E ü 6 E N E EE N E R R I E E
£ D ú í N £ H. M [ R R I L L
0 reino
de sacerdotes
entre as nações
Tradução
Romell S. Carneiro
CB4D
Todos os direitos reservados. Copyright © 2001 para a língua portuguesa
da Casa Publicadora das Assembléias de Deus. Aprovado pelo Conselho
de Doutrina.
T’ edição/2001 ■, ■
3- Edição 2002 , ...
Prefácio
1. Origens............................................... :............................................................... 7
Israel em Moabe 7
O propósito da Torá 8
A história dos patriarcas 11
Bibliografia 551
índice das Escrituras 555
índice de temas 563
Ilustrações
Tabelas cronológicas
1. A seqüência da Era do Bronze 17
2. Os Patriarcas 18
3. XII Dinastia do Egito 42
4. 18a e 19a Dinastia do Egito 50
5. A vida de Davi 257
6. Os reis da monarquia dividida 340
7. Os reis neo-assírios 357
8. Os reis neo-babilônicos 476
9. Os reis da Pérsia 507
Mapas
1. O Oriente Médio nos tempos do Pentateuco 14
2. Canaã nos tempos dos patriarcas 21
3. O êxodo 53
4. A chegada na Transjordânia 80
5. O Oriente Médio nos tempos de Josué e dos juízes 91
6. A conquista de Canaã 100
7. Os territórios das tribos 130-131
8. Israel durante a era dos juízes 146
9. O reino de Saul 199
10. O Oriente Médio durante a monarquia unida 207
11. O reino de Davi 236
12. Jerusalém nos dias de Davi e Salomão 247
13. Os doze distritos do reino de Salomão 325
14. A monarquia dividida 337
15. O Império Assírio 385
16. O Império Babilónico 461
17. O Império Persa 500
Abreviaturas
C o n s id e ra ç õ e s P re lim in a re s
A questão da inerrância
Seletividade histórica
A p re s e n te a b o rd a g e m d a h is tó ria d e Isra e l
De acordo com o que foi dito acima, esta presente obra reconhece o
processo de seletividade no texto canônico e, portanto, não espera que o
Antigo Testamento diga mais ou menos do que aquilo que se propõe a
falar com respeito à história. Esse processo de seletividade não deveria
nos surpreender, pois ocorreu em vários outros registros escritos da mes
ma época. Por exemplo, alguns acontecimentos marcantes do Antigo Tes
tamento não foram registrados na história secular quando, na verdade,
qualquer um poderia esperar que eles tivessem sido.
Do mesmo modo, muitos eventos cruciais no mundo também não são
mencionados no Antigo Testamento. É realmente estranho que os textos
egípcios (ou ainda mais surpreendente, hititas) sequer façam menção do
êxodo de Israel, e também que o Antigo Testamento permaneça em abso
luto silêncio com respeito ao poderoso Hamurabi. A única explicação para
tais omissões repousa na idéia de que houve grande seletividade e (se
IsTRODUÇÃO 5
Isra e l e m M o a b e
Os princípios que fundamentam a estrutura cronológica adotada nessa obra estão con
tidos nas pp. 59-73.
8 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O p ro p ó s ito d a T orá
Gênesis
Êxodo
Levltico
Números
Deuteronômio
5 Meredith G. Kline, The Structure ofBM ical Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 1972),
pp. 9-14.
O rigens II
A h is tó ria d o s p a tria rc a s
6 Peter C. Craigie, The Book of Deuteronomy, New International Commentary on the Old
Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1976), pp. 28,30-32.
~Para um apanhado historiográfico um pouco diferenciado sobre as histórias dos patriar
cas, ver inter alia, John T. Luke, "Abraham and the Iron Age: Reflections on the New
Patriarchal Studies", JSOT 4 (1977): 35-47, esp. p. 47.
12 H istória de I srael no A ntigo T estamento
As origens de Abrão
A história de Israel tem início com a chamada de Abrão para ser o pai
da nação escolhida. No final da lista genealógica que começa com Sem,
filho de Noé (Gn 11.10-26), aparece o nome de Terá, pai de Abrão, Naor e
Arã. Terá viveu em Ur dos Caldeus (v. 28), a famosa cidade sumeriana
localizada às margens do Rio Eufrates, cerca de 241 quilômetros a nordes
te da costa atual do Golfo Pérsico.8 A mais satisfatória reconstrução da
cronologia bíblica localiza o nascimento de Abrão em 2166 a.C.,9 uma época
em que a cidade de Ur caiu nas mãos de um povo bárbaro e montanhês
conhecido por Guti.10
Conforme já foi constatado, Ur era uma cidade da Suméria - a mais
importante dentre um complexo de cidades-estados - povoada pela civili
zação altamente culta dos sumários pelo menos desde a metade do quarto
milênio. A Ur de Terá e Abrão era, por assim dizer, uma cidade altamente
cosmopolita, já que não-sumérios como o próprio Abrão e seus antepassa
dos - de origem semítica - lá viveram e fundiram seus conhecimentos
intelectuais e sua cultura com o lastro cultural dos sumários.11
Visto que por aqueles tempos Sargão (2371-2316)12 estabeleceu em
Agade o Império Acadiano, de dominação semita, aproximadamente 321
quilômetros a noroeste de Ur, é quase certo que Abrão era bilíngüe, domi-
13 Cyrus H. Gordon lançou a teoria que Abrão não tinha ligações com a Ur dos Caldeus
mas com uma Ura' na Síria, um local muitíssimo mais próximo de Arã e, segundo seu
ponto de vista, muito mais compatível com as narrativas de Isaque e Jacó, cujas esposas
procederam da parentela de Abrão em Arã ou da parte mais alta da Síria. Ver detalhes
em "Abraham of Ur", em Hébrew and Semitic Studies, editado por D. Winton Thomas e
W.D. McHardy (Oxford: Clarendon, 1963), pp. 77-84. Mais recentemente foi ventilada a
confirmação de uma outra Ur mais ao norte, que está registrada nos textos de Ebla.
Mas, conforme Paul C. Maloney, os sinais cuneiformes usados por aquela Ur são dife
rentes dos utilizados para soletrar o mesmo nome da Ur dos Sumérios ("The Raw Mate
rial", BAR 6.3 [1980]: 59). Para uma veemente defesa do ponto de vista que a Ur dos
Caldeus deve ser entendida como aquela cidade localizada no sul, ver H.W.F. Saggs,
"Ur of the Chaldees", Iraq 22 (1960): 200-9. A frase identificadora "dos Caldeus" é sem
dúvida uma glosa explicativa surgida tempos depois, já que os caldeus e os kaldu-(i.e.
caldea) não eram conhecidos até o século nove a.C. O propósito, é claro, era distinguir a
Ur que se localizava no sul daquelas outras cidades que tinham o mesmo nome.
14 William G. Dever e W. Malcolm Clark, "The Patriarchal Tradition", em lsraelite and Judaean
History, editado por John H. Hayes e J. Maxwell Miller (Philadelphia: Westminster, 1977),
p. 127. O nome mais provavelmente deve ser buscado no acadiano tarhu ("ibex"). Ver
Claus Westermann, Genesis 1-11: A Commentary, traduzido por John J. Scullion
(Minneapolis: Augsburg, 1984), p. 564.
O*:-jess 15
cem são talvez os representantes de muitos outros que, por motivos a nós
desconhecidos e que não podem ser determinados, não foram inseridos
no registro.15 Caso Sem e Abrão tenham sido contemporâneos, conforme
uma interpretação estrita da genealogia nos forçaria a reconhecer, então
torna-se extremamente difícil entender como os ancestrais mais imediatos
de Abrão tornaram-se pagãos e, mais ainda, por que Abrão teria sido cha
mado exclusivamente para essa sagrada missão, já que havia crentes dis
poníveis para cumprir o propósito que Deus tinha em vista.16 E mais: caso
Sem e Abrão tenham sido contemporâneos, torna-se difícil conciliar o fato
de Abrão haver morrido aos 175 anos, "... em ditosa velhice, avançado em
anos..." (Gn 25.8), pois o registro bíblico diz que Sem morreu aos 600 anos,
uma idade consideravelmente mais jovem do que seu pai Noé (950 anos).
Claramente, podemos ver que Sem precedeu Abrão por muito mais anos
do que uma estrita leitura do texto permite enxergar. Portanto, houve tempo
suficiente para permitir o fato de Jeová ter desaparecido da linhagem de
Sem, tornando-se necessária a sua revelação ao pagão Abrão.
ram com suas esposas seguindo Terá em direção à grande cidade de Arã,
cerca de 965 quilômetros a noroeste de Ur. Por que Terá e sua família dei
xaram a cidade de Ur é algo que não pode ser determinado, embora pos
samos supor que os levantes políticos e culturais que estavam acontecen
do na Sumária, em razão das conquistas impostas pelos Guti, devam ter
contribuído diretamente para tal decisão. Terá não tinha como descobrir
que os bárbaros Guti seriam expulsos em 2115, e que a gloriosa 3aDinastia
de Ur seria estabelecida sob Ur-Nammu. Nessa ocasião, Terá e sua família
já estavam vivendo em Arã, e dentro de vinte e cinco anos Abrão estaria
partindo dali para Canaã (Gn 12.4; cf. At 7.4).
Nos anos de sua estada em Arã - que na época era um centro comercial
e de negócios habitado principalmente por uma raça conhecida pelos
sumerianos por MAR.TU e pelos acadianos por Amurru (os amoritas bí
blicos) - , Abrão sem dúvida tornou-se fluente no dialeto semítico amorita
que lá era falado e adquiriu um estilo de vida nômade, com o qual ele
viria mais tarde a se familiarizar em Canaã.18 Os amoritas nesse tempo
não apenas ocupavam as principais cidades a noroeste da Mesopotâmia,
mas também, por necessidade de expansão comercial, atingiram o sudes
te e o sudoeste.19
Por fim, pelo fato de haver população suficiente na Mesopotâmia cen
tral, surgiram as cidades-estados amoritas, tais como Isin, Larsa, e a mais
importante de todas: Babilônia. O próprio Hamurabi (1792-1750), o mais
Ninguém deve a priori rejeitar o grande número de anos que os patriarcas viveram
simplesmente por não encontrarem paralelos nos dias de hoje. Uma análise objetiva dos
únicos dados que temos disponíveis exigem que esses números sejam tomados do jeito
que nos foram apresentados, a não ser que exista evidência histórica que nos prove o
contrário. Será útil observar que é dito que Sargão de Acade reinou por cinqüenta e
cinco anos, Rim-Sin de Larsa durante sessenta, Ramsés II do Egito por sessenta e seis
anos e, Phiops II do Egito por noventa e quatro anos! Para mais informações, ver em
William W. Hallo e William K. Simpson, The Ancient Near East (New York: Harcourt
Brace Jovanovich, 1971), p. 55; CAH 1.2, p. 64; 2.2, p. 232; 1.2, p. 195. Todos esses, com
exceção de Ramsés, foram contemporâneos com o período dos patriarcas. Além disso,
mesmo sendo grandemente exagerada, a lista dos reis sumérios fala de reis muito anti
gos que reinaram por séculos e até mesmo por milênios. Sem dúvida que essa
longevidade deve estar baseada nalguma fonte genuinamente histórica. Ver em Thorkild
Jacobsen, The Sumerian King List, Assyriological Studies 11 (Chicago: University of Chi
cago Press, 1939).
18 Para informações sobre MAR.TU ou amurru, da Alta Mesopotâmia no início do segun
do milênio, ver em Jean Bottéro, "Syria During the Third Dynasty of Ur", em CAH 1.2,
pp. 562-64.
19 Ignace J. Gelb, "Na Old Babylonian List of Amorites", JAOS 88 (1968): 39-46.
O rigens 17
20 Para um apanhado do estilo de vida "dimórfico" dos amoritas, ver Michael B. Rowton,
"Urban Autonomy in a Nomadic Environment", JNES 32 (1973): 201-15; M. Liverani,
"The Amorites", em Peoples o f Old Testament Times, editado por D.J. Wiseman (Oxford:
Clarendon, 1973), p. 114.
21 A assim chamada hipótese amorita foi popularizada e encontrou um maior defensor no
trabalho de Kathlen Kenyon, Amorites and Cananítes (London: Oxford University Press,
1966), esp. pp. 76,77. Mais tarde surgiu forte oposição contra esta teoria, representada
especialmente por C.H.J. de Geus, "the amorites in the Archaeology of Palestine", UF 3
(1971): 41-60. É seguro afirmar que muitos estudiosos ainda acreditam a hipótese e que
ela é a que supre-nos com a melhor explicação sobre a liberdade que os patriarcas ti
nham de seu movimentar em Canaã nesse período, além de ser a melhor forma de se
elucidar o padrão dos assentamentos descritos no Antigo Testamento. Maiores infor
mações, ver Eugene H. Merril, "Ebla and Biblical Historical Inerrancy", Bib Sac 140 (1983):
302-21, esp. pp. 306-8; Benjamim Mazar, "Canaan in the Patriarchal Age", em World
History of the Jewish People, vol. 2. Patriarchs, editado por Benjamim Mazar (Tel Aviv:
Massada, 1970), pp. 169-87, 276-78.
IS H istória de I srael ko A ntigo T estamento
O historiador bíblico relata que Jeová disse a Abrão para deixar seu
país (na ocasião era Arã), indo para um lugar que Ele progressivamente
lhe revelaria. É tentador supormos que Abrão não tenha se movido da
quele local sozinho, mas que tivesse participado das grandes migrações
de amoritas que estavam em voga naqueles dias.22 E verdade que Abrão
Tabela 2 Os Patriarcas
O estabelecimento em Canaã
Quando Abrão chegou em Canaã, achava-se numa terra que in
dubitavelmente tinha passado por algumas modificações culturais devi
do às novas condições descritas anteriormente. Por um período de mais
de mil anos o elemento étnico predominante na terra tinha sido o cananita.24
Quem eram os cananeus na época de Abrão continua obscuro, embora o
Antigo Testamento ligue Canaã originalmente a Cão, filho de Noé. Se eles
eram ou não semíticos em sua etnia, o fato é que falavam uma língua
semítica que se comparava substancialmente à que Abrão deve ter apren
dido em Arã.25 As escavações feitas recentemente em Tel Mardikh (a anti
ga Ebla), situada a menos que 240 quilômetros a sudoeste de Arã, têm
revelado diversas tabuinhas escritas numa linguagem tão parecida com o
cananeu, que muitos estudiosos a têm classificado de protocananéia.26 O3
3 William F. Albright defende a idéia que Abrão não deva ser visto como um pastor de
rebanhos que levava o estilo nômade de vida, mas como um mercador ou caravaneiro,
ou seja, substancialmente um semi-nômade. ("From the Patriarchs to Moses: I. From
Abrahan to Joseph", BA 36 [1973]: 11-15). Quanto à definição de hebreu, ver pp. 100-2.
