Você está na página 1de 15

A PSICOTERAPIA ANALÍTICO-FUNCIONAL APLICADA À TERAPIA

COMPORTAMENTAL INFANTIL: A PARTICIPAÇÃO DA CRIANÇA1

Cynthia Borges de Moura


Fátima Cristina de Souza Conte
Universidade Estadual de Londrina

A terapia comportamental mudou significativamente seu enfoque após algumas

aplicações mais recentes do modelo skinneriano. Apesar de Skinner não ter sido terapeuta e de não

ter se preocupado especificamente com problemas clínicos, os pressupostos teóricos e filosóficos

que ele introduziu no âmbito da análise científica do comportamento levaram o terapeuta

comportamental a uma nova compreensão e intervenção junto a seus clientes. Diversos aspectos da

abordagem Skinneriana, como por exemplo, o reconhecimento do valor da auto-observação, a

análise dos eventos privados, e a proposição da análise funcional do comportamento verbal e de

sua influência nos demais comportamentos humanos, contribuíram para a superação das propostas

mentalistas e para dar uma identidade realmente behaviorista à terapia comportamental.

Recentemente, dois diferentes grupos de pesquisadores liderados por Hayes (1987)

e Kohlenberg e Tsai (1987), utilizaram a perspectiva apontada pelo Behaviorismo Radical de

Skinner para elaborarem modelos de intervenção clínica com adultos. Esses modelos, de forma

geral, têm sido aplicados aos problemas clínicos provendo uma linguagem e uma conceituação na

área, relativa à natureza humana e a interação entre o comportamento de um indivíduo e o

ambiente natural (Kohlenberg & Tsai, 1987). Embora sigam rumos diferentes em termos

estratégicos, ambos têm objetivos terapêuticos congruentes. Hayes adota um enfoque que visa

intervir sobre o contexto de controle do comportamento como forma de obter a alteração do

1
MOURA, C. B. & CONTE, F. C. S. (1997). A psicoterapia analítico-funcional aplicada a terapia comportamental
infantil: A participação da criança. Torre de Babel (UEL), 4, 131-144.
problema específico do cliente. Kohlenberg toma o próprio comportamento-problema como

unidade, e como ponto de partida para uma análise funcional abrangente e ampla. Uma vez que o

comportamento ocorre no contexto clínico, a relação terapêutica é vista como instância apropriada

para provocar as mudanças desejadas.

Apesar de nenhum destes dois grupos de autores citados ter delineado uma prática

clínica específica com crianças, o conjunto de estratégias desenvolvidas por Kohlenberg e Tsai

(1987), no que eles denominaram de Psicoterapia Analítico-Funcional (FAP), parece se adequar ao

contexto da psicoterapia infantil. No restante deste artigo tentaremos analisar como, no nosso

ponto de vista, a proposta de Kohlenberg e Tsai, pode ser utilizada na prática clínica com crianças

e desta forma também legitimar uma atuação behaviorista radical do terapeuta comportamental

infantil. Embora consideremos fundamental a ação do terapeuta de crianças junto aos pais ou

outros adultos por ela responsáveis, excluiremos propositalmente, qualquer discussão neste

sentido, dados os limites e a abrangência deste trabalho.

1. PSICOTERAPIA ANALÍTICO-FUNCIONAL: A EXTENSÃO DE SUAS

CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS À TERAPIA INFANTIL

O enfoque da PAF baseia-se, em grande parte, de uma reflexão sobre como aplicar

procedimentos baseados nos princípios da Análise do Comportamento, dentro dos limites do

contexto típico de tratamento clínico. Um destes limites é estabelecido pelo fato de que o contato

terapeuta-cliente restringe-se, geralmente, apenas ao momento da terapia, sendo difícil, quase

impossível, o terapeuta observar e interagir com o cliente fora da sessão. Estas condições também

2
se aplicam, em muito, ao contexto da psicoterapia infantil, e assim torna-se relevante considerar

como as características principais da abordagem de Kohlenberg & Tsai (1987) podem ser aplicadas

ao trabalho com crianças de forma a intensificar os resultados que podem ser obtidos no processo

psicoterapêutico.

