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mecânica clássica

Marco Antônio dos Santos


Marcos Tadeu D’Azeredo Orlando

Universidade Aberta do Brasil Física


Universidade Federal do Espírito Santo
Licenciatura
Física | Mecânica Clássica 1
E ste livro foi concebido com base em anos de expe-
riência em novas formulações e desenvolvimento
de aulas ministradas nos cursos de Mecânica Clássica
para alunos de Física proferidos pelo Prof. Dr. Marco
Antônio dos Santos, que é o atual (2012) coordenador
do curso de Física da UFES. Com base nesse trabalho
de pesquisa e didático, o Prof. Dr. Marco Antônio dos
Santos me convidou para participar da elaboração
deste livro tendo como base suas anotações e resu-
mos. Ressalto que a abordagem utilizada aqui é dife-
renciada e muito singular, trazendo novos elementos
ao fascinante mundo da Mecânica Clássica.

A1 Mecânica Clássica | Física


UNIVERSIDADE F E D E R A L D O E S P Í R I TO S A N TO
Núcleo de Educação Aberta e a Distância

mecânica clássica
Marco Antônio dos Santos
Marcos Tadeu D'Azeredo Orlando

Vitória
2012

1
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José Otavio Lobo Name
Ricardo Esteves
S237m Santos, Marco Antônio dos.
Gerência
   Mecânica clássica / Marco Antônio dos Santos; Marcos Tadeu
Samira Bolonha Gomes
D'azeredo Orlando. - Vitória : UFES, Núcleo de Educação Aberta e a
Editoração Distância, 2012.
Thiers Ferreira    129 p. : il.

Capa    Inclui bibliografia.


Thiers Ferreira    ISBN:

Ilustração    1. Mecânica. I. Orlando, Marcos Tadeu D'azeredo. II. Título.


Thiers Ferreira
CDU: 531
Impressão
Gráfica e Editora GSA
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2
3
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a do sólido
6

3 9
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4 Mecânica Clássica | Física


mecânica na
formulação Lag
rangiana 78

mecânica na
formulação Hamiltoniana 97

Física | Mecânica Clássica 5


a cinemática da partícula e
a cinemática do sólido
1

6 Mecânica Clássica | Física


1. A Cinemática da Partícula
O problema fundamental da Mecânica Clássica se resume em des-
crever o movimento de um sistema (corpo, partícula ou sistema de
partículas) sujeito a determinadas condições (forças, potenciais, vín-
culos, etc.). Mais especificamente, no formalismo newtoniano, dado
uma partícula sujeita a determinada força, descrever seu movimento.
Ou, inversamente, dada uma partícula se movimentando de determi-
nada maneira, descrever as forças que atuam sobre ela. Esta relação,
entre forças e movimento, caracteriza o formalismo de Newton da
Mecânica Clássica, com a grandeza vetorial força desempenhando
um papel fundamental, enquanto que em outros formalismos, como
os de Lagrange e Hamilton, as grandezas necessárias para a descri-
ção do movimento são basicamente as energias, cinética e potencial.
Esta característica faz com que o formalismo Newtoniano seja um
formalismo vetorial, sendo as grandezas vetoriais posição, veloci-
dade, aceleração e força fundamentais para esta descrição. Por isso
o formalismo de Newton é muitas vezes chamado de formalismo
vetorial, e sua mecânica é também chamada de Mecânica Vetorial,
enquanto que os outros formalismos, que se baseiam em grandezas
escalares como energia e coordenadas são também conhecidos como
Mecânica Analítica. Neste curso iremos tratar inicialmente do for-

Física | Mecânica Clássica 7


malismo newtoniano, depois do formalismo lagrangiano, e por fim,
do formalismo hamiltoniano. Importante frisar, e o faremos ao longo
de todo este texto, que todos estes formalismos tratam do mesmo as-
sunto, qual seja, a descrição do movimento no âmbito da Mecânica
Clássica. Quando o movimento se dá em situações de dimensões atô-
micas ou de velocidades muito grandes, próximas à da luz, as teorias
que os descrevem são, respectivamente, a Mecânica Quântica e a Te-
oria da Relatividade, que estão fora do alcance deste Curso. Vamos
então iniciar nossos estudos pela Mecânica de Newton.
Do ponto de vista puramente matemático, a descrição do movi-
mento de uma partícula, por exemplo, se realiza completamente com
a caracterização da função vetorial r(t) ( ou das funções velocidade
(v(t )) ou aceleração (a(t)), como veremos logo adiante), a posição
em função do tempo. Em geral, dado um sistema cartesiano de ei-
xos com uma origem O, a posição da partícula em um determinado
instante é representada pelo vetor posição r, que no instante t liga a
origem O do sistema de eixos ao ponto P cujas coordenadas repre-
sentam esta posição. Usaremos frequentemente a notação

r = P - O = xx + yŷ + zz eq. 1

para representar o vetor com origem no ponto O e extremidade no


ponto P.
Do ponto de vista da Física, tal sistema de coordenadas possui
origem e eixos fixos em um referencial R, a partir do qual se ob-
serva o movimento da partícula. Este referencial é um objeto físico,
diferente do sistema cartesiano, que é um objeto matemático. Mais
ainda, o referencial é um corpo extenso e rígido, no qual se definem
a origem e os eixos do sistema de coordenadas, e onde se encontra
o observador. Assim, partícula, referencial e observador são elemen-
tos, ou ingredientes físicos fundamentais da Mecânica. A existência
da partícula, objeto que se movimenta e do qual sabemos ter dimen-
sões desprezíveis, e que pode ser representada por um ponto, é su-
bentendida assim como a do observador, que se pode pensar como
os instrumentos que medem posição, massa, peso, etc. Mas a exis-
tência do referencial é algo de maior importância para o físico, uma
vez que seu estado de movimento é da maior importância no estudo
do movimento da partícula. Assim, como o referencial é um corpo
rígido e pode se movimentar em relação a outro referencial é de fun-

8 Mecânica Clássica | Física


damental importância conhecer a Cinemática do Corpo Rígido, o que
faremos ao longo deste nosso estudo.
Retornemos ao problema matemático da descrição do movimento
de uma partícula. De uma maneira geral, conhecida a função r(t), por
meio de uma simples operação de derivação se obtém a função v(t),
que por sua vez, também derivada fornece a(t). Inversamente, co-
nhecendo a(t), por uma integração se chega a v(t), que também pode
gerar, via outra integração, a função r(t). Desta forma fica claro que
para descrever o movimento de uma partícula, relativo a um sistema
de coordenadas (que por sua vez encontra-se ligado a um corpo rí-
gido), basta obter qualquer uma das funções r(t), v(t) ou a(t), pois
através de operações de derivações ou integrações se pode chegar
sempre à função vetorial desejada, via de regra r(t).
No apêndice 1 trataremos dos problemas matemáticos de escrever
os vetores fundamentais da cinemática em diversos sistemas de co-
ordenadas. Os exemplos a seguir e alguns problemas propostos ao
final deste Módulo encerram a questão da cinemática da partícula
no contexto da formulação vetorial da Mecânica Clássica.
Resta, entretanto, a importante questão da Cinemática do Corpo
Rígido, ou Cinemática dos Sólidos, uma vez que este se torna um
tema fundamental para que se discuta o movimento de maneira
correta - visto que todo referencial é um sólido. (Inclusive tere-
mos que tratar da questão fundamental da mudança de referen-
ciais e das forças que aparecem em referenciais não inerciais).
Mas qual seria a maneira de descrever, por exemplo, a posição de
um sólido? Um sistema rígido é constituído por uma distribuição
contínua de massa que ocupa um determinado volume. Esta dis-
tribuição, cujas distâncias entre seus pontos permanecem fixas
(por definição de um sistema rígido), pode, em princípio, ter seu
movimento descrito a partir da descrição do movimento de cada
um destes pontos. Ou seja, descrever o movimento de cada um
dos pontos constituintes do sólido é uma maneira trivial de des-
crever o movimento do sólido, o que não aparenta ser uma tarefa
simples. Ocorre que o estudo desta Cinemática pode ser muito
simplificado se um pequeno e importante instrumento da Mate-
mática for conhecido antes, e este instrumento chama-se Cálculo
Motorial. Este pequeno e importante tema será o nosso próximo
objeto de estudo. Antes, porém, vejamos alguns exemplos que en-
volvem a cinemática da partícula.

Física | Mecânica Clássica 9


Exemplos
1) Um tubo metálico, retilíneo e oco, encontra-se girando sobre uma
mesa com velocidade angular constante e igual a w. No interior do
tubo, uma formiga caminha com velocidade constante, em relação ao
tubo, de módulo v, na direção paralela ao eixo de simetria do tubo e
no sentido contrário ao ponto em que passa o eixo em torno do qual
o tubo gira, que vamos tomar como origem de um sistema de coor-
denadas polar. Calcule a trajetória da formiga neste sistema polar su-
pondo que no instante inicial a formiga passava pela origem e o tubo
passava pelo eixo polar, ou seja, em θ = 0.

Solução:
Chamando de r a coordenada polar radial da formiga, podemos es-
crever que, de acordo com a condição inicial, r = vt. Também de
acordo com a condição inicial podemos escrever que a coordenada
angular polar θ pode ser descrita por θ = wt. Tomando t em ambas
as relações e igualando os valores temos

r θ ⇒ θv = rw
=
v w

Esta é a equação de uma espiral, em coordenadas polares, usual-


mente conhecida como espiral de Arquimedes.

2) Diz-se que uma partícula está animada de movimento central se a


reta suporte de sua aceleração passar constantemente por um ponto
fixo, que é usualmente chamado centro do movimento. São centrais,
por exemplo, os movimentos dos planetas em torno do Sol, assim
como são também centrais os movimentos dos elétrons no átomo clás-
sico de Bohr. Queremos demonstrar uma propriedade muito importante
dos campos centrais que é a de que todo movimento central é plano.

Solução:
Considere a figura abaixo

v
Mo = r x v r
P

o γ

10 Mecânica Clássica | Física


o ponto P representa a partícula em movimento sobre a curva γ e o
ponto O, o centro do campo. O vetor MO é o momento da velocidade
da partícula no ponto P em relação ao ponto O. Este vetor é cons-
tante no tempo uma vez que

Ṁo = ṙ x v + r x v = 0

(o termo ṙ × v se anula uma vez que ṙ ≡ v e o termo r × v̇ se anula


visto que a aceleração tem a direção do centro por definição). Mas se
a direção definida por r e v é fixa, então o plano definido por estes
vetores é único. Q. E. D.

3) Uma pequena esfera metálica é atirada verticalmente, de cima


para baixo, sobre a superfície da água de uma lagoa. A esfera atra-
vessa a superfície e continua a se mover verticalmente no interior da
água. Sabendo que em conseqüência da ação das forças que atuam
sobre a esfera no interior da água a sua aceleração a é, em cada data
t, vertical, dirigida de baixo para cima e tal que ‖a‖ = λ‖v‖, onde λ é
uma constante positiva conhecida e v é a velocidade da esferazinha
na data t, e sabendo, mais, que é igual a v0 a norma da velocidade da
esferazinha imediatamente após ter atravessado a superfície da água
da lagoa, deduza uma fórmula que permita calcular a velocidade es-
calar v da esferazinha em função da sua profundidade h abaixo da
superfície da água da lagoa.

Solução:

dv (1)
= - λv → v = voe-λt
dt
- voe-λt t
vo
dr = voe-λtdt → h = =- (e-λt - 1)
λ
0
λ
λh
→e =1-
-λt
vo

que levado em (1) fornece: v = v0 - λh

Física | Mecânica Clássica 11


2. Cálculo Motorial

Quando associamos a cada ponto do espaço o valor de uma grandeza


física, temos o que os físicos chamam de um campo. Por exemplo,
se associamos a cada ponto de uma região o valor da temperatura
naquele ponto, falamos de um campo escalar (a temperatura é uma
grandeza escalar), o campo das temperaturas. Se, por outro lado, fa-
lamos da força elétrica por unidade de carga associada a cada ponto
do espaço, falamos de um campo vetorial, o campo elétrico. Os ma-
temáticos preferem falar em funções. Temos as funções escalares,
as funções vetoriais, as funções uniformes, as funções constantes,
etc. Vamos definir uma função vetorial particular, de tal forma que
os vetores associados a cada ponto estão relacionados entre si de
acordo com uma regra específica, comum a uma família de funções,
ou campos. A este tipo especial de campo vetorial daremos o nome
de Motor, ou Campo Motorial. Assim, todo campo motorial é um
campo vetorial, mas nem todo campo vetorial é um campo motorial.
Vamos à definição matemática.
Seja um conjunto n de vetores c1, c2,.....,cn aplicados respectiva-
mente nos pontos A1, A2,...., An. O momento deste conjunto de ve-
tores em relação a um ponto O é definido por
n
M0 = ∑ i = 1 ri x ci eq. 2

sendo ri = Ai - O o vetor posição do ponto Ai em relação ao ponto


O. Desta forma, podemos associar a cada e qualquer ponto Q o ve-
tor MQ, o momento daquele conjunto de vetores, ci, em relação ao
ponto Q. Temos então um campo vetorial . Veremos que este campo
possui propriedades matemáticas comuns a muitos campos veto-
riais encontrados na Mecânica. Um campo vetorial assim definido
usualmente é chamado de campo motorial.
É fácil ver que existe uma relação matemática entre os vetores
associados aos pontos de um motor, que, aliás, é a propriedade que
melhor caracteriza um campo vetorial como um motor. Veja que
podemos escrever, conforme a figura 1, as coordenadas do campo
ligadas aos pontos P e Q da seguinte maneira:
n
MP = ∑ i = 1 ri x ci
n
MQ =∑ i = 1 r´i x ci

12 Mecânica Clássica | Física


Da figura se nota que podemos escrever r’i = (P-Q) + ri na segunda
expressão acima, de maneira que
n n n
MQ= ∑ i = 1[(P - Q) + ri] x ci = ∑ i = 1(P - Q) x ci + ∑ i = 1 ri x ci =
n
= MP + (P - Q) x ∑ i = 1 ci = MP + (P - Q) x c

onde usamos a definição . Ou seja, podemos escrever a relação

MQ = MP + c x (Q - P) eq. 3

Esta é a principal relação do Cálculo Motorial, visto que ela define


mesmo um campo motorial. Um campo vetorial cujas coordenadas
ligadas aos seus pontos estão relacionadas desta forma é um campo
motorial. Note que o vetor c não está relacionado a nenhum ponto em
particular, mas é quem caracteriza a relação entre o valor do campo
em um ponto com o valor em outro ponto. Esta relação é tão impor-
tante que recebe o nome de fórmula de Clifford, em homenagem ao
grande matemático inglês do século XIX, Willian Kingdon Clifford,
que foi quem estudou, pela primeira vez, o Cálculo Motorial.

Ai ci

ri r’i
MP

Q
P MQ

Figura 1

A fórmula de Clifford nos informa que conhecemos todo o campo


motorial, ou seja, conhecemos o vetor ligado a qualquer ponto Q,
desde que conheçamos dois vetores: o vetor ligado a UM ponto, p.ex.,
o ponto P, e um vetor independente dos pontos, o vetor c na equação
3. Por isso chamamos de coordenada livre o vetor c, e de coordenada
ligada o vetor MP . Ou seja, bastam duas informações, duas coorde-
nadas vetoriais, usualmente representadas pelo par (MP, c) e conhe-
cemos todo o campo vetorial, se este for um motor. Esta seria apenas
uma propriedade matemática interessante, não houvesse na Física
alguns campos vetoriais muito importantes que se encontram nesta
categoria. Um destes campos é aquele que nos motivou a fazer esta

Física | Mecânica Clássica 13


regressão matemática, ou seja, o campo vetorial formado pelas ve-
locidades associadas aos pontos de um corpo rígido em movimento.
Neste caso as coordenadas ligadas são, naturalmente, as velocidades
(vA) associadas a cada ponto do corpo, e a coordenada livre é o vetor
velocidade de rotação do corpo, w. E é este fato de as velocidades dos
pontos de um sólido se constituirem em um campo motorial, que faz
a cinemática do sólido se tornar um assunto muito mais simples que
seria caso não houvesse esta propriedade. Temos então

vA = vB + w x (A - B) eq. 4

Outro exemplo físico de um campo motorial é o campo formado


pelos vetores momento angular de um sistema de partículas, cada qual
com momento linear p, associados aos diversos pontos de uma região.
De maneira análoga aquela que nos levou à equação 3, podemos partir
da definição de momento angular de um sistema de n partículas
n
L0 = ∑ i = 1 ri x pi
n
LQ = ∑ i = 1 r´i x pi

e com o mesmo caminho utilizado em 3 chegar a

LQ = LO + P x (Q - O) eq. 5

onde a coordenada livre é o momento linear total do sistema. De


maneira análoga, podemos mostrar que vale para os torques de um
sistema de forças a relação

NQ = NO + F x (Q - O) eq. 6

onde agora é a soma das forças que faz o papel de coordenada livre.
Embora seja um mero exercício chegar às eq. 5 e 6, não existe um
caminho tão simples para mostrar que a eq.4 é válida. Para chegar
a ela usaremos um teorema do Cálculo Motorial, que não julgamos
conveniente demonstrar aqui, chamado de teorema discriminador (a
demonstração deste teorema, embora não seja complicada, pode ser
encontrada no livro Mecânica Vetorial, de L. P. M. Maia). A fim de
usar este resultado na próxima seção, vamos enunciá-lo aqui:

14 Mecânica Clássica | Física


Teorema Discriminador: A condição necessária e suficiente para
um campo vetorial ser um vetor é que sejam iguais entre si as com-
ponentes, segundo um eixo qualquer, dos vetores do campo asso-
ciados aos pontos do eixo.

3. A Cinemática do Sólido
Do ponto de vista da Mecânica um corpo rígido, ou um sólido, é uma
distribuição contínua de massa com a propriedade, ou vínculo, de
que a distância entre quaisquer dois pontos deste permaneça cons-
tante no tempo. Assim, escolhendo A e B como dois pontos quais-
quer do sólido, teremos que

‖ A - B ‖ = constante no tempo.

Embora o movimento mais geral de um sólido seja, à primeira


vista, bastante complicado de se descrever, existem dois casos espe-
cialmente simples e que, como veremos, servem de base para a descri-
ção mais geral. Trata-se do movimento puramente translacional e do
movimento puramente rotacional. Vamos estudá-los em sequência.

Translação
O movimento puramente translacional é aquele em que o vetor que
liga dois pontos quaisquer do corpo rígido permanece eqüipolente a
um vetor fixo no referencial a partir do qual o movimento do corpo
é estudado. Portanto, podemos escrever que, para quaisquer A e B
pertencentes ao sólido em movimento translacional, temos:

A - B = constante no tempo.

Observe que o movimento de translação de um sólido não implica


em trajetórias retilíneas para os pontos deste. O movimento da ca-
deira de uma roda-gigante é um exemplo clássico de um movimento
de translação em que os pontos do sólido não descrevem um traje-
tória retilínea (e nem mesmo circular!).
É fácil perceber então que basta a descrição do movimento de
UM ponto do sólido para que o movimento de todo o sólido esteja

Física | Mecânica Clássica 15


descrito, uma vez que os vetores posição de todos os demais pontos
do corpo, em relação ao ponto escolhido, permanecem constantes.
E assim, a cinemática do movimento do sólido se reduz à cinemá-
tica do movimento de um ponto, assunto que já conhecemos da Ci-
nemática da Partícula. Para estabelecer de forma mais matemática
esta conclusão, vamos colocá-la na forma de um teorema, e que
pode assim ser redigido:
Teorema: Todos os pontos de um corpo rígido, com movimento
puramente translacional, possuem, em cada instante, a mesma velo-
cidade e a mesma aceleração.
Demonstração: Considere que a figura 2 representa um corpo rí-
gido num momento em que este se move em translação, em relação
ao referencial R. Podemos então escrever

B
rAB

A
rB
rA
0
R

Figura 2

rB = rA + rAB

onde sabemos que rAB é um vetor constante no tempo. Podemos en-


tão derivar ambos os membros em relação ao tempo e obter (uma
vez que a derivada temporal de rA é vA)

vA = vB

Que por sua vez, também derivada em relação ao tempo fornece

aA = aB , q.e.d.

16 Mecânica Clássica | Física


Rotação
O movimento puramente rotacional é aquele em que dois pontos do
sólido encontram-se em repouso em relação ao referencial em que
este é observado. Estes dois pontos determinam uma reta, ∆, cha-
mada de eixo de rotação. Podemos mostrar que todos os pontos do
sólido que se encontram sobre o eixo de rotação possuem, também,
velocidade nula no referencial em pauta. Para se convencer disto,
observe a figura 3, onde os pontos A e B são os pontos em repouso
e que, por isso, definem a reta ∆:

A
R ∆

Figura 3

A equação vetorial que define a reta ∆ pode ser posta na forma

P - A = α(B - A),

onde P representa um ponto qualquer da reta e α é um escalar ade-


quado a P e constante no tempo. Derivando em relação ao tempo
esta equação temos:

Ṗ - A = α(B - A) + α(Ḃ - A)

Como = Ḃ = = 0, temos mostrado que Ṗ = 0, q.e.d.