:J Embora não fosse possível até bem pouco tempo encontrar referências aos termos Canaã
ou cananeus nos textos literários extrabíblicos mais antigos do que a metade do segun
do milênio (ver Sidney Smith, The Statue of ldri-Mi [London: British Institute of
Archaeology in Ankara, 1949], p. 15; Michael C. Astour, "the Origins of the Terms
'Canaan', 'Phoenician' and 'Purple'," JNES 24 [1965]: 346-47), não existe razão para du
vidar de que as populações nativas da Palestina nos primórdios da Idade do Bronze
tivessem sido cananéias. Conforme diz Roland de Vaux, "Visto que não houve alteração
da raça ou da cultura no decurso do terceiro milênio, os 'cananeus' bem podem ser
considerados os fundadores da primitiva Idade do Bronze." ("Palestine in the Early
Bronze Age," em CAH 1.2, p. 234). Além disso, existe uma informação contida num
texto de Ebla, e que antecede em mil anos à referência de Idri-Mi (Alalakh), citando um
tal "senhor de Canaã" (be ka-na-na-im). Ver Giovanni Pettinato, The Archives o f Ebla
(Garden City, N.Y.: Doubleday, 1981), p. 253.
:= Sabatino Moscati, Na Introduction to the Comparative Grammar of the Semitic Language
(Wiesbaden: Otto Harrassowitz, 1984), pp. 3-8; William L. Moran, "The Hebrew Language
in Its Northwest Semitic Background", em The Bible and the Ancient Near East, editado
por G. Ernest Wright (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1965), pp. 59-64.
Pettinato, Archives, p. 56; quanto as escavações e dados arqueológicos, ver em Paolo
Mathiae, Ebla: An Empire Rediscovered, traduzido por Christopher Holme (Garden city,
X.Y: Doubleday, 1981).
20 H istória de I srael no A ntigo Testamento
27 Para uma posição cautelosa e ao mesmo tempo bem informativa quanto à relevância
dos textos de Ebla com respeito a história, vida social, religião e linguagem da antiga
Síria, ver em Lorenzo Vigano e Dennis Pardee, "Literary Sources fo the History of
Palestine and Syria: The Ebla Tablets," BA 47 (1984): 6-16.
2S Kenyon, Amorites, pp. 76-77; William F. Albright, "The Jordan Valley in the Bronze Age",
AASOR 6 (1926): 68; Norman K. Gottwald, The Tribes ofYahweh (Mary-knoll, N.Y.: Orbis,
1979), p. 452. O que não significa necessariamente nomadismo ou vida em cabanas,
conforme D. J. Wiseman nos mostra com respeito aos patriarcas ("They Lived in Tents",
em Biblical and Near Eastern Studies, editado por Gary A. Tuttle [Grand Rapids: Eerdmans,
1978], pp. 195-200).
29 William G. Dever, "Palestine in the Second Millenium BCE: The Archaeological Picture,"
em Hayes e Miller, History, p. 99; Joe D. Seger, "The Middle Bronze II C Date of the East
Gate of Shechem," Levant 6 (1974): 117. Em 1900 Siquém desenvolveu-se num centro
urbano, quase duzentos anos após a chegada de Abrão em Canaã (aprox. 2100). Na
narrativa não existe sequer uma pista que nos indique que ali existiu uma cidade nos
dias de Abrão. Pelo contrário, parece que ele construiu um altar num local desocupado,
o qual mais tarde se tornou a cidade de Siquém.
22 H istória de I srael no A ntigo T estamento
(ou seja, viviam em cidades-estados), nos dias de Abrão, eles tinham sido
desapossados e estavam "na terra" no sentido de serem forçados a uma
forma de vida mais agrária.30
Mudando-se para uma outra colina entre Betei e Ai, cidades que rece
beram esses nomes tempos depois,31 Abrão e seu clã novamente não en
contraram nenhuma resistência. Esse padrão foi mantido por todo um
percurso na direção sul, através de toda a extensão da região montanhosa.
Com os cananeus efetivamente habitando nas planícies e vales, e os
amoritas (entre os quais Abrão viveu) levando um estilo nômade de vida,
este patriarca moveu-se e se estabeleceu conforme sua vontade e livre esco
lha, sem qualquer impedimento ou ameaça por parte daqueles que forma
vam a população nativa da região.
30 Esse particularmente parece ser o caso de Gênesis 13.7, que fala de uma tensão entre
Abrão e Ló por causa de pastos para seus rebanhos. Justamente porque os cananeus
estavam "na terra", o espaço para Abrão e Ló era pequeno.
31 Confira em Gênesis 28.19 e Josué 8.28 (visto que o nome Ai significa "ruína", subenten
de-se que esta cidade passou a se chamar assim somente após a conquista israelita do
local). O nome anterior para o sítio de Betei, que chamava-se Luz, continua sem com
provação, embora esteja claro que tal local se estabeleceu tão cedo quanto a primitiva
Idade do Bronze. Ver em J.L. Kelso, The Excavation ofBethel 1934-1960, AASOR 39 (1968).
Não há como localizar a cidade de Ai com precisão hoje em dia. Para termos uma visão
completa do assunto, ver em John J. Bimson, Redating the Exodus and Conquest (Sheffield:
JSOT, 1978), pp. 215-25.
32 Cyril Aldred, The Egyptians (New York: Praeger, 1961), pp. 103-4. Este estado de coisas
continuou por todo o Primeiro Reino Intermediário e Reino Médio, conforme nos é
demonstrado por O. Tufnell e W. A. Ward, "Relations Between Byblos, Egypt and
Mesopotamis at the End of the Thrid Millennium B.C., Syria 43 (1966): 165-241, especial
mente páginas 221-23.
O rigens 23
Ver o texto interessante "The Instmction for King Meri-ka-Re," em James B. Prithcard,
Ancient Near Eastern to the Old Testament, 2a edição (Princeton: Princeton University Press,
1955), pp. 414-18, esp. 11.91ff: "Vede o maldito asiático... ele não consegue viver num
único lugar, (mas) suas pernas foram feitas para perambular".
’ William C. Hayes, "The Middle Kingdom in Egypt," em CAH 1.2, pp. 466-68. Ver tam
bém nota 33.
24 H istória de I srael no A ntigo T estamento
35 Yohanan Aharoni, The Land ofihe Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), pp. 133-4.
36 Jerico, a principal cidade da área, segundo a opinião de Kenyon (Amorites p. 9), tinha
sido destruída por volta de 2300 e reconstruída por uma "população numerosa, embora
fossem nômades" (p. 33). Esses primitivos anos do Médio Bronze sobreviveram até cer
ca de 1900 (p. 35). A natureza não-urbana da área explicaria o porquê de Ló (cerca de
2090 a.C.) ter decidido escolher a "planície do Jordão" como sua porção.
37 Willem C. Van Hatten, "Once Again: Sodom and Gomorrah", BA 44 (1981): 87.
38 Ver particularmente a obra em andamento de Walter Rast e Thomas Schaub, "Survey of
the Southeastern Plain of the Dead Sea," ADAJ 19 (1974): 5-53; "Bab edh-Dhra' 1975,"
AASOR 43 (1978): 1-60; "Preliminary Report of the 1979 Expedition Bab edh-Dhra' and
Numeira: May 24-July 10,1981," ASOR Newsletter 4 (1982): 4-12.
39 A divina promessa da terra e as outras bênçãos (Gn 12.1-3; 15.18-21; 17.1-8) estão
registradas numa forma de aliança tecnicamente conhecida nos estudos do antigo Ori
ente Médio como sendo um "concerto da graça". É uma iniciativa que parte daquele
que concede o favor, e quase sempre sem que para isso exista quaisquer prerequisitos
ou qualificações. Ver em Moshe Weinfeld, "The Covenant of Grant in the Old Testament
and in the Ancient Near East", JAOS 90 (1970): 184-203: Samuel E. Loewenstamm, "The
Divine Grants of Land to the Patriarchs," JAOS 91 (1971): 509-10.
O rigens 25
mada em homenagem ao seu líder amorreu (Gn 14.13), e que seria um dia
a cidade de Hebrom (Gn 13.18). Sabemos que a referência a Hebrom, por
parte de Moisés, não passa de anotações explicativas feitas por ele, já que,
de acordo com Números 13.22, a cidade não havia sido ainda construída
até sete anos antes da construção de Zoan, a cidade mais importante
construída pelos hicsos bem ao oriente do Delta do Egito. Esses dados
colocariam a fundação da cidade de Hebrom a cerca de 1727, ou seja, tre
zentos anos depois de Abrão.40
Os reis do Oriente
A essa altura, a narrativa patriarcal envereda por um caminho comple
tamente diferente. Até agora tudo tem girado em torno de uma atmosfera
estritamente pessoal, com caráter muito mais biográfico do que qualquer
outra coisa, o que resulta numa dificuldade quase intransponível quando
tentamos associar essas narrativas ao contexto histórico internacional mais
abrangente.41 Por outro lado, vemos em Gênesis 14 que Abrão se encon
trou com reis e líderes de algumas tribos da região, cujos nomes não ape
nas são mencionados, mas também seus territórios e alianças militares são
descritos em detalhes. Praticamente todos os estudiosos admitem a natu
reza historiográfica da narrativa, embora reconheçam a grande dificulda
de existente em identificar os protagonistas e encaixá-los numa série de
acontecimentos conhecidos nas fontes extrabíblicas.42
40 Zoan é identificada com Avaris ou (mais provavelmente) com a Tanis dos hicsos, situa
da a cerca de 32 quilômetros de Avaris. Alguns estudiosos identificam Zoan e Tanis com
a Per-Ramesse. Ver Jacquetta Hawkes, The First Great Civilizations (New York: Knopf,
1973), p. 315. Se Zoan é Avaris ou Tanis, em nada irá afetar a cronologia em questão, já
que os sítios onde os hicsos viveram foram construídos por volta do mesmo período
(ca. 1720). Ver William C. Hayes, "Egypt: From the Death of Ammenemes III to Seqenenre
II," em CAH 2.1, pp. 57-58.
41 Não queremos com isso sugerir que as narrativas patriarcais, apenas por serem relatos
biográficos, não devam ser consideradas históricas em seu gênero literário. Cada vez
mais se tem reconhecido que o estilo literário em forma de biografia é uma forma extre
mamente positiva e produtiva de se contar uma história. Ver em Luke, "Abraham and
the Iron Age," fSO T4 (1977): 37; Lawrence Stone, "The Revival of Narrative: Reflections
on a New Old History," Past and Present 85 (1979): 3-24; " 'Disilusioned' with Numbers
and Counting, Historians Are Telling Stories Again," The Chronicle of Higher Education,
13 June 1984, pp. 5-6.
4: Da mesma forma, por exemplo, Ephraim A. Speiser, Genesis, Anchor Bible (Garden City,
N.Y.: Doubleday, 1964), pp. 108-9; Niels-Erik A. Andreason, "Genesis 14 in Its Near
Eastern Context,", em Scripture in Context, editado por Cari D. Evans et al. (Pittisburgh:
Pickwick, 1980), pp. 60,62-65.
26 H istória de I srael no A ntigo T estamento
43 Ver a discussão bastante elucidativa de Keneth A. Kitchen, Ancient Orient and Old
Testament (London: Tyndale; Chicago: Inter-Varsity, 1966), pp. 43-44. Kitchen dá a en
tender que embora as pessoas listadas em Gênesis 14 não possam por enquanto ser
ligadas a indivíduos em histórias extrabíblicas, os nomes são por outro lado muito fa
miliares no período do Bronze Médio. S.Yeivin vai até mais além: datando o período
patriarcal como tendo existido do décimo oitavo ao décimo sexto séculos - trezentos
anos mais tarde do que a nossa cronologia - ele identifica os reis com alguns governantes
bem conhecidos ("The Patriarchs in the Land of Canaan," em World History ofthe Jezvish
People, vol. 2, pp. 215-17).
44 David Noel Freedman, "The Real Story of the Ebla Tablets," BA 41 (1978): 143-64.
Giovanni Pettinato, que foi o primeiro a fazer tal afirmativa, tempos depois recuou de
sua posição por motivos até agora inteiramente desconhecidos. Ver em seu Archives, p.
387, para se achar evidências pelo menos acerca das cidades de Sodoma e Gomorra nos
textos de Ebla. Precisamos, porém, adotar uma posição bastante cautelosa a fim de não
atribuirmos tanta importância aos achados em Ebla, e não darmos ao Antigo Testamen
to uma importância quase nula. Ver alguns avisos importantes em Robert Biggs, "The
Ebla Tablets: An ínterim Perspective," BA 43 (1980): 82-83,85.
O rigens 27
45 Uma discussão mais aprofundada acerca dos 'apiru e seu relacionamento com os israe
litas terá que esperar até que tratemos da questão da conquista de Canaã (pp. 100-8).
Por enquanto, sugerimos pesquisar em Moshe Greenberg, The Hab/piru (New Haven:
American Oriental Society, 1955); Michael B. Rowton, "Dimorphic Structure and the
Problem of the 'Apiru-'Ibrim," Jnes 35 (1976): 17-20.
28 H istória de I srael no A ntigo T estamento
46 Para informações que descrevem como foram as escavações e publicação dos textos, ver
em Ephraim A. Speiser, New Kírkbuk Documents Relating to Family Laws, AASOR10 (1928
1929): 1-73.