1.1 A Questão do Uso do Reforçamento

O papel do reforçamento no contexto clínico, é um dos pilares das estratégias da

PAF, uma vez que o aspecto principal do tratamento analítico-comportamental é a modelagem

direta através do reforçamento diferencial dos repertórios requeridos, durante a realização das

sessões terapêuticas. Um aspecto bem conhecido do reforçamento é que, quanto mais próximo no

tempo e no espaço, o comportamento estiver em relação às suas conseqüências, maior será o

controle exercido por elas, isto é, o efeito que as conseqüências terão sobre o comportamento em

questão. Este conceito é fundamental para o trabalho do terapeuta comportamental infantil, pois

com base nele torna-se viável ao psicoterapeuta modelar e fortalecer os comportamentos

requeridos de uma criança, e desejáveis à superação de seus problemas, na medida em que eles

acontecem na clínica, em sessão. Quando os mesmos comportamentos acontecem no lar ou escola

da criança, longe da observação direta do terapeuta, a modelagem dos mesmos comportamentos

torna-se responsabilidade dos pais ou professores, nem sempre suficientemente prontos para tal

tarefa.

Além disso, com a identificação das prováveis contingências presentes no ambiente

natural, a partir do relato ou da representação da criança, o terapeuta pode agir de forma alternativa,

quebrando possíveis percepções e relações entre eventos, oportunizando à criança vivenciar novas

interações que possam ser “mais restauradoras”.

3
O psicoterapeuta de crianças pode dispor de muitos recursos artificiais para

reforçamento, porém Kohlenberg e Tsai ressaltam que reforçadores naturais, isto é, ações e reações

espontâneas entre cliente e terapeuta, normalmente são potencialmente mais poderosos para gerar

mudanças significativas. Na verdade, no ambiente natural, as expressões espontâneas são

reforçadas pela responsividade positiva recíproca entre as pessoas envolvidas na interação. Assim,

por exemplo, se a expressão de afeto por parte da criança for um comportamento-alvo e o terapeuta

também tiver uma reação espontaneamente afetiva quando ela o emitir, o reforçamento, muito

provavelmente será natural, o que favorece a generalização comportamental.

O reforçamento arbitrário, porém, pode ser útil como um procedimento de transição

na terapia infantil. Ele pode favorecer o aumento da sensibilidade do cliente aos estímulos

ambientais mais rapidamente, e facilitar ao terapeuta realizar análises com o cliente sobre o seu

próprio comportamento, mais concretamente. Mas se faz necessário que o terapeuta tenha

determinados cuidados para garantir que os reforçadores naturais assumam o controle principal do

comportamento, pois, ambivalentemente, o reforçamento arbitrário pode substituir ou interferir na

possibilidade dos reforçadores naturais virem a ganhar controle sobre o comportamento (Ferster,

1979). A experiência, porém, tem mostrado que rapidamente as crianças “dispensam” o uso de

estímulos arbitrários, como se não fizessem mais qualquer sentido.

1.2 Os Comportamentos Clinicamente Relevantes e o Ambiente Clínico Como Agente de

Mudança

A análise de Kohlenberg e Tsai também se caracteriza por sua atenção à

especificação dos comportamentos de interesse. O termo “comportamento clinicamente relevante”

(CRB, em inglês Clinical Relevant Behavior) inclui tanto o comportamento-problema, como o

comportamento meta ou alvo. Assim, o psicoterapeuta infantil precisa ser um observador

4
habilidoso, pois é a partir de observações cuidadosas que os CRBs são definidos

comportamentalmente. Obviamente o comportamento-problema da criança não poderá ser

observado diretamente, a menos que aconteça na presença do terapeuta, mesmo que este possa

obter uma boa descrição dele por meio do relato dos pais ou de outros observadores. Desta forma,

o ambiente terapêutico será considerado adequado para gerar mudanças diretamente se os

comportamentos-problema apresentados pela criança forem de tal natureza que também possam

ocorrer durante a sessão. Assim, baseando-se neste critério, o enfoque analítico-funcional conduz à

focalização daqueles problemas do mundo exterior que também acontecem durante a sessão.