Desta maneira, o único movimento que resta ao sólido é o de
giro em torno do eixo ∆, como pode atestar a experiência. A este
chamamos de movimento de rotação em torno do eixo ∆. Uma
grandeza extremamente importante relacionada a este movimento
é a velocidade de rotação, que iremos agora definir.
Na figura 4 representamos um sólido em movimento de rotação
pura em um determinado referencial R, e escolhemos um sistema de

Física | Mecânica Clássica 17


eixos cartesianos fixo em tal referencial, de maneira que o eixo z
deste sistema coincide com o eixo de rotação do sólido:

z∆
S

0
y
θ

Figura 4

Seja P um ponto do sólido e P∆ o plano determinado por este


ponto e o eixo ∆, de rotação. Estando o sólido em movimento de
rotação em torno de ∆, o ângulo θ formado pelo plano e o eixo x é
uma função do tempo, θ = θ(t). Definimos as derivadas primeira e
segunda de θ em relação ao tempo respectivamente de velocidade
angular e aceleração angular:

w=θ e α=θ

Percebe-se, por esta definição, que a velocidade angular in-


forma a respeito da rapidez com que o sólido gira em torno do
eixo. Também é bastante intuitivo perceber que as velocidades de
cada ponto do corpo são tão maiores quanto maior for a veloci-
dade angular, mas que para uma mesma velocidade angular a ve-
locidade de cada ponto é tão maior quanto maior a distância do
ponto ao eixo de rotação. Tais informações podem ser obtidas com
mais exatidão por uma investigação matemática muito simples a
respeito de w e vP , a velocidade de cada ponto P do corpo. Tal
investigação também nos revelará uma propriedade muito impor-
tante a respeito da Cinemática do Sólido.
Vamos escolher ainda um sólido em rotação em torno de um eixo
que coincida com o eixo z do sistema cartesiano, como na figura an-
terior, apenas explicitando agora dois dos pontos do sistema S que
definem ∆, os pontos A e B na figura 5, e vamos usar também o sis-
tema de coordenadas cilíndricas (ρ, θ, z):

18 Mecânica Clássica | Física


z∆
C S
B

P
r
A
0
y
θ
x p

Figura 5

Em primeiro lugar, notemos que a trajetória de cada ponto P do


sistema rígido S é uma circunferência de raio ρ e centro no eixo ∆,
exatamente no ponto do eixo com a coordena z do ponto P: por um
lado a distância CP (ρ) é constante pelo fato de o sistema S ser rígido e
de z ser o eixo de rotação ( PB é constante e BC também), e por outro
lado, a distância OC (z) também é constante pelo fato de serem ambos
pontos do eixo de rotação. Logo, as condições ρ = cte. e z = cte de-
finem uma circunferência de raio ρ em coordenadas cilíndricas.
Como apenas θ muda com o tempo é conveniente escrever o ve-
tor posição de P em coordenadas cartesianas, mas usando as coor-
denadas cilíndricas para escrever suas componentes. Temos então:

r = ρcosθx̂ + ρsenθŷ + zẑ

Como apenas θ depende de t, a velocidade será

v = r = -θ ρsenθx + θρcosθŷ = θρ(-senθx +cosθŷ) eq. 7

Tomando o módulo desta última equação e chamando de w, po-


demos escrever que

v = wρ eq. 8

que confere com aquilo que nossa intuição previa. Podemos, entre-
tanto, ir mais além se definirmos o vetor velocidade de rotação,
como usualmente se faz, como um vetor que possui como módulo a
velocidade angular w, a direção dada pelo eixo de rotação e o sen-

Física | Mecânica Clássica 19


tido dado pela regra da mão direita, ou regra do parafuso, como
queira, e conforme está ilustrado na figura 6:

A Regra da Mão Direita A Regra do Parafuso

O sentido do vetor velocidade de O sentido do vetor velocidade de um


rotação de um sistema rígido S é aquele sistema rígido S é aquele no qual avançaria
indicado pelo polegar da mão direita, um parafuso comum cujo eixo coincidisse
supondo-se que se abarcasse com a mão com o eixo ∆ de rotação do sistema S e que
direita o eixo ∆ de rotação do sistema S se fizesse girar no mesmo sentido no qual
de uma forma tal que os outros dedos está girando o sistema rígido S.
ficassem disposto no sentido no qual
está girando o sistema S.

Figura 6

Assim definido, o vetor velocidade de rotação para o caso em


pauta na figura 5 é simplesmente w = wẑ, e podemos ver que o re-
sultado expresso na eq. 7 é simplesmente

vP = w x rP eq. 9

que também pode ser escrito como

vP = w × (P - O)

Para qualquer outro ponto Q do sólido vale a mesma relação, ou seja,

vQ = w × (Q - O)

20 Mecânica Clássica | Física


Tomando a diferença entre estas duas temos:

vP - vQ = w × (P - O) - w × (Q - O) = w × (P - O - Q + O) = w × (P - Q)

Ou seja,

vP = vQ + w x (P - Q) eq. 10

que é a própria eq.4 acima. Então, pelo menos para o caso do mo-
vimento de rotação pura, acabamos de demonstrar que o campo
das velocidades de um sólido é um campo motorial, cuja coorde-
nada livre é a velocidade de rotação. O que também é verdade para
o movimento de translação pura, uma vez que neste caso w = 0 e
então a eq.10 se resume a vP = vQ.
Mas o que afirmar a respeito do movimento mais geral de um só-
lido, que não é nem bem uma translação nem bem uma rotação? Pode-
ríamos compreendê-lo como alguma combinação dos dois? A resposta
a esta questão foi dada por Euler em 1752, mais de um século antes do
trabalho de Clifford, e portanto, sem a facilidade do Cálculo Motorial e
que vai ser aqui chamada de Teorema de Euler, que resolve de maneira
definitiva a questão central da Cinemática do Corpo Rígido:
Teorema de Euler: O movimento mais geral possível de um sistema
rígido pode sempre ser pensado como constituído, em cada data t, pela
superposição de dois movimentos rígidos simples: um de translação e
outro de rotação. O movimento de translação poderá ser caracterizado,
na data t, em geral, por uma qualquer dentre uma infinidade de pos-
síveis velocidades, enquanto que o movimento de rotação é caracteri-
zado, na data t, por uma, e somente uma, velocidade de rotação.
Demonstração: Sejam A e B dois pontos quaisquer de um corpo
rígido. Podemos afirmar então que

‖A - B‖ = cte. ⇒ (A-B)2 = cte

Derivando em relação ao tempo, temos:

2(A - B) . (Ȧ - Ḃ ) = 0 → Ȧ.(A - B) = Ḃ.(A - B)

Física | Mecânica Clássica 21


Dividindo ambos os membros por ‖A - B‖, teremos o unitário û na
direção do eixo que liga o ponto A ao ponto B, ou seja:

Ȧ . û = Ḃ . û

Ou melhor,

vA . û = vB . û

O que nos mostra que, segundo o teorema discriminador que


enunciamos ao final da última seção, o campo das velocidades dos
pontos de um corpo rígido, em seu movimento, qualquer que seja
este, é um campo motorial, e portanto, vale a relação

vA = vB + w x (A - B) eq. 11

(A rigor, esta expressão deveria ser escrita como vA = vB + w’ ×


× (A - B), onde w’ não teria nenhuma relação a priori com o vetor ve-

locidade de rotação. Uma discussão mais detalhada a este respeito será


feita no Apêndice 2.)
Mas então o teorema encontra-se demonstrado, visto que numa
data t, qualquer que seja esta, as velocidades dos pontos do sólido
constituem um campo motorial no qual a coordenada livre é a velo-
cidade de rotação. Pois escolhido UM ponto do sólido para com sua
velocidade representar o movimento de translação ( e existe um infi-
nidade de escolhas possíveis pois são infinitos os pontos passíveis de
serem escolhidos), resta uma única possibilidade para o movimento
de rotação, pois a coordenada livre é única.
Formalmente, então, a eq.11 resolve nosso problema de descre-
ver o movimento de um sólido. Embora uma série de conseqüências
desta solução, assim como vários casos particulares importantes do
movimento de um sólido possam agora ser estudados, nos limitare-
mos a esta conclusão geral, pois que esta será suficiente para resol-
ver o problema que por hora nos preocupa, qual seja, a questão da
mudança de referenciais na mecânica vetorial, ou newtoniana.

22 Mecânica Clássica | Física


4. O Problema Cinemático da
Mudança de Referenciais

Para encerrar a discussão a respeito da Cinemática vamos tratar


do importante problema de relacionar a cinemática da partícula do
ponto de vista de dois referenciais que se movimentam, um relativo
ao outro. Ou seja, vamos tratar da questão específica de, sabendo
quais são as grandezas cinemáticas, posição, velocidade e acele-
ração de uma partícula, do ponto de vista de um referencial, como
ficam relacionadas estas com aquelas, posição, velocidade e acelera-
ção da mesma partícula, do ponto de vista de um outro referencial
(ou corpo rígido) que se move em relação ao primeiro de forma co-
nhecida (quer dizer, do qual conhecemos a velocidade de um de seus
pontos e sua velocidade de rotação).
Como preliminar da questão acima vamos analisar como mudam
as derivadas temporais de vetores, derivadas estas vistas de um ou de
outro referencial. Vamos chamar de R’ um referencial inicial e de R
um referencial que se mova em relação ao primeiro de maneira co-
nhecida. É fácil perceber que, por exemplo, um vetor que é constante
no referencial R, para um observador que se movimente “junto” com
este referencial (imagine o vetor que liga dois pontos do referencial
R), não parecerá constante do ponto de vista de outro observador no
referencial R’, visto que o “corpo” de R se move em relação a R’. Usa-
remos a seguinte notação em nossa análise: d/dt (ou um ponto sobre
um vetor) será usada para designar a derivada temporal relativa a R’
e ∂/∂t para designar a derivada temporal medida por um observador
em R. Mostraremos agora que, para um vetor genérico g vale a se-
guinte relação:

dg ∂g
= +wxg eq. 12
dt ∂t

onde w é a velocidade de rotação de R em relação a R’. Quer dizer, se


o movimento de R, em relação a R’, for de translação pura, as deri-
vadas temporais de vetores tomadas em ambos os referenciais coin-
cidem. Mas caso haja movimento de rotação de R, em relação a R’,
vale a eq.12. Vejamos primeiramente uma derivada particular, a de
um vetor unitário fixo em R. Considere a figura 7 abaixo:

Física | Mecânica Clássica 23


z
S
A
x 0
y

R’

Figura 7

O unitário em x, representado na figura pelo vetor que liga os


pontos A e O, que são pontos do sólido S, pode ser escrito como

x̂ = A - O,

cuja derivada temporal, vista de R’ se escreve como (lembre que em


nossa convenção o ponto serve para derivada tomada em R’)

= Ȧ -

Mas Ȧ e são as velocidades de A e de O vistas de R’. Então po-


demos escrever

= vA - vO

Mas o Cálculo Motorial nos informa que que vA- vO= w × (A - O)


= w × x̂ . Portanto,

x=wxx eq. 13

Relações análogas valem,obviamente, para as derivadas dos uni-


tários em y e em z, ou seja,

y=wxy eq. 14
z=wxz eq. 15

Estas relações são conhecidas como fórmulas de Poisson, pois foi o


grande matemático francês do século XIX quem as primeiro escreveu.

24 Mecânica Clássica | Física


Agora, a fim de mostrar que vale a eq.12, vamos considerar
um vetor g, descrito na base cartesiana associada ao referencial
móvel, R, como

g = g1 x̂ + g2 ŷ + g3ẑ

Por hipótese o referencial R possui velocidade de rotação w re-


lativa ao referencial R’. Vamos tomar a derivada temporal deste ve-
tor, derivada esta como calculada por um observador em R’. Ou seja,
queremos, em nossa convenção, dg/dt , ou ġ:

dg
= g = g1x + g1x + g2y + g2y + g3z + g3z
dt

Considere por um lado a soma do primeiro com o terceiro e o


quinto termo do lado direito: eles resultam em ∂g/∂t = ġ1x̂ + ġ2ŷ +
ġ3ẑ, a derivada de g tomada em R. Por outro lado, os termos restantes
podem ser reescritos usando as equações 13, 14 e 15, e se resumem a

g1x + g2y + g3z = g1(w x x) + g2(w x y) + g3(w x z) = w x (g1x + g2y + g3z) = w x g

Temos então, como consequência destes resultados a eq.12. q.e.d.


A equação 12 é também conhecida como fórmula de Poisson,
e será fundamental na solução do problema que nos propomos a
resolver no início desta seção, qual seja, uma vez conhecido o mo-
vimento de uma partícula em relação a um dado referencial, des-
crever este mesmo movimento, mas do ponto de vista de um outro
referencial, que se move em relação ao primeiro de forma conhe-
cida. Esta é a questão cinemática da mudança de referenciais. O
problema dinâmico, isto é, como mudam as leis de movimento ao
mudarmos de referencial, será objeto de estudo do próximo Mó-
dulo, do qual o atual é pré-requisito fundamental.
Vamos considerar a situação exposta na figura 8:

P
r z
R
0 R
x
R0 y

0’
R’

Física | Mecânica Clássica 25


Nesta figura está representada a partícula no ponto P, descrito
pelo vetor posição R em relação à origem O’ no referencial R’, onde
está a observadora feminina, e descrito pelo vetor posição r em re-
lação à origem O no referencial R, referencial este representado na
figura pelo sólido onde está o observador masculino, do qual conhe-
cemos, por hipótese, a velocidade do ponto O e também a velocidade
de rotação, ambas em relação ao referencial R’. Ou seja, conhecemos
o movimento do sólido, ou de R em relação a R’.
Considere a relação facilmente obtida desta figura, entre os veto-
res posição da partícula em relação a ambos os referenciais:

R = Ro + r eq. 16

Vamos tomar a derivada temporal desta equação, mas do ponto


vista do observador em R’. Temos:

Ṙ = ṘO + r ̇

Claramente, podemos identificar Ṙ com V, a velocidade da par-


tícula em relação ao referencial R’, assim como ṘO com VO, a velo-
cidade do ponto O em relação também a R’. Para ṙ podemos usar a
eq.12, e, identificando ∂r/∂t com v, a velocidade relativa, velocidade
da partícula em relação a R, e escrever finalmente

V = Vo + v + w x r eq. 17

Esta é a relação entre a velocidade da partícula, vista do refe-


rencial R’, e a velocidade da partícula, vista do referencial R, uma
vez que se sabe que R se move em relação a R’ de acordo com as
coordenadas (VO, w), ligada e livre, respectivamente do sólido S
que representa R. A soma do primeiro com o terceiro termo do lado
direito desta equação é normalmente chamada de velocidade de
transporte, Vtr, pois é a velocidade que a partícula teria, relativa ao
referencial R’, ainda que estivesse em repouso no referencial R, ou
seja, apenas “transportada por este”.
Finalmente, tomando a derivada temporal em relação ao referen-
cial R’, desta última equação, obteremos uma relação envolvendo as
acelerações vistas dos dois referenciais:

V̇ = V̇ O + v̇ + ẇ × r + w × r ̇

26 Mecânica Clássica | Física


Vamos identificar o termo V̇ com A, a aceleração da partícula em
relação ao referencial R’ e o termo V̇ O com AO, a aceleração do ponto
O também relativa a R’. Usaremos a eq.12 para reescrever o termo v̇
como ∂v/∂t + w × v = a + w × v (uma vez que identifiquemos a acele-
ração relativa ao referencial R, a, com ∂v/∂t ) e o termo w × ṙ como
w × (∂r/∂t + w × r) = w × v + w × (w × r). Observe que o vetor w pos-
sui derivada temporal invariante ante uma mudança de referencial,
como se pode notar da eq.12 tomando o vetor g como o próprio w.
Escrevemos então:

A = AO + a + w × v + ẇ × r + w × v + w × (w × r)

Rearranjando os termos podemos escrever finalmente

A = a + AO + w × (w × r) + ẇ × r + 2w × v eq. 18

Analogamente à definição feita relativa à velocidade, é comum


chamar de aceleração de transporte a soma dos segundo, terceiro e
quartos termos do lado direito desta equação, pelas mesmas razões
anteriores, pois seria a aceleração de uma partícula fixa em relação
ao referencial R, que estaria então sendo “transportada” pelo refe-
rencial. .As equações 16, 17 e 18 resolvem o problema cinemático
da mudança de referenciais, pois relacionam os vetores posição, ve-
locidade e aceleração de uma partícula vistos de um referencial com
os seus correspondentes vistos de um outro referencial que se move
de maneira conhecida em relação ao primeiro. A equação 18 será
de importância fundamental para o estudo que faremos no próximo
módulo a respeito da Mecânica newtoniana.

Exemplos
4) Uma partícula se move no interior de um tubo rígido e retilí-
neo, com velocidade escalar, relativa ao tubo, constante e igual a
μ, enquanto o tubo gira, num plano α, com velocidade angular, re-
lativa ao plano, constante e igual a w. Sabendo que na data esco-
lhida como inicial a partícula estava passando no ponto O do tubo,
ponto este que é fixo em relação ao plano α, utilize a técnica de
mudança de referenciais e calcule numa data genérica t: 1) a velo-
cidade da partícula em relação ao plano; 2) a aceleração da partí-
cula em relação ao plano.

Física | Mecânica Clássica 27


Solução:

V
y’
Vtr
x
y v

θ
x’
0

Figura 9

De forma coerente com a nomenclatura que temos usado neste


texto, o referencial ligado ao tubo, Oxy, será o referencial R, aquele
que se movimenta em relação ao referencial “fixo” R’, do sistema
Ox’y’. Podemos então escrever, mantendo a notação que temos utili-
zado, a eq. 17 onde v = μx̂ , VO = 0, w = wẑ e r = xx̂ = μtx̂ como

V = μx + wẑ x μtx = μ(x + wty) eq. i

(Na figura estão representadas as velocidades de transporte e re-


lativa, que somadas fornecem a velocidade relativa ao referencial
“fixo”.) Não há a menor dificuldade em exprimir esta velocidade no
sistema ligado a R’, uma vez que se percebe facilmente da figura a
validade das relações

x = cosθx’ + sinθy’ = coswtx’ + sinwty’


eq. ii
y = -sinθx’ + cosθy’ = -sinwtx’ + coswty’

Usando estas relações na eq. i obtemos:

V = μ[(coswt - wt sin wt) x̂ ’ + (sinwt + wt cos wt) ŷ’]

Deixamos ao estudante a tarefa de calcular, de forma análoga,


as expressões das acelerações, seja em um referencial seja em outro.

28 Mecânica Clássica | Física


5) O êmbolo do sistema mecânico representado na figura 10 fun-
ciona conjugado com uma manivela (na extremidade da haste as-
sociada ao êmbolo existe um pino que desliza ao longo de um
sulco retilíneo existente na manivela). O êmbulo executa um mo-
vimento de vaivém, em relação ao plano α da figura, imprimindo,
assim, um movimento oscilatória à manivela, que numa data ge-
nérica t faz um ângulo θ com o eixo Ox’ (que é paralelo à haste do
êmbolo e é fixo no plano α) e a sua velocidade angular vale w. Os
sistemas cartesianos Oxyz e Ox’y’z’ indicados na figura SAP são
solidários à manivela e ao plano α, respectivamente. Sabendo que
é igual a λ a distância da haste do êmbolo ao eixo Ox’ calcule, na
posição genérica θ, a norma: 1) da velocidade v com que a extre-
midade da haste está se movendo relativamente à manivela; 2) da
velocidade V do êmbolo em relação ao plano α; 3) da aceleração
de Coriolis, acor, da extremidade da haste do sistema êmbolo-haste,
caso sejam utilizados os dois seguintes referenciais: um, R, solidá-
rio à manivela, e outro, R’, solidário ao plano α.

x
y’
Vtr

y V

ω v λ
θ
x’
0

Figura 10

Solução:
No sistema Oxyz temos que, mantendo coerência com a notação ado-
tada neste texto, a primeira parte da questão está respondida assim:

v = xx ⇒ v = - xθcotθx ⇒ ǁvǁ = |λwcotθcscθ|


λ = xsinθ

Física | Mecânica Clássica 29


A segunda parte também é de simples solução, desde que lem-
bremos que em nossa notação, V0 = 0, w = wẑ e r = xx̂ = λcscθx̂ , e
portanto, w × r = wλ cscθŷ. Então a eq. 17 nos diz que:

V = VO + v + w × r = -λwcotθcscθx̂ + λwcscθŷ

O cálculo da aceleração de Coriolis é imediato:

acor = 2w × v = 2wẑ ×(-λwcotθcscθx̂ ) = -2λw2cotθcscθŷ

6) Composição de velocidade angular


Vamos analisar a seguinte questão ilustrada na figura 11: se numa
data t a velocidade angular de um sólido relativa a um referencial R1
é dada por w1 , e na mesma data a velocidade angular do referencial
R1 em relação a outro referencial R2 é w12 , qual será, nesta data, a
velocidade angular do sólido referente a R2?

A
S

R1
R2

Figura11

Solução
Sejam ∂⁄∂t e d⁄dt as derivadas temporais relativas a R1 e R2 , respec-
tivamente. Sejam os pontos A e B do sólido, e em nossa notação fica
claro que podemos escrever

∂⁄∂t (A - B) = vA - vB = w1 × (A - B) i
d⁄dt (A - B) = VA - VB = w2 × (A - B) ii

30 Mecânica Clássica | Física


Por outro lado, a fórmula de Poison, eq. 12, nos garante que

d⁄dt (A - B) = ∂⁄∂t (A - B) + w12 × (A - B) iii

Usando os resultados i e ii em iii temos:

w2 ×(A - B) = w1 ×(A - B) + w12 ×(A - B) ⇒ (w2 - w1 - w12) × (A - B) = 0

A única solução para esta condição é então

w2 = w1 + w12

Física | Mecânica Clássica 31


Exercícios
1) Aos pontos P1 e P2 de uma haste rígida e retilínea estão ligados
dois pinos que podem deslizar ao longo de dois sulcos retilíneos e
mutuamente perpendiculares, conforme indicado na figura abaixo.
Sabendo que na data t a haste forma com o sulco inferior um ângulo
igual a θ e que o ponto P1 está então se movendo com uma velo-
cidade de norma igual a ‖v1‖, calcule qual será, na mesma data t, a
norma da velocidade do ponto P2.

P2

P1

2) Uma partícula está animada de um movimento plano tal que as


componentes polares de sua velocidade satisfazem, em cada ponto
P ↔ P (r, θ) da sua trajetória, a seguinte condição: vr = λvθ, onde
λ = cte. Calcule qual a trajetória da partícula, sabendo que foi re-
gistrado que em alguma data ela cortou o eixo polar no ponto cuja
coordenada radial é igual a b.

3) O avião representado na figura estava voando horizontalmente


com uma velocidade v0 no momento em que largou um objeto.
Supondo que a aceleração local da gravidade tenha um valor g =
cte e que seja irrelevante a resistência oferecida pelo ar ao movi-
mento do objeto ( cuja velocidade escalar num ponto genérico da
sua trajetória tem um valor igual a v), calcule: 1) a componente
tangencial da aceleração do objeto, na data em que sua velocidade
escalar tem o valor v; 2) a componente normal da aceleração do
objeto, na data mencionada no item anterior; 3) o raio de curva-
tura da trajetória do objeto, correspondente ao ponto onde a sua
velocidade escalar tem o valor v.

32 Mecânica Clássica | Física


y
v0
H

P
V
T
N

0
x

4) A reta ∆ representada na figura é paralela ao eixo das abs-


cissas Ox do sistema de eixos cartesianos Oxy e a sua distância
a esse eixo é constante e igual a h, enquanto que a reta ζ gira
com velocidade angular w = cte em torno da origem cartesiana O,
mantendo-se sempre no plano xOy. Considere o ponto I de inter-
seção das retas ∆ e ζ e calcule em função do ângulo θ indicado na
figura: 1) a velocidade escalar com que o ponto I percorre a reta
∆; 2) a velocidade escalar com que o ponto I percorre a reta ζ; 3)
a aceleração tangencial com que o ponto I percorre a reta ∆; 4) a
aceleração tangencial com que o ponto I percorre a reta ζ.

ω
y ζ
Δ h I H

0 x

5) O bloco B e a polia P representados na figura têm dimensões


desprezíveis e o bloco B está preso a uma das extremidades de um
fio inextensível e que passa sobre a polia P ( que está situada a
uma altura H acima do solo horizontal sobre o qual está apoiado
o bloco). O extremo livre do fio está situado a uma altura h < H
acima do solo e inicialmente os dois ramos do fio são verticais. A
partir de um certo instante faz-se o extremo livre do fio se mover

Física | Mecânica Clássica 33


com uma velocidade constante v0, da esquerda para a direita, per-
manecendo, porém, sempre a uma mesma altura h acima do solo.
Sabendo que o bloco B e o extremo livre do fio se mantêm num
mesmo plano, calcule a velocidade do bloco numa data genérica
t e o intervalo de tempo transcorrido desde o instante inicial ( ins-
tante da partida) até o instante em que o bloco B atingiu a polia P.