O rigens 29
47 Para esse e outros paralelos, ver em Cyrus H. Gordon, "Biblical Customs and the Nuzi
Tablets," BA 3 (1940): 1-12; Speiser, Genesis, esp. pp. Xl-xliii; Samuel Greengus, "Sisterhood
Adoption at Nuzi and the 'Wife-Sister' in Genesis," HUCA 46 (1975): 5-31.
48 Thomas L. Thompson, The Historicity of the Patriarchal Narratives (Berlin: de Gruyter,
1974); John Van Seters, Abraham in History and Tradition (New Haven: Yale University
Press, 1975); Thomas L. Thompson, "The Background of the Patriarchs: A Reply to
William Dever and Malcolm Clark,"/SOT 9 (1978): 2-43.
49 Cyrus H. Gordon, "Hebrew Origins in the Light of Recent Discovery/'em Biblical and
Other Studies, editado por Alexander Altmann (Cambridge: Harvard University Press,
1963), pp. 5-6.
57 Ver em M.J. Selman, "Comparative Customs and the Patriarchal Age," em Essays on the
Patriarchal Narratives, editado por A.R. Millard e D.J. Wiseman (Winona Lake, Ind.:
Eisenbrauns, 1983), pp. 91-139; Tikva Frymer-Kensky, "Patriarchal Family Relationships
and Near Eastern Law,"BA 44 (1981): 209-14.
30 H istória de I srael no A ntigo T estamento
51 Abrão = "pai exaltado" e Abraão = "pai de multidões". Para saber sobre a proveniência
e significação teológicas desses nomes, ver em D. J. Wiseman, "Abraham Reassessed,"
em Essays on the Patriarchal Narratives, pp. 158-60.
52 Os escavadores da região atribuem a destruição dos sítios urbanos a um terremoto. Ver
em Michael D. Coogan, "Numeira 1981," BASOR 255 (1984): 81.
53 Para uma linha de argumento que apoia essas datas, ver Eugene H. Merrill, "Fixed
Dates in Patriarchal Chronology," Bib Sac 137 (1980): 242-43.
54 Rast e Schaub, "Bab adh-Dhra' 1975," AASOR 43 (1978): 2; van Hatten, "Sodom and
Gomorrah," BA 44 (1981): 89.
55 Albright, "Jordan Valley," AASOR 6 (1926): 62, chega mesmo a dizer que "É muito difí
cil separar o abandono de Bab ed-Dra' da destruição das Cidades da Planície."
O rigens 31
Abraão e os filisteus
56 John Skinner, A Criticai and Exegetical Commentary on Genesis (New York: Scribner, 1910)
p. 315.
57 Ibid., pp. 364-65.
58 Gleason L. Archer, Jr., A Survey ofOld Testament Introduction (Chicago: Moody, 1964), pp.
120- 21 .
89 Van Seters, Abraham, p. 52.
Roland de Vaux, The Early History of Israel, traduzido por David Smith (Philadelphia:
Westminster, 1978), pp. 503-4.
Kitchen, Ancient Orient, p. 81; idem, "The Philistines," em Peoples ofOld Testament Times,
editado por D.J. Wiseman, pp. 56-57; D.J. Wiseman, "Abraham in History and Tradition.
II: Abraham the Prince," Bib Sac 134 (1977): 232-33.
32 H istória de I srael no A ntigo T estamento
tou a jabim, de Hazor, um rei cananeu; e muitos anos depois disso Débora
e Baraque subjugaram um rei de Hazor também conhecido por Jabim.
Embora aqui tenhamos um nome próprio, podemos ver que esses são exem
plos que nos mostram que diferentes reis ou governantes de um mesmo
local podem ter nomes semelhantes.
Mais relevante talvez seja o uso de títulos como Faraó ou Czar, usados
de maneira que se tornaram praticamente nomes próprios em vez de pu
ramente títulos. Sendo assim, não há como alguém determinar o caráter
étnico do nome de Abimeleque, ou seja, se ele, mesmo sendo filisteu, pôde
ter se utilizado de um título semítico ou se, por ter assimilado profunda
mente a cultura semítica, adotou para si um nome semítico.
O problema da presença de filisteus em Canaã quase um milênio antes
da chegada dos povos do mar é mais complicado, embora não insolúvel.
Uma série de textos oriundos de Mari, Ras Shamra e de outras partes,
refere-se aos povos de Caftara, cujo local de origem pode ter sido a ilha de
Creta ou um outro local em alguma região do mundo Egeu.62 E a Bíblia
associa os primitivos filisteus aos caftorim, cujo lar era em Caftor ou Creta
(Dt 2.23; Jr 47.4; Am 9.7; ver Gn 10.14). Os caftara ou caftorim eram clara
mente o mesmo povo, e suas extensas viagens, conforme está registrado
em documentos extrabíblicos, poderiam bem explicar sua existência em
Canaã durante a era do Bronze Médio.63
A chegada dos povos do mar tempos depois teria apenas aumentado o
número dos filisteus presentes na região. Essa hipótese, além de dar base à
historicidade dos encontros dos patriarcas com os primitivos filisteus, tam
bém explicaria a decisão de Israel quanto a não seguir o caminho do mar em
direção reta do Egito para Canaã, "embora fosse mais curto" (Ex 13.17), pois
isto significaria destruição certa por parte dos filisteus. Uma das mais fortes
evidências em favor de uma data mais recente para o êxodo (aprox. 1250) e
uma outra correspondente para a conquista da terra (após 1200) é justa
mente a referência aos filisteus. Porém, se os filisteus já estavam habitando
na terra desde os tempos patriarcais, então deduz-se que a data tradicional
para o êxodo (1446) pode muito bem ser mantida em vigor.
Seguindo a data de 2066 para o nascimento de Isaque, Abraão e
Abimeleque viram-se às voltas com problemas relativos aos pastos e di
reitos à água potável; daí concluíram que deveriam entrar num acordo
pelo qual passariam a respeitar os limites e poços. Um contrato de igual
teor foi feito entre Isaque e um outro Abimeleque (Gn 26.26-33). Em ambas
as situações, o local do tratado foi em Berseba, que deriva seu nome ("poço
do juramento") do pacto que ali outrora foi realizado.
As evidências arqueológicas nos dizem que Berseba não fora encontra
da até bem depois do período Médio Bronze, sendo bem provável que
Abraão e sua família não tivessem ocupado a área de forma permanente,
mas apenas como um local para peregrinação religiosa ou como uma es
pécie de acampamento para as migrações sazonais.64 De fato, não há nada
nas narrativas bíblicas que explicitamente relacionem Berseba com um
centro urbano até a época da conquista (Gn 21.14,31-33; 22.19; 26.23,33;
28.10; 46.1; cf. Js 15.28). Este local foi uma importante estalagem para os
patriarcas, mas não era desenvolvido a ponto de produzir restos que pu
dessem ser arqueologicamente reconhecíveis.
rências fazem parte de uma época bem posterior à vida de Naor, deduz-se
que tal cidade provavelmente não foi aquela visitada pelo servo de
Abraão.67 De qualquer maneira, Betuel e Labão concordaram que a moça
Rebeca fosse entregue para Isaque, de forma que, após serem acertadas as
obrigações costumeiras da época, ela voltou com o servo de Isaque para
sua casa no Negueve cananeu.
Abraão casa-se novamente e, através de sua esposa Quetura, torna-se o
ancestral dos clãs de Joscan, Midiã e Dedã (Gn 25.2-4; 1 Cr 1.32,33). Os
midianitas participariam de forma especial na história subseqüente do povo
de Israel. Da mesma forma que os demais povos, eles também assumiram
um estilo de vida nômade e, por fim, alcançaram toda a vasta península
sírio-árabe. Abraão morreu na idade de 175 anos (1991 a.C.), deixando
seus dois principais filhos, Isaque e Ismael, como seus herdeiros. A des
cendência de Ismael se estabeleceu nos desertos a leste e ao sul de Edom e,
seguindo os mesmos passos de Israel, desenvolveu-se numa federação de
doze tribos. O relacionamento deles com os midianitas é incerto, embora
os termos ismaelitas e midianitas pareçam por muitas vezes intercambiáveis
(Gn 37.25,27-28,36).
A bênção e o exílio
Isaque, é claro, era o filho da aliança de Abraão, aquele através do
qual Deus mediou as promessas redentoras concernentes à nação e à
terra (Gn 12.1-3; 15; 17.1-14; 25.21-24). Embora Isaque tivesse quarenta
anos quando se casou, seus filhos gêmeos nascidos de Rebeca somente
vieram ao mundo vinte anos após seu enlace, em cumprimento da pro
messa (Gn 25.20,26). Abraão estava então com 160 anos, e dentro de quin
ze anos seus olhos já não mais poderiam contemplar a fidelidade de
Deus.68 Esaú, o herdeiro aguardado da aliança, perdeu seu direito de
primogenitura e os demais privilégios da aliança, e assim teve de se con
formar em tornar-se o pai das tribos edomitas. Embora Jacó tenha se
67 William F. Albright, From the Stone Age to Christianity (Garden City, N.Y.: Doubleday,
1957), pp. 236-37. Nahur(u) não parece ser confirmado antes de 1750 a.C., ao passo que
Naor, irmão de Abraão, teria se estabelecido em sua cidade por volta de 2100 ou algo
semelhante. E claro que é possível que o nome da cidade por fim tenha refletido o de
seu fundador.
68 Acerca de informações relativas a essas estimativas, ver Merrill, "Fixed Dates," Bib Sac
137 (1980): 243-44.
O rigens 35
69 O termo deriva do acadiano paddanu ("estrada") + Aram, ou seja, "a estrada de Aram".
Visto que este local é identificado com o Arã-ATaharaim ("Aram dos dois rios") em Gênesis
24.10 (cf. 28.2) e, mais tarde, com o Aram em 27.43 e 28.10, pode até ser que o nome
signifique nada mais que Aram. E interessante observar que o termo acadiano harrãnu
também significa "estrada". Ver em CAD,H, pp. 107-13.
70 Essa estimativa é deduzida dos fatos que tomam por base que o nascimento de José
ocorreu 14 anos após a chegada de Jacó em Padã-Arã e que, quando Jacó desceu ao
Egito, ele tinha cerca de 130 anos e seu filho José apenas 40.
71 O ponto de vista que propõe a teoria que o acordo feito entre Jacó e Labão é puro reflexo
de práticas hurrianas de pseudo-adoções é corretamente rejeitada pela maioria dos es
tudiosos hoje em dia. Os paralelos percebidos com os contratos firmados com criadores
de gado da antiga Babilônia já foram claramente demonstrados. Ver, por exemplo, Martha
A. Morrison, "The Jacob and Laban Narrative in Light of Near Eastern Sources," BA 46
(1983): 156-60.
36 H istória d e I srael no A ntigo T estamento
possuir, para si mesma e para seu marido, o direito legal à sua parte na
propriedade de seu pai (Gn 31.19).72
Seja como for, o fato é que infelizmente Jacó descobriu que Labão era
muito mais astuto do que ele. Após sete longos e penosos anos de traba
lho, ele recebeu como esposa a filha mais velha Léia, e não Raquel. Para
que ele pudesse ter esta última como esposa, teria de se comprometer a
trabalhar para Labão por mais sete anos. Ao final dos catorze anos, Labão
insistiu com Jacó que este permanecesse por mais seis anos, perfazendo
um total de 20 anos (aprox. 1930-1910 a.C.), pois era bem evidente que a
presença de Jacó trazia benefícios econômicos para Labão.
No decorrer desses anos, Jacó teve onze filhos e pelo menos uma filha
de suas duas mulheres e de suas duas concubinas. Esses filhos, juntamen
te com Benjamim, que nasceu em Canaã, foram os ancestrais das doze
tribos de Israel. Segundo a maioria dos críticos (incrédulos) da tradição, a
história de Jacó e seus filhos foi uma lenda que servia apenas para firmar
uma origem comum e um conjunto de tradições para as doze tribos que
perfaziam o contingente e a confederação daqueles que haviam conquis
tado a terra, conhecidos agora por Israel.73 Contudo, uma leitura respon
sável da narrativa não ocasiona problemas históricos insuperáveis. Há
milagres descritos na história que nos mostram a intervenção do Senhor
em favor de Jacó e suas esposas. A integridade do relato só poderá ser
rejeitada mediante uma leitura da história com olhos positivistas. Ora, se
Deus tem de estar ausente dessa história, então não há como ver sua mão
em outra parte, e o Antigo Testamento se torna uma mera obra de ficção,
não importando o quão piedoso seja o seu intento.
O nascimento de onze filhos em apenas sete anos já não mais é visto
como um problema tão sério, como antes costumava se considerar. Os
quatro primeiros, nascidos de Léia, podem ter vindo nos primeiros quatro
anos (Gn 29.31-35). Nesse ínterim, Raquel, movida de intensa inveja para
com sua irmã, instou veementemente com Jacó para que possuísse sua
serva Bila, semelhante ao que Sara havia feito anteriormente com Abraão
para obter o filho Ismael da escrava Hagar. Os dois primeiros filhos de
Bila, Dã e Naftali, podem ter nascido também nos primeiros quatro anos
(Gn 30.1-8).
Após o nascimento dos dois filhos de Bila, Léia, crendo que já não mais
poderia ter filhos, insiste com Jacó para que possua sua serva Zilpa em
seu lugar. Zilpa tem dois filhos no quinto e sexto ano (Gn 30.9-13). Léia
mais uma vez engravida, provavelmente no quinto ano, e dá à luz dois
filhos chamados Issacar e Zebulom, no sexto e sétimo ano (Gn 30.17-20). ■
Por fim, Raquel tem seu próprio filho, chamado José, no sétimo ano (Gn
30.22-24). Mesmo sendo todo esse cálculo hipotético, não é impossível que
as coisas tenham acontecido assim, o que nos mostra inclusive como os
problemas bíblicos podem ser resolvidos, desde que tenhamos a mente
aberta para as soluções.
74 Esta aparece nos textos de execração egípcios como Skmimi por volta de 1850 a.C. Ver
em Walter Harrelson, "Sechem in Extra-biblical References", BA 20 (1957): 2. O historia
dor Dever argumenta que a ocupação de Siquém ocorreu no início do período do Bron
ze Médio II A, que data de 2000-1800. Uma data a meio caminho em 1900 se encaixa
bem com a cronologia bíblica ("The Patriarchal Traditions," em Israelite and Judaean
History, p. 99; cf. pág 84).
