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ESTUDO DOUTRINÁRIO

O SACRAMENTO DA CEIA DO SENHOR – A REFEIÇÃO PACTUAL


 TEXTO (1CORÍNTIOS 11.23-26)
23. Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor
Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; 24. e, tendo dado graças, o partiu e disse:
Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. 25. Por
semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é
a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes em memória de
mim. 26. Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a
morte do Senhor, até que ele venha.
 INTRODUÇÃO
Meus irmãos, hoje nós vamos iniciar uma pequena série de estudos a respeito
do sacramento da Santa Ceia. Ano passado discutimos o sacramento do batismo: seu
modo de administração e seus recipientes. Agora é a vez do outro sacramento da igreja
de Jesus Cristo, a Ceia.
Existem diversas questões que justificam a necessidade de devotarmos a nossa
atenção a este assunto: 1. O amplo desconhecimento da natureza da Ceia. Não são
poucas as pessoas que participam deste sacramento, vez após outra, sem a mínima
compreensão do seu significado; 2. O misticismo em torno da Ceia. Tal misticismo se
manifesta, por exemplo, na concepção que um culto no qual a Ceia é celebrada é um
culto mais especial do que os cultos nos quais a Ceia não é celebrada. Nesse caso, a
pessoa entende que pode faltar a todos os outros cultos, desde que não falte ao “culto de
Ceia”. Na verdade, a Ceia sempre foi alvo de entendimentos místicos, como por
exemplo, a prática católica durante a idade média, de não oferecer o cálice aos leigos,
pois existia o risco de a pessoa deixar cair um pouco de vinho, o que, segundo o
catolicismo, era profanação, visto que o vinho, lieralmente, transformava-se no sangue
de Jesus; 3. A negligência para com a Ceia. Este erro pende para o lado oposto. Se, de
um lado, há aqueles que imaginam que a Ceia é de tal natureza que o culto de Ceia é
mais especial e, por isso, eles não podem faltar, de outro lado há aqueles que não
enxergam nenhum problema em deixar de participar da Ceia; 4. A biblicidade do
sacramento. Por biblicidade eu me refiro à necessidade de celebrarmos a Ceia do Senhor
de um modo que esteja em plena harmonia com as Sagradas Escrituras: quanto à
natureza dos elementos da Ceia, pão e vinho e quanto à periodicidade da Ceia. Por qual
razão usamos suco de uva? Por qual razão celebramos a Ceia apenas mensalmente?
Precisamos dedicar a nossa atenção a todas estas questões, se desejamos, de
fato, obter algum benefício da participação neste santo sacramento. Nós vamos iniciar o
nosso estudo observando a natureza do santo sacramento ou, em outras palavras, o que é
a Ceia? Como devemos enxergá-la?
 EXPOSIÇÃO
I – A NATUREZA DO SACRAMENTO DA CEIA DO SENHOR
Quando penso a respeito do que vem a ser o sacramento da Ceia do Senhor
gosto muito de uma afirmação feita por um puritano chamado Thomas Watson. Ele
inicia citando um Pai da Igreja chamado João Crisóstomo: “‘A celebração da Ceia do
Senhor é a comemoração da maior bênção que o mundo já desfrutou’ [...] Um
sacramento é um sermão visível. E nisto o sacramento sobressai à Palavra pregada. A
Palavra é uma trombeta que proclama Cristo; o sacramento é um espelho que o
representa”.1 Isso não significa que, essencialmente, a Ceia seja mais poderosa ou
melhor que a pregação da Palavra, ou ainda que haja alguma debilidade ou fraqueza na
pregação das Escrituras. A ideia é que a Ceia é algo que visa suprir uma debilidade
nossa, uma debilidade da nossa fé. O próprio Watson afirma que Deus, desejando
socorrer-nos em nossa fraqueza, “não só nos dá uma Palavra audível, mas também um
sinal visível”. 2
Irmãos, em linhas gerais, a Ceia do Senhor é o segundo sacramento da Igreja
sob a Nova Aliança. Ela consiste de uma refeição comunitária e pactual instituída por
Jesus Cristo, o Deus-homem, com o objetivo de funcionar como um memorial, anúncio
e celebração do seu sacrifício substitutivo, como um meio de graça e como uma
antecipação escatológica para o benefício da sua igreja. Tal definição da Ceia pode ser
desenvolvido da seguinte forma:
Primeiro, a Ceia é uma refeição. Ela é descrita por diversas expressões que
atestam esta verdade: “o cálice da bênção” (1Coríntios 10.16), “a mesa do Senhor”
(1Coríntios 10.21), “a Ceia do Senhor” (1Coríntios 11.21), “o cálice do Senhor”
(1Coríntios 11.27), “o partir do pão” (Atos 2.42). O caráter da Ceia como uma refeição
também pode ser percebido pela comida e bebida distribuída e desfrutada nela. Herman
Bavinck, um teólogo reformado afirma que Cristo escolheu “pão e vinho como comida
e bebida na Ceia do Senhor para indicar, por meio disso, que ela não é um sacrifício,

1
Thomas Watson. A Ceia do Senhor. Recife, PE: Os Puritanos, 2015. p. 11.
2
Ibid. p. 12.
mas uma refeição – uma refeição com base na memória do sacrifício de Cristo e no
exercício da comunhão com o Cristo crucificado”.3
Em segundo lugar, a Ceia é uma refeição comunitária, pois deve ser desfrutada
por toda a comunidade pactual reunida, ou seja, toda a igreja presente, todos os
membros comungantes, tem o privilégio de participar do sacramento. Isto significa que
ela não foi instituída pelo Senhor Jesus Cristo com vistas a ser desfrutada por apenas
uns poucos no momento da sua celebração. Hoje em dia há a prática, por exemplo, de
numa cerimônia de casamento, celebrar-se uma Ceia apenas para os noivos. A
explicação normalmente apresentada gira em torno de a Ceia ser um símbolo da mesma
fé compartilhada pelos noivos. Não foi para este fim que o sacramento foi instituído,
pois o simbolismo da cerimônia foi instituído pelo próprio Senhor Jesus Cristo:
“Enquanto comiam, tomou Jesus um pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos
discípulos, dizendo: Tomai e comei; isto é o meu corpo. A seguir, tomou um cálice e,
tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o
meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para remissão
de pecados” (Mateus 26.26-28). Percebam, a Ceia é um símbolo da sua morte, do seu
sacrifício, do seu corpo moído e do seu sangue derramado em nosso lugar. O apóstolo
Paulo diz a mesma coisa: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o
cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1Coríntios 11.26). Que a Ceia
é uma refeição comunitária pode ser inferido também do fato de que o capítulo 11 da
primeira carta do apóstolo Paulo aos coríntios está inserido num contexto em que o
assunto abordado é a ordem e a reverência no culto ao Senhor (caps. 11-14).
A Ceia também é uma refeição pactual. A Ceia é definida, dentre outras coisas,
como um sinal e um selo do Pacto da Graça entre o Senhor Deus e a sua Igreja. As
Escrituras ensinam que Deus estabeleceu uma Aliança com o seu povo e, visando
administrar essa Aliança de uma forma a trazer glória ao seu Nome, bem como a
edificar o seu povo, o Senhor instituiu alguns sinais e selos, a fim de que estes fossem
sinais visíveis das bênçãos e graças decorrentes da Aliança. Estes sinais visíveis, na
igreja da Nova Aliança, são os sacramentos do batismo e da Ceia. Lembremos que o
próprio Senhor Jesus, ao falar do vinho, diz: “porque isto é o meu sangue, o sangue da
nova aliança” (Mateus 26.28). Assim, irmãos, quando falamos da Ceia como uma

3
Herman Bavinck. Dogmática Reformada: Espírito Santo, Igreja e Nova Criação. Vol. 4.
São Paulo: 2012. p. 570.
refeição pactual, queremos assinalar a verdade de que, por meio dela, mantemos
comunhão com nosso Senhor Jesus Cristo. Quando comemos do pão e bebemos do
vinho somos assegurados pelo Senhor Deus de que “tudo o que está envolvido na nova
aliança em seu sangue é nosso”.4 Novamente citando Herman Bavinck, ao tratar da Ceia
ele faz um paralelo interessante com aquilo que acontecia no Antigo Testamento. Ele
destaca que “em Israel, as refeições eram frequentemente combinadas com sacrifícios”. 5
Existiam sacrifícios, por exemplo, que eram totalmente consumidos pelo fogo do altar
de ofertas queimadas. Porém, existiam outros sacrifícios que apenas uma parte era
consumida pelo fogo e o restante era deixado para consumo humano. Vejamos apenas
um exemplo: “O que ficar da oferta de manjares será de Arão e de seus filhos; é coisa
santíssima das ofertas queimadas ao SENHOR [...] O que ficar da oferta de manjares
será de Arão e de seus filhos; é coisa santíssima das ofertas queimadas ao SENHOR”
(Levítico 2.3,10). Bavinck afirma que, “o significado dessas refeições era que Deus se
encontrava com seu povo e, com base no sacrifício feito e aceito, unia-se com seu povo
em alegria”.6 No caso específico da Páscoa, precisamos lembrar que, de fato, ela era um
sacrifício, “mas imediatamente depois se tornava uma refeição [...] Ela é um sacrifício
de expiação e uma refeição de comunhão com Deus e uns com os outros”. 7 Vejamos
isso na passagem de Êxodo 12.1-11. Ter o sangue do cordeiro aspergido nos umbrais da
porta e participar da refeição pascal eram símbolos do Pacto entre Deus e aquelas
pessoas. Lamentavelmente, meus irmãos, a vasta maioria das denominações protestantes
e evangélicas entende que a Santa Ceia é nada mais que um simples memorial, uma
cerimônia cujo propósito é lembrar, recordar a morte sacrificial do nosso Senhor. Tal
ponto de vista foi defendido por um dos primeiros reformadores, o suíço Ulrich
Zwínglio. Para ele, a Ceia era nada mais que “uma ação simbólica comemorativa da
morte de Cristo, e nada mais que isso”. 8 Não obstante, meus irmãos, tal entendimento é
completamente equivocado. As passagens que vimos aqui são suficientes para nos