H O Vo

6) O disco circular representado na figura tem raio igual a R, é rígido


e está rolando, sem deslizar, sobre um piso horizontal. Sabe-se que é
retilínea a trajetória descrita pelo centro C do disco e que todos os
pontos deste se mantêm num mesmo plano vertical. A figura é cor-
respondente a uma certa data t, quando a velocidade do centro C do
disco tinha norma igual a ‖vC‖ e O era o ponto do disco que estava
em contato com o piso. Sabendo que as distâncias dos pontos A, B e
D ao ponto O são respectivamente iguais a 3R/2, 2R e 5R/4, calcule
as normas das velocidades de tais pontos, correspondentes à data t.

7) A, B e C são três pontos não colineares pertencentes a um sis-


tema rígido S. Sabendo que em cada data t tem-se que vA = vB =

34 Mecânica Clássica | Física


vC, onde vA, vB e vC são as velocidades dos pontos A, B e C, res-
pectivamente, correspondentes à data t, demonstre que o sistema
rígido S está animado de movimento puramente translacional.

8) O comprimento do raio da esfera fixa representada na figura vale


R, enquanto que o da esfera menor e que rola sobre ela vale r. No ins-
tante em que o segmento de reta OC forma com a vertical um ângulo
igual a θ a velocidade angular da esfera móvel vale w. Sabendo que
a esfera móvel rola sem deslizar, calcule a velocidade do seu centro,
no instante mencionado. (Todas as velocidades são relativas ao re-
ferencial onde a esfera maior é fixa, e ambas as esferas são rígidas.)

R θ

9) Na figura está representada uma seção plana e vertical de um he-


misfério, de raio R, cavado na rocha, e no interior do qual rola, sem
deslizar, uma esfera rígida, de raio r < R. A seção representada con-
tém os centros O e C do hemisfério e da esfera rolante. Numa data
genérica t a velocidade angular da esfera móvel é igual a w e o seg-
mento de reta OC que une os pontos O e C forma com a vertical um
ângulo θ. Calcule: 1) a velocidade escalar do centro C da esfera ro-
lante, na data t; 2) o valor de na data t. ( Todas as velocidades men-
cionadas são relativas a um referencial solidário à rocha.)

R
O

Física | Mecânica Clássica 35


10) Na figura está representado um carretel, cujo raio de cada um
dos dois discos externos tem um valor igual a R e a fita fica enro-
lada sobre um cilindro co-axial com os dois discos. Na data t a que
a figura corresponde, a extremidade livre da fita estava sendo pu-
xada horizontalmente com uma velocidade escalar de valor igual
a v e o raio da parte enrolada da fita era igual a r < R, conforme
indicado na figura. Sabendo que o carretel rola, sem deslizar, so-
bre um plano horizontal, calcule qual a velocidade com que estava
se movendo o seu centro, na data t.

11) Calcule a velocidade angular de um disco, relativa á Galáxia,


sabendo que o disco está girando em torno do próprio eixo, verti-
cal e fixo em relação à Terra, com uma velocidade angular, rela-
tiva à Terra, igual a duas vezes a velocidade angular com que esta
gira em relação à Galáxia (e que é wTG = 1 rotação/dia). Sabe-se
que o disco está num ponto da Terra onde a vertical faz com o
eixo polar um ângulo θ = 60°. Calcule, também, o valor do ân-
gulo φ que formam entre si as velocidades de rotação wDG e wTG do
disco e da Terra, relativas à Galáxia.

ωTC

ωDT
θ

36 Mecânica Clássica | Física


12) As duas hastes rígidas, retilíneas e horizontais, representadas
na figura, giram em torno de um eixo vertical, ∆, fixo em relação
à Terra. Ao longo de cada haste desliza um bloco que é movimen-
tado ao longo das hastes com auxílio de um fio manipulado por
um experimentador que está fazendo com que cada um dos blocos
se mova, relativamente às hastes, com movimento uniforme, sendo
a norma da velocidade de cada um deles igual a v. Escolha um sis-
tema cartesiano de eixos Oxyz cujos eixos Ox e Oz coincidam com
as hastes e com o eixo ∆, respectivamente, e calcule, numa data
genérica t, a norma: 1) da velocidade de transporte de cada bloco;
2) a velocidade de cada bloco, relativa à Terra; 3) da aceleração de
cada bloco, relativa às hastes; 4) da aceleração de transporte de
cada bloco; 5) da aceleração de Coriolis de cada bloco; 6) da ace-
leração de cada bloco, relativa à Terra. Sabe-se que na data t as
abscissas dos dois blocos são iguais respectivamente a b > 0 e –b
e que a velocidade angular e a aceleração angular das hastes, rela-
tivas à Terra, são respectivamente iguais a w e α.

13) Um fio inextensível está enrolado sobre a periferia de um disco


circular, de raio igual a R. Uma das extremidades do fio está presa a
um suporte fixo em relação à Terra e o outro extremo está ligado ao
disco. O disco partiu do repouso e está descendo de uma forma tal que
o seu eixo se mantém horizontal e o seu centro se move percorrendo
uma reta vertical. Solidário ao disco existe um sistema de eixos car-
tesianos Oxyz cuja origem O coincide com o centro do disco e cujo
eixo das cotas (eixo Oz) se mantém horizontal. Uma formiga está se
deslocando ao longo do eixo das abscissas (eixo Ox), movendo-se, em
relação ao disco, com movimento uniforme, de velocidade escalar v
> 0. No instante em que a formiga está a uma distância do centro do

Física | Mecânica Clássica 37


disco igual a ½ R, o eixo Ox está na vertical e dirigido de baixo para
cima. Considerando o disco como referencial relativo e a Terra como
referencial absoluto, e sabendo que desde o instante em que o disco
iniciou o seu movimento até o instante em que a formiga atingiu a
posição já mencionada transcorreu um intervalo de tempo igual a T
e que a aceleração absoluta do centro O do disco tem norma igual a
¾ g, calcule, na data T: 1) a velocidade de transporte da formiga; 2) a
velocidade absoluta da formiga; 3) a aceleração de transporte da for-
miga; 4) a aceleração de Coriolis e a aceleração absoluta da formiga.

38 Mecânica Clássica | Física


mecânica newtoniana
2

Física | Mecânica Clássica 39


1. As Leis de Newton
A mecânica da partícula formulada por Isaac Newton (1642-1727)
se fundamenta em três leis ou princípios básicos, que são popular-
mente conhecidos como as leis de Newton. Certamente o estudante
deste curso já teve contato com tais princípios mais de uma vez, e
seria pertinente que se perguntasse pelas razões para que se os es-
tude mais uma vez. Recapitulemos então que a possível primeira
vez tenha sido nos estudos do Ensino Médio, quando se estuda a
Mecânica de forma introdutória, apenas em situações mais simpli-
ficadas, como por exemplo, nos movimentos em que se pode abrir
mão do Cálculo Vetorial e do Cálculo Diferencial. Depois, já no iní-
cio do Curso Superior e tomando contato com uma Matemática mais
elaborada, se reestuda a mesma Mecânica, embora de forma mais
avançada, exatamente pela posse de tais ferramentas matemáticas.
Finalmente, já encerrando o Curso Superior, retorna-se ao tema de
estudar a teoria de Newton da Mecânica. As razões para tal são vá-
rias, mas vamos nos ater a apenas algumas que podem ser conside-
radas suficientes para justificar tal “repetição”.
Em primeiro lugar, o aparato matemático necessário para a com-
preensão da teoria encontra-se mais familiar e mais maduro. Já não

40 Mecânica Clássica | Física


se pode duvidar ou fraquejar ante o reconhecimento da natureza ve-
torial de determinadas grandezas como posição, velocidade, acele-
ração e força, apenas para citar algumas. E não há empecilhos para
tratar com elas, quer dizer, manipular, calcular, etc. Também os con-
ceitos e as operações do Cálculo Diferencial e Integral são mais fami-
liares e mais maduros. Torna-se mais fácil entender que a velocidade
de uma partícula SÓ pode ser definida e compreendida como uma
DERIVADA da função posição em relação ao tempo. Então, esta re-
leitura torna-se obrigatória, ao menos do ponto de vista matemático.
Do ponto de vista físico, porém, existem questões fundamentais
que precisam ser mais bem discutidas, a fim de que se adquira uma
compreensão mais sólida da Mecânica de Newton. E entre elas, sem
sombra de dúvida, está a questão do referencial. Via de regra, o es-
tudante que está cursando esta disciplina, já ao final de seu Curso de
Graduação, compreende muito mal a questão do referencial. E não se
pode culpar ao estudante, quando mesmo os professores e os livros
texto fazem um tratamento deficiente e obscuro desta questão. Então,
por exemplo, ao ser colocado para analisar uma situação que envolve
a presença da força centrífuga, o estudante penetra em uma nuvem
de raciocínios pouco claros e imprecisos para “decifrar” o enigma. Há
uma força fictícia no problema? O que é mesmo uma força fictícia?
Ela existe? É mesmo uma força? Mas se ela tem o mesmo módulo e
sentido contrário à força centrípeta, a soma das duas é zero? Então
o corpo se encontra em M. R. U., e não em uma curva? Elas formam
um par ação e reação? Imagine-se dormir com um barulho desses.
Podemos dizer que a confusão a respeito da questão do referencial
foi plantada mesmo no livro magistral de Isaac Newton, Philosophiae
Naturalis Principia Mathematica, publicado em Londres em 1687.
Ali Newton solucionou o problema do movimento que perturbava a
mente humana por cerca de 2000 anos, desde Aristóteles, pelo me-
nos. De forma genial, Newton formulou uma teoria matematicamente
consistente (para isso Newton desenvolveu o Cálculo Diferencial) e
que resolveu de forma aparentemente definitiva a questão do movi-
mento, chegando inclusive, magistralmente, à correta descrição do
movimento dos planetas e dos corpos celestes em geral. Havia, entre-
tanto, um pressuposto na construção teórica de Newton, que embora
não leve necessariamente a nenhuma incorreção nesta teoria, neces-
sita de uma discussão mais profunda, a fim de desfazer a confusão

Física | Mecânica Clássica 41


que em geral produz. Este pressuposto refere-se à própria concepção
do movimento, tendo conseqüência direta na questão do referencial,
como veremos neste Módulo. Este, por si só, já seria um fortissimo
argumento para que uma releitura do formalismo newtoniano fosse
feito. Mas existe ainda a questão da aparente simplicidade do con-
teúdo das leis de Newton, fato ilusório que em geral é responsável
por induzir os estudantes a freqüentes erros na interpretação e apli-
cação da teoria. Vamos então aproveitar a oportunidade deste Curso
para refinar nossa compreensão da teoria de Newton, tanto do ponto
de vista conceitual quanto prático, pois nos dedicaremos também a
resolver problemas que envolvam situações matematicamente mais
avançadas que aquelas encontradas no Curso Básico.
Antes mesmo de analisar as leis de Newton vamos tentar enten-
der o conceito Newtoniano de força. Em sua teoria Newton conside-
rava força como um agente, que atuando sobre uma partícula, fosse
capaz de alterar o seu estado de movimento. Assim, estando uma
partícula em repouso, esta sairia deste estado se um agente realizasse
uma ação sobre ela, e esta ação seria representada pela grandeza
força atuante sobre a partícula. O mesmo aconteceria em qualquer
outra situação em que fosse alterado o estado de movimento, ou a
velocidade, de uma partícula. Assim podemos já notar que em sua
teoria, Newton considerava força como o resultado de uma intera-
ção, alguém ou algo no ambiente deve atuar sobre a partícula para
que esta sofra a ação de uma força. Quer dizer, força pressupõe inte-
ração. Neste texto chamaremos de força de interação aquilo que era
entendido apenas como força por Newton e seus seguidores.
Vamos então à análise das leis de Newton, começando pela pri-
meira lei, que foi assim enunciada pelo próprio Newton em sua
obra acima citada:

Lei I – Cada partícula permanece em seu estado de repouso, ou em


movimento retilíneo e uniforme, a não ser que seja compelida a al-
terá-lo por forças que atuem sobre ela.

Realmente, alguns autores consideram que tal lei pode mesmo


ser compreendida como uma definição qualitativa de força. De fato,
este é um ponto de vista coerente com a análise que fizemos ante-
riormente sobre o conceito de força usado por Newton ( assim como
Galileu e seus contemporâneos). Entretanto, partindo do princípio de

42 Mecânica Clássica | Física


que tal definição já fosse subentendida, esta pode ser vista como uma
definição da inércia, sendo por isso a primeira lei frequentemente
chamada de lei da inércia. Galileu já havia “compreendido” que os
corpos possuem esta propriedade, como se pode ver desta passagem
retirada de seu livro Discorsi Intorno a Due Nuove Scienze, de 1638:
Imagine uma partícula qualquer lançada sobre um plano horizon-
tal, sem atrito; se o plano for ilimitado, a partícula se moverá sobre
ele com movimento uniforme e perpétuo.
É importante notar que a primeira lei também pode ser enunciada
em sua forma mais moderna como a lei da conservação do momentum:
É constante o momentum de uma partícula, a não ser que seja
diferente de zero a soma das forças que atuam sobre ela.
A segunda lei de Newton, ou o princípio do momentum linear,
como também é chamada, pode ser assim enunciada ( e de fato assim
o foi por Newton em seu Principia):

Lei II – A soma das forças que atuam sobre uma partícula é igual à
derivada temporal do seu momentum linear.

ΣF=ṗ eq. 1

Debruçado sobre o trabalho experimental e matemático de Gali-


leu, Newton relacionou de forma concisa a força com a aceleração,
conforme podemos ver matematicamente, escrevendo o momentum
linear como o produto da massa pela velocidade:

dp d(mv) dm dv
ΣF= dt
=
dt
=
dt
v+m
dt

Na situação particular em que a massa da partícula é constante


o primeiro termo do lado direito é igual a zero, e então (e só en-
tão) podemos escrever

Σ F = ma eq. 2

que é a forma mais comum em que encontramos a segunda lei es-


crita. Enfatizando, foi Galileu Galilei quem, cerca de um século
antes de Newton e após uma criteriosa investigação experimental
descobriu que a força estaria relacionada com a aceleração e não
com a velocidade como até então se cria, desde a época de Aris-

Física | Mecânica Clássica 43


tóteles, o sábio grego que viveu a mais de três séculos antes de
Cristo. E Newton colocou esta relação como a relação central, em
certo sentido, de sua construção teórica.
Rigorosamente falando, Galileu concluiu a partir de suas inves-
tigações experimentais, que existia uma relação direta entre força
e aceleração, mas não usou a massa da partícula como a constante
de proporcionalidade entre ambas. Por outro lado, Newton, como
observamos anteriormente, escreveu sua segunda lei como na eq.1,
portanto, sem usar a forma que envolve a massa como na eq.2. A
massa, como na eq.2, só foi introduzida por Leonhard Euler, grande
físico suíço que viveu no século XVIII entre a Rússia e a Alemanha,
em um artigo seu datado de 1750, portanto quase um século após a
publicação do Principia de Newton.
Por fim, vale enfatizar que as forças presentes no enunciado da
segunda lei de Newton, não são fornecidas pela teoria da mecânica,
mas apenas pela experimentação. As formas das diferentes forças
(de interação) que existem na Natureza são investigadas e deter-
minadas no laboratório, de forma experimental, e não como fruto
da teoria em que são utilizadas ( por exemplo, a força produzida
por uma mola esticada é determinada experimentalmente, e sabe-
mos então que é do tipo –kx. O mesmo vale para todas as forças de
interação, peso, atrito, tensão, atração elétrica, etc.). Por isso, para
aplicar esta teoria ao movimento de uma partícula, é a experiência
que nos diz quais são as forças (e como são) que aparecem no lado
direito daquela equação. Sabendo disso, Newton deu enorme valor
a um princípio que ajuda de maneira muito valiosa na investigação
das forças que atuam sobre a partícula, e o colocou, por causa disso,
como terceiro princípio em sua construção:

Lei III – Sempre que uma partícula, 1, estiver exercendo uma força
sobre uma outra, 2, esta outra estará, também, reciprocamente, exer-
cendo uma força sobre a partícula 1, e tais forças terão, sempre, nor-
mas iguais, mesma direção e sentidos opostos.

Embora pareça o mais simples de se compreender, este princí-


pio induz muitos erros nos principiantes, principalmente porque
se esquece muito frequentemente, de um detalhe fundamental ali
presente: a afirmação diz respeito à interação entre DOIS corpos,
ou partículas. A ação que um corpo sofre tem por consequên-

44 Mecânica Clássica | Física


cia uma reação que atua em OUTRO corpo, portanto, este par de
forças NUNCA age sobre UM corpo apenas. Como um exemplo
simples de como se faz com facilidade muita confusão com este
fato vamos analisar a situação de um livro em repouso sobre uma
mesa, conforme ilustrado na figura abaixo.

Figura1

Nesta situação, como o livro encontra-se em repouso, o estudante


mais afoito entende que as forças peso e reação normal devem ser
iguais e opostas, e por isso, imediatamente as consideram um par
ação e reação. Entretanto, uma análise mais atenta o fará ver que a
força P é exercida pela Terra sobre o livro; portanto, a reação cor-
respondente é uma força igual a –P que reage sobre o planeta, e NÃO
está representada na figura. O livro não se movimenta na vertical
porque A MESA exerce também uma força sobre o livro, de mesma
intensidade e direção que a força exercida pela Terra, mas de sen-
tido oposto, e portanto, equilibrando a ação da força peso. Esta força
exercida pela mesa sobre o corpo possui uma reação, que é a força
exercida pelo corpo SOBRE A MESA, e que também não está repre-
sentada na figura, visto que é o estado de movimento do livro que
estamos investigando, e não o estado de movimento da mesa!
Estas são as leis de Newton que constituem a base, o cerne, da
Mecânica Clássica, aquela que trata do movimento em situações
de velocidades baixas em comparação com a velocidade da luz
(caso contrário necessitamos da Mecânica Relativística) e em di-
mensões acima da escala atômica (caso contrário necessitamos da
Mecânica Quântica). Este quadro teórico, o conteúdo desta leis,
está longe de ser simples ou intuitivo, conforme uma primeira im-
pressão possa sugerir. Rigorosamente, nem mesmo a compreensão

Física | Mecânica Clássica 45


do que seja a velocidade de um corpo em um determinado instante
é possível sem o auxílio do Cálculo Diferencial. Entretanto, existe
uma questão muito importante que precisamos tratar antes de dar
por encerrada esta discussão, que é questão do referencial, já ci-
tada anteriormente. Note, de passagem, que as leis anteriores, em
especial as duas primeiras, na forma que estão enunciadas, não fa-
zem absolutamente nenhum sentido. Pois que sentido faz dizer que
uma partícula se encontra em repouso sem especificar em relação
a que, ou a quem? Vamos então direto à questão.

2. O Movimento e o Referencial
Vamos iniciar esta análise com o conceito de movimento de Newton
na elaboração de sua Teoria. Do ponto de vista de Newton existiria
um espaço absoluto, no qual estaria embebido todo o Universo, e em
relação ao qual haveria o que ele chamou de movimento absoluto
(ou verdadeiro). Newton estava convencido de que só teria sentido
falar em movimento em relação ao espaço absoluto, e sua teoria tra-
tava DESTE tipo de movimento. Vejamos em suas próprias palavras:
O espaço absoluto, em sua própria natureza, sem relação com
qualquer coisa externa,permanece sempre idêntico e imóvel. (Newton
– Principia, p. 6)
O movimento em relação a OUTROS referenciais, que se movem
em relação ao espaço absoluto, seria um movimento relativo (ou fic-
tício), do qual sua teoria não trataria. A fim de ilustrar melhor sua
concepção, no próprio Principia ele examina uma experiência céle-
bre, a experiência do balde d’água, em que mostra estar convencido
de que o movimento fictício não obedeceria seu tratamento teórico, e
portanto, suas leis não tratariam deste movimento. Em suas palavras:
Os efeitos que distinguem o movimento absoluto do movimento
relativo são as forças que agem sobre os corpos que giram, e que
tendem a afastá-los dos eixos de seus movimentos circulares. Pois
que, num movimento puramente relativo tais forças não existem, en-
quanto que num movimento circular verdadeiro e absoluto elas são
maiores, ou menores, de acordo com a intensidade do movimento.Se
um balde, suspenso por uma corda longa, for girado um grande nú-
mero de vezes sobre si mesmo, de forma que a corda fique bastante

46 Mecânica Clássica | Física


torcida, e em seguida enchido com água e mantido em repouso jun-
tamente com a água e, em seguida, pela ação brusca de uma força
for posto a girar no sentido oposto ao inicial, enquanto a corda for
se desenrolando por si mesma o balde continuará por algum tempo
o seu movimento, mas a superfície da água a princípio se manterá
plana, como era antes do balde começar a girar;mas, após o balde ir
gradualmente comunicando o seu movimento à água, ela começará
a girar sensivelmente e irá se afastando pouco a pouco do centro
e elevando-se nas bordas do balde, formando uma figura côncava
( como eu verifiquei), e, quanto mais rápido for se tornando o seu
movimento, mais alto a água irá se elevando, até que, finalmente,
realizando suas revoluções no mesmo tempo que o balde, ela ficará
em repouso relativamente a ele.Essa ascensão da água mostra o seu
esforço para se afastar do eixo do seu movimento, e o movimento cir-
cular verdadeiro e absoluto da água, o qual é aqui diretamente con-
trário ao relativo, torna-se conhecido e pode ser medido através de
tal esforço. No início, quando o movimento relativo da água no balde
era máximi, ele nãp produzia nenhum esforço para afastar do seu
eixo: a água não mostrava tendência alguma para se dirigir para a
circunferência, nem qualquer ascensão sobre a parede do balde, mas,
permanecia com sua superfície plana, e, portanto, o seu movimento
circular verdadeiro não havia ainda sido iniciado. Mas, em seguida,
quando o movimento relativo da água havia diminuído, a ascensão
sobre a parede do balde provava o seu esforço de se afastar do eixo de
rotação; e esse esforço mostrava o movimento circular real da água
crescendo continuamente até atingir o seu maior valor, quando, en-
tão, a água estava em repouso relativamente ao balde. E, portanto
tal esforço não depende de qualquer translação da água em relação
aos corpos locais, nem pode o verdadeiro movimento ser definido por
uma tal translação. Existe um único movimento circular real de um
corpo, correspondente a um determinado esforço de afastamento de
seu eixo de movimento, mas, movimentos relativos, correspondentes
a um mesmo corpo, são inumeráveis, conforme as várias relações
que ele mantenha com os corpos externos, e, semelhantemente a ou-
tras relações, são, em conjunto, destituídos de qualquer efeito real.
(Newton – Principia, p.10-11)
Esta concepção, aliada à primeira lei, fez com que por muito tempo
prevalecesse a idéia de que as leis de Newton só seriam válidas rela-
tivas a certo tipo de referencial. Este seria o espaço absoluto ou qual-

