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Revista Brasileira de

ISSN 1517-5545 Terapia Comportamental


2004, Vol. VI, nº 1, 017-030 e Cognitiva

Direcionamentos para a Condução do Processo Terapêutico


Comportamental com Crianças.
Directions on Behavioral Therapeutic Process with Children.
1
Cynthia Borges de Moura
Marlene Bortholazzi Venturelli
Universidade Estadual de Londrina.

Resumo

Este trabalho tem como objetivo sistematizar informações disponíveis na literatura sobre
organização e condução do processo psicoterapêutico de crianças, segundo os pressupostos da
Análise do Comportamento. O trabalho apresenta uma conceituação de processo psicoterápico,
incluindo etapas e organização das tarefas. Discutem-se também as características da terapia da
criança que requerem organização e sistematização diferenciada. Finalmente, apresenta-se uma
proposta de sistematização seqüencial de diretrizes para condução do processo psicoterapêutico
comportamental com crianças. A proposta é apresentada sumariamente de forma diagramática
seguida de uma descrição passo-a-passo da condução do processo, incluindo desde o primeiro
contato com a criança, até os procedimentos para o desligamento da terapia. Espera-se que o
modelo proposto auxilie na compreensão do processo de condução e tomada de decisão em
psicoterapia infantil.

Palavras-Chave: psicoterapia infantil; processo terapêutico; intervenção com crianças.

Abstract

The target of this work is to systematize available information on literature about organization and
conduction of therapeutic process with children, according to the Behavior Analysis
presuppositions. The work presents a definition of psychotherapy process, including phases and
organization of tasks. It also discusses the child-therapy characteristics that require different
organization and systematization. Finally, a suggestion is presented on the sequential
systematization of directions to the conduction of behavioral psychotherapy process with
children. The proposal is to briefly present a diagrammatic configuration after a step-by-step
description of the process' conduction, including, from the first contact with the child, to the
procedures to the disconnection of the therapy. The expectation is that the suggested model aids in
the comprehension of conduction process and for the decision's choice in Child Psychotherapy.

Key-Words: child psychotherapy; therapeutic process; child intervention.

1
Cynthia Borges de Moura - Universidade Estadual de Londrina - Centro de Ciências Biológicas/Departamento de Psicologia Geral e
Análise do Comportamento - Campus Universitário - Caixa Postal 6001 - CEP 86.051-990 - Londrina-PR. - e-mail:
cbmoura@conectway.com.br

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Cynthia Borges de Moura - Marlene Bortholazzi Venturelli

Psicoterapia ainda tem muito de arte e mudanças comportamentais ao longo de sua


intuição. Embora se concorde sobre a aplicação, não são apenas às mudanças
necessidade de descrever precisamente o que provocadas no cliente que acreditamos que o
os terapeutas fazem e como o fazem, pouco se termo processo terapêutico se refira.
sabe sobre as variáveis importantes que No Novo Dicionário Aurélio da Língua
direcionam as decisões terapêuticas. O que Portuguesa (Ferreira, 1986), o termo processo é
leva um terapeuta a optar por uma direção ou definido como a ação de avançar, de ir para
outra dentro de um tratamento ainda é tópico frente; ato de proceder, curso, marcha;
de estudo e discussão. sucessão de estados ou de mudanças;
Compreender o que acontece quando uma seqüência de estados de um sistema que se
criança entra em terapia não é uma tarefa fácil. transforma. O mesmo termo é definido na
O que o terapeuta faz com uma criança dentro Enciclopédia Larousse Cultural (1998) como o
do contexto clínico? Como promove mudan- conjunto de atos por meio dos quais se realiza
ças? Há passos mais ou menos sistemáticos uma operação qualquer; seqüência contínua
para a condução do processo? Como opta por de fatos que apresentam certa unidade ou que
intervir dadas as carac-terísticas da criança? se reproduzem com certa regularidade,
Como lida com uma queixa que a criança pode andamento, desenvolvimento.
não reconhecer ou concordar? Refletir sobre o Essa idéia de seqüência de ações e sucessão de
processo clínico de tomada de decisão pode estados e mudanças também está presente na
trazer alguma luz às questões que se colocam compreensão do termo processo em
no dia-a-dia do terapeuta que trabalha com psicoterapia. Entender o processo que ocorre
crianças. ao longo de um tratamento psicológico
Este trabalho propõe uma sistematização provavelmente também significa entender as
seqüencial de etapas para condução do ações que se reproduzem com certa
processo psicoterapêutico comportamental regularidade, principalmente as ações do
com crianças. Espera-se que o modelo terapeuta frente à condução da intervenção
proposto auxilie na compreensão do processo com o objetivo de mudança ou melhora de seu
de condução e tomada de decisão em cliente.
psicoterapia infantil, trazendo contribuições Assim, no nosso entendimento, processo
importantes para a prática diária do terapeuta terapêutico pode ser compreendido como uma
que trabalha com crianças. seqüência lógica e organizada de proce-
dimentos psicológicos que produzem
1. “Processo” em Psicoterapia: Definição e mudanças comportamentais graduais no
Conceituação cliente, as quais ao longo do curso da terapia
vão se alterando e subsidiando a imple-
O termo processo apresenta difícil definição, mentação de novos procedimentos por parte
principalmente em psicologia e especialmente do terapeuta, sempre com vistas à meta final
em psicoterapia. Processo é definido por de melhora do cliente. Se quem organiza e
Millenson (1967) como “o que acontece no programa a aplicação de procedimentos clíni-
tempo com os aspectos significativos do cos é o terapeuta, então o processo terapêutico
comportamento a medida em que se aplica pode ser entendido a partir da descrição das
um procedimento” (p.56). A mesma definição ações do terapeuta frente às mudanças de seu
é apresentada mais recentemente por Catania cliente.
(1999). Ambos estão preocupados com a Neri (1987) define o termo de forma similar ao
definição de processo comportamental como afirmar que processo implica na tentativa pelo
algo que ocorre em função da aplicação de um terapeuta, de controle de variáveis que
procedimento experimental. Embora tais concei- favorecem, por um lado, a extinção de
tuações sejam bastante úteis em psicoterapia, respostas inapropriadas do indivíduo e, por
pois os procedimentos terapêu-ticos outro, a aquisição de outras que o levem a uma
geralmente assumem um caráter bastante atuação adequada em seu ambiente,
experimental e certamente produ-zem reduzindo ao mínimo sua exposição às
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conseqüências negativas, e aumentando ao Os passos iniciais do processo terapêutico


