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A Santa missa

Nunca é demais recordar o que ensina a Igreja sobre a Missa. Abaixo, o conceito da Missa e
desenvolvimento de algumas explicações sobre ela no Catecismo da Igreja Católica:

§1362 A Eucaristia é o memorial da Páscoa de Cristo, a atualização e a oferta sacramental de seu


único sacrifício na liturgia da Igreja, que é o corpo dele. Em todas as orações eucarísticas
encontramos, depois das palavras da instituição, uma oração chamada anamnese ou memorial.

§1363 No sentido da Sagrada Escritura, o memorial não é somente a lembrança dos


acontecimentos dos acontecimento do passado, mas a proclamação das maravilhas que Deus
realizou por todos os homens. A celebração litúrgica desses acontecimentos toma-os de certo
modo presentes e atuais. É desta maneira que Israel entende sua libertação do Egito: toda vez
que é celebrada a Páscoa, os acontecimentos do êxodo tomam-se presentes à memória dos
crentes, para que estes conformem sua vida a eles.

§1364 O memorial recebe um sentido novo no Novo Testamento. Quando a Igreja celebra a
Eucaristia, rememora a páscoa de Cristo, e esta se toma presente: o sacrifício que Cristo
ofereceu uma vez por todas na cruz torna-se sempre atual: "Todas as vezes que se celebra no
altar o sacrifício da cruz, pelo qual Cristo nessa páscoa foi imolado, efetua-se a obra de nossa
redenção."

§1365 Por ser memorial da páscoa de Cristo, a Eucaristia é também um sacrifício. O caráter
sacrifical da Eucaristia é manifestado nas próprias palavras da instituição: "Isto é o meu Corpo
que será entregue por vós", e "Este cálice é a nova aliança em meu Sangue, que vai ser
derramado por vós" (Lc 22,19-20). Na Eucaristia, Cristo dá este mesmo corpo que, entregou por
nós na cruz, o próprio sangue que "derramou por muitos para remissão dos pecados" (Mt 26,28).

§1366 A Eucaristia é, portanto, um sacrifício porque representa (toma presente) o Sacrifício da


Cruz, porque dele é memorial e porque aplica seus frutos:

[Cristo] nosso Deus e Senhor ofereceu-se a si mesmo a Deus Pai uma única vez, morrendo como
intercessor sobre o altar da cruz, a fim de realizar por eles (os homens) uma redenção eterna.
Todavia, como sua morte não devia pôr fim ao seu sacerdócio (Hb 7,24.27), na última ceia, "na
noite em que foi entregue (1 Cor 11,13), quis deixar à Igreja, sua esposa muito amada, um
sacrifício visível (como o reclama a natureza humana) em que seria representado (feito presente)
o sacrifício cruento que ia realizar-se uma vez por todas uma única vez na cruz, sacrifício este
cuja memória haveria de perpetuar-se até o fim dos séculos (l Cor 11,23) e cuja virtude salutar
haveria de aplicar-se à remissão dos pecados que cometemos cada dia.

§1367 O sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício: "É uma só e
mesma vítima, é o mesmo que oferece agora pelo ministério dos sacerdotes, que se ofereceu a si
mesmo então na cruz. Apenas a maneira de oferecer difere". "E porque neste divino sacrifício
que se realiza na missa, este mesmo Cristo, que se ofereceu a si mesmo uma vez de maneira
cruenta no altar da cruz, está contido e é imolado de maneira incruenta, este sacrifício é
verdadeiramente propiciatório".