75 Isso também já foi sugerido pela Septuaginta, pelas versões siríacas, Eusébio e Jerônimo.
Citado por Franz Delitzch, A New Commentary on Genesis (Minneapolis: Klock and Klock,
1978 reedição), vol. 2,p p. 215. O hebraico salém no texto massorético pode ser um adje
tivo significando "seguro" (Francis Brown, S.R. Driver e Charles A. Briggs, A Hebrew
and English Lexicon o f the Old Testament [Oxford: Clarendom, 1962], p. 1024), mas a forma
natural de se traduzir essa idéia seria besalom.
38 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O casamento de Judá
O quarto filho de Léia, chamado Judá, casou-se com uma cananéia
que lhe deu três filhos. Essa união com pessoas que não pertenciam ao
clã, especialmente com uma cananéia, era vista muito negativamente
pelos patriarcas e considerada repreensível, pois vemos nos relatos que
tanto Abraão quanto Isaque foram bem esforçados na tarefa de assegu
rar que seus filhos se casassem com mulheres da mesma parentela (Gn
24.3; 27.46). Vemos esse mesmo princípio quando Diná, mesmo tendo
sido violada por Siquém, foi radicalmente proibida por Jacó e seus ir
mãos de se casar com ele (Gn 34.14). Havia uma tendência em andamen
to que conduziria os filhos de Jacó a uma assimilação da cultura e reli
gião cananéias, um processo que seria consideravelmente acelerado pela
união matrimonial. Tudo isso deve ter alarmado o espírito de Jacó, parti
cularmente porque um pouco do estilo de vida cananeu já tinha se apo
Ú ?: ge \s 39
derado de seu filho mais velho, Rúben, que violou um dos mais severos
tabus patriarcais - o incesto - coabitando com Bila, a concubina de seu
pai (Gn 35.22).76
Mas a preocupação de Jacó nem podia se comparar à de Jeová, que
tinha chamado o patriarca e seus pais para serem um povo separado de
todas as demais nações. Essa exclusividade de Israel agora estava sendo
ameaçada pelas tendências sincretistas em voga, através do casamento de
Judá. Fica claro, então, que José não foi enviado ao Egito por causa de
alguma punição, mas primordialmente para ser o canal da bênção da pro
vidência divina, pois Jeová o estaria usando a fim de preparar o caminho
para um período de incubação, no qual o povo de Israel iria crescer e ama
durecer no Egito, tornando-se então uma nação apropriada (Gn 50.19-21).
Logo, a venda de José como escravo poderia ser vista como uma reação
divina ao casamento de Judá.77
A descida ao Egito
A essa altura torna-se oportuno discutir um pouco acerca da cronolo
gia referente à venda de José como escravo, o casamento de Judá, e a des
cida de Jacó e sua família ao Egito, examinando os detalhes na ótica da
história egípcia, cuja parte principal pode pelo menos ser reconstruída de
forma razoavelmente correta. Baseando-nos na data de 1876 a.C. como o
início da peregrinação no Egito, deduzimos que o nascimento de José ocor
reu em 1916 a.C.78 José foi vendido aos egípcios quando tinha 17 anos (Gn
37.2), chegando ao Egito em 1899 a.C. Judá, o quarto filho de Léia, que não
poderia ser muito mais velho que José, no máximo três anos (veja as pp.
36,37), não deve ter se casado muito antes de 1900, quando estaria com 19
anos. Caso esse casamento tenha de fato causado o ímpeto de Jeová em
permitir que José fosse vendido ao Egito, como parece bem plausível, en
tão esse casamento pode ser datado por volta de 1901 ou 1900, ou seja,
pouco depois de Jacó e sua família terem se mudado de Siquém para
Hebrom.
' Stanley Gevirtz diz que Rúben usurpou os direitos de concubinato do pai ("The
Reprimand of Reuben", JNES 30 [1971]: 98). A atitude de Rúben foi típica do estilo de
vida dos cananeus, e especialmente do estilo de vida dos supostos deuses da região. Ver
em Charles F. Pfeiffer, Ras Shamra and the Bible (Grand Rapids: Baker, 1962); pp. 31-32.
- Para outras razões sobre a localização desse capítulo 38 de Gênesis, ver Judah Goldin,
"The Youngest Son or Where Does Genesis 38 Belong?" JBL 96 (1977): 27-44.
' Para uma discussão mais detalhada sobre essas datas e o devido apoio a elas, veja em
Merrill, "Fixed Dates", Bib Sac 137 (1980): 241-51.
40 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Em 1876, quando Jacó estava com 130 anos de idade (Gn 47.9), José já
vivia no Egito há 23 anos. Ele havia trabalhado cerca de dez anos na casa
de Potifar e depois, provavelmente por mais três anos, sofreu na prisão
de Faraó, vítima de acusações forjadas acerca de um possível assédio à
esposa de seu senhor (Gn 40.1,4; 41.1). Por fim, aos 30 anos (1886 a.C.),
ele foi libertado e passou a servir como o Ministro da Agricultura de
Faraó ou alguma coisa semelhante (Gn 41.46). Foi nessa época que os
sete anos de fartura principiaram (1886-1879), seguidos por tristes sete
anos de fome (1879-1872). A primeira visita dos filhos de Jacó ao Egito
para comprar grãos pode ter ocorrido no segundo ano da fome (1878). A
segunda visita deve ter acontecido em 1877 (Gn 43.1; 45.6,11). Partiu Jacó
e toda a sua família para o Egito em 1876, bem na metade do período da
fome (Gn 46.6). José estava então com 40 anos de idade, e seu irmão
Judá, com 43.
Entre os que acompanharam Jacó ao Egito estavam Perez e Zerá, os
filhos de Judá, frutos de sua união ilícita com a nora Tamar, e também
seus netos Hezrom e Elamul (Gn 46.12). Os gêmeos Perez e Zerá nasce
ram somente depois que o terceiro filho de Judá, chamado Selá, já estava
completamente crescido (Gn 38.14). Devido à tenra idade na qual os va
rões se casavam no antigo Israel, é totalmente possível que Judá tenha se
casado aos dezoito anos, que seus dois primeiros filhos tenham nascido
nos dois primeiros anos de seu casamento, e que Selá tenha vindo ao
mundo dois ou três anos mais tarde. Isto fixaria o casamento de Judá em
1901, o nascimento de Er em 1900, e o de Onã em 1899. Talvez Selá tenha
nascido não muito depois de 1896. Ao perceber que não poderia ter Selá
como seu marido, Tamar se disfarçou de prostituta e engravidou, em
uma data que não passa de 1880 (ou provavelmente mais tarde), e deu à
luz Perez e Zerá nove meses depois. Mesmo espremendo as datas, ve
mos que é impossível que Perez pudesse ter levado consigo descenden
tes ao Egito em 1876, ou seja, dois ou três anos depois. Talvez a intenção
da lista de Gênesis 46 seja simplesmente catalogar aqueles que entraram
no Egito, inclusive aqueles como Hezron e Hamul que assim o fizeram
potencialm ente.79 A inclusão do nome dos filhos de José, Manassés e
Efraim, na lista das 70 pessoas que entraram no Egito, mesmo tendo eles
nascido nesse país, nos mostra que essa lista não deve ser encarada lite
ralmente ao extremo.
A história de José
O cenário
A história de José tem sido interpretada como uma composição de sa
bedoria com pouca ou nenhuma base histórica.80 Entretanto, o Antigo Tes
tamento apresenta sua carreira e os eventos que cercaram sua vida como
história genuína. Podemos notar, entre aqueles que aceitam a historicidade
das narrativas acerca de José, a existência de uma divisão profunda a res
peito dos detalhes e do ambiente nela contidos. Alguns, baseados na teo
ria de uma peregrinação no Egito de no máximo 215 anos, insistem que
José serviu na corte dos reis hicsos que estavam no poder no período de
aproximadamente 1661 a 1570.81 Os proponentes desse ponto de vista apon
tam para o fato de que era muito mais provável que um rei hicso (em vez
de um egípcio nativo) estabelecesse em seu governo um homem de ori
gem semita, como foi o caso de José. Contra tal possibilidade precisamos
levar em conta o fato de que não há qualquer chance de se provar uma
peregrinação de 215 anos (ver pp. 69-73). Além disso, toda a narrativa
sugere que o rei seja um governante egípcio, e não um hicso.
Segundo a cronologia adotada nesta obra, José nasceu no ano 1916,
entrou no Egito em 1899, subiu ao poder em 1886, e morreu em 1806 (Gn
50.22) na idade de 110 anos. Toda a duração de sua vida foi contemporâ
nea à magnífica e deslumbrante 12a Dinastia do Médio Império Egípcio,
uma dinastia que teve seu início em 1991 e findou-se em 1786. Embora
saibamos que seja muitíssimo difícil a reconstrução da cronologia desse
período, é certo também que as datas citadas pelo Cambridge Ancient History
não podem estar muito distantes. Seguindo esse sistema de datação, apren
demos que José foi vendido ao Egito já no final dos anos do reinado de
Ammenemes II (1929-1895).82 Seu reinado foi conhecido como um gover
no pacífico, caracterizado pelo alto desenvolvimento da agricultura e da
situação econômica do país, e pelo incremento das relações internacionais
que o aproximaram do ocidente da Ásia. Nesse caso, José não seria mal
recebido nessa corte, por causa de seus ancestrais étnicos. Ao que tudo
' Gerhard von Rad, "The Joseph Narrative and Ancient Wisdom", em The Problem of the
Hexateuch and Other Essays (Edinburgh: Oliver and Boyd; New York: McGraw-Hill, 1966),
pp. 292-300.
' ■ G. Ernest Wright, Biblical Archaeology, edição abreviada (Philadelphia: Westminster, I960),
pp. 35-37; Pierre Montet, Egypt and the Bible (Philadelphia: Fortress, 1968), pp. 7-15.
Quanto à sua vida e época, ver em G. Posener, "The Middle Kingdom in Egypt," em
ZAH 1.2, pp. 502-4.
42 H istória de I srael no A ntigo T estamento
indica, foi durante o reinado de Sesostris II (1897-1878) que ele ficou apri
sionado, cerca de dez anos após a sua chegada ao Egito (i.e., em 1889).
Foram os sonhos de Sesostris que ele interpretou e sob quem ele serviu
como um alto oficial do governo.
83 Ibid., pp. 541-42. Posener ainda observa: "A história bíblica de José faz-nos lembrar o
comércio escravagista" (p. 542). Ver também Posener, "Les Asiatiques en Egypte sous
les xii et xiii dynasties,"Sj/rw 34 (1975): 145-63.
84 Posener, "Middle Kingdom", em CAR 1.2, pp. 505, 510-11.
43
Ibid., pp. 505-6; para uma indicação adicional de que Sesostris III é o faraó em vista, ver
em James R. Battenfield, "A Consideration of the Identity of the Pharaoh of Genesis 47,"
JETS 15 (1972): 77-85.
44 H istória de I srael no A ntigo T estamento
A atmosfera cultural
Está bastante evidente que o fundo histórico e cronológico da vida de
José encontra-se totalmente enquadrado no período do Médio Império
egípcio. O que falta ainda ser demonstrado é que o arcabouço cultural
visto em Gênesis 37-50 se adapta melhor a um governo de origem egípcia
do que com uma dominação de reis hicsos.88 Caso tal afirmativa possa ser
comprovada, todos os argumentos em favor de uma peregrinação de ape
nas 215 anos perderão praticamente toda sua força.
Qualquer um perceberá logo de início que todos os nomes próprios
descritos em Gênesis são de origem egípcia, e não de hicsos.89 Precisamos,
é claro, reconhecer que, embora poucas inscrições do período hicso te
nham sobrevivido, está comprovado nesses registros um número consi
derável de nomes próprios. Baseados nos dados obtidos através desses
nomes próprios, alguns estudiosos, tais como John Van Seters, identifi
cam os hicsos como semitas, especificamente os amoritas.90 Manetho su
geriu que o termo hicso em si significa "reis pastores", porém estudos mais
recentes indicam que seu significado quer dizer "dominadores de terras
estrangeiras" ou algo parecido.91 De qualquer forma, os hicsos certamen
te não eram egípcios, e suas tradições, costumes e estilo de vida eram tão
diferentes dos egípcios quanto o eram seus nomes.
Para uma boa e produtiva discussão sobre esses nomes, ver em Montet, Egypt, pp. 14
15. '
Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, pp. 18-22. De acoi-do com Alan Gardner, Egypt of
the Pharaohs (London: Oxford University Press, 1961), p. 130, este conto deve ser enqua
drado durante os dias do rei Sesostris I (1971-1928).
46 H istória de I srael no A ntigo T estamento
De José ao êxodo
94 John Ruffle, The Egyptians (Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1977), pp. 197-210;
Van Seters, Hycsos, pp. 45-48.
:-ess 47
na esteia que foi encontrada por August Mariette em 1863 e conhecida por
"esteia dos quatrocentos anos".95 Esse monumento foi construído em 1320
a.C. por Seti, vizir do rei egípcio Horemheb, para marcar o quadrigentésimo
aniversário da (re)construção da cidade, um fato cuja autenticidade não
tem porquê de ser questionado. A dominação dos hicsos teve início du
rante a 13a Dinastia egípcia que, devido à pressão exercida por esses inva
sores, retirou-se para o sul e se estabeleceu em Mênfis. Quando por fim
essa cidade caiu sob o poder dos hicsos, a dinastia moveu-se ainda mais
para o sul, e finalmente chegou ao fim por volta de 1633.96
Enquanto isso, a 14a Dinastia egípcia permaneceu no controle da re
gião oeste do Delta até cerca de 1603. Centralizados em seu Sais (Xois),
essa linhagem de reis resistiu aos hicsos quase até o fim. As dinastias 15a
e 16a foram representadas por reis hicsos; seu início ocorreu com a toma
da de Mênfis (1674) e continuou até sua expulsão do Egito em 1567.97
Mesmo sendo culturalmente inferiores, os hicsos aprenderam e adota
ram as artes egípcias e sua ciência.98 Eles também identificaram suas di
vindades com as dos egípcios, igualando-as especialmente com Baal,
Resheph ou Teshub.99 Um aspecto ainda mais positivo dessa dominação
estrangeira foi a introdução e a popularização no Egito dos cavalos, car
roças e carruagens,100 bem como do arco feito por diversos materiais.101
Alguns dos mais proeminentes reis hicsos da 15a Dinastia foram Salitis
(Sharek); Khyan, que se auto-intitulava "filho de Re" (Rameses?); e
Apophis I, cuja filha casou-se com um príncipe de Tebas que também se
intitulava "filho de R e".102 Foi ele o primeiro a sofrer a maior resistência
por parte dos egípcios de Tebas, e que por fim foi expulso do Alto Egito
de volta para o Delta. Esse avivamento egípcio aconteceu durante a lide
rança de Seqenenre II da 17a Dinastia (1650-1567), cujo filho Kamose deu
início à expulsão dos odiados hicsos não apenas do Alto Egito, mas tam
bém do próprio Delta.
io3para um estudo acerca de todo esse período, ver em T. G. H. James, "Egypt: From the
Expulsion of the Hycsos to Amenophis l," em CAH 2.1, pp. 289-96.