Física | Mecânica Clássica 47


quer outro que se mova com velocidade uniforme em relação a ele.
Pois como o movimento verdadeiro ( ao qual dizem respeito suas leis)
se dá em relação ao espaço absoluto e a primeira lei coloca em pé de
igualdade o referencial ligado ao espaço absoluto com outro que se
mova com velocidade uniforme em relação a este, é em relação a esta
classe de referenciais que são válidas as leis de Newton. Tal classe de
referenciais é modernamente chamada de referenciais inerciais. As-
sim, a Mecânica de Newton estaria restrita a descrever os movimentos
em relação a referenciais inerciais e, ainda, só compreenderia como
forças aquelas aqui chamadas de forças de interação.
Lembremos da observação feita, quando discutimos a segunda lei
de Newton, a respeito do conhecimento experimental que possuímos
a respeito das forças de interação. É importante frisar que o mesmo
conteúdo experimental se encontra na identificação dos referenciais
inerciais (uma vez que ninguém, até os dias atuais, localizou onde
se encontra o espaço absoluto). É através da experiência, somente
dela e dentro de certo grau de precisão, que sabemos, ou estabele-
cemos um referencial como inercial ou não. Por exemplo, sabemos
que a Terra não é um referencial exatamente inercial, pois que além
de percorrer uma trajetória elipsoidal em torno do Sol, ainda gira
em torno de seu próprio eixo. Entretanto, para a grande maioria dos
experimentos que aqui realizamos, e dentro de nossa precisão de
medidas, esta se pode considerar um referencial inercial. Quer dizer,
munidos das leis de Newton e considerando apenas a ação das forças
de interação, damos cabo “perfeitamente” das questões mecânicas
que nos rodeiam. Por outro lado, sabemos perfeitamente (é simples
de se detectar) que, por exemplo, quem se encontra no interior de
um jato em processo de decolagem, encontra-se em um referencial
não inercial (não é necessária grande precisão em medidas para se
verificar que as leis de Newton não são válidas ali, ao menos en-
quanto somente as forças de interação são levadas em conta).
Daí a grande confusão, por exemplo, que reina em relação à exis-
tência da força centrífuga. Parece que ela só existe no terreno dos
fantasmas, das coisas irreais. Ela é chamada inclusive de força fictí-
cia. Esta é a realidade encontrada, por exemplo, na imensa maioria
de livros texto, seja de nível secundário seja de nível superior. Ou
seja, reina uma grande confusão no que diz respeito às bases da te-
oria de Newton, confusão esta que, diga-se de passagem, possui sua
origem no próprio trabalho de Newton. Entretanto, é bom lembrar

48 Mecânica Clássica | Física


que nunca faltaram discordâncias ao longo da história com esta
concepção newtoniana de movimentos absolutos. Mesmo em sua
época Newton encontrava críticos à sua altura que propunham uma
construção diferente e que eram, vemos agora, mais de acordo com
as teorias que se sucederam na Física, até mesmo as mais modernas,
como sabemos. Não que esteja errada, de forma alguma, a concep-
ção de Newton (ao menos enquanto não pudermos comprovar EX-
PERIMENTALMENTE que o espaço absoluto não existe). Ocorre que
esta é uma hipótese que restringe bastante a teoria, além de tornar
mais confusa e limitada sua aplicação. Vejamos então que alterna-
tiva se tem para o espaço absoluto e os movimentos verdadeiros de
Newton (e de uma corrente newtoniana que ainda hoje propaga, em-
bora sem o saber, sua hipótese absoluta).
Apenas para citar alguns, lembremos que se opunham ao con-
ceito newtoniano de movimento já em sua época o filósofo e mate-
mático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz ( 1646- 1716), o filósofo
irlandês George Berkeley ( 1685- 1753), já no século XIX o físico
escocês James Clerk Maxwell ( 1831- 1879), e o grande físico e filó-
sofo austríaco, que deu enorme contribuição à concepção da Teoria
da Relatividade, Ernest Mach ( 1838- 1916). A tese prevalecente em
contraposição à idéia de Newton de espaço absoluto e movimento
verdadeiro é a de que TODO MOVIMENTO É RELATIVO. Pode até
mesmo existir tal espaço absoluto, mas este não é imprescindível
para se estudar o movimento. E partindo deste pressuposto, resta-
nos responder apenas à questão: como descrever o movimento de
uma partícula no sentido mais geral, ou seja, sem restringi-lo a ser
“verdadeiro” ou “absoluto”? Quer dizer, do ponto de vista de um ob-
servador em um referencial qualquer, não necessariamente inercial?
Para isso, vamos recuperar a última equação do Módulo ante-
rior, a eq. 18, apenas multiplicada por m, a massa da partícula,
em ambos os lados:

mA = ma + mAO + mw ×(w × r) + mẇ × r + 2mw × v

Ou melhor, escrevamos assim:

ma = mA - mAO - mw × (w × r) - mẇ × r - 2mw × v eq. 3

Física | Mecânica Clássica 49


Vamos nos reportar à figura 8 do Módulo anterior, da qual deriva-
mos a equação 18, e por conseqüência a equação 3 acima. Considere
que o referencial R’ seja um referencial inercial, ou seja, considere
que se possa escrever

mA = ∑Fint

como nos garante a segunda lei de Newton e vamos chamar de for-


ças inerciais os quatro termos restantes no lado direito da equação
3, ou seja,

-mAO - mw ×(w × r) - mẇ × r - 2mw × v = ∑Finer

Podemos então escrever

Σ F = ma eq. 4

Ou seja, esta equação, que é bastante semelhante com a que esta-


belece a segunda lei de Newton, vale em um referencial QUALQUER,
e não apenas nos inerciais. Só que agora, diferente da eq.2, temos
que ∑F = ∑Fint + ∑Finer, ou seja, as forças estão divididas em duas
categorias, as forças de interação, que já conhecíamos, e as forças
inerciais, que são apenas quatro, as assim chamadas:

E = -mAO → Força de Einstein


C = -mw ×(w × r) → Força Centrífuga
E* = -mẇ × r → Força de Euler
C* = -2mw × v → Força de Coriolis

Em resumo, a equação 4 é a segunda lei de Newton generalizada,


pois pode ser aplicada em QUALQUER referencial, para descrever
QUALQUER movimento. Ocorre que, caso o referencial em uso seja
inercial, esta se reduz à equação 2, a segunda lei de Newton usual
na literatura. O que nossa descrição tem de diferencial da descrição
inercial é que as forças que entram na equação de movimento são
as forças de interação MAIS as forças inerciais, que são no máximo
quatro, dependendo do movimento que o referencial em questão
possua em relação a um referencial inercial. Veremos logo adiante
exemplos de situações onde estas quatro forças ocorrem.

50 Mecânica Clássica | Física


O formalismo que estamos estudando, entretanto, é ainda o for-
malismo newtoniano. Apenas abrimos mão de uma hipótese (a da
existência de um espaço absoluto) que leva a limitações e interpreta-
ções confusas em prol de um outro argumento (a de que todo movi-
mento é relativo) que torna a teoria mais clara, ampla e concordante
com pontos de vista mais modernos. Enquanto a “velha” teoria de
Newton leva a uma Física invariante ante transformações de Gali-
leu ( transformações que levam de um referencial inercial a outro,
que se move com velocidade constante em relação ao primeiro ) essa
“nova” teoria Newtoniana leva a uma Física invariante ante uma
transformação mais geral que a transformação de Galileu (a Física
é a mesma em qualquer referencial). Por exemplo, esta interpretação
está de acordo com um postulado fundamental da Teoria da Relati-
vidade Geral, o Princípio da Equivalência. Desta forma, resta com-
preender melhor os tipos de força que existem na Natureza, dentro
de nossa realidade Clássica (não-quântica e não-relativística). É o
que procuraremos fazer na última parte deste Módulo.

3. As Forças na Mecânica de Newton



Conforme vimos anteriormente, as forças do formalismo newto-
niano mais geral podem ser agrupadas em duas categorias, quanto à
sua natureza: as forças de interação e as forças inerciais. Enquanto
que as forças de interação possuem uma grande diversidade de tipos
e natureza as forças inerciais são apenas quatro. Por essa razão, fa-
remos uma análise mais detalhada de situações que ilustrem o me-
canismo das forças inerciais, até porque algumas delas são pouco
familiares mesmo ao estudante neste nível de Curso.

Forças de Interação
Basicamente, podemos separar as forças de interação em dois gran-
des grupos: as forças de contato e as forças de ação à distância. Como
forças de contato mais comuns temos as forças empurrar ou puxar
seja através de cordas, hastes, molas, superfícies, meios (viscosos),
etc. A cada uma delas cabe à experiência (como já dissemos ante-
riormente) a descrição mais detalhada de sua forma de ação. As for-
ças de atrito, por exemplo, dependem da natureza atômico-molecular

Física | Mecânica Clássica 51


das superfícies envolvidas e podem, em geral, ser caracterizadas por
um coeficiente, que por sua vez pode variar com uma série de fato-
res ( temperatura, velocidade, etc.); dependem também, diz a expe-
riência, da força normal exercida pela superfície de contato. A força
elástica exercida por uma mola tem, em certas circunstâncias, uma
forma funcional bastante interessante, do ponto de vista matemático
( a lei de Hooke). As forças de ação à distância, como o próprio nome
sugere, não exigem qualquer contato, e da mesma maneira, têm sua
forma de agir definidas pela experiência (a força gravitacional e a
força eletromagnética são os exemplos mais comuns). Vejamos algu-
mas desta forças um pouco mais detalhadamente:

Peso
A força peso é a força que o planeta Terra exerce sobre os corpos na
proximidade de sua superfície. Na verdade, ela é uma aproximação
de uma força mais geral, que é a força de atração entre os corpos
que foi estudada em detalhes por Newton , e sua forma é dada na lei
(1) O movimento dos corpos celestes era, de Newton da gravitação universal. Esta lei diz que corpos se atraem
aparentemente, o grande problema que com uma força que depende dos valores de suas massas e também da
motivou Newton em seus estudos. Tal distância entre eles. É da seguinte forma esta dependência:
movimento já intrigava o homem e tinha
m1m2
importância vital desde a Antiguidade, F=G
r2
quando começou a se desenvolver a agri-
cultura. A contagem do tempo e das es- onde G é uma constante universal, m1 e m2 são os valores das mas-
tações eram problemas importantes, que sas dos corpos e r é a distância entre eles. Esta força tem a direção
se baseavam principalmente nestes mo- da reta que liga os dois corpos e é SEMPRE atrativa. Newton mos-
vimentos. Eram muitas as “teorias” que trou que esta força, que ocorre entre corpos como um pássaro e um
tratavam de explicar tais movimentos, a elefante, é a mesma que ocorre entre a Terra e a Lua, ou entre um
maioria delas de cunho místico ou reli- planeta e o Sol (1). Observe o que ocorre se calculamos o valor desta
gioso. A importância deste conhecimento força quando um dos corpos é o planeta Terra e o outro é uma mesa,
ficou muito maior na época de Newton, por exemplo, situada no nível do solo. Teremos:
em que as Grandes Navegações se tor-
mTm
navam mais e mais comuns, e os mapas F=G
R2
celestes eram de grande utilidade. Ao des-
cobrir que as mesmas leis que regem o onde agora mT é a massa da Terra, m é a massa da mesa, e R é a
movimento de uma maçã ao cair de uma distância entre os dois, que é igual ao raio da Terra. Se você con-
árvore também regem os movimentos dos sultar uma tabela verá que o raio da Terra é da ordem de 6 mil km,
planetas, Newton decifrou um grande ou 6 x 106 m. Note que o fato da mesa se encontrar no nível do
enigma para a Humanidade. solo, ou a bordo de um avião a 10 km de altura, não muda muito

52 Mecânica Clássica | Física


o valor desta força, pois trocaríamos o denominador de maneira
insignificante para o resultado, que é o valor da força. Por essa ra-
zão, resolveu-se adotar o nome de peso para a força gravitacional
que os corpos em nossa vizinhança sofrem pela atração gravitacio-
nal do planeta. Na expressão acima chamamos de P a força F, de
g a constante (GmT)/R2, e a força peso adota a forma mais simples

P = mg

Aqui g é uma constante, independente do corpo, e chamada de


aceleração da gravidade. Naturalmente, esta força tem a direção da
perpendicular ao solo, ou seja, a vertical do lugar, e o sentido que leva
para baixo. É importante observar que a constante g não depende do
corpo, sendo a mesma para todos os corpos na proximidade da su-
perfície da Terra. Vem daí a freqüente confusão entre massa e peso,
pois o valor da força peso é proporcional ao valor da massa do corpo.
A constante g tem unidade de aceleração, m/s2, e valor aproximado
igual a 10. Vejamos porque é chamada de aceleração da gravidade.
Suponha que um corpo encontra-se sujeito à ação única e ex-
clusiva da atração gravitacional, próximo à superfície da Terra.
Então a força peso é a única a atuar sobre o corpo. A segunda
lei de Newton então informa (tomemos o eixo y na vertical com
sentido para cima) que

P = ma → -mgj = ma → a = -gj

Portanto, independente do valor de sua massa, todo corpo deixado


sob a ação apenas da força peso, move-se com uma aceleração igual
a 10 m/s2, que é a aceleração da gravidade.

Forças de Contato
Sempre que uma partícula se encontra em contato com uma su-
perfície, ela sofre uma interação com a superfície que possui duas
componentes distintas: uma componente perpendicular (ou nor-
mal) à superfície, que depende de quanto a partícula “empurra” a
superfície, e outra componente que é tangente à superfície, que de-
pende da natureza do atrito entre a partícula e a superfície. A assim
chamada força normal é uma reação (3a lei!) à força que a partícula
imprime sobre a superfície.

Física | Mecânica Clássica 53


Por outro lado, sempre que a partícula faz uma força tangente à su-
perfície no sentido de deslizar sobre esta, a superfície reage (3a lei!) fa-
zendo sobre a partícula uma força de mesmo módulo e sentido oposto
àquele do movimento, e que é chamada de força de atrito. Verifica-
se experimentalmente que o módulo da força de atrito é diretamente
proporcional à força normal, e tal proporcionalidade é representada
por uma constante que depende da natureza das superfícies em con-
tato. Em módulo esta força pode ser representada assim:

Fatr = μN

Esta constante de proporcionalidade, chamada de coeficiente de


atrito, possui dois valores distintos, o que se verifica experimental-
mente: μe, que é o valor do coeficiente de atrito estático, refere-se
à situação de iminência de movimento, antes que o corpo se mo-
vimente, e μc , que é o valor do coeficiente de atrito cinético, que
refere-se à situação em que o movimento está ocorrendo.

Forças Elásticas
As molas (ideais) produzem um tipo de força especial, chamada
força elástica, do seguinte tipo: quando uma mola se encontra des-
locada de sua posição natural, esta exerce uma força na direção de
seu comprimento, porém no sentido oposto à sua deformação, que
é proporcional ao comprimento deformado (comprimido ou alon-
gado). A constante de proporcionalidade é característica de cada
mola, e é chamada de constante elástica. Temos

F = -kx ,

onde o sinal negativo serve para indicar a oposição ao desloca-


mento, e k é a constante elástica.

Cordas
As cordas só produzem forças quando tensionadas, e estas forças
têm sempre a direção da própria corda. Em geral lidamos com cor-
das inextensíveis e de massa desprezíveis, aproximação válida num
curso inicial como o nosso, a fim de evitar dificuldades como um
comprimento variável, ou ter que tratar do movimento da corda.

54 Mecânica Clássica | Física


Uma característica fundamental e que faz a única diferença entre
as forças de interação e as forças inerciais, do ponto de vista físico,
é que as forças de interação são, assim como as leis de Newton, in-
variantes ante a mudança de referenciais. Se uma força de interação
atua sobre uma partícula do ponto de vista de um observador, situ-
ado em determinado referencial, ela existirá da mesma forma para
outro observador em QUALQUER que seja o referencial em que este
esteja. Naturalmente, o mesmo já não vale para as forças inerciais.

Exemplos
1) Uma pequena esfera metálica é atirada verticalmente, de cima
para baixo, sobre a superfície de um lago. A esferazinha atravessa
essa superfície e continua a se mover no interior da água. Diz a ex-
periência que quando uma esfera se move no interior de um líquido,
este exerce sobre ela, além da força de Arquimedes (empuxo), uma
força de resistência ao avanço, R, força esta que é de sentido oposto
ao da velocidade v da esfera e de norma proporcional à dessa velo-
cidade. Sabendo que a densidade do material da esferazinha é igual
à da água do lago e que é igual a λ o fator de proporcionalidade que
figura na relação que existe entre ‖R‖ e ‖v‖, e sabendo, mais, que é
igual a v0 a norma da velocidade da esferazinha imediatamente após
ter atravessado a superfície da água do lago, calcule: 1) a velocidade
escalar da esferazinha em função de sua profundidade; 2) o tempo
transcorrido desde o instante em que a esferazinha atravessou a su-
perfície da água do lago até o instante em que ela atingiu um ponto
situado a uma profundidade h.

Solução
1) Como o movimento é unidimensional (vertical) vamos escolher um
eixo Ox vertical, solidário à Terra, com origem na superfície do lago, e
dirigido para baixo, para especificar a posição da esfera, como ilustra
a figura abaixo. Ali também estão indicadas as forças (de interação,
pois estamos supondo a Terra um referencial inercial)) que atuam so-
bre a esferazinha numa posição genérica do lago. Estas são: a força
peso P, a força de Arquimedes (empuxo) A, e a força R de resistência
ao avanço. Tendo em conta a segunda lei de Newton (eq.1, ∑F = ṗ ⇒
∑Fx = m ) e a figura podemos escrever imediatamente que:

P-A-R=m

Física | Mecânica Clássica 55


Ou seja, tendo em conta que foi informado que P = A e R = λv:

-λv = mx eq. i

o
A
R

Bem, como buscamos uma relação entre velocidade v e posição


x, podemos usar que

dv dv dx dv
x=v= = = v
dt dx dt dx

que inserido na eq.i resulta em

-λdx = mdv ⇒ -λx = mv + c

Donde, tendo em conta que v = v0 no ponto x = 0, vem final-


mente que

λx
v = vo - m eq. ii

2) De um ponto situado na superfície da Terra deve ser disparado


um projétil, verticalmente de baixo para cima. Calcule qual deve ser
o valor de sua velocidade inicial a fim de que ele atinja uma altura
h acima do ponto de lançamento. Supõe-se desprezível a resistência
oferecida pelo ar ao movimento do projétil e sabe-se que o raio e a
massa da Terra valem respectivamente R e M e que a constante da
gravitação universal vale G. Observação: a altura h, no caso, não é
irrelevante em relação ao raio da Terra.

56 Mecânica Clássica | Física


Solução
Como o movimento é supostamente unidimensional vamos esco-
lher apenas um eixo de coordenadas Ox ligado à Terra, suposta ela
o referencial inercial em questão. Agirão então apenas forças de in-
teração sobre o projétil, e como estão excluídas as forças de atrito
apenas o peso P será levado em conta. De acordo com a segunda lei
de Newton (eq.1, ∑F = ṗ ⇒ ∑Fx= mẍ) e a convenção de sinais estabe-
lecida na figura abaixo podemos escrever que:

-P = mẍ

Donde, tento em conta que

O
P = GMm/x2
dv dv dx dv
x=v= = = v
dt dx dt dx

Podemos então escrever que

-GMm/x2 = m dv v vdv = -GM dx2


dx x

O que nos leva ao resultado desejado através de uma simples in-


tegração:

0 R+h dx
v0
vdv = -GM R x2 v0 = 2GMh / [R(R + h)]

3) Dois pontos da superfície da Terra, suposta esférica e homogênea,


são ligados por um tubo cilíndrico, de seção reta circular. Uma pe-
quena esfera, de diâmetro igual ao da seção reta do túnel, é aban-
donada numa das extremidades do túnel. Supondo irrelevante a
resistência oferecida pelo ar ao movimento da esfera, assim como o

Física | Mecânica Clássica 57


atrito entre ela e as paredes do túnel, e sabendo que a força de atra-
ção gravitacional exercida pela Terra sobre uma partícula situada num
ponto não exterior à superfície terrestre é dirigida para o centro da
Terra e é proporcional à distância desse centro à partícula, e sabendo,
mais, que o comprimento do túnel é igual a 2A: 1) ache a equação de
movimento da esferazinha (escolha como data inicial, t = 0, a data em
que a esferazinha foi abandonada numa das extremidades do túnel);
2) demonstre que o tempo gasto pela esferazinha para ir de uma à ou-
tra extremidade do túnel não depende do seu comprimento.

Solução
1) Na figura abaixo está indicado o sistema de eixos cartesianos esco-
lhido, ligado à Terra, suposta o referencial inercial em questão: origem
coincidente com o centro da Terra, eixos Ox e Oy respectivamente
perpendicular e paralelo ao túnel. As forças de interação em ação são
apenas a força de atração gravitacional f e a força de reação vincular
normal n exercida pelas paredes do túnel. Tendo em conta então a se-
gunda lei de Newton (eq.1, ∑F = ṗ ∑Fy = m ) podemos escrever:

-fsinθ = my eq. i

n
R f
θ
0 x

Representando por r a distância do centro da Terra (origem car-


tesiana O) ao ponto onde está a esferazinha na data genérica t, e
por y a ordenada desse ponto, podemos escrever, tendo em conta a
figura e a informação fornecida no enunciado da questão de que f
é proporcional a r, que:

sinθ = y / r
fsinθ = λy (λ = cte > 0)
f = λr

58 Mecânica Clássica | Física


Substituindo este resultado na eq.i temos

my + λy = 0 y + w2y = 0 eq. ii

Onde usamos

λ⁄m = w2

Esta é a equação de movimento da esferazinha.

2) A eq.ii é uma equação diferencial de segunda ordem cuja solução


geral é da forma

y = c1eiwt + c2e-iwt

Com as condições iniciais fornecidas (y(0) = A e ẏ (0) = 0) pode-


mos determinar as constantes arbitrárias desta solução geral e colo-
car a solução no formato final

y = Acoswt

Esta solução nos mostra que a esferazinha se move no túnel com


movimento periódico, de período τ = 2π⁄w. Consequentemente, para
ir de um extremo do túnel até o outro, gastará um tempo T = ½τ, ou
seja, um tempo:

T = �/w = � m/λ

O que prova que o tempo que ela gasta para ir de um extremo do


túnel até o outro independe do comprimento do túnel, uma vez que
nem m nem λ dependem desse comprimento, q. e. d.