máximo a probabilidade de expor-se a infantil, para Conte e Regra (2000), incluem a
situações agradáveis. Essa autora deixa entrevista inicial com os pais ou família, o
implícito em sua definição que, ao longo do estabelecimento do contrato com os pais e a
processo, são as tentativas do terapeuta que criança e a entrevista inicial com a criança.
vão se ajustando ao cliente, conforme as Segundo Souza e Baptista (2001), o terapeuta
mudanças vão ocorrendo. deve, logo na primeira sessão, apresentar-se à
Sistematizar o processo terapêutico parece ser criança, explicar sobre sua profissão, buscar
importante para o sucesso da psicoterapia, entender qual a representação que ela tem da
pois possibilita ao terapeuta saber com maior terapia, deixar claro quem a contratou e qual a
grau de certeza, “como e quando avançar em queixa apresentada pelos pais ou responsá-
sua intervenção dadas as respostas obtidas”, e veis. Deve ainda esclarecer sobre o sigilo
assim otimizar sua eficácia terapêutica. Ao se profissional, expondo seus direitos quanto às
tratar do trabalho com crianças, a estruturação informações advindas das sessões com os
e sistematização de estratégias ao longo do pais, as quais serão fornecidas pelo terapeuta
processo ganha status especial, pois as imediatamente após tais encontros.
crianças requerem dos terapeutas habilidades Iniciada a terapia, o terapeuta terá como tarefa
diferenciadas de manejo e condução clínica, principal abordar a criança sobre o seu
tanto no que diz respeito a lidar com o relato problema e promover uma análise conjunta
metafórico dos problemas, quanto em relação das variáveis que o mantêm. Posteriormente,
ao uso de estratégias lúdicas para o treino realizará com a criança o levantamento de
indireto de novos comportamentos (Knell, alternativas comportamentais e treinará com
1998). ela novas soluções para o seu problema (Conte
e Regra, 2000). Souza e Baptista (2001)
2. Crianças em Psicoterapia: O que fazer e ressaltam a importância de se ter conhe-
porquê? cimento do nível de desenvolvimento
cognitivo da criança para que as estratégias
Como já dito, quando o cliente é uma criança empregadas sejam compatíveis. As mesmas
deve-se considerar que a condução do autoras destacam como estratégias tera-
processo exigirá do terapeuta, habilidades pêuticas com crianças o treino de solução de
específicas, as quais envolvem lidar com um problemas, a modelagem direta, a modelação
cliente cuja queixa pode não ter sido e a exposição imaginária e ao vivo. Estes e
autoformulada (Digiuseppe, Linscott e Jilton, outros procedimentos poderão ser introdu-
1996) e cuja compreensão do problema e do zidos isoladamente ou em conjunto, conforme
ambiente pode sofrer ampla variação, dada a sua adequação ao alcance dos objetivos
idade e características de seu desenvol- propostos.
vimento. Quanto à freqüência das sessões, Conte (1993)
Conte (1993), Conte e Regra (2000), e Souza e esclarece que geralmente as crianças são
Baptista (2001) apontam que as espe- atendidas uma vez por semana, em sessões de
cificidades da terapia infantil se iniciam já na 50 minutos. Porém, em casos que envolvem
avaliação diagnóstica. As autoras concordam problemas mais sérios ou situações de crise,
quanto à necessidade de variar as fontes e os elas podem iniciar o processo com freqüência
métodos de coleta informações quando se de duas vezes por semana. As sessões
trabalha com crianças, os quais devem eventualmente podem ser conjuntas. Os pais
abranger entrevista com os pais, observação podem ser atendidos em dupla com os filhos
da criança em casa e na escola, coleta de dados (ex: criança x mãe, pai x criança) para
nas sessões através de desenhos, redações, diagnóstico da interação ou mesmo para
inventários e, quando necessário, obtenção de ensino de novas habilidades de convivência
dados com outros profissionais que acom- (Eyberg e Boggs, 1998; Soares, Moura e
panham a criança (pediatra, fisio-terapeuta, Prebianchi, 2003).
fonoaudiólogo, etc). Kernberg e Chazan (1993), autoras não-
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comportamentais, sistematizaram um mo- fora de sessão; e 5) estudar, com a criança,