§1368 A Eucaristia é também o sacrifício da Igreja. A Igreja, que é o corpo de Cristo, participa da
oferta de sua Cabeça. Com Cristo, ela mesma é oferecida inteira. Ela se une à sua intercessão
junto ao Pai por todos os homens. Na Eucaristia, o sacrifício de Cristo se torna também o
sacrifício dos membros de seu Corpo. A vida dos fiéis, seu louvor, seu sofrimento, sua oração,
seu trabalho são unidos aos de Cristo e à sua oferenda total, e adquirem assim um valor novo. O
sacrifício de Cristo, presente sobre o altar, dá a todas as gerações de cristãos a possibilidade de
estarem unidos à sua oferta. Nas catacumbas, a Igreja é muitas vezes representada como uma
mulher em oração, com os braços largamente abertos em atitude de orante. Como Cristo que
estendeu os braços na cruz, ela se oferece e intercede por todos os homens, por meio dele, com
ele e nele.

I. VALOR E UTILIDADE DO SACRIFÍCIO DA MISSA

Este Sacramento não é apenas um tesouro de riquezas celestiais, que nos garante a graça e o
amor de Deus, quando o usamos nas devidas disposições; mas tem ainda uma virtude particular,
que nos põe em condições de agradecer a Deus os imensos benefícios que nos tem dispensado.

Um confronto nos fará compreender como deve ser agradável e bem aceita a Deus esta Vítima,
uma vez que imolada segundo as prescrições da Lei. Dos sacrifícios da Antiga Aliança está
escrito: “Não quisestes sacrifício, nem oferenda”(Sl XXXIX, 7). E noutro lugar: “Se quisésseis um
sacrifício, Eu certamente o teria oferecido; mas Vós não Vos comprazeis com holocaustos”(Sl L,
18). No entanto, esses mesmos sacrifícios eram tão agradáveis ao Senhor, que, no dizer da
Escritura, “Deus os sorvia como um suave odor” (Gn VIII, 21). Ora, que não devemos, pois,
esperar deste outro Sacrifício? Nele é imolado e oferecido Aquele mesmo, de quem por duas
vezes se ouviu falar a voz do Céu: “Este é o Meu Filho bem-amado, em quem pus as Minhas
complacências” (Mt III, 17).

Força é que os párocos se detenham bastante na exposição deste Mistério, para que os fiéis, por
ocasião do culto divino, aprendam a meditar, com atenção e piedade, o Sagrado Sacrifício a que
assistem.

Antes do mais, os pastores ensinarão que Cristo instituiu a Eucaristia por duas razões. A primeira,
para ser um alimento celestial de nossa alma, com que pudéssemos proteger e conservar em nós
a vida espiritual.

A segunda razão era para que, na Igreja, houvesse um sacrifício perene, em reparação de nossos
pecados, pelo qual o Pai do Céu, a quem tantas vezes ofendemos gravemente com nossos
crimes, Se volvesse da cólera à misericórdia, e do justo rigor à clemência;

Como imagem e semelhança dessa finalidade, podemos considerar o Cordeiro Pascal, que os
Filhos de Israel costumavam oferecer e comer, como Sacrifício e como Sacramento.

Na verdade, quando estava prestes a imolar-Se a Deus Pai no altar da Cruz, não podia Nosso
Salvador dar prova mais cabal do Seu imenso amor para conosco, do que esta de deixar-nos um
Sacrifício visível, em renovação daquele que pouco depois ia consumar-se na Cruz, de maneira
cruenta, uma vez por todas, e cuja memória a Igreja havia de celebrar todos os dias, com o
máximo proveito, em toda a redondeza da terra.

Concílio Ecumênico de Trento


II. DIFERENÇA ENTRE SACRAMENTO E SACRIFÍCIO

Há, porém, uma grande diferença entre estas duas noções. O Sacramento é consumado pela
Consagração. O Sacrifício tem toda a sua razão de ser no ato de ofertar. Por isso, quando
conservada no cibório, ou levada a um enfermo, a Eucaristia tem caráter de Sacramento, que
não de Sacrifício.

