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SANTA CEIA, o Sacramento da Permanência

Na conversão começa o processo da santificação, que é o ato de Deus ministrar sua graça
sobre nós, uma graça que irá nos transformar, a ponto de mudar completamente a nossa vida.
A Santa Ceia é um instrumento desta graça porque nos sustenta e renova nossas forças
espirituais. Se ficarmos bastante tempo sem alimentos, nos sentiremos fracos e logo
adoeceremos. Quando nos alimentamos, permanecemos fortes e mais resistentes à doenças.
A Ceia é o nosso alimento espiritual e participar dela é garantia de sustento e renovação
espiritual. Por isso, nossa visão da Santa Comunhão é muito diferente da visão da igreja
romana. Para aquela igreja a comunhão possui graça salvadora, ou seja, se alguém cometeu
um pecado mortal, através da comunhão pode receber o perdão e ser salvo novamente.
Entretanto, cremos que a graça que encontramos na Ceia não é a graça que nos salva, mas a
que confirma que somos salvos, e nos capacita a continuarmos salvos (Sacramento da
Permanência). Através dela, o Senhor nos alimenta espiritualmente, pois oferece seu corpo e
sangue como um alimento espiritual.

I. Memória e bênção

Os evangelistas relatam a última ceia do Senhor Jesus com seus discípulos detalhadamente.
Jesus sabia que aquela seria sua última noite em que poderia estar a sós com seus amigos, e
escolheu aquela ocasião para conceder um dom maravilhoso à sua igreja antes de sua partida.
A primeira coisa que percebemos na maneira como o Senhor dirigiu aquela reunião foi sua
disposição de que todos participassem daquele momento. Ele ordenou que seus discípulos
“comessem e bebessem” (Mt 26.26-28). Em outra ocasião ele já havia declarado: “Em verdade,
em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu
sangue, não tendes vida em vós mesmos. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue
tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6.53-54).

Obviamente Jesus não estava ensinando naquela ocasião nenhum tipo de canibalismo, ele
falava de ter um relacionamento com ele, um relacionamento tão íntimo que só poderia ser
possível se participássemos dele, se ele estivesse dentro de nós. Naquela noite, na última ceia,
em palavras memoráveis, ele ordenou que seu povo participasse da união com ele, que é a
maneira como todas as bênçãos de Deus vêm sobre nós. O significado daquela cerimônia está
intimamente ligado à obra de Jesus.

Jesus disse:

“Tomai, comei; isto é o meu corpo. A seguir, tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos
discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança,
derramado em favor de muitos, para remissão de pecados” (Mt 26.26-28).

Poucas expressões têm sido mais controversas na história do que “isto é o meu corpo” e “isto
é o meu sangue”. Infelizmente aquilo que foi dito para unir os crentes, até ao dia de hoje
continua separando. Mas temos que reconhecer que Jesus não estava querendo dizer que
aquele pedaço de pão e aquele pouco de vinho eram, fisicamente, o corpo e o sangue dele,
pois do mesmo modo, muitas vezes ele disse que era “uma porta”, “a luz”, “o caminho”, e nem
por isso estava dizendo que fisicamente era aquelas coisas. Ele escolheu dois elementos para
simbolizarem aquilo que, através de seu corpo e de seu sangue, realizaria pelo mundo. A Igreja
de Roma defende que, no momento da comunhão acontece uma Transubstanciação. Significa
que a substância do pão e do vinho é miraculosamente transformada na substância do corpo e
do sangue do Senhor, de modo que já não devem ser vistos como pão e vinho, embora
pareçam ser. Lutero criou outra teoria que ficou conhecida como Consubstanciação. Os
Luteranos defendem uma espécie de comunicação de atributos entre a natureza divina e a
natureza humana de Jesus. Assim, a natureza divina comunica à natureza humana de Jesus o
atributo da Onipresença. Dessa forma, Jesus teria se tornado fisicamente Onipresente. Essa foi
a forma que Lutero encontrou para defender a presença física de Jesus na Ceia baseado na
expressão: “Isto é o meu corpo”. Zuínglio negou que o Cristo glorificado esteja presente na
Ceia do Senhor, apelando apenas para a questão memorial da Ceia. Calvino concordou com
Zuínglio no sentido de simbologia, mas entendia que Cristo, por meio do Espírito, concede aos
adoradores um verdadeiro gozo de sua presença pessoal, atraindo-os à comunhão com ele no
céu, de forma gloriosa e bem real, não obstante indescritível.