delo de atendimento que contribui expres- alternativas mais adaptativas de compor-
sivamente para a organização do processo tamento e treiná-las.
psicoterápico com crianças. Para as autoras, a A fase final do tratamento tem início quando
prioridade na fase inicial do trabalho com as melhoras já ocorreram e necessitam apenas
crianças, além de coletar todas as informações ser fortalecidas (Kernberg e Chazan, 1993). O
necessárias para a avaliação, é estabelecer um encerramento oportuniza o lidar com
clima de confiança para que a aliança sentimentos antagônicos: de um lado a
terapêutica seja fortalecida. Após a avaliação separação e perda e de outro a conquista e o
ser completada, a criança deve ser informada prazer pelo alcance dos objetivos. Além destes
sobre regras, limites, estrutura e processo da aspectos, as autoras ressaltam que na fase
terapia. Enfatizam que na fase inicial, a terapia final, as atividades lúdicas podem continuar
deve ser organizada de modo previsível, a de forma mais relaxada, tranqüila, e as
criança deve ser convidada a realizar uma intervenções verbais podem se tornar mais
parceria especial em torno da resolução de seu diretas. Uma revisão do tratamento, tanto com
problema, e o terapeuta deve tornar-se um os pais, como com a criança (Cornejo, 2003), é
modelo importante de conduta apropriada a importante para expor comparativamente as
ser seguida. mudanças e oferecer orientações para o
No modelo proposto por Kernberg e Chazan futuro, caso novas intervenções sejam
(1993) a fase intermediária se inicia quando a necessárias.
criança começa a responder de forma mais Propomos, a seguir, um diagrama que
ativa à intervenção do terapeuta, estando sistematiza o processo terapêutico infantil em
visivelmente empenhada nas ações que etapas. O objetivo é delinear as diretrizes
levarão à melhora. Nesta fase, o terapeuta irá gerais e apontar procedimentos que podem
trabalhar para que a criança se torne mais ser utilizados durante todo o transcorrer da
consciente de seu comportamento, psicoterapia, desde avaliação até o encer-
sentimentos e pensamentos, facilitando sua ramento. A ênfase está posta nos proce-
capacidade para brincar, expressar-se e dimentos intermediários, o que o terapeuta
resolver seus problemas. As autoras afirmam faz para trabalhar os problemas e produzir
que na fase intermediária, é comum que o foco melhoras comportamentais.
da terapia se concentre no cotidiano da criança
fora das sessões, e que os problemas e suas 3. Etapas para Condução do Processo Tera-
conseqüências sejam discutidos de forma pêutico com Crianças
direta para que as alternativas de mudança
possam ser implementadas. O diagrama a seguir foi elaborado a partir de
Os recursos lúdicos, presentes em todas as uma sistematização das informações
fases, ganham destaque especial na fase coletadas e da experiência de trabalho das
intermediária. Conte (1993) afirma que o uso autoras com crianças em psicoterapia. Os
destes recursos na terapia infantil tem como passos para a condução de cada etapa do
objetivos: 1) parear a terapia e o terapeuta com processo psicoterapêutico com crianças serão
atividades agradáveis, favorecendo uma descritos em detalhes e com exemplos e
generalização nesta direção; 2) explorar o sugestões de estratégias e procedimentos. A
comportamento de brincar e os brinquedos presente proposta não pretende ser exaustiva,
como forma de expressão indireta da criança nem conclusiva em si mesma. Ela foi
sobre suas relações com o mundo, suas elaborada como um “mapa” geral do processo
reações públicas e privadas; 3) avaliar a para atender às necessidades de terapeutas
relação terapeuta-criança e o curso do iniciantes. Também descreve procedimentos
processo terapêutico; 4) explicitar as situações gerais para a intervenção terapêutica com
antecedentes e conseqüências de suas crianças entre 7 e 12 anos, devido à inclusão de
respostas para ajudá-la a identificar a procedimentos que envolvem compreensão
ocorrência de comportamentos semelhantes verbal e participação ativa da criança no seu
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processo de mudança. O processo com discutidos por estarem fora do alcance deste
crianças pré-escolares e mesmo os proce- artigo.
dimentos de orientação aos pais não serão

Criança vem para sessão


após a valiação inicial com pais

Explique sobre o
FASE INICIAL

1 funcionamento da terapia

Criança concorda com a queixa dos


AVANCE
Defina com a criança o pais e/ou define sua própria queixa
2 problema a ser trabalhado
Criança discorda da queixa dos pais Exponha sua análise
e não define seus próprios objetivos do problema

Problema relacionado a
expressividade
SIM 3 Trabalhe identificação e expressão
emocional? de sentimentos e auto-exposição
FASE INTERMEDIÁRIA

NÃO
4
Inicie análise de conseqüências
Melhorou?
e levantamento de alternativas
comportamentais
RETORNE AO 3 NÃO

5 Criança consegue
Treine habilidades específicas Criança executa NÃO identificar o obstáculo
em sessão com sucesso ? que a impede?
SIM
SIM

6 Incentive a ocorrência do
novo comportamento fora da
Há melhora na
adaptação ao AVANCE REPITA O
sessão contexto?
TREINO
FASE IFINAL