4) Um bloco de massa m está sendo arrastado sobre um plano ho-


rizontal. O coeficiente de atrito de deslizamento entre o bloco e o
plano de apoio é igual a μ e a velocidade do bloco é mantida cons-
tante. O bloco está sendo arrastado com auxílio de um fio a ele li-
gado e se verifica que é possível manter o movimento retilíneo e
uniforme qualquer que seja o ângulo θ que o fio faça com a hori-
zontal, exceto ½ π; verifica-se, também, que a norma da tração que

Física | Mecânica Clássica 59


o fio deve exercer sobre o bloco, para manter constante a sua velo-
cidade, é função do ângulo θ. Pois bem: o problema que proponho é
calcular para qual valor de θ é mínima a norma da tração exercida
sobre o bloco e qual o valor dessa norma mínima.

Solução
Na figura estão representadas as forças (de interação) que atuam
sobre o bloco. Tais forças são: o peso P, exercida pela Terra; a tra-
ção T exercida pelo fio, e a reação vincular exercida pelo plano de
apoio, que já representamos, como é usual, decomposta em duas: a
normal N e a tangencial (força de atrito) A. [Escolhemos um sistema
de eixos cartesianos Oxy solidário à Terra, suposta um referencial
inercial, sendo Ox horizontal e Oy vertical e dirigido de baixo para
cima.] Queremos obter T como função de θ a fim de poder calcular
para qual valor de θ tem-se T = mínimo.

y
T
N θ
A
O
x

Ora, tendo em conta que, de acordo com a informação fornecida


é nula a aceleração do bloco, podemos escrever imediatamente, de
acordo com a primeira (ou a segunda) lei de Newton, que:

∑Fx = 0 Tcosθ - A = 0
∑F = 0
∑Fy = 0 Tsinθ + N - P = 0

Donde, tendo em conta que P = Mg e A = μN, vem que:

T = μmg ⁄ (cosθ + μsinθ)

Donde, finalmente, vem que o valor de θ para o qual T é mínima


é o seguinte: Θ = arctan μ; e o valor mínimo de T é:

T = µmg / 1 + µ2

60 Mecânica Clássica | Física


5) Um bloco de massa m está preso a uma das extremidades de
uma mola, de constante igual a k e massa desprezível, cuja outra
extremidade está presa a um suporte fixo. Afasta-se o bloco da sua
posição normal de equilíbrio até outra posição situada vertical-
mente abaixo, onde o bloco é abandonado. Escolha um eixo carte-
siano Ox, fixo em relação à Terra, suposta um referencial inercial,
e cuja origem seja o ponto correspondente à posição de equilíbrio
do bloco. Escolhendo como instante inicial o instante em que o
bloco foi largado e sabendo que nesse instante se tem x = A > 0 e ẋ
= 0: 1) calcule onde estará o bloco numa data genérica t, isto é, en-
contre a equação da posição do bloco; 2) prove que o movimento
do bloco é periódico e calcule o seu período.

Solução
1) Na figura estão representadas as forças (de interação) que atuam
sobre o bloco, numa data genérica t. Tais forças são apenas o seu pró-
prio peso P = Mg, força exercida pela Terra sobre o bloco, e a força T
exercida pela mola. Então, tendo em conta a segunda lei de Newton
(eq.1, ∑F = ṗ ⇒ ∑Fx = mẍ), podemos escrever imediatamente que:

mg - T = mẍ

O T

P
x

De acordo com a lei de Hooke, e tendo em conta a informação de


que a origem O do eixo Ox corresponde à posição de equilíbrio do
bloco, pode-se escrever que:

T = mg + kx

Levando esta informação para a equação anterior temos:

mẍ + kx = 0

Física | Mecânica Clássica 61


Que é a equação diferencial do movimento do bloco, cuja solução
geral é a função:

x(t) = c1eiwt + c2e-iwt

Donde, tendo em conta as condições iniciais dadas (x(0) = A e ẋ


(0) = 0, temos:

x(t) = Acoswt, w2 = k⁄m

2) Esta solução já prova que o movimento é periódico e mostra que o


seu período τ tem um valor igual a 2π/w, isto é, mostra que se tem que:

T = 2� m / k

Forças Inerciais
Enquanto que as forças de interação são determinadas exclusivamente
pela experiência, as forças inerciais são definidas pelo estado de mo-
vimento do referencial em que se esteja relativo a um referencial iner-
cial. Por exemplo, a força inercial que existe em um referencial que
se encontra acelerado em relação a um referencial inercial com ace-
leração AO, mas em movimento puramente translacional (ou seja, w =
0) será apenas a força de Einstein, conforme definida anteriormente.
Outra característica muito interessante das forças inerciais é que estas
são de apenas quatro tipos. Quer dizer, o pior que pode acontecer, ou o
que a mais infeliz das escolhas de referencial pode acarretar, é adicio-
nar quatro forças extras àquelas consideradas por um observador em
um referencial inercial. Mas em geral, apenas uma ou duas das quatro
possíveis é adicionada. Vamos estudar detalhadamente:

Força de Einstein

N
T
A

Figura 2a

62 Mecânica Clássica | Física


N
E T
A

Figura 2b

Vamos convencionar aqui que uma silueta feminina representará,


em nossas figuras, um observador em um referencial supostamente
inercial, enquanto que uma silueta masculina representará um ob-
servador em um referencial não-inercial. Isto posto, vamos analisar
a figura 2 a. Nela está representado o vagão de um trem que passa
acelerado, com aceleração A, por uma observadora ligada ao solo,
suposto um referencial inercial. Esta observa que no interior do va-
gão há uma mesa e sobre esta uma esfera de massa m em repouso
em relação ao vagão. Nota ainda que, presa à esfera está uma mola
esticada, com a outra extremidade presa à parede do vagão. Esta ob-
servadora também sabe que existem outras duas forças de intera-
ção agindo sobre a esfera, o peso P, e a reação normal N, a primeira
sendo uma força (de ação à distância) exercida pelo planeta e a se-
gunda uma força (de contato) exercida pela mesa. E como sabe que
estas duas forças têm o mesmo módulo, a observadora descreve o
movimento acelerado da esfera como sendo conseqüência da força
resultante T que é a força que a mola exerce sobre a esfera. Escreve
então a equação de movimento para a esfera como

T = mA

Na figura 2 b encontramos a mesma esfera sendo observada por


um observador solidário ao vagão. Como se encontra em um re-
ferencial não inercial em movimento de translação acelerado com
aceleração A relativa a um referencial inercial, este observador nota,
além das forças de interação N, P e T que existiam para a primeira
observadora (as forças de interação são invariantes sob mudança de
referencial, já o sabemos), a força de Einstein E representada na fi-
gura. E como para este observador a esfera encontra-se em repouso,

Física | Mecânica Clássica 63


ele conclui que é nula a soma das forças que agem sobre ela. Ele
conclui então, que E=-T, portanto,

E = -mA

A força de Einstein é uma força muito familiar a todos nós, cer-


tamente a força inercial mais presente à nossa experiência cotidiana.
Ao viajar em qualquer veículo que possua uma aceleração maior,
como um avião, ou uma motocicleta, até mesmo automóveis ou ôni-
bus, todos sentimos a necessidade de se segurar quando de uma fre-
ada ou aceleração mais brusca. E não parece adequado supor que
esta seja uma força “fictícia”, uma vez que sentimos na própria pele
as conseqüências destes empurrões ou puxões, se não nos seguramos
a fim de anulá-los. É esta a força que na Teoria da Relatividade Geral
se afirma ser equivalente à força peso.

Força Centrífuga

Figura 3a Figura 3b

Na figura 3a está representado um disco horizontal, visto de


cima, em repouso em relação à Terra, suposta um referencial iner-
cial. Sobre o disco está uma esfera de massa m ligada a quatro mo-
las idênticas, que nesta situação encontram-se dispostas de forma
simétrica e relaxadas, ou seja, nem esticadas nem comprimidas.
Uma observadora ligada à Terra verifica que as únicas forças ( de
interação) aplicadas à esfera são seu peso P e a reação normal N
do disco sobre a esfera ( ambas verticais). Como não há movimento
vertical, conclui que P + N = 0.
Na figura 3b o mesmo disco agora está girando com velocidade
w constante em torno de um eixo vertical passando por seu centro.

64 Mecânica Clássica | Física


A nova configuração das molas leva a observadora inercial concluir
que agora existe uma força resultante da ação das molas, força esta
no plano horizontale que, pela configuração simétrica das molas,
está dirigida ao centro do disco: as molas dispostas radialmente,
uma esticada e a outra comprimida, resultam numa força dirigida ao
centro, enquanto que as molas transversais, igualmente esticadas,
possuem soma também dirigida para o centro. Ao mesmo tempo,
ele observa que a esfera possui um movimento circlar e uniforme,
de raio R e velocidade angular w. Portanto, observa que esta possui
acelelação centrípeta de módulo ‖A‖ = w2R = v2/R . Então ela pode
escrever que a força M das molas está relacionada com a aceleração
centrípeta como M = mA . Quer dizer, a força centrípeta necessária
para manter a esfera em movimento circular uniforme é dada pela
força que as molas exercem sobre a esfera.
Entretanto, um observador ligado ao disco girante, que é um ob-
servador não inercial, nota que, em relação a ele, a esfera se encon-
tra em repouso. Como as forças de interação são as mesmas para ele,
haverá alguma força que equilibre a força M das molas. Esta força C,
que existe para este observador não inercial, pode ser então descrita
como oposta à força das molas, portanto dirigida para fora do centro
do disco e de módulo ‖C‖=w2R. Você pode verificar que esta força cor-
responde, na forma vetorial, à expressão que derivamos anteriormente

C = -mw ×(w × r)

e que denominamos como força centrífuga.


A força centrífuga também surge com bastante freqüência em
nossa experiência cotidiana. Sempre que percorremos uma curva, em
especial em velocidades mais altas, no interior de um móvel, sentimos
o corpo sendo “puxado” para fora do veículo, e em geral sentimos que
as paredes deste nos “empurram” para dentro e anulando o efeito da
força centrífuga, que de outra forma nos levaria a “cair” do veículo
em movimento. Da mesma forma ela está presente quando empurra a
roupa contra a parede em uma máquina de lavar e desta maneira “es-
preme” a água da roupa. Também em diversos brinquedos de parque
de diversão é possível “experimentar” a força centrífuga.

Física | Mecânica Clássica 65


Força de Euler
Suponha agora que o disco girante representado na figura 3 b so-
fra uma aceleração angular α. Tal situação está representada na
figura 4. Vejamos como ficam as análises de nossos dois observa-
dores nesta nova configuração.
A observadora ligada à Terra, que estamos supondo como um re-
ferencial inercial, observa a esfera com movimento circular acelerado,
sujeita às mesma forças de interação P e N que atuavam na situação
anterior, e que da mesma forma se anulam. Porém sujeita a outra força
resultante da ação das molas, R’. Também observa, por outro lado,
que além da aceleração centrípeta, que ela pode escrever como AN =
-w2RN̂ , onde N̂ é o unitário segundo a normal à trajetória, apontando
para fora da curva, a esfera também possui uma aceleração tangencial
dada por AT = αRT̂ onde T̂ é o unitário tangente à trajetória. Ou seja,
ela escreve a seguinte equação de movimento para a esfera:

R’T = mẇR
R’ = mA →
R’N = -mw2R

Figura 4

O observador ligado ao disco nota, entretanto, que a esfera per-


manece parada em relação a ele. Sabe então que além das forças de
interação P e N que se cancelam na direção vertical, e da força iner-
cial C , a força centrífuga, que cancela a ação das molas na direção
radial, existe uma segunda força inercial, que cancela a força tan-
gencial exercida pelas molas, e esta força E*, chamada força de Euler
deve então ser tal que

E* = -mẇ × r

66 Mecânica Clássica | Física


conforme você pode confirmar fazendo o produto vetorial neste caso.
A força de Euler não é tão comum ou perceptível quanto as forças
inerciais anteriores, embora não seja difícil senti-la em situações
onde se aumente ou diminua sensivelmente a velocidade de rotação
num brinquedo, por exemplo, onde você se encontre.

Força de Coriolis
A quarta e última força inercial que iremos analisar é a única que de-
pende de a partícula estar se movimentando em relação ao observador
não-inercial, pois possui em sua expressão a velocidade v, relativa ao
referencial não inercial. Nossa análise, embora mais qualitativa, for-
necerá um caminho para compreender como esta força age. Para isto
considere um disco circular e horizontal, mais uma vez, girando com
velocidade w e agora com uma pequena esfera de massa que é lan-
çada, a partir do centro do disco, com uma velocidade horizontal V0
em direção a um ponto A na borda disco. Desprezando quaisquer ir-
regularidades ou atritos que possam perturbar o movimento da esfera,
vamos analisá-lo do ponto de vista de nossos observadores.
A observadora ligada ao referencial inercial observa a esfera sendo
lançada a partir do centro do disco com velocidade V0 (figura 5 a)
que não se altera ( a soma das forças que agem sobre a esfera, P e N,
é nula!) até que ela, após percorrer uma trajetória retilínea enquanto
o disco gira sob ela, alcança um ponto B diferente de A (figura 5 b).

A
0 V0

Figura 5a

ω A

B
0

Figura 5b

Física | Mecânica Clássica 67


E o que verá o observador ligado ao disco? Vejamos as figuras:

ω* A
0 v0

Figura 6a

ω* A
0

Figura 6b

O observador não considera que seu referencial esteja se mo-


vendo, mas sim o “cenário” externo se encontra girando com velo-
cidade angular w* = -w. E de seu ponto de vista a esfera descreve
a estranha curva mostrada na figura 6 b até atingir o ponto B. Ele
percebe que uma força muda a direção da velocidade a cada ponto
da trajetória. Sabemos que neste referencial não existe a força de
Einstein (não há aceleração de nenhum ponto do disco em relação
ao solo), nem a força de Euler (a velocidade de rotação é constante).
Enquanto que a força centrífuga existe, mas tem a direção radial em
cada ponto, a única força responsável pela mudança de direção da
partícula é a força de Coriolis, que como sabemos é da forma

C* = -2mw × v

Realmente, esta força perpendicular à trajetória da esfera em cada


ponto de sua trajetória é a responsável pela estranha trajetória obser-
vada naquele referencial (figura 7).

68 Mecânica Clássica | Física


ω
ω* = -ω

A
0
v
C
B

Figura 7

A força de Coriolis tem sua manifestação mais evidente e popu-


lar relacionada a uma característica que envolve o movimento de
grandes massas de ar em nossa atmosfera. É sabido que os ciclones e
todos os grandes deslocamentos de ar da atmosfera que ocorrem no
hemisfério Norte do planeta possuem vorticidade orientada no sen-
tido anti-horário, ao contrário do que ocorre no hemisfério Sul, onde
o sentido do giro é o dos ponteiros do relógio. Presume-se que este
seja um efeito notável da força de Coriolis, originada no fato de a
Terra ser um referencial dotado de velocidade angular. O mesmo fato
justifica os pequenos desvios na verticalidade dos objetos em queda
próximos à superfície do planeta. Ao cair os objetos têm sua trajetó-
ria desviada da vertical por uma pequena deflexão, que é difícil de
ser medida devido à presença, em geral, de vários fatores perturba-
dores da experiência tais como a presença de ventos, a resistência do
ar e etc. Para se ter uma idéia, é fácil calcular qual seria a deflexão
sofrida para uma queda de 100m de altura na região do Equador ter-
restre (onde a deflexão é máxima): seria de cerca de 2cm!

Exemplo
6. Uma pequena esfera metálica pode se mover sem atrito no in-
terior de um tubo cilíndrico, de seção reta uniforme, que gira com
velocidade angular constante, w, em torno de um eixo vertical, ∆,
fixo em relação à Terra, suposta um referencial inercial. Sabendo
que o tubo forma com a vertical do lugar um ângulo θ, calcule em
que ponto do interior do tubo a esfera poderá ficar em equilíbrio,
relativamente ao próprio tubo.

Física | Mecânica Clássica 69


Solução
Visando a obter uma mais profunda compreensão das leis da Mecâ-
nica, vamos resolver o problema do ponto de vista de um observador
inercial e do ponto de vista de um observador não-inercial.

Solução do observador inercial Solução do observador não-inercial

T T

Y ∆ Y ∆

ω ω C

P P
θ θ

X X

O sistema cartesiano OXY, in- O sistema cartesiano oxy in-


dicado na figura acima é, por hi- dicado na figura acima é, por
pótese, solidário à Terra (suposta, hipótese, fixo no referencial R
ela mesma, um referencial iner- solidário ao tubo que gira em
cial) e é tal que o eixo OY coin- relação à Terra (suposta, ela
cide com o eixo ∆ em torno do mesma, um referencial inercial) e
qual o tubo gira. Na figura es- é tal que o eixo oy coincide com
tão representadas as forças que o eixo ∆ em torno do qual o tubo
atuam sobre a esferazinha, su- gira. Na figura estão representa-
posta já estar na posição em que das as forças que atuam sobre a
fica em equilíbrio relativamente esferazinha, suposta já estar na
ao tubo. Como o referencial utili- posição em que fica em equilí-
zado (a própria Terra) é, por hipó- brio relativamente ao tubo. Uma
tese, inercial, sobre a esferazinha vez que o referencial R é não-
atuarão apenas forças de intera- inercial, sobre a esferazinha atu-
ção, as quais são apenas o pró- arão forças inerciais, além das
prio peso P da esferazinha e a de interação P e T. Escolhendo
força T exercida pelo tubo. para pólo dos vetores-posição a
Sob a ação dessas forças a es- origem cartesiana o (coincidente
ferazinha está se movendo, com com o extremo inferior do tubo,
uma aceleração A (relativa à e que estamos supondo perten-

70 Mecânica Clássica | Física


Terra), descrevendo uma circun- cer ao próprio eixo de rotação
ferência horizontal, de raio ρ=r ∆), ter-se-á que a única força
sinθ, onde r é a distância da es- inercial a atuar sobre a esfe-
ferazinha ao extremo inferior do razinha será a força centrífuga
tubo (extremo este que estamos C=-mw×(w×r). Sob a ação des-
supondo pertencer ao próprio sas forças a esferazinha está em
eixo ∆ de rotação do tubo). equilíbrio, relativamente ao
Tendo em conta a segunda lei referencial R solidário ao tubo.
de Newton, podemos escrever que: Então, tendo em conta a pri-
meira lei de Newton, podemos
∑F = mA ⇒ ∑Fn = mAn (i) escrever que:

onde com ∑Fn estamos indicando ∑F = 0 ⇒ ∑fα = 0 (i)


a soma das componentes nor-
mais (à trajetória) das forças que Onde com ∑fα estamos indi-
atuam sobre a esferazinha e com cando a soma das componentes,
An a componente normal da sua em relação a um eixo α coinci-
aceleração. Como, no caso, An = dente com o eixo de simetria do
w2 ρ, vem, da i, e tendo em conta tubo, das forças que atuam sobre
a figura, que: a esferazinha.
Da i, e tendo em conta a fi-
Tcosθ= mw2ρ (ii) gura, vem que:

Tendo em conta, agora, que C sinθ - Pcosθ = 0

Ay = 0 → ∑Fy = 0 Donde, tendo em conta que


C = mw2ρ e P = Mg, vem que:
E tendo em conta também a figura
e o fato de que P = Mg, vem que: mw2ρ sinθ = mgcosθ

Tsinθ - mg = 0 (iii) donde ainda, tendo em conta


que da figura se vê que ρ = r
De ii e de iii vem que sinθ, vem finalmente que:

ρsinθ = (gcosθ) ⁄ w2 r = (gcotθ) ⁄ (w2sinθ)

Donde, finalmente temos:

r = (gcotθ) ⁄ (w2sinθ)

Física | Mecânica Clássica 71


Exercícios
1) O carro representado na figura está percorrendo uma estrada
retilínea e horizontal, movendo-se com uma aceleração constante
A dirigida da esquerda para a direita. Fixo ao carro existe uma
rampa cujas retas de máximo declive pertencem a planos ver-
ticais paralelos ao eixo da estrada. Uma pessoa que viajava no
carro observou que uma esfera homogênea sendo abandonada
sobre a rampa permanecia imóvel em relação à rampa. Calcule o
ângulo que a rampa forma com a horizontal.

2) A figura abaixo é, supostamente, a reprodução de uma foto-


grafia de um trecho de uma estrada, e a situação que foi fixada
na fotografia é a seguinte: o automóvel da esquerda estava per-
correndo um trecho horizontal, o do centro estava passando no
ponto mais baixo de uma depressão e o da direita estava pas-
sando no ponto mais alto de uma elevação.

Sabendo que os carros eram idênticos e estavam igualmente car-


regados e com a mesma velocidade, e supondo momentaneamente
desprezíveis os atritos, calcule qual dos carros estava exercendo
sobre a estrada a força de norma maior.

72 Mecânica Clássica | Física


3) Um automóvel de massa m está atravessando uma ponte cujo raio
de curvatura correspondente ao seu ponto mais alto vale R. Sabendo
que a concavidade da ponte é voltada para baixo, que vale h a altura
do centro de massa do automóvel, relativa ao plano de apoio das ro-
das, e que a velocidade escalar do automóvel ao passar no ponto mais
alto da ponte vale v, calcule a norma da reação vincular normal N
que a estrada estará então exercendo sobre ele.

4) Uma partícula de massa m está percorrendo o ramo superior da


seguinte trajetória parabólica:

y2 = 2λx
z=0

λ = cte
Sabendo que x > 0 e que ẋ = α =cte, onde ẋ é a componente, em
relação ao eixo Ox, da velocidade da partícula, calcule a resultante
das forças que atuam sobre ela num ponto genérico de sua trajetória.

5) O corpo C, de pequenas dimensões, representado na figura ao


lado, escorrega sem atrito, a partir de uma altura h, sobre uma su-
perfície cujo ponto mais baixo tem tangente horizontal.

δ
h Y

D X

Física | Mecânica Clássica 73


Ao passar por esse ponto mais baixo da superfície o corpo aciona um
dispositivo elétrico, de forma que no mesmo instante o eletro-imã
representado na figura deixa cair o corpo D que estava na mesma
altura que o ponto mais baixo na superfície sobre a qual o corpo C
deslizava. Demonstre que os dois corpos se chocarão, independente
da relação que possa existir entre h e a distância δ indicada na figura.

6) Um projétil de massa m é lançado com uma velocidade inicial v0


que forma com a horizontal um ângulo θ. O ar exerce sobre o pro-
jétil uma ação que é equivalente, em cada data t, a uma força F que
se opõe a seu movimento, sendo F = -λ v, onde λ = cte > 0 e v é a
velocidade do projétil na data t. Escolha um sistema de eixos carte-
sianos Oxy cuja origem O coincida com o ponto de lançamento do
projétil, cujo plano xOy contenha a velocidade inicial v0 e cujo eixo
Oy seja vertical e apontado de baixo para cima, e obtenha as equa-
ções de movimento do projétil. Calcule, também, quanto tempo τ
transcorre desde o instante de lançamento até o instante em que o
projétil atinge o ponto mais alto de sua trajetória.

