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Introdução à Revolução Industrial

André de Faria Silva


Graduando em História pela UERJ

Cidade inglesa de Manchester no século XIX

Uma sucessão de invenções surgidas na Inglaterra ao longo do século XVIII revolucionou as


indústrias têxteis, de metais e de transportes. Tal processo alterou profundamente as condições de
produção material e as bases sociais e econômicas da Inglaterra e em seguida dos demais países da
Europa, ficando conhecido pelos historiados como Revolução Industrial.
A primeira invenção que transformou profundamente a situação dos trabalhadores ingleses
foi a Spinning Jenny, construída em 1764 pelo tecelão James Hargreaves no Lancashire, que em
contraste à tradicional roda de fiar manual de fuso único, possuía inicialmente oito fusos,
aumentando muito a produtividade da fiação. A ascendente demanda do mercado de tecidos subiu
ainda mais devido a redução dos valores e dos custos de produção, assim como subiu a demanda
por tecelões, levando cada vez mais ingleses a dedicarem-se inteiramente à tecelagem, em
detrimento de outras atividades no campo. Já entre 1750 e 1769, a exportação britânica de tecidos
de algodão aumentara mais de dez vezes.

Spinning Jenny – Máquina de fiar criada por James Hargreaves em 1764. Nota-se que nesta imagem mais
fusos já haviam sido adicionados à máquina além dos oito originais.

Em 1769, Richard Arkwright patenteou a máquina de fiação Spinning Throstle no


Lancashire, desenvolvida com base em princípios inteiramente distintos para ser acionada por força
hidráulica, sendo, posteriormente, acionada por vapor. A introdução da força motriz mecânica na
indústria inglesa levou à redução gradativa do sistema de oficinas de manufatura tradicionais na
medida em que uma única unidade de potência, hidráulica ou a vapor, era capaz de acionar muitas
máquinas simultaneamente. Em 1784 Edmund Cartwright construiu um tear mecânico que já em
1804, após várias melhorias, estava em condições de competir com sucesso contra os teares
manuais.
Máquinas de Tecelagem acionadas por força motriz mecânica, no alto da imagem.

Ainda em 1782, James Watt construiu o motor rotativo a vapor, que funcionava com carvão
mineral como combustível, definitivamente impulsionando a expansão industrial inglesa já que
motor a vapor logo foi adaptado para acionar as máquinas de fiação e de tecelagem, revolucionando
toda a indústria têxtil. A partir da construção da máquina a vapor as grandes minas de carvão e de
ferro da Inglaterra tornaram-se fundamentais para a industrialização, levando ao desenvolvimento
simultâneo da mineração do carvão, do ferro a das indústrias de metalurgia.
Durante o início da era industrial, porém, a transição da manufatura para a produção fabril
foi em grande medida efetuada por comerciantes e negociantes que já agiam diretamente no
mercado de tecidos, tanto na área comercial quanto da produção, através de empréstimos e capitais
reduzidos. Frequentemente, iniciavam por financiar e sistematizar o trabalho dos artífices,
estabelecendo, em seguida, fábricas maiores para produzirem em maior escala. Aqueles que
controlavam a maior parte do capital inglês no século XVIII – proprietários de terras, grandes
negociantes, financistas – não estavam dispostos a investir capitais na construção de fábricas
durante o início da era industrial, que neste período consistiam basicamente em fábricas têxteis.

Fábrica do período inicial da Revolução Industrial. Nota-se já a introdução de máquinas de fiar que ainda
funcionavam com força motriz manual, e a fiscalização da produção pelo proprietário da fábrica e das
máquinas.
Os trabalhadores

A expansão industrial dependia, entretanto, da mobilização de trabalhadores para as fábricas.


Dependia não apenas de uma redução da população empregada no campo, mas igualmente de uma
revolução da produtividade nesta mesma área, representada pela produção de cereais e de animais
para consumo de uma população de trabalhadores cada vez menos vinculada a produção direta de
gêneros para sua subsistência. Tal processo já estava em curso na Inglaterra desde o século XVII
com os Decretos das Cercas (Enclosure Acts), a partir do qual os proprietários passaram a cercar
suas propriedades, principalmente para a criação de ovelhas para produção de lã, expulsando os
camponeses de suas terras. A progressiva concentração das terras no campo sob o poder de uma
classe restrita de grandes proprietários levou ao estabelecimento de relações estritamente comerciais
em relação a terra, elevando a produtividade a partir de técnicas de produção em larga escala e da
eliminação gradativa da produção comunal e de subsistência praticada por grande parte dos
camponeses ingleses. Como consequência, no século XVIII, a agricultura já estava
predominantemente direcionada para o mercado na Inglaterra.