NÃO Avalie necessidade de treino


7 Realize análise e refinamento adicional ou levantamento de
das tentativas de mudança novas alternativas

8
Fortaleça as mudanças INICIE PROCESSO
ocorridas DE ALTA

Etapa Inicial intervenção, informação sobre a necessidade


da participação de familiares ou professores,
Passo 1 - Explique à criança sobre o funciona- sobre a responsabilidade da criança no pro-
mento da terapia. cesso e também do terapeuta, e sobre o sigilo
Quando a criança vem para sua primeira profissional (Nemiroff e Annunziata, 1995;
sessão após avaliação inicial com os pais, o Cornejo,2003).
terapeuta deve começar explicando para ela a Feito isso, o terapeuta deve buscar conhecer
respeito do funcionamento da terapia. Estas melhor a criança, solicitando informações
explicações geralmente envolvem a apre- sobre as atividades que ela realiza e que gosta
sentação do terapeuta e do ambiente, escla- de fazer, ou brincando de “perguntas e res-
recimento dos objetivos (ou para que serve a postas” previamente preparadas em que
terapia), etapas do processo, exemplos de investiga também autopercepção (ex: “dê um
atividades que serão realizadas durante a apelido para você mesmo”), as relações
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afetivas com amigos (ex: “diga o nome do seu função do alto custo que o lidar com a criança
melhor amigo”), com familiares (ex: “quem é pode estar requerendo deles. Porém, embora
mais bravo em casa: o pai ou a mãe?”) e possa estar ocorrendo punição, os ganhos
percepção do problema (ex: “uma coisa que eu para a criança devem estar sendo maiores, e
mudaria em mim mesmo é...”). O terapeuta por isso a recusa em identificar o compor-
também deve responder às questões para dar tamento como problema, e principalmente em
modelo do estilo de auto-exposição desejado. concordar com a mudança.
É recomendável realizar um levantamento do Uma estratégia para lidar com este impasse
sistema motivacional da criança, listando, consiste em apresentar as análises formuladas
junto com ela, as brincadeiras e atividades pelo próprio terapeuta acerca da queixa dos
preferidas para fazerem parte da progra- pais, isto é, expor sua opinião profissional
mação das sessões. Se o repertório de quanto à necessidade de tratamento, mos-
brincadeiras for muito restrito, o terapeuta trando à criança uma comparação entre os
pode sugerir atividades a serem experimen- “pequenos” ganhos atuais e as “grandes” per-
tadas nas sessões e anotar aquelas que a das a longo prazo se não houver mudança.
criança concordar em realizar. Finalmente, Mesmo assim, se ocorrer séria oposição e
deve haver espaço para brincadeiras que discordância tanto com a formulação do
proporcionem descontração e diversão problema quanto com os objetivos da terapia,
visando parear a terapia e o terapeuta com o tratamento com a criança deverá ser inter-
atividades agradáveis (Conte, 1993), o que rompido, porque a adesão ficará seriamente
certamente favorecerá o estabelecimento do comprometida. A opção passa a ser então
vínculo terapeuta-criança e da motivação para trabalhar apenas com os pais, até que a criança
participar das próximas sessões. aceite retomar o tratamento.
Caso o cliente aceite o tratamento, seja concor-
Passo 2 - Defina com a criança qual o proble- dando com o objetivo dos pais, ou elegendo
ma a ser trabalhado (objetivos). objetivos próprios, o terapeuta pode avançar
É necessário definir claramente com a criança no processo, iniciando uma explo-ração para
o problema a ser tratado, pois ela deve entender junto com a criança por que o
concordar com a necessidade de ajuda para problema vem ocorrendo. Essa é uma tenta-
que aceite e colabore com o tratamento tiva de iniciar o passo 4 - análise de conse-
(Digiuseppe, Linscott e Jilton, 1996). Para tal, o qüências e levantamento de alternativas
terapeuta poderá expor à criança os objetivos comportamentais. Se a criança não apresentar
dos pais para com a terapia questionando-a dificuldades em responder a abordagem
sobre a sua concordância quanto à ocorrência direta ao problema, a etapa quatro poderá ser
de tais problemas. O terapeuta deve também implementada. Porém, se o terapeuta iden-
auxiliar a criança a definir seus próprios tificar na sessão, inabilidades da criança nos
objetivos, sejam eles condizentes ou não com repertórios de auto-exposição (falar sobre si
os dos pais. mesmo e seu ambiente) ou auto-expressão
Quando ocorre a recusa da criança em definir (identificação e expressão de sentimentos), os
os objetivos, o terapeuta deverá investigar os procedimentos terapêuticos devem ser
motivos que estão levando a criança a preferir direcionados para aumentar e fortalecer tais
a manutenção de uma situação “aparente- repertórios como importantes pré-requisitos
mente desagradável” e porque está havendo para a continuidade da terapia e a modelagem
divergência em relação aos objetivos dos pais. das respostas indicativas de melhora (geral-
É relativamente comum nestes casos, que os mente padrões incompatíveis com o reper-
pais estejam incomodados com a situação, em tório atual).

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Etapa Intermediária então estratégias verbais podem ser gradual-