Enquanto é Sacramento, torna-se ela causa de mérito para quem recebe a Divina Hóstia, e
confere-lhe todos os frutos espirituais, que acabamos de mencionar. Enquanto é Sacrifício, possui
a virtude não só de merecer, como também de satisfazer. Assim como Cristo Nosso Senhor
mereceu e satisfez por nós em Sua Paixão: da mesma forma, os que oferecem este Sacrifício,
pelo qual se põem em comunhão conosco, merecem os frutos da Paixão de Nosso Senhor e
prestam satisfação.

Concílio Ecumênico de Trento

III. DOUTRINA DA IGREJA

A) Sacrifício instituído por Cristo

Acerca da instituição deste Sacrifício, o Santo Concílio de Trento não deixa lugar a nenhuma
dúvida. Pois declarou ter sido instituído por Cristo Nosso Senhor na Última Ceia; fulminou, ao
mesmo tempo, a pena de excomunhão contra quem afirmasse que não se oferece a Deus um
verdadeiro Sacrifício, no rigor da palavra, ou que a oblação sacrifical não consiste em outra coisa
senão em dar-Se Cristo a Si mesmo como comida.

B) Sacrifício oferecido só a Deus

O Concílio teve, porém, o cuidado de precisar que só a Deus se pode oferecer Sacrifício. Ainda
que a Igreja costuma, às vezes, celebrar Missas em memória e honra dos Santos, contudo
sempre ensinou que o Sacrifício é oferecido, não a eles, mas unicamente a Deus, que coroou os
Santos de glória imortal.

Esta é a razão por que o sacerdote jamais dirá: “Ofereço-te este Sacrifício, ó Pedro, ou, ó Paulo”.
Mas, oferecendo o Sacrifício só a Deus, rende-Lhe graças pela insigne vitória dos bem-
aventurados Mártires, aos quais implora proteção, mas de tal maneira, “que nos céus se dignem
interceder por nós aqueles cuja memória celebramos na terra” (Oração do Ofertório da Missa).

C) Provas dessa doutrina

Palavras de Cristo

O que a Igreja Católica ensina acerca deste Sacrifício, como dogma de fé, foi por ela tirado das
palavras de Nosso Senhor, quando naquela última noite confiou aos Apóstolos os próprios
Mistérios Sagrados, e lhes disse: “Fazei isto em Minha memória” (Lc XXII, 19; I Cor XI, 24).
Consoante a definição do Sagrado Concílio, foi nessa ocasião que Ele os instituiu sacerdotes, e
lhes ordenou que eles mesmos e seus sucessores no ministério sacerdotal imolassem e
oferecessem o Seu Corpo.

Uma prova bastante clara desse fato está nas palavras que o Apóstolo escreveu aos Coríntios:
“Não podeis, diz ele, beber o Cálice do Senhor e o cálice dos demônios; não podeis tomar parte
na Mesa do Senhor e na mesa dos demônios” (I Cor X, 20ss). Ora, se por “mesa dos demônios”
devemos entender o altar em que lhes eram oferecidos sacrifícios, a “Mesa do Senhor” não pode
significar outra coisa, senão o altar em que se sacrificava ao Senhor. Só nesse sentido é que as
palavras do Apóstolo têm sua força de argumentação.

Figuras e oráculos do Antigo Testamento

Se buscarmos figuras e oráculos deste Sacrifício, no Antigo Testamento, encontraremos em


primeiro lugar o que dele vaticinou Malaquias, com perfeita clareza: “Desde o nascer do sol até o
ocaso, grande é o Meu Nome entre as nações; e, em todo lugar, é sacrificada e oferecida ao Meu
Nome uma oblação pura, porque o Meu Nome é grande entre as nações, diz o Senhor dos
exércitos” (Ml I, 11).

Ademais, antes e depois da promulgação da Lei, foi este Sacramento prefigurado por várias
espécies de sacrifícios; pois todos os bens da salvação, significados por aqueles sacrifícios, estão
contidos neste único Sacrifício, que constitui, por assim dizer, o remate e a consumação de todos
os outros.