4
Moisés Bezerril. Guia Prático da Santa Ceia: Como Entender, Ministrar e Participar
Fielmente da Ceia do Senhor segundo o Modelo Sacramental do Novo Testamento.
Teresina, PI: Berith Publicações Evangélicas, 2006. p. 7.
5
Herman Bavinck. Dogmática Reformada. Vol. 4. p. 547.
6
Ibid. p. 548.
7
Ibid. p. 549.
8
James Bannerman. A Igreja de Cristo: Um Tratado sobre a Natureza, Poderes,
Ordenanças, Disciplina e Governo da Igreja Cristã. Recife, PE: Os Puritanos, 2014. p. 602.
fazerem entender que a Ceia do Senhor é um selo pactual. “O crente, por meio da
ordenança, entrega-se totalmente a Cristo, e Cristo entrega-se totalmente ao crente,
juntamente com as suas bênçãos”. 9 Mas, além daquelas passagens que já foram aqui
lidas, leiamos também o que o apóstolo Paulo afirma, em 1Coríntios 11.27: “Por isso,
aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e
do sangue do Senhor”. Percebam, meus irmãos, o comer e beber indignamente são
apresentados aqui como o pecado de ser culpado do corpo e do sangue do Senhor. Se a
Ceia fosse nada mais que um memorial, por que haveria a necessidade de um comer e
beber de modo apropriado, digno? Mais à frente o apóstolo Paulo explica mais detalhes
acerca dessa culpa. De acordo com ele, o comer e beber indignamente consiste em não
discernir o corpo do Senhor (v. 29), e quem age assim, “come e bebe juízo para si”.
Tudo isso aponta “para um discernimento e uma participação espirituais por parte do
crente, não do símbolo, mas da bênção significada; e a um pecado terrível e espiritual,
não de um abuso e profanação de símbolos exteriores, mas de um abuso e profanação de
Cristo, que de fato está presente nesses símbolos”. 10 A última passagem, da qual nós
podemos tirar a conclusão segura de que a Ceia do Senhor é, de fato e de verdade, uma
refeição pactual, e não apenas um símbolo, um memorial, é 1Coríntios 10.15-16: “Falo
como a criteriosos; julgai vós mesmos o que digo. Porventura, o cálice da bênção que
abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a
comunhão do corpo de Cristo?” Percebam, meus irmãos: O termo grego κοινωνία,
utilizado nesta passagem fala de uma comunhão real com o próprio Cristo, com o seu
corpo e o seu sangue, não apenas com os elementos exteriores.
Em quarto lugar, irmãos, a Ceia é uma refeição instituída pelo Senhor Jesus
Cristo. “Assim como Jesus, pessoalmente e de maneira expressa, instituiu o sacramento
do batismo (Mateus 28.19), assim também ele, pessoalmente e de maneira expressa,
instituiu o sacramento da Ceia do Senhor”.11 E, de acordo com os Evangelhos Sinóticos,
Jesus instituiu a Ceia por ocasião da celebração da Páscoa judaica. Na verdade, meus
irmãos, a teologia reformada ensina que para que um rito ou uma cerimônia seja
considerado um “sacramento” é necessário, antes de qualquer coisa, que a sua

9
Ibid. p. 603.
10
Ibid. p. 604.
11
Robert L. Reymond. A New Systematic Theology of the Christian Faith. Nashville, TN:
Thomas Nelson, 1998. pp. 956-957.
instituição tenha se dado através de uma ordem de Deus, de modo geral, no Antigo
Testamento, e de Jesus Cristo, no Novo Testamento. James Bannerman, ministro
presbiteriano que viveu no século 19, diz o seguinte: “A primeira marca ou
característica que apresentamos de um sacramento é que ele é uma instituição divina
estabelecida por Cristo para a sua Igreja”. 12 No Evangelho de Lucas 22.19 nós
encontramos o Senhor Jesus não apenas celebrando a Ceia com os seus discípulos, mas
instituindo o sacramento para ser administrado contínua e permanentemente na sua
Igreja: “E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o
meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim”. O verbo “fazei”, no
original grego (ποιεῖτε), está no Imperativo Presente, o que nos ajuda a entender o
sentido da passagem como: “fazei isto [continuamente] em memória de mim”.
Em quinto lugar, meus irmãos, a Ceia foi instituída por Jesus Cristo tendo
como uma de suas funções servir como memorial ou uma comemoração da sua morte na
cruz do Calvário, do seu sacrifício expiatório. A lógica aqui é a mesma em relação à
instituição da Páscoa, no Antigo Testamento: “Este dia vos será por memorial, e o
celebrareis como solenidade ao SENHOR; nas vossas gerações o celebrareis por
estatuto perpétuo” (Êxodo 12.14; conferir os versículos 24-27). A Festa da Páscoa foi
instituída por Deus no Antigo Testamento como um memorial, como uma celebração
comemorativa da grande salvação operada pelo Senhor Deus no êxodo do Egito. No
Novo Testamento a Ceia do Senhor possui a mesma função. E não pode ser diferente,
uma vez que a Ceia é o antítipo da Páscoa. Lembremos das palavras de Jesus, em Lucas
22.19: “fazei isto em memória de mim”. O apóstolo Paulo também diz o seguinte, em
1Coríntios 11.24-25: “e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é
dado por vós; fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver
ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue;
fazei isto, todas as vezes que o beberdes em memória de mim”. A Ceia do Senhor, meus
amados irmãos, nos foi dada para ser também um memorial e uma comemoração “da
redenção da igreja, a qual ‘Cristo, nosso Cordeiro pascal’ [...] realizou quando morreu
como nosso sacrifício naquele tempo da Páscoa”.13 Quando nos reunimos em torno da
Mesa do Senhor nós estamos relembrando o que Jesus fez como nosso substituto. Nós
olhamos para os elementos visíveis do pão e do vinho e trazemos à memória a verdade

12
James Bannerman. A Igreja de Cristo. p. 597.
13
Robert L. Reymond. A New Systematic Theology of the Christian Faith. p. 965.
bíblica de que, “ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas
iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos
sarados” (Isaías 53.5). A Ceia é a anamnese, a recordação de que “o SENHOR fez cair
sobre ele a iniquidade de nós todos” (Isaías 53.6). É por esta razão que a nossa postura,
a postura do nosso coração, no momento da Ceia, deve ser a de profundo
quebrantamento, de desgosto pelos nossos pecados. A Ceia também é uma ocasião
oportuna para pormos em prática as palavras do Senhor através do profeta Zacarias: “E
sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém, derramarei o espírito da
graça e de súplicas; olharão para aquele a quem traspassaram; pranteá-lo-ão como
quem pranteia por um unigênito e chorarão por ele como se chora amargamente pelo
primogênito” (12.10). Mas além de rememorar a morte de nosso Senhor, a Ceia é uma
espécie de pregação dessa morte. Ela é um anúncio: “Porque, todas as vezes que
comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha”
(1Coríntios 11.26). Quando a igreja se reúne em torno do pão e do vinho, ela está
proclamando ao mundo, aos incrédulos presentes, que alguém morreu em lugar dela.
Outro ponto muito importante sobre a Ceia como proclamação da morte redentiva de
Cristo é que ela é uma apologia, uma defesa da fé contra o liberalismo teológico, que
em sua essência é antisobrenatural. Para o liberalismo teológico a morte de Jesus é nada
mais do que um exemplo de amor, ou ainda a morte de um mero homem, um simples
mártir. Quando a igreja celebra a Ceia, ela está anunciando que a morte de Jesus é mais
do que um simples exemplo e que Cristo é mais que um simples mártir: “A Ceia do
Senhor, em si, prega a expiação substitutiva e proclama tanto a morte sacrificial do
Senhor em nosso lugar, bem como o seu retorno final para julgar”.14
Em sexto lugar, a Ceia do Senhor é um meio de graça. Com isso estamos
afirmando que, no sacramento da Ceia, Deus concede da sua graça à pessoa que dele
participa. De que maneira isso ocorre? Ao participar da Ceia, lembremos, o cristão está
desfrutando de comunhão real com o Cristo crucificado e ressurreto. Quando isso
ocorre, o cristão está “experimentando nutrição espiritual, crescimento na graça e
renovação da gratidão e do compromisso com Deus”. 15 Em outras palavras, na Ceia nós
nos apropriamos dos benefícios espirituais da redenção realizada por Jesus e
representada nos elementos do pão e do vinho.

