pegaria a todos em falta. Como o
profeta Zacarias profetizou: “... fere o pastor, e as ovelhas ficarão
dispersas...” (13,7/confira Marcos 14,27). Cada um correria para o que era
dele (trad.lit). O termo “o dele” talvez tenha sido usado no sentido de que
cada um deles, ‘escandalizado’ (como Marcos observa), cuidaria de sua
própria segurança, deixando Jesus só.
(33) Eu lhes disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz.
Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o
mundo”.
Quantas vezes na Igreja não cantamos em alto e bom som que “com
Cristo andamos sem aflição e sem temor”? É pura inverdade, pois fazemos
de Jesus um mentiroso. O cristão sente medo. No mundo sofremos aflição.
As palavras de Jesus não têm a finalidade de eliminar a aflição; elas foram
enunciadas para que “em mim, vocês tenham paz”, a paz que somente Ele
pode dar. O cristão faz parte das duas esferas mencionadas no verso 33: a
do mundo e a da persistência em Jesus (lembre-se da videira!). O cristão
não precisa opor-se ao mundo. Ele, em si, já representa o “paradoxo”.
“Pela sua morte, Jesus fez a oposição ao mundo, como meio de livrar-se da
aflição, sem sentido e desprezível” (Carson). Nesse mundo, que “jaz no
maligno” (1 João 5,19), a verdade sempre estará sofrendo perseguição. Não
é combatendo o mundo que venceremos o medo, mas sabendo que Ele
venceu o mundo e está conosco; em qualquer situação Ele está em nós
425
(14,20). Neste exato momento histórico, Jesus já fala como o vencedor
elevado ao Pai, e que resistiu e venceu o “príncipe desse mundo”. Em
14,30 Jesus ainda não podia falar muito aos discípulos, “porque aí vem o
príncipe do mundo, e Ele nada tem em mim”. Agora, Ele já fala como
vencedor. O nosso ânimo não virá de uma luta vitoriosa contra o mundo.
Ele é resultado da vitória de Jesus.
Se Jesus diz que “nele teremos a paz”, Ele não diz outra coisa senão
que aquele que crê tem parte da vitória de Jesus. O Evangelista deixou seu
testemunho escrito em 1 João 5,4: “todo o que é nascido de Deus vence o
mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé. Quem é o que
vence o mundo, senão aquele que crê ser Jesus o Filho de Deus”.
Cap. 17 Introdução
Parabéns!
Você chegou até aqui!! Como você percebeu, para captar a mensagem do
Evangelista é necessário que se leia o texto, atentamente, várias vezes.
Será que você reservou o tempo necessário? Será que você tem perguntas a
fazer? Cremos que sim.
427
(visita dos magos; matança dos meninos por ordem de Herodes e fuga para
o Egito - Mat.cap.2), João vê a origem de Jesus na eternidade passada,
junto com Deus. Jesus veio da presença de Deus, e como o “logos de Deus”
(João cap. 1) entrou no mundo. É como se João olhasse por detrás da
cortina da história, revelando de onde Jesus veio. Não conhece detalhes
como o nascimento virginal, tampouco como Paulo o menciona. Se Jesus
veio de Deus, é implícita a ação de Deus no nascimento da criança.
... Só João entendeu com toda a clareza que, com Jesus, o culto
sangrento do Templo de fato chegou ao seu fim. Os sacrifícios haviam
se tornados meros rituais; não mais correspondiam a uma realidade
espiritual. Eles eram indignos da “Casa do Pai” que, por sua parte,
428
estava condenada à destruição no tempo determinado (como
aconteceu anos 60 d.C.).
• Na lição anterior entendemos Jesus como fim do ritual
religioso.
• Na leitura de hoje vimos anunciado o fim do culto sacrifical
no templo.
Você já sentiu que ser cristão é mais do que ser batizado? Ainda mais:
batizado sem o seu consentimento, quando você nem o percebia. Você
notou que o batismo clama por outro passo que independe de seu
esforço: a ação do Espírito Santo em sua vida, transformando-o(a) em
uma “nova criatura”?(2.Cor.5.17). Você entrou nesse Reino na base de
quê?
429
1. purificações rituais dão lugar à abundância de perdão;
2. o culto sacrifical repetitivo é abolido;
3. a entrada no “Reino de Deus” não é através de esforço mas,
sim, através de um “nascimento de cima”, obra de Deus;
4. Não mais há “lugares santos” ou “rituais santos” ou “cultos
solenes”. A adoração de Deus é definida como somente “em
espírito e verdade”. Deus não olha a forma; Ele olha o
“conteúdo”.
430
O mesmo vale para o sinal no capítulo 9 onde Jesus cura um cego de
nascença. Novamente só João nos passa este acontecimento maravilhoso.
Tal como os religiosos naquela situação tampouco aceitaram o fato da
cura, procurando todas as opções possíveis para justificar o que
testemunharam (mas não estavam dispostos a reconhecer), temos hoje
uma imensidade de intérpretes levantando interrogações. Para eles, o
Evangelista, novamente, “construiu” a cura para exemplificar as suas
palavras que, no contexto, tratam de luz e de cegueira espiritual. Onde está
a metáfora? São metafóricas (sentido velado)as palavras de Jesus ou é a
história da cura uma simples metáfora?
Como Jesus bem disse: “Eu vim a esse mundo para julgamento, a fim
de que os cegos vejam e os que veem se tornem cegos”. Alguns fariseus que
estavam com Ele (sempre o observando), ouviram-no dizer isso e
perguntaram: “Acaso nós também somos cegos?” Disse Jesus: “Se vocês
fossem cegos, não seriam culpados de pecado; mas agora que dizem que
podem ver, a culpa de vocês permanece” (9,39-41).
• Que Deus o(a) abençoe com uma visão “ungida” que consegue
“enxergar”, e com um coração disposto a aceitar o que Deus, através
de João, lhe diz.
Cap. 17.1-5
(17,1) Depois de falar essas coisas, Jesus levantou os olhos ao céu e disse: Pai,
chegou a hora. Glorifica teu Filho, para que também o Filho te glorifique, (2) assim
como lhe deste autoridade sobre toda a humanidade, para que conceda a vida eterna
a todos os que lhe deste. (3) E a vida eterna é esta: que conheçam a ti, o único Deus
verdadeiro, e a Jesus Cristo, que enviaste. (4) Eu te glorifiquei na terra,
completando a obra da qual me encarregaste. (5) Agora, pois, glorifica-me, ó Pai,
junto de ti mesmo, com a glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse.
431
Jesus havia declarado tudo o que haveria de passar aos seus
discípulos. Chegara “a hora”. Antes de se levantar com seu grupo para sair
ao encontro de Judas e dos soldados enviados para prendê-lo, Jesus orou.
Essa oração entrou para a história como a “Oração sacerdotal de Jesus”
(denominação universalmente aceita desde D. Chytraeus, 1531-1600);
outros nomes propostos posteriormente são: “Oração de Consagração de
Jesus” (Estcott) ou “Oração eucarística” (Loisy, Cullmann, Wilkens).
Diremos, para iniciar, o que essa oração de Jesus não é: ela não é
uma paráfrase da Oração do Senhor (“Pai Nosso”, segundo Mateus), como
afirmam alguns comentaristas modernos, (aliás, o “Pai Nosso” só começou
a fazer parte da liturgia da Igreja a partir de 350!) Tampouco é um
“produto literário do evangelista” (Bauer) ou uma “oração litúrgica das
igrejas joaninas”, desenvolvida para a celebração da eucaristia (Bultmann
et alii). Certamente nenhum “ministrante” no tempo de João se
identificaria de tal modo com o Senhor em sua situação, na noite em que
foi traído, ousando declarar na primeira pessoa do singular: “glorifica teu
Filho... eu te glorifiquei na terra... eu revelei teu nome... agora vou para
ti...” E, ainda que se afirme que na celebração católica o padre oferece (na
hóstia) o Cristo a Deus, como sacrifício sem sangue (de certa forma uma
repetição do sacrifício do Senhor, em desacordo com Hebr. 9,11ss), a
missa foi instituída somente no ano 304. (Além disso, o dogma da
transubstanciação, que atribui à eucaristia seu significado místico, isto é, o
conceito da transformação real de pão e vinho em “corpo e sangue do
Senhor”, data de 1215).
O “Pai Nosso” não é uma oração de Jesus dirigida a seu Pai. Ela é o
modelo de uma oração particular dada aos discípulos, e deve ser feita com
a porta fechada. A “porta fechada”, no original, faz alusão à despensa que,
na época era a única repartição da casa cuja porta podia ser fechada.
432
Quem é que faz essa oração “sacerdotal”, registrada em João 17? É
Jesus, o Filho de Deus encarnado, que está voltando para seu Pai pelo
caminho de uma morte excessivamente vergonhosa e violenta. Ele ora para
que todos os acontecimentos que lhe sobreviriam nas próximas horas
tragam glória para seu Pai, e para que seus seguidores sejam preservados
do mal, em conseqüência de sua morte e exaltação.
Ele orou para que a vontade de seu Pai realizasse o propósito dessa
hora. Havia apenas um pedido: “Glorifica o teu Filho!” O verbo glorificar
pode significar louvar, honrar, e talvez reconhecer. A hora da aparente
vitória do “príncipe do mundo”, o momento final do autoesvaziamento do
Filho, deveria servir para a restauração do esplendor que Ele
compartilhava com o Pai antes que o mundo existisse. Esse pedido não
tinha um fim em si mesmo: era para que o Filho glorificasse o Pai.
João não quer dizer que Deus Pai deu a Jesus “autoridade sobre
toda a humanidade” (literalmente, carne) em virtude de seu sofrimento na
cruz. O Evangelista aponta para o dom do Pai na eternidade passada, para
que, “vindo a plenitude dos tempos” (Gl 4,4), Jesus concedesse a vida
eterna aos que Deus lhe dá. Em outras palavras, o plano de salvação não
surgiu somente por ocasião do ministério terreno de Jesus: a autoridade e
a glória de Jesus vêm da eternidade e se estendem sobre “toda a
humanidade”, seja isso reconhecido ou não.
433
O Apóstolo Paulo, trinta a quarenta anos antes de João, havia citado
o hino litúrgico que encontramos em Filipenses 2,5-11: “... pelo que Deus o
exaltou e deu o nome que está sobre todo nome...” Este hino da igreja
primitiva pode nos dar a impressão incorreta de que a glorificação de
Jesus fora um prêmio, concedido a Jesus em virtude de sua fidelidade até a
morte. Na verdade, a autoridade de Jesus vem da eternidade passada e a
Sua glória se revelou aos homens na encarnação, morte e ressurreição.
(3) E a vida eterna é esta: que conheçam a ti, o único Deus verdadeiro,
e a Jesus Cristo, que enviaste.
434
Com o tempo, a pessoa de Jesus de Nazaré, portanto judeu, foi
retirada de seu contexto judaico e “emancipada” pela Igreja. Com este
Jesus “domesticado” pela Igreja vieram uma multidão de ídolos de barro e
de plástico, representações de mortos considerados modelos de bondade e
que hoje são invocados em casas, praças e igrejas. Esses ídolos roubam a
honra que pertence ao único Deus e Senhor, contrariando claramente o
segundo mandamento de Deus (Êx 20,4-5). A maior catedral do Brasil é
dedicada a um deles.
435
Porém, João não tinha dúvidas. Em nenhum lugar em sua obra
lemos ou podemos concluir que Deus ressuscitou a Jesus. O nosso
Evangelista mostra que Jesus compartilhou com o Pai o privilégio de
conceder vida a quem Ele quer (5,20) e que Ele tinha a vida em si mesmo
(5,26). Jesus disse ser ele, em pessoa, a ressurreição e a vida (11,25) e que
Ele dá aos seus a vida eterna (10,28). Ele também afirmou ter autoridade
tanto para dar a sua vida quanto para retomá-la (11,17-18, confira!).
• “Conserve o que tens, para que ninguém tome tua coroa!” (Ap 3,11)
Cap. 17.6-12
(17.6) Manifestei teu nome aos homens que do mundo me deste. Eram teus, e tu os
deste a mim; e eles obedeceram à tua palavra. (7) Agora sabem que tudo quanto me
deste vem de ti; (8) porque lhes transmiti as palavras que tu me deste, e eles as
acolheram e verdadeiramente reconheceram que vim de ti e creram que tu me
enviaste. (9) Eu rogo por eles. Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste,
pois são teus. (10) Todas as coisas que me pertencem são tuas, e as que te
pertencem são minhas; e neles sou glorificado. (11) Não estarei mais no mundo; mas
eles estão no mundo, e eu vou para ti. Pai santo, guarda-os no teu nome que me
deste, para que sejam um, assim como nós. (12) Enquanto eu estava com eles, eu os
guardei e os preservei no teu nome que me deste. Nenhum deles se perdeu, senão o
filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura.
(17.6) Manifestei teu nome aos homens que do mundo me deste. Eram
teus, e tu os deste a mim; e eles obedeceram à tua palavra.
436
Os homens aos quais Jesus se refere são os seus onze discípulos.
Eles já pertenciam a Deus antes do ministério de Jesus, assim como, de
jure, todos os homens. João entendeu que Deus concedeu os Onze a
Jesus, tirando-os do mundo. A eles Jesus manifestou “o nome de Deus”.
Em que consiste esse nome? Os comentaristas divergem quanto a seu
conteúdo. Certamente João não fez referência a um nome misterioso,
mágico, cuja pronúncia tivesse algum poder.
Se Jesus confessa ter anunciado o nome do Pai aos que este lhe deu,
não devemos ver contradição entre essa declaração predestinatória da
restrição aos Onze e a perspectiva universal de 3,16 (“Porque Deus amou
tanto o mundo, que deu seu Filho unigênito, para que todo aquele que crê
nele não pereça, mas tenha a vida eterna”). Jesus pôde anunciar seu nome
somente àqueles que reconheciam nele a presença de Deus. Essa admissão
implica que eles obedeceram a Jesus, presente no meio deles como o logos
(a Palavra).
Quando Jesus diz que esses poucos têm obedecido à palavra, Ele
não diz que já se haviam tornado cristãos maduros; ao contrário dos
incrédulos e desobedientes do mundo, eles se comprometeram com Jesus
como seu Messias, como aquele que verdadeiramente revela o Pai.
(7) Agora sabem que tudo quanto me deste vem de ti; (8) porque lhes
transmiti as palavras que tu me deste, e eles as acolheram e
verdadeiramente reconheceram que vim de ti e creram que tu me
enviaste.
Carson afirma:
“Os discípulos aos quais Jesus se refere aqui podem não ter entendido
que o seu Messias tinha que morrer e ressuscitar novamente; eles
podem não ter captado como Ele devia abraçar e cumprir em Sua
própria pessoa temas do Antigo Testamento tais como reinado,
sacrifício, sacerdócio e servo sofredor (Is 50). Mas eles chegaram à
profunda convicção de que Jesus era o mensageiro de Deus, de que Ele
fora enviado por Deus e que tudo que Ele ensinava era a verdade de
Deus.”
437
A troca repetida do sujeito eu (Jesus) com o tu (Pai) na fala de Jesus
demonstra a identificação entre Pai e Filho e, na visão de João, são
evidências tanto da encarnação quanto da unidade ontológica entre Pai e
Filho.
(9) Eu rogo por eles. Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me
deste, pois são teus.
Jesus roga não pelo mundo, mas pelos Onze somente. Pelo mundo, a
oração seria bem diversa, talvez da maneira como Lucas a relatou: “Pai,
perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (23,34). Orar pelo mundo – a
ordem moral criada em rebelião contra Deus – seria o mesmo que
blasfemar. O que se pode orar em favor do mundo? Somente há esperança
para alguns que nesse momento ainda constituem o “mundo”, mas que
um dia cessarão de ser mundo e se juntarão àqueles a quem Jesus se
refere ao dizer: “pois são Teus”.
438
(11) Não estarei mais no mundo; mas eles estão no mundo, e eu vou
para ti. Pai santo, guarda-os no teu nome que me deste, para que
sejam um , assim como nós.
Quando Jesus faz referência ao “nome que me deste”, pede que seu
Pai proteja seus seguidores usando o mesmo poder que o Pai já lhe dera.
Quem atenta para a relação Pai/Filho no quarto Evangelho perceberá
nesse verso uma inversão do padrão usual de comparação: olhando para o
futuro de seus seguidores, Jesus depende do Pai; seu poder é concedido a
Ele, e medido pelo poder de Seu Pai.
Seus seguidores não podem ser um assim como Jesus e o Pai o são,
a menos que sejam guardados no nome de Deus, isto é, em leal fidelidade a
sua graciosa autorevelação na pessoa de seu Filho. A “persistência na
verdade” é o pré-requisito para nossa participação na santificação de
Jesus.