Entendemos que a visão de Calvino é a mais correta, e ela é a visão tradicional da igreja
reformada. O pão e o vinho simbolizam o seu sacrifício. Deve ser dito que apenas simbolizam,
eles não são em si um sacrifício, pois, o sacrifício de Jesus é único e não pode ser repetido (Hb
10.14). Porém, Cristo está presente na Ceia, de modo espiritual, abençoando, fortalecendo e
julgando sua igreja. Jesus destacou também o aspecto do sangue ser o “sangue da aliança”.
Desde o início do mundo Deus estabeleceu uma Aliança com seu povo. Por várias vezes Deus
renovou essa Aliança ao longo das gerações. Um dos elementos centrais dessa Aliança era
justamente o sangue. O sangue simbolizava a expiação, a forma como os pecados podiam ser
perdoados (Hb 9.22).

Quando Jesus disse que o sangue dele era o sangue da Aliança apontou para a forma como as
pessoas foram salvas desde o início do mundo, a partir do momento em que o pecado entrou.
Os sacrifícios oferecidos no Antigo Testamento eram apenas sombras do sacrifício de Jesus e
só tinham valor porque no plano de Deus, chegaria o momento quando Jesus viria e
derramaria seu sangue para cumprir a Aliança. O objetivo da ceia é para fins de memória e
bênção. O aspecto memorial do seu sacrifício pode ser percebido pela expressão que Paulo usa
em sua primeira carta aos Coríntios:

“Fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque, todas as vezes que
comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1Co
11.25-26).

Devemos entender essas palavras à luz do que o próprio Jesus disse: “E digo-vos que, desta
hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber,
novo, convosco no reino de meu Pai” (Mt 26.29). O memorial da Santa Ceia nos aponta para o
passado e para o futuro. Para o passado se referindo à obra que o Senhor realizou na cruz ao
oferecer o seu corpo e o seu sangue como sacrifício que perdoa definitivamente os nossos
pecados. Mas a Santa Ceia também aponta para o futuro, como uma espécie de proclamação e
expectativa do retorno de Jesus. Ele disse que só voltaria a participar dessa Ceia quando
retornasse. E Paulo, com certeza tendo isso em mente, disse que ao participar da ceia,
anunciamos a morte do Senhor até que ele venha.

Mas a Ceia não é apenas memorial, ela é também meio de graça. Quando participamos dela,
estamos unidos espiritualmente ao Senhor e através dessa união, Deus nos concede suas
bênçãos e nos alimenta espiritualmente.

II. Como participar da Ceia

A Páscoa é para a Ceia do Senhor o que a circuncisão significava em relação ao batismo. Os


judeus comemoravam a Páscoa como o dia da libertação. Eles comiam pão e vinho na Páscoa,
lembrando-se que seus antepassados haviam comido o pão da aflição e bebido o cálice da ira
no Egito, mas que eles, pela libertação divina estavam livres daquilo, e podiam comer o pão e
beber o vinho em paz e segurança. É isto que fazemos na Ceia. Levantamos o cálice que
simboliza nossa salvação, mas devemos lembrar que alguém pagou o preço dela. A Santa
Comunhão é um símbolo e um selo de que a ira de Deus passou sobre nós . Cristo
experimentou o cálice da Ira de Deus, e por isso nós podemos beber o cálice da salvação.

É muito interessante que Jesus, em seu maior momento de angústia, antes da Cruz, no jardim
de Getsêmani orou a Deus: “Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice” (Mt 26.39). É
significativo que o relato do Getsêmani esteja justamente depois do relato da última ceia. Na
Ceia, o Senhor ofereceu ao seu povo o cálice da bênção, no Getsêmani assumiu o cálice da ira
em lugar dos seus eleitos, o seu povo. O cálice que Jesus relutava em beber era o cálice da Ira
de Deus, acumulada desde o pecado de Adão. Mas ele o bebeu inteiramente, para que nós
possamos beber o cálice da salvação.