14
Ibid. p. 967.
15
Ibid. p. 966.
Por fim, a Ceia do Senhor também possui como função ser uma antecipação
escatológica do retorno do nosso Senhor, da consumação do seu reino. E, aqui,
novamente, nós podemos perceber a conexão existente entre a Páscoa
veterotestamentária e a Ceia neotestamentária: “Enquanto Israel com a celebração da
Páscoa dizia: ‘Venha o Teu Messias’, com a ceia do Senhor agora dizemos: ‘Venha o
Teu reino’”.16 Esta antecipação escatológica pode ser vista nas palavras do próprio
Senhor, em Lucas 22.16: “Pois vos digo que nunca mais a comerei, até que ela se
cumpra no reino de Deus” (conferir também o versículo 18). Mateus também registra
palavras semelhantes: “E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto
da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai”
(26.29). Também vemos isso na instrução de Paulo aos coríntios: “Porque, todas as
vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que
ele venha” (1Coríntios 11.26). Meus irmãos, “a Ceia do Senhor foi dada à igreja em sua
peregrinação através do mundo e tem o objetivo de inflamar a esperança escatológica de
que então, no Escaton, o conhecimento da glória do Senhor cobrirá a terra como as
águas cobrem o mar”. 17
II – OS RECIPIENTES DO SACRAMENTO DA CEIA
Hoje nós vamos voltar a nossa atenção para a questão dos recipientes da Ceia
do Senhor, ou ainda como são chamados, os comunicantes do sacramento da Ceia ou,
para ser ainda mais claro, quem são as pessoas que podem participar do sacramento da
Mesa do Senhor.
A maioria das igrejas presbiterianas em todo o mundo, bem como as demais
igrejas reformadas, advoga uma posição que é conhecida como pedobatismo, ou seja, a
doutrina que ensina que, em virtude da Aliança da Graça, os filhos dos crentes devem
ser admitidos ao sacramento do batismo. Muitas pessoas questionam, então, acerca das
razões pelas quais as crianças não podem ser admitidas ao outro sacramento da igreja
cristã, a saber, a Ceia do Senhor. Em anos recentes um número crescente de pessoas têm
advogado a chamada pedocomunhão, que é “a entrega da comunhão aos infantes e às
crianças pequenas que ainda não fizeram uma pública profissão de fé”. 18 E o argumento

16
Moisés Bezerril. Guia Prático da Santa Ceia. p. 15.
17
Robert L. Reymond. A New Systematic Theology of the Christian Faith. p. 965.
18
Robert Letham. The Lord’s Supper: Eternal Word in Broken Bread. Phillipsburg, NJ:
Presbyterian and Reformed Publishing, 2001. p. 55.
dos pedocomunialistas é que “todos os membros batizados da igreja têm direito a
participar da Ceia do Senhor, incluindo as crianças batizadas”. 19 É sabido, por exemplo,
que em nosso país, a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, a IPI, desde o ano de
2007 é praticante da pedocomunhão. Além da Igreja Presbiteriana Independente, há
uma igreja reformada em Porto Alegre, recentemente plantada, adepta de um
movimento teológico conhecido como Visão Federal, que também é praticante da
pedocomunhão.
Nós observamos isto e nos questionamos acerca dos fundamentos que são
apresentados para a pedocomunhão. E nós podemos perceber pelo menos três fatores
que têm levado tais denominações a entregar a Ceia do Senhor às crianças pequenas. O
primeiro deles é um renovado interesse pela teologia das igrejas ortodoxas orientais: “O
Oriente sempre praticou a pedocomunhão”.20 Assim, à medida que as práticas das
igrejas orientais se tornam mais conhecidas no Ocidente, em razão da globalização e da
velocidade com que as informações circulam pela internet, o interesse pela
pedocomunhão tem aumentado. Um segundo fator que tem levado à defesa da
comunhão é justamente a Teologia do Pacto. Robert Letham sumaria esse argumento:
“Alguns têm pensado, imaginando que a eucaristia cumpre a Páscoa, que se toda a
família participava da Páscoa e continua a ser assim no batismo, por que a Ceia do
Senhor deveria ser negada à casa inteira?” 21 Outro argumento com base na Teologia do
Pacto é que “se a igreja consiste dos crentes e seus filhos, e se um dos propósitos dos
sacramentos é fazer uma diferença visível entre a igreja e o mundo, então os crentes e
seus filhos devem ser visivelmente diferenciados do mundo por receberem esses
sacramentos”.22 Eu vou tratar deste argumento mais à frente. O terceiro e último fator
que tem feito com que igrejas reformadas adotem a pedocomunhão ou se tornem
simpatizantes dessa prática é o flerte com o liberalismo teológico. A Igreja Presbiteriana
Independente, por exemplo, desde há muito tempo tem sido profundamente influenciada
pelo liberalismo teológico. E algo que chama a atenção em muitas igrejas que se tornam
liberais é que elas são as mesmas que se apegam a muitos itens das igrejas de tradição

19
Keith A. Mathison. Given for You: Reclaiming Calvin’s Doctrine of the Lord’s Supper.
Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing, 2002. p. 313.
20
Robert Letham. The Lord’s Supper: Eternal Word in Broken Bread. p. 55.
21
Ibid.
22
Keith A. Mathison. Given for You: Reclaiming Calvin’s Doctrine of the Lord’s Supper. p.
319.
oriental, como a sua liturgia ritualista, por exemplo. A observação feita por dois
pastores, um batista e outro presbiteriano, é muito esclarecedora:
Embora a prática da pedocomunhão (infantes e crianças pequenas que
comunguem antes ou à parte de uma crível profissão de fé), por longo
tempo tenha permanecido confinada aos ortodoxos orientais, tem
adquirido certa concorrência em igrejas liberais e círculos protestantes
da “alta igreja” (com algumas pequenas exceções entre alguns
quadrantes conservadores Reformados). 23

Como podemos, então, entender todas estas questões? Como devemos nos
posicionar frente à pedocomunhão?
Primeiramente, irmãos, precisamos compreender como os Reformadores
lidaram com a questão das crianças e a Ceia do Senhor. Durante o período da Reforma
aconteceram inúmeros debates acerca do sacramento da Ceia do Senhor, sendo que um
dos mais famosos foi o Colóquio de Marburgo, em 1529, que colocou frente a frente
Martinho Lutero e Ulrico Zuínglio e terminou sem um consenso entre as partes
litigantes. Apesar dos vários pontos discordantes entre luteranos e reformados a igrejas
oriundas da Reforma continuaram a prática predominante da igreja ocidental, de não
admitir infantes ou crianças pequenas à Mesa do Senhor. De acordo com Venema,
“essas igrejas protestantes mantiveram a prática de admitir crianças à Mesa do Senhor
apenas após terem sido confirmadas (luterana) ou terem feito uma profissão de fé
(reformada) diante da igreja”. 24 Mathison acrescenta que, “o consenso entre os
reformadores era que apenas aqueles que tinham idade o suficiente para examinar a si
mesmos e discernir o corpo do Senhor tinham permissão para participar da Ceia”. 25
O reformador alemão Martinho Lutero acreditava que, “assim como o
evangelho é anterior à igreja, os sacramentos são uma consequência da fé”. 26 Lutero
rejeitou a doutrina que acabou dando margem à prática da pedocomunhão em algumas
igrejas ocidentais, a da eficácia dos sacramentos ex opere operato. Para ele, “os
sacramentos são uma palavra dirigida por Deus. Têm de ser recebidos, cridos e
23
Thabiti Anyabwile e Ligon Duncan. “Batismo e Ceia do Senhor”. In: D. A. Carson e Timothy
Keller (Orgs.). O Evangelho no Centro: Renovando nossa Fé e Reformando nossa Prática
Ministerial. São José dos Campos: Fiel, 2013. p. 330.
24
Cornelis P. Venema. Children at the Lord’s Table? Assessing the Case for
Paedocommunion. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2009. p. 22.
25
Keith A. Mathison. Given for You: Reclaiming Calvin’s Doctrine of the Lord’s Supper. p.
314.
26
Timothy George. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova, 2007. p. 93.
apropriados pessoalmente”.27 Assim, apesar de ser favorável à prática do
pedobatismo, Lutero acreditava piamente que, só poderiam tomar parte no sacramento
da Eucaristia aqueles que tivessem feito uma confirmação da sua fé.
João Calvino também se posicionou contra a prática pedocomunialistas. Para
Calvino, o batismo é um sacramento que sinaliza o novo nascimento e incorporação da
pessoa à comunidade pactual, ao passo que a Ceia do Senhor é um meio de nutrir a fé
daqueles que creem em Cristo e estão incorporados ao seu povo. O sacramento do
batismo deve ser administrado aos filhos dos crentes, visto que as promessas do
evangelho também foram feitas a eles, não apenas aos seus pais. Contudo, a Ceia do
Senhor é o sacramento que possui como objetivo fortalecer a fé dos crentes e é dada “a
fim de despertar-se, incitar-se, estimular-se, exercitar-se o sentimento de fé e amor; na
verdade, para corrigir-se a deficiência de ambos”.28 Calvino enfatiza ainda que, os
sacramentos são efetivos meios de graça, visto que a promessa do evangelho em Cristo
é comunicada aos crentes. Não obstante, como Venema coloca, “a eficácia dos
sacramentos não diminui a obrigação da parte dos recipientes de os receberem pela
fé”. 29 Os sacramentos requerem a resposta da fé. À parte da fé, os sacramentos não são
de nenhum benefício para os seus recipientes. “No caso da Ceia do Senhor, Calvino
insiste que o corpo e sangue de Cristo devem ser recebidos pela ‘boca da fé’, e que
aqueles à Ceia é exigido que estejam preparados por uma prévia instrução na fé
evangélica”.30
Houve um grupo durante o período da Reforma conhecido como Anabatistas.
Eles afirmavam ser inconsistente batizar as crianças e proibi-las de participarem da
Ceia. Calvino os refutou com veemeência:
De fato foi isto frequentemente praticado na Igreja antiga, como se
constata de Cipriano e Agostinho; mas esse costume, com razão, se
fez obsoleto. Ora, se ponderarmos a natureza e o caráter específico do
batismo, na realidade ele é um como que ingresso e uma, pode-se
dizer, iniciação à Igreja, graças à qual somos contados no povo de
Deus: sinal de nossa regeneração espiritual, por meio da qual somos

27
Ibid. Ênfase acrescentada.

28
João Calvino. As Institutas: Edição Clássica. IV.xvii.42. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
pp. 393-394.
29
Cornelis P. Venema. Children at the Lord’s Table? Assessing the Case for
Paedocommunion. p. 23.