0 Ê X 0 D 0: N A S t I N E 0 I 0
D E U HA N A ( Ã 0
O sig n ific a d o do êxodo
A localização histórica do êxodo
O novo reino egípcio
O Faraó do êxodo
As dez pragas
A rota do êxodo
A data do êxodo
Evidência bíblica interna
As evidências a favor de uma data recente
Ausência de acampamentos sedentários na Transjordânia
Os israelitas e a construção da cidade de Ramsés
Evidências da conquista ocorrida no século XIII
A data e a duração do cativeiro egípcio
O problema
A revelação dada a Abraão
Evidências a favor de um longo cativeiro no Egito
Evidências a favor de uma curta peregrinação no Egito
Cronologia dos patriarcas
A jornada no deserto
Do mar de Juncos até o Sinai
A aliança do Sinai
Do Sinai até Cades-Barnéia
De Cades-Barnéia às planícies de Moabe
O encontro com Edom
O encontro com os amoritas
O encontro com Moabe
O s ig n ific a d o d o ê x o d o
como um tipo do êxodo promovido por Jesus Cristo, de forma que ele se
torna um evento significativo tanto para a Igreja quanto para Israel.1
A lo c a liz a ç ã o h is tó ric a d o ê x o d o
Segundo 1 Reis 6.1, o êxodo aconteceu cerca de 480 anos antes da fun
dação do templo de Salomão. De fato, Salomão deu início à construção em
seu quarto ano, ou seja, em 966 a.C , de forma que, de acordo com uma
hermenêutica normal e uma aproximação séria dos dados cronológicos
bíblicos, o êxodo ocorreu em 1446 a.C. Antes de apresentarmos argumen
tos detalhados em favor de tal data, vamos por enquanto nos deter na
décima oitava dinastia do Egito que, de acordo com a data tradicional,
forma o quadro da época em que o êxodo aconteceu.
Como apontado no capítulo 1, a décima oitava dinastia foi fundada
por Amósis, o responsável pela expulsão dos hicsos. E bem provável ter
sido ele o que está descrito em Êxodo como o novo rei que não conhecia
18a Dinastia
Amósis 1570-1546
Amenotepe I 1546-1526
Tutmose I 1526-1512
Tutmose II 1512-1504
Hatchepsute 1503-1483
Tutmose III 1504-1450
Amenotepe II 1450-1425
Tutmose IV 1425-1417
Amenotepe III 1417-1379
Amenotepe IV (Akhenaten) 1379-1362
Semenca 1364-1361
Tutankamon 1361-1352
Ai 1352-1348
Horembeb 1348-1320
11Dinastia
Ramsès I 1320-1318
Setos I 1318-1304
Ramsès II 1304-1236
Merneptá 1236-1223
1 Ver, e.g., Claus Westermann, Elements of OM Testament Theology (Atlanta: John Knox,
1982), pp. 217 a 218; Eimer Martens, God's Design (Grand Rapids: Baker, 1981), p. 256.
j: ■j Do: N ascimento de uma N ação 5/
José (Êx 1.8).2 Isto não sugere que ele não tenha conhecido José pessoal
mente, mas apenas que sua benevolência não mais se estendia aos descen
dentes de José - os hebreus. Ele havia, afinal, expulsado os hicsos, um
povo bastante aparentado aos hebreus, e pode ter ficado receoso de que a
rápida multiplicação destes pudesse se constituir numa séria ameaça ao
seu recente governo e autoridade.
Ele ou seu sucessor, Amenotepe I (1546 - 1526), foi o responsável pela
política repressiva que se seguiu naqueles dias. Isto incluía a redução dos
hebreus à escravidão com trabalhos forçados em projetos de construções
públicas (Êx 1.11-14),3 um plano que foi igualmente implementado por
Amósis. Quando tal projeto fracassou, seguiu-se um decreto promulgan
do o genocídio de todos os machos hebreus que nascessem (Êx 1.15,16).
Esse decreto pode ter sido emitido por Amenotepe ou, o que é mais prová
vel, por Tutmose I, de acordo com a reconstrução histórica promovida neste
trabalho.
Admitindo a data de 1446 a.C. para o êxodo, podemos determinar a
data do nascimento de Moisés, um fato de elevada importância nesta
conjuntura. O Antigo Testamento informa que Moisés tinha a idade de
80 anos pouco antes do êxodo (Êx 7.7), e 120 anos na sua morte (Dt
34.7).4 Visto que sua morte ocorreu bem no fim do período do deserto,
podemos datá-la em 1406. Um simples cálculo então fornece o ano 1526
- Wiiliam F. Albright, "From the Patriarchs to Moses: II Moses Out of Egypt", BA 36 (1973): 54.
- Embora Kenneth A. Kitchen aceite a data mais recente para o êxodo, ele cita evidência
abundante sobre trabalhos forçados como escravos, incluindo semitas, na manufatura
de tijolos no período da 18° Dinastia. Veja seu livro: "From the Brickfields of Egypt",
Tyn Buli 27 (1976): 139-140.
4 A divisão da vida de Moisés em períodos de 40 anos - com 40 anos matou um egípcio,
aos 80 retornou do exílio entre os midianitas, e aos 120 morreu - sugere para alguns
estudiosos uma certa artificialidade. Argumenta-se que 40 anos é a representação de
uma geração ideal, de forma que Moisés deve ter tido uma vida três vezes mais longa
que uma geração normal. Veja, por exemplo, a obra de J. Alberto Soggin, A History of
Anciente Israel (Filadélfia: Westminster, 1984), p. 383. Essa mesma idéia também se apli
caria aos reinados de 40 anos de Saul, Davi e Salomão; aos 40 (ou ocasionalmente 20)
anos de governo e períodos de descanso na época dos juízes; e a muitas outras utiliza
ções deste número. E possível que esses períodos devam ser tomados em sentido literal,
e que não reflitam qualquer artificialidade ou coincidências, mas sejam uma deliberada
organização da história de acordo com o padrão estabelecido pelo próprio Deus. O nú
mero 40, em outras palavras, também pode ter um significado teológico e tipológico em
si mesmo, e o próprio Deus pode ter distribuído os acontecimentos dessa forma. Ver
Tohn J. Davis, Bihlical Numerology (Grand Rapids: Baker, 1968), pp. 52-54. Davi, porém,
vê apenas o número sete com valor simbólico (p. 124).
52 H istória de I srael no A ntigo T estamento
5 Com respeito às datas para o rei Amenotepe (Amenophis)I, ver T.G.H. James, "Egypt:
From the Expulsion of the Hyksos to Amenophis I", no Cambridge Ancient History, 3. ed.
por I.E.S. Edwards e associados (Cambridge: Cambridge University Press, 1973), v. 2,
parte 1, p. 308. Acerca de Tutmose (Tuthmosis)I, Tutmose II, Hatchepsute, Tutmose III e
Amenotepe II, ver William C. Hayes, "Egypt: Internai Affairs from Thutmosis I to the
Death of Amenophis III", em CAH 2.1, pp. 315-21. Para datas alternativas da 18a Dinas
tia (cerca de 1533-1303) ver William W. Hallo e William K. Simpson, The Ancient Near
East (New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1971), pp. 330-301. As datas do CAH (1546
1319) foram adotadas por George Steindorff e Keith C. Seele em When Egypt Ruled the
East (Chicago University Press, 1957), pp. 274-275.
54 H istória de I srael no A ntigo T estamento
egípcia.6 Sem dúvida, nos primeiros anos de Tutmose III, foi Hatchepsute
quem ditou as resoluções, um relacionamento que decerto ele detestava,
mas encontrava-se impotente para se opor. Somente após a morte da ma
drasta, Tutmose III demonstrou toda repugnância que sentia por ela, man
dando extinguir toda e quaisquer inscrições ou monumentos em sua ho
menagem.
O quadro geral de Hatchepsute leva-nos a identificá-la como a ousada
filha do Faraó que resgatou Moisés. Somente ela dentre todas as demais
mulheres de sua época seria capaz de ir contra uma ordem do Faraó, bem
diante dele. Embora a data de seu nascimento seja desconhecida, ela pro
vavelmente era vários anos mais velha do que seu marido, Tutmose II,
que morrera em 1504, bem próximo de seus 30 anos.7 Ela devia estar no
início de sua adolescência, por volta de 1526, data do nascimento de Moisés
e, portanto, com condições de agir em favor de sua libertação.
Tutmose III era menor de idade quando assumiu o poder em 1504 e
m ais novo que M oisés.8 Se, de fato, Moisés foi filho de criação de
Hatchepsute, há probabilidade de haver ele sido uma forte ameaça ao
jovem Tutmose III, visto que Hatchepsute não tinha filhos naturais. Isso
significa que Moisés era um candidato a ser faraó, tendo apenas como
obstáculo sua origem semítica. Parece-nos que houve uma real animosi
dade entre Moisés e o faraó. Isto fica claro em virtude de Moisés, após
matar um egípcio, ter sido forçado a fugir para salvar a vida. O fato de
ter o próprio faraó considerado a questão - que, em outra situação, seria
pouco relevante - sugere que este faraó especificamente tinha interesses
pessoais em se livrar de Moisés. O exílio auto-imposto por Moisés ocor
reu em 1486, quando ele tinha 40 anos de idade (At 7.23). Tutmose III já
estava no poder havia 18 anos; e a idosa Hatchepsute, que faleceria três
anos mais tarde, não tinha mais condições de interditar a vontade de seu
enteado/sobrinho.9
Durante longos quarenta anos, Moisés permaneceu fugitivo do Egito,
tendo se abrigado entre os midianitàs do Sinai e da Arábia. Uma das ra
6 Uma visão fascinante e um pouco imaginativa acerca de sua vida e reinado pode ser
vista na obra de Evelyn Wells, Hatshepsut (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1969).
7 Steidorff e Seele, When Egypt Ruled the East, pp. 39-40.
8Tutmose III foi designado vice-regente na última parte do reinado de Tutmose II, provavel
mente não menos que em 1508. Ver Hayes, "Internai Affairs," do C4H 2.1, pp. 316-317.
9 Tutmose III sucedeu Hatchepsute em 1483. Para tentar apagar a memória dela dentre os
egípcios, ele não apenas mandou destruir todos os monumentos construídos em sua
homenagem, como também matou em público todos os oficiais que a serviram. Ver
Hayes, "Internai Affairs," no CAH 2.1, p. 319.
O Ê xodo : N ascimento de uma N ação 55
zões para tão longo exílio foi justamente o fato de continuar a viver e rei
nar o Faraó de quem Moisés havia escapado. Somente após sua morte,
Moisés sentiu-se livre para retornar ao Egito (Êx 2.23; 4.19). Tutmose II I '
morreu em 1450 e foi sucedido por seu filho Amenotepe II (1450-1425).
Segundo os padrões cronológicos aceitáveis nesta discussão, era este
Amenotepe quem reinava na ocasião do êxodo.
Antes de deixarmos Tutmose III, é essencial notarmos que o relato bíbli
co requer um reinado de quase 40 anos para o Faraó que perseguiu a vida
de Moisés, porquanto o rei que morreu no fim dos anos do exílio de Moisés
em Midiã era claramente o mesmo que o havia ameaçado quase 40 anos
antes. Dentre todos os reis da 18a Dinastia, somente Tutmose III teve um
reino tão longo. De fato, ele é o único governante que, em todo período
durante o qual o êxodo poderia ter ocorrido, reinou tanto tempo - com ex
ceção de Ramsés II (1304-1236). Mas Ramsés, o faraó preferido pela maioria
dos estudiosos, é geralmente associado ao faraó do êxodo, não ao faraó cuja
morte possibilitou o retorno de Moisés ao Egito. Caso a morte de Ramsés
houvesse trazido Moisés de volta ao Egito, o êxodo deveria ter ocorrido
após 1236, uma data muito tarde para ser satisfatória.10
O Faraó do êxodo
Quando finalmente Moisés retornou ao Egito, ele e seu irmão Arão co
meçaram a negociar com o novo rei, Amenotepe II, a respeito de uma per
missão para Israel deixar o Egito com o propósito de adorar a Jeová e,
enfim, deixar o país definitivamente. Este poderoso rei conduziu uma cam
panha em Canaã em seu terceiro ano (aprox. 1450) e uma outra em seu
sétimo ano, provavelmente em 1446,11 coincidindo com a tradicional data
do êxodo. Não é difícil imaginar que a dizimação do exército de Faraó no
mar de Juncos pode ter ocorrido após essa sétima campanha e que, após
10 As implicações dessa linha de raciocínio são devastadoras para a teoria de uma data
mais recente para o êxodo; ver pp. 68-69.
11 Alan Gardiner, Egypt of the Pharaohs (London: Oxford University Press, 1961), pp. 200
202. Muitos historiadores defendem a idéia de uma co-regência entre Tutmose III e
Amenotepe II, de cerca de três a seis anos. Seguindo a opinião de que sua morte ocorreu
em 1450, seu filho deve ter governado com ele de 1453 (ou 1456) até 1450. Esta interpre
tação se encaixa melhor quando se pensa em uma primeira campanha em parceria com
uma segunda, onde ele já assumia o governo sozinho, portanto, em 1450 e 1446 respec
tivamente. Veja Donald B. Redford, "The Coregency of Thutmosis III and Amenophis II,
JEA 51 (1965): 107-22; William J. Murnane, "Once Again the Dates for Tuthmosis III and
Amenothep II,"JANES 3 (1970-1971); 5.