mente introduzidas através de jogos de
Passo 3 - Trabalhe identificação e expressão conteúdo terapêutico como o “Trio de
de sentimentos e auto-exposição Sentimentos” (Cognoscere), e “Brincando
Identificar e expressar sentimentos são com as Expressões” (Toyster), ou literatura
habilidades importantes para que a criança específica.
discrimine os efeitos encobertos que as Quando se avalia que tais habilidades foram
contingências às quais está exposta exercem consistentemente adquiridas, porque a
sobre ela, assim como responda-lhe de forma criança passa a verbalizar espontaneamente,
socialmente mais adequada (verbalizando e/ou quando requerida, situações pessoais de
como se sente, ao invés de apenas chorar ou agrado e desagrado e consegue relatar os
agredir). Moura e Azevedo (2000) destacam sentimentos relacionados, então o próximo
que a expressividade emocional é um passo pode ser implementado. É importante
elemento chave no processo, pois parece estar ressaltar que mesmo quando o processo
implicado em vários outros comportamentos permite que se avance para o passo 4, sem um
infantis como estabelecimento de vínculos tempo específico no passo 3, é importante
afetivos, auto-estima, autocontrole e adap- fortalecer tais habilidades empregando
tação social, considerando-se que a maior estratégias que incluam a análise de
parte das crianças que apresentam problemas conseqüências em nível encoberto, tanto para
emocionais e ou comportamentais, também si, quanto para os outros.
apresentam dificuldades de identificar e
expressar o que sentem em relação às pessoas Passo 4 - Inicie a análise de conseqüências e
e/ou situações. Portanto, treinar a expres- levantamento de alternativas comportamen-
sividade emocional das crianças em terapia tais
pode ser um passo anterior para o A análise de conseqüências no processo
desenvolvimento de vários outros repertórios terapêutico tem por objetivo ensinar a criança
como assertividade, relacionamento a analisar as contingências que estão
interpessoal e resolução de problemas, o que envolvidas no seu problema, que explicam
pode ter impacto importante sobre a porque certas coisas estão acontecendo desta
superação dos problemas iniciais. maneira e não de outra (Conte e Regra, 2000).
Nesta fase, duas podem ser as metas Neste momento da terapia, serão analisadas
terapêuticas: ensinar auto-exposição (falar de com a criança, as condições externas das quais
si mesmo) necessária à abordagem direta dos seu comportamento-problema é função, ou
problemas; e treinar expressividade emo- seja, o terapeuta a ensinará a fazer a análise
cional (identificar e falar sobre emoções e funcional do seu comportamento, guardadas
sentimentos), cuja importância já foi as limitações de acesso ao conjunto de
mencionada. Estratégias como a confecção do variáveis envolvidas no controle do pro-
livrinho de sentimentos (Moura e Azevedo, blema.
2000) facilitam a modelagem de ambos os Uma forma de deixar claro para criança a
repertórios. Outra sugestão é iniciar uma relação entre seu comportamento e as
sensibilização para o contato consigo mesmo conseqüências que produz, consiste em
através de estratégias sensoriais como a massa ajudar a criança a elaborar um cartaz que
de farinha, argila, pintura a dedo (dos pés ou identifique: seus comportamentos-problema
das mãos). Oaklander (1980) descreve vários (ações, pensamentos ou sentimentos);
exercícios sensoriais que colocam a criança em eventos antecedentes (onde ele estava, com
contato com seu corpo e com suas sensações. quem, fazendo o quê); e eventos conseqüentes
Conforme a criança vai aprendendo senso- (o que aconteceu depois, o que as pessoas
rialmente a identificar e nomear o que sente, fizeram). O terapeuta propõe a organização
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do cartaz e a própria criança o confecciona. O leitura da história, e retoma-se a atividade.


terapeuta apenas deve traduzir a análise (Prebianchi, 2000; Soares, Moura e Prebianchi,
comportamental em termos acessíveis à 2003). Aliás, as histórias infantis podem ser
compreensão da criança. muito úteis por abordar, de forma direta ou
Esta estratégia provavelmente ajudará a indireta, as conseqüências aversivas
criança a discriminar as contingências que contingentes a comportamentos inade-
estão mantendo seu “comportamento- quados, assim como as conseqüências
problema”. O segundo passo consiste em positivas decorrentes das mudanças de
selecionar qual comportamento poderia ser atitude dos personagens (Miranda, 2002).
emitido na mesma situação e quais Levantar alternativas também pode implicar
conseqüências ele poderia produzir. Colocar em ensinar a criança a observar outras
no mesmo cartaz os comportamentos- crianças, ver o que elas fazem em determi-
problema e os comportamentos incompa- nadas situações e o que acontece, ou em pedir
tíveis, assim como suas prováveis conse- à criança que entreviste seus pais ou profes-
qüências, ajuda a criança a comparar sores acerca do comportamento considerado
visualmente as vantagens e desvantagens de adequado para, então, trazer suas obser-
cada alternativa de que dispõe. O terapeuta vações e anotações para serem trabalhadas em
pode sugerir novos comportamentos que terapia.
serão analisados por ambos ao longo das
sessões, quando então a criança deverá Passo 5 - Treine habilidades específicas em
selecionar qual ela acha que tem maior sessão
probabilidade “de funcionar, de dar certo”, e O treino de habilidades específicas será
qual ela gostaria de treinar primeiro para executado a partir da operacionalização dos
tentar pôr em prática e “ver o que acontece”. comportamentos-problema (como descrito
Nesta etapa, a análise de conseqüências pode acima), levantamento das alternativas
não ser assim tão simples, como venha a comportamentais e escolha do comportamen-
parecer, e o terapeuta poderá necessitar de to incompatível a ser treinado/ ensaiado. Esta
recursos adicionais para mostrar à criança as etapa consiste em ensaiar com a criança,
conseqüências de suas ações. Evocar o dentro da sessão, o comportamento que ela
comportamento-problema nas sessões pode escolheu como substitutivo ao comportamen-
ser uma forma de mostrar à criança as to-problema. O treino direto geralmente é
conseqüências que ele produz, através das necessário para que a criança desenvolva
reações e do feedback do terapeuta sobre o novos repertórios e adquira confiança em seu
comportamento emitido (ex.: terapeuta desempenho a fim de que possa arriscar-se
propõe o término da brincadeira contingente à fora da sessão (próxima etapa do processo).
emissão de um comportamento inadequado O treino direto não precisa necessariamente
ou sinaliza: “assim não é legal jogar, estou ser planejado; o terapeuta pode aproveitar
quase desistindo de brincar desse jeito”). alguma situação ocorrida na sessão ou
O terapeuta também pode explicitar as relatada espontaneamente, para propor o
conseqüências do comportamento-problema ensaio de um comportamento alternativo. Se
ou sugerir alternativas no momento da as alternativas foram levantadas de forma
ocorrência deste na sessão, contando indireta, o treino também poderá ser feito
histórias. Prebianchi (2000) sugere que a desta maneira. O terapeuta pode propor
inserção da história previamente selecionada histórias para que o final seja alterado, ou
seja feita contingente à emissão do compor- propor um tema para desenho-história que
tamento inadequado sem discussão posterior. sugira a ocorrência de algum comportamento
Apenas interrompe-se a atividade, faz-se a alternativo que a própria criança vai relatar

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através da criação da história. reforço.