30
Ibid.
nascidos de novo para ser filhos de Deus; quando, em contrapartida, a
Ceia foi atribuída aos mais adultos que, ultrapassada a infância mais
tenra, já estejam em condições de suportar alimento sólido,
distinção que se demonstra mui evidentemente na Escritura; porque aí,
quanto concerne ao batismo, o Senhor não faz nenhuma seleção de
idades. A Ceia, porém, não a exibe à participação de todos
igualmente; pelo contrário, somente àqueles que sejam idôneos para
discernir-se o corpo e o sangue do Senhor, para examinar-se a própria
consciência, a anunciar-se a morte do Senhor, a ponderar-se sua
eficácia.31

Posteriormente, ao discorrer sobre o rito da confirmação, conforme era praticado


na igreja antiga, Calvino claramente afirma que aqueles que foram batizados na infância
precisavam ser catequizados a fim de fazer a sua profissão de fé:
Antigamente existiu na Igreja o costume de os filhos dos cristãos,
depois que haviam crescido, fossem apresentados diante do bispo,
para que cumprissem aquele dever que era exigido dos adultos que se
ofereciam ao batismo. Pois estes se assentavam entre os catecúmenos
até que, devidamente instruídos nos mistérios da fé, podiam fazer
confissão de sua fé perante o bispo e povo. Portanto, aqueles que
haviam sido iniciados pelo batismo quando crianças, já que não
haviam então se desincumbido diante da Igreja em confissão de fé, ao
final da infância, ou na entrada de sua adolescência, eram de novo
apresentados pelos pais e examinados pelo bispo segundo a fórmula
de catecismo que tinham então por certa e comum. 32

Fica claro então que, para Calvino, enquanto o batismo pode ser
administrado às crianças, à Ceia do Senhor devem ser admitidas apenas as pessoas que
tenham feito uma profissão da sua fé depois de terem sido instruídas na doutrina cristã.
A esta altura é importante mencionar uma voz dissonante entre os
reformadores. Wolfgang Musculus (1497-1563), foi um importante reformador que
atuou nas cidades de Augsburgo e Berna. Richard A. Muller o descreve como “um
importante codificador da fé reformada”. 33 Musculus foi o único dentre os reformadores
que advogou a pedocomunhão.34 Em sua Loci Communes Sacrae Theologiae, Musculus
discutiu a pedocomunhão, advogando em sua defesa e fundamentando-se no fato de que

31
João Calvino. As Institutas: Edição Clássica. IV.xvi.30. pp. 336-337.

32
Ibid. IV.xix.4. p. 421.
33
Richard A. Muller. Post-Reformation Reformed Dogmatics. Vol. 1. Grand Rapids, MI:
Baker Academic, 2003. p. 31.

34
Tim Gallant. Feed My Lambs: Why the Lord’s Table Should Be Restored to Covenant
Children. Grande Prairie, AB: Pactum Reformada Publishing, 2003. p. 129.
as crianças estão incluídas no pacto da graça juntamente com seus pais. Eis suas
palavras:
A administração da Ceia não deve ser feita em uso privado, como
pertencendo a apenas algumas pessoas escolhidas e nomeadas. Ela é
pública e comum a toda a igreja, de modo que todos quantos estejam
contados entre os membros da igreja, a quem o corpo de Cristo foi
dado e derramado o seu sangue na cruz, sejam admitidos a isso. E a
própria tradição do Apóstolo e o costume da igreja primitiva declaram
suficientemente que, o seu uso é comum a todos os fiéis, tanto aos
pais como aos filhos dos fiéis, como também podemos ver em
Cipriano e Agostinho.35

Musculus também interpreta as palavras de Jesus em João 6, sobre comer a sua


carne e beber o seu sangue como se referindo ao sacramento eucarístico e, assim, ele
assevera que as crianças têm parte no sacramento. Herman Bavinck resume os
principais argumentos de Musculus da seguinte maneira:
(1) Aqueles que possuem a coisa significada também têm direito ao
sinal. (2) Crianças que podem receber a graça da regeneração (como é
evidente do batismo) também podem ser nutridas em sua vida
espiritual sem esse conhecimento. (3) Cristo é o Salvador de toda a
igreja, incluindo as crianças, e alimenta e refrigera todos os seus
membros com o seu corpo e seu sangue. (4) A exigência por
autoexame (1Co 11.26-29) não é feita pelo apóstolo como um
requerimento universal.36

É interessante como Bavinck refuta os argumentos de Musculus:


(1) No Antigo Testamento existia grande diferença entre circuncisão e
a Páscoa. A circuncisão foi prescrita para todas as crianças do sexo
masculino, mas a Páscoa era celebrada, não imediatamente em sua
instituição, mas posteriormente, Palestina, próximo ao templo de
Jerusalém. Crianças muito novas estavam, portanto, automaticamente
excluídas. (2) Similarmente, existe grande diferença entre batismo e
Ceia do Senhor. O batismo é o sacramento da regeneração, um
sacramento em que o humano é passivo; a Ceia do Senhor é o
sacramento da maturação em comunhão com Cristo, a formação da
vida espiritual, e pressupõe consciência e conduta ativa da parte
daqueles que o recebem. (3) Cristo instituiu a Ceia do Senhor em meio
a seus discípulos, dizendo a todos eles: “Tomai, comei e bebei”. Ele
pressupõe que os discípulos tomam o pão e o vinho das suas mãos. E
Paulo escreve que a igreja de Corinto se reuniu para comer, e ele não
deixa outra impressão a não ser que apenas pessoas adultas e
autoconscientes participaram da Ceia. (4) Em 1Co 11.26-29, Paulo

35
Apud in Tim Gallant. The Validity of Children at the Lord’s Table in the Words of an
Early Reformed Theologian: Wolfgang Musculus on Paedocommunion. Acessado em
25/02/2012. <http://paedocommunion.com/articles/musculus_common_places.php>.

36
Herman Bavinck. Reformed Dogmatics. Vol. 4. Grand Rapids, MI: Baker Academics, 2008.
p. 583.
insiste especificamente em que as pessoas deveriam examinar a si
mesmas antes de celebrar a ceia do Senhor, a fim de estarem aptas a
discernir o corpo do Senhor e não comer e beber indignamente. Tal
exigência é muito geral, dirigida a todos os participantes na Ceia do
Senhor e, portanto, automaticamente exclui as crianças. (5) Reter a
Ceia do Senhor das crianças não as priva de qualquer benefício do
pacto da graça. Esse seria o caso se elas fossem excluídas do
sacramento do batismo.37

Salienta-se que, Musculus foi uma exceção ao entendimento comum entre os


Reformadores e as igrejas reformadas. O fato é que desde o século dezesseis as igrejas
reformadas têm exigido uma pública profissão de fé antes de admitir crianças à Ceia do
Senhor.
Sobre o argumento da continuidade entre a Páscoa judaica e a Ceia do Senhor,
o grande problema está em que os defensores da pedocomunhão afirmam que essa
continuidade é absoluta, ou seja, que não há nenhuma mudança em relação ao
significado e participantes. O raciocínio é que, assim como as crianças pequenas de
Israel eram admitidas à participação na Páscoa, assim também as crianças da igreja
devem ser admitidas à Mesa do Senhor. Bryan D. Estelle adverte: “Frequentemente a
Páscoa e a Ceia do Senhor (i.e. a ceia que o Senhor presidiu como um anfitrião) são
conectadas de um modo ou outro sem qualificação, clarificação ou discernimento”. 38 Os
pedocomunialistas argumentam que a Ceia do Senhor é o correspondente
neotestamentário à Páscoa veteotestamentária e que, portanto, uma vez que as crianças
do pacto eram admitidas a esta última elas também devem ser admitidas àquela, visto
que entre ambas as ordenanças há uma continuidade irrestrita, o que é comprovado a
partir do fato de que o Senhor Jesus instituiu a Ceia por ocasião da celebração da
Páscoa. James Jordan, outro defensor da prática da comunhão infantil, por exemplo,
refere-se à Ceia do Senhor como “a grande Páscoa da igreja”. 39 Christian Keidel, no seu
famoso artigo, constrói o argumento da seguinte forma:
Visto que bebês e crianças, membros da igreja visível do Antigo
Testamento foram ordenados por Deus comer a Festa da Páscoa, se
fisicamente capazes – um mandamento apenas abandonado

37
Ibid. pp. 583-584.

38
Bryan D. Estelle. “Passover and the Lord’s Supper: Continuity or Discontinuity?”. In: Guy
Waters e Ligon Duncan (Eds.). Children and the Lord’s Supper. Geanies House, Fearn, UK:
Christian Focus Publications. p. 32.

39
James Jordan. “Children and the Religious Meals of the Old Creation”. In: Gregg Strawbridge
(Ed.). The Case for Covenant Communion. Monroe, LO: Athanasius Press, 2006. p. 67.
temporariamente, quando Israel entrou na terra de Canaã e não mais
peregrinou ao lugar que Deus escolheu para fazer habitar o seu nome
– e visto que no Novo Testamento a Ceia do Senhor agora tomou o
lugar da Festa da Páscoa, bebês e crianças da igreja visível do Novo
Testamento são, portanto, ordenados por Deus a tomar parte na Ceia
do Senhor, se fisicamente capazes, pois não podemos adicionar ou
remover os mandamentos de Deus concernentes ao culto na sua
igreja.40

Estudiosos reformados têm afirmado que a Ceia do Senhor não deve ser
estritamente identificada com a refeição pascal. Não se trata de argumentar que não
exista paralelo algum entre a Páscoa e a Ceia, ou que a Ceia é um novo rito sem
precedentes. Estelle afirma que: “Embora a refeição pascal deva ser vista como o pano
de fundo dentro do qual a Ceia do Senhor é interpretada, ela não é a filtro através do
qual a Ceia do Senhor deva ser vista”. 41 Por essa razão, são necessárias algumas
observações a respeito da participação na Festa da Páscoa.
Em primeiro lugar, qualquer consideração acerca do precedente
veterotestamentário da Páscoa deve levar em conta a importante distinção entre a
primeira Páscoa e a sua subsequente celebração no decorrer dos séculos. Deve ser
levado em conta que, apesar de a primeira Páscoa, em Êxodo 12, ter sido claramente
uma celebração familiar, as estipulações para as celebrações posteriores requeriam que
apenas membros do sexo masculino da comunidade pactual observassem a Páscoa. Os
homens deveriam subir até Jerusalém, a fim de cumprir as obrigações da Páscoa
(Deuteronômio 16.2,5-7). É importante notar que, de uma festa familiar a Páscoa sofreu
um desenvolvimento a ponto de se transformar em uma festa de peregrinação. Além
disso, as páscoas subsequentes incluíram um elemento adicional, chamado “cálice da
bênção”. O vinho não constava entre os elementos da Páscoa celebrada entre as famílias
de Israel, em Êxodo 12. A adição do vinho à celebração pascal representa um sério
obstáculo à reivindicação dos pedocomunialistas. É extremamente improvável que,
devido ao caráter alcoólico do vinho, infantes e crianças pequenas tenham participado
plenamente da ceia pascal.
Em segundo lugar, o apelo dos pedocomunialistas a Êxodo 12.4, a fim de
argumentar que as crianças participaram ativamente da Páscoa não pode ser feito de

40
Christian L. Keidel. “Is the Lord’s Supper for Children?”. In: Westminster Theological
Journal. Vol. 37. Nº 3. 1975. pp. 306-307.