Entre eles, porém, não se pode considerar uma figura mais expressiva, do que o sacrifício de
Melquisedec. O próprio Salvador, na Última Ceia, ofereceu a Deus Pai Seu Corpo e Sangue, sob
as espécies de pão e de vinho, e assim Se declarava constituído Sacerdote, segundo a ordem de
Melquisedec.

Concílio Ecumênico de Trento

IV. UNIDADE ENTRE SACRIFÍCIO DA CRUZ E DO ALTAR

Dizemos, portanto, que o Sacrifício que se oferece na Missa, e o sacrifício oferecido na Cruz são,
e devem ser considerados como um único e mesmo Sacrifício. Da mesma forma, a Vítima é uma
e a mesma, Cristo Senhor Nosso, que uma vez só Se imolou de modo cruento no altar da Cruz.

As vítimas, cruenta e incruenta, não são tampouco duas vítimas, mas constituem uma única, cuja
imolação se renova todos os dias na Eucaristia, desde que o Senhor assim determinou: “Fazei
isto em Minha memória!”

Mas o Sacerdote também é o mesmo, Cristo Nosso Senhor. Pois os ministros que oferecem o
Sacrifício, não fazem prevalecer a sua própria, mas a Pessoa de Cristo, quando consagram Seu
Corpo e Sangue. É o que mostram as próprias palavras da Consagração. Não diz o sacerdote:
“Isto é o Corpo de Cristo”, mas diz: “Isto é o meu Corpo”. Representando, assim, a Pessoa de
Cristo Nosso Senhor, converte a substância do pão e do vinho na verdadeira substância de Seu
Corpo e Sangue.
Nestes termos, é preciso ensinar, sem nenhuma hesitação, um ponto que também já foi exposto
pelo Sagrado Sínodo. O Sacrossanto Sacrifício da Missa não é apenas um Sacrifício de louvor e
ação de graças, ou uma simples comemoração do Sacrifício consumado na Cruz, mas é também
um verdadeiro Sacrifício de propiciação, pelo qual Deus se torna brando e favorável a nosso
respeito.

Por conseguinte, se imolarmos e oferecermos esta Vítima Sacratíssima, com pureza de coração,
fé ardente, e profunda compunção de nossos pecados, podemos estar certos de que havemos de
conseguir “do Senhor misericórdia e graça em tempo oportuno” (Hb IV, 16).

Pois é tão agradável ao Senhor o perfume desta Vítima, que [por ela] nos dá os dons da graça e
da penitência, e desta maneira nos perdoa os pecados. Este é o sentido daquela súplica oficial da
Igreja: “Quantas vezes se celebra a memória deste Sacrifício, tantas vezes entra em ação a obra
de nossa Redenção” (“Secreta” do IX Domingo depois de Pentecostes). Noutros termos, este
Sacrifício incruento derrama, então, sobre nós os ubérrimos frutos do Sacrifício cruento.

Depois, ensinarão os párocos ser tal a virtude deste Sacrifício, que não só aproveita a quem
oferece e a quem comunga, mas também a todos os fiéis cristãos, quer vivam ainda conosco
aqui na terra, quer já tenham morrido no Senhor, sem estarem de todo purificados. A estes
últimos não é aplicado com menos fruto do que se aplica aos vivos, por seus pecados, penas,
satisfações, por qualquer desgraça e aflição. Assim o ensina, com absoluta certeza, a Tradição
Apostólica.

Por aqui vemos, sem mais dificuldade, que todas as Missas são comunitárias, porquanto dizem
respeito ao bem e à salvação comum de todos os homens.

Concílio Ecumênico de Trento

V. CERIMÔNIAS DA MISSA

Em torno deste Sacrifício se fazem muitas cerimônias, sobremaneira solenes e grandiosas.