Segundo Conte e Regra (2000), o terapeuta Quando a criança executar com sucesso o
deve levar a criança a descrever a história de treino em sessão, estará apta a avançar no
modo neutro e, ao mesmo tempo, favorecer processo e ser incentivada a desempenhar o
para que essa história contenha relatos sobre o comportamento fora da sessão. Caso a criança
contexto, os comportamentos dos persona- não execute adequadamente por dificuldade
gens, as contingências ambientais. Isso ou recusa, o terapeuta deverá verificar se a
porque, após o relato das fantasias, pode mesma identifica os obstáculos que a
ocorrer uma discriminação pela criança das impedem como, por exemplo, o temor de que
contingências ambientais e identificação de conseqüências negativas (como bronca,
regras inadequadas, favorecendo mudanças reprovação dos pais) ocorram (ex.: pais
em seu comportamento verbal e não-verbal. realmente podem punir respostas assertivas
Voltando ao treino direto, o também chamado da criança). Se ela identifica seus impedi-
role-playing (Rangé e Gorayeb, 1988) consiste mentos, isso pode ser claramente discutido e o
numa técnica em que o terapeuta ou o cliente treino retomado, de forma a ensaiar uma nova
devem imitar o comportamento de alguma resposta que minimize as conseqüências
pessoa relevante no ambiente natural do negativas previstas (ex.: “pai, eu quero te
sujeito ou representar o comportamento do dizer uma coisa, tente não ficar bravo, eu só
próprio sujeito em alguma situação social. Por quero dizer o que estou pensando, ou como
isso o nome role-playing, desempenho de um estou me sentindo com esta situação.”)
papel. Esta representação serve para treinar a Se a criança não identificar, retome a análise
criança a interagir adequadamente em de conseqüências. Avaliando minuciosa-
situações sociais, uma vez que ela terá a mente as conseqüências do novo compor-
oportunidade de ensaiar o novo compor- tamento treinado, a criança pode perceber o
tamento até considerar-se apta a comportar-se que a está impedindo de avançar, e assim
da nova maneira na situação real. levantar novas alternativas que melhor se
Algumas vezes, o terapeuta pode representar adeqüem ao seu contexto familiar e social,
o papel da criança (inversão de papéis) para diminuam o custo da resposta e facilitem a
dar a ela um modelo mais apropriado de ocorrência das mudanças desejadas.
comportamento para a situação selecionada.
Na maioria das vezes, o desempenho de Etapa Final
papéis, é realizado durante uma interação
terapeuta-cliente, e o terapeuta utiliza-se de Passo 6 - Incentive a ocorrência do novo com-
reforços diferenciais para comportamentos portamento fora da sessão
adequados, e de aproximação sucessiva em Neste momento, será posto em prática, fora da
seus critérios de reforçamento, modelando sessão, o novo comportamento que foi
progressivamente o comportamento terminal modelado e ensaiado em sessão. A duração
desejado. O terapeuta irá estimular a criança a desta etapa é variável, vai depender do tipo de
assumir o papel do outro, interagindo problema e da participação do cliente, e das
assertivamente com o terapeuta. (Regra, 2000) situações imprevisíveis extraterapia que
O terapeuta poderá também treinar a criança poderão ocorrer. O terapeuta tentará
na execução de atividades para as quais ainda incentivar a ocorrência dos novos compor-
não tenha habilidade, ensaiando nas sessões tamentos fora da sessão. Poderá, para isso,
os novos repertórios comportamentais que ensinar a criança a: 1) discriminar as “dicas”
necessitam ser desenvolvidos para que as do ambiente de que é o momento para
mudanças se estabeleçam. A intenção do arriscar-se no novo comportamento; 2) criar
terapeuta é proporcionar condições de prática um “prompt” para recordar estratégias
do novo comportamento sob novas fontes de ensaiadas, como forma de controlar o
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comportamento e não desistir, como, por sucesso e fracasso e, principalmente, se houve


exemplo: “é só começar”; “fique calmo e vá em aumento de sua capacidade de solucionar
frente”; ou 3) utilizar a linguagem privada problemas. Também é importante discutir
como apoio à emissão do comportamento situações onde o problema “escapou do
aberto, isto é, a criança pode fazer um ensaio controle” e voltou a ocorrer, incentivando a
encoberto enquanto se aproxima da situação a criança a levantar alternativas viáveis para
ser enfrentada (ex.: criança com problemas de lidar com tais situações sem ajuda do
retraimento, caminha até a professora na sala terapeuta. Que habilidades a criança deve
de aula enquanto repete em pensamento: adquirir para desenvolver a autonomia em
“professora, eu poderia ver minha prova?”). resolver problemas? Como o terapeuta pode
O terapeuta poderá fracionar as tarefas que refinar suas mudanças em direção a
serão executadas em passos menores. Com o autonomia?
custo de resposta diminuído, há uma maior Para conseguir desenvolver esta habilidade, o
probabilidade de que a criança se arrisque no terapeuta irá proporcionar reforço positivo
novo comportamento fora da sessão. Com adicional ao reforço natural, como uma
respostas menores a serem emitidas, aumenta estratégia de fortalecimento dos ganhos
também a probabilidade de sucesso e a obtidos. Ou seja, a cada passo que a criança
probabilidade de reforço. Assim, a criança avançar na sua adaptação ao contexto e
passará a se sentir mais segura, no controle da observar os ganhos que obteve (reforço
situação, e as tarefas poderão ir se tornando natural), o terapeuta deve promover reforço
mais complexas. As tarefas poderão ter data e positivo adicional, valorizando cada
tempo de duração, dependendo do problema. conquista. Uma forma eficaz de incentivar a
Se ao emitir o novo comportamento, a criança autonomia, de acordo com os autores Ervin,
se adaptar melhor ao contexto, como por Bankert e Dupaul (1999), é implantando
exemplo, tornando-se mais assertiva, procedimentos de auto-avaliação e auto-
evitando que os outros a passem para trás, registro. A auto-avaliação se refere a ensinar a
fazendo mais amigos, tornando-se mais criança a avaliar seu comportamento para
agradável e afetiva, pode-se avançar para a determinar se uma mudança específica
próxima etapa na terapia. Caso nem a criança, ocorreu. O auto-registro consiste em contar
nem os pais avaliem melhora na adaptação, quantas vezes o comportamento-alvo
avalie a necessidade de treino adicional ou ocorreu. À medida que a criança vai
levantamento de novas alternativas. Talvez a aprendendo a se auto-avaliar, o terapeuta
criança não esteja sendo hábil o suficiente na pouco a pouco pode ir retirando o feedback
situação natural como o é em sessão, e adicional. A intenção é que a criança atribua a
necessite de mais treino ou de um apoio melhora do controle de seu comportamento
externo, de pais ou professores, para ao seu próprio esforço.
aprimorar seu desempenho frente ao Segundo estes autores, quando a criança se
ambiente real. Talvez a criança tenha feito um torna mais independente e autônoma, os
julgamento inapropriado na escolha do efeitos das intervenções serão mantidos ao
comportamento a ser ensaiado, o terapeuta longo do tempo e generalizados para outros
não percebeu, e agora a escolha de um outro locais muito mais do que quando ela atribui a
comportamento-alvo será necessária. mudança comportamental a forças externas
(como sorte ou esforço de adultos). Uma
Passo 7 - Realize a análise e refinamento das criança autônoma sabe identificar alternativas
tentativas de mudanças para seus problemas sabe colocá-las em
O terapeuta ajudará a criança a analisar suas prática, e não tem receio de solicitar ajuda dos
mudanças, levantar possíveis causas de adultos quando necessário. Essa é uma meta