Este aspecto da PAF precisa ser bem compreendido na terapia comportamental

infantil, pois os problemas que as crianças apresentam podem ocorrer na sessão tanto de forma

direta, no relacionamento terapeuta-criança, quanto indireta, através de situações lúdicas. Assim, a

criança com queixas de agressividade, por exemplo, não precisa, necessariamente, agredir o

terapeuta para que este possa lidar com o problema (aliás, é mais confortável que isto não ocorra,

embora possa eventualmente acontecer), mas pode demonstrar esse padrão de conduta através de

personagens de histórias, ou de uma situação de brinquedo. A representação ou a história poderá

mostrar ao terapeuta as contingências que estabeleceram o comportamento agressivo, da criança e

fornecer ao terapeuta uma boa oportunidade para investigar melhor as contingências que o mantém.

Durante esta análise, ele pode, ainda, levantar junto à criança, tanto as similaridades existentes

entre o comportamento do personagem e o seu, quanto às alternativas de comportamento mais

apropriado. Essas informações também servirão como subsídios importantes para a orientação aos

pais e a outros adultos de interesse.

A seleção e discriminabilidade dos CRBs pelo terapeuta de crianças serão

facilitadas se ele tiver desenvolvido, em seu repertório pessoal, os comportamentos-meta que quer

atingir com a criança. Isto parece ser óbvio, mas na prática não o é. Significa ter desenvolvido em

5
si mesmo habilidades consideradas adequadas e conseguir observar reações semelhantes na

criança. Segundo Conte (1993) é necessário ainda que o psicoterapeuta infantil tenha capacidade

para permanecer relaxado frente à criança, que goste e saiba brincar, tenha habilidade para fazer

coisas que as crianças gostem, seja flexível e criativo, saiba lidar com pressões, e não seja ansioso

em relação à obtenção de resultados positivos imediatos. Tal condição ajuda a criança a adaptar-se

mais fácil e rapidamente ao ambiente clínico e a apresentar as suas reações mais típicas e

“naturais”. Um aspecto importante a ser ressaltado é o de que, ao observar e avaliar a adequação do

comportamento da criança o terapeuta deve estar sensível ao nível de desenvolvimento desta e às

características do ambiente social no qual ela vive.

Segundo Kohlenberg e Tsai, um fator que pode restringir a amplitude dos

comportamentos-alvo selecionados é o requisito de que as descrições comportamentais se refiram

somente ao observável, isto é, não envolvam inferências. Na prática, é quase impossível atingir tal

objetividade frente a problemas aplicados. Em muitos momentos, o terapeuta preciso se utilizar de

suas próprias “impressões pessoais” para levantar hipóteses e verificar a funcionalidade de

determinados comportamentos da criança. Na maioria das vezes, o terapeuta intervém testando

suas hipóteses; se elas se confirmarem, suas estratégias de atuação podem ser mantidas, caso

contrário, outras devem ser implementadas. O importante é que o terapeuta seja guiado e reforçado

pelas melhoras e progressos da criança, melhoras estas verificadas também fora do ambiente

clínico.

Tradicionalmente, a melhor maneira de criar condições para a generalização dos

progressos obtidos pelo cliente seria realizar a terapia no mesmo ambiente onde acontece o

problema. Porém, Kohlenberg e Tsai acreditam que, normalmente, há uma similaridade funcional

entre o contexto terapêutico e o ambiente diário do sujeito, pois na maioria das vezes os

comportamentos clinicamente relevantes ocorrem em ambos os contextos. Para o terapeuta infantil

6
este conceito muda radicalmente sua prática, pois ele pode, por meio de seu relacionamento com a

criança, avaliar diretamente, tanto os problemas que precisam ser trabalhados, quanto às melhoras

obtidas com o processo, criando ainda a possibilidade de generalização.