Por outro lado, a ampliação da demanda tanto do mercado externo quanto interno de tecidos
levou à elevação da demanda por profissionais da tecelagem e da fiação, que cada vez mais eram
expulsos ou deixavam o campo e passavam a se empregar exclusivamente na indústria.
Paralelamente, muitos trabalhadores e profissionais qualificados, comerciantes e empresários foram
arruinados pela industrialização e atirados às fileiras do proletariado, sendo rapidamente superados
em produtividade e custo pelas máquinas. A concentração destas classes que buscavam seu sustento
e de suas famílias nas indústrias levou à formação do proletariado industrial e de grandes
concentrações de trabalhadores nas cidades.

Para muitos profissionais qualificados, a qualidade de vida e de trabalho sofreu grande declínio
após a Revolução Industrial.
A Revolução Industrial teve, porém, consequências dramáticas para todos os trabalhadores.
Os operários nas fábricas, os mineiros nas minas de carvão, os artífices nas suas oficinas e os
camponeses na terra, tiveram que se ajustar a um modo de produção inteiramente distinto da sua
tradição. A partir do estabelecimento das fábricas e das máquinas, o operário passara a ser
submetido à rígida disciplina fabril e a jornadas de trabalho extremamente longas. Os operários das
primeiras fábricas ficavam em inteira dependência dos patrões que geralmente se interessavam
pouco pelas condições de trabalho e submetiam os trabalhadores a constantes ameaças de demissão
e de penas.

Casas e cortiços dos bairros operários de Londres.

Os salários, geralmente muito baixos, foram progressivamente sendo reduzidos de vários


modos, principalmente durante os períodos de crise. De todos os custos de produção os mais
comprimíveis eram os salários que eram reduzidos arbitrariamente ou controlados pela substituição
de operários possibilitada pela enorme concorrência que existia entre aqueles empregados e
desempregados no mercado urbano a disposição das indústrias. O salário da maioria dos operários,
e até de famílias inteiras, era insuficiente para pagar a renda da casa ou garantir a subsistência
mínima da família. Os operários moravam em espaços de dimensão mínima em construções
húmidas e superlotadas. Na era das máquinas e do vapor, as mulheres e as crianças foram
empregadas em maior escala, principalmente nas indústrias de tecidos, por serem passiveis de
receber salários inferiores aos homens.
Antes da Revolução Industrial

Antes da introdução das máquinas, a fiação e a tecelagem do algodão e da lã eram realizadas


na residência, na oficina própria do trabalhador ou em fábricas pertencentes a um proprietário
negociante com instrumentos de reduzida produtividade e custos de investimento. Frequentemente a
esposa e os filhos realizavam a fiação e o homem realizava a tecelagem, ou então o produto da
fiação era vendido. As famílias tecelãs e fiandeiras residiam em geral no campo, nas proximidades
das cidades, e a sua renda era capaz de assegurar sua subsistência, em um período em que a
produção era voltada principalmente para o mercado interno. O tecelão ainda era capaz de
economizar e arrendar um pequeno lote de terra para cultivar, de modo que ele próprio determinava
o tempo e a duração de seu trabalho conservando certo nível de liberdade.

Representações da produção doméstica anterior à Revolução Industrial.

A Revolução Industrial levou a exploração dos trabalhadores pelos proprietários ao extremo,


completando a transição dos trabalhadores para o proletariado, destituídos de qualquer propriedade
e possuidores apenas da sua própria força de trabalho. O estabelecimento das máquinas na indústria
inglesa, constantemente sofrendo melhorias, levou à superação do trabalho manual pelo trabalho
mecânico e o sucessivo deslocamento dos trabalhadores manuais de suas posições pelas máquinas.
Praticamente em toda parte, o trabalho manual foi substituído pela ação mecânica, quase todas as
operações passaram a se processar a base da força hidráulica ou do vapor, com mais melhorias
sendo introduzidas constantemente. As máquinas exigiam uma quantidade cada vez menor de
operários em relação à produção.
A reação dos trabalhadores

O Ludismo

A reação dos trabalhadores contra o processo de industrialização assumiu inicialmente a


forma de violência direcionada contra as próprias máquinas. Na Inglaterra, a primeira reação foi
representada pelo Ludismo, que surgiu entre 1811 e 1812 como uma rebelião dos fabricantes de
meias do condado de Nottingham. Eles reivindicavam o regresso aos métodos tradicionais de
produção e aos níveis anteriores de pagamento, utilizando o terror como principal reação. Sua ação
era tão organizada que pensava-se na época que um único líder estava por trás da organização dos
rebeldes, denominado por eles próprios como Ned Ludd. Os ludistas agiam em bandos de cerca de
cinquenta integrantes e desciam velozmente a uma aldeia após a outra para destruir as máquinas de
malhas, desaparecendo tão silenciosamente como tinham vindo, sem que as autoridades os
conseguissem prender.