439
“Filho da perdição” dificilmente serviria para a desqualificação
moral de Judas, pois a fidelidade dos demais não era resultado de seu
próprio esforço moral-ético. A única base dessa fidelidade era o amor
perdoador de Jesus com o qual Ele os guardava. As repetidas e por vezes
controversas declarações de João de que ninguém pode vir a Jesus (isto é,
crer nele) se o Pai não o atrai (ou lhe der) mostram, junto com as
promessas do Parácleto, que não há poderes inatos no homem pelos quais,
por si só, possa alcançar a vida eterna.
O Apóstolo Paulo, por sua vez, declarou em 2Ts 2,3 que antes da
parusia do “Kyrios” (da volta do Cristo em glória) haveria necessidade de
apostasia. “Ninguém vos engane de modo algum, pois isso não acontecerá
sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem do pecado, o
filho da perdição.” Deste modo, o termo “filho da perdição” adquire uma
conotação muito mais ampla do que geralmente pensamos quando nos
limitamos a identificar Judas com ele. O Apóstolo Paulo falou “dos tempos
do fim”, quando virá a apostasia geral (abandono da fé) e, com ela, será
revelado o Anticristo. Somente depois é que haverá a volta de Jesus.
• Aja de acordo com a palavra de Jesus: “O que vos digo (aos Onze),
digo a todos: Vigiai!” Fiquem atentos! (Mc 13,14-37).
Cap. 17.13-19
(13) Mas agora vou para ti. E digo isso enquanto estou no mundo, para que eles
tenham a minha alegria em plenitude. (14) Eu lhes dei a tua palavra; o mundo os
odiou, pois não são do mundo, assim como eu também não sou. (15) Não rogo que os
tire do mundo, mas que os guarde do Maligno. (16) Eles não são do mundo, assim
como eu também não sou. (17) Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade.
(18) Assim como tu me enviaste ao mundo, eu também os enviei ao mundo. (19) E
por eles me santifico, para que também eles sejam santificados na verdade.
440
(13) Mas agora vou para ti. E digo isso enquanto estou no mundo, para
que eles tenham a minha alegria em plenitude.
(14) Eu lhes dei a tua palavra; o mundo os odiou, pois não são do
mundo, assim como eu também não sou.
441
Nos países mencionados na lista que aparecerá no seu monitor, a
igreja ainda não se tornou “mundo”. Por essa razão ela é perseguida, do
mesmo modo como seu Senhor o fora.
“... Aquilo que Cristo entendeu com “cristianismo”, ele claramente o disse e
nós o podemos ler nos Evangelhos. Quando deixou este mundo, ele avisou que
voltaria. E a respeito dessa sua volta há uma previsão, dele mesmo, que diz o
seguinte: “Mas, quando vier o Filho do homem, ainda encontrará fé na terra?”(Luc
18,7/8)
Se olharmos as agremiações “cristãs” sem fim, os povos “cristãos”, os ricos
“cristãos”, os países “cristãos”, um mundo “cristão”, ainda podemos esperar
por um bom tempo pela sua volta! Ao mesmo tempo devemos dizer: Está tudo
pronto para sua volta!
Graças a vocês, pastores, em veludo e seda; a vocês, que começavam a
multiplicar-se, assim que notaram que o ganho estava do lado do cristianismo;
graças a vocês, pela sua diligencia e seu fervor demonstrado com esses milhões
de cristãos, com os ricos do mundo; graças a vocês; isso se chama mesmo
diligência e fervor “cristão”! Pois, não é verdade, se fosse o caso de ficar como
era no início, quando somente algumas poucas pessoas, pobres, perseguidas e
odiadas eram cristãos – onde ficariam a seda e o veludo e as entradas
financeiras gigantescas, as honrarias, a reputação e o prazer mundano,
requintado tão bem como nenhum outro ser lascivo o saberia fazer; refinado
com a aparência de santidade que quase exige adoração? Isso é abominável,
mesmo a mais degradada escória humana não conta com tais vantagens como
as suas. Vossos crimes são honrados e louvados, sim, exaltados como virtudes
“cristãs”, venerados e adorados...”
(15) Não rogo que os tire do mundo, mas que os guarde do Maligno.
442
Quem será “o Maligno”? O Evangelista referiu-se várias vezes a ele,
confira nas Cartas de João: 1 João 2,13s; 3,12 e 5,18s. A menção do
“Maligno” (“o mal”) no seu sentido abstrato aponta para o Diabo, o mal
personificado, e não indica sequências de azar. É ele que pode infligir
danos aos seguidores do Senhor se eles forem deixados sem auxílio.
Lembre-se da afirmação de João na sua “Primeira Carta” 5,19: “Sabemos
que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no Maligno”.
(16) Eles não são do mundo, assim como eu também não sou.
Veremos o que Jesus aqui está dizendo: Assim como o Pai santificou
a Jesus para enviá-lo ao mundo (10,36), Jesus pede ao Pai que santifique
os discípulos, afim de poder enviá-los ao mundo do modo que enviou a
Jesus. Através da santificação dos discípulos, o Pai os guardará do
Maligno, tornando-os propriedade exclusiva dEle (do Pai). A santificação é
qualificada com “a verdade”. A verdade é a Palavra de Deus.
443
Não podemos desqualificar de vez a santificação pelas leis ordenadas
na tradição judaica, que são leis de Deus, uma vez que conforme João
10,35 “a Escritura não pode ser anulada”. É a própria Escritura que dá
testemunho a favor de Jesus, dando às suas palavras a confiabilidade da
Palavra de Deus.
(19) E por eles me santifico, para que também eles sejam santificados
na verdade.
Pela primeira vez ouvimos aqui que Jesus se santifica a favor de seus
discípulos. É aqui que começa a discussão sobre como entender a morte de
Jesus como sacrifício em favor de muitos, um pensamento muito estranho
para nossa cultura contemporânea. Como podemos entender o raciocínio
de João?
“Mas Cristo, vindo como sumo sacerdote dos bens já presentes, por meio
do tabernáculo maior e mais perfeito, não erguido por mãos humanas,
isto é, não desta criação, e não por meio do sangue de bodes e novilhos,
mas por seu próprio sangue, entrou de uma vez por todas no Santo dos
Santos e obteve eterna redenção. Porque, se quanto à purificação da
carne o espalhar do sangue de bodes e touros e das cinzas de uma
novilha santifica os que estão impuros, quanto mais o sangue de Cristo,
que, imaculado, por meio do Espírito Eterno ofereceu a si mesmo a Deus,
purificará das obras mortas a vossa consciência, para servirdes o Deus
vivo!”(Hebr.9,11-14).
444
vida pelas ovelhas” (10,11). Não somente morreria pelo seu povo (Israel),
mas por todos os filhos de Deus espalhados pelo mundo (11,51s). Ele prova
seu maior amor, dando a sua vida pelos seus amigos (15,13).
Não devemos julgar esse rito sem sentido; pelo contrário, ele tem seu
fundamento na compreensão da Antiga Aliança: Quem pecar, perdeu seu
direito à vida. Por essa razão, na Festa de “Yom Kippur” (da reconciliação),
o judeu fiel procura ser perdoado por Deus através de um sacrifício.
445
Nesta nova visão “revolucionária” da Nova Aliança está implícita
uma grande e fundamental responsabilidade:
Reflexão caps.1-17
Caro(a) leitor(a)
Talvez tenha sido cansativo você estudar, lição por lição, as palavras
de Jesus, cujos sentidos se abrem só paulatinamente quando lidas e
relidas, meditando. Não desanime se você pensou não ter captado todo o
conteúdo do texto. O Evangelho é um tesouro que se revela aos poucos, ele
deve ser lido não com a razão, mas com o coração.
446
Antes de passarmos para o Relato da Páscoa, convém parar e
assentar-nos espiritualmente, a fim de refletirmos a respeito de tudo que
temos lido até o presente momento. Portanto, procure um lugar à parte e
uma ocasião em que você terá seu sossego garantido, sem barulho, e
considere conosco o que segue!
447
isso lhes outorgou a autoridade para falar dEle. Mesmo assim,
encontravam-se sob o peso monumental de uma verdade cujo alcance
ainda não sabiam e que ultrapassava a capacidade do conteúdo de
palavras humanas. Os Evangelistas eram pessoas das quais fora exigido
demais (R.Schneider). Nessa sobrecarga consiste a grandeza e a tragédia
dos Evangelistas. Fora-lhes confiada uma carga que ultrapassava as suas
forças.
O plano de Deus, ou seja, o “acontecimento escatológico” não estava e
não poderá nunca ser definido por palavras, nem com gráficos, colocando
as “etapas” da obra de Deus em seqüência, como se pudéssemos entender
a mente de Deus. Não havia como expressar devidamente aquilo que Deus
estava operando, mas os Evangelistas se atreveram a fazê-lo, confiando na
evidência da presença do Espírito de Deus, do Parácleto, que os capacitaria
para tal obra. Daí vem o caráter de literatura primordial, da qual não tinha
modelo e que também depois nunca mais apareceu.
448
Somente aquele que está começando a enxergar e amar esse rosto de
Cristo está se tornando verdadeiramente cristão (Nigg).
Devemos entender que, de fato, até hoje não foi dado a ninguém
interpretar ou explicar os Evangelhos. Esse é o ponto aflitivo (doloroso) em
toda a pregação do Evangelho. Os Evangelhos devem explicar-se a si
mesmos, quando – e somente então – nos é dada a Graça de descobrir o
rosto do Cristo nas Suas palavras eternas.
449
No lugar de toda interpretação (principalmente da presente) é mister
entrar no Evangelho através do nosso coração, e não através da razão e do
conhecimento. Assim, os Evangelhos estão abertos para pessoas leigas,
simples como nós.
Você tem ouvido - por trás dos textos que procuramos comentar -, a
voz de Cristo? Chegou a perceber algum traço de Seu “rosto”? Caso não,
descarte imediatamente todos os nossos comentários e leia o Evangelho
novamente, da forma como o Evangelista nos legou. Leia-o de novo,
sempre de novo e, pelo menos espiritualmente, de joelhos.
Cap. 18.1-2
(18.1) Tendo dito isso, Jesus saiu com seus discípulos para o outro lado do ribeiro
de Cedrom, onde havia um jardim, e entrou ali com eles. (2) Judas, o traidor,
também conhecia o lugar, pois Jesus havia se reunido ali com os discípulos muitas
vezes.
450
Resta pouca dúvida de que, antes dos Evangelhos serem concluídos
na forma como os temos nas mãos hoje, já circulavam relatos escritos
coerentes e lineares a respeito da paixão de Jesus. Os relatos da paixão,
sem qualquer dúvida, foram o que prioritariamente interessava aos
cristãos da primeira geração. A esses relatos iniciais, verdadeiros núcleos
dos Evangelhos, foram acrescentadas posteriormente as tradições escritas
e orais a respeito da vida e do ministério terreno de Jesus. Assim,
formaram-se e passaram para a posterioridade os “Evangelhos” que nós
conhecemos.
451
palavras durante a última ceia e nas de despedida nos capítulos 14-17.
Tudo gira em torno dAquele que tinha o poder de “dar a sua vida e retomá-
la” (10,17).
452
Para os pregadores, essa versão não somente simplificada, mas
também falsa, costuma render mais assunto; ela é populista pois já
apresenta os culpados. Dessa forma encaramos “O Processo que mudou o
mundo” com os “papéis” de todos os envolvidos como já definidos.
(18.1) Tendo dito isso, Jesus saiu com seus discípulos para o outro
lado do ribeiro de Cedrom, onde havia um jardim, e entrou ali com
eles.
“Isso” (lit. “essas coisas”) refere-se ao conteúdo todo dos capítulos 14-
17. Não importa se o Evangelista se referiu ao cenáculo (cap.13 em diante)
ou à Jerusalém; Jesus com seu grupo de homens saiu da cidade. Indo
para o leste, eles cruzaram o vale do Cedrom, uns sessenta metros abaixo
da base do muro do Templo.
Pelo mesmo caminho o rei Davi já fugiu de seu filho Absalão, mil
anos antes, e chorando, em direção ao deserto (2.Sam.15,23). Agora era
noite de lua cheia. Velhos túmulos encravados nas rochas de calcário nos
dois lados do caminho jogaram suas sombras sobre a trilha, quando o
grupo, muito provavelmente em silêncio pesado, passou.
453
O filme de Mel Gibson (A Paixão de Cristo), embora parcialmente
tendencioso e alheio à missão escatológica (plano de salvação de Deus),
ilustra muito bem o momento em que Jesus, esgotado fisicamente e
solitário, estava sendo tentado por Satanás na escuridão da noite. Valia a
pena? O Pai O reconheceria?
Cap. 18.3-5
(3) Então, Judas trouxe consigo um destacamento de soldados e alguns guardas da
parte dos principais sacerdotes e fariseus; e chegou ali com tochas, lanternas e
armas. (4) Sabendo Jesus tudo o que estava para lhe acontecer, adiantou-se e
perguntou-lhes: A quem procurais? (5) Eles responderam: A Jesus, o nazareno. Jesus
lhes disse: Sou eu. E Judas, o traidor, também estava com eles.
455
os discípulos que, naquela noite e naquele pacato jardim foram
surpreendidos por um considerável número de homens armados, podia
parecer que “multidões” acorriam para eles.
456
não podiam acompanhar tropas do governo sem expressa ordem da parte
do governador. Os romanos e os judeus nunca cooperavam; a submissão
necessária do Sinédrio (corte judaica religiosa) ao odiado governador era
uma questão de delicadíssima manipulação política.
(4) Sabendo Jesus tudo o que estava para lhe acontecer, adiantou-se e
perguntou-lhes: A quem procurais? (5) Eles responderam: A Jesus, o
nazareno. Jesus lhes disse: Sou eu. E Judas, o traidor, também estava
com eles.
Enquanto nos Evangelhos sinóticos foi dado a Judas a iniciativa de
ação – aproximando-se de Jesus e beijando-o – João nada sabe desse beijo
traiçoeiro. João corrige os sinóticos: não era o traidor quem agiu; era Jesus
quem dominava a cena. O papel de Judas se limitou a “estar entre eles”,
nada mais podendo mudar. Seu papel escatológico (plano de Deus) fora
cumprido. João não sabe do um arrependimento posterior do traidor, nada
também de seu suicídio. Menos ainda de um castigo divino caindo sobre
ele, eliminando-o (Atos 1,15s). Judas não precisava receber vingança
divina; seu papel na história de salvação já fora pesado o suficiente. João
entendeu o fracasso de Judas perante o “escândalo do servo sofredor”
(Kierkegaard) como obra do diabo (13,2) e nada mais. Não havia
necessidade para denegrir Judas, como infelizmente aconteceu
paulatinamente na igreja primitiva (sinóticos!) e tornou-se rito nas
procissões da Igreja, até hoje. Quem somos nós para acusar Judas?
457
Vencedor, e era Ele quem enfrentou toda a tropa, inclusive a Judas que
ficou, cumprida a sua tarefa, “no anonimato” entre os soldados.
Cap. 18.4-13
(18.4) (4) Sabendo Jesus tudo o que estava para lhe acontecer, adiantou-se e
perguntou-lhes: A quem procurais? (5) Eles responderam: A Jesus, o nazareno. Jesus
lhes disse: Sou eu. (6) Quando Jesus lhes disse: Sou eu, afastaram-se e caíram por
terra. (7) Então, Jesus lhes perguntou mais uma vez: A quem procurais? Eles
responderam: A Jesus, o nazareno. (8) Jesus lhes respondeu: Já vos disse que sou
eu; se é a mim que procurais, deixai estes ir embora; (9) para que se cumprisse a
palavra que dissera: Não perdi nenhum que me deste. (10) Então Simão Pedro
desembainhou uma espada que trazia e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-
lhe a orelha direita. O nome do servo era Malco. (11) Mas Jesus disse a Pedro: Põe a
tua espada na bainha. Por acaso não beberei do cálice que o meu Pai me deu? (12)
Então o destacamento, o comandante e os guardas dos judeus prenderam Jesus e o
amarraram. (13) E conduziram-no primeiramente a Anãs, pois ele era sogro de
Caifás, sumo sacerdote naquele ano.
(6) Quando Jesus lhes disse: Sou eu, afastaram-se e caíram por
terra.
A reação da vanguarda é espantosa e abre espaço para os mais
diversos comentários. A forma grega da resposta é ambígua: “egô eimi” (lit.
“eu sou”). Alguns manuscritos trazem: “eu sou Jesus”, acrescentando o
nome.
Comentaristas tradicionais logo apontam para Isaías, caps. 40-55,
onde o próprio Deus repetidamente toma essas palavras em seus lábios,
identificando-se. Esses eruditos lembram de João 8,58, onde Jesus
pronunciou a mesma palavra “egô eimi” e sem qualquer ambiguidade
identificou-se com o nome santo de Deus.
Mesmo assim, não devemos conjecturar que os interlocutores de
Jesus caíram por terra por nenhuma outra razão que não o fato de Jesus
pronunciar uma expressão reservada somente ao Todo-Poderoso. Nunca
encontramos que alguém tenha caído para trás numa demonstração de
reverência à presença de Deus; o que conhecemos é cair sob o seu rosto,
para frente, em atitude de adoração.