41
Bryan D. Estelle. “Passover and the Lord’s Supper: Continuity or Discontinuity?”. In: Guy
Waters e Ligon Duncan (Eds.). Children and the Lord’s Supper. p. 33.
forma conclusiva. Isso porque os elementos da refeição pascal incluíam um cordeiro
assado, pão sem fermento e ervas amargas (Êxodo 12.8; Números 9.11). Teriam as
crianças de Israel comido de todos os elementos constitutivos da refeição pascal?
Cornelis P. Venema vê nisso uma séria impossibilidade:
Embora bebês recentemente desmamados e crianças mais jovens,
eventualmente, tenham sido capazes de comer o pão ázimo, não é
plausível que elas poderiam ter digerido o cordeiro assado e
principalmente as ervas amargas. Não é provável que todos os
elementos estipulados para a refeição pascal, mesmo por ocasião da
sua primeira celebração entre as famílias de Israel no Egito, foram
consumidos pelos bebês e pelas crianças mais novas da família. 42

O estudioso Roger T. Beckwith afirma que Êxodo 12.4 não quer dizer que todos,
segundo o número de bocas, devem comer, como defende Christian Keidel e outros
pedocomunialistas. De acordo com Beckwith, o significado da frase é que cada um deve
comer segundo tiver capacidade, “o que, no caso de crianças que mamam, não quer
dizer nada”.43
Terceiro, a celebração da Páscoa possuía como uma de suas características um
tipo de exercício catequético. Êxodo 12.26 diz: “Quando vossos filhos vos perguntarem:
Que rito é este?”. Em réplica a essa pergunta, o chefe da família deveria declarar: “É o
sacrifício da Páscoa ao SENHOR, que passou por cima das casas dos filhos de Israel no
Egito, quando feriu os egípcios e livrou as nossas casas” (v. 27). Inegavelmente, trata-se
de uma catequização, uma instrução a ser dada. Os pedocomunialistas observam
corretamente que, a presença desse elemento catequético não significa uma proibição
contra a participação das crianças. Eles observam que isso não se constituía em um pré-
requisito para tomar parte na refeição. O argumento é que, apesar de apenas as crianças
mais velhas serem capazes de receber essa instrução, as mais jovens não ficavam de
fora da celebração. Contudo, argumentar assim é mera especulação. É mais provável
que apenas aqueles que tinham condições de receber a instrução participassem da
Páscoa.

42
Cornelis P. Venema. Children at the Lord’s Table? Assessing the Case for
Paedocommunion. p. 69.

43
Roger T. Beckwith. “The Age of Admission to the Lord’s Supper”. In: Westminster
Theological Journal. Vol. 38. Nº 2. 1976. p. 131.
Quarto, como observado por Guy Waters e Ligon Duncan, quando se observa o
caráter progressivo da história redentiva certas dissimilaridades entre a Páscoa e a Ceia
podem ser percebidas. 44 Brian Estelle afirma que,
As diferenças de opinião a respeito do significado da relação entre
Páscoa e Ceia do Senhor têm a ver com a função da Ceia do senhor no
período da História Redentiva. A ceia é uma refeição comensal
(comer na mesma mesa). Ela simboliza cumprimento mas ela também
simboliza algo incipiente. Isso quer dizer que existe algo
significativamente novo.45

Estelle cita Herman Ridderbos, quando este afirma:


A refeição que Jesus compartilha com seus discípulos assume um
caráter prefigurativo. O que acontece nessa refeição será realizado no
reino de Deus. Mas, reciprocamente, o que será a plenitude da alegria
no reino de Deus tem seu começo e antegozo nessa ceia. A relação
entre a Eucaristia e comer e beber no reino vindouro de Deus não é
apenas entre símbolo e realidade, mas entre inauguração e
cumprimento. 46

O ponto salientado é que, Páscoa e Ceia do Senhor não são ordenanças


sinônimas e intercambiáveis, não obstante possuam algumas similaridades. A Ceia
possui um significado escatológico único, apontando o povo de Deus para adiante, a
consumação do reino de Deus já inaugurado na obra redentiva consumada de Cristo.
Pelas razões apontadas acima é que, não é correto afirmar que os termos para a
participação na festa da Páscoa do antigo pacto – quaisquer que fossem eles – sejam os
mesmos para a participação do sacramento da nova aliança.
Por fim, meus irmãos, a passagem de 1Coríntios 11.17-34 “é de importância
sem paralelo para responder a questão sobre os recipientes da Ceia do Senhor”. 47
O argumento pedocomunialista é que as divisões e facções existentes em Corinto
levaram Paulo a tratar da questão da comunhão infantil. De acordo com eles, a
verdadeira comunhão existiria quando as facções deixassem de existir e todos
participassem alegremente da Mesa do Senhor, o que, em certo sentido, é correto. O
problema está em afirmar que isso, por força do ofício, inclui as crianças.

44
Guy Waters e Ligon Duncan (Eds.). Children and the Lord’s Supper. p. 17.

45
Bryan D. Estelle. “Passover and the Lord’s Supper: Continuity or Discontinuity?”. In: Ibid. p.
42.
46
Herman Ridderbos. A Vinda do Reino. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 295.

47
Cornelis P. Venema. Children at the Lord’s Table? Assessing the Case for
Paedocommunion. p. 101.
Certamente deve ser reconhecido que o problema das divisões dentro da igreja
coríntia estava influenciando a forma como os membros observavam o sacramento
eucarístico. Deve ser reconhecido que Paulo escreve 1Coríntios 11.17-34 visando
corrigir esse problema. Charles Hodge afirma que:
O mal proeminente era que existiam cismas mesmo nas reuniões mais
sagradas [...] O mal ao qual ele [Paulo] se refere, não era meramente
que eles tinham degradado a Ceia do Senhor, tornando-a uma refeição
ordinária, mas que naquela refeição eles estavam divididos em
partidos, sendo que alguns comiam e bebiam em excesso, enquanto
outros não tinham nada.48

Gordon D. Fee afirma que “alguns possuíam suas próprias refeições privadas, e
assim desprezavam a igreja por envergonharem aqueles que nada tinham”. 49
A dificuldade com a leitura pedocomunialista dessa passagem está na atenuação,
senão negligência, das palavras do apóstolo Paulo no trecho que compreende os
versículos 23-26. De acordo com o entendimento dos defensores da comunhão infantil,
a linguagem de “em memória” e “anunciar”, nos versos 24-26 não excluem as crianças
da comunidade pactual. Para eles, não é necessária uma apreensão intelectual do
sacrifício expiatório de Cristo, como é advogado pela interpretação reformada
tradicional.
A leitura que eles fazem dos versículos 27-29 também é diversa. Historicamente
esses versos têm sido entendidos como excluindo as crianças da participação no
sacramento. Porém, os pedocomunialistas dizem que o ensinamento de Paulo aqui se
opõe à exclusão dos infantes. De acordo com eles, “os coríntios estavam comendo o
corpo e bebendo o sangue de Cristo ‘impropriamente’ porque eles eram culpados de
falhar em ‘examinar’ a si mesmos em termos de sua membresia no corpo de Cristo, a
igreja”.50 Sendo assim, “discernir” o corpo significa não o corpo de Cristo que foi
oferecido em sacrifício pelos pecados do seu povo, mas quer dizer a igreja, que
compreende todos os crentes e seus filhos.
Trata-se de uma leitura atenuada senão negligente da perícope. Nos versículos
23-26, o apóstolo Paulo está afirmando que o sacramento fala sobre a morte de Jesus

48
Charles Hodge. 1 & 2 Corinthians. Edinburgh, SC: The Banner of Truth Trust, 2000. p. 214.
49
Gordon D. Fee. The New International Commentary on the New Testament: The First
Epistle to the Corinthians. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1987. pp. 535-536.