Nenhuma delas deve ser considerada inútil ou inexpressiva. Pelo contrário, todas elas têm por
fim realçar a majestade de tão sublime imolação, e mover os fiéis, que contemplam os ritos
salutares, a considerarem as realidades divinas que se ocultam nesse mesmo Sacrifício.

No entanto, não é mister tratarmos mais de perto este assunto: já por que sua explicação
exorbita de nosso programa; já porque os sacerdotes podem ter à mão esses quase inumeráveis
opúsculos e comentários, que sobre a matéria escreveram homens de notável piedade e
erudição.

Com isso julgamos ter dito, com a ajuda de Nosso Senhor, o necessário sobre os pontos
principais, que se referem à Eucaristia, como Sacramento e como Sacrifício.

Concílio Ecumênico de Trento


OBSERVÂNCIA DAS NORMAS LITÚRGICAS E “ARS CELEBRANDI”

1. A situação no pós-Concílio

O Concílio Vaticano II ordenou uma reforma geral na sagrada liturgia [1]. Esta foi efetuada, após
o encerramento do Concílio, por uma comissão chamada abreviadamente de Consilium [2]. É
sabido que a reforma litúrgica foi desde o início objeto de críticas, às vezes radicais, como de
exaltações, em certos casos excessivas. Não é nossa intenção nos deter neste problema.
Podemos dizer em contrapartida que se está geralmente de acordo em observar um forte
aumento dos abusos no campo celebrativo depois do Concílio. Também o Magistério recente
tomou nota da situação e em muitos casos chamou à estrita observância das normas e das
indicações litúrgicas. Por outro lado, as leis litúrgicas estabelecidas para a forma ordinária (ou de
Paulo VI) — que, exceções à parte, celebra-se sempre e em todas partes na Igreja de hoje —
são muito mais "abertas" em relação ao passado. Estas permitem muitas exceções e diversas
aplicações, e preveem também múltiplos formulários para os diversos ritos (a pluriformidade
inclusive aumenta na passagem da editio typica latina às versões nacionais). Apesar disso, um
grande número de sacerdotes considera que tem de ampliar ulteriormente o espaço deixado à
"criatividade", que se expressa sobretudo com a frequente mudança de palavras ou de frases
inteiras em relação às fixadas nos livros litúrgicos, com a inserção de "ritos" novos e
frequentemente estranhos completamente à tradição litúrgica e teológica da Igreja e inclusive
com o uso de vestimentas, utensílios sagrados e adornos nem sempre adequados e, em alguns
casos, caindo inclusive no ridículo. O liturgista Cesare Giraudo resumiu a situação com estas
palavras:

"Se antes [da reforma litúrgica] havia fixação, esclerose de formas, inaturalidade, que faziam a
liturgia de então um ‘liturgia de ferro', hoje, há naturalidade e espontaneidade, sem dúvida
sinceras, mas frequentemente confusas, mal entendidas, que fazem — ou ao menos correm o
risco de fazer — da liturgia uma "liturgia de borracha", incerta, escorregadiça, que às vezes se
expressa em uma ostentosa liberação de toda normativa escrita. [...] Esta espontaneidade mal
entendida, que se identifica de fato com a improvisação, a falta de seriedade, a superficialidade,
o permissivismo, é o novo ‘critério' que fascina inumeráveis agentes pastorais, sacerdotes e
leigos.

[...] Por não falar também daqueles sacerdotes que, às vezes e em alguns lugares, arrogam-se o
direito de utilizar pregações eucarísticas selvagens, ou de compor aqui ou ali seu texto ou partes
dele" [3].