7) Uma das extremidades de uma mola é fixa enquanto que a outra


extremidade está ligada a um bloco metálico, de massa m, que pode
deslizar ao longo de uma haste retilínea, horizontal e fixa. Afasta-se o
bloco da sua posição normal de equilíbrio até uma posição situada a
uma distância A da referida posição, onde ele é então abandonado. Su-
pondo irrelevantes os possíveis atritos, assim como a massa da mola:
1) deduza uma fórmula que permita calcular a posição do bloco numa
data genérica; 2) deduza uma fórmula que permita calcular a veloci-
dade escalar do bloco numa data genérica. Constante da mola = k.

74 Mecânica Clássica | Física


8) Na figura está representada uma esfera metálica, de massa m, li-
gada a uma das extremidades de uma mola cuja outra extremidade
está presa a um suporte fixo. A esfera apóia-se sobre uma rampa
plana que forma com a horizontal um ângulo igual a θ. Inicialmente
o sistema estava em equilíbrio, mas num certo instante a esfera foi
deslocada ao longo da reta de máximo declive da rampa e abando-
nada numa nova posição e, em consequência, passou a oscilar. Su-
pondo irrelevantes os possíveis atritos, assim como a massa da mola:
1) prove que o movimento da esfera é periódico; 2) calcule o período
do movimento da esfera. Constante da mola = k.

9) O carro representado na figura está percorrendo uma estrada re-


tilínea e horizontal, movendo-se com uma aceleração constante A
dirigida da esquerda para a direita. O observado que viaja no carro
observa que o fio de um pêndulo simples que existe no carro, e que
está em equilíbrio (relativamente ao carro), forma com a vertical um
ângulo θ = 30°. Sabendo que g = 9,81 m/s2 e que o carro está ani-
mado de movimento puramente translacional, em relação à Terra,
suposta, ela mesma, um referencial inercial, calcule a norma de A.

Física | Mecânica Clássica 75


10) O oscilador harmônico (bloco-mola) representado na figura está
oscilando num elevador que está animado de translação vertical, uni-
formemente variada, relativa à Terra, suposta um referencial inercial.
Sabendo que a constante da mola e a massa do bloco são respectiva-
mente iguais a k e m, e que a aceleração do elevador tem norma igual
a A e é dirigida de baixo para cima, estude o movimento do bloco, do
ponto de vista do observador solidário ao elevador, informando, caso
o movimento seja periódico, qual o seu período. Supõem-se irrelevan-
tes a massa da mola, assim como os possíveis atritos.

11) Uma pedra é largada, sem velocidade inicial relativa à Terra,


num ponto situado próximo à superfície desta e pertencente ao
plano equatorial terrestre. Sabendo que a Terra gira, em relação ao
universo estelar, com movimento de rotação sensivelmente uniforme
e que é praticamente nula a aceleração do seu centro, relativa ao
universo estelar, calcule se a pedra cai seguindo rigorosamente a
vertical do lugar. Caso a pedra não caia segundo a vertical do lugar,
calcule se ela, à proporção que vai caindo, vai se desviando para o
leste, ou para o oeste, ou para o norte, ou para o sul.

12) Uma bola de chumbo está suspensa ao teto de um vagão por um


fio cuja massa é desprezível, e o vagão está descendo uma rampa,
de declividade constante e igual a φ. Sabotadores haviam espalhado
óleo sobre os trilhos, de forma que o vagão está descendo a rampa
totalmente sem freios. Um passageiro, que está viajando no vagão,
observa que existe uma posição do fio no qual o sistema fio-bola-
de-chumbo fica em equilíbrio relativamente ao vagão. Sabendo que
os trilhos sobre os quais se move o vagão são paralelos às retas de
declive máximo da rampa, e supondo desprezível a resistência ofe-

76 Mecânica Clássica | Física


recida pelo ar ao movimento do vagão, e considerando a Terra como
um referencial inercial, calcule o ângulo que o fio forma com a ver-
tical do lugar, estando o sistema fio-bola-de-chumbo na sua posição
de equilíbrio relativamente ao vagão.

Física | Mecânica Clássica 77


mecânica na
formulação Lagrangiana
3

78 Mecânica Clássica | Física


1. A Mecânica Lagrangiana
O estudo da Mecânica Clássica (aquela que lida com o movimento
nas dimensões em que nossos sentidos percebem, ou seja, nem tão
pequenos quanto aqueles em que se aplica a Mecânica Quântica,
nem tão velozes quanto aqueles em que se aplica a Mecânica Rela-
tivística) não se esgota no formalismo newtoniano, pelo contrário,
aquele foi apenas o primeiro formalismo que tratou do assunto, in-
clusive na ordem cronológica. Enquanto o formalismo desenvolvido
por Newton se caracteriza por lidar com grandezas vetoriais (velo-
cidade, aceleração e força, por exemplo), e por isso mesmo muitas
vezes é chamado de Mecânica Vetorial, os formalismos que o suce-
deram tratam com grandezas escalares (coordenadas e energias, por
exemplo) e são em geral chamados de Mecânica Analítica (categoria
em que se encaixam as teorias desenvolvidas por Lagrange e Hamil-
ton, por exemplo). Na introdução de seu livro Méchanique Analyti-
que, publicado em 1788, Lagrange alertava:” Nenhum diagrama será
visto neste trabalho”. Quer dizer, é possível resolver todos os proble-
mas acerca do movimento, como aqueles em que usamos a teoria
de Newton, lançando mão de outras teorias, em que, por exemplo,
não se faz a menor menção a forças ou vetores. Neste curso veremos
duas das mais importantes teorias analíticas da Mecânica Clássica,

Física | Mecânica Clássica 79


as teorias de Lagrange (Joseph-Louis Lagrange,1736-1813) e de Ha-
milton (Willian Rowan Hamilton, 1805-1865), respectivamente co-
nhecidas como teorias lagrangiana e hamiltoniana. No Módulo atual
trataremos exclusivamente do formalismo lagrangiano, reservando
o próximo para o formalismo hamiltoniano.
Evidente que o fato de lidar apenas com escalares não é a única
característica que distingue os formalismos analíticos do formalismo
vetorial ou newtoniano. Cada formalismo possui características pe-
culiares que o tornam mais adequados que os outros dependendo das
situações ou interesses em jogo. Por exemplo, para sistemas cujo mo-
vimento possua restrições, ou vínculos conforme veremos adiante, o
formalismo lagrangiano pode ser preferível ao newtoniano, e mesmo
ao hamiltoniano. Mas não existe uma prevalência absoluta de um for-
malismo sobre o outro. Não há um formalismo “melhor” que outro,
mas situações nas quais um é mais adequado que o outro. Entretanto,
neste Curso faremos uma abordagem muito introdutória a estes novos
formalismos, de maneira que não caberia aqui uma discussão mais
aprofundada a respeito de méritos e quais seriam dos vários forma-
lismos da Mecânica Clássica. Nos contentarmos em compreender de
forma mais geral como são e como se aplicam os formalismos analíti-
cos em situações simples e ilustrativas da Mecânica Clássica.
Embora as equações de Lagrange, aquelas que fornecem as equa-
ções de movimento dentro do formalismo lagrangiano e que se
constituem no equivalente à segunda lei de Newton, possam ser de-
rivadas a partir das próprias leis de Newton, e a equivalência das
duas abordagens se torne então mais evidente, vamos apresentá-las
como um postulado. Na verdade estas equações podem ser deriva-
das de forma completamente independente das equações de Newton,
surgindo como conseqüência direta de um princípio mais geral e
fundamental chamado de Princípio da Mínima Ação, mas vamos in-
sistir em apresentá-las diretamente na forma de um postulado. An-
tes, porém, vamos definir alguns ingredientes fundamentais, como
por exemplo, o que vem a ser uma coordenada generalizada.
Considere como exemplo uma partícula que se move sobre um
plano horizontal. Para descrever sua posição podemos utilizar um
sistema de coordenadas cartesianas, duas neste caso, x e y. Ou um
sistema de coordenadas polares, r e θ. De qualquer forma, o número
de coordenadas necessárias para descrever a posição e, portanto, o
movimento da partícula é dois. Dizemos que o sistema (partícula

80 Mecânica Clássica | Física


num plano) possui dois graus de liberdade. Da mesma forma, uma
partícula que se move sobre uma curva possui um grau de liberdade
e necessita de uma coordenada para descrever sua posição. No for-
malismo lagrangiano é o número de graus de liberdade, ou seja, o
número de coordenadas independentes necessárias para descrever a
“configuração” do sistema em pauta o que importa. Não importa a
escolha particular do sistema de coordenadas que se fará uso, se car-
tesianas ou polares, ou cilíndricas. A teoria não é dependente do sis-
tema de coordenadas, que é definido, ou escolhido, em cada situação.
Utilizamos então a letra q para representar de forma geral as coorde-
nadas neste formalismo. Voltando então ao sistema em pauta, as co-
ordenadas generalizadas serão q1 e q2 . Em geral se utiliza a notação

qi i = 1,...,n

onde n é o número de graus de liberdade do sistema.


Como as coordenadas generalizadas são independentes entre si,
em princípio, é possível imaginar um conjunto de eixos mutuamente
perpendiculares definindo um espaço de n dimensões, em que cada
ponto representa uma possibilidade, uma configuração, em que o
sistema pode se encontrar. Este espaço é chamado de espaço de con-
figuração. A evolução temporal do sistema, ou da partícula em nosso
estudo, é representada por uma curva q(t) neste espaço. Na figura 1
mostramos a representação bidimensional de tal curva no espaço de
configuração ( a representação cartesiana é apenas simbólica, pois
no caso geral tal estrutura não é garantida; por exemplo, a coorde-
nada pode ser um ângulo) entre os instantes t1 e t2:

qi + 1

t2

t1

qi

Figura 1

Física | Mecânica Clássica 81


Neste contexto, chamaremos de velocidade generalizada a deri-
vada temporal da coordenada generalizada:

∂qi
qi ≡
∂t

Em toda esta exposição estaremos supondo que a física se ob-


serva a partir de um referencial inercial, supondo que a extensão
para um referencial qualquer seja imediata e natural, apenas mais
trabalhosa dependendo da situação particular.
Vamos então definir uma função escalar, a lagrangiana L, em ter-
mos da energia cinética e da energia potencial da partícula, expres-
sas estas em função das coordenadas e velocidades generalizadas e
possivelmente o tempo. Temos então:

L=T-V

com T = T (q,q̇ ) e V = V (q,t) (usaremos sempre que não for motivo


de confusão a notação abreviada (q, q̇ ) sem os índices i’s supondo im-
plícita sua presença). Portanto, a lagrangiana pode ser escrita como

L = L (q, q̇ ,t)

Em muitas situações importantes e comuns a energia cinética depen-


derá apenas das velocidades e a energia potencial apenas das coordena-
das, de forma que a lagrangiana será função apenas das coordenadas e
velocidades generalizadas, como veremos em nossos exemplos.
As equações de movimento podem então ser postuladas como

d ∂L ∂L
=
dt ∂qi ∂qi
i = 1,...,n eq. 1

Temos assim um sistema de n equações diferenciais de segunda


ordem no tempo para as n coordenadas que descrevem o sistema.
No caso de uma partícula em 3 dimensões, temos 3 equações dife-
renciais de segunda ordem para resolver de forma matematicamente
equivalente ao trabalho que tínhamos no formalismo newtoniano.
Aparentemente, pouco se ganha com o novo formalismo, além de
evitar a linguagem vetorial. Entretanto, existem situações em que a
simplificação envolvida para resolver um problema com o forma-

82 Mecânica Clássica | Física


lismo lagrangiano é muito grande. Em linhas gerais, podemos citar
aquelas situações em que existem vínculos, conforme já veremos e
ilustraremos em exemplos. O estudo de simetrias torna-se também
bastante facilitado neste formalismo, conforme veremos adiante.
Também o tratamento de sistemas com muitos graus de liberdade,
inclusive infinitos graus de liberdade como o são os fluidos ou as
teorias de campos na física mais moderna, ganham um importante
aliado no formalismo lagrangiano.
Vamos abrir um pequeno parêntese para discutir a questão da
força, ou a ausência desta, no formalismo de Lagrange. Na Mecânica
de Newton as forças dão a informação de como o ambiente dita a
natureza do movimento da partícula. Neste sentido é correto afirmar
que as forças são a causa, ou origem, do movimento, pois são elas
que determinam como este se altera, ou não se altera. No formalismo
presente são as energias potenciais, que apesar de escalares, res-
pondem pela ação do ambiente sobre o movimento da partícula. Já
sabemos dos estudos da mecânica newtoniana que a força está re-
lacionada com a energia potencial através de um gradiente, ou seja,

F = -∇V

Não deve, portanto, causar maior estranheza que seja a energia


potencial, presente na lagrangiana, quem traz a informação de como
o ambiente influencia no movimento da partícula.
A propósito, note que da maneira pragmática como apresentado
aqui, o formalismo de Lagrange abrange apenas sistemas conser-
vativos, o que não passa da pura verdade. Entretanto, é possível
estender bastante o formalismo de maneira que praticamente todas
as situações tratadas no formalismo newtoniano possam ser tam-
bém tratadas neste formalismo. Mas infelizmente, tal análise não
caberia no espaço e no tempo reservados para este Curso. Assim
não trataremos de sistemas dissipativos ou de potenciais envol-
vendo velocidades, o que em particular abriria a possibilidade de
englobar os sistemas eletromagnéticos.
Restam ainda algumas observações a respeito de como são trata-
dos os vínculos nesta teoria. Vínculos são restrições ao movimento
representadas matematicamente por relações envolvendo, em geral,
coordenadas e/ou velocidades, que na melhor das possibilidades per-
mitem a redução explícita dos graus de liberdade do sistema em

Física | Mecânica Clássica 83


pauta. Considere, por exemplo, uma partícula em um plano restrita
a se mover sobre uma circunferência de raio R contida neste plano.
Em seu “universo” original, o plano, este sistema teria dois graus
de liberdade. Mas a restrição, o vínculo a que ele está sujeito expli-
cita uma redução no número de graus de liberdade de 2 para 1. Se
usarmos coordenadas cartesianas, por exemplo, este sairia de uma
situação de duas coordenadas, x e y, para uma coordenada, x por
exemplo, uma vez que haveria o vínculo do tipo

x2 + y2 = R2

que permitiria eliminar a coordenada y da descrição através da


substituição

y → R2 - x2

Este tipo de vínculo, que permite através de uma relação entre


as coordenadas, exprimir uma ou mais coordenadas em função
das demais, chama-se na literatura de vínculo holônomo. Nos ate-
remos, neste Curso, a problemas que envolvam apenas vínculos
holônomos, por simplificação.

Exemplos
Vamos ilustrar a teoria exposta acima com alguns exemplos de si-
tuações simples em que usaremos o formalismo de Newton e o for-
malismo de Lagrange, a fim de que se possa apreciar também a
diferença de tratamentos matemáticos.
I - Vamos considerar inicialmente uma partícula de massa m sujeita
a uma força conservativa F num espaço tridimensional.
Newton:

∑F = ma

Usando coordenadas cartesianas x, y e z temos:

ẍ = Fx / m
ÿ = Fy / m
z = Fz / m

84 Mecânica Clássica | Física


Lagrange:

d ∂L ∂L
=
dt ∂qi ∂qi

Também usando coordenadas cartesianas temos:

T = ½ m (ẋ2 + ẏ2 + ż2) ; V = V (x,y,z)


L = ½ m (ẋ2 + ẏ2 + ż2) - V (x,y,z)

∂L d ∂L ∂L
= mẋ ; = mẍ ; = ∂V / ∂x = Fx ∴ mẍ = Fx
∂ẋ dt ∂ẋ ∂x
∂L d ∂L ∂L
= mẏ ; = mÿ ; = ∂V / ∂y = Fy ∴ mÿ = Fy
∂ẏ dt ∂ẏ ∂y
∂L d ∂L ∂L
= mż ; = mz ; = ∂V / ∂z = Fz ∴ mz = Fz
∂ż dt ∂ż ∂z

Assim as equações de movimentos são as mesmas do grupo acima.

II) Consideremos uma partícula de massa m em uma dimensão, sem atrito,


sob a ação de uma mola de constante k, conforme representado na figura:

0 X

Figura 2

Newton:

∑F = ma

Usando a coordenada x representada na figura temos

ẍ = - k/m x

Física | Mecânica Clássica 85


Lagrange:

d ∂L ∂L
=
dt ∂qi ∂qi

T = ½ mẋ2 ; V = ½ kx2
L = ½ mẋ2 - ½ kx2

∂L d ∂L ∂L
= mẋ ; = mẍ ; = - kx ∴ mẍ = - kx
∂ẋ dt ∂ẋ ∂x

III) Considere uma partícula de massa m num plano horizontal


atada por uma corda inextensível e de massa irrelevante, em M. C.
U. sobre uma circunferência de raio R.
Newton:

Figura 3

Usando um sistema de coordenadas polares (r,θ) com unitários


respectivamente N̂ e T̂ , e chamando de T a tração exercida pela
corda sobre a partícula temos

∑F = ma

⇒ -TN̂ + 0T̂ = -mv2/R N̂ + θRT̂

Ou seja,

θ=0
T = m v2/r

86 Mecânica Clássica | Física


Que nos revelam a força de tração (força de vínculo) e que w =
constante.
Lagrange:
Devido ao vínculo

r=R

vamos escolher a única coordenada generalizada como sendo a co-


ordenada angular θ. Temos então

d ∂L ∂L
=
dt ∂qi ∂qi

T = ½ mR2θ2 ; V = 0
L = ½ mR2θ2

∂L d ∂L ∂L
= mR2θ ; = mR2θ ; =0
∂θ dt ∂θ ∂θ

E temos finalmente mR2 = 0, que nos informa apenas que a veloci-


dade angular é constante, sem qualquer menção à força de vínculo F.

IV) Seja o sistema conhecido como máquina de Atwood , um sis-


tema com vínculo holônomo, que vamos analisar primeiramente do
ponto de vista newtoniano, conforme ilustrado na figura 2:

T
m
T
P M
P

As duas massas estão ligadas por uma corda de massa desprezível


e inextensível, que passa por uma roldana também de massa des-
prezível. Desprezam-se também os atritos. As forças que agem sobre
as massas estão representadas na figura. O vínculo em questão está
contido na presença da corda que faz com que o movimento de uma
partícula esteja vinculado ao movimento da outra. Se tomarmos o

Física | Mecânica Clássica 87


solo como referencial, e um eixo perpendicular com origem no solo
e orientado para cima (digamos o eixo x), o sistema de duas partícu-
las teria em princípio dois graus de liberdade expressos nas coorde-
nadas x1 e x2 das massas m e M, respectivamente. Mas como a corda
tem comprimento fixo podemos escrever

x1 + x2 = cte

Ou seja, o movimento de m (dado pela função x1(t) está vin-


culado ao movimento de M (x2(t) ), ou vice-versa, pela equação
(ou vínculo) acima. Em outras palavras, a um acréscimo ∆x em x1
corresponde o acréscimo -∆x em x2, de forma a manter o vínculo
acima. Não por acaso, se você derivar duas vezes em relação ao
tempo a equação do vínculo, irá obter:

a1 = - a2

A segunda lei de Newton escrita em nosso sistema de coordena-


das, conforme a notação da figura, nos informa que o movimento
das massas m e M será descrito pelo sistema de equações:

T - mg = ma1
T - Mg = ma2

que não são independentes devido ao vínculo presente. Tomando


este em conta o sistema se resume ao seguinte conjunto de duas
equações com duas incógnitas (T e a1):

T - mg = ma1
T - Mg = - Ma1

que possui as soluções:

(M - m)
a1 = g
(M + m)
2Mm
T= g
(M + m)

88 Mecânica Clássica | Física


Lagrange:
A lagrangiana deve ser escrita em termos de uma só coordenada,
uma vez que o vínculo deve ser usado para expressar uma delas em
função da outra. Escolhendo coordenadas cartesianas como defini-
das anteriormente, o vínculo é usado para expressar

x2 = cte - x1

Assim escrevemos

T = ½ (mẋ 21 + Mẋ 22 ) = ½ (m + M) ẋ 21
V = mgx1 + Mgx2 = mgx1 + Mg (cte - x1) = (m - M)gx1

Note que devido à forma das equações de Lagrange, um termo adi-


tivo constante nunca contribui às equações de movimento, o que nos
fez abandonar um termo constante na energia potencial acima. Temos

L = ½ (m + M)ẋ 21 - (m - M)gx1

∂L d ∂L
= (m + M)ẋ1 → = (m + M)ẋ1
∂ẋ1 dt ∂ẋ1

∂L
= (M - m)g
∂x1

⇒ (m + M)ẋ1 = (M - m)g

ou seja,

(M - m)
a1 = g
(M + m)

que coincide com o resultado anterior. Observe que nenhuma men-


ção foi feita à força interna que a corda mantém sobre as massas (a
força de vínculo), apenas se considera o vínculo para a contagem
dos graus de liberdade, e somente a “força externa”, quer dizer, a
energia potencial “externa” , do ambiente onde está inserido o sis-
tema vinculado, entra na lagrangiana.

Física | Mecânica Clássica 89


V) Neste exemplo vamos analisar uma situação que envolve víncu-
los dependentes do tempo (são chamados reônomos, enquanto que
aqueles que não envolvem o tempo, são esclerônomos). Considere
uma pequena esfera metálica que se movimenta sem atrito no inte-
rior de um tubo de seção reta interna uniforme, numa região livre da
força gravitacional. O tubo gira com velocidade angular constante
(w) em torno de um eixo perpendicular a este.
Newton:
Vamos fazer primeiramente a análise newtoniana da situação.
Para isso vamos considerar como horizontal o plano onde o tubo
se movimenta, e usar coordenadas polares para descrever o movi-
mento da esfera. Como não há atrito com a parede do tubo, a esfera
só pode sofrer força perpendicular ao tubo, portanto na direção do
unitário tangente ao raio vetor desta.
Sabemos que a aceleração no sistema polar possui a forma (ide
Apêndice)

a = (r̈ - r 2) r̂ + (2ṙ + r )

Como a força sobre a esfera é apenas a força exercida pelo tubo


F = Ft , temos que

mr - mrθ2 = 0
Ft = 2mṙθ + mrθ

Como = 0 , temos finalmente

r = rw2
Ft = 2mwṙ

Lagrange:
Como o vínculo se expressa como = w = const. a coordenada
θ deve ser substituída por wt e a lagrangiana será função apenas da
coordenada radial. Temos:

T = ½ m (ṙ2 + r2θ2) = ½ m (ṙ2 + r2w2) ; V = 0


L = ½ m (ṙ2 + r2w2)

∂L d ∂L ∂L
= mṙ ; = mr ; = mrw2 ;
∂ṙ dt ∂ṙ ∂r

90 Mecânica Clássica | Física


Ou seja,

r̈ = rw2

Note que a força de vínculo não aparece no formalismo lagran-


giano. A solução desta equação, do tipo r(t) = ewt mostra que a
partícula se afasta do eixo de rotação devido à força centrífuga, do
ponto de vista de um observador ligado ao tubo e, portanto, não
inercial. Alguns autores confundem esta análise e creditam à força
centrípeta este movimento (a força centrípeta, caso existisse aqui,
levaria a esfera para o centro, e nunca para fora dele!)