50
Cornelis P. Venema. Children at the Lord’s Table? Assessing the Case for
Paedocommunion. p. 106.
para expiar os pecados do seu povo. Essa morte, Paulo enfatiza em outro lugar na carta,
beneficia os crentes que estão unidos a Jesus através dela (1Co 1.30). Essa união faz
com que os crentes tenham comunhão uns com os outros como membros de um mesmo
corpo (1Co 12.12,13,27). A Ceia do Senhor é uma expressão visível e aponta não
apenas para a nossa união com Cristo na sua morte e vida (1Co 10.16), mas também da
nossa correspondente ligação com outros crentes como o corpo de Cristo (1Co 10.17).
“Estas duas realidades podem ser distinguidas, mas nunca separadas uma da outra”. 51
Falhar em apreender o significado primário da Ceia levará a igreja a falhar na
compreensão acerca da unidade do corpo, que é a igreja. Por essa razão, o apóstolo
Paulo discorre sobre as divisões e facções existentes na igreja de Corinto. E, visando
sanar essas divisões, Paulo necessita expor o significado primário e mais básico da Ceia,
que é a comunhão do crente com o Cristo crucificado e o recebimento dos benefícios da
sua morte (1Co 11.23-26).
É por esta perspectiva que as exortações de Paulo nos versículos 27-29 devem
ser observadas. As afirmações do apóstolo nos versículos 23-26 são determinantes para
a compreensão da sua exortação nos versos 27-29. Se a Ceia do Senhor é um
“memorial”, então, certamente esse caráter memorial do sacramento define o que
significa para o comunicante estar qualificado para se aproximar da Mesa. “Discernir o
corpo”, “examinar-se a si mesmo” e “comer e beber de uma maneira digna”, no
contexto, referem-se a uma participação na Ceia do Senhor que reconhece e sustenta a
maneira como a Ceia foi instituída por Cristo. Por isso, Waters e Duncan questionam de
forma interessante: “Se a Ceia do Senhor é uma ocasião para a comunhão do crente com
Cristo, de que maneira o crente poderia comungar com Cristo á parte de entendimento
consciente e uma fé animada em relação ao que a Ceia representa, que é a morte de
Cristo por pecadores?”. 52 Isso ajuda no entendimento do porquê é necessário que, antes
de se aproximar da Mesa, o indivíduo deve ser submetido a um período de autoexame
acerca dos seus pecados, seu conhecimento, sua fé e de outras graças cristãs.
Apesar de a ocasião ser a das divisões e facções em Corinto, os princípios da
exortação paulina não são determinados por essas divisões e facções. Isso quer dizer
que, 1Coríntios 11.23-29 não gira em torno apenas da unidade da igreja, mas,
principalmente, do significado do sacrifício expiatório de Jesus Cristo. Por essa razão,
51
Guy Waters e Ligon Duncan (Eds.). Children and the Lord’s Supper. p. 20.

52
Ibid.
Paulo estabelece critérios claros para a participação na Ceia do Senhor.
Definitivamente, a Ceia não é para todos os membros da igreja que estão presentes. É
para os membros que atendam às qualificações intelectuais e espirituais estabelecidas
pelo apóstolo. Assim, 1Coríntios 11.23-29 é determinante para a definição acerca dos
comunicantes aptos para se aproximarem da Mesa. 53
APLICAÇÃO
Resta apenas dizer, meus irmãos, que as crianças filhas do pacto não estão
excluídas das promessas do pacto da graça. Elas são participantes de todos os benefícios
e de todas as bênçãos do pacto, como afirma Michael Horton:
A Palavra, o batismo e a Ceia não contêm diferentes realidades, mas
são uma maneira tripla como Deus entrega Cristo e todos os seus
benefícios a nós por seu Espírito. A fé vem através do ouvir o
evangelho; o batismo é o sinal e selo da nossa inclusão no pacto da
graça com todas as suas bênçãos, e a Ceia fortalece e confirma a fé
que temos professado. 54

III – A PRESENÇA DE CRISTO NOS ELEMENTOS DA CEIA


Irmãos, a questão da presença de Cristo no sacramento da Ceia é um dos
principais pontos a ser observado em nosso estudo. A razão disso está em que nós,
reformados, nos opomos a todas as demais tradições da Cristandade. De um lado, temos
duas doutrinas que defendem a presença física de Cristo: a doutrina católica da
transubstanciação, oficializada no ano de 1215, no quarto concílio de Latrão, em Roma;
e a doutrina luterana da consubstanciação, formulada pelo reformador alemão Martinho
Lutero. Do outro lado, existe a doutrina de Ulrich Zwínglio, conhecida como
memorialismo simbólico. Nós nos opomos a estas três doutrinas. A doutrina que é crida
e confessada por nós, presbiterianos e reformados em todo o mundo é apresentada de
forma resumida nas várias confissões reformadas produzidas a partir do século 16.
A Segunda Confissão Helvética, escrita pelo sucessor de Zwínglio, Heinrich
Bullinger, em 1562, diz o seguinte:
4. Porém, para que se compreenda melhor e com clareza como a carne
e o sangue de Cristo são o alimento e bebida dos fiéis, e são recebidos
pelos fiéis para a vida eterna, acrescentaríamos ainda:
53
Para um exame mais detalhado de 1Coríntios 11.17-34: George W. Knight III. “1 Corinthians
11:17-34: The Lord’s Supper: Abuses, Words of Institution and Warnings and the Inferences
and Deductions with respect to Paedocommunion”. In: Guy Waters e Ligon Duncan (Eds.).
Children and the Lord’s Supper. pp. 75-95.

54
Michael Horton. The Christian Faith: A Systematic Theology for Pilgrims on the Way.
Grand Rapids, MI: Zondervan, 2011. p. 818.
5. Há mais de uma espécie de comer. (1) Há o comer corporal, pelo
qual o alimento é posto pelo homem na boca, mastigado com os
dentes e engolido e digerido. No passado, os cafarnauenses achavam
que a carne do Senhor devia ser comida desse modo, mas as suas
ideias são refutadas pelo próprio Senhor Jesus (Jo 6.30-63). Desde que
a carne de Cristo não pode ser comida corporalmente, sem grande
iniquidade e perversidade, assim ela não é alimento para o estômago,
como todos os homens confessam. Desaprovamos, portanto o cânon
nos decretos do papa, Ego Berengariust (De Consecrat, Dist. 2).
Nem os piedosos da antiguidade criam, nem nós cremos que o corpo
de Cristo possa ser corporalmente e essencialmente comido pela boca.

6. (2) Há também um comer espiritual do corpo de Cristo. não que


pensemos que, por isso, o próprio alimento se transforme em espírito,
mas o corpo e o sangue do Senhor, embora permanecendo em sua
própria essência e propriedade, nos são espiritualmente comunicados,
certamente não de modo corporal, mas espiritual, pelo Espírito Santo,
que aplica em nós e nos confere essas coisas que nos foram preparadas
pelo sacrifício do corpo e do sangue do Senhor por nós, a saber, a
remissão de pecados, o livramento e a vida eterna; de tal modo que
Cristo vive em nós como nós vivemos nele, sendo que ele nos
possibilita recebê-lo pela verdadeira fé para que possa tornar-se, para
nós, esse alimento e bebida espirituais, isto é, a nossa vida.55

A Confissão Escocesa, publicada dois anos antes, em 1560, por John Knox, diz
o seguinte a este respeito:
Finalmente, nós condenamos a vaidade daqueles que afirmam que os
sacramentos não são nada senão sinais nus e vazios. Não, seguramente
nós cremos que, pelo batismo, somos enxertados em Cristo Jesus para
sermos participantes da sua justiça, pela qual nossos pecados são
cobertos e remidos. E também, que na Ceia, corretamente usada,
Cristo Jesus está unido a nós, de tal maneira que ele se torna
verdadeiro alimento e nutrição de nossas almas. Não que nós
imaginemos qualquer transubstanciação do pão no corpo natural de
Cristo e do vinho em seu sangue natural (como os papistas têm
perniciosamente ensinado e, de modo condenável, crido), mas essa
união e conjunção que nós temos com o corpo e o sangue de Cristo
Jesus no uso correto dos sacramentos é trabalhado pela operação do
Espírito Santo, que pela verdadeira fé nos eleva acima de todas as
coisas visíveis, carnais e terrenas, e nos alimenta com o corpo partido
e o sangue derramado de Cristo Jesus.56

De igual modo, meus irmãos, a Confissão Belga, símbolo de fé das Igrejas


Reformadas Holandesa, Canadense e Brasileira, escrita no ano de 1561, por um

55
Joel R. Beeke e Sinclair B. Ferguson (Orgs.). Harmonia das Confissões Reformadas. São
Paulo: Cultura Cristã, 2006. pp. 218-220.
56
James T. Dennison Jr. Reformed Confessions of the 16th e 17th Centuries in English
Translation. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2014. Posição 18813. Edição
Kindle.
reformador chamado Guido de Brès (1522-1567). Em seu artigo 35, assim se expressa a
respeito da presença de Jesus Cristo no sacramento da Ceia:
Há certeza absoluta de que Jesus Cristo não nos ordenou seus
sacramentos à toa. Então, ele realiza em nós tudo o que nos apresenta
por esses santos sinais, embora de maneira além da nossa
compreensão, como também a ação do Espírito Santo é oculta e
incompreensível. Entretanto, não nos enganamos dizendo que o que
comemos e bebemos é o próprio corpo natural e o próprio sangue de
Cristo. Porém, o modo pelo qual os tomamos não é pela boca; mas,
espiritualmente, pela fé. Dessa maneira, Jesus Cristo permanece
sentado à direita de Deus, seu Pai, no céu e, contudo, ele se comunica
a nós pela fé. 57

Por último, meus irmãos, neste ponto, precisamos observar o que é ensinado
pelos nossos Símbolos de Fé, os Padrões de Westminster, a respeito da presença de
Cristo no sacramento da Ceia do Senhor. Nossos documentos confessionais ensinam a
presença real de Cristo na Ceia? Se sim, como devemos entender isso?
O Catecismo Maior de Westminster, na resposta à pergunta 170, diz o seguinte:
Pergunta 170. Como se alimentam do corpo e do sangue de Cristo os
que dignamente participam da Ceia do Senhor?
Resposta. Desde que o corpo e o sangue de Cristo não estão, nem
corporal, nem carnalmente, presentes no pão, com o pão, ou debaixo
do pão e vinho na Ceia do Senhor, mas, sim, espiritualmente à fé do
comungante, não menos verdadeira e realmente do que estão os
mesmos elementos aos seus sentidos, assim os que dignamente
participam do sacramento da Ceia do Senhor nele se alimentam do
corpo e do sangue de Cristo, não de uma maneira corporal e carnal,
mas espiritual; contudo verdadeira e realmente, visto que pela fé
recebem e aplicam a si Cristo crucificado e todos os benefícios da sua
morte.58