O Papa João Paulo II, na encíclica Ecclesia de Eucharistia, manifestou seu desgosto pelos abusos
litúrgicos que acontecem frequentemente, particularmente na celebração da Santa Missa, já que
a "Eucaristia é um dom demasiado grande para suportar ambiguidades e diminuições" [4]. Ele
acrescentou:

"Temos a lamentar, infelizmente, que sobretudo a partir dos anos da reforma litúrgica pós-
conciliar, por um ambíguo sentido de criatividade e adaptação, não faltaram abusos, que foram
motivo de sofrimento para muitos. Uma certa reacção contra o «formalismo» levou alguns,
especialmente em determinadas regiões, a considerarem não obrigatórias as «formas» escolhidas
pela grande tradição litúrgica da Igreja e do seu magistério e a introduzirem inovações não
autorizadas e muitas vezes completamente impróprias. Por isso, sinto o dever de fazer um
veemente apelo para que as normas litúrgicas sejam observadas, com grande fidelidade, na
celebração eucarística. Constituem uma expressão concreta da autêntica eclesialidade da
Eucaristia; tal é o seu sentido mais profundo. A liturgia nunca é propriedade privada de alguém,
nem do celebrante, nem da comunidade onde são celebrados os santos mistérios." [5].

2. Causas e efeitos do fenômeno

O fenômeno da "desobediência litúrgica" estendeu-se de tal forma, por número e em certos


casos também por gravidade, que se formou em muitos uma mentalidade pela qual na liturgia,
salvando as palavras da consagração eucarística, se poderiam dar todas as modificações
consideradas "pastoralmente" oportunas pelo sacerdote ou pela comunidade. Esta situação
induziu o próprio João Paulo II a pedir à Congregação para o Culto Divino que preparasse uma
Instrução disciplinar sobre a Celebração da Eucaristia, publicada com o título de Redemptionis
Sacramentum, a 25 de março de 2004. Na citação antes reproduzida da Ecclesia de Eucharistia,
indicava-se na reação ao formalismo uma das causas da "desobediência litúrgica" de nosso
tempo. A Redemptionis Sacramentum assinala outras causas, entre elas um falso conceito de
liberdade [6] e a ignorância. Esta última em particular se refere não só ao conhecimento das
normas, mas também a uma compreensão deficiente do valor histórico e teológico de muitos
textos eucológicos e ritos: "Finalmente, os abusos se fundamentam com frequência na
ignorância, já que quase sempre se rejeita aquilo que não se compreende seu sentido mais
profundo e sua Antiguidade" [7].

Introduzindo o tema da fidelidade às normas em uma compreensão teológica e histórica,


ademais de no contexto da eclesiologia de comunhão, a Instrução afirma: "O Mistério da
Eucaristia é demasiado grande «para que alguém possa permitir tratá-lo ao seu arbítrio pessoal,
pois não respeitaria nem seu caráter sagrado, nem sua dimensão universal» [...] Os atos
arbitrários não beneficiam a verdadeira renovação e sim lesionam o verdadeiro direito dos fiéis à
ação litúrgica, à expressão da vida da Igreja, de acordo com sua tradição e disciplina. Além disso,
introduzem na mesma celebração da Eucaristia elementos de discórdia e de deformação, quando
ela tem, por sua própria natureza e de forma eminente, de significar e de realizar
admiravelmente a Comunhão com a vida divina e a unidade do povo de Deus. Estes atos
arbitrários causam incerteza na doutrina, dúvida e escândalo para o povo de Deus e, quase
inevitavelmente, uma violenta repugnância que confunde e aflige com força a muitos fiéis em
nossos tempos, em que frequentemente a vida cristã sofre o ambiente, muito difícil, da
«secularização».

Por outra parte, todos os fiéis cristãos gozam do direito de celebrar uma liturgia verdadeira,
especialmente a celebração da santa Missa, que seja tal como a Igreja tem querido e
estabelecido, como está prescrito nos livros litúrgicos e nas outras leis e normas. Além disso, o
povo católico tem direito a que se celebre por ele, de forma íntegra, o santo Sacrifício da Missa,
conforme toda a essência do Magistério da Igreja. Finalmente, a comunidade católica tem direito
a que de tal modo se realize para ela a celebração da Santíssima Eucaristia, que apareça
verdadeiramente como sacramento de unidade, excluindo absolutamente todos os defeitos e
gestos que possam manifestar divisões e facções na Igreja." [8]

Particularmente significativo neste texto é o chamado ao direito dos fiéis de terem a liturgia
celebrada segundo as normas universais da Igreja, além de sublinhar o fato de que as
transformações e modificações da liturgia — ainda que se façam por motivos "pastorais" — não
têm na realidade um efeito positivo neste campo; ao contrário, confundem, turbam, cansam e
podem inclusive fazer os fiéis se afastarem da prática religiosa.