459
(7) Então, Jesus lhes perguntou mais uma vez: A quem procurais?
Eles responderam: A Jesus, o nazareno. (8) Jesus lhes respondeu: Já
vos disse que sou eu; se é a mim que procurais, deixai estes ir
embora;
A cena se repete, acreditamos agora perante os soldados. Através de
sua rápida autoidentificação, Jesus garantiu que Seus seguidores
presentes não fossem feridos. Novamente ouvimos nas Suas palavras
impositivas que Jesus representou autoridade; Ele não falou como o ladrão
que foi capturado, mas como quem determina.
(9) para que se cumprisse a palavra que dissera: Não perdi nenhum
que me deste.
O que chama a atenção do leitor, é que João permite a Jesus
declarar, na presença de Judas, não ter perdido nenhum daqueles que o
Pai lhe deu. Na oração ao Pai, em 17,12, Jesus ainda havia excluído
Judas; agora, não mais o faz.
(10) Então Simão Pedro desembainhou uma espada que trazia e feriu o
servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. O nome do
servo era Malco. (11) Mas Jesus disse a Pedro: Põe a tua espada na
bainha. Por acaso não beberei do cálice que o meu Pai me deu?
460
A bravura de Pedro não era apenas inútil; ela também era uma
negação da obra para a qual Jesus acabou de se consagrar. O
compromisso de Jesus de “beber o cálice” preparado para Ele por Seu Pai
evoca a oração de Jesus (confira Marcos 14,36 e João 12,27/28).
João é mais preciso na sua narração que os sinóticos. Ele foi o único
entre os Evangelistas que observou que Jesus foi amarrado (manietado
como um criminoso comum) e que foi o destacamento dos soldados
romanos com o seu comandante que efetuaram a prisão. Os “guardas dos
judeus” (polícia do Templo) ficaram em segundo plano. Fora da área do
Templo eles não tinham autoridade nenhuma para prender alguém.
461
Cap. 18.14-16
(13) E conduziram-no primeiramente a Anás, pois ele era sogro de Caifás, sumo sacerdote
naquele ano. (14) Caifás havia aconselhado os judeus, dizendo ser melhor que um
homem morresse pelo povo. (15) Simão Pedro e outro discípulo seguiam Jesus. Este
discípulo era conhecido do sumo sacerdote, e por isso entrou com Jesus no pátio do
sumo sacerdote, (16) mas Pedro ficou à porta, do lado de fora. Então, o outro
discípulo conhecido do sumo sacerdote saiu, falou à criada que cuidava da porta e
levou Pedro para dentro.
Jesus foi levado algemado (como vimos no verso 12), não a um tipo
de prisão, como era de se esperar. João nos relata que Jesus fora
conduzido à mansão de Anás, sogro do sumo sacerdote.
Veremos que João, por sua vez, nada sabe do julgamento de Jesus
perante o Sinédrio, e sobre o qual os três Evangelistas Mateus, Marcos e
Lucas longamente se referem.
462
Era lei judaica que o sumo sacerdote fosse designado vitaliciamente,
sendo indicado pelo “Grande Sinédrio dos Setenta e Um”, mas os
governadores romanos introduziram a novidade de que a nomeação seria
feita e desfeita por eles ao seu bel-prazer, de acordo com os rendimentos
que este ou aquele candidato lhes proporcionava. Dessa forma, os sumo
sacerdotes sempre eram simpáticos aos romanos (romanófilos) e, através
deles, os romanos podiam efetivamente controlar os judeus.
463
Antes de Jesus ter sido levado à presença do sumo sacerdote oficial,
Caifás, o Evangelista lembra os seus leitores de que este homem, tempos
atrás, havia elaborado a sua política de sobrevivência do clero em relação a
Jesus e que, sem saber, tinha profetizado o propósito de Deus.
Quando João diz “naquele ano”, ele se refere àquele ano fatal, o da
morte de Cristo. Na discussão veemente no Sinédrio sobre como silenciar a
voz do pregador da Galileia, Caifás expressou a sua opinião sagaz e
insensível. Como sumo sacerdote, sua opinião fora considerada “voz de
Deus” e vidente, embora Caifás pensasse apenas no aspecto puramente
político. Um grande movimento atrás de um líder carismático podia
chamar a atenção dos romanos e desencadear uma reação violenta,
tirando do Sinédrio o resto de autonomia que este Conselho judaico havia
preservado. Para Caifás, Jesus representava mais um perigo político do que
religioso, pois ele, como sumo sacerdote, respondia perante o poder
romano pelo comportamento de seu povo, uma tarefa que exigia uma
grande capacidade diplomática, bastante tato e astúcia também. No verso
11,53 João observou que “resolveram” (lit) agir; a decisão de silenciar
Jesus fora tomada, só faltava levá-la adiante tão eficientemente possível
quanto compatível com a conveniência política.
Observação: Caifás permaneceu no cargo até 36 d.C. quando ele e Pôncio Pilatos foram
ambos tirados ao mesmo tempo.
(15) Simão Pedro e outro discípulo seguiam Jesus. Este discípulos era
conhecido do sumo sacerdote, e por isso entrou com Jesus no pátio
do sumo sacerdote, ...
Finalizando: Quem afinal poderia ser esse “outro” que seguia junto
com Pedro? De acordo com Carson, “a mais competente e recente avaliação
da evidência conclui, com muita hesitação, que o “outro discípulo” é o
discípulo amado” (Frans Neirynk, 1982). A analogia de estrutura na corrida
de Pedro e João em 20,3-8 é demais convincente. Em várias outras
oportunidades, Pedro e João aparecem juntos, assim na última ceia (13,23-
25), cujo texto é relacionado com as palavras em 21,20.
(16) mas Pedro ficou à porta, do lado de fora. Então, o outro discípulo
conhecido do sumo sacerdote saiu, falou à criada que cuidava da porta
e levou Pedro para dentro.
A sociedade judaica, tão diferente da de outras partes do mundo
grego, não levantava barreiras entre trabalho manual e função educacional
ou sacerdotal. Mesmo que não saibamos especificar a natureza do
“conhecimento” que João manteve com o círculo do sumo sacerdote,
podemos aceitar o testemunho do Evangelista.
Ainda não sabemos para quê Jesus fora levado à mansão de Anás e o que
esta eminência parda queria dele.
465
Cap. 18.17/18 e 25 - 27
(17) Então a criada que cuidava da porta perguntou a Pedro: Tu também não és um
dos discípulos deste homem? Ele respondeu: Não sou. (18) Estavam ali os servos e
os guardas, os quais haviam acendido uma fogueira e se aqueciam, pois fazia frio.
Pedro também estava ali em pé no meio deles, esquentando-se. (19) Então o sumo
sacerdote passou a interrogar Jesus acerca dos seus discípulos e de seu ensino. (20)
Jesus lhe respondeu: Eu falei abertamente ao mundo; sempre ensinei nas sinagogas e no
Templo, onde todos os judeus se congregam. Nada falei em oculto. (21) Por que me
interrogas? Pergunta aos que me ouviram o que lhes falei. Eles sabem o que eu disse. (22)
Tendo dito isso, um dos guardas que ali estavam deu uma bofetada em Jesus, dizendo: É
assim que respondes ao sumo sacerdote? (23) Jesus lhe respondeu: Se falei mal, mostra
esse mal; mas se eu falei o que é correto, por que me agrides? (24) Então Anãs enviou-o
amarrado a Caifás, o sumo sacerdote. (25) Simão Pedro ainda estava ali, esquentando-
se. Perguntaram-lhe, então: Tu também não és um dos seus discípulos? Mas ele
negou, dizendo: Não sou. (26) Um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a
quem Pedro cortara a orelha, disse: Acaso não te vi com ele no jardim? (27) Pedro
negou outra vez, e imediatamente um galo cantou.
Podemos perguntar: por que Pedro seguiu (claro que com os devidos
cuidados), ao seu Senhor até para dentro do pátio do palácio?
Convenhamos que o mesmo Pedro que poucas horas antes havia afirmado
estar pronto para dar a sua vida por Jesus, agora estava frustrado. Sua
malsucedida intervenção na hora da prisão, por cima ainda censurada
pelo próprio Senhor, fazia-o sentir-se humilhado; não lhe haviam dado
oportunidade para provar a sua valentia e sua fidelidade.
467
Fazia frio e enquanto Jesus era apresentado a Anás (versos 19-23),
os guardas, desocupados, ficaram de pé em volta do braseiro,
esquentando-se. Detalhes como esses confirmam a presença de uma
testemunha ocular. Na época da Páscoa, as noites eram frias; eram dias de
lua cheia.
Pedro também estava ali em pé no meio deles, esquentando-se.
Passou-se aproximadamente uma hora, como sabemos de Lucas. Os
guardas estavam ocupados naquilo que todos os guardas nas horas vagas
estão: comentando o seu dia a dia.
468
palavras de Jesus em 13,36: “Para onde Eu vou, agora não pode seguir-
me, mas depois me seguirás”.
469
Cap. 18.19-24
(19) Então o sumo sacerdote passou a interrogar Jesus acerca dos seus discípulos e
de seu ensino. (20) Jesus lhe respondeu: Eu falei abertamente ao mundo; sempre
ensinei nas sinagogas e no Templo, onde todos os judeus se congregam. Nada falei
em oculto. (21) Por que me interrogas? Pergunta aos que me ouviram o que lhes
falei. Eles sabem o que eu disse. (22) Tendo dito isso, um dos guardas que ali
estavam deu uma bofetada em Jesus, dizendo: É assim que respondes ao sumo
sacerdote? (23) Jesus lhe respondeu: Se falei mal, mostra esse mal; mas se eu falei o
que é correto, por que me agrides? (24) Então Anás enviou-o amarrado a Caifás, o
sumo sacerdote.
470
A versão joanina de que Jesus foi preso pela totalidade ou por parte
de uma coorte romana comandada por seu tribuno, com a assistência da
polícia judaica do Templo e de seu comandante, está sendo aceita como a
verdade dos fatos pela maioria dos eruditos contemporâneos.
Assim é que aprendemos: “... todo julgamento foi uma farsa... nos
anais da jurisprudência, jamais aconteceu uma paródia de justiça que fosse
mais chocante do que essa...Eles (os líderes judaicos) estavam tomados de
fúria porque o novo profeta tinha desnudado seus motivos... eles estavam
sedentos de sangue! Eles... eles... eles...” (Hendriksen, pág.811/12).
471
Será que essa difamação generalizada condiz com a realidade dos
fatos? Veremos o que o Evangelista nos diz a respeito de Jesus, quando
preso e levado: “E conduziram-no primeiramente a Anás, pois ele era sogro
de Caifás, sumo sacerdote naquele ano” (verso 13).
Essa segunda preocupação era mais delicada ainda. Será que havia
meios de levar o Nazareno a retratar-se, uma vez vendo-se nas mãos do
poderoso Conselho? Anás sabia do desespero do próprio Conselho diante
do sucesso de Jesus (11,47-48). Caifás, seu sogro, na época tinha
censurado a todos, lembrando a máxima política de sobrevivência (11,50).
A rapidez com que a desejada eliminação do pregador Nazareno aconteceu
em consequência de sua prisão pelos romanos, exigiu do Sinédrio atitudes
imediatas. Anás sabia que o povo, em escala crescente, gostou de Jesus e
havia bons motivos para isso. Ele era uma pessoa do seu meio que se
elevara, pela graça manifesta de Deus, àquela estatura intelectual e moral a
que, conscientemente ou não, cada um dos membros do nobre Conselho
aspirava. Realizador de milagres, curador de enfermos, consolador de
pobres, punidor da corrupção e inimigo dos ricos e corruptos, Jesus
granjeava a afeição e devoção do povo – bem ao contrário de muitos dos
membros do Sinédrio.
472
Daqui a pouco, Jesus teria que comparecer diante de Pilatos que
nada mais gostava do que humilhar os judeus. As chances de Jesus de
escapar com vida eram mínimas. Será que havia como levar esse homem
“enlouquecido” à razão? Quais eram as suas reais aspirações? Como o
Sinédrio justificaria perante o povo a morte de Jesus nas mãos dos
odiados romanos? A eliminação de Jesus, sim, havia se tornado uma
necessidade para o Sinédrio – mas não da forma como os romanos o
costumavam fazer: a crucificação – o meio mais humilhante e perverso que
um judeu podia sofrer, e meio esse maldito pelas Escrituras.
A única solução prevista por Anás era uma retratação de Jesus nas
suas aspirações messiânicas, principalmente nas suas palavras blasfemas
contra o Templo – o Santuário Nacional judeu, coração da nação. Com
essa renúncia, o Sinédrio teria como justificar a morte de Jesus pelos
romanos perante o povo; ainda mais, o Conselho podia granjear o mérito
de ter desmascarado um falso messias e poupado o povo ignorante de
uma, quem sabe, iminente intervenção militar dos romanos.
(22) Tendo dito isso, um dos guardas que ali estavam deu uma
bofetada em Jesus, dizendo: É assim que respondes ao sumo
sacerdote?
A palavra “rhapisma”, traduzida por “bofetada”, refere-se a um golpe
forte com a palma da mão. Jesus, com as mãos amarradas por trás, não
tinha como defender-se, a não ser censurando o guarda.
473
(23) Jesus lhe respondeu: Se falei mal, mostra esse mal; mas se eu
falei o que é correto, por que me agrides?
Para quem aprendeu ler João, não parece ser essa a razão única.
João não via mais de quê se preocupar com o Sinédrio, considerado por ele
como parte do mundo – perdido e corrupto. Com as palavras categóricas do
verso 21, ele encerra toda a disputa com Jerusalém; sua atenção volta-se
para Roma.
474
Há um simbolismo profundo nesse ponto final com a autoridade
religiosa judaica como tal. A partir de agora João a vê como parceira
declarada do inimigo de Deus.
Cap. 18.24
(24) Então Anás enviou-o amarrado a Caifás, o sumo sacerdote.
475
Outra dimensão, sem dúvida, consistia no perigo político que Jesus
representava. Na Sua entrada em Jerusalém, dias atrás, Ele fora aclamado
“Rei”. A recepção real a Jesus, quando de sua chegada em Jerusalém; as
grandes multidões de entusiásticos judeus que sempre o rodeavam: essas
coisas não podem ter sido desconhecidos por Pilatos.
476
“perverter a nação”, “vetando pagar tributo a César” e “alvoroçando o povo,
desde a Galileia”. Lembramos que todos, menos um, dos levantes políticos
dos judeus contra Roma, tiveram seu início na Galileia. - Até aqui,
resumidamente, a argumentação de Cohn.
477
Quem pode acusar Deus? Devemos confessar: a morte violenta de
Jesus na cruz não encontra justificação racional; ela não pode ser
“explicada”, a não ser se se apontar para João 3,16.
Em 1 Tess 2,4 (escrita por volta do ano 51) Paulo ainda não tinha a
visão que alcançou no fim dos anos 50. Sua única observação na qual ele
acusa “os judeus” pela morte ainda aconteceu dentro de sua tradição.
Quando, mais tarde, escreveu a sua “Carta aos Romanos”, ele de maneira
maravilhosa, abordou o problema do judeu que não conseguiu reconhecer
Jesus, e de sua esperança pelo seu amado povo.
478
Lembremos que a igreja cristã nasceu debaixo da opressão romana.
Havia certa “censura”. Os cristãos, por décadas já violentamente
perseguidos quando João escreveu (Nero e seus seguidores em Roma),
cuidavam de não provocar o poder romano. Os Evangelhos escritos que
circulavam entre os cristãos procuravam não acusar o governador romano
como diretamente culpado pela morte injusta de Jesus, talvez por
precaução (não sabemos até onde essa consideração é válida).
Cap. 18.28-29
(18.28) Depois levaram Jesus da presença de Caifás para o palácio do Governador.
Era de manhã cedo, e eles não entraram, para não ficarem cerimonialmente impuros
e poderem comer a refeição da Páscoa. (29) Então, Pilatos saiu para recebê-los e
perguntou: Que acusação trazeis contra este homem?
479
Onde ficava esse Pretório (praitórion em grego), ou “praetorium” em
latim, traduzido por “palácio do governador” ?
480
escandalizando com isso cada judeu adepto da “Lei de Deus” que proíbe
imagens. Filo qualificou Pilatos como “por natureza intransigente e
malicioso”.
481
Era de manhã cedo, e eles não entraram, para não ficarem
cerimonialmente impuros e poderem comer a refeição da Páscoa.
482
Muitos teólogos querem ver no trecho de 18,33-19,12 uma
apresentação teológica do Evangelista, com seu clímax na conversa
particular entre Jesus e Pilatos sobre o seu reinado (18,33-38). Eles acham
incrível que qualquer relato do que ocorreu na privacidade da corte de
Pilatos possa ter vazado para se tornar parte da narrativa de João. Para
eles, João apresenta uma escrita criativa para afirmar pontos teológicos
que não têm base na realidade histórica.