Os “ludistas” destruidores de máquinas.

Em 1812 a rebelião ludista espalhou-se à região de lã de West Riding e às cidades


industriais de algodão do Lancashire e do Cheshire. No Yorkshire, os mais graves incidentes foram
o assalto noturno à fábrica da William Cartwright, em Liversedge, e o assassinato do industrial
William Horsfall, quando regressava para casa do mercado de Huddersfield. O Parlamento
determinou que aos magistrados locais fossem enviados reforços que lhes permitissem lutar contra
os destruidores de máquinas e, em Janeiro de 1813, foram enforcados 17 indivíduos em York. Estas
medidas ajudaram a restaurar a ordem, embora houvesse mais revoltas e destruição de máquinas em
1816. Essa forma de oposição, porém, era isolada e limitada localmente. Logo o poder repressivo
do Estado controlado pelos proprietários caía violentamente sobre os responsáveis, enquanto as
máquinas continuavam a ser introduzidas.
Sindicatos e associações

A fim de melhorar a sua situação, os operários tomavam frequentemente eles próprios a


iniciativa, principalmente através da formação de associações e de sindicatos de operários que
agiam através da política e até mesmo da violência. As associações de socorro mútuo surgiram
dirigidas pelos próprios operários, cujos membros pagavam uma subscrição semanal e recebiam em
troca auxílio durante períodos críticos. Por vezes, quando certas organizações operárias eram
banidas, as associações de socorro mútuo podiam servir de fachada às atividades secretas dos
sindicatos. Em 1803, já havia 9.600 associações britânicas, com mais de 700.000 membros. Durante
o processo de industrialização, um único operário ou mineiro individualmente não estava em
posição de discutir com o proprietário acerca do seu salário ou de horas de trabalho devido a
enorme competição de desempregados á disposição das indústrias no mercado e dos métodos de
opressão dentro e fora da fábrica. O poder de negociação dos operários seria potencializado apenas
através da união de todos os trabalhadores de uma fábrica ou de uma região.

Representação da união dos trabalhadores

Os patrões opunham-se firmemente contra os sindicatos e eram suficientemente fortes para


bani-los através da lei. As tentativas de formação de sindicatos entre a classe dos operários
alarmaram tanto os patrões quanto o Parlamento. Na Inglaterra, os sindicatos foram banidos pelos
decretos de 1799 e 1800 que permaneceram em vigor até sua derrubada em 1824. A liberdade de
formação de sindicatos, porém, gerou tamanha agitação industrial que logo em 1825 um decreto
fora publicado impondo uma série de limitações, principalmente em relação à organização de
greves. A partir de 1824, porém, os sindicatos se expandiram por toda a Inglaterra e por vários
ramos da indústria e da mineração se formaram organizações com a finalidade declarada de
negociar em massa e de defender os trabalhadores contra a tirania e arbítrio dos proprietários. A
história dessas associações, porém, consistiu em uma longa série de insucessos políticos, marcada
por algumas escassas conquistas. Em Abril de 1831 a união de mineiros de carvão de Durham e
Northumberland convocou 156 greves em reação às medidas dos senhores do carvão de reduzir os
salários na renovação dos contratos anuais dos mineiros. Após sete semanas, os proprietários
cederam dando aumento de salário e reduzindo a jornada de trabalho. Mas quando os mineiros
fizeram outra série de greve no ano seguinte, os proprietários estavam preparados e substituíram os
grevistas por trabalhadores vindos de outras áreas. Os grevistas recorreram à violência e muitos
foram punidos nos tribunais.
Cartismo