3. O ars celebrandi

Eis aqui os motivos pelos quais o Magistério nas últimas quatro décadas recordou várias vezes
aos sacerdotes a importância do ars celebrandi, o qual — se bem não consiste apenas na perfeita
execução dos ritos de acordo com os livros, mas também e sobretudo no espírito de fé e
adoração com os que estes se celebram — não se pode no entanto realizar se se afasta das
normas fixadas para a celebração [9]. Assim o expressa por exemplo o Santo Padre Bento XVI:
"O primeiro modo de favorecer a participação do povo de Deus no rito sagrado é a condigna
celebração do mesmo; a arte da celebração é a melhor condição para a participação ativa
(actuosa participatio). Aquela resulta da fiel obediência às normas litúrgicas na sua integridade,
pois é precisamente este modo de celebrar que, há dois mil anos, garante a vida de fé de todos
os crentes, chamados a viver a celebração enquanto povo de Deus, sacerdócio real, nação
santa"(cf. 1 Pd 2,4-5.9)" [10].

Recordando estes aspectos, não se deve cair no erro de esquecer os frutos positivos produzidos
pelo movimento de renovação litúrgica. O problema assinalado, contudo, subsiste e é importante
que a solução ao mesmo parta dos sacerdotes, os quais devem se empenhar antes de tudo em
conhecer de maneira aprofundada os livros litúrgicos, e também a pôr fielmente em prática suas
prescrições. Só o conhecimento das leis litúrgicas e o desejo de se ater estritamente a elas
impedirá ulteriores abusos e "inovações" arbitrárias que, se no momento podem talvez
emocionar os presentes, na realidade acabam logo por cansar e defraudar. Salvas as melhores
intenções de quem as comete, depois de quarenta anos de experiência na questão, a
"desobediência litúrgica" não constrói de fato comunidades cristãs melhores, mas, ao contrário,
põe em risco a solidez de sua fé e de sua pertença à unidade da Igreja Católica. Não se pode
utilizar o caráter mais "aberto" das novas normas litúrgicas como pretexto para desnaturalizar o
culto público da Igreja:

"As novas normas simplificaram muito as fórmulas, os gestos, os atos litúrgicos [...] Mas neste
campo não se deve ir além do estabelecido: de fato, procedendo assim, se despojaria a liturgia
dos sinais sagrados e de sua beleza, que são necessários, para que se realize verdadeiramente
na comunidade cristã o mistério da salvação e seja compreendido também, sob o véu das
realidades visíveis, através de uma catequese apropriada. A reforma litúrgica de fato não é
sinônimo de dessacralização, nem quer ser motivo para esse fenômeno que chamam de a
secularização do mundo. É necessário por isso conservar nos ritos dignidade, seriedade,
sacralidade" [11].

Entre as graças que esperamos poder obter da celebração do Ano Sacerdotal está portanto
também a de uma verdadeira renovação litúrgica no seio da Igreja, para que a sagrada liturgia
seja compreendida e vivida pelo que esta é na realidade: o culto público e integral do Corpo
Místico de Cristo, Cabeça e membros, culto de adoração que glorifica a Deus e santifica os
homens [12].

DEPARTAMENTENTO DAS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS DO SUMO PONTÍFICE, 


Disponível
em:http://www.vatican.va/news_services/liturgy/details/ns_lit_doc_20100729_osservanza_po.ht
ml

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