Cap. 18.30- 38
(30) Eles responderam: Se ele não fosse malfeitor, não o entregaríamos a ti. (31)
Disse-lhes Pilatos: Levai o convosco, e julgai-o segundo a vossa lei. Mas os judeus
disseram: Não nos é permitido executar ninguém. (32) Isso aconteceu para que se
cumprisse a palavra que Jesus havia falado, referindo-se ao tipo de morte que ele
sofreria. (33) Então Pilatos retornou ao palácio, chamou Jesus e perguntou-lhe: Tu
és o rei dos judeus? (34) Jesus respondeu: Perguntas isso por iniciativa própria ou
foram outros que te falaram a meu respeito? (35) Pilatos prosseguiu: Acaso sou
judeu? O teu povo e os principais sacerdotes te entregaram a mim. Que fizeste? (36)
Jesus respondeu: O meu reino não é deste mundo. Se o meu mundo fosse deste
mundo, os meus servos lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus.
Entretanto, o meu reino não é daqui. (37) Pilatos lhe perguntou: Então, tu és um
rei? Jesus respondeu: É tu que dizes que sou um rei. Foi para isso que nasci e vim
ao mundo, afim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a
minha voz. (38) Então, Pilatos lhe perguntou: Que é a verdade?
484
A morte de Estêvão (Atos 6-7) muitas vezes é citada como uma
evidência de que o Sinédrio tinha jurisdição sobre a pena de morte. No
entanto, o caso de Estêvão parece que foi mais um exemplo de violência da
multidão incitada pelo tribunal do que algo oficialmente sancionado pelo
próprio. Era um linchamento com aprovação silenciosa do clero.
(32) Isso aconteceu para que se cumprisse a palavra que Jesus havia
falado, referindo-se ao tipo de morte que ele sofreria.
485
(33) Então Pilatos retornou ao palácio, chamou Jesus e perguntou-lhe:
Tu és o rei dos judeus?
Tomar conhecimento da acusação era exigido como primeiro passo
no procedimento processual, seguido pela interrogação do réu. Pilatos já
conseguiu aborrecer o suficiente os sinedristas lá fora. Satisfeito consigo
mesmo, voltou ao interior do praetorium.
486
com alguém que pretendesse prejudicar Roma (oxalá pudessem fazê-lo!) - a
menos que seus próprios (de Pilatos) interesses estivessem em jogo. Disso
resulta a pergunta: “Que é que você fez?; Quem é você?”
487
A descrição do reino de Jesus é positiva (no verso 36 Jesus disse o
que não era; agora diz no que consiste). É a única vez no Evangelho todo
que o nascimento de Jesus é mencionado sem ambiguidade. Jesus nasceu,
mas vindo ao mundo (de fora)! Toda a teologia joanina da pré-existência
junto ao Pai, e da encarnação estão contidas nessa afirmação. Dificilmente
Pilatos compreendeu as implicações teológicas na primeira frase de Jesus:
“Foi para isso que vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade”.
Para os leitores do seu Evangelho, porém, João resumiu tudo que até
então disse de Jesus através de sua narração. A realeza de Jesus consiste
no seu testemunho da verdade. Verdade não é mais um conceito a ser
interpretado pelo intelecto; verdade é a autorrevelação do Pai em seu Filho.
Essa verdade pessoal compromete, ao contrário da “verdade” como conceito
filosófico.
488
Assim estamos diante de um paradoxo: “Somente é da verdade quem
ouve atentamente e obedientemente a sua voz” e, ao mesmo tempo,
“somente aquele que é da verdade ouvirá a voz de Jesus”. Essa experiência
de fé não deverá ser usada para sua transformação em declarações de
predestinação, pré-temporal, de uns para salvação e de outros para a
perdição. A experiência da fé está acima da nossa procura, às vezes fatal,
para enclausurar uma realidade espiritual em definições racionais, às
vezes necessárias, mas não capazes de gerarem vida.
E dito isso, saiu de novo para falar aos judeus. E disse-lhes: Não vejo
nele crime algum.
O governador Pilatos encontrava-se cercado dos seus apparitores, ou
amanuenses do tribunal, tradutores, guardas e funcionários. O diálogo
entre Jesus e Pilatos (leitura anterior) só fora conversa particular no
sentido de uma interrogação direta pelo governador. Não podemos pensar
que os dois se encontravam a sós numa sala à parte. Para o Evangelista, a
presença desse pessoal é secundária; o que lhe interessava era o diálogo,
possivelmente realizado através de um tradutor (os processos exigiam um
grego perfeito, sem perigo de equívocos, e Jesus falava o aramaico).
489
No pátio pavimentado do palácio, separado da praça pública, os
sinedristas, os representantes do sumo sacerdote e os guardas
aguardavam ansiosamente pela proclamação da sentença. Quando Pilatos
apareceu, a surpresa foi grande. Contrariando o pedido do sumo
sacerdote, Pilatos declarou Jesus inocente. Sua interrogação o havia
convencido da irrelevância desse curioso “rei” para o Império Romano.
(39) Todavia, tendes por costume que vos solte alguém por ocasião da
Páscoa. Quereis que eu vos solte o rei dos judeus?
490
Um governador romano, que tinha o direito da espada, certamente
não consultaria “os nativos”. A lei romana disse: “Vanae voces populi non
sunt audiendae” – as vozes do povo não devem ser ouvidas.
491
“rei” já havia durado demais. Antes da flagelação, Pilatos havia renovado,
pelo menos duas vezes, suas perguntas a Jesus (18.33.37), questionando-
O se era rei e o que fizera. A resposta de Jesus à última pergunta consistia
em confissão final de culpa. Nessas circunstâncias não é impossível que
Pilatos tenha mandado flagelar Jesus para extrair não uma segunda
confissão, mas para obter uma renúncia às suas ridículas reivindicações, o
mesmo que, poucas horas antes, o sumo sacerdote tentou e sem êxito.
492
João resumiu todo esse tratamento brutal do seu Senhor em uma
única sentença: Pilatos tomou a Jesus e mandou açoitá-lo.
(4) Então Pilatos saiu outra vez e disse lhes: Eu o trarei aqui para vós,
a fim de que saibais que não vejo nele crime algum. (5) Então Jesus
saiu, vestindo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. E Pilatos
lhes disse: Aqui está o homem! (Eis o homem!)
493
Com as palavras: “Aqui está o homem!” (Eis o homem!), Pilatos
apresentou o judeu Jesus, travestido de “rei maluco”, uma caricatura de
rei! Vejam aqui esse seu rei judeu miserável e ridículo! O Evangelista
apresenta-nos o paradoxo numa cena monumental. Manifestou-se
presente, na sua mais extrema condição, “o verbo que se fez carne” (1,14)
494
Cap. 19.6 – 12a
(6) Ao vê-lo, os principais sacerdotes e os guardas gritaram: Crucifica-o! Crucifica-o!
E Pilatos lhes disse: Levai-o e crucificai-o vós! Eu não vejo nele crime algum. (7) Mas
os judeus lhe responderam: Nós temos uma lei, e de acordo com essa lei ele deve
morrer, pois declarou-se Filho de Deus. (8) Ouvindo isso, Pilatos ficou ainda mais
atemorizado; (9) e entrando outra vez no palácio, perguntou a Jesus: De onde vens?
Mas Jesus não lhe deu resposta alguma. (10) Então Pilatos insistiu: Não me
respondes? Não sabes que tenho autoridade tanto para te soltar como para te
crucificar? (11) Jesus lhe respondeu: Nenhuma autoridade terias sobre mim, se do
alto não te fora dada; por isso, aquele que me entregou a ti incorre em pecado
maior. (12) Daí em diante Pilatos procurava soltá-lo.
495
venerada companhia dos heróis que haviam sacrificado suas vidas por sua
fé ancestral” (Cohn).
(7) Mas os judeus lhe responderam: Nós temos uma lei, e de acordo
com essa lei ele deve morrer, pois declarou-se Filho de Deus.
496
para os acusadores eram as implicações de compartilhar direitos e a
autoridade do próprio Deus (5,19-30).
497
desgraça e foi executado no ano 31 (época da morte de Jesus) depois da
descoberta de um plano para depor César Tibério. Dali em diante, o poder
de Pilatos ficou fragilizado.
O que Jesus poderia dizer a esse romano e que fosse útil para abrir o
entendimento dele para A Verdade? Pilatos manipulava o poder e quem
isso faz (e mesmo se for a Igreja) não tem ouvidos abertos para A Verdade.
(10) Então Pilatos insistiu: Não me respondes? Não sabes que tenho
autoridade tanto para te soltar como para te crucificar?
O silêncio de Jesus irritou Pilatos. “Desconsiderar a pergunta de
uma autoridade podia ser objeto de castigo de, pelo menos, tortura,
flagelação ou pena capital” (Cohn). Mesmo assim, Jesus ficou calado,
respirando com dificuldade, se considerarmos a tortura pela qual passou.
A pergunta de Pilatos, no original, coloca o “me” na frente: ela soou assim:
“A mim tu não respondes?” ou, “Comigo não falas”? Jesus já estava
condenado de fato; já fora torturado; ainda assim Pilatos procurou
ameaçá-lo com seu prestígio.
498
(11) Jesus lhe respondeu: Nenhuma autoridade terias sobre mim,
se do alto não te fora dada;...
De quem Jesus estava falando? Não foi Judas que entregou Jesus a
Pilatos. Foram outros que cuidaram da denúncia que levou à captura dEle.
Foram outros que, durante o processo, sustentaram a culpabilidade do
acusado, quando ele, Pilatos pessoalmente, não a conseguiu ver nEle. O
Evangelista, no entanto, fala no singular e tudo indica que o termo
“aquele” se refere a Caifás, o sumo sacerdote, aquele que estivera por trás
da denúncia e do pedido de que Jesus fosse sentenciado à morte na cruz.
Caifás não havia recebido nenhuma autoridade da parte de Deus para essa
sua ação; ele agiu com conhecimento e determinação na liderança da
formulação das acusações contra Jesus e de sua execução através dos
“principais sacerdotes e guardas”.
499
“Daí em diante” ou, em outra forma, “por esse motivo”, Pilatos
procurou por um caminho para poder declarar Jesus livre. Isso não quer
dizer que Pilatos tinha plena compreensão do que Jesus estava lhe
dizendo. Porém parece ter sido definitivamente convencido de que Jesus
não tinha feito nada digno de morte. A própria denúncia que levou o poder
romano à captura de Jesus, não se sustentara. A acusação de sedição
(rebelião contra Roma) não tinha base. E a acusação por “blasfêmia” não
lhe interessava.
Cap. 19.12b - 16
(12) Daí em diante Pilatos procurava soltá-lo. Mas os judeus gritavam: Se soltares este
homem, não és amigo de César. Todo aquele que se declara rei é contra César. (13)
Ouvindo essas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora e sentou-se no tribunal, que
em hebraico se chama Gabatá. (14) Era o dia da preparação da Páscoa, por volta da
hora sexta (meio-dia). E Pilatos disse aos judeus: Aqui está o vosso rei! (15) Mas eles
gritaram: Fora! Fora! Crucifica-o! E Pilatos lhes perguntou: Crucificarei o vosso rei?
Os principais sacerdotes responderam: Não temos rei, a não ser César.
(16) Então Pilatos o entregou para ser crucificado.
500
Mas os judeus gritavam:... Interpretando a informação
corretamente como antecipação da proclamação da sentença a ser dada,
todo o ódio e fanatismo do grupo (que João genericamente denomina
“judeus”) explodiu. Seus argumentos contra Jesus haviam sido
desconsiderados pelo governador! Aos gritos, os primeiros sacerdotes
resolveram mudar de estratégia. A partir desse momento não mais era
contra Jesus, a quem acusaram; a acusação transformou-se em ameaça
contra o próprio governador.
... se soltares este homem, não és amigo de César. Todo aquele que se
declara rei é contra César.
A ameaça feita aos gritos representou um golpe pesado contra o
governador. Os judeus, súditos de César, repentinamente queriam ser
mais leais ao Imperador que o Oficial Romano Pilatos? Esse, como bom
político que era, entendeu imediatamente as implicações dessa frase,
muito mais pesadas do que aparentavam ser. “Vamos fazer uma queixa
formal contra você. Vamos dizer ao Imperador que você fechou os olhos à
alta traição contra o governo; que soltou um homem culpado de sedição
contínua, de “crime laesae maiestatis” (alta traição), intitulando-se “rei de
Israel”. Você, Pilatos, será considerado como que agindo contra ao
Imperador Tibério!”
O termo traduzido “contra” (César) implica, no grego, não somente em
contradizer, mas em resistir de fato.
(13) Ouvindo essas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora e sentou-se
no tribunal, que em hebraico se chama Gabatá. (14) Era o dia da
preparação da Páscoa, por volta da hora sexta (meio-dia). E Pilatos
disse aos judeus: Aqui está o vosso rei!
501
mais uma vez, se fez evidente perante a estratégia cínica do grupo do
politicamente experimentado Caifás.
A tradução do verso 13, feita pela NVI, deve ser a correta: “Pilatos...
sentou-se na cadeira de Juiz (“bêma”)”.
502
A colocação transitiva do verbo sentar, que permite essa outra
leitura, talvez tenha sido proposital. O Evangelho de João contém
inúmeros símbolos, palavras simbólicas e verdades ocultas em forma de
narração. Já no século II, o “Evangelho apócrifo de Pedro” e uma
interpretação feita por Justino (Aplo. I/35) se referem a esse momento,
dizendo que “Pilatos levou Jesus para fora e o fez sentar na tribuna de
Juiz”. Imagine-se uma tribuna (como mostra a moeda na página anterior)
que dava lugar a várias pessoas. A declaração de Pilatos: ”Aqui está o
vosso rei”, na hora sexta do dia da preparação (sexta-feira da Páscoa) é de
profundo significado simbólico. “Jesus está entronizado e é Juiz daqueles
que não o querem como rei” (Potteries). “Mesmo se Pilatos, como
governador, estivesse sentado na “bêma” diante dos acusadores que
gritaram: “Fora! Crucifica!”, aquele a quem Deus deu toda a autoridade
para julgar estivera de pé perante eles, visível por todos”, cf. João 5,27
(Barret).
Contra essa possibilidade de leitura conta o fato de que as fontes do
“Evangelho de Pedro” e Justino são muito posteriores a João. Seus autores
conheciam os quatro Evangelhos que não dão lugar a essa interpretação.
Assim, a maioria de comentaristas de João descarta essa versão, embora
cheia de valor simbólico.
503
(15) Mas eles gritaram: Fora! Fora! Crucifica-o! E Pilatos lhes
perguntou: Crucificarei o vosso rei? Os principais sacerdotes
responderam: Não temos rei, a não ser César.
504
A sentença de morte pronunciada por Pilatos não é mencionada; ela
fica implícita por Pilatos se sentar no tribunal (bêma). Algumas traduções
dizem: “... entregou a eles (autois) para ser crucificado”. Embora seja essa
a tradução correta, João sabia perfeitamente que os judeus não tinham o
direito, delegado ou não, de crucificar ninguém. Foram os soldados
romanos, e sob o comando militar romano, que realizaram a execução. “A
melhor compreensão de “autois” seria a de um dativo de vantagem: Pilatos
entregou Jesus (para os soldados) para satisfazer às demandas dos
judeus.
Essa leitura é confirmada por Lucas 23,24: “Então Pilatos decidiu
fazer a vontade deles (lit. tô thelêmati autôn); ele entregou Jesus à vontade
deles” (Carson).
Cap. 19.17-18
(17) Levaram, então, Jesus; e ele, carregando a própria cruz, saiu para o lugar
chamado Caveira, que em hebraico se chama Gólgota. (18) Ali o crucificaram
juntamente com outros dois homens, um de cada lado dele.
505
Comentários demasiadamente
preocupados com a fidelidade
ao nosso texto que diz “cruz”,
recorrem a explicações meio
estranhas para ainda chegar a
uma conclusão errada. Por
exemplo: “Muito tem sido
escrito sobre a forma da cruz
(carregada por Jesus). Teria
essa cruz a forma da letra X
(cruz de Santo André), da letra
T (cruz de Santo Antônio) ou de
punhal (a cruz latina)? ... Ao
que parece, a cruz inteira (o
poste e o travessão) foi colocada
nas costas de Cristo...”
(cit.Hendriksen,pág.850).
Não, o criminoso
condenado levava a barra
horizontal em seus ombros para
o local da execução, onde a trave vertical, o poste (grego “staurós”, lat.
“palus”, “stipes”) já se encontrava fixado no chão, servindo a repetidas
crucificações (Carson, Cohn, Bösen e.o.m)
Por que será que João corrigiu os textos sinóticos, omitindo a menção
de Simão? Geralmente se diz que João queria mostrar um Jesus soberano,
resoluto, obediente ao Pai e, por essa razão, correto na intenção, reportou
que Jesus carregou sua própria cruz.
506
crucificação: Isaque levou a madeira “como quem leva sua estaca sobre
seu ombro” (Gênesis Rabbah 56.3 sobre Gen.22,6).