O Catecismo Maior se opõe, não apenas à doutrina católico romana da


transubstanciação, mas também ao entendimento dos luteranos, que é chamado de
consubstanciação.
Já a nossa Confissão de Fé de Westminster, ao tratar da Ceia do Senhor, faz a
seguinte afirmação a respeito de como nós nos alimentamos do corpo e do sangue do
nosso amado Redentor:
Os que comungam dignamente, participando exteriormente dos
elementos visíveis desse sacramento, também recebem intimamente,
pela fé, a Cristo crucificado e a todos os benefícios da sua morte, e
dele se alimentam, não carnal ou corporalmente, mas real, verdadeira
e espiritualmente; não estando o corpo e o sangue de Cristo, corporal

57
Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg. São Paulo: Cultura Cristã, 2005. p. 32.
58
O Catecismo Maior de Westminster. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p. 261.
ou carnalmente nos elementos, pão e vinho, nem com eles ou sob eles,
mas, espiritual e realmente, presentes à fé dos crentes nessa
ordenança, como estão os próprios elementos em relação aos seus
sentidos corporais.59

A nossa Confissão de Fé também se volta, não apenas contra a doutrina


católica da transubstanciação, mas também se opõe à doutrina luterana da
consubstanciação. Nós, presbiterianos, nos opomos tanto a católicos romanos como a
luteranos, isso é claro. Mas também precisamos entender que não concordamos com
denominações memorialistas, como algumas Batistas60, para as quais a Ceia não passa
de um simples memorial, sem nenhuma presença de Cristo.61
O que nós precisamos compreender, queridos irmãos, é que, muito embora não
creiamos na presença física de Cristo nos elementos do sacramento, nós cremos na
presença real: “Quando articula esta noção da presença real de Jesus, o que ela significa
é que, espiritualmente falando, ele está realmente presente”. 62 Como isto acontece? De
duas maneiras: Primeiro, através da onipresença da natureza divina de Jesus Cristo.
Segundo a sua natureza divina, ele está presente todos os lugares ao mesmo tempo e
com a plenitude da sua essência divina. Corporalmente, ele está à destra do Pai, no céu.
Mas, segundo a sua divindade, ele está em todos os lugares. Em segundo lugar, o
Espírito Santo, como destacado em todos os documentos confessionais que lemos, nos
faz verdadeiros participantes da obra redentiva de Jesus Cristo. O Santo Espírito age de
um modo, misterioso, mas, real, para que sejamos verdadeiros beneficiários do corpo e
do sangue de nosso Senhor Jesus Cristo.
A doutrina luterana da consubstanciação é herética, sem sombra de dúvidas,
pois ela deifica o que é humano. No entanto, nosso maior problema é com a doutrina da
transubstanciação. Observe algo que acontece a cada celebração da eucaristia no
catolicismo. A cada celebração a hóstia é elevada e adorada. Um puritano holandês do

59
A Confissão de Fé de Westminster. XXIX.7. São Paulo: Cultura Cristã, 2005. p. 98.
60
É preciso destacar que a Confissão de Fé Batista de Londres, de 1677, é uma cópia fiel da
Confissão de Fé de Westminster quanto ao sacramento da Ceia do Senhor. Cf. James T.
Dennison Jr. Reformed Confessions of the 16th e 17th Centuries in English Translation.
Posição 56584. Edição Kindle.
61
Enquanto nós, presbiterianos e reformados, falamos de uma presença real de Cristo, os
memorialistas acabam por defender uma “ausêncial real de Cristo” do sacramento da Ceia. Cf.
Keith A. Mathison. Given for You: Reclaiming Calvin’s Doctrine of the Lord’s Supper. pp.
263-264.
62
R. C. Sproul. O que é a Ceia do Senhor? São José dos Campos: Fiel, 2014. p. 50.
século 17, chamado Wilhelmus à Brakel, chegou a afirmar que na missa católica nós
temos “a abominável heresia do deus-pão”.63 Além disso, para a teologia católica, “a
missa representa uma repetição da morte sacrificial de Cristo, toda vez que é celebrada.
Cristo é, por assim dizer, crucificado de novo”.64 Além da heresia da hóstia como corpo
físico de Cristo e do vinho como seu sangue físico, a eucaristia católica “viola o
conceito bíblico de que Cristo foi oferecido de uma vez por todas” 65, segundo o que é
ensinado claramente em Hebreus 10.12-14: “Jesus, porém, tendo oferecido, para
sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus, aguardando,
daí em diante, até que os seus inimigos sejam postos por estrado dos seus pés. Porque,
com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados”.
Como nós observamos em nosso primeiro estudo, a Ceia do Senhor é um meio
de graça. Como tal, ela nos coloca em comunhão real e verdadeira com o nosso amado
Redentor. Por meio da Ceia, e em virtude da onipresença de Cristo, bem como através
da ação do Santo Espírito, nós temos comunhão com o corpo e com o sangue de Jesus:
“Porventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de
Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo?” (1Coríntios
10.16).
IV – OS ELEMENTOS DA CEIA
Esta questão tem sido alvo de constantes discussões e debates, mas isso só de
menos de dois séculos pra cá. Antes do século 19 a questão envolvendo os elementos da
Ceia do Senhor, especificamente, a questão envolvendo o vinho, era encarada como
ponto pacífico pela cristandade.
E ninguém pode imaginar que a questão envolvendo os elementos da Ceia é de
somenos importância. Quando estava prestes a ascender aos céus, o Senhor Jesus deu
uma ordem bastante clara e específica aos seus discípulos: “Ide, portanto, fazei
discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho, e do Espírito
Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mateus
28.19-20). Assim, o Senhor nos ordena a ensinarmos àqueles que discipulamos a
guardarem, ou seja, a obedecerem a tudo o que foi ordenado pelo Senhor Jesus Cristo. E

63
Wilhelmus à Brakel. The Christian’s Reasonable Service. Vol. 2. Grand Rapids, MI:
Reformation Heritage Books, 2007. p. 536.
64
R. C. Sproul. O que é a Ceia do Senhor? p. 55.
65
Ibid.
se os novos discípulos têm a necessidade de obedecerem, de modo específico, a tudo o
que foi ordenado por Jesus, certamente, nós também temos esta obrigação, meus
irmãos.
E no que diz respeito aos elementos da Ceia nós nos deparamos com uma
dificuldade, que é a maneira como o homem tem arrogado para si a autoridade sobre o
sacramento e modificado os seus elementos. Existem casos de pastores que trabalham,
por exemplo, entre tribos indígenas, que celebram o sacramento entre essas tribos com o
que eles chamam de “elementos da cultura indígena”, como tapioca, uma bebida
chamada cauim e outras coisas. Nos Estados Unidos, durante as décadas de 60 e 70,
surgiu um movimento cristão chamado “Jesus People”. Uma das características desse
movimento foi a celebração da Santa Ceia usando como elementos: Coca-Cola e bata
chips.66 Mas, o mais comum é que o vinho seja trocado por outras bebidas,
majoritariamente, o suco de uva. Isto é algo recente, meus irmãos. Keith Mathison
observa que ao longo de 1800 anos, sem qualquer controvérsia ou discordância, o vinho
foi usado na Ceia. 67
Hoje em dia, existem basicamente dois argumentos principais para a abolição
do vinho e a adoção do suco de uva. O primeiro argumento é oriundo do movimento
fundamentalista americano, durante o século 19. De acordo com o Dr. Robert Letham,
outro nome para esse movimento era “movimento pela temperança”, que consistiu de
uma “aversão ao álcool permitido na igreja cristã”. 68 Esse movimento teve início, na
verdade, no final do século 18 e se estendeu ao longo de todo o século 19, dividindo-se
em três fases. O historiador da Igreja Cristã Kenneth Scott Latourette, falando sobre a
última fase, diz que surgiram duas organizações bastante influentes: uma organização
chamada The Woman’s Christian Temperance Union (União de Temperança Cristã da
Mulher), em 1873, e a National Anti-Saloon League (Liga Nacional Anti-Taverna), em
1895. Latourette diz que esses movimentos eram compostos por pessoas de igrejas
protestantes “da ala radical”. 69 Michael Horton, um pastor e teólogo presbiteriano, faz

66
Michael S. Horton. “At Least Weekly: The Reformed Doctrine of the Lord’s Supper and of its
Frequent Celebration”. In: Mid-America Journal of Theology. Nº 11. 2000. p. 168.
67
Keith A. Mathison. Given for You: Reclaiming Calvin’s Doctrine of the Lord’s Supper. p.
304.
68
Robert Letham. The Lord’s Supper: Eternal Word in Broken Bread. p. 52.
69
Kenneth Scott Latourette. Uma História do Cristianismo. Vol. 2. São Paulo: Hagnos, 2006.
p. 1715.
uma observação muito importante a respeito desse movimento e a substituição por suco
de uva:
Abandonar o vinho em favor do suco de uva era algo desconhecido na
igreja até a Proibição Americana, um movimento liderado quase
inteiramente por avivalistas arminianos (especialmente Metodistas e
discípulos de Charles Finney). O fundamentalismo americano
fundamentou o seu argumento contra o vinho na Comunhão na
posição exegeticamente insustentável de que o “vinho” no Novo
Testamento nunca era fermentado. Enquanto muitos irmãos e irmãs
reformados e presbiterianos conservadores considerariam esta
conclusão como ingênua, muitos de nós têm, não obstante,
argumentado que a fermentação não é essencial ao vinho. Este
argumento era desconhecido dos nossos antepassados, e o é
desconhecido da Escritura. E se não é um argumento saudável, por
que deveríamos continuar substituindo o elemento requerido por nosso
Senhor por um elemento que ele ordenou? 70