56 H istória de I srael no A ntigo T estamento
As dez pragas
12 Gardiner, Egypt, p. 202, descreve uma campanha no nono ano (aprox. 1444) que foi "em
menor escala" do que a ocorrida no ano sétimo. É tentador ver esta redução como um
efeito colateral da experiência do êxodo.
13 Hayes, "Internai Affairs,", em CAH 2.1, pp. 333-34. Era comum aos reis da 18a Dinastia
entregar o governo da cidade de Mênfis ao príncipe coroado. Veja Donald B. Redford,
"A Gate Inscription from Karnak and Egyptian Involvemente in Western Asia During
the Early 18thDynasty," JAOS 99 (1979); 277.
13 Quanto ao texto, procurar James B. Pritchard, Ancient Near Eastern Texts Relating to the
Old Testament, 2a edição (Princeton: Princeton University Press, 1955), p. 449.
15 Hayes, "Internai Affairs", em CAH 2.1, p. 321.
5 Ê xodo: N ascimexto de uma N ação 57
!6 Para uma discussão adicional acerca da identidade e localização dos midianitas, veja
Roland de Vaux, The Early History of Israel (Philadelphia: Westminster, 1978), pp. 330-338.
Mesmo que o relato (Êx 18.1-12) não apresente Jetro como um homem completamente
convertido a Jeová, não há dúvida de que ele o reconheceu como o Deus supremo entre
os deuses. Veja Umberto Cassuto, A Commentary on the BookofExodus (Jerusalém: Magnes,
1967), pp. 216-217. Para uma análise tradicional e histórica das supostas fontes acerca
do casamento e do comissionamento de Moisés em Midiã, ver George W. Coats, "Moses
in Midian", JBL 92 (1973); 3-10.
58 H istória de I srael no A ntigo T estamento
A rota do êxodo
O ponto exato onde Israel cruzou o mar de Juncos não pode ser deter
minado, mas certamente não era o mar Vermelho, o que chamamos hoje
18 Para uma história de interpretação das pragas, ver Brevard S. Childs, The Book ofExodus
(Philadelphia: Westminster, 1974), pp. 164-168. Para um estudo que considera as pragas
do Egito como apenas "fenômenos naturais" e eventos históricos, veja Greta Hort, "The
Plagues of Egypt", ZAW 69 (1957); 84-103; 70 (1958); 48-59, especialmente pp. 58-59.
19 As informações a respeito do enorme contingente que saiu no êxodo serão consideradas
nas pp. 72-73.
20 Talvez t-k-w (ou seja, Tel el-Maskhütah), bem ao ocidente dos Lagos Amargos. Veja
Yohanan Aharoni, The Land ofthe Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), p. 196.
O Ê xodo : N ascimento de uma N ação 59
de Golfo de Suez. Este local estava muito ao sul para se encaixar no iti
nerário bíblico. Além disso, o termo hebraico para descrever a passagem
pelas águas, yam süp ("mar de juncos"), é totalmente impróprio para o
mar Vermelho. A tradução da palavra "mar Vermelho", vista em muitas
versões inglesas, está baseada na Septuaginta, que por certo assumiu ser
o mar de Juncos um nome antigo para mar Vermelho.21 O registro de
Moisés declara que Israel estava em um local próximo a Pi-Hairote (lo
calização desconhecida), entre Migdol (também desconhecido) e o mar.
Mais especificamente, Israel encontrava-se "diante de Baal-Zefom" (Êx
14.2), local hoje identificado como Tel Dafanneh, ao ocidente do Lago
Menzalé, uma bacia a sudeste do mar Mediterrâneo.22 As evidências hoje
sugerem que esse é o mar de Juncos pelo qual Israel passou.
Embora saibamos que o local tenha sofrido muitas dragagens para a
construção e manutenção do Canal de Suez, o lago Menzalé sempre foi
fundo o suficiente para impedir a passagem a pé sob quaisquer cir
cunstâncias. A passagem de Israel pelo mar, que antecedeu o afoga
mento dos exércitos e carruagens egípcias, não pode ser explicada como
uma "travessia de um pântano". Foi preciso a poderosa ação de Deus,
uma ação tão expressiva em sua extensão e significado que, a partir
daquele m omento, na história de Israel, ela seria para sempre um
paradigma por meio do qual os atos salvíficos e redentores de Deus
seriam evocados. Se não existiu um milagre real nas proporções aqui
descritas, todas as demais referências ao êxodo como o arquétipo do
poder soberano e salvífico da graça de Deus tornam-se vazias e sem
significação real.23
A d a ta d o ê x o d o
21 Para um ponto de vista que sugere que yam süp significa "mar distante" ou "mar da
extinção", mesmo referindo-se ao mar Vermelho de uma forma mito-poética, veja Bernard
F. Batto, "The Reed Sea: Requiescat in Face" JBL 102 (1983): 27-35.
22 Tel Dafanneh pode ser o mesmo local conhecido por Tahpanhes (Jr 2.16; 43.7,8; 44.1).
Ver também Oxford Bible Atlas, editado por Herbert G. May, 2a edição (London: Oxford
University Press, 1974), p. 58. Porém, na terceira edição de 1984, já não se identifica Baal
Zefon como Tel Dafanneh.
22 Como um exemplo de uma aproximação que visa manter a integridade histórica do
acontecimento, ainda que negue os detalhes registrados na Bíblia, ver Brevard S. Childs,
"A Traditio-Historical Study of the Reed Sea Tradition", VT 20 (1970); 406-18.
60 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O ano de 1446 já foi proposto como a data do êxodo. Sobre esta base
cronológica desenvolvemos nossa discussão a respeito dos reis hicsos, do
Novo Império, e das narrativas de José. Visto que a integridade de nossa
posição depende exclusivamente de uma data mais anterior, em vez de
uma outra mais recente que tem sido defendida pela maioria dos estudio
sos, torna-se então vital que apresentemos uma defesa contundente em
favor da data mais antiga.
Há duas datas bíblicas principais que tocam diretamente a questão do
êxodo. A primeira delas se encontra em 1 Reis 6.1, onde está escrito que o
êxodo precedeu a fundação do Templo de Salomão em 480 anos. Levando
em consideração por enquanto que Salomão deu início à construção do
templo em 966,24 podemos concluir que o êxodo aconteceu em 1446. Mas,
por uma série de razões, essa data é quase universalmente rejeitada em
favor de uma data mais recente, mais ou menos por volta do século XIII
(1260).25 Para conciliar o fato a uma data mais recente, a cifra 480 não deve
ser considerada literalmente, mas deve ser vista como uma forma misteri
osa de descrever 12 gerações (sendo quarenta anos, como dizem, uma ge
ração ideal). Entretanto, visto que uma geração na verdade está mais per
to dos 25 anos, o período entre o êxodo e as obras iniciais do templo é
estimado em 300 (25 X 12) anos, o que sugere aproximadamente o ano
126626 para o êxodo. Se fosse possível comprovar que a antiga cronologia
israelita (ou qualquer outra) assim fazia os cálculos, e que 1 Reis 6.1 é um
exemplo da aplicação de tal método, o caso pareceria estar solucionado.27
Infelizmente não há provas. A inevitável conclusão é que uma redução de
24 Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers ofthe Hebrew Kings (Grand Rapids: Eerdmans,
1965), p. 28; ver também pp. 22,55. Nós aqui aceitamos como ponto de partida a reco
nhecida e autorizada reconstrução da cronologia da monarquia dividida feita por Thiele.
25 John Bright, A History of Israel, 3a edição. (Philadelphia: Westminster, 1970), pp. 123-24.
26 Ibid., p. 123; John Gray, I & II Kings (Philadelphia: Westminster, 1970), pp. 159-60.
27 Kenneth A. Kitchen compara a cifra de 480 anos como um hábito dos escribas do Orien
te Médio de chegar a determinados números, após extraí-los de números inteiros. Os
480 anos, então, seriam um total que na verdade deveria representar apenas cerca de
300 anos. Infelizmente, Kitchen não fornece evidências sólidas que provem que tais
O Ê xodo: N ascimento de uma N ação 61
480 para 300 anos, a fim de satisfazer algumas conclusões subjetivas, tor
na-se um exemplo de apelação indigno de qualquer historiador ou estudi
oso da Bíblia. Certamente o ônus da prova recairá sobre os críticos que
preferirem considerar os dados dos historiadores bíblicos de forma não
literal.
A segunda prova em defesa do ano 1446 aparece em uma mensagem
do juiz Jefté aos seus inimigos amonitas. Jefté afirmou não ter eles razão
para qualquer hostilidade contra Israel, uma vez que durante os 300 anos
após a vitória de Israel sobre Seom, os amonitas nunca haviam contestado
os direitos de Israel sobre a Transjordânia. Uma simples leitura desse lon
go memorando (Jz 11.15-27) deixa claro que Jefté se referia ao período da
história de Israel pouco antes da conquista, que ocorreu cerca de 40 anos
após o êxodo. A vitória de Israel sobre os amonitas ocorreu por volta de
1100 a.C., uma data largamente reconhecida. Neste caso, Jefté se referia a
acontecimentos que haviam ocorrido perto de 1400 a.C.
Está claro que o número 300 não pode representar gerações ideais, com
resultados satisfatórios (i.e., 300 não é divisível por 40). Logo, os propo
nentes de uma data mais recente para o êxodo são forçados a utilizar no
vos métodos de cálculo. Tipicamente eles postulam a conquista em duas
etapas, afirmando que Jefté não se referia à conquista israelita como uma
confederação das 12 tribos, mas a uma anterior, uma ocupação "pré-êxodo"
da Transjordânia por uma tribo, ou tribos, que somente mais tarde asso
ciou-se àquelas poucas tribos de Israel que possuíam a tradição do êxodo.28
A conquista da Transjordânia, segundo esta recriação da história do Anti
go Testamento, precedeu a conquista de Canaã por mais ou menos um
século. Além disso, Jefté inequivocamente referia-se aos conquistadores
de Seom como os israelitas que tinham saído do Egito (Jz 11.13,16). Por
tanto, a menos que se desconsidere a própria evidência interna, a data de
1446 para o êxodo permanece de pé.
Além dos dados cronológicos bastante específicos, o Antigo Testa
mento fornece uma descrição suficiente do êxodo e seu período antece
dente, confirmando uma data mais antiga para o evento. Já foi exposto
que a história de Moisés melhor se adapta às datas e circunstâncias da
18a Dinastia do Egito. Se aceitarmos a data mais recente para o êxodo, a
qual sempre está associada a Ramsés II, será preciso desconsiderar todo
o testemunho bíblico. Moisés não voltou ao Egito até que aquele faraó
costumes estavam em vigor em 1 Rs 6.1 (Ancient Orient and Old Testament [London:
Tyndale, 1966], pp. 74-75).
T.J. Meek, Hebreia Origins (New York: Harper and Row, 1960), pp. 30-31, 34-35
62 H istória de I srael no A ntigo T estamento
29 Para obter maiores informações sobre o texto da chamada "esteia de Israel", consulte
Pritchard Ancient Near Eastern Texts, pp. 376-78.
30Isso é exatamente o que os críticos estudiosos fazem. Para uma aproximação mais deta
lhada desse caso, ver H.H.Rowley, From Joseph to Joshua (London: Oxford University
Press, 1950), esp. pp. 129-44.
0 Ê xodo: N ascimento de uma N ação 63
?1Nelson Glueck, "Explorations in Eastern Palestine and the Negev", BASOR 55 (1934): 3
21; BASOR 86 (1942): 14-24.
John J. Bimson, Redating the Exodus and Conquest (Shefield: JSOT, 1978), pp.67-74; James
R. Kautz, "Tracking the Ancient Moabites", BA 44 (1981): 27-35; Gerald L. Mattingly,
"The Exodus-conquest and the Archaeology of Transjordan: New Light on an Old
Problem,", GTJ 4 (1983): 245-62.
Veja E.P. Uphill, "Pithom and Raamses: Their Location and Significance", JNES 27 (1968):
291-316; JNES 28 (1969): 15-39.
Para ver o texto (Leiden 348), consulte Moshe Greenberg, The Hab/piru (New Haven:
American Oriental Society, 1955), p. 56, numero 162.
64 H istória de I srael no A ntigo T estamento
35 William F. Albright, From the Stone Age to Christianity (Garden City, N.Y.: Doubleday,
1957), pp. 223-24. Gleason L. Archer Jr. faz uma citação acerca de uma pintura numa
parede que data da época de Amenotepe III (1417-1379), na qual aparece o nome de um
famoso vizir conhecido por Ramose. Conforme Archer tem procurado indicar, isso signi
fica que nomes como o de Rameses têm datas anteriores a 19a Dinastia e que, por conse
guinte, o nome da cidade de Êxodo 1.11 não necessariamente precisa ser datada tão
recente quanto a época de Rameses II ("An eighteenth-Dynasty Rameses," JETS17 [1974]:
49-50). Mas Archer está errado ao dizer que a pintura jamais foi citada na literatura, já que
a mesma está registrada em Hayes, "Internai Affairs", em CAH 2.1, pp. 342,405.
0 Ê xodo: N ascimento de uma N ação 65
esse nome por causa de Ramsés II. (Sobre o nome Ramsés, Charles Ailing
tem outras informações.)36
* Para mais exemplos, ver Charles F. Ailing, "The Biblical City of R a m s é s JETS 25 (1982):
136-37. Contudo, o próprio Ailing demonstra que o nome Ramsés, ou uma de suas vari
antes, já foi coiivpfovado e achado em épocas tão remotas quanto a 12aDinastia (p. 133).
Sendo assim,-, assumir que o nome da cidade descrita em Êxodo 1.11 deve conduzir a
Rárftsés II é totalmente sem fundamento, embora a cidade deva sem dúvida ter sido
assim chamada em homenagem a alguma personalidade dentre a realeza da época. Tentar
achar nessa referência qualquer anacronismo também forçará na mesma direção em
Gênesis 47.11, onde o texto mostra a fixação de Jacó e sua família na "terra de Ramsés"
como seu no'' lar. _ x er teori; i e conduza a uma d ± l dal s o deve ser tida
como fraca.