507
O único lugar de toda a história de
Jesus, identificado como historica-
mente autêntico é o que nos resta
da rocha de uma antiga pedreira
de calcário ainda existente no
lugar onde Jesus foi crucificado. O
valor simbólico é inestimável, pois
junto a esse resto (perto da Igreja
do Santo Sepulcro, ao lado da
parede norte) encontramos
também várias sepulturas
(cavernas) do séc.I – o lugar da
ressurreição!
Todos os demais lugares
“históricos” na Jerusalém de hoje,
explorados pelo turismo religioso,
são lugares simbólicos que nos dão
uma ideia somente de como,
eventualmente, poderia ter sido o
ambiente no século I. O mundo do
Jesus histórico encontra-se a 10 –
20 metros abaixo da superfície
atual.
A foto nos dá uma ideia do quanto
os restos da Jerusalém da época
de Jesus estão abaixo da
superfície de hoje. No nosso
estudo de Marcos abordamos com
muitos detalhes essas questões geográficas. O Evangelho de João tem
outros focos. Não vamos desviar a nossa atenção deles.
508
“Gólgata” é uma transliteração do grego que, por sua vez, é uma
transliteração do aramaico “gulgoltâ”, que significa “caveira”. A palavra
usada mais comum, “Calvário”, deriva do latim “calvária”, termo latino
usado em todos os quatro Evangelhos. De onde vem esse termo macabro?
509
No cap.12, o Evangelista havia relatado palavras proféticas de Jesus
proferidas uma semana atrás após ter entrado em Jerusalém, e sob a
aclamação da multidão. Quando estava sendo procurado por peregrinos
vindos do mundo grego, Ele clamou ao Pai: “Agora, minha alma está
angustiada; e que direi? Pai, salva-me desta hora? Mas foi para isso que
vim, para esta hora. Pai, glorifica o teu nome!” Então, veio uma voz do céu:
“Já o glorifiquei, e o glorificarei mais uma vez”. A multidão que ali estava e a
ouvira, dizia ter ouvido um trovão; outros diziam: um anjo lhe falou. Jesus
respondeu: “Esta voz não veio por minha causa, mas por causa de vós.
Chegou a hora do julgamento deste mundo, e o seu príncipe será expulso
agora. E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim”.
E o Evangelista acrescentou: “Ele dizia isso, referindo-se ao modo pelo
qual morreria” (12, 27-33).
Cap. 19.19-24
(19) Pilatos ordenou também que se colocasse um letreiro sobre a cruz com esta
inscrição: JESUS NAZARENO, O REI DOS JUDEUS. (20) Muitos judeus leram a
inscrição, pois o lugar onde Jesus foi crucificado ficava próxima da cidade; a
inscrição estava em hebraico, latim e grego. (21) Então os principais sacerdotes dos
judeus pediram a Pilatos: Não escrevas: O rei dos judeus, mas o que ele disse: Sou
rei dos judeus. (22) Pilatos respondeu: O que escrevi, escrevi. (23) Tendo crucificado
Jesus, os soldados pegaram as suas roupas e as repartiram em quatro partes, uma
para cada soldado. Pegaram também a túnica, que não tinha costura, uma só peça
de alto a baixo. (24) Por isso, disseram uns aos outros: Não a rasguemos, mas
tirmeos sortes, para ver de quem será; para que se cumprisse a Escritura, que diz:
Repartiram entre si as minhas roupas e tiraram sortes. E assim fizeram os soldados.
510
(19) Pilatos ordenou também que se colocasse um letreiro sobre a cruz
com esta inscrição: JESUS NAZARENO, O REI DOS JUDEUS.
(20) Muitos judeus leram a inscrição, pois o lugar onde Jesus foi
crucificado ficava próxima da cidade; a inscrição estava em hebraico,
latim e grego.
511
Sem dúvida, o próprio senso de impotência de Pilatos diante da
manipulação deles (verso 12) contribuiu para sua inflexível insistência na
permanência do que estava escrito no “titulus”. O protesto irado dos líderes
dos sacerdotes junto ao governador mostra que eles sentiam a
mordacidade da ironia sem limites de Pilatos. A negação do “imperativo
präsens” permite ler o protesto deles dessa forma: “Não pode continuar
estar escrito...!!” (Bauer). Se Pilatos alterasse a inscrição para a forma
sugerida: “esse homem dizia ser rei dos Judeus”, toda a vingança do
governador não daria em nada.
Se Pilatos se negou a mudar a versão dada por ele, não o fez por
recusar-se a mudar verdade em mentira (como diz Dauer); ele não revelou
caráter (que não tinha), mas, sim, a sua “determinação em humilhar
aqueles que o humilharam” (Carson).
512
flagelação e a colocação da coroa de espinhos? O Evangelista Marcos, em
15,20, menciona que devolveram a Jesus as suas roupas após a
flagelação.
Pegaram também a túnica, que não tinha costura, uma só peça de alto
a baixo. (24) Por isso, disseram uns aos outros: Não a rasguemos, mas
tiremos sortes, para ver de quem será; ...
513
“Repartem entre si minhas roupas e, (ta himatia, plural)
tiram sorte sobre a minha túnica” (ton himatismon, singular)
514
Todas essas especulações em torno da túnica de Jesus nos parecem
pouco plausíveis. O filme “O Manto Sagrado” da 20th Fox (1953), que conta
a história da túnica de Jesus após ser sorteada, nada tem a ver com a
realidade histórica. Menos ainda a hipótese das Igrejas contemporâneas,
comprometidas com a “Teologia da Prosperidade”, dando à posse de uma
túnica de um fio só a interpretação de que Jesus era rico e que “cabe a nós
sermos ricos também”.
Cap. 19.25
(25) Em pé, junto à cruz de Jesus, estavam sua mãe, a irmã de sua mãe, a mulher de
Clopas, chamada Maria, e Maria Madalena.
515
(25) Em pé, junto à cruz de Jesus, estavam sua mãe, a irmã de sua
mãe, a mulher de Cléopas, chamada Maria, e Maria Madalena.
516
pessoas nas suas andanças, principalmente quando a popularidade de
Jesus começou a diminuir (6, 66) e quando a páscoa se aproximou.
Esse era o contexto cultural em que Jesus se via envolto, no que diz
respeito à questão da mulher. Enviar mulheres para pregar teria sido tolice
ou ingenuidade demais. Na anunciação das Boas Novas, elas não tinham
chance nenhuma.
Assim lemos:
(25) Em pé, junto à cruz de Jesus, estavam sua mãe, a irmã de sua mãe, a
mulher de Clopas, chamada Maria, e Maria Madalena.
Isso tem levado eruditos a confirmar que João, de fato, deve ter
estado presente em pessoa, na crucificação, e que relatou o que realmente
aconteceu. Há razões para preferir o seu relato dos acontecimentos aos dos
517
demais Evangelistas e para descartar (como ele o fez), o que estes
contaram de zombarias e injúrias dos judeus. O Evangelista Lucas também
teve alguns escrúpulos; enquanto as suas “autoridades escarneciam de
Jesus”, o “povo tudo observava” (23,35), abstendo-se, de modo bastante
estranho, de participar do escárnio geral.
518
afastados. Havia registros de casos em que pessoas tiraram um amigo da
cruz e a vítima sobreviveu. No nosso caso, a presença dos soldados devia
impedir tal eventualidade.
Quatro auxiliares militares romanos dificilmente se aterrorizariam
com um pequeno grupo de mulheres que, chorando, aproximou-se da
cruz. Nem Jesus nem essas mulheres representaram uma ameaça real.
Se as pessoas podiam chegar perto o bastante para ler uma
inscrição, não há como duvidar da presença real dessas mulheres debaixo
da cruz.
Cap. 19.26-27
(25) Em pé, junto à cruz de Jesus, estavam sua mãe, a irmã de sua mãe, a mulher de
Cleopas, chamada Maria, e Maria Madalena.
(26) Vendo ali sua mãe, e ao lado dela o discípulo a quem amava, Jesus disse à sua
mãe: Mulher, aí está o teu filho. (27) Então disse ao discípulo: Aí está a tua mãe. E a
partir daquele momento, o discípulo manteve-a sob seus cuidados.
520
relacionamento entre a família natural de Jesus e Ele como SENHOR,
parece ter sido um aparecimento pessoal do “Jesus ressuscitado” ao seu
segundo irmão mais velho, Tiago, mencionado somente por Paulo em 1 Cor
15,7. Somente a partir dessa aparição, toda a família natural de Jesus
parece ter-se juntado à jovem igreja.
(26) Vendo ali sua mãe, e ao lado dela o discípulo a quem amava, ...
521
Tão repentinamente e, como Maria, aparecendo do nada, o “discípulo
amado” está do lado dela. No verso anterior, nada ouvimos da presença de
qualquer um dos discípulos entre as mulheres.
... disse à sua mãe: Mulher, aí está o teu filho. (27) Então disse ao
discípulo: Aí está a tua mãe.
Caso essa hipótese seja correta, temos uma resposta à pergunta por
que Jesus passou a responsabilidade sobre a sua mãe não ao seu próprio
irmão Tiago, o segundo irmão mais velho após Jesus (como a tradição
judaica mandaria) e, sim, a João.
524
Cap. 19.28-30
(28) Depois, sabendo Jesus que todas as coisas já estavam consumadas, para se
cumprisse a Escritura, disse: Estou com sede. (29) Havia ali uma vasilha cheia de
vinagre. Então puseram, uma esponja ensopada de vinagre num ramo de hissopo e a
ergueram até à boca de Jesus. (30) Havendo provado o vinagre, Jesus disse: Está
consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito.
525
Os eruditos estão divididos quanto à interpretação do verso 28. A
maioria (como Carson) usa a seguinte paráfrase quando lê o verso citado:
“Jesus, sabendo que tudo estava concluído, e para se cumprir a Escritura,
disse: “Tenho sede””. Essa leitura aponta para o clamor de sede. Não
sabemos exatamente a qual trecho das Escrituras isso se refere. Alguns
apontam o salmo 22,15 (“minha boca secou como um caco de barro, e a
língua grudou-se no céu da boca...”) porque o salmo 22 acabou de ser
citado no verso 24. Outros vêem como mais provável o salmo 69,21 (“ ... e
quando senti sede me deram vinagre para beber”) porque alude aos versos
seguintes.
Jesus não manifestou sede a fim de cumprir uma profecia, mas, sim,
porque sentiu sede como ser humano, sofrendo na cruz.
526
(29) Havia ali uma vasilha cheia de vinagre.
Fontes judaicas confirmam que um vaso com vinagre sempre estava
disponível e ao alcance da mão no local de uma crucificação. Algumas
fontes sugerem que o vinagre servia de bebida barata para os soldados.
Mais provável, no entanto, e confirmado também pelas pesquisas de
H.Cohn, era sua finalidade operacional (por assim dizer) nas crucificações.
Ao contrário do que afirma Wengst, vinagre não servia para saciar sede
abrasadora (experimente!).
527
Admitimos que (o que é o mais provável) Jesus recitara o salmo 22
durante seu suplício. Nele encontramos tanto as palavras iniciais do
clamor de desamparo (1) como uma alusão à sede (15). Marcos, mostrando
o lado humano de Jesus em seu sofrimento, foi fiel à sua visão quando
lembrou do clamor do abandonado por Deus. Poucos de nós têm a coragem
de conscientizar-se desse fato. A obediência do Filho implicava em
fidelidade até à morte pela mão dos gentios e abandonado pelo Pai.
528
“Há coisas que parecem pequenas (baixas); no entanto, o Santo realiza muitas
coisas com elas. O hissopo parece ao homem um nada; e mesmo assim, o seu
poder perante Deus é grande. Pois Ele o comparou com o Cedro; usou-o na
purificação do leproso (Lev.14,4.6) assim como no sacrifício da vaca vermelha
(Num 19,6) e no Egito, Ele previu o hissopo para cumprir seu mandamento.
Pois nos é dito: ‘Tomai um molho de hissopo’ ...(Ex 12,22). E assim diz (a
Escritura) de Salomão: ‘ele falava das árvores – do Cedro do Líbano até ao
hissopo, que cresce junto a muros’ para te ensinar que o Grande e o Pequeno
são iguais perante o Santo, e com pequenas coisas Ele opera maravilhas.
Mesmo através do hissopo, o mais baixo entre as árvores, Ele redimiu a
Israel’” (Shem 17,12).
529
Durante toda sua vida, Jesus não encontrou lugar para reclinar a
Sua cabeça, isto é, para descansar. “As raposas têm seus covis, e as aves
dos céus seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a
cabeça” (Mat. 8,20 e Lucas 5,58). A palavra “reclinar” ganhou por João um
sentido mais profundo, simbólico. Ele a usou uma única vez no seu
Evangelho todo. Enquanto “a Sua hora” não chegara, Jesus não podia
reclinar a sua cabeça.
“A fé cristã não começa com um grande ‘FAÇA’, mas com um grande ‘ESTÁ
CONSUMADO’. Naturalmente, nossa razão protesta contra esta verdade. Se
não nos movermos, como poderemos alcançar o alvo? O que conseguiremos
sem esforço? Como realizarmos algo se não trabalhamos para isso? Contudo,
a fé cristã é algo maravilhoso! Ela começa com descanso! Se, no início,
tentamos fazer algo, nada conseguiremos; se tentamos conseguir algo,
perdemos tudo. ‘Está consumado’, disse Jesus. Paulo inicia sua “Carta aos
Efésios” com a afirmação de que Deus nos tem abençoado com toda sorte de
bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo. Portanto, somos
convidados, desde o início, a descansar e a nos alegrar com o que Deus já fez,
sem tentar realizá-lo por nós mesmos”
(W.Nee. Uma Mesa no Deserto, Ed.dos Clássicos, 2004).
530
Cap. 19.31-37
(31) Era o dia da preparação. E para que os corpos não ficassem na cruz no dia de
sábado, pois aquele sábado era especial (grande) os judeus pediram a Pilatos que
fossem quebradas as pernas dos crucificados e que eles fossem retirados dali. (32)
Então os soldados foram e quebraram as pernas do primeiro e ao outro que com ele
fora crucificado. (33) Mas, chegando a Jesus, vendo que já estava morto, não lhe
quebraram as pernas. (34) Contudo um dos soldados perfurou-lhe o lado com uma
lança, e logo saíram sangue e água. (35) E aquele que viu isso é quem dá
testemunho, e o seu testemunho é verdadeiro; ele sabe que diz a verdade, para que
também possais crer. (36) Porque isso aconteceu para que se cumprisse a Escritura:
Nenhum de seus ossos será quebrado. (37) Também diz a Escritura em outro lugar:
Olharão para aquele a quem transpassaram.
531
O costume romano (aplicado em não judeus) era expor as vítimas
nas cruzes mesmo depois de mortas, “para repasto de chacais e abutres”;
a serem devorados e dilacerados pelas “aves do céu e os animais da terra”
(como o salmista lamenta no salmo 79,2).
(34) Contudo um dos soldados perfurou-lhe o lado com uma lança, ...
As pinturas antigas costumam mostrar-nos Jesus crucificado com
uma pequena ferida do lado direito, pouco acima do estômago. Isso
contradiz aquilo que está escrito. Para ter certeza de que Jesus realmente
estava morto, o soldado lhe aplicou uma profunda perfuração do coração,
do lado esquerdo. A lançada fora aplicada com toda a força e penetrou
profundamente – o “Tomé incrédulo”, em João 20,27 foi convidado a
colocar a sua mão na ferida do lado, ao contrário do dedo colocado na
ferida da mão!
532
seria suficiente! Como já Orígenes (século 3o) observou, a menção da água
deve ter algum outro sentido.
533
Diante dessas dúvidas na pessoa do Messias em Jesus, João insistiu no seu
Evangelho na Divindade de Jesus e na sua missão divina...”
534
de Jesus (junto com a morte dos cordeiros pascais no Templo). Ex.12,46 e
(Num 9,12) determinam: “O cordeiro...e não quebrareis nenhum de seus
ossos”.
João viu em Jesus o “servo sofredor” de Isaías 52,13-15 e, como
“Cordeiro ofertado por Deus”, todas as previsões das Escrituras quanto ao
“cordeiro pascal” nEle foram confirmadas.
“Naquele dia... (isto é no dia em que olharão aquele que traspassaram e por
ele chorarão) ... haverá uma fonte aberta para a casa de Davi e para os
habitantes de Jerusalém, para remover o pecado e a impureza” (13,1).
Anos mais tarde, quando João escreveu as suas “Cartas”, ele recorreu a
esse momento revelador na cruz em sua argumentação.
“Quem vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?
Este é aquele que veio pela água e pelo sangue, isto é, Jesus Cristo; não só
pela água, mas pela água e pelo sangue. O Espírito é o que dá testemunho,
pois o Espírito é a verdade. (1 João 5,5-7).
535
Na morte de Jesus, num sinal (milagre), sangue e água saíram da
ferida de Jesus. João já havia escrito sobre a água, que simboliza a
purificação (3,5), a vida (4,14), e o Espírito (7,37-39).