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Direcionamentos para a Condução do Processo Terapêutico Comportamental com Crianças.

ideal para a psicoterapia de crianças. Porém, há mais possibilidades de avanço ou interesse


nem sempre é possível, aos terapeutas, por parte do cliente em buscar mudanças
observarem as crianças alcançando este comportamentais. No caso de algumas
estágio, não porque não sejam capazes, mas crianças, pode-se perceber que a terapia
porque quando progressos começam a ser começou a atrapalhar porque as atividades
obtidos, muitos pais interrompem a terapia, externas como brincar, jogar, encontrar com
por se sentirem ou satisfeitos com os os amigos que antes ela não conseguia ou não
resultados parciais obtidos, ou incomodados podia fazer, estão ficando prejudicadas pelo
com a maior autonomia, expressividade e horário de vir à terapia.
assertividade da criança (Moura e Durante as últimas sessões de terapia, é
Conte,1997). Quando as crianças permanecem importante oferecer, à criança, algum
em terapia e atingem esta meta, o terapeuta fechamento quanto à experiência vivida por
poderá dar início ao processo de alta. esta. Isto pode ser feito com um retrospecto do
que ocorreu na terapia, ressaltando as
Passo 8 - Fortaleça as mudanças ocorridas: mudanças ocorridas devido ao seu empenho e
inicie o processo de alta elogiando suas mudanças e atitudes de
Segundo Oaklander (1980), é muito coragem e enfrentamento. Deve-se estimular
impor tante preparar a criança para o a criança a expressar seus sentimentos sobre
encerramento. A autora afirma que assim estes aspectos, e o terapeuta não pode deixar
como ajudamos as crianças a adquirir o de apresentar os seus dizendo que está feliz
máximo possível de independência e auto- com seus progressos, que isto se deve à sua
nomia, também devemos ajudá-las a lidar coragem, que sentirá saudade mas sabe que
com os sentimentos envolvidos no desliga- poderão se ver quando tiverem vontade,
mento da terapia e da relação freqüente com o telefonar ou marcar um encontro. A despe-
terapeuta. dida poderá ser registrada através da
Zaro, Barach, Nedelman e Dreiblat (1980), confecção e troca de um cartão, por exemplo,
também preocupados com a terminação da contendo relato de momentos importantes, e
terapia infantil, fazem algumas considerações sentimentos da despedida. Uma estratégia
buscando diferenciá-la da do adulto. Os interessante é o uso da literatura infantil como
autores esclarecem que a maneira como se o livro desenvolvido pelas autoras Nemiroff e
avalia o progresso é diferente na terapia Annunziata (1995) para ajudar o terapeuta a
infantil. É necessário avaliar o progresso por preparar a criança a lidar com seus senti-
meio das observações da criança e pelos mentos nesta fase.
relatórios de membros da família, do pessoal O processo de encerramento não deve ser
da escola e outros. Uma terminação abrupta abrupto. Marcam-se sessões de follow-up
poderá produzir um impacto emocional para avaliar juntamente com o cliente se as
muito mais forte numa criança do que num mudanças promovidas pela terapia estão
adulto, portanto é melhor ressaltar que a sendo mantidas. Nesta fase, as sessões
terminação se deve à melhora e não porque tornam-se cada vez mais espaçadas. Desta
você não gosta mais dela. forma será removido pouco a pouco o apoio
Quando o terapeuta começa a pensar em formal do terapeuta. Explica-se à criança que
terminar a terapia, a primeira tarefa é ter ela continuará a melhorar e a crescer, pois as
claras as razões, pois cada criança pode reagir mudanças ocorridas produzirão mais
de uma maneira diferente. Geralmente, é resultados positivos na sua vida. A opção de
apropriado levantar o problema da ter- recorrer novamente à terapia deverá ser
minação quando você acredita que a criança apresentada como possibilidade para resolver
alcançou seus objetivos terapêuticos ou não outros problemas que poderão surgir no curso

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de sua vida. ela novamente caso seja necessário.