37 Esta é a visão tanto de estudiosos liberais quanto de conservadores. Maiores informa
ções, ver Harry T. Frank, Bible, Archaeology, anã Faith (Nashville: Abingdon, 1971), p. 95;
Kitchen, Ancient Orient, pp. 61-69; Roland K. Harrison, Old Testament Times (Grand
Rapids: Eerdmans, 1970), pp. 175-76.
3' Kathleen Kenyon, Archaeology in the Holy Land (New York: Praeger, 1960), pp. 208-10.
3" Para consulta das principais cartas, ver Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, pp. 483-90.
66 H istória de I srael no A ntigo Testamento
40 Meek, Hebrew Origins, pp. 23-25. Meek estabelece a data do êxodo e da conquista de
Canaã bem próximo de 1200 a.C.
41 Para uma discussão mais abrangente, ver Eugene H. Merril, "Palestinian Archaeology
and the Date of the Conquest: Do Tells Tell Tales?" GTJ 3 (1982): 107-21.
42 Kenyon, Archaeology, pp. 209-12; George E. Mendenhall, "The Hebrew Conquest of
Palestine", BA 25 (1962): 72-73. Shemuel Ahituv cita alguns casos de destruição causa
das pelos egípcios, mas não apresenta nenhum exemplo oriundo do interior de Canaã
que possa ser datado depois de Tutmose III (1504-1450) e antes de Seti I (1318-1304).
Além disso, nenhuma cidade ou vilarejo conquistado por Josué foi citado por Ahituv
como tendo sido conseqüência de conflitos internos com os 'apiru ou devido a qualquer
campanha egípcia na região. Sendo assim, as regiões montanhosas de Canaã permane
ceram virtualmente ilesas durante o período de Amarna, o mesmo período da conquis
ta descrita na Bíblia. ("Economic Factors in the Egyptian Conquest of Canaan", IEJ 28
[1978]: 93-96,104-5). Thutmose IV, que foi o faraó que reinou durante os anos da pere
grinação no deserto (1425-1417), fez apenas uma campanha em Canaã, na qual conquis
tou Gezer. Nem mesmo Amenotepe III (1417-1379) ou Amenotepe IV (1379-1362) - os
governantes que reinaram durante os anos da conquista - se lançaram em qualquer
ataque a Canaã. Ver James M. Weinstein, "The Egyptian Empire in Palestine: A
Reassessment," BASOR 241 (1981): 13-16. Michael W. Several vai muito mais além, de
monstrando que o período de Amarna foi caracterizado como uma era de paz jamais
vista antes ou depois, uma condição que ele associa diretamente ao sólido controle egípcio
O Ê xodo : N ascimento de uma N ação 67
sobre a região ("Reconsidering the Egyptian empire in Palestine During the Amarna
Period," PEQ 104 [1972]: 128-129). As Cartas de Amarna falam de várias coisas, menos
de paz.
43Roger Moorey, Excavation in Palestine (Grand Rapids: Eerdmans, 1983), pp. 116-17.
44 Bimson, Redating, pp. 215-25.
45 Yigael Yadin, "The Raise and Fali of Hazor", em Archaeological Discoveries in the Holy
Land, Archaeological Institute of America (New York: Crowell, 1967), pp. 62-63;
"Excavations at Hazor, 1955-1958", em The Biblical Archaeologist Reader, editado por
Edward F. Campbell, Jr., e David Noel Freedman (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1964),
vol. 2, p. 224; "The Fifth Season of Excavations at Hazor, 1968-69," BA 32 (1969): 55.
46 Bimson, Redating, p. 194.
68 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O problema
4° William E Albright defende a idéia de que a palavra hebraica dôr ("geração") significa
"duração da vida" no hebraico primitivo, de sorte que a passagem de Gn 15.16 está se
referindo a quatro "durações da vida", de cem anos cada (The Biblical Periodfrom Abraham
70 H istória de Israel no A ntigo T estamento
to Ezra [ New York: Harper, 1963], p. 9). O acadiano cognato é dãru e também significa
"duração da vida". Maiores informações em Harold Hoehner, "The Duration of the
Egyptian Bondage," Bib Sac 126 (1969): 306-16.
50 Aí está a razão de Leon J. Wood afirmar que o "novo rei, que não conhecia a José" sem
dúvida era um hicso, e não um governador egípcio. A subida dos hicsos ao poder por
volta de 1720 deixaria um período de aproximadamente 280 anos de opressão até o
momento do êxodo, em 1446 (A Survey of Israel's History [Grand Rapids: Zondervan,
1970], p. 37). Contudo, duzentos e oitenta anos não é o mesmo que quatrocentos anos.
Logo, o problema dos quatrocentos anos não está ainda solucionado.
0 Ê xodo: N ascimento de uma N ação 71
vez então as quatro gerações de Levi a Moisés foram selecionadas porque o total de
anos nelas envolvido aproximava-se de 430 anos.
54 Kitchen, Ancient Orient, pp. 54.5.
55 Quanto a uma evidência matemática, ver Cari R Keil e Franz Delitzsch, Biblical
Commentary on the Old Testament, vol. 2, The Pentateuch (Grand Rapids: Eerdmans, 1951),
pp. 28-29.
0 E xodo: N ascimento de uma N ação 73
Concluímos que a idéia de uma peregrinação mais longa deve ser pre
ferida, pois melhor acomoda os requisitos da cronologia bíblica, e ajusta-
se à história egípcia de uma maneira bem mais satisfatória.
C ro n o lo g ia d o s p a tria rc a s
A jo rn a d a n o d e se rto
56 Os nomes desses cinco primeiros locais - Shur, Marah, Elim, Sin e Refidim - são exclu
sivamente mencionados no Antigo Testamento, não havendo como associá-los aos mo
dernos sítios arqueológicos. Sur era um deserto que se estendia por todo o ocidente
central do Negueve (Gn 16.7; 20.1;25.18; ISm 15.7; 27.8). Mara é mencionada apenas nos
acontecimentos ocorridos no itinerário do deserto (Êx 15.23; Nm 33.8,9), da mesma for
ma que Elim (Êx 15.27; 16.1; Nm 33.9,10). Sin é o deserto que fica situado entre Elim e
Refidim (Êx 16.1; 17.1; Nm 33.11,12). Refidim situa-se entre Alush (Nm 33.14) e o monte
Sinai (Êx 17.1,8; 19.2). Para as possíveis localizações desses sítios, ver o mapa da p. 53.
57 O termo hebraico herem refere-se ao ato de consagrar alguém ou alguma coisa para o
serviço exclusivo de Deus. Pode ser que (conforme nesse ocorrido) haja a possibilidade
do objeto consagrado vir a ser aniquilado. Ver Leon J. Wood, herem, em R. Laird Elarris,
Gleason L. Archer, Jr., e Bruce K. Waltke, editores de Theological Wordbook of the Olá
Testament (Chicago: Moody, 1980) vol. 1, pp. 324-25.
58 Para um apanhado sobre os vários pontos de vista, ver Siegfried Elermann, A History of
Israel in Olá Testament Times, traduzido por John Bowden (Philadelphia: Fortress, 1975),
pp. 71-73.
5 n '.odo: N ascimento de uma N ação 75
A aliança do Sinai
Walther Eichrodt, Theology ofthe Old Testament (Philadelphia: Westminster, 1961), vol. 1,
pp. 36-45,481-85.
' Martin Noth, History of Pentateuchal Traditions, traduzido por Bernhard W. Anderson
(Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1972).
George E. Mendenhall, "Covenant Forms in Israelit Tradition", em Biblical Archaeology
Reader, editado por Edward F. Campbell, Jr., e David Nowl Freedman (Garden City,
X.Y.: Doubleday, 1970), vol. 3, pp. 38-42; Klaus Baltzer, The Covenant Tormulary in OJd
Testament, Jewish, and Early Christian Writings (Philadelphia: Fortress, 1970).
J.A. Thompson, Deuteronomy: An Introduction and Commentary (Leicester: Inter-Varsity,
1974), pp. 14-21.
76 H istória de I srael no A ntigo T estamento
63 Moshe Weinfeld, Deuteronomy and the Deuteronomic School (Oxford: Clarendon, 1972),
pp. 59-157; R. Frankena, "The Vassal Treaties of Esarhaddon and the Dating of
Deuteronomy,", OTS 14 (1965): 122-54.
64 Moshe Weinfeld, "The Loyalty Oath in the Ancient Near East," ( if 8 (1976): 397.
65 Kenneth A. Kitchen, "Ancient Orient, 'Deuteronism,' and the Old Testament," em
New Perspectives on the Old Testament, editado por J. Barton Payne (Waco: Word, 1970),
pp. 1-24.
O Ê xodo : N ascimento de uma N ação 77
- Não será por isso que devemos considerar o relato coaio não-histórico, conforme muitos
têm pensado, tais como G.I. Davies, que identifica os tinerários de Deuteronômio como
um embelezamento dos instantes de mudanças nas aitigas fontes narrativas e em P (a
suposta fonte sacerdotal da legislação contida no Pentateuco), fazendo-as oarecer como
verdadeiras, o que serviria apenas para trazer esperança à comunidade do exílio ("The
Wilderness Itineraries and the Composition of the Pentateuch", VT 33 [1983]: 12-13).
Para uma visão que identifica o sítio tão antigo quanio a Era do Bronze Médio I, ver
H istoric de I srael no A ntigo T estamento
Berseba. Esta lição parece ter sido suficiente, pois não houve mais qual
quer outra tentativa de entrar em Canaã prematuramente.
’ Para uma visão panorâmica da identidade e história dos edomitas e moabitas, ver John
R. Bartlett, "The Moabites and Edomites," em Peoples ofOld Testament Times, editado por
D.J. Wiseman (Oxford: Clarendon, 1973), pp. 229-58.
Aharoni, Land ofthe Bible, pp. 201-2.
O Ê xodo : Nascimento de uma N ação 81
Milh em vez de Tel Arade, já que esta não existia em tempos pré-
salom ônicos.72 Tel el-Milh situa-se cerca de 19 quilômetros a oeste de
Berseba e 96 quilômetros a nordeste de Cades. O rei de Arade estava
temeroso porque os exércitos de Israel aproximavam-se de sua cidade
"ao longo da estrada para Atarin", um vale que ligava Arade a Cades.
Isso parece sugerir que Moisés, apesar de forçado a abandonar os planos
de passar pela Estrada dos Reis, estava uma vez mais determinado a
penetrar em Canaã pelo sul. Em todo o caso, Jeová concedeu a vitória
sobre Arade em Hormá, o mesmo local onde Israel havia sofrido terrível
derrota trinta e oito anos antes.
permaneceu até os dias de Moisés, como deixa claro o relato dos doze
espias (Nm 13.29). Mesmo os mais distantes planaltos haviam sucumbido
aos amorreus, e, como resultado, os moabitas e amonitas tiveram de
entrincheirar-se e satisfazer-se com uma considerável redução de seus ter
ritórios (Nm 21.26-30).78 Mesmo percebendo o iminente conflito, Moisés
decidiu seguir a rota pelas terras amoritas até Beer (localização desconhe
cida), Matana (desconhecida), Naaliel (desconhecida), Bamote (desconhe
cida), e finalmente até Pisga, situada na margem de um alto planalto que
possibilita a visão do mar Morto. Essa estrada passava bem próximo à
capital dos amorreus, chamada Hesbon, o que sem dúvida provocaria a
sua intervenção.
Logo, Moisés solicitou a Siom, rei dos amorreus, permissão para conti
nuar naquele caminho. Esse pedido - feito enquanto Israel achava-se no
deserto de Quedemote (Dt 2.26) - foi negado; e Siom lançou-se para atacar
Israel em Jaaz (Khirbet el-Medeiyineh?), situada cerca de 32 quilômetros
ao sul de Hesbon. Israel prevaleceu e, em pouco tempo, tomou a cidade
de Hesbon, matou a Siom, e ocupou todas as terras dos amorreus - desde
Arnom até Jazer, a nordeste de Jerico.
A ordem dos acontecimentos e o caminho percorrido são bastante obs
curos, já que os diferentes relatos alistam diferentes lugares.79 A narrativa
fundamental - Números 21.13-32 - parece descrever o itinerário de ma
neira resumida (vv. 16-20), registrando a comunicação com Siom, sua per-
50William F. Albright, Yahiueh and the Gods of Canaan (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1969),
p. 15, n. 38.
11 Herbert B. Huffmon, "Prophecy in the Mari Letters," BA 31 (1968): 101-24; John F.
Craghan, "The ARM X 'Prophetic' Texts: Their Media, Style and Structure," JANES 6
(1974): 39-58.
52 Para um maior conhecimento do profetismo e adivinhação na Mesopotâmia, ver A.
Leo Oppenheim, Ancient Mesopotamia (Chicago: University of Chicago Press, 1964),
pp. 206-27. Balaão praticava uma forma de encantamento em que combinava algumas
palavras ritualísticas com ações, o que supostamente ocasionava uma mudança no
curso dos eventos divinos. Ver H.W.F. Saggs, The Greatness That Was Babylon (New
York: New American Library, 1968), pp. 311-14; Frederick L. Moriarty, "Word as Power
in the Ancient Near East," em A Light unto My Path, editado por Howard N. Bream,
Ralph D. Heim e Carey A. Moore (Philadelphia: Temple University Press, 1974), pp.
345-62. Para uma confirmação sobre as funções de advinhador e amaldiçoador de
Balaão, ver Jacob Hoftijzer, "The Prophet Balaam in a 6thCentury Aramaic Inscription,"
BA 39 (1976): 12-13.
86 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Peter C. Craigie, The Book of Deuteronomy, New International Commentary on the Old
Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1976), pp. 30-32.
0N P I ST A E A
P A ( Ã 0 DE C A N A Ã
A terra como o cumprim ento da promessa
O mundo antigo do Oriente Médio
Mesopotâmia.