Continue com a sua mente aberta ao que Deus quer lhe falar através
das palavras de João. A porcentagem dos trechos que você entende, com
certeza, paulatinamente aumentará – e a sua responsabilidade também.
Quanto aos demais trechos: deixe-os com Deus!
Cap. 19.38-42
(38) Passadas essas coisas, José de Arimateia, que era discípulo de Jesus, embora
em segredo por medo dos judeus, pediu a Pilatos que lhe permitisse levar o corpo de
Jesus. E Pilatos o permitiu. Então ele foi e o levou. (39) E Nicodemos, que havia se
encontrado com Jesus de noite, acompanhou-o, levando cerca de cem libras de uma
mistura de mirra e aloés. (40) Tomaram, pois, o corpo de Jesus e o envolveram em
panos de linho com as especiarias, como os judeus costumavam fazer em
preparação para o sepultamento. (41) No lugar onde Jesus foi crucificado havia um
jardim, e ali estava um sepulcro novo, no qual ninguém havia sido colocado. (42) E
ali puseram o corpo de Jesus, porque o sepulcro ficava perto, e era véspera do
sábado dos judeus.
536
(38) Passadas essas coisas, José de Arimateia, que era discípulo de
Jesus, embora em segredo por medo dos judeus, ...
537
cidade, o “cemitério do tribunal”, reservado para aqueles condenados por
um tribunal judeu (Josefo, Ant.v44).
Como membro do Sinédrio, José usou a sua posição para ter acesso
a Pilatos e, com essa ação, se destacou entre seus colegas. Não temos
nenhuma informação relativa à presença de familiares de Jesus na cidade.
Se eles estivessem presentes na festa e conscientes dos fatos, certamente
não se exporiam a ponto de pedir o corpo de seu irmão executado como
rebelde. O pedido deles certamente seria negado.
538
outro como aquele Nicodemos que, “de noite”, havia procurado por Jesus
(cap.3). É possível que João, de acordo com sua preferência pelo
simbolismo e reforçado pelo contexto, usou o termo “de noite” para indicar
que, naquela oportunidade, esse fariseu de reputação saiu das trevas e
veio para a luz. Costumamos interpretar a notícia de que o fariseu veio “de
noite” (3,2) como sinal de que Nicodemos temia os olhos do público –
denegrindo assim, como sempre, os fariseus que, ao contrário dos ricos
saduceus, nem sempre se colocavam contra Jesus (confira Lucas 13,31ss).
539
O Evangelista não menciona o trabalho que esperava os dois
homens, provavelmente acompanhados de servos. A tarefa de fazer descer
o corpo de Jesus da cruz não era tarefa fácil. O corpo encontrava-se sujo e
cheio de sangue. Soltar os braços e as pernas dos pregos entortados era
um trabalho brutal.
540
Nicodemos na companhia de Jesus. Eram estranhos. O que esses homens
desconhecidos fariam com o corpo de seu Mestre? Para onde o levariam?
(41) No lugar onde Jesus foi crucificado havia um jardim, e ali estava
um sepulcro novo, no qual ninguém havia sido colocado. (42) E ali
puseram o corpo de Jesus, porque o sepulcro ficava perto, e era
véspera do sábado dos judeus.
João enfatiza não só que o túmulo era novo, mas também que
ninguém jamais fora colocado nele. Da perspectiva de autoridades judaicas
isso era, sem dúvida, menos ofensivo que enterrar um pecador crucificado
em um túmulo ocupado onde este podia, ritualmente, “contaminar” os já
sepultados.
Há comentaristas que pensam ver em Is.53,9 (“... e ficou com o rico na sua
morte...”) uma alusão ao túmulo de Jesus, que Mateus sugeriu pertencendo ao
próprio José de Arimateia (Mat.27,60). Acontece que, na linguagem do Antigo
Testamento, o termo “pobre” é sinônimo de “piedoso” e “rico” sinônimo de
“incrédulo”. Nesse sentido, José de Arimateia não pertencia aos “ricos”, embora
os primeiros cristãos tenham-se lembrado da palavra de Isaías quando
consideravam o lugar nobre em que Jesus fora sepultado.
O fato de Jesus ter sido colocado sozinho ajudou àqueles que, logo
após o término do sábado, foram ao túmulo (veja no próximo capítulo)
pois, se no terceiro dia o túmulo estava vazio, somente um corpo havia
desaparecido; somente uma pessoa podia ter ressuscitado.
João nada menciona, mas sabemos por Marcos (15,46b), que os dois
homens fizeram rolar uma grande pedra sobre a entrada do sepulcro.
Tampouco ele menciona a presença oculta das mulheres.
542
Cap. 20
544
deram contas de que: “Foi o Senhor”!! (Lucas 24,31-32). Não se tratou
mais do homem Jesus que eles conheciam na sua condição humana,
limitada, igual a deles. Era “Ele” e, ao mesmo tempo, era “outro”.
Notamos também que Jesus foi visto somente por aqueles que
haviam dado de alguma forma lugar a “Jesus em forma humana” em seus
corações, vendo-o como “O Enviado do Pai”. Não importava “o nível” de
conhecimento espiritual deles. Certa vez, Jesus foi visto por mais de
quinhentas pessoas de uma só vez (1 Cor.15,6). Foram pessoas de fora do
grupo de discípulos íntimos (possivelmente essênios, de acordo com
Richter). Mas eram pessoas reunidas com o fim de ouvir de Jesus e dos
acontecimentos testemunhados pelos discípulos.
545
O Evangelho foi escrito exatamente para que você possa crer
(João 20,31). Se você abrir seu coração Àquele que foi enviado pelo Pai,
também você conhecerá o ressuscitado.
“Se Cristo não ressuscitou, então a nossa pregação é inútil e também a vossa
fé. Assim, somos também considerados falsas testemunhas de Deus,
afirmando que ele ressuscitou a Cristo...e, se Cristo não ressuscitou, a vossa
fé é inútil e ainda estais em vossos pecados...” (1 Cor 15.14-17).
Vamos devagar!
546
Cap. 20.1-10
(20.1) No primeiro dia da semana, estando ainda escuro, Maria Madalena foi ao
sepulcro de madrugada e viu que a pedra havia sido removida. (2) Então, correu ao
encontro de Simão Pedro e do outro discípulo, a quem Jesus amava, e disse-lhes:
Tiraram do sepulcro o Senhor, e não sabemos onde o puseram. (3) Então Pedro e o
outro discípulo saíram e foram ao sepulcro. (4) E os dois corriam juntos, mas o
outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro. (5) Abaixando-
se, viu os panos de linho deixados ali, mas não entrou. (6) Chegando Simão Pedro,
que o seguia, entrou no sepulcro e viu os panos de linho deixados ali. (7) Viu
também que o lenço, que fora colocado sobre a cabeça de Jesus, não estava com os
panos, mas dobrado em lugar à parte. (8) Então, o outro discípulo, que chegara
primeiro ao sepulcro, também entrou, viu e creu. (9) Porque ainda não entendiam a
Escritura, segundo a qual era necessário que ele ressuscitasse de entre os mortos.
(10) Então os discípulos voltaram para casa.
548
“Mestre”, e assim deve ser considerado o termo usado no verso 2. Sem se
dar conta, Maria já denominou a Jesus “Senhor” – título de honra que
Jesus mais tarde receberia da igreja primitiva.
(Lucas, por sua vez, observa que não somente Pedro e João, mas todos “que
estavam com eles” foram avisados pelas mulheres, mas que “as palavras delas
lhes pareciam um delírio; e não lhes deram crédito” (Lucas 24,11). Somente Pedro,
inquieto, ter-se-ia levantado para verificação. Em 24,24, porém, é relatado que
Cléopas e seu companheiro na estrada de Emaús disseram isto: “Alguns de
nossos companheiros foram ao sepulcro e encontraram tudo exatamente como as
mulheres tinham dito...” – o plural deve ter seu sentido natural, e deve ser
entendido como confirmação do testemunho do quarto Evangelista).
(5) Abaixando-se, viu os panos de linho deixados ali, mas não entrou.
Carson (Ed.Shedd) observa com razão: “Os detalhes seguintes dados pela
testemunha ocular (considerando como tal o discípulo João) são
considerados importantes, pois toda a narrativa visa explicar exatamente
como, quando e em que grau na fé na ressurreição de Jesus foi alcançada
pelo discípulo João”.
Não sabemos exatamente qual era o tipo de túmulo em que Jesus foi
colocado. Havia três tipos de túmulos na época. Kopp conclui, pela
tradição, que o corpo de Jesus jazia numa depressão da câmara mortuária
(pertencendo a José de Arimateia), onde o piso tinha sido lavrado um
pouco mais baixo. Nas duas extremidades correspondentes à cabeça e aos
pés do local onde o corpo foi colocado, a rocha fora deixada com uma
expressão suficiente para formar uma espécie de assento. Pela observação
de Marcos 16,5 podemos concluir que Seu corpo estava na cova do lado
direito.
549
João chegou primeiro, mas não entrou. Não sabemos se foi por
respeito ou por temor, ou se pretendeu deixar a Pedro a primazia, pois este
era mais velho. Abaixando-se e espiando para dentro da cova, conseguiu
ver os panos (faixas) de linho branco, evidência de que ninguém havia
simplesmente removido o corpo. Ladrões não deixariam para trás linho
caro e especiarias mais preciosas ainda; eles levariam o corpo assim como
está, enrolado com as faixas. Aquilo que o discípulo amado conseguiu ver
não fazia sentido nenhum.
“Com repentina intuição ele percebeu que a única explicação era que
Jesus – o Jesus que fora crucificado, o Jesus que tão recentemente havia
lhe confiado sua mãe, o Jesus que fora sepultado nesse túmulo novo – não
estava mais entre os mortos. Como, isso ele não sabia, mas as palavras de
Jesus, quando lhes falava de seu “levantamento”, repentinamente
começavam a fazer sentido – o nosso autor diz: “viu e creu”. “O discípulo
amado viu e creu – e, assim, o Evangelista introduz os temas de ver e crer,
que alcançam seu ápice no verso 29” (Carson).
550
Há intérpretes (Minear) que incluem Pedro na fé do “outro discípulo”
que creu, limitando essa fé na simples constatação de que a informação
dada por Maria Madalena era correta: “... não sabemos onde o puseram”.
Carson considera essa interpretação da “fé” do discípulo amado como
“insuportavelmente banal”. O próprio contexto a desautoriza.
... Mas se o túmulo vazio não teve grande destaque na mais antiga
pregação apostólica (cf. 1 Cor.15,3-7), os autores do Novo Testamento,
porém, reconheceram a importância estratégica do túmulo vazio,
tanto para a história, quanto para a teologia. Historicamente, a
pregação e o rápido crescimento da igreja primitiva são igualmente
inexplicáveis sem o túmulo vazio. Mesmo na duvidosa suposição de
que todos os primeiros cristãos fossem ingênuos ou fanáticos
551
alucinados, as autoridades judaicas, embora tivessem todo incentivo
para fazê-lo, não puderam apresentar o corpo do homem cuja
execução eles tinham organizado. Teologicamente, o túmulo vazio
descarta qualquer reinterpretação da ‘ressurreição’ que a torne
indistinguível da simples imortalidade. O túmulo vazio estabelece que
houve continuidade entre o corpo pré-morto de Jesus e seu corpo pós-
ressurreição. Por mais transformado que estivesse o segundo (1 Cor
15,35ss), seu ponto de continuidade com o Jesus pré-morte não se
encontrava exclusivamente no aspecto da personalidade de Jesus;
encontrava-se no aspecto do corpo de Jesus. Muito do que se afirma
no Novo Testamento sobre a esperança máxima do cristão (1 Tess.
4,13-18; 1 Cor.15) é incoerente, se esse ponto não for compreendido”
(fim da citação).
Nem Pedro nem o discípulo amado nesse ponto entenderam que, conforme
a Escritura, era necessário que Jesus ressuscitasse dos mortos.
552
Não cremos em animada discussão entre Pedro e João, como certo
comentarista sugere. Pelo contexto entendemos que Pedro, admirado e sem
entender o que se passava (assim como Maria Madalena), voltou para casa
na companhia de um “outro discípulo” já alcançado pelo milagre da fé.
Cap. 20.11-16a
(11) Maria, porém, ficou em pé, chorando diante do sepulcro. Enquanto chorava,
abaixou-se para olhar para dentro (12) e viu dois anjos vestidos de branco, sentados
onde estivera o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés. (13) E eles lhe
perguntaram: Mulher, por que choras? Ela respondeu: Porque levaram o meu
Senhor, e não sei onde o puseram. (14) Ao dizer isto, ela se virou para trás e viu
Jesus em pé, mas não o reconheceu. (15) Jesus lhe perguntou: Mulher, por que
choras? A quem procuras? Pensando ela que fosse o jardineiro, respondeu-lhe:
Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei. (16) Então Jesus lhe
disse: Maria! Virando-se, ela lhe disse na língua dos hebreus (isto é, no aramaico):
Raboni! (que significa Mestre).
Enquanto chorava, abaixou-se para olhar para dentro (12) e viu dois
anjos vestidos de branco, sentados onde estivera o corpo de Jesus, um
à cabeceira e outro aos pés.
553
brancas como a luz” (17,2). O branco aparece como sinal da presença divina
também em Apoc. 3,4; 7,9,13; 19,14).
Quando Jesus apareceu ao fariseu Saulo no caminho a Damasco, o brilho
era tanto que Saulo ficou temporariamente cego. Nos dias presentes ouvimos
muitos relatórios do aparecimento de Jesus, “em branco”, a pessoas no mundo
muçulmano e hindu, desde Sadhu Sundar Singh (1889-1929) até hoje.
Quem jamais teve uma visão da invasão do poder de Deus sempre encontrará
dificuldades enormes em descrevê-la com palavras racionais, pois experiências
com o transcendente nunca poderão ser transmitidas corretamente a outros. A
imaginação humana intervirá na procura de uma lembrança correta e concreta
do indizível, sem dúvida. As pequenas incoerências nos diversos relatos relativos
ao aparecimento de seres do outro mundo, no Novo Testamento, certamente
pertencem a essa categoria.
(13) E eles lhe perguntaram: Mulher, por que choras? Ela respondeu:
Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram.
Os anjos, provavelmente, estavam ali o tempo todo; mas como
sempre, nem todos os podiam ver. No breve momento em que Maria
percebeu a presença deles, ela foi abordada com uma pergunta (e não com
uma missão a cumprir, como nos sinóticos). “Mulher, por que choras?” Na
mente tempestuosa de Maria havia espaço para um pensamento só: “Eles
levaram embora o meu Senhor, e eu(!) não sei onde o puseram”. Poder estar
junto ao corpo dele, ou cuidar melhor de seu corpo morto através de outro
enterro digno era tudo o que ela almejava.
Todos os quatro Evangelistas fazem referência à busca da (ou das)
mulher(es) pelo corpo desaparecido.
(14) Ao dizer isto, ela se virou para trás e viu Jesus em pé, mas não o
reconheceu. (15) Jesus lhe perguntou: Mulher, por que choras? A
quem procuras? Pensando ela que fosse o jardineiro, respondeu-lhe:
Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei
(melhor: removerei).
554
Maria, insensível na sua obsessão pelo corpo desaparecido, estava
sem condições de refletir sobre a pergunta lançada. Ela só pediu a essa
pessoa um favor: se ela, por razões particulares, tinha transferido o
cadáver, que tivesse a bondade de dizer-lhe onde o colocou, para que ela
pudesse removê-lo para algum lugar conveniente em que pudesse prestar-
lhe os cuidados necessários. Maria se ofereceu, assim, para a retirada do
corpo e um enterro adequado, pois sabemos de Lucas 8,2-3 que era uma
mulher de posição e de posses.
555
Cabe aqui mais uma observação a ser considerada em todos os relatos do
aparecimento de Jesus ressurreto a serem ainda estudados. Citamos
Carson, pág.642:
Cap. 20.16-18
(16) Então Jesus lhe disse: Maria! Virando-se, ela lhe disse na língua dos hebreus:
Raboni! (que significa Mestre). (17) E Jesus disse-lhe ainda: Não me seguras, pois
ainda não voltei para o Pai. Mas vai a meus irmãos e dize-lhes que estou voltando
para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus. (18) E Maria Madalena foi
anunciar aos discípulos: Vi o Senhor! E relatou as coisas que ele lhe dissera.
(17) E Jesus disse-lhe ainda: Não me seguras, pois ainda não voltei
para o Pai. Mas vai a meus irmãos e dize-lhes que estou voltando para
meu Pai ...
556
Esse verso pertence a um grupo das passagens mais difíceis do Novo
Testamento.
557
necessariamente, tem que ser sequencial. A menção ‘estou voltando para
meu Pai’ é uma declaração teológica, “que contrasta a natureza
momentânea da presença de Jesus em seus aparecimentos pós-
ressurreição com a natureza permanente de sua presença no Espírito”.