Mas, há o perigo de que as pessoas bebam um cálice pelo outro. Paulo, pensando nas próprias
palavras da instituição da Ceia, acrescenta:

“Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do
corpo e do sangue do Senhor” (1Co 11.27).

Ou seja, a comunhão pode se tornar um sacrilégio, como os coríntios estavam fazendo com
todas as suas divisões e orgulho, demonstrando que possuíam uma visão distorcida do
sacramento. Assim, eles estavam atraindo para si a ira divina, pois comiam o pão e bebiam o
vinho sem discernimento. Entender o que a Ceia significa é essencial para uma participação
digna da Mesa do Senhor.

III. Quem deve participar da Ceia

Se a Ceia é tão fundamental, por um lado todos deveriam participar dela, mas ela só tem valor
para aqueles que participam coerentemente, distinguindo o que ela significa e portanto, nem
todos devem participar. Isso nos conduz a uma questão importante: Quem deve participar da
Ceia? Em 1Coríntios 11, Paulo estabelece os requisitos. Ele diz que a Ceia pode ser um
ajuntamento não para melhor e sim para pior, de acordo com o comportamento das pessoas
(1Co 11.17). No caso dos Coríntios, as divisões internas acarretavam uma participação
hipócrita na Ceia, o que se tornava uma maldição (1Co 11.18). Tal era a situação de
irregularidade, que Paulo diz que aquela cerimônia nem poderia ser chamada de “Ceia do
Senhor” (1Co 11.20). Os exageros eram marcantes no momento da cerimônia, onde alguns
comiam demais e até se embriagavam (1Co 11.21). Em seguida Paulo restabelece os
elementos fundamentais da Ceia. Ele diz:

“Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em
que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é
dado por vós; fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado,
tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas
as vezes que o beberdes, em memória de mim” (1Co 11.23-25).

Por causa da seriedade da instituição, sendo o próprio Jesus o Instituidor, e pelo significado da
cerimônia, Paulo argumenta que “aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor,
indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor” (1Co 11.27). Por causa disso, todos
deveriam fazer um autoexame antes de participar da Ceia (1Co 11.28). Não fazer este
autoexame implicaria em estar sujeito ao Juízo de Deus (1Co 11.29). Este é o significado da
expressão “discernimento”. A pessoa que participa da Ceia precisa entender sua situação
pecaminosa e a necessidade absoluta do sacrifício de Jesus para sua salvação, que está
simbolizado nos elementos da Santa Ceia. Participar da Ceia sem um coração arrependido é
garantia de fraqueza, doença e até morte (1Co 11.30). Isso claramente exclui da Ceia os
incrédulos e todos aqueles que não entenderam o sacrifício de Jesus. Por esse motivo,
também, os líderes das igrejas devem admoestar, de maneira responsável, para que se
afastem da mesa da comunhão os pecadores que não demonstraram claro arrependimento de
suas faltas. Nesse caso, quando os líderes suspendem alguém que não deu mostras de
verdadeira mudança, estão mantendo a santidade da Mesa do Senhor e, ao mesmo tempo,
poupando o pecador de consequências piores. No entanto, não parece haver justificativa para
manter separado da mesa o pecador que já mostrou estar arrependido, pois seria o mesmo
que manter o faminto longe do alimento. É necessário que resgatemos a centralidade e a
importância dos Sacramentos instituídos por nosso Senhor em nossa vida e na vida da igreja.
Cristo pretendeu que o Batismo e a Santa Ceia fossem elementos poderosos colocados à nossa
disposição para nosso crescimento. Os sacramentos são meios de graça para nosso
crescimento espiritual. Por isso, devemos tomar cuidado para nunca nos privarmos daquilo
que ele providenciou para nossas vidas. Muitos crentes não veem qualquer coisa interessante
ao participar da ceia, ou quando assistem a batismos, pois consideram-nos rituais maçantes.
Poucos se preparam antes de tomar do pão e do vinho, e a maioria não faz uso do
discernimento. Não admira, que a situação em muitos lugares seja parecida com a de Corinto,
havendo também muitos fracos e doentes e não poucos que dormem (1Co 11.30).

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