Esse movimento tinha em vista os abusos no consumo do álcool. Ele, então,


chegou à conclusão de que “a solução para o abuso não é o uso correto. É o não uso.
Proponentes da ‘temperança’ finalmente concluíram que qualquer uso de álcool era
mau”. 71 Para sustentar esse raciocínio, os cristãos adeptos desse movimento tiveram de
reinterpretar a Escritura: “Se o uso de álcool é pecaminoso, e se Jesus nunca pecou,
então Jesus não pode ter usado bebida alcoólica, como o vinho, na Ceia do Senhor. Ele
deve ter usado alguma outra bebida, e foi argumentado que o suco de uva também é o
‘fruto da videira’”.72
Keith Mathison faz um juízo perfeito acerca desse movimento: “Ao proibir o
que Deus permite, o movimento caiu no legalismo e na justiça própria”. 73 O mesmo
pode ser dito de outras tradições que aderiram a tal argumento.
Mas pode ser que o nosso problema não seja o argumento do movimento
fundamentalista. Pode ser que a nossa dificuldade seja de ordem pragmática, e envolva
algumas questões como: 1. A lei seca; 2. Menores de idade; e 3. Pessoas que tiveram
problema com alcoolismo. As duas primeiras questões envolvem a legislação vigente
em nossa sociedade. Duas leis são consideradas aqui: 1. A lei seca, ou Lei 11.705, que
alterou o Código de Trânsito Brasileiro, tem sete anos no Brasil e proíbe que o nível de
70
Michael S. Horton. “At Least Weekly: The Reformed Doctrine of the Lord’s Supper and of its
Frequent Celebration”. p. 168.
71
Keith A. Mathison. Given for You: Reclaiming Calvin’s Doctrine of the Lord’s Supper. p.
304.
72
Ibid. p. 305.
73
Ibid.
álcool no sangue esteja acima de 0,1mg por litro de sangue. Assim, temendo que
membros sejam parados em alguma blitz e, de repente, sejam enquadrados na lei seca,
muitas igrejas que, anteriormente, usavam vinho na Ceia, fizeram a substituição por
suco de uva. A grande questão é que para se chegar à dosagem de 0,1 mg por litro de
sangue é necessário ingerir uma taça de vinho tinto ou uma tulipa de chopp. Num artigo
publicado pelo site Brasil Escola, a química Líria Alves apresenta qual o tempo
necessário para que o álcool seja eliminado do corpo humano: “Um copo de cerveja
(350 ml) – 1 hora; Uma dose de vinho (150 ml) – 1 hora e 25 minutos; Uma dose de
uísque, tequila ou pinga (50 ml) – 1 hora e 15 minutos”.74 Sendo assim, meus irmãos, a
dosagem do cálice da Ceia do Senhor não fará com que o membro da igreja seja
enquadrado e apenado pela lei seca.
Mas, e se a dosagem do cálice da Ceia fosse suficiente para isso? Como
deveríamos nos posicionar? Primeiramente, é importante observar o que diz a
Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, inciso VI, diz o seguinte: “é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas
liturgias”. 75 Mas, e se a dosagem de álcool de um cálice de Ceia fosse suficiente para
enquadrar alguém e você não levar esse dispositivo constitucional em consideração? O
que fazer? Obedecer ao Estado ou a Deus? Alguém dirá: “Mas, pastor, a Palavra de
Deus nos ordena a obedecer aos nossos magistrados!” Eu pergunto de volta: “Naquilo
que interfere no culto a Deus?” E os mesmos princípios podem ser aplicados à questão
de menores de idade participando da Ceia.
E quanto às pessoas que tiveram problema com alcoolismo? O argumento é
que existem pessoas na igreja que, no passado, foram alcoólatras. Assim, se usarmos
vinho na Ceia ou essas pessoas serão machucadas pela prática ou serão tentadas a
retornarem ao alcoolismo. Também é dito que “algumas pessoas nasceram com uma
predisposição genética para o alcoolismo. Se elas beberem, mesmo que seja uma

74
Líria Alves. “Lei Seca”. Acessado em 28/01/2017. <http://brasilescola.uol.com.br/quimica/lei-
seca.htm>.
75
Constituição Federal Brasileira. 35.ed. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2012. p. 14.
Acessada em 28/01/2017.
<http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/15261/constituicao_federal_35ed.pdf?s
equence=9>.
pequena quantidade de vinho na Ceia do Senhor, elas poderão se tornar alcoólatras”. 76
Este argumento possui algumas pressuposições bastante falhas, meus irmãos. Primeiro,
Deus revelou na sua Palavra que embriaguez é pecado, uma transgressão ética e moral,
não um defeito fisiológico ou genético. Embriaguez é um ato de desobediência a Deus.
Normalmente o que ocorre é que muitas pessoas, mesmo em nossas igrejas, acabam por
comprar argumentos oriundos da teologia liberal e acabam reputando o que Deus chama
de pecado e idolatria como sendo “doença”. O conceito de doença “remove da pessoa
envolvida a responsabilidade pelo pecado”.77 Este é o Evangelho segundo o AAA. O
segundo problema com esse argumento é que ele implica que Jesus cometeu um erro
quando instituiu a Ceia com vinho. “Se existem pessoas com predisposição genética ao
alcoolismo agora, existiam pessoas com a mesma disposição no tempo de Jesus”. 78
Além disso, em relação às pessoas que já foram alcoólatras, é muito problemático crer
que um meio de graça seja um meio condutor para o pecado do alcoolismo. E, se
acontecer, a responsabilidade não é da Ceia, mas do coração da pessoa. E, se acontecer,
a resposta a ser dada não é a substituição do vinho, mas sim, o evangelho, o
arrependimento e o quebrantamento do coração.
Irmãos, nas Sagradas Escrituras nós encontramos um testemunho positivo a
respeito do vinho, como algo que foi criado por Deus e, portanto, bom. É
impressionante como nós nos acostumamos a atribuir pecado a algo que a Palavra de
Deus declara coo sendo bom, inclusive quando considerado o seu aspecto alcoólico:
“Fazes crescer a relva para os animais e as plantas, para o serviço do homem, de sorte
que da terra tire o seu pão, o vinho, que alegra o coração do homem, o azeite, que lhe
dá brilho ao rosto, e o alimento, que lhe sustém as forças” (Salmo 104.14-15). Uma das
promessas feitas por Deus ao seu povo foi que, em caso de sua obediência, o Senhor
lhes daria vinho em abundância: “Será, pois, que, se, ouvindo estes juízos, os guardares
e cumprires, o SENHOR, teu Deus, te guardará a aliança e a misericórdia prometida
sob juramento a teus pais; ele te amará, e te abençoará, e te fará multiplicar; também
abençoará os teus filhos, e o fruto da tua terra, e o teu cereal, e o teu vinho, e o teu
azeite, e as crias das tuas vacas e das tuas ovelhas, na terra que, sob juramento a teus

76
Keith A. Mathison. Given for You: Reclaiming Calvin’s Doctrine of the Lord’s Supper. p.
310.
77
Ibid. p. 311.
78
Ibid.
pais, prometeu dar-te” (Deuteronômio 7.12-13). Irmãos, é impressionante como o
vinho aparece na Bíblia como símbolo do evangelho: “Ah! Todos vós, os que tendes
sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim,
vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite” (Isaías 55.1). Jim West, um
pastor presbiteriano, faz um comentário muito interessante sobre esta passagem: “O
evangelho é comparado a livre e abundante vinho. Deus não demoniza o vinho como
sendo uma droga mortal; se ele fizesse isso, o vinho não seria uma metáfora adequada
para o evangelho, e dado o seu papel no Novo Testamento, o vinho é, claramente, a
metáfora mais apropriada”.79
E qual é o papel do vinho no Novo Testamento? Servir como símbolo do
sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. Jesus disse: “isto é o meu sangue” (Mateus
26.28). Embora a expressão “isto é” não ensine que o vinho se transforma no sangue de
Cristo, ou que o sangue de Cristo está fisicamente presente no elemento, contudo, ela
aponta para um elemento específico. Jesus está apontando para algo específico quando
diz: “isto é o meu sangue”. Mas, alguém pode tentar argumentar, dizendo: “Mas o texto
não menciona ‘vinho’. O texto menciona apenas ‘um cálice’ (v. 27) e o ‘fruto da
videira’ (v. 29). Assim, o suco de uva também é fruto da videira. Ele também vem da
videira”. O grande problema é que a expressão “fruto da videira” é uma expressão que
era comum na cultura judaica e ela era usada para fazer referência ao vinho: “‘fruto da
vinha’ tinha uma definição singular: uvas fermentadas – portanto, vinho. Era uma
expressão convencional para descrever o vinho fermentado”.80 Isso é corroborado pelo
fato de o vinho, em si, ser a bebida mais comum da cultura judaica e também ser o
elemento que foi adicionado à celebração da Páscoa.
Mas alguém ainda pode insistir, afirmando que o suco também pode cumprir a
mesma simbologia do vinho. E eu respondo que não pode, pois suco não tem álcool.
“Um momento! Você está dizendo que o álcool é necessário?” Sim! É isso mesmo que
estou dizendo. Robert Letham, outro teólogo reformado, explica a importância do álcool
de modo muito simples: “Em si mesmo, o vinho comunica a natureza inebriante do
evangelho”.81 A ideia é que, assim como o álcool “alegra o coração do homem”

79
Jim West. Drinking with Calvin and Luther: A History of Alcohol in the Church. Lincoln,
CA: Oakdown, 2003. p. 121.
80
Ibid. p. 122.
81
Robert Letham. The Lord’s Supper: Eternal Word in Broken Bread. p. 53.
(Salmo 104.15), o evangelho alegra a alma, o centro existencial do ser humano. De
igual modo, Jim West afirma: “O vinho é um belo símbolo do evangelho porque ele é
delicioso. O evangelho de Jesus Cristo é vinho para a alma. Porque o evangelho é bom
– as boas-novas –, nosso Senhor escolheu uma metáfora vinífera [...] Assim como o
vinho deve ser bebido com um coração grato pelo dom de Deus, assim a salvação deve
ser bebida e desfrutada”.82 E, por fim, meus irmãos, o que dizer do apóstolo Paulo, em
1Coríntios 10.16, chamando o cálice com vinho de “cálice da bênção”? Leiamos:
“Porventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de
Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo?”.
V – A FREQUÊNCIA DA CELEBRAÇÃO DO SACRAMENTO
 CONCLUSÃO

82
Jim West. Drinking with Calvin and Luther: A History of Alcohol in the Church. p. 126.

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