“... estou voltando para meu Pai” é parte da mensagem que Maria
Madalena deverá transmitir e não parte do motivo por que Maria não deve
segurar Jesus. O tempo presente (estou voltando para meu Pai) não é mais
problemático do que o tempo presente em 10,18 “eu a dou (minha vida) por
minha espontânea vontade”.
558
Somente em Cristo podemos chamar a Deus “nosso Deus”, mas nunca
junto com Jesus!
Na definição “meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”, Jesus
fez uma clara distinção e ao mesmo tempo enfatizou a intimidade da
relação entre Ele, Seu Pai e os discípulos. Jesus não disse: “nosso Pai e
nosso Deus”. Suas palavras pressupunham a continuação de uma
distância entre Ele e seus seguidores, ao mesmo tempo que estabeleceu
elos novos. A nossa filiação de Deus difere da de Jesus. Ele é Filho por
natureza; nós o somos “por adoção” (Romanos 8,15).
A declaração “vosso Pai” nunca deve ser vista como uma garantia
válida para todos e para sempre; ela é muito mais uma promessa dada aos
que pertencem a Jesus.
Quantos sinais dados por Deus não foram reprimidos, porque não
agradaram ao nosso paladar ou ao da instituição que se autonomeou
representante de Jesus Cristo!?
559
Quantas vezes você já rejeitou (ou nem percebeu) um aviso de Deus
– seja por parte de pessoas próximas ou por revelação – porque não era
aquilo que você, em nome da religião e dos dogmas eclesiásticos, esperava?
“Confundimos verdade com doutrina, porém ambas não são a mesma coisa.
Doutrina é o que se diz na terra sobre a verdade eterna. A palavra grega
traduzida para “verdade” significa “realidade” (Nee).
Cap. 20.19-20
(19) Quando chegou a tarde daquele dia, o primeiro dia da semana, estando os
discípulos reunidos com as portas trancadas por medo dos judeus, Jesus chegou,
colocou-se no meio deles e disse-lhes: Paz seja convosco. (20) Ao dizer isso,
mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se ao verem o Senhor.
560
É interessante notar que o nosso Evangelista quando relembra o
encontro com o Senhor na presença dos Onze (“e com os que com eles
estavam”, Lucas 24,33), precisou o momento no anoitecer do primeiro dia.
Esse primeiro dia da semana (de trabalho para os judeus) tornou-se, como
dia da ressurreição, o dia festivo dos cristãos. Inicialmente e até serem
expulsos do Templo, os seguidores judaicos de Jesus observavam tanto o
sábado (dos judeus) quanto o primeiro dia no qual, de madrugada, se
encontravam para comemorar o Senhor vivo, pois, em seguida, tiveram
que trabalhar (Religião e Teologia, Vandenhoek, 1974). Somente no ano
321 d.C., este primeiro dia da semana, antes “dia solis”, foi declarado dia
de descanso estadual pelo imperador Constantino (321 d.C.). Dessa forma,
também os escravos ficaram isentos do trabalho e podiam participar do
culto. O primeiro dia da semana servia primeiramente para o culto cristão.
As implicações do descanso sabatino foram acentuadas somente no séc.17
pelos puritanos e pietistas (movimento de reavivamento na Alemanha,
principalmente). O aspecto do descanso, implícito na concepção do sábado
judaico, hoje novamente se perdeu quase por completo.
Jesus chegou, colocou-se no meio deles e lhes disse: Paz seja convosco.
Se dissermos que Jesus “se materializou”, correremos perigo de
escorregar para o vocabulário espírita. João diz que “Jesus veio” (ou:
chegou). Podemos perguntar: de onde? Carson sugere o seguinte:
561
“Após a sua ressurreição, Jesus apareceu aos Seus discípulos muitas
vezes, mas Ele não estava contextualmente com eles como nos dias
antes da crucificação. Sua residência, seu “habitat”, não era mais
essa terra; em seu ‘corpo espiritual’ (para usar a linguagem de Paulo),
Ele não estava mais restrito, como “nos dias de sua carne” (Hebr.5,7),
mas já estava glorificado”.
562
que o mundo procura; Ele continua sendo marcado como O ferido.
Somente o Deus dos judeus e, em Cristo, o nosso Deus também, conhece o
sofrimento em que Ele se identifica com o homem que sofre por sua
condição humana.
563
De fato, Jesus transformou o sentido do sofrimento em trabalho de
redenção. Morreu sim, mas ressuscitou; pagou o preço do pecado e fez do
túmulo uma porta para a eternidade. Não há ressurreição sem morte.
564
excluídos, feridos e torturados. Não precisamos colocar Deus no banco dos
réus; Ele mesmo, em Cristo, Se sentou ali e, pela ressurreição, justificou
todos que com Ele ali estão (observe com atenção Romanos 4,25!)
Cap. 20.21-23
(21) Então Jesus lhes disse pela segunda vez: Paz seja convosco! Assim como o Pai
me enviou, também eu vos envio. (22) E havendo dito isso, soprou sobre eles e
disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. (23) Se perdoares os pecados de alguém, eles
lhe serão perdoados; se os retiverdes, eles lhe serão retidos.
(21) Então Jesus lhes disse pela segunda vez: Paz seja convosco!
O aparecimento repentino do Ressurreto tinha causado um alerta
instantâneo. Embora o medo tivesse diminuído e a alegria tomado seu
lugar, havia necessidade de uma repetição do “shalom” aos assustados
discípulos.
Lembremos: após a prisão de Jesus, todos os discípulos, menos João
e Pedro, fugiram; Pedro, em seguida, até havia negado conhecer a Jesus.
As lembranças dos últimos momentos junto com o Mestre não foram as
melhores. Os corações dos discípulos estavam pesados; as notícias
trazidas pelas mulheres não despertaram somente alegria. Havia medo;
havia vergonha e, acima de tudo, dúvidas sobre o “agora”.
“Uma das coisas mais belas da Bíblia são dois versículos que ela não tem.
Primeiramente, na Bíblia não há nenhum versículo em que Jesus pergunte a
alguém: “Que pecados você cometeu? Quantos? Em que circunstâncias? Com
quem? Diga-me se os seus pecados foram leves, se foram pequenas ofensas ou
grandes crimes!” Ao contrário, a Bíblia diz que Jesus foi de pessoa em pessoa
dizendo: “Tenha bom ânimo, filho; - tenha bom ânimo, filha; teus pecados estão
565
perdoados” – sem perguntar que pecados eram. Ele também não pergunta a
você sobre o seu passado.
566
“Os Apóstolos receberam a comissão de continuar a obra de Cristo, e
não a de começar uma outra” (Westcott, Schnackenburg).
567
(a menção) é mais bem entendida como simbólica da capacitação que
ainda está por vir” (Carson).
568
da presença do “Consolador” (Parácleto), que nela dará testemunho de
Jesus (15,26).
A mensagem do Cristo crucificado produz perdão para uns e
condenação para outros (confira 3,18 e 16.7-11). A autoridade da igreja se
deve exclusivamente a esse julgamento, que a igreja sempre deverá
confessar. Com isso, João nos torna, cada um, corresponsáveis, e como
igreja responderemos a Cristo pela nossa atitude diante do mundo.
(O assunto do “pecado pessoal” é tratado por João nos primeiros dois capítulos de sua
“Primeira Carta”).
Cap. 20.24-29
(24) Tomé, chamado Dídimo, um dos Doze, não estava com eles quando Jesus
apareceu. (25) Então os outros discípulos lhe disseram: Vimos o Senhor! Ele, porém,
lhes respondeu: Se eu não vir o sinal dos pregos nas mãos e não puser o meu dedo
no seu lado, de maneira nenhuma crerei. (26) Oito dias depois, os discípulos
estavam outra vez ali reunidos, e Tomé estava entre eles. Estando as portas
trancadas, Jesus chegou, colocou-se no meio deles e disse: Paz seja convosco! (27)
Depois disse a Tomé: Coloca aqui o teu dedo e vê as minhas mãos. Estende a tua
mão e coloca-a no meu lado. Não sejas incrédulo, mas creia! (28) Tomé lhe
respondeu: Senhor meu e Deus meu! (29) E Jesus lhe disse: Porque me viste, creste?
Bem-aventurados os que não viram e creram.
(24) Tomé, chamado Dídimo, um dos Doze, não estava com eles
quando Jesus apareceu.
569
(25) Então os outros discípulos lhe disseram: Vimos o Senhor! Ele,
porém, lhes respondeu: Se eu não vir o sinal dos pregos nas mãos e
não puser o meu dedo no seu lado, de maneira nenhuma crerei.
(26) Oito dias depois, os discípulos estavam outra vez ali reunidos, e
Tomé estava entre eles. Estando as portas trancadas, Jesus chegou,
colocou-se no meio deles e disse: Paz seja convosco!
570
De novo, Jesus veio ao encontro deles. Os discípulos, ainda com
medo, estavam com as portas trancadas, assim como na semana anterior
(confira os comentários sobre o verso 22, na última lição). Jesus apareceu
no meio deles, “chegando” (confira leitura anterior, comentário verso 19). A
saudação também era a mesma da vez anterior: “sâlôm âlêkem” – Paz seja
convosco!
Quando Tomé viu Jesus, ele não mais podia ficar no estado de
indecisão. Estava diante de um necessário e consciente “não” ou, então, de
um “sim” incondicional.
571
A aclamação de Tomé é uma oração. Ela é a única confissão da
deidade de Jesus no Evangelho de João. Quando Tomé clamou “Senhor
meu!”, ele não fez uso de cortesia; ele reconheceu a realidade da presença
de Deus no Cristo ressuscitado diante dele. Num único instante, ele
entendeu o que Jesus, durante seu ministério, procurava mostrar aos seus
seguidores: “Quem me vê, vê aquele que me enviou (12,45; 14,9-10)).
“O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos
olhos, o que contemplamos e nossas mãos apalparam, a respeito do
Verbo da vida... isso vos anunciamos, para que também tenhais
comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho
Jesus Cristo” (1 João 1,1,3).
572
Aquilo que, historicamente, aconteceu com Tomé, repete-se hoje com cada
um que chega à fé.
Esta bem-aventurança vale para nós que não mais cremos pela
visão, mas pelo ouvir (ou ler).
Cap. 20.30-31
(30) Jesus, na verdade, realizou na presença de seus discípulos ainda muitos outros
sinais que não estão registrados neste livro. (31) Estes, porém, foram registrados
para que possais crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo,
tenhais vida em seu nome.
573
cuidadosa seleção (ou talvez junção) dos sinais, dos quais tinha
conhecimento e que escolheu e empregou para apresentar toda a
profundidade do logos de Deus encarnado, morto e glorificado.
Até o ano de 1977, exatamente, de acordo com Thyen, boa parte dos
eruditos acreditava numa hipotética “fonte de sinais” anterior a João. Dela,
o nosso autor teria extraído os sinais que menciona; portanto, não
teríamos ouvido a voz de uma testemunha no Evangelho de João. Junto
com essa hipotética fonte (ninguém jamais teve prova da existência dela)
acreditava-se largamente numa tal “escola joanina”, cujas comunidades,
como dizem, viviam isoladas do resto do cristianismo primitivo,
praticamente como “seita”, usando uma linguagem esotérica e de difícil
interpretação.
574
Nos últimos trinta anos, essas hipóteses perderam seu sentido,
principalmente perante os achados de Qumram, que lançaram luz sobre a
real situação religiosa/social na época de Jesus e durante o primeiro
século d.C. A tese, de que o quarto Evangelho fosse “produto” de uma
hipotética escola joanina, foi paulatinamente abandonada. Thyen conclui a
respeito: “... a linha de pensamento esotérico é estranha ao Evangelho de
João... que apresenta considerável resistência a interpretações sectárias”.
(31) Estes, porém, foram registrados para que possais crer que Jesus é
o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu
nome.
Numa única sentença, o Evangelista resume o porquê elaborou essa
obra. “... escrito para que possais crer...” (para que vocês creiam). Este é o
mais curto resumo da teologia joanina (Blank).
575
O Evangelho de João data do fim do primeiro século, quando as
comunidades cristãs e judaicas já se encontravam divorciadas. A
identidade do Messias não mais era a questão principal.
É claro que a obra nas mãos daqueles que Jesus envia ao mundo
como “Seus irmãos”, também serve de tratado evangelístico e que, como
esse, excedeu em muito qualquer esperança que o autor pudesse ter
alimentado na época.
576
que vendeu uma garafa por um preço menor do que a havia comprado.
Questionado sobre a impossibilidade de lucro, ele se defendeu: “É a
quantidade, senhor, que o faz”! (Kierkegaard). Muitas pessoas sem fé, ou
com fé deficitária, juntas, ainda não representam fé. Fé não se mede pela
sua quantidade. Por essa razão, também não podemos falar de “nações
cristãs”. Fé sempre é pessoal. Existe sim, um início, um nascimento da fé
(João cap.3). Essa fé inicial deve ser alimentada; ela precisa crescer e
chegar à maturidade. Na sua grande maioria, esse processo que leva à
maturidade acontece através do mistério do sofrimento pessoal e da
obediência incondicional pessoal a Deus.
577
Cap. 21.1 Introdução
(21,1) Depois disso, Jesus apareceu outra vez aos discípulos ...”
Caros amigos,
578
Evangelhos sinóticos (anteriores), nos quais o Anjo ordenou o retorno dos
discípulos para a Galiléia (lugar de origem do ministério de Jesus): “... ide,
dizei a seus discípulos, e a Pedro, que Ele vai adiante de vós para a
Galiléia. Ali o vereis, como Ele vos disse” (Marcos 16,7). Essa teoria, porém,
não parece ser confirmada.
579
mas de aparições pessoais (sinais, não visões) do Ressurreto, reservadas a
poucas pessoas (o Novo Testamento fala de, no total, mais ou menos 500
pessoas).
580
A segunda parte, a partir do verso 15, tem como propósito livrar
Pedro da mácula da negação do Mestre, autorizando-o para ser visto pelos
leitores como “pastor autorizado” das ovelhas do Senhor e, em seguida,
para desfazer o mal-entendido com relação ao que Jesus dissera a respeito
do “discípulo a quem Jesus amava”, isto é, para acabar com o rumor de
que Jesus quisera dizer “que aquele discípulo não morreria” (versos 20-
23).
Vejamos:
A primeira linha de interpretação (De Boor, tradicional) do capítulo
21 parece-nos, de algum modo, forçada.
O conteúdo dele tem fundo real, pois Pedro não podia continuar com
a mancha de “discípulo falido”. Como explicaremos a coragem e a
liberdade de Pedro em pregar a Cristo nos relatos de Atos, sem ter sido
antes readmitido pelo mesmo Jesus que ele antes havia negado?
“Se o capítulo 21 foi acrescentado pelo mesmo autor, deve ter sido porque o
autor pensava ser o acréscimo uma melhora. Onde, então, podem-se
encontrar critérios literários confiáveis para distinguir entre a adição de um
581
epílogo para completar uma obra na época da composição e a adição de um
epílogo, algum tempo depois, pelo mesmo autor?
Até a possibilidade de um amanuense (escritor autorizado) diferente, ou de
um grupo de associados incumbidos de escrever essas últimas narrativas
como o Evangelista havia repetidamente lhes ensinado, como alguns têm
sugerido, não altera essas realidades básicas – embora isso possa explicar
algumas das particularidades linguísticas, bem como o uso da primeira
pessoa do plural no verso 24.
Essas considerações serão avaliadas de formas diferentes por pessoas
diferentes. A evidência a favor de um Evangelho integral incorporando o
capítulo 21 parece razoavelmente firme ...” (fim da citação).
582
Levantamos essas divergências teológicas de novo, somente porque
no capítulo 21 aparecerão “os filhos de Zebedeu” – denominação que o
Evangelista nunca usou na sua obra e que, de certa maneira, nos ajuda a
entender melhor a consideração final onde se confirma a veracidade de
tudo que fora escrito.
Cap. 21.1-10
(21,1) Depois disso, Jesus apareceu outra vez aos discípulos, junto ao mar de
Tiberíades, do seguinte modo: (2) Estavam juntos Simão Pedro, Tomé, chamado
Dídimo, Natanael, de Caná da Galiléia, os filhos de Zebedeu e outros dois dos seus
discípulos. (3) E Simão Pedro lhes disse: Vou pescar. Eles responderam: Nós também
vamos contigo. Então foram e entraram no barco, mas naquela noite nada
apanharam. (4) Mas logo ao amanhecer, Jesus estava na praia. Todavia, os
discípulos não sabiam que era ele. (5) Disse-lhes, então, Jesus: Filhos, não tendes
nada para comer? Eles lhe responderam: Não. (6) E ele lhes disse: Lançai a rede à
direita do barco, e achareis. Então lançaram a rede e não conseguiam puxá-la por
causa da grande quantidade de peixes. (7) Então aquele discípulo a quem Jesus
amava disse a Pedro: É o Senhor! Ouvindo Simão Pedro que era o Senhor, amarrou
sua túnica à cintura, porque estava despido, e lançou-se ao mar. (8) Mas os outros
discípulos vieram no barquinho, arrastando a rede com os peixes, porque estavam a
cerca de apenas duzentos côvados da terra. (9) Ao desembarcarem, viram ali pão e
um peixe sobre brasas. (10) E Jesus lhes disse: Trazei alguns dos peixes que
apanhastes. (11) Simão Pedro entrou no barco e puxou a rede para a terra,...