Em resumo, a característica mais importante de um problema que o torna adequado

para a PAF infantil é a possibilidade de sua ocorrência durante a sessão terapêutica. Esta conclusão

baseia-se nos seguintes pressupostos: 1) os efeitos específicos da terapia resultam de eventos que

acontecem durante a sessão; 2) os únicos eventos controladores que podem acontecer durante a

sessão, são eventos reforçadores, discriminativos e eliciadores; e 3) estes eventos ocorrendo dentro

da sessão terão efeitos mais acentuados sobre o comportamento que também acontece dentro da

sessão, assim, as melhoras podem ser naturalmente reforçadas pelas contingências fornecidas pelo

terapeuta ou pelas condições arranjadas em terapia. Ainda, a maior parte dos reforçadores

potenciais são os comportamentos do terapeuta, que consistem em suas reações ao comportamento

da criança.

1.3 Os CRBs das Crianças em Processo de Terapia

Kohlenberg e Tsai descrevem três tipos de comportamento do cliente que podem

acontecer durante a sessão, e que são de particular relevância para o processo terapêutico. Apesar

de toda descrição se referir ao contexto clínico com adultos, as crianças parecem demonstrar, mais

claramente, durante as sessões, os comportamentos clinicamente relevantes que o terapeuta espera

observar.

O CRB1 refere-se a instâncias de comportamento que acontecem durante a sessão

terapêutica e que são ocorrências do problema clínico. Estes comportamentos devem diminuir em

freqüência durante o curso da terapia. Os CRB1s normalmente consistem em comportamentos de

7
esquiva que, na vida diária do cliente, estão sob o controle de estímulos aversivos, que

frequentemente são acompanhados por estados emocionais negativos.

Kernberg e Chazan (1992), autoras não comportamentais, citam exemplos de

comportamentos emitidos pelas crianças na fase inicial de terapia que, acreditamos, são bons

exemplos do que Kolemberg e Tsai denominaram CRB1s. Segundo estas autoras, as crianças que

chegam à terapia com alguma queixa de transtornos de comportamento, também apresentam baixa

auto-estima e baixo senso de competência, isto é, normalmente demonstram não gostar de si

mesmas, e não se acham capazes de obter ou reconhecer o êxito e a aprovação social em suas

realizações. Elas podem relacionar-se com o terapeuta do modo como se relacionam com outras

pessoas: agressivamente, retraidamente, ou de qualquer outra forma relacionada ao seu problema.

Muitas vezes e por várias razões, as crianças utilizam-se de um modo indireto de

comunicação, como as brincadeiras, para demonstrarem seus sentimentos e outros

comportamentos correlacionados. Fornecidas oportunidades apropriadas para vivenciarem essas

experiências, elas tendem a, gradualmente, adquirir maior auto-controle. A terapia pode propiciar à

criança a sensação de ser entendida e apoiada, e assim cria um contexto menos aversivo para o

desenvolvimento de sua capacidade de reconhecer, analisar e alterar comportamentos e

sentimentos problemáticos, abrindo caminho para soluções comportamentais mais adaptadas, as

quais, segundo Kohlenberg, se constituem CRB2s.

O CRB2 refere-se àqueles repertórios, cuja ausência ou pouca força, estão

diretamente relacionados com o problema presente. Estes comportamentos devem aumentar em

força no curso do tratamento, para que indiquem progressos ou melhoras. Durante os primeiros

estágios do tratamento, estes repertórios não costumam ser observados, e sua ausência ou pouca

força são mais provavelmente o resultado de um falta de oportunidade da criança em experienciar

situações que poderiam ter favorecido o desenvolvimento destes tipos de comportamento.

8
Possíveis comportamentos CRB2s incluem repertórios de comportamentos assertivo e mais

adaptativo, auto-estima mais elevada, maior senso de competência, expressividade emocional

apropriada, entre outros.

Segundo Kernberg e Chazan (1992), durante o processo psicoterapêutico,

progressivamente, a criança começa a usar mais e melhor as palavras para se comunicar com o

terapeuta, o qual pode, gradualmente, introduzir intervenções verbais mais diretivas. Neste

momento a criança pode se tornar mais consciente de seus padrões comportamentais abertos e

encobertos, tornando-se então um possível agente de mudanças ao lado de outros adultos

responsáveis. É nossa compreensão que, desta forma, o desenvolvimento e reforçamento dos

CRB2s durante a sessão, também favorecem a generalização dos ganhos terapêuticos para

situações externas à clínica.