Cabe apresentar as contribuições de Cornejo
(2003) a respeito do pedido de interrupção da 1. Considerações finais
terapia por parte dos pais. A autora relata que,
nestes casos, a primeira coisa a fazer é marcar Definir uma direção efetiva a ser seguida no
uma entrevista com os pais para levantar as trabalho de intervenção clínica comporta-
reais razões dos pais quanto a finalização, e mental com crianças, sistematizando as ações
discutir com eles alternativas para a não terapêuticas, torna o processo mais orga-
interrupção do tratamento antes do tempo. nizado e facilita que os resultados sejam
Quando a interrupção ocorre porque os pais claramente avaliados em função dos
relatam estar havendo pouco progresso, procedimentos empregados ao longo da
Cornejo (2003) orienta que se trabalhe o intervenção. Em outras palavras, facilita
sentido de “progresso” e seu nível de compreender “o que funcionou com quem e
exigência em todas as áreas: notas, família, por quê”, e como replicar os procedimentos
colégio. Quando um dos pais pensa diferente eficazes em prol do bem-estar de outras
e percebe progressos, então a autora solicita crianças que procuram por auxílio psico-
que exponha sua análise a partir da qual terápico.
negocia a possibilidade de continuidade da Uma proposta como aqui apresentada tem um
terapia. caráter didático, pois o processo da terapia
Caso a opção dos pais seja pelo desligamento, ocorre num continuum e os limites de
a autora solicita-lhes duas sessões com a transição entre uma etapa e outra de terapia
criança para encerrar a terapia e o que está nem sempre podem ser tão facilmente
trabalhando. Geralmente, nestas duas ses-ões, delineados. A transição de uma fase para
explica à criança o que os pais disseram e outra é gradativa e depende do alcance das
pergunta o que pensa. Não se preocupa em metas para a fase anterior.
resolver os problemas que ficaram, pois estes A proposta também considera a criança como
serão responsabilidade dos pais; apenas se o elemento-chave; ela deve estar consciente do
preocupa com as despedidas, trabalha a processo ao qual se submeterá e, para tanto,
expressão de sentimentos, como ambos deve receber as informações necessárias. A
(criança e terapeuta) se sentem em forma de fazer esta conscientização depen-
interromper a terapia. derá da idade da criança e de seu nível de
Quanto ao término da terapia da criança que desenvolvimento, e o terapeuta deverá
passou por todas as etapas e agora chega ao encontrar uma forma adequada, porém
final do processo, Cornejo esclarece que inicia direta, de abordar o assunto. Desta forma,
o processo de encerramento dizendo à criança estará ensinando, desde o início, a “enfrentar”
que não precisa mais vir a todas as sessões e os problemas, quaisquer que sejam eles.
que poderá vir quinzenalmente, depois Explicar à criança como se dará seu processo e
mensalmente até que, finalmente, chegará à definir com ela os objetivos de sua terapia,
sessão final. Quando acharem que é a hora da verificando seu grau de concordância em
despedida vêem a pasta e relembram como os relação aos objetivos dos pais, é atribuir a ela
problemas foram resolvidos e o que mudou um papel ativo durante a intervenção,
em sua vida. Incentiva a escolha de algum sinalizando, desde o início, que ela terá seu
jogo de que goste muito para despedida. A espaço de decisão respeitado e valorizado.
criança poderá levar a pasta com suas Essa conduta do terapeuta também introduz,
produções , assim como o telefone e endereço desde o começo, uma mudança ambiental
da terapeuta. Para Cornejo (2003), o impor- importante que pode produzir efeitos
tante é garantir que a criança tenha uma boa positivos imediatos e reduzir tempora-
experiência com a terapia para que recorra a riamente os comportamentos problemáticos.
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Direcionamentos para a Condução do Processo Terapêutico Comportamental com Crianças.

Assim, ganha-se tempo e melhores condições garantir a permanência dos ganhos da terapia
de implementar os procedimentos tera- antes de desligar completamente a criança do
pêuticos. apoio terapêutico.
Com a formulação do problema, inicia-se o A presente proposta não pretende apresentar
processo de transição para fase intermediária. regras a serem seguidas, mas apontar
Nesta fase, exige-se maior habilidade do diretrizes para que o terapeuta esteja atento e
terapeuta para provocar a expressão de se deixe modelar pelas contingências
sentimentos de forma lúdica e interativa. Esta especiais de cada caso (Conte, 1993). Por
fase também requer do terapeuta uma melhores que sejam as propostas para
preocupação maior em relação aos outros atendimento de crianças, elas devem
passos do processo, no sentido de levar o considerar “quem dirige que tipo de
cliente a analisar as conseqüências do seu procedimento, para que tipo de indivíduo ou
comportamento e levantar as alternativas família, com que tipo de problema, em que
comportamentais para resolver seus pro- contexto”.
blemas. O ponto forte de uma sistematização como
Quando o terapeuta começa a incentivar a essa parece ser, como afirma Conte (1993), o
ocorrência de novo comportamento fora da fato de que a repetição de processos e
sessão e isso se dá com sucesso, a fase de procedimentos têm demonstrado a utilidade
desligamento pode ser iniciada. A análise e da aplicação da Análise do Comportamento à
refinamento das tentativas de mudança e psicoterapia infantil quanto à alteração de
fortalecimento das mudanças ocorridas são de relações complexas em prol do bem estar da
grande importância, pois se faz necessário criança.

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Recebido em: 16/10/03


Primeira decisão editorial em:14/06/04
Versão final em: 20/06/04
Aceito em:21/06/04

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