(21,1) Depois disso, Jesus apareceu outra vez aos discípulos, junto ao
mar de Tiberíades, do seguinte modo: (2) Estavam juntos Simão
Pedro, Tomé, chamado Dídimo, Natanael, de Caná da Galiléia, os
filhos de Zebedeu e outros dois dos seus discípulos.
583
Os Sete serão testemunhas de um novo aparecimento do Ressurreto,
num novo “sinal”. Vejamos quem são eles: Temos Pedro, Tomé, Natanael
(única menção dele desde seu chamado em João 1,45-51), os filhos de
Zebedeu (veja Mat. 4,21; 20,22; 26, 37, isto é: Tiago e João), “e mais dois”
(sem nome). Como veremos no verso sete, um dos sete deve ser o
“discípulo amado” cujo nome o autor continua não revelando. Os
intérpretes discordam a respeito de quem os dois sem nome pudessem ser
e não adianta levantar hipóteses a respeito.
Pode ser tentador supor que esses sete discípulos (onde estavam os
demais?) representem, pelo simbolismo do número, todos os seguidores de
Jesus. O número sete (embora João não o tenha usado no seu Evangelho
neste sentido) significa o “todo e santificado” da vontade de Deus. Vejamos
alguns exemplos: O sétimo dia da criação como o dia santificado (Gen 2,1-
3); o ano jubileu, festejado na sétima vez que se comemorasse sete anos,
quando toda a terra tinha que ser devolvida ao seu antigo dono (Ex.23,11);
no Apocalipse encontramos os sete espíritos de Deus (1,4); as sete estrelas
e sete candelabros das sete igrejas (1,20); as sete cartas às igrejas (caps.2 e
3); os sete selos (5,1); sete chifres e sete olhos do Cordeiro (5,6); as sete
trombetas e sete pragas (8,2 e 15,6) e mais. Não podemos, no entanto, ter
certeza desse simbolismo.
(3) E Simão Pedro lhes disse: Vou pescar. Eles responderam: Nós
também vamos contigo. Então foram e entraram no barco, mas
naquela noite nada apanharam.
584
Espírito prometido. Isso confirma o que deduzimos ao comentar o verso 22
do capítulo anterior.
(5) Disse-lhes, então, Jesus: Filhos, não tendes nada para comer? Eles
lhe responderam: Não.
(6) E ele lhes disse: Lançai a rede à direita do barco, e achareis. Então
lançaram a rede e não conseguiam puxá-la por causa da grande
quantidade de peixes.
585
de Lucas cap.5,1-8 e se perdem nas comparações entre as duas narrações.
Como decidimos ler o texto do capítulo 21 da forma como ele se apresenta,
dispensamos tais comentários e olhemos o que o Evangelista está nos
dizendo:
O estranho se permite um comentário, melhor, uma ordem: “Lancem
a rede à direita...” O termo traduzido como “à direita”, no mundo grego
também podia significar “na parte certa”. Pescadores experientes
geralmente não aceitam instruções de estranhos. Ao contrário da
contestação de Pedro sobre a ordem de Jesus no incidente semelhante e
descrito em Lucas, dessa vez seja por esperança ou por cansaço e
resignação, os homens no barco logo aceitaram o conselho do estranho. Há
intérpretes4 que querem ouvir no conselho do homem na praia um tom
incisivo e ao qual obedeceram prontamente. Seja como for, o resultado
desse lançamento de rede à direita surpreendeu a todos: os sete homens
não conseguiram puxá-la para dentro do barco (como era e é costume) por
causa da grande quantidade de peixes presos nela! 4 Hendricksen
586
de certo, somente para dar as boas vindas ao Senhor, como alguém4
supõe. 4 Hendricksen
(10) E Jesus lhes disse: Trazei alguns dos peixes que apanhastes. (11)
Simão Pedro entrou no barco e puxou a rede para a terra, ...
587
Os próximos versículos estão repletos de simbolismos. Durante toda
a história da igreja, rios de tinta foram gastos para interpretá-los.
Cap. 21.10-14
(10) E Jesus lhes disse: Trazei alguns dos peixes que apanhastes. (11) Simão Pedro
entrou no barco e puxou a rede para a terra, cheia de cento e cinquenta e três
peixes grandes. Apesar de tantos peixes, a rede não se rompeu. (12) Jesus lhes disse:
Vinde, comei. E nenhum dos discípulos ousava perguntar-lhe: Quem és tu? Pois
sabiam que era o Senhor. (13) Jesus aproximou-se, tomou o pão e deu-o a eles, e fez
o mesmo com o peixe. (14) Essa foi a terceira vez que Jesus apareceu aos seus
discípulos, depois de ter ressuscitado dentre os mortos.
(10) E Jesus lhes disse: Trazei alguns dos peixes que apanhastes. (11)
Simão Pedro entrou no barco e puxou a rede para a terra,...
588
Veremos na segunda parte do capítulo 21 que não houve um
estabelecimento de primazia de Pedro como primeiro pontífice, com
direitos de governo e autoridade, como estranhamente alguns estudiosos
católicos romanos, ainda hoje, afirmam.
“Por toda a história da igreja, a solução mais popular foi apresentada por
Jerônimo (século 4) que, em seu comentário a Ezequiel 47, faz uma ligação
deste milagre com a visão profética do rio de água viva, que flui do templo
para o mar Morto e que começa a fervilhar de vida. Jerônimo cita o naturalista
Oppiano, que informa que havia cento e cinquenta e três diferentes tipos de
peixe. Assim, essa pesca, realizada por ordem do Senhor ressuscitado, torna-
se uma parábola encenada da missão frutífera da igreja que atrai (...) todos os
seres humanos sem distinção (12,32). A dificuldade com essa explicação é que
a lista de Oppiano, não importa como ela é contada, não dava cento e
cinquenta e três; o número mais provável é cento e cinquenta e sete. Os
estudiosos debatem se Jerônimo estava simplesmente enganado quanto ao
número, se atribuiu incorretamente o número certo a algum outro naturalista
cuja obra agora está perdida, ou simplesmente se alterou a informação
intencionalmente. No que diz respeito a nossa evidência, entretanto, isso não
é uma solução.
Outra proposta baseada em Ezequiel 47 foi apresentada recentemente.
Descrevendo o efeito do rio que flui do templo, Ezequiel escreve: “Por onde
passar o rio haverá todo tipo de animais e peixes. Porque essa água flui para
lá e saneia a água salgada; de modo que onde o rio fluir tudo viverá.
Pescadores estarão ao longo do litoral; desde Em-Gedi até Em-Eglaim haverá
locais próprios para estender as redes (47,9/10). Ora, cada letra hebraica e
grega representa um número e assim, toda palavra hebraica e grega tem um
valor numérico. Com base nessa disciplina, chamada “gematria”, J.A.Emerton
observou que em hebraico ‘Em’ é a palavra para ‘fonte’, enquanto que ‘Gedi’
dá o número dezessete e ‘Eglaim’ o número cento e cinquenta e três. De fato,
os dois números estão relacionados; cento e cinquenta e três é o número
triangular de dezessete (isto é, 1+2+3+... +17=153; daí ser chamado de
‘triangular’ (...) Assim, os números representam os lugares onde, no tempo do
cumprimento das esperanças messiânicas, os pescadores do Evangelho devem
589
lançar suas redes. Obviamente, essa “solução” supõe que os leitores entendem
hebraico. Isso é extremamente improvável em um livro onde palavras
hebraicas elementares precisam ser transliteradas (Obs. confira 1,38.41)...
O fato de cento e cinquenta e três ser o número triangular de dezessete
não escapou aos Pais da igreja. Agostinho observou que 17=10+7, o dez
representando os dez mandamentos e, o sete, o sétuplo Espírito de Deus (Apoc
1.4). Outros separam o sete em 3+4, o número da trindade e o número da
nova Jerusalém, a cidade construída em forma quadrada. Outros têm
observado que 153= (3x50)+3, o duplo três aponta para a Trindade... Outras
soluções baseadas em gematria têm sido apresentadas: que cento e cinquenta
e três é o número para as palavras “igreja do amor em hebraico, ou de os
filhos de Deus ou (...)”
Um sem-número de sugestões foram apresentadas, nenhuma muito
convincente. Qualquer que seja a dificuldade interna que cada uma possa ter,
como um grupo, a maioria deles não se relaciona muito bem com a passagem
(em si). Elas tendem a oferecer, no máximo, uma alusão a um tema
claramente joanino; no entanto, nada que flua naturalmente de João 21,11.
Se o Evangelista tem algum simbolismo em mente, referente ao número cento
e cinquenta e três, ele o escondeu bem...” (fim da citação).
(12) Jesus lhes disse: Vinde, comei. E nenhum dos discípulos ousava
perguntar-lhe: Quem és tu? Pois sabiam que era o Senhor.
591
superabundante que nos fora declarado, não com palavras, mas com atos,
fazendo desaparecer toda culpa.
(14) Essa foi a terceira vez que Jesus apareceu aos seus discípulos,
depois de ter ressuscitado dentre os mortos.
592
Cap. 21.15-19
(15) Depois de terem comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: Simão, filho de João,
tu me amas mais do que estes? Ele respondeu: Sim, Senhor; tu sabes que te amo.
Jesus lhe disse: Cuida dos meus cordeiros. (16) E Jesus voltou a perguntar-lhe:
Simão, filho de João, tu me amas? Ele respondeu: Sim, Senhor; tu sabes que te
amo. Jesus lhe disse: Pastoreia as minhas ovelhas. (17) E pela terceira vez lhe
perguntou: Simão, filho de João, tu me amas? Pedro entristeceu-se por lhe ter
perguntado pela terceira vez: Tu me amas? E respondeu-lhe: Senhor, tu sabes todas
as coisas e sabes que te amo. Jesus lhe disse: Cuida das minhas ovelhas. (18) Em
verdade, em verdade te digo que, quando eras mais moço, te vestias a ti mesmo e
andavas por onde querias. Mas, quando fores velho, estenderás as mãos e outro te
vestirá e te levará para onde não queres ir. (19) Com isso se referiu ao tipo de morte
com que Pedro glorificaria a Deus. E, havendo dito essas coisas, ordenou-lhe: Segue-
me.
593
conhecemos, podemos crer que João, por alguma razão pessoal ou
literária, preferiu transcrever com “João”o nome do pai de Simão.
594
Há intérpretes que desenvolvem (em cima das variações no uso do
verbo amar empregado pelo Evangelista), várias hipóteses. Uma dela
afirma que o amor de Jesus (ágapaô) era tão elevado que Pedro não teve
coragem de confirmá-lo. Após Pedro responder afirmativamente por duas
vezes “somente” com phileô, Jesus finalmente “desceu” para o nível de
amor exigido por parte de Pedro, perguntando somente pelo seu phileô.
Ele respondeu: Sim, Senhor; tu sabes que te amo. Jesus lhe disse:
Cuida dos meus cordeiros.
595
Na sua resposta à afirmação meio tímida de Pedro, Jesus apontou
para o futuro comissionado pastoral de Pedro sobre o rebanho do Senhor,
de acordo com o Supremo Exemplo (confira cap. 10).
596
original como “guarda de seu irmão” (Gen.4,9), é somente aquele que entra
como fiador de vida pelo “outro” (Lévinas).
(19) Com isso se referiu ao tipo de morte com que Pedro glorificaria a
Deus.
A explicação do Evangelista combina com a própria predição: Jesus
disse isso para indicar o tipo de morte com a qual Pedro glorificaria a Deus.
Assim, ele imitaria Cristo, não só no tipo de morte que sofrerá, mas
também, embora em menor extensão, ao dar glória a Deus por sua morte.
Considere que, durante três décadas, Pedro viveu e serviu com essa
predição suspensa sobre ele!
597
E, havendo dito essas coisas, ordenou-lhe: Segue-me.
598
Lembremos de outra oportunidade, aquela quando alguém se virou e
viu dois homens seguindo-O (1,35ss). Era Jesus virando-se e perguntando
aos dois, que eram seguidores de João Batista, e vinham atrás dEle: “O
que vocês querem?” O Evangelista só nos informa o nome de um dos dois:
Era André. A respeito do nome do outro, ele se cala. Agora, no final da
narração de João, chegaremos paulatinamente a descobrir quem era. Foi
aquele que agora vinha seguindo Jesus e Pedro, sem ter sido convidado e,
portanto, tornou-se alvo da pergunta incisiva de Pedro: E esse? O que
acontecerá com ele?
(22) Jesus lhe respondeu: Se eu quiser que ele fique até que eu venha,
que te importa? Segue-me tu!
Que te importa... Se eu quiser que ele fique até que eu venha... qual o
problema? Ao responder tão asperamente a Pedro, o Senhor não o
menosprezou. O Senhor não deve contas a ninguém quanto ao ministério
de outro. Se para Pedro havia o ministério pastoral e o martírio, pode haver
outro ministério para o “discípulo a quem Jesus amava”.
O que será que Jesus quis dizer com “ficar (permanecer) até que Ele
venha?” Ficar, melhor, permanecer, significa permanecer vivo; não ver a
morte antes da vinda do Senhor. Há muitos intérpretes que tendem a
entender que o quarto Evangelho transfere tudo para o tempo presente e
que João não conhece uma escatologia futura (doutrina das últimas
coisas). Em certo sentido, o “Evangelho de João” enfatiza, sim, o “agora”, o
fato de que já temos a vida eterna, crendo em o nome do Senhor.
599
Isso não quer dizer que João não registrou Jesus falando das coisas
futuras. No capítulo 6, versos 39 e 40 ouvimos da ressurreição dos mortos
e, no capítulo 14 verso 3, Jesus faz menção direta a essa Sua volta: “E, se
eu for e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para mim, para que
onde eu estiver estejais vós também”. A volta de Jesus em glória é uma das
mais fundamentais esperanças do cristão.
Segue-me tu! - Quem será esse “tu” no presente momento? Não será você,
que lê? - Não serei eu que estou compilando esse comentário?
Vejamos o que Oswald Chambers (Tudo para Ele. Betânia. pág.251) nos
diz a respeito:
600
Cap. 21.23
A teoria que apoia essa visão, chama atenção ao fato do autor fazer
distinção entre “os irmãos” e os destinatários do capítulo 21. O pânico que
tomou conta dos “irmãos” com a morte de João, então, estaria no longínquo
passado.
603
Carson, finalmente, observa (Pág.682):
604
A primeira vê atrás do “nós” um hipotético grupo de pessoas em torno
do discípulo; talvez anciãos da comunidade joanina do fim do século. Essa
versão, no entanto, deixa em aberto se tais pessoas estão dando aprovação
ao “testemunho” (escrito) ou, se elas declaram a sua plena confiança no
discípulo, cuja obra deverá ser aceita como verdadeira (o que não é o
mesmo).
605
opina: é “o narrador” que identifica o “autor implícito” como o “discípulo
amado”. Assim haveria dois autores, um real e um “implícito” (aquele que a
gente entende sê-lo) e o Evangelho, então, ficará como uma peça de ficção.
Todos esses intérpretes têm argumentos a favor e há outros contra.
Concluímos: O verso 23 não estabelece com absoluta certeza a identidade
do Evangelista; mas com “clareza razoável” (Carson) podemos concluir o
que o autor queria dizer.
606
João conheceu Jesus de perto. Quando, já velho, escreveu o seu
Evangelho e procurou dirigir toda a atenção do leitor à pessoa de seu
amado Senhor, sempre ignorou seu próprio nome. O discípulo João nem
sequer mencionou o seu nome no Evangelho. A partir da última ceia,
quando não havia mais como continuar no anonimato, ele, pela primeira
vez, faz menção de seu papel, mas não admite seu nome. Ele refere-se a si
mesmo obliquamente, para que o foco recaia mais ainda sobre Aquele a
quem ele serve. Quem, como o nosso discípulo João, conhece-se objeto do
amor de Deus, não se ostenta; ele se sente privilegiado na sua posição de
ser amado por Jesus e diz com santo prazer e humildade: “Eu, o tal, o
amado por Jesus”.
(25) Jesus realizou ainda muitas outras coisas; se elas fossem escritas
uma por uma, creio que nem no mundo inteiro caberiam os livros que
seriam escritos.
607
Agora que o autor do quarto Evangelho deu-se a conhecer, ele se
sente livre para fazer uma autorreferência (“creio que...”). Sua visão
espiritual vai longe, como a da águia, até aos horizontes de Deus. Não só
havia muitos outros “sinais” não registrados no Evangelho (como afirmara
em 20,30). Havia tantas outras “coisas” em relação ao ministério de Jesus,
que ... “nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos”.
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* recomendado
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