Em 1836 fora fundada por William Lovett a Associação dos Trabalhadores de Londres que,
em 1838, preparou um projeto de proposta a submeter ao Parlamento, o qual foi publicado como
“Carta do Povo”. Continha seis demandas das quais: sufrágio universal para os homens adultos,
eleições anuais para o Parlamento, eleições por votação secreta, fim da qualificação de propriedade
para eleição ao Parlamento e a instituição de um pagamento regular aos membros da Câmara pelo
exercício de suas funções, para que os deputados que fossem eleitos dentre os trabalhadores
pudessem exercer o seu cargo e fossem remunerados. A Carta refletia a demanda dos trabalhadores
pela chance real de candidatura e eleição de membros de suas fileiras à Câmara dos Comuns.
Esperava-se que a formação de um partido operário no Parlamento levasse a reformas para a
população. A partir da publicação da Carta, o movimento se expandiu da capital para os distritos
industriais recebendo o apoio de grande parte dos operários fabris. Realizaram-se grandes reuniões
públicas pelo país para eleger representantes a uma convenção cartista que se reuniu em Londres
1839 para preparar uma petição que acompanhasse a Carta quando esta fosse submetida ao
Parlamento. Em Julho, porém, a Câmara dos Comuns rejeitou a Carta e vários dos chefes cartistas
foram presos. Em Novembro, John Frost, um dos membros da convenção, conduziu um bando de
manifestantes armados a Newport para protestarem, sendo depressa reprimidos pelas autoridades.

Rebelião cartista.

A partir de 1840 o cartismo se dividiu em várias facções, porém, ainda fora organizada uma
segunda convenção realizada em Londres em 1842 com uma segunda petição apresentada ao
Parlamento sem sucesso e em 1848, com a Europa a arder em revoluções, os cartistas planejaram
uma manifestação em Kennington Common, Londres, para a apresentação de uma terceira petição,
igualmente rejeitada pela Câmara.

Fotografia da grande reunião cartista de Londres em 1848.


Desenvolvimento posterior

Quando a Câmara dos Comuns rejeitou a Carta pela segunda vez, em 1842, era evidente que
os trabalhadores pouco haviam conseguido com a ação política e com o Parlamento, e verificou-se
uma intensificação da atividade direta dos sindicatos. Em 1844, Friedrich Engels que escreveu
sobre a situação dos trabalhadores ingleses, identificara que não eram incomuns as tentativas de
incendiar ou explodir fábricas. O caso mais notório foi o dos thugs de Glasgow, processados em
Janeiro de 1838. O processo descobriu que a associação dos tecelões de algodão existia desde 1816
e era excepcionalmente organizada. Os associados vinculavam-se sob juramento às decisões da
maioria e durante cada greve operava um comitê secreto (desconhecido da maioria dos associados).
Esse comitê colocava a prêmio o assassinato dos furadores de greve e dos industriais
particularmente odiados, além de fixar prêmios por incêndios a fábricas.
Em 1842 seguiram-se os levantamentos conhecidos como Plug Plot no Lancashire e no
Cheshire. Neste período o negócio do algodão atravessava uma severa crise e muitos operários
estavam desempregados ou ameaçados com reduções de salário. A partir de Julho de 1842 as minas
de carvão tentaram reduzir os salários gerando várias greves e levando uma multidão a marchar de
fábrica em fábrica convocando os operários para a greve. Em Manchester, uma grande multidão
reunida fechou várias fábricas. A desordem e violência ascendente permaneceram até sua repressão
por 2.500 agentes especiais, quando a polícia e as autoridades militares conseguiram restabelecer a
ordem. Os grevistas, porém, haviam feito parar fábricas em várias cidades e a agitação se espalhou
para o sul e para norte atingindo várias cidades algodoeiras do Lancashire. Desde então, com
poucas exceções, não mais se ouviu falar de redução de salários nestas regiões, e nesse aspecto as
revoltas atingiram o seu objetivo.

Conclusão

Quanto mais o sistema fabril se estabelecia sobre um ramo de trabalho, tanto mais
ativamente os operários se organizavam em associações e sindicatos, e quanto mais agudo se
tornava o contraste entre operários e capitalistas, tanto mais desenvolvida e aguçada se tornava a
consciência proletária no operário. Em 1844, Engels notava que, em geral, quase todos os operários
da indústria estavam direcionados para alguma forma de resistência e eram conscientes enquanto
trabalhadores (working men), título utilizado usualmente nas reuniões cartistas; que constituíam
uma classe específica, com princípios e concepções próprias, em contraste a todos os proprietários.

Bibliografia

ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. SãoPaulo: Boitempo, 2008.


HENDERSON, W. O. A Revolução Industrial. Lisboa: Editorial Verbo. 1979.
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções, 1789-1848. São Paulo. Editora Paz e Terra. 2010.

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