Como decorrência do passo anterior, o CRB3 se constitui nas verbalizações das

crianças sobre a correspondência entre os CRBs 1 e 2 e as suas variáveis controladoras. Refere-se

às crianças falando de seu próprio comportamento e do que parece causá-lo. Mais especificamente,

isto envolve a observação do próprio comportamento e dos estímulos reforçadores,

discriminativos e eliciadores associados. Esta descrição das relações funcionais pode ajudar a

criança a fazer a generalização de seus progressos e obter reforçamento na vida diária. Segundo

Kohlenberg e Tsai, os repertórios de CRB3 também incluem descrições de equivalências

funcionais que indicam similaridades entre a situação-estímulo presente durante a sessão e aquelas

que acontecem fora do tratamento.

De acordo com esta definição, desenvolver o CRB3 parece ser uma tarefa grande,

ou mesmo impossível às crianças. A experiência tem mostrado que, pelo contrário, respeitados os

limites do desenvolvimento, as crianças descobrem este raciocínio e o utilizam de forma especial e

útil. Nem sempre, porém, é possível aos terapeutas, observarem as crianças alcançando este

9
estágio, não porque não sejam capazes, mas porque quando progressos começam a ser obtidos,

muitos pais interrompem a terapia, por se sentirem ou satisfeitos com os resultados parciais

obtidos, ou incomodados com a maior autonomia, expressividade e assertividade da criança.

Contudo, tais metas são relevantes ao desenvolvimento da criança e consequentemente à terapia

comportamental infantil (Conte, 1987).

1.4 As Habilidades do Psicoterapeuta Analítico-Funcional Infantil

Dado que a psicoterapia é um processo interacional complexo que envolve

comportamentos multideterminados, Kohlenberg e Tsai sugerem algumas regras para o

comportamento do terapeuta, que segundo eles, se seguidas, resultam em efeitos reforçadores para

o mesmo. A primeira regra prescreve, como mencionado anteriormente, o desenvolvimento de um

bom repertório de observação, como um pré-requisito, para que o terapeuta identifique possíveis

instâncias de CRBs que acontecem durante a sessão, e assim possa reagir apropriada e

consistentemente a eles. A observação pode aumentar a probabilidade de que os progressos sejam

reforçados e os comportamentos inadequados extintos ou punidos.

A segunda regra também é muito utilizada por psicoterapeuta infantis. Ela consiste

na “construção de um ambiente terapêutico favorável à evocação de CRBs”, pois com crianças é

muito mais complexo trabalhar apenas a nível verbal, e torna-se necessário utilizar-se da

linguagem lúdica, própria das crianças. Segundo Conte (1993), ao atender crianças, o terapeuta

deve utilizar estratégias que interessem a elas, como desenho, gibis, livros de histórias, pintura,

música e outros recursos lúdicos. Algum dos objetivos do uso destes recursos em terapia segundo

Conte, são: 1) a exploração do comportamento de brincar como forma de expressão metafórica da

criança sobre suas relações como o mundo, suas reações públicas e privadas; 2) a explicitação para

a própria criança das situações antecedentes e conseqüentes de suas respostas, ajudando-a a

10
identificar a ocorrência de comportamentos semelhantes dentro e fora da sessão; e 3) o

levantamento com a criança de alternativas mais adaptativas para o problema que ela enfrenta,

auxiliando-a no treino destas novas habilidades.

A terceira regra chama a atenção do terapeuta para o valor do reforço positivo

imediato dos CRB2s. Se os comportamentos-problema podem ser detectados e trabalhados dentro

da própria situação clínica, presume-se que as melhoras também podem e devem ter lugar dentro

da sessão e assim serem valorizadas e fortalecidas pelo terapeuta. Para que o reforço ocorra

apropriadamente, o terapeuta deve ter clareza de qual comportamento incompatível deve ser

reforçado para que possa então estar sensível às pequenas alterações comportamentais rumo à

melhora desejada. Quando a criança começa a abandonar seus padrões inadequados de

comportamento e a desenvolver alternativas mais apropriadas de interação, é o momento de o

terapeuta valorizar tais progressos e sentir-se também reforçado por eles.