VI) Este é um bom exemplo de como uma situação que poderia ser
( na verdade é) bastante complicada para se resolver dentro do for-
malismo newtoniano pode ter uma solução simples no formalismo
de Lagrange. Deixaremos ao estudante o desafio de resolver pelo
formalismo newtoniano o sistema representado na figura abaixo,
que poderíamos bem chamar de máquina “envenenada” de Atwood:

x2
x1 m2
x3

m1
m3

Figura 7

Vemos imediatamente que o vínculo entre as massas 1 e 2 é um


vínculo holônomo tal qual aquele da máquina de Atwood, e por-
tanto reduz um grau de liberdade do sistema. O mesmo não se pode
afirmar da ligação entre os corpos 2 e 3. Portanto, os três corpos em
movimentos unidimensionais terão suas coordenadas generalizadas
x1 e x3 ou x2 e x3 , como queira, uma vez que a relação

x1 + x2 = const.

Física | Mecânica Clássica 91


permite que uma dessas coordenadas se expresse em termos da ou-
tra. Ficamos com a segunda opção. Derivando em relação ao tempo
este vínculo obtemos ẋ1 = -ẋ2, e podemos escrever

T = ½ (m1ẋ 21 + m2ẋ 22 + m3ẋ 23 ) = ½ (m1 + m2)ẋ 22 + ½ m3ẋ 23

E para a energia potencial gravitacional e da mola, usando o vín-


culo e desprezando termos constantes que não contribuem para as
equações de Lagrange, temos conforme a figura:

V = -g(m1x1 + m2x2 + m3 x3) + k/2 (x3 - x2- l)2 = -(m2 - m1)gx2 - m3gx3 + k/2 (x3 - x2- l)2

onde chamamos de l o comprimento relaxado da mola de constante


k. Temos finalmente,

L = ½ (m1 + m2)ẋ 22 + ½ m3ẋ 23 + (m2 - m1)gx2 + m3gx3 - k/2 (x3 - x2 -1)2

∂L d ∂L
= (m1 + m2)ẋ2 → = (m1 + m2)ẍ2
∂ẋ2 dt ∂ẋ2
∂L
= (m2 - m1)g + k(x3 - x2 - 1)
∂x2

∂L d ∂L
= m3ẋ3 → = m3x3
∂ẋ3 dt ∂ẋ3
∂L
= m3g - k(x3 - x2 - 1)
∂x3

E temos as equações de movimento

(m1 + m2)ẍ2 - (m2 - m1)g - k(x3 - x2 - 1) = 0


m3ẍ3 - m3g + k(x3 - x2 - 1) = 0

Faça k = 0 nestas equações e obtenha m3 caindo em queda-livre


enquanto m1 e m2 recuperam o mesmo movimento que na máquina
de Atwood original.

92 Mecânica Clássica | Física


3) Observações Importantes

Lagrangianas Equivalentes
Interessante notar que um sistema mecânico não possui uma lagran-
giana única, mas uma infinidade de lagrangianas equivalentes, no
sentido que geram as mesmas e corretas equações de movimento. Isto
se deve ao fato facilmente demonstrável que uma lagrangiana que
difere de outra pela adição de um termo que seja a derivada total de
QUALQUER função diferenciável das coordenadas e do tempo, gera
as mesmas equações de movimento:

∂L
pk = eq. i
dqk

Deixamos a cargo do estudante demonstrar, por substituição direta


nas equações de Lagrange, que estas Lagrangianas são equivalentes.
Note que já observamos anteriormente que um termo constante
porventura contido na lagrangiana pode ser descartado, pois somente
derivadas da lagrangiana entram nas equações de Lagrange. Este pode
ser também visto como um corolário do resultado acima, visto que
uma constante c pode sempre ser computada como d/dt x ct.

Coordenadas Cíclicas
Chamamos de momento generalizado, ou momento conjugado, ou ainda
momento canonicamente conjugado à coordenada qk a quantidade

∂L
pk = eq. i
dqk

Embora seja uma grandeza fundamental no formalismo hamilto-


niano que estudaremos a seguir, mesmo aqui no formalismo lagran-
giano esta se revela uma grandeza particularmente importante quando
se estudam as propriedades de simetria e as leis de conservação a elas
associadas (aqui o formalismo lagrangiano se revela especialmente
adequado). Observe para isto o que ocorre quando uma determinada
coordenada generalizada, qj, por exemplo, não aparece explicitamente
na lagrangiana. Neste caso ela é chamada de coordenada cíclica e a
equação de Lagrange relacionada a ela torna-se simplesmente

d ∂L
= 0
dt ∂qj

Física | Mecânica Clássica 93


Ou seja,

pj = constante

Note que a ausência da coordenada na lagrangiana implica em


que a descrição do sistema não muda se variarmos esta coordenada,
ou seja, existe uma simetria do sistema relativa a mudanças nesta
coordenada. E o resultado acima afirma que, associada a esta si-
metria, existe uma lei de conservação, a conservação do momento
conjugado à coordenada cíclica. Este é um rico ponto de estudo na
Mecânica lagrangiana, que infelizmente não teremos oportunidade
de explorar neste Curso. Vejamos pelo menos um exemplo desta pro-
priedade. Se uma partícula no espaço está sob ação de um campo de
forças plano, por exemplo, as forças só agem em um plano vertical,
a energia potencial não irá conter a coordenada fora do plano. A la-
grangiana abaixo ilustra este sistema:

L = ½ m(ẋ2 + ẏ2 + ż2) - V(x, z)

Neste caso, o momento conjugado à coordenada y será

py = ∂L/∂ẏ = mẏ

que é uma constante do movimento.

94 Mecânica Clássica | Física


Exercícios
1) Escreva a lagrangiana de uma partícula sujeita a um campo cen-
tral, isto é, a um potencial que depende apenas da distância da par-
tícula a um ponto O, que pode (e deve) ser tomado como origem do
sistema de coordenadas usado para descrever o movimento. Neste
caso, se você utilizar, por exemplo, coordenadas esféricas, a energia
potencial poderá ser escrita simplesmente como V = V (r). Resolva
este problema de duas maneiras: uma usando coordenadas cartesia-
nas e outra usando coordenadas esféricas (use apêndice). Qual dos
sistemas lhe parece mais adequado, e por quê?

2) Considere o sistema de duas partículas de massas idênticas pre-


sas às extremidades de uma haste de comprimento l, rígida e de
massa desprezível, vinculadas a se moverem nos sulcos represen-
tados na figura. Escreva a lagrangiana deste sistema de duas partí-
culas usando como coordenada generalizada o ângulo α que a haste
forma com a horizontal. Despreze possíveis atritos. Use as equações
de Lagrange para obter a equação de movimento do sistema.

3) Considere um pêndulo simples, de comprimento l e massa m.


Considere os vínculos presentes e escreva a lagrangiana em termos
da(s) coordenada(s) generalizada(s) em questão. Derive também as
equações de movimento.

Física | Mecânica Clássica 95


4) Considere um pêndulo duplo e encontre a lagrangiana e as equa-
ções de movimento, após uma escolha adequada das coordenas ge-
neralizadas (conforme sugerido na figura).

y
θ1 l1
(x1, y1)
m1
l2
θ2

(x2, y2)
m2
x

5) Uma conta de massa m desliza sem atrito ao longo de uma haste


rígida, de massa desprezível, que gira num plano vertical com velo-
cidade angular constante w. Mostre que, com uma escolha adequada
da coordenada r, a lagrangiana do sistema é

L = ½ mṙ2 + ½ mw2r2 - mgrsenwt

Encontre a equação de movimento.

6) Considere a chama máquina de Atwood oscilante. Usando as co-


ordenadas indicadas na figura, mostre que a lagrangiana é dada por

m+M 2 m 2
L= ṙ + r + θ - gr (M - mcosθ)
2 2

r
θ

m
M

96 Mecânica Clássica | Física


mecânica na
formulação Hamiltoniana
4

Física | Mecânica Clássica 97


1. A Mecânica Hamiltoniana
O formalismo analítico que vamos estudar agora difere em muitos
aspectos importantes do formalismo lagrangiano, embora também
guarde o caráter não-vetorial, ou escalar, como uma característica
relevante. Enquanto que, por um lado, o formalismo de Lagrange
se revela bastante adequado quando se procura tratar relativisti-
camente importantes teorias físicas, por outro lado o formalismo
hamiltoniano parece ser essencial, de um ponto de vista formal,
quando se requer a transição para o limite de teorias quânticas ou
para o tratamento da mecânica estatística. Entretanto, lembrando
que nossa abordagem destes formalismos tem um caráter apenas in-
trodutório e quase ilustrativo, e levando em conta nossos limites de
espaço e tempo, não avançaremos muito mais nestas considerações
a respeito da natureza mais profunda de cada formalismo.
Vamos introduzir o formalismo de Hamilton da mesma forma
pragmática que usamos ao apresentar o formalismo de Lagrange,
sem nos preocupar com a “dedução” de um formalismo a partir de
outro, ou mesmo a partir de algum outro princípio mais básico. Em-
bora seja muito instrutivo e interessante o procedimento matemá-
tico que nos leva do formalismo lagrangiano ao hamiltoniano, ou

98 Mecânica Clássica | Física


ainda a derivação da teoria de Hamilton a partir de um princípio
fundamental e independente de outros formalismos, o Princípio da
Mínima Ação, apresentaremos aqui o formalismo de Hamilton como
um postulado, da mesma maneira como foi feito no caso lagran-
giano. Teremos, entretanto, que começar por definir alguns dos in-
gredientes fundamentais da teoria e o espaço peculiar em que se dá
a descrição de Hamilton da Mecânica.
Inicialmente vamos definir as coordenadas que são usadas nesta
descrição. Um sistema mecânico com n graus de liberdade é des-
crito, no formalismo de Lagrange, em um espaço de configuração
n-dimensional, em que cada ponto representa uma configuração
possível do sistema. A trajetória traçada por tal ponto neste es-
paço, que não é o espaço físico do sistema, no decorrer do tempo,
representa o movimento do sistema. De maneira semelhante, o mo-
vimento de um sistema no formalismo de Hamilton é representado
pela trajetória temporal de um ponto em um espaço, só que agora
2n-dimensional, onde a cada coordenada generalizada qn se asso-
cia uma nova coordenada pn, chamada momento canônico asso-
ciado a qn, definido por (eq. 3-ii no Modulo III):

∂L
pn = eq. 1
∂qn

Ou seja, o espaço onde se representa o movimento no formalismo


hamiltoniano tem dimensão duplicada (n ⇒ 2n) em relação àquele
utilizado no formalismo lagrangiano, e é construído segundo a “re-
ceita” qn ⇒ (qn, pn). Dizemos que um sistema com n graus de liber-
dade é descrito por n “pares” canonicamente conjugados (qn, pn), ou
equivalentemente, por 2n coordenadas canônicas, e o espaço por
elas definido é chamado espaço de fase.
Um ponto neste espaço 2n-dimensional representa um estado do
sistema, pois que além de uma configuração possível do sistema (os
valores das coordenadas que dizem onde está o sistema) este ponto
contém também informações sobre como “anda” o sistema (ele traz
informações sobre as velocidades com que mudam as coordenadas
naquele ponto, através dos p’s). Sua trajetória temporal “representa” o
movimento real do sistema, de forma análoga ao que ocorre no espaço
de configuração no tratamento lagrangiano. A regra, entretanto, que
estabelece como este ponto se movimenta é dada de outra forma: no

Física | Mecânica Clássica 99


lugar de uma função L (q, q̇ , t), a lagrangiana, temos aqui uma outra
função, H (q, p, t), a hamiltoniana, que traz informação sobre a “fí-
sica” que envolve o sistema e nos informa como, através das equações
de Hamilton, o sistema será “movido”. Esta função é definida por

n
H (q, p, t) = ∑i = 1 piqi - L (q, p, t) eq. 2

Estamos supondo aqui que a eq. 1 pode ser invertida e usada


para expressar as “velocidades” q̇ ’s em termos de q’s e p’s e assim
fazer com que no lado direito da eq.2 realmente só ‘existam’ q’s e
p’s, como sugere o lado esquerdo.
Obter as equações de movimento definidas pela hamiltoniana é
nosso próximo objetivo. Para isso tomemos a diferencial da eq.2:

∂L dq + ∂L dq + ∂L dt
dH = ∑ni = 1 (pidqi + qidpi) - ∑ni = 1 ∂q i ∂qi i ∂t eq. 3
i

Vamos usar a eq.1 para cancelar o primeiro termo na primeira


soma com o segundo termo na segunda soma; vamos usar também
as equações de Lagrange para escrever o primeiro termo na segunda
soma como - ṗidqi. Temos então, simplesmente:

dH = ∑ni = 1 (qidpi - pidqi) - ∂L dt eq. 4


∂t

Esta relação confirma que a hamiltoniana, realmente, é função


das coordenadas e momenta. E vista apenas desta forma, em geral é
lícito escrever sua diferencial total como

dH = ∑ni = 1 ∂H ∂H ∂H
∂qi dqi + ∂pi dpi + ∂t dt eq. 5

Comparando então estes dois resultados temos que:

∂H
qi =
∂pi
i = 1, ..., n. eq. 6
∂H
pi = -
∂qi

E ainda,

∂H ∂L
=- eq. 7
∂t ∂t

100 Mecânica Clássica | Física


As equações 6 são as equações de movimento que procurávamos.
Elas são chamadas de equações de Hamilton, ou mesmo de equações
canônicas do movimento. Conforme se pode notar, estas se consti-
tuem em um conjunto de 2n equações diferenciais de primeira or-
dem nas 2n variáveis canônicas q’s e p’s. Substituem as n equações
diferenciais de segunda ordem do formalismo lagrangiano (equiva-
lentes ao caso newtoniano, onde teríamos também n equações di-
ferenciais de segunda ordem), o que matematicamente são sistemas
equivalentes. Quer dizer, matematicamente uma equação diferencial
de segunda ordem (requer duas integrações) é equivalente a duas
equações diferenciais de primeira ordem (uma integração para cada
equação). Entretanto, esta maneira “canônica” de equacionar o pro-
blema do movimento traz novas e poderosas ferramentas para a in-
vestigação de teorias físicas. Temos ainda como co-produto a eq.7
que nos informa de uma importante relação entre as dependências
temporais explícitas da lagrangiana e da hamiltoniana.
Embora em importantes situações físicas a hamiltoniana possa
ser obtida diretamente da energia mecânica total, e podermos es-
crevê-la como a soma das energias cinéticas e potencial, escritas em
termos de q’s e p’s, de maneira geral temos o seguinte “receituário”
para aplicação do formalismo (na verdade estamos apresentando um
pequeno resumo do que vimos acima no formato de “receita”):

a) Escrevemos a lagrangiana;
b) Extraímos da equação 1 as velocidades em função dos p’s e q’s;
c) Escrevemos a hamiltoniana H (q, p, t) a partir da equação 2
usando o resultado do passo anterior para eliminar as velocidades.

Note que este procedimento, apesar de mais geral, não é “infa-


lível”: em alguns casos o item b não é possível de se realizar! Bem,
mas este é um problema para os físicos teóricos resolverem, uma vez
que esta é situação objeto de muita pesquisa nos últimos anos.
Nos exemplos a seguir usaremos boa parte dos exemplos que estu-
damos no Módulo anterior para ilustrar o método hamiltoniano, pois
que assim já teremos executado o primeiro passo (a) do procedimento
acima. Antes, porém, vamos fazer algumas observações a respeito de
questões importantes, que embora não haja espaço suficiente para um
estudo mais detalhado, não podem ser deixadas em branco.

Física | Mecânica Clássica 101


2) Observações Importantes

Coordenadas cíclicas
A primeira delas se refere à questão das simetrias, que também
neste formalismo levam de maneira bastante clara às leis de con-
servação. Basta notar que a ausência de uma coordenada na ha-
miltoniana, qk , por exemplo, leva imediatamente à conservação do
momento canônico associado, pois a equação de Hamilton corres-
pondente nos informa que

∂L
ṗk = - eq. 8
∂qk

Portanto, assim como no formalismo lagrangiano, as simetrias do


problema são claramente evidenciadas.

Parênteses de Poisson
Podemos escrever as equações canônicas de movimento em uma
roupagem bastante interessante e útil se definimos um novo objeto
chamado de parênteses de Poisson. Para isso, considere duas funções
de espaço de fase, f (q,p) e g (q,p). Chamamos de parênteses de Pois-
son entre f e g a estrutura

n ∂f ∂g - ∂f ∂g
{f, g} ≡ ∑ eq. 9
i=1 ∂qi ∂pi ∂pi ∂qi

Considere, por exemplo, uma função arbitrária G (q,p,t) e sua derivada

dG n ∂G ∂G ∂G
=∑ q+ ṗ + eq. 10
dt i = 1 ∂qi i ∂pi i ∂t

Usando as equações de Hamilton nesta expressão, temos:

dG n ∂G ∂H - ∂G ∂H ∂G
=∑ + eq. 11
dt i = 1 ∂qi ∂pi ∂pi ∂qi ∂t

Ou seja,

dG ∂G
= {G, H} + eq. 12
dt ∂t

Esta relação é bastante geral e vale para qualquer função no es-


paço de fase. Em particular, para os q’s e p’s é evidente que

102 Mecânica Clássica | Física


qi = {qi, H}
eq. 13
ṗi = {pi, H}

As equações canônicas na forma da eq.13 não apenas tornam


mais elegantes e simétricas as equações de Hamilton (desaparece o
sinal negativo em parte das equações), mas também são as equações
de movimento da Mecânica Clássica no formato mais próximo pos-
sível das equações que regem a Mecânica Quântica. Infelizmente,
este é o limite até onde podemos avançar neste Curso.

Transformações Canônicas
Vamos por último analisar uma questão muito importante relativa
a transformações de simetria no formalismo canônico. As equações
de Lagrange são escritas em termos de coordenadas generalizadas,
o que as tornam independentes da escolha do sistema de coordena-
das, ou seja, invariantes sob a escolha de sistema de coordenadas.
Também no formalismo hamiltoniano existe uma invariância frente
à escolha de coordenadas do espaço de fase. Suponha, por exemplo,
que um sistema é descrito pelas coordenadas (q,p) com hamiltoniana
H (q,p). Estas coordenadas possuem a seguinte propriedade, também
chamada estrutura canônica, que pode ser facilmente verificada:

{qi, qk} = 0
{pi, pk} = 0 eq. 14
{qi, pk} = δik

onde é o chamado delta de Kronecker.

Podemos usar outro sistema de coordenadas (Q,P) para o espaço


de fase, com relações de transformação dadas por Q = Q (q,p,t) e P =
P (q,p,t) para descrever o mesmo sistema. Naturalmente que teremos
outra função para substituir a hamiltoniana H = H (q,p,t), que vamos
chamar aqui de “kamiltoniana” K = K (Q,P,t). Pode se mostrar que a
condição para que tal transformação preserve a forma canônica das
equações de movimento, eq.6 ou 13, é que a estrutura canônica, eq.
14, seja preservada. Ou seja, temos que ter também

{Qi, Qk} = 0
{Pi, Pk} = 0
{Qi, Pk} = δik

Física | Mecânica Clássica 103


Tais transformações, que são muito importantes no estudo de sime-
trias deste formalismo, são chamadas de transformações canônicas, e
merecem um capítulo à parte num curso normal de Mecânica Analítica.

3) Exemplos
Como já informamos, vamos, na medida do possível, aproveitar os
exemplos tratados no Módulo anterior a fim de já partir de uma la-
grangiana e aplicar o formalismo hamiltoniano.

I) Vamos considerar a partícula de massa m sujeita a uma força


conservativa F do primeiro exemplo do Módulo anterior. Quere-
mos chegar às equações de movimento pelo formalismo hamilto-
niano. Partimos da lagrangiana

L = ½ m(ẋ2 + ẏ̇2 + ż2) -V(x, y, z)

Temos os momenta canônicos e as velocidades expressas através deles:

∂L
px = = mẋ → ẋ = px/m
∂ẋ
∂L
py = = mẏ → ẏ = py/m
∂ẏ
∂L
pz = = mż → ż = pz/m
∂ż

A hamiltoniana então se escreve como

H = pxẋ + pxẋ + pxẋ - ½ m(ẋ2 + ẏ2 + ż2) + V (x, y, z)

Eliminando as velocidades temos

p 2x p 2y p 2z
H= + + + V (x, y, z)
2m 2m 2m

As equações canônicas são então:

px
ẋ= ṗx = - ∂V/∂x
m
py
ẏ= ṗy = - ∂V/∂y
m
pz
ż= ṗz = - ∂V/∂z
m

104 Mecânica Clássica | Física


A fim de compara com as equações de movimento de Newton ou
de Lagrange, que são equações de diferenciais de segunda ordem no
tempo, basta tomar a derivada temporal do primeiro grupo e usar o
segundo grupo para escrever quem são os ṗ’s:

ṗx -∂V/∂x
ẍ= = → mẍ = Fx
m m
ṗy -∂V/∂y
y= = → my = Fy
m m
ṗz -∂V/∂z
z= = → mz = Fz
m m

II) Consideremos a partícula de massa m no plano, sem atrito, sob a


ação de uma mola de constante k, conforme representado na figura
(exemplo ii do Módulo anterior):

0 X

Já conhecemos sua lagrangiana L = ½ mẋ2 - ½ kx2, e é fácil ex-


trair o momento canônico associado a x e daí, a velocidade ẋ:

px = ∂L/∂ẋ = mẋ → ẋ = px⁄m

A hamiltoniana é

H = pxẋ - ½ mẋ2 + ½ kx2

Substituindo a velocidade calculada anteriormente temos:

p 2x 1
H= + kx2
2m 2

Física | Mecânica Clássica 105


As equações de movimento são então:

px
ẋ=
m
ṗx = -kx

Derivando a primeira equação em relação ao tempo e usando a


segunda obtemos a equação de movimento de segunda ordem:

ṗx -kx
ẍ= = mẍ = -kx
m m

III) Considere a partícula de massa m num plano horizontal atada


por uma corda inextensível e de massa irrelevante, em M. C. U., so-
bre uma circunferência de raio R (terceiro exemplo do Módulo III).

Com lagrangiana L = ½ mR2 2 vemos que a única coordenada é


cíclica; temos o momento canônico e a velocidade dados por:

pθ = ∂L/∂ = mR2 → = pθ⁄mR2

A hamiltoniana é

H = pθ - ½ mR2 2 = pθ2/2mR2

As equações de movimento são

θ = pθ / mR2
ṗθ = 0

Que resultam em mR2 = 0.

106 Mecânica Clássica | Física


IV) Seja a máquina de Atwood , o sistema analisado no exemplo
IV do Módulo III.