Ser capaz de reforçar naturalmente as melhoras do cliente por se sentir reforçado

por elas, é uma habilidade terapêutica importante e para ajudar os terapeutas a adquirirem-na

Kohlenberg e Tsai propuseram uma quarta regra. Segundo ela, é importante que o terapeuta

desenvolva um repertório de observação das propriedades potencialmente reforçadoras de seu

comportamento contingentes às ocorrências do comportamento clinicamente relevante do cliente.

Esta regra, basicamente, prescreve um bom repertório de autoconhecimento e auto-observação do

terapeuta, para que este possa discriminar durante o processo terapêutico quais reações suas

evocam o comportamento-problema da criança, e quais reações reforçam o desenvolvimento dos

comportamentos-alvo. A aplicação desta regra aumenta a probabilidade de que o terapeuta utilize

seus recursos pessoais de forma mais consciente e terapêutica, tendo sempre em mente que uma

relação reforçadora entre cliente e terapeuta é fundamental para o processo.

11
A quinta regra colocada por Kohlenberg e Tsai enfatiza o desenvolvimento de um

repertório de descrição das relações funcionais entre as variáveis controladoras e o comportamento

da criança, comportamento este prioritário a uma boa atuação terapêutica, pois seria incongruente

intervir e tentar ajudar o outro a desenvolver autoconsciência quando não se compreende as

interrelações e determinações do comportamento em foco. No caso do atendimento à criança,

segundo Conte (1993) necessita-se entender as relações estabelecidas entre a criança e sua família,

membros da escola, amigos, e agentes de outras instituições sociais, para o planejamento de uma

intervenção mais abrangente e que traga resultados positivos o mais cedo possível.

2. ASPECTOS GERAIS DA TERAPIA INFANTIL E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para proceder uma análise funcional de qualquer caso clínico, o terapeuta

comportamental infantil normalmente começa com uma identificação do problema junto aos pais

da criança (Keefe, 1980), tentando definir operacionalmente as muitas queixas trazidas por eles, de

modo que se possa selecionar qual o problema a ser trabalhado. Os pais não são ouvidos apenas

como pais; o terapeuta procura vê-los como pessoas, com suas próprias dificuldades pessoais, as

quais normalmente possuem íntima relação com o problema que eles atribuem à criança (Conte,

1993). É comum que o terapeuta também tenha contato com a escola, os professores, e outros

profissionais para levantamento complementar de dados sobre a criança. No entanto, a interação

terapeuta-criança é de fundamental importância para se compreender o que realmente está

acontecendo com ela.

Em terapia comportamental os processos de avaliação e de intervenção ocorrem

simultaneamente, um alimentando e dando suporte ao outro. A cada momento as informações

12
coletadas são analisadas pelo terapeuta que levanta outros dados, formula hipóteses, e intervém,

testando suas hipóteses também em parceria com a criança, sob a mediação da relação terapêutica

(Conte, 1987). Para Nalin (1993), o terapeuta deve efetuar uma análise do comportamento público

e encoberto da criança para poder identificar as variáveis ambientais das quais o comportamento é

função, para, em seguida, propor intervenções que possuam alta probabilidade de provocar

mudanças no comportamento.

O terapeuta comportamental infantil deve ainda compreender conceitualmente o

que certas circunstâncias ou condições adversas normalmente geram nas crianças e é certo que a

análise funcional o auxilia em muito nesta tarefa. Porém há situações nas quais o conhecimento de

certos padrões comportamentais, a partir de pesquisas realizadas, ao lado de suas próprias

observações empíricas, levam o terapeuta a formular hipóteses mais apropriadas e assim planejar

melhor suas intervenções.