Sua lagrangiana foi obtida como sendo

L = ½ (m + M)ẋ 21 + (M - m)gx1

O momento canônico associado à única coordenada é

p1 = (m + M)ẋ1

T
m
T
P M
P

Do qual obtemos a velocidade

ẋ1 = p1 ⁄ (m + M)

A hamiltoniana é

p21
H = p1ẋ1 - 1 (m + M)ẋ21 - (M - m)gx1 = - (M - m)gx1
2 2 (m +M)

As equações canônicas são

p1
ẋ1 =
m +M
ṗ1 = (M - m)g

Derivando a primeira equação em relação a t e usando a segunda


equação obtemos a equação de segunda ordem

(m + M)ẍ1 = (M - m)g

Física | Mecânica Clássica 107


V) Considere a pequena esfera metálica que se movimenta sem
atrito no interior de um tubo de seção reta interna uniforme, numa
região livre da força gravitacional. O tubo gira com velocidade an-
gular constante (w) em torno de um eixo perpendicular a este (exem-
plo v do Módulo III). Obtivemos sua lagrangiana

L = ½ m(ṙ2 + r2w2)

O momento canônico é

pr = ∂L/∂ṙ = mṙ

De onde extraímos a velocidade

ṙ = pr⁄m

A hamiltoniana corresponde a

p2
H = prṙ - 1 mṙ2 - 1 mr2w2 = r - 1 mr2w2
2 2 2m 2

As equações de Hamilton são então

p
ṙ = ∂H = r
∂pr m

ṗr = ∂H = mw2r
∂r

Assim, a equação de movimento, diferencial de segunda ordem


para r é

r̈ = rw2

108 Mecânica Clássica | Física


VI) Considere a máquina “envenenada” de Atwood (exemplo vi do Módulo anterior).

x2
x1 m2
x3

m1
m3

Escrevemos sua lagrangiana

L = ½ (m1 + m2)ẋ22 + ½ m3ẋ 23 + (m2 - m1)gx2 + m3gx3 - k/2 (x3 - x2 -1)2

Os momentos canônicos são

∂L
p2 = = (m1 + m2)ẋ2
∂ẋ2
∂L
p3 = = m3ẋ3
∂ẋ3

Extraindo as velocidades temos:

ẋ2 = p2 / (m1 + m2)
ẋ3 = p3m3

A hamiltoniana é dada por

H = p2ẋ2 + p3ẋ3 - ½ (m1 + m2)ẋ 22 - ½ m3ẋ 23 - (m2 - m1)gx2 + k/2 (x3 - x2 - l)2

Substituindo as velocidades nesta expressão temos:

p22 p23
H= + - (m2 + m1)gx2 - m3gx3 + k/2 (x3 + x2 + l)2
2 (m1 + m2) 2m3

Física | Mecânica Clássica 109


As equações de movimento são

p2
ẋ = ∂H =
∂p2 (m1 + m2)

ṗ2 = - ∂H = (m2 + m1)g + k(x3 + x2 - l)


∂x3

p2
ẋ3 = ∂H =
∂p2 (m1 + m2)

ṗ2 = - ∂H = m3g - k(x3 + x2 - l)
∂x2

O estudante pode concluir que estas equações conferem com o


resultado obtido no exemplo vi do Módulo III.

110 Mecânica Clássica | Física


Exercícios
1) Escreva a hamiltoniana de uma partícula sujeita a um campo
central, usando para isso coordenadas esféricas. Escreva também
as equações canônicas.

2) Considere o sistema de duas partículas de massas idênticas presas


às extremidades de uma haste de comprimento l, rígida e de massa
desprezível, vinculadas a se moverem em sulcos perpendiculares,
conforme exercício 2 do módulo anterior. Escreva a hamiltoniana
deste sistema de duas partículas usando como coordenada generali-
zada o ângulo α que a haste forma com a horizontal. Despreze pos-
síveis atritos. Use as equações de Hamilton para obter as equações
canônicas de movimento do sistema.

3) Considere o pêndulo simples do exercício 3 do módulo anterior.


Escreva a hamiltoniana e as equações de Hamilton do sistema.

4) Seja a conta do exercício 5 do módulo anterior, cuja lagrangiana é


fornecida ali. Encontre sua hamiltoniana e as equações de Hamilton.

5) Considere a máquina de Atwood oscilante e sua lagrangiana for-


necida no exercício 6 do módulo anterior. Escreva sua hamiltoniana
e as equações de Hamilton do sistema.

Física | Mecânica Clássica 111


Módulo I
1) |v2| = |v1|cotθ

2) r = beλθ

3) 1) aT = g(1 - (v0 / v)2)½


2) aN = g x v0 /v
3) ρ = v3/ gv0

4) 1) wh/cos2θ
2) wh x tanθ/cosθ
3) 2w2 h x sinθ/(cosθ)3
4) w2h x (1 + sinθ2) / (cosθ)3

5) vB = v02t / ((H - h)2 + v02 t2)½ e ∆t = 3H2 - 2Hh / v0

6) vA = 3/2 x vC
vB = 2 x vC
vD = 5/4 x vC

7) Demonstração

8) vC = wr

9) 1) vC = wr
2) = vC/R-r = wr/R-r

10) vC = vR/R-r

11) wDG = 7rot/dia e cosφ = 2 7/7

12) 1) wb
2) v2 + w2b2
3) Zero
4) b w4 + α2
5) 2wv
6) w4b2 + α2b2 + 4w2v2 + 4wbαv

112 Mecânica Clássica | Física


13) 1) -3/4 x gT(x̂ + 1/2 x ŷ)
2) V = (v - 3/4 x gT) x̂ - 3/8 x gT ŷ
3) Atr = -(3/4 x g + 9/32 x g2T2/R) x̂ - 3/8 x gŷ
4) aCor = 2w x v = -3/2 x gTv/R x ŷ

Aabs = Atr + aCor

Módulo II

1) Arc tanA/g

2) O do centro.

3) ‖N‖ = m[g+v2 ⁄ (R+h)]

4) F = - mα2λ2 / y3 x ŷ

5) Demonstrar

6) 1) mẍ + λẋ = 0
mÿ + λẏ = -mg

2) τ = m/λ x ln(1 + λv0senθ⁄mg)

7) 1) x = Acoswt, sendo w2 = k/m e a data inicial, t = 0, tal que x
(0) = A e ẋ(0) = 0;
3) v ≡ ẋ = -wAsenwt

8) 2) τ = 2π m⁄k

9) ‖A‖ = 5,5m⁄s2

10) O movimento é periódico, com τ = 2π m⁄k.

11) Não, a pedra ao cair não segue rigorosamente a vertical do lu-


gar: à proporção que cai vai se desviando para o leste.

Física | Mecânica Clássica 113


12) O ângulo que o fio forma com a vertical do lugar (e não do va-
gão!) é o mesmo que a rampa forma com a horizontal.

Módulo III

1) L = ½ m(ẋ2 + ẏ2+ ż2) - V( (x2 + y2 + z2))
L = ½ m(ṙ2 + r2 2 + r2φ2sen2θ) - V(r)
O sistema esférico simplifica a forma das equações de movimento
e possui uma coordenada cíclica.

2) L = ½ ml2α2 - mglsenα ; α + g/l cosα = 0

3) L = ½ ml2 2 + mglcosθ ; θ + g/l senθ = 0, tomando o ponto mais


baixo como origem.

(m1 + m2) 2 2 m2 2 2
4) L = l 1θ1 + l θ + m2l1l2θ1θ2cos(θ1- θ2)
2 2 2 2
+ (m1 + m2)gl1cosθ1 + m2gl2cosθ2

(m1 + m2) l 21 θ1 + m2l1l2θ2cos(θ1- θ2) + m2l1l2θ 22 sen(θ1- θ2)


+ (m1 + m2)gl1senθ1 = 0

m2l 22 θ2 + m2l1l2θ1cos(θ1- θ2) - m2l1l2θ 21 sen(θ1- θ2)


+ m2gl2senθ2 = 0

Módulo IV
1 p2 p2
1) H = prṙ + pθθ + pφφ - L = 2m p 2r + r2 + r2sen2θ + V (r)
θ φ

p p p
ṙ = - ∂H = mr , θ = ∂H = θ2 , φ = ∂H = 2 φ 2
∂pr ∂pθ mr ∂pφ mr sen θ
p2 pφ2 dV , ṗ = - ∂H = pφ cotgθ , ṗ = - ∂H = 0
2
ṗr = - ∂H = θ3 + 2 -
∂pr rm mr sen θ dr
3 θ
∂θ mr2sen2θ φ
∂φ

p2
2) H = pαα - L = 2ml2 + mglsenα
α


α=
ml2
ṗα = -mglcosα

114 Mecânica Clássica | Física


p2
3) H = 2mlθ 2 - mglcosθ

θ=
ml2
ṗθ = -mglsenθ

p2
4) H = prṙ - L = 2mr - 12 mw2r2 + mgrsenwt
pr
ṙ=
m
ṗr = mw2r - mgsenwt

p2 p2
5) H = 2 (m +r M) + 2mrθ 2 + gr(M - mcosθ)
pr
ṙ=
(m + M)
p2
ṗr = θ3 - g(M - mcosθ)
mr
p
θ = θ2
mr
ṗθ = - mgrsenθ

Física | Mecânica Clássica 115


116 Mecânica Clássica | Física
Sistema de Coordenadas
Apesar de a Mecânica de Newton ser uma teoria vetorial e os
vetores serem de natureza matemática bastante adequados para
descrever muitas grandezas e teorias na Física, não apenas na Me-
cânica Clássica, no momento conclusivo de realizar cálculos te-
mos que, invariavelmente, “projetar” os vetores em algum sistema
de coordenadas adequado. Neste apêndice faremos uma análise de
como se expressam as principais grandezas cinemáticas nos mais
usuais sistemas de coordenadas, que são os sistemas cartesianos,
polares, cilíndricos e esféricos. Vamos também estudar como se
“traduzem” os vetores de um sistema de coordenadas cartesianas
para outro daqueles sistemas citados acima.

Física | Mecânica Clássica 117


1. Coordenadas Cartesianas

Na figura 1 está representado um sistema de eixos cartesianos, ligado


a algum referencial, e o vetor posição de uma partícula representada
pelo ponto P que se move em relação a tal referencial. O vetor posi-
ção r = P – O tem a seguinte representação neste sistema cartesiano:

z p

0
y

Figura 1

r = xx̂ + yŷ + zẑ
Eq.A1

Aqui as funções escalares x = x(t), y = y(t) e z = z(t) são as coor-


denadas cartesianas do ponto P e os vetores constantes x̂ , ŷ e ẑ são
os unitários segundo os eixos Ox, Oy e Oz, respectivamente.
Os vetores velocidade v e aceleração a, são definidos em relação ao
vetor r como v = ṙ e a = r̈ respectivamente, e se escrevem então como

v = ẋx̂ + ẏŷ + żẑ
a = ẍx̂ + ÿŷ+ z̈ ẑ
Eq.A2
Eq.A3

Ou seja, as componentes vx, vy, vz, ax, ay e az, dos vetores v e a , são
respectivamente vx = ẋ, vy = ẏ, vz = ż, ax = ẍ, ay = ÿ , az = z̈ .

118 Mecânica Clássica | Física


2. Coordenadas Polares
Na figura abaixo está representada pelo ponto P uma partícula que
se move sobre a curva plana γ e um sistema de eixos cartesianos Oxy
por hipótese ligado ao referencial de onde se observa o movimento da
partícula. Se representam também o vetor posição r = P – O, os unitá-
rios x̂ e ŷ segundo os eixos Ox e Oy, o ângulo θ entre o vetor r e o eixo
Ox e os unitários r̂ e do sistema de coordenadas polares ali definido:

y
P

ŷ
θ
0 x x

Figura 2

Nota-se da figura que o vetor posição, em coordenadas polares, é

r = rr̂
Eq.A4

Sua derivada temporal irá nos fornecer naturalmente o vetor


velocidade

v = ṙ = ṙr̂ + r

Precisamos expressar o vetor em termos dos unitários polares r̂


e θ. Usando primeiramente a regra da cadeia temos:

dr̂ /dt = x ∂r̂ /∂θ

Vamos investigar quem é o vetor ∂r̂ /∂θ. Para isso vamos escrever
os unitários polares na base cartesiana:

Física | Mecânica Clássica 119


Eq.A5
Eq.A6

Então podemos escrever finalmente o vetor velocidade:

v = ṙr̂ + r
Eq.A7

O vetor aceleração segue a mesma receita e pode ser calculado como

a = v̇ = r̈ r̂ + ṙr̂ + (ṙ + rθ) + r

Fazendo uso da regra da cadeia e das relações das derivadas dos


vetores unitários acima chega-se facilmente à forma do vetor acele-
ração em coordenadas polares:

a = (r̈ - r 2) r̂ + (2ṙ + rθ)


Eq.A8

Ou seja, o vetor velocidade em coordenadas polares possui com-


ponentes radiais e tangenciais dadas por

vr = ṙ
vθ = r
Eq.A9

E o vetor aceleração em coordenadas polares possui, por sua vez,


componentes radiais e tangenciais dadas por

ar = r̈ - r 2
aθ = 2ṙ + rθ
Eq.A10

120 Mecânica Clássica | Física


3. Coordenadas Cilíndricas
A figura abaixo nos auxiliará a definir as coordenadas cilíndricas:

z
z
ρ φ
P ρ
z

x φ
Figura 3

Repare que as coordenadas cilíndricas (ρ, φ, z) podem muito bem


ser vistas como uma extensão das coordenadas polares do plano, que
é onde aquelas são definidas, para o espaço tridimensional. Você pode
imaginar que cada ponto no plano (x,y) com coordenadas “polares” ρ
e φ ganha uma terceira dimensão ao ser tabulado com a coordenada
z. De fato, para definir os vetores posição, velocidade e aceleração
podemos tomar emprestadas suas representações em coordenadas po-
lares e adicionar um componente “z” . Poderemos então, tomando em
conta que apenas se trocam as letras r por ρ, θ por φ, fazer as seguintes
associações (escrevendo os vetores no formato de matrizes colunas):

Polares Cilíndricas

ρ
r
r= r= r
0
z

ρ

v= v = ρφ

ż

ρ - ρφ2
r - rθ2
a= a = 2ρφ + ρφ
2ṙθ + rθ
z

Física | Mecânica Clássica 121


Então os vetores em coordenadas polares apenas ganham uma
terceira dimensão z e, PLUFT!, estamos em coordenadas cilíndricas!
Realmente, basta seguir uma trajetória análoga àquela adotada para
encontrar os vetores velocidade e aceleração em coordenadas pola-
res, quer dizer, derivar em relação ao tempo o vetor posição

r = ρρ + zẑ
Eq.A11

Usando regra da cadeia e derivando expressões para as derivadas


dos unitários análogas às Eq.A5 e Eq.A6, e derivando mais outravez
para encontrar o vetor aceleração para constatar que:

v = ρρ + ρφφ + zẑ
Eq.A12

a = (ρ - ρφ2) ρ + (2ρφ+ ρφ) φ + z̈ ẑ

Eq.A13

122 Mecânica Clássica | Física


4. Coordenadas Esféricas
x3
er

r eθ
θ
x2
ø

Figura 4

Enquanto as coordenadas cilíndricas se mostram particularmente


adequadas a problemas que envolvem simetrias em torno de um eixo,
as coordenadas esféricas são bastante adequadas para os problemas que
possuem simetria em torno de um ponto, ou centro. Nesta categoria es-
tão problemas muito importantes e fundamentais em Física, como os
movimentos dos corpos celestes e o movimento do elétron no átomo.
Entretanto, a semelhança encontrada entre os sistemas cilíndri-
cos e polares não sobrevive aqui. Vejamos como ficam os vetores
tendo por base a figura acima. Temos em primeiro lugar a coorde-
nada radial r, que liga o centro tridimensional ao ponto em questão,
depois a coordenada chamada azimutal representada pelo ângulo φ
e por fim a coordenada zenital, do ângulo θ.
Podemos escrever primeiramente o vetor posição do ponto P
mostrado na figura, obviamente dado por

r = rr̂
Eq.A14

A fim de encontrar a derivada temporal deste vetor teremos, como


nos casos anteriores, que usar a regra da cadeia e também conhecer
algumas derivadas dos vetores unitários r̂ , θ e φ. Vamos então, pri-
meiramente, escrever os unitários esféricos em termos da base carte-
siana. Temos a “definição” destes vetores:

Física | Mecânica Clássica 123


r = (r.x)x + (r.y)y + (r.z)z
θ = (θ.x)x + (θ.y)y + (θ.z)z
φ = (φ.x)x + (φ.y)y + (φ.z)z

Com um pouco de análise da figura 4 obtemos os valores:


r̂ .x̂ = sinθcosφ ; r̂ .ŷ = sinθsinφ ; r̂ .ẑ = cosθ;
θ.x̂ = cosθcosφ ; θ.ŷ = cosθsinφ ; θ.ẑ = -sinθ;
φ.x̂ = -sinφ ; φ.ŷ = cosφ ; φ.ẑ = 0

Podemos então escrever:

∂r ∂r
r = sinθcosφx + sinθsinφy + cosθz ∂θ = θ ; ∂φ = sinθφ
∂θ = -r ; ∂θ
θ = cosθcosφx + cosθsinφy - sinθz ∂θ ∂φ = sinθφ
φ = -sinφx + cosφy ∂φ ∂φ
∂θ = 0 ; ∂φ = -sinθr - cosθθ

Eq.A15

Interessante constatar destas relações que os vetores unitários


da base esférica não possuem qualquer dependência com a coorde-
nada r, o que pode também ser constatado por uma análise geomé-
trica, a partir da própria figura4.
Calculando as derivadas temporais do vetor posição e depois do
vetor velocidade, usando a regra da cadeia e as relações 15 obtemos,
após um pequeno trabalho os vetores

v = ṙr̂ + r + rφsinθφ
Eq.A16

a = (r̈ - r 2 - rφ2sen2θ) r̂ + (2ṙ + rθ - - rφ2sinθcosθ)


+ (rφsinθ + 2ṙφsinθ + 2r φcosθ)φ
Eq.A17

124 Mecânica Clássica | Física


Escrevendo separadamente as componentes, os vetores veloci-
dade e aceleração são escritos em coordenadas esféricas com

vr = r ̇
vθ = r
vφ = rφsin
Eq.A18

ar = r̈ - r 2 - rφ2sen2θ
aθ= 2ṙ + rθ -- rφ2sinθcosθ
aφ = rφsinθ + 2ṙφsinθ + 2r φcosθ
Eq.A19

Física | Mecânica Clássica 125


126 Mecânica Clássica | Física
Relações entre
Campos Vetoriais
Quando o teorema discriminador nos informa que as velocidades
dos pontos de um sólido, em sua condição mais geral, constituem
um campo motorial, podemos imediatamente escrever que

vA = vB + g × (A - B)
eq.12

Quer dizer, o máximo que podemos afirmar é que há uma rela-


ção como a 12, com uma coordenada livre sem relação imediata

Física | Mecânica Clássica 127


com a velocidade de rotação w. Por outro lado, sabemos que,
no caso particular de rotação pura, g se reduz realmente a w. O
que nos levaria então a identificar a coordenada livre presente na
eq.12 com o vetor velocidade de rotação, como na eq.11? Um ar-
gumento possível seria o seguinte: considere dois pontos, A e B
de um sólido que em determinado instante se encontra em movi-
mento. De acordo com a eq.12 temos que

vA = vB + g × (A - B) ⇒ vA - vB = g × (A - B)
eq.a

Suponha agora o movimento deste corpo sendo visto por um ob-


servador em um referencial que se move, no mesmo instante, com
velocidade igual a vB em relação ao referencial inicial. Vamos usar
com ‘ para especificar as grandezas neste novo referencial. Então,
como vB' = 0 , o movimento do sólido é de rotação pura, pois existe
um ponto fixo (é fácil mostrar, na Cinemática do Sólido, que se em
um determinado instante existe um ponto fixo, no movimento do
sólido, então existirá um eixo instantâneo de rotação, e o movi-
mento, naquele instante, é de rotação pura em torno deste eixo). E
então sabemos que a eq.10 nos permite escrever

v A' = v B' + w × (A - B) ⇒ vA' - vB' = w × (A - B)


eq.b

Comparando as equações a e b podemos ver que seus membros


esquerdos são iguais, pois são velocidades relativas, que são as
mesmas em ambos os referenciais e, portanto, g = w. q.e.d.

128 Mecânica Clássica | Física


Referências
São muitas e variadas as fontes de estudo existentes a respeito da
Mecânica Clássica. Seria uma temeridade tentar montar uma lista
das melhores ou mais adequadas para tal estudo. Vamos nos ater
aqui a citar apenas duas referências excelentes para o estudante
que pretenda fazer uma leitura mais detalhada e aprofundada do
tema, por duas e boas razões: primeiro, são de autores nacionais,
professores experientes e dedicados ao ensino da Mecânica por
décadas a fio, e nas melhores Universidades brasileiras. Segundo:
foram as principais fontes de inspiração, consulta e referência ao
construir este texto. Fomos, inclusive, buscar ali boa parte do ma-
terial de exemplos e exercícios utilizados aqui. Estas duas grandes
obras são o livro do Prof. (falecido) da UFRJ, L. P. M. Maia, Me-
cânica Vetorial,editado pela Editora da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 1984, e o livro do Prof. Nivaldo A. Lemos, da UFF,
Mecânica Analítica, editado pela Editora Livraria da Física, 2004.
As referências neles contidas são, nos parece, suficientes para os
propósitos de um Curso de Graduação em Física.

Física | Mecânica Clássica 129


130
Marcos Tadeu D’Azeredo Orlando

Possui graduação em Física pela Universidade de São


Paulo (1989), mestrado em Física pela Universidade
de São Paulo (1991), doutorado em Física pelo Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas (1999), pós-doutorado
em Física com ênfase em Teoria de Campos realizado
no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (2006). Re-
alizou um segundo pós-doutorado na área de difra-
ção de nêutrons sob pressões hidrostáticas externas
(2008). É professor concursado do quadro permanente
desde 1993 da Universidade Federal do Espírito Santo.

Marco Antônio dos Santos

Possui graduação em Física pela Universidade Fed-


eral do Rio de Janeiro (1979) , mestrado em Física
pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (1987) ,
doutorado em Física pelo Centro Brasileiro de Pes-
quisas Físicas (2001) e pós-doutorado pelo Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas (2002) . Atualmente
é Revisor da American Mathematical Society e
Professor Associado III da Universidade Federal do
Espírito Santo. Tem experiência na área de Física
, com ênfase em Física das Partículas Elementares
e Campos. Atuando principalmente nos seguintes
temas: teoria quântica de campos, teorias de gauge,
formulação canônica, modelos multidimensionais.

Física | Mecânica Clássica 131


www.neaad.ufes.br
132 Mecânica Clássica | Física (27) 4009 2208

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