Normalmente a terapia comportamental infantil, seja qual for a condição que a

criança enfrenta, tem como objetivos a diminuição do padrão de comportamento desadaptativo da

mesma, o aumento de seu bem-estar e o desenvolvimento de padrões mais adequados de

comportamento em seu ambiente. Além disso, a terapia tem como finalidade contribuir não apenas

para reduzir o transtorno de comportamento que a criança apresenta à família ou demais

instituições, mas também para minimizar o impacto que o transtorno familiar gera sobre a criança.

Aspectos importantes merecem consideração neste sentido e referem-se à participação dos pais no

processo terapêutico da criança.

Na verdade, muito do que Kohlenberg e Tsai conseguiram sistematizar e

conceitualizar em relação à prática clínica em terapia comportamental, já é utilizada a algum

tempo, de outra forma e sob outras bases teóricas, por psicoterapeutas de várias abordagens. Por

exemplo, Oaklander (1980), atuando dentro de uma abordagem gestáltica, descreve em seu livro

13
um trabalho psicoterapêutico com crianças, baseado principalmente nas experiências que ocorrem

durante a sessão e na sua relação com a criança. Seu enfoque bem poderia ser considerado uma

forma prática e muito funcional de aplicação das estratégias decorrentes da PAF na clínica infantil.

Embora tecnicamente útil, tal obra não tem como propósito e, portanto, não contém a base

conceitual que subsidia a proposta de Kohlenberg e Tsai, ou seja, a da Análise do Comportamento

aplicada à situação clínica. Este é o grande ganho para os terapeutas comportamentais, que podem,

cada vez mais, ampliar e intensificar a sua intervenção de forma consistente e científica e criarem

elos mais fortes de ligação entre a prática clínica e a Análise do Comportamento.

Finalmente, cabe uma palavra sobre o terapeuta. Estar pronto para este tipo de

trabalho implica no desenvolvimento do seu autoconhecimento e em uma constante auto-avaliação

e apoio, se possível, por meio da psicoterapia pessoal ou de supervisões terapêuticas. Sem isso, a

análise da relação terapêutica pode ser algo complexo, custoso e arriscado, mesmo se trabalhando

com crianças. E a proposta da PAF é que esta relação seja usada como o principal veículo de

mudança terapêutica, pois, como afirmou Greben citado por Kohlenberg e Tsai (1987), ...a relação

terapêutica é o próprio coração da psicoterapia...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Conte, F.C.S. (1993). A Terapia Infantil na Clínica Comportamental. In: Encontro de Terapeutas
Comportamentais de São Paulo: USP. Palestra proferida e não publicada. Versão ampliada
para fins didáticos.

Conte, F.C.S. (1987). Procedimentos e Metas em Terapia Comportamental: Implicações Éticas. In.
Neri, A.L. (Org) Modificação do Comportamento Infantil. Campinas: Papirus.

Ferster, C.B. (1979). Psychotherapy from the Standpoint of a Behaviorist. In: Keehn, J.D. (Ed).
Psychopathology in Animals: Research and Clinical implications. Academic Press: New
York

14
Hayes, S.C. (1987). A Contextual Approach to Therapeutic Change. In: Jacobson, N.S. (Ed).
Psychotherapist in Clinical Practice: Cognitive and Behavioral Perspectives. New York:
Guilford Press.

Keefe, F.J.; Steven, A.K.; Gordon, S.B. (1980). Manual Prático de Avaliação Comportamental. v.
2, São Paulo: Manole.

Kernberg, P.; Chazan, S. (1992). Crianças com transtornos de comportamento: manual de


psicoterapia. Porto Alegre: Artes Médicas.

Kohlenberg, R. J.; Tsai, N. (1987). Functional analytic psychotherapy. In: Jacobson, N. S. (Ed.).
Psychotherapist in clinical practice: cognitive and behavioral perspectives. New York:
Guilford.

Nalin, J. A. R. (1993). O uso da fantasia como instrumento na psicoterapia infantil. Temas em


Psicologia. 2, 47-56.

Oaklander, V. (1980). Descobrindo crianças: abordagem gestáltica com crianças e adolescentes.


São Paulo: Summus.

15

Você também pode gostar