. Mitani
Os hititas
0$ estados sírios
Egito
Os 'apiru
Os 'apiru e a conquista
A estratégia de Josué
A campanha de Jerico
A campanha central
Siquém e a renovação da aliança
A campanha em direção sul
A campanha em direção norte
A data da conquista de Josué
A campanha contra os enaquins
M odelos alternativos da conquista e ocupação
O modelo histórico-tradicional
O modelo sociológico
A terra repartida entre as tribos
A distribuição em larga escala
A distribuição da terra para cada tribo
As cidades de refugio
As cidades dos levitas
A segunda renovação da aliança em Siquém
A te rra co m o o c u m p rim e n to d a p ro m e s s a
gente, que não admitia reconhecer os direitos de Jeová sobre o seu pró
prio povo. Por conseguinte, em uma demonstração de poder e amor, Jeová
sacudiu o jugo de seu povo, derrotando o opressor e libertando os hebreus
através da passagem pelo mar de Juncos, até que chegaram ao local de
terminado para a aliança - o Sinai. Foi lá que Ele afirmou sua soberania
sobre os descendentes de Abraão, e ofereceu-lhes o grande privilégio de
se tornarem seus servos na grandiosa missão de reconciliar a humanida
de consigo mesmo. A aceitação por parte de Israel gerou uma aliança,
um contrato mediante o qual Israel e Jeová ligavam-se e obrigavam-se
mutuamente, e era garantido a Israel a apropriação de todas as promes
sas feitas aos patriarcas. Os hebreus haviam se tornado uma nação, e
como tal passaram a ter um rei, o próprio Jeová, e uma constituição, o
livro da aliança ou concerto (Êx 20-23), e, mais tarde, o Deuteronômio.
Tudo o que eles precisavam agora era de uma terra onde pudessem go
zar tanto a nacionalidade quanto a estabilidade. Até mesmo a terra ain
da era uma promessa a ser cumprida. O que Israel precisava fazer era
tomar posse da ordem divina e partir para a ocupação da terra.
Israel permaneceu nas planícies de Moabe bem às vésperas da ocupa
ção e conquista da terra. Moisés era morto e o manto de mediador da ali
ança agora repousava sobre os ombros de Josué. Animado e encorajado
pela promessa de Jeová de que estaria sempre com ele - como havia esta
do com Moisés - , Josué começa a planejar a estratégia que resultaria na
conquista e ocupação da terra da promessa.
O m u n d o a n tig o d o O rie n te M é d io
Mesopotâmia
1 Para uma descrição dessa era tão obscura da história da Babilônia, ver em C.J. Gadd,
"Hammurabi and the End of His Dynasty," no Cambridge Ancient History, 3a Edição,
editado por I.E.S. Edwards et al. (Cambridge: University Press, 1973), vol. 2, parte 1, pp.
224-27; Margareth S. Drower, "Syria c. 1550 - 1500 B.C.," CAH 2.1, pp. 437-44; D. J.
Wiseman, "Assyria and Babylonia c. 1200-1000 B.C.," no CAH 2.1, pp. 443-47.
2 Jorgen Alexander Knudtzon, Die El-Amarna Tafeln, 2 vols. (Aalen: Otto Zeller, 1964
reedição),# 9.
3 Ibid., # 8
4 Ibid., # 16; Albert Kirk Grayson, Assyrian Royal Inscriptions: (Wiesbaden: Otto
Harrassowitz, 1972), vol. 1, pp. 47-49, # 10-11.
A C onquista e a O cupação de C anaã 93
Mitani
Os hititas
Anatólia, agora a porção central da Turquia, era o lar dos hititas. Esse
povo indo-europeu de origem ainda incerta, tendo assumido o controle
de Hatti, a população original, já havia criado um reino de estabilidade e
alto poder político-cultural em cerca de 1800 a.C.6 Após muitos anos de
declínio, o Médio Reinado Hitita surgiu e não só reafirmou o poder hitita
em Anatólia, como também iniciou um programa imperialístico de ex
pansão territorial em várias direções. De grande importância para a histó
ria de Israel foi o movimento em direção sul e sudeste promovido por
Tudalias II que, por volta de 1440, atacou e capturou Halab (Aleppo), de
Mitani, como também a maior parte da Síria dominada por Amenotepe II,
rei do Egito.7 Porém, esse domínio foi de curta duração, uma vez que os
monarcas egípcios e de Mitani fecharam acordos militares para reaverem
as terras ocupadas. Além disso, os vários levantes e inquietações internas
5 J.R. Kupper, "Northern Mesopotamia and Syria," em CAH 2.1, pp. 36-41; Drawer, "Syria,"
em CAH 2.1, pp. 417-36; A. Goetze, "The Sruggle for the Domination of Syria (1400-1300
B.C.)", em CAH 2.2, pp. 1-8.
- O.R. Gurney, The Hitites (Baltimore: Penguin, 1964); Seton Lloyd, Early Highland Peoples
of Anatolia (New York: McGraw-Hill, 1967).
~ O. R. Gurney, "Anatolia c. 1600-1380 B. C.," em CAH 2.1, p. 676.
94 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Os estados sírios
Egito
Os 'apiru
14 Para um relato que procura relacionar a história de Israel como sendo a dos 'apiru,
ver Moshe Greenberg, The Hab/píru (New Haven: American Oriental Society, 1955),
pp. 3-12.
15 Para explicar a exceção, William L. Moran propõe a idéia que o escriba era de origem
síria, da mesma forma que seu senhor ("The Syrian Scribe of the Jerusalem Amarna
Letters," em Unity and Diversíty, editado por Hans Goedicke e J.J.M. Roberts [Baltimore:
Johns Hopkins University Press, 1975], p. 156).
16Assyrian Dictionary, editado por Ignace J. Gelb et al. (Chicago: Oriental Institute, 1956),
vol. H, pp. 13-14.
17William F. Albright, "Abraham the Hebrew," BASOR 163 (1961): 36-54.
18 Greenberg, Hab/píru, pp. 70-76.
98 H istória de I srael .wo A ntigo T estamento
O s 'a p iru e a co n q u is ta
22 Essa posição tem sido não apenas exposta, mas forçosamente defendida por Norman K.
Gottwald, The Tribes ofYahweh (Mary-knoll, N.Y.: Orbis, 1979), pp. 417-25. Para uma
excelente discussão acerca da evolução dos termos que se referem aos hebreus, ver em
Nadav Na'aman, "Habiru and Hebrews: The Transfer of a Social Term to the Literary
Sphere," JNES 45 (1986): 271-88.
23 Por exemplo, T.J. Meek, Hebrew Origins (New York: Harper and Row, 1960), pp. 21-23.
o
<5 Monte
^ Hermom
MA R
MEDITERRÂNEO
A
Monte
Halaque
A CONQUISTA
DE C A N A Ã
Cades-Barnéia
A C onquista e a O cupação de C anaã 101
24 Greenberg (Habi/piru, p. 74, n. 62) data as cartas da Palestina como que pertencendo aos
primórdios do reinado de Amenotepe IV. Edward F. Campbell, Jr., diz que todas as
cartas datam do trigésimo ano de Amenotepe III até o final do reinado de Akhenaten
("The Amarna Letters and the Amarna Period," BA 23 [I960]: 10).
102 H istória de I srael no A ntigo T estamento
guns textos de origem palestina, existem apenas dezesseis deles que men
cionam os 'apiru:25
25 Os textos estão publicados por Knudtzon, El-Amarna (EA). William F. Albright identifi
ca o autor de AO 7096 como sendo Shuwardata (ver em James B. Pritchard, Ancient Near
Eastern Texts Relating to the Old Testament, 2a edição [Princeton: Princeton University
Press, 1955], p. 486, n. 13). E claro que existem muitos outros textos que, da mesma
forma, são oriundos da Palestina e que jamais mencionam os SA.GAZ / 'apiru. O qua
dro que surge desses relatos em nada é diferente. São mencionadas as mesmas escara
muças entre as cidades, as mesmas mesquinharias e a mesma subserviência aos reis
egípcios, além de registrarem o mesmo ambiente chafurdado num caos e ilegalidade
que foram o resultado das invasões promovidas por inimigos externos. Ver esta descri
ção em Campbell, "Amarna Letters," BA (1960): 2-22.
A CosQJiSTA EA O cupação de C anaã 103
11. EA 289. ER-Heba indica que Milkilu tomara Rubutu para si mes
mo, que o povo de Gath-Carmelo tinha estabelecido uma guarni
ção em Beth Shan e que Lab'ayu tinha entregado Siquém para os
'apiru.
12. EA 290. Er-Heba reclama que Milkilu e Shuwardata se apoderaram
de Rubutu e que uma cidade próxima a Jerusalém tinha caído nas
mãos do povo de Queila - portanto a terra do rei estava agora no
controle dos 'apiru.
13. EA 298. Yapahi de Gezer diz que seu irmão rendeu-se aos SA.GAZ
em Muhhazi.
14. EA 299. Yapahi diz que os SA.GAZ eram fortes contra ele.
15. EA 305. Shubandu das regiões ao sul da Palestina observa que os
SA.GAZ eram fortes contra ele.
16. EA 318. Dagantakala das regiões ao sul da Palestina descreve a se
vera imposição que sofrera nas mãos dos SA.GAZ/habbati.
26 Edward E Campbell, Jr. E James F. Ross, "The Excavation of Shechem and the Biblical
Tradition," BA 26 (1963): 9-11. Campbell e Ross afirmam que a cidade de Siquém foi
conquistada por Israel "sem o uso de qualquer armamento" e também da "pacífica
simbiose refletida nas narrativas de Jacó". A última observação chega ser estranha por
que a estória de Jacó e Siquém (Gn 33.18-34.31) pode refletir qualquer coisa, menos
uma relação pacífica. Um forte contraste é visto nos textos de Amarna que, sem sombra
de dúvida, apontam para uma assimilação pacífica de Siquém.
27 H.H. Rowley, Fróm Joseph to Joshua (London: Oxford University Press, 1950), pp. 110-11.
104 H istória de I srael no A ntigo T estamento
de Gezer perdeu sua vida e seu exército28 quando se lançou num ataque
surpresa contra Israel, pois vinha em auxílio de Laquis. Horão muito pro
vavelmente foi o predecessor de Milkilu, quem primeiro se mostrou hostil
aos SA.GAZ, mas acabou unindo-se a eles. Um fato muito interessante é
Josué 16.10, onde está escrito que os israelitas não expulsaram os cananeus
de Gezer, mas que seus habitantes tornaram-se escravos dos efraimitas.
Isto está perfeitamente de acordo com a reclamação de ER-Heba contra
Milkilu, a qual diz ter este "dado a terra ao rei dos 'apiru" (EA 287).
Ba'lat-UR.MAHMESde Sapuna, um local por outro lado desconhecido,29
fala acerca do perigo iminente vindo dos SA.GAZ, como fazem Shubandu
e Dagan-takala, igualmente de locais desconhecidos. Yapahi30 de Gezer
diz que seu irmão caiu diante dos SA.GAZ em Muhhazi (Tel Mahoz, a
oeste de Gezer).31 Já que este local não é mencionado na narrativa da con
quista, torna-se pouco relevante para nós.
As cartas provenientes de Jerusalém, entretanto, são de valor inestimá
vel. O remetente, um homem chamado ER-Heba (Abdi-Hepa), descreve
uma deserção completa diante dos 'apiru. Ele mostra-se particularmente
perturbado diante da grande deslealdade de Gezer, Ascalom e Laquis. Sob
o domínio de Milkilu, a cidade de Gezer, conforme vimos, aparentemente
rendeu-se a Josué sem necessidade de haver uma batalha. Ascalom não
aparece em Josué, mas está presente em Juízes 1.18 como a cidade tomada
pelos filhos de Judá como parte de sua herança. Visto que Ascalom é asso
ciada a Gezer nos textos de Amarna, e Gezer foi a princípio hostil aos
israelitas antes de submeter-se ao domínio de Josué, não está fora de ques
tão a hipótese de que Ascalom, como Gezer, após uma hostilidade inicial,
tenha se tornado aliado de Israel (EA 287).
Laquis aparece em Josué 10 como uma das confederadas de Jerusalém
na oposição entre amoritas e israelitas. Depois de Josué haver matado o
28 Rowley (ibid., p. 100) engana-se quando afirma que existe uma inconsistência entre
Josué 10.33 e 16.10, já que a última referência indica que Gezer tinha sido aniquilado e a
primeira diz que ele estava sob a dominação dos Israelitas. Josué 10.33 diz que Horam,
rei de Gezer, morreu em batalha juntamente com os demais reis que se uniram a ele em
guerra contra Josué em Laquis. Isso em hipótese alguma quer dizer que a cidade de
Gezer foi destruída.
29 Campbell, "Amarna Letters," BA 23 (1960): 20, identifica esse Sapuna com Zafon da
região inferior do vale do Jordão, um ponto de vista que não tem sido geralmente acei
to.
30Ou Yapa'u segundo Shlomo Izre'el, "Two Notes on the Gezer-Amarna Tablets," Tel Aviv
4 (1977): 163. Izre'el oferece aqui um novo estudo de EA 299.
31 Yohanan Aharoni, The Land of the Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), p. 440.
A Co.xQuiSTA EA O cupação de C anaã 10 5
rei de Laquis (v. 26), tomou para si a cidade (vv. 31,32), mesmo tendo o rei
de Gezer corrido para auxiliá-la (v. 33).32 Não há razão por que Laquis não
ter se tornado, conforme Gezer, uma colaboradora dos israelitas, como
mencionou ER-Heba (EA 287). Zimrida de Laquis (EA 288) claramente
deve ser distinguido de Jáfia, rei de Laquis (Js 10.3). Contudo, pode ser
que Zimrida tenha sucedido Jáfia após a morte deste em Maquedá.
Em outra carta (EA 289), o rei de Jerusalém diz que Milkilu de Gezer
tomou para si Rubutu (Rabá, próximo à moderna Latrun).33 Josué nada
fala acerca desta captura; assim é possível que Milkilu tenha salvado Isra
el desse problema. A mesma carta descreve uma guarnição que o rei de
Gate (Shuwardata?) estabelecera em Bete-Seã, bem ao norte. Gate perma
neceu intocada por Josué (Js 11.22), e Manassés não foi capaz de expulsar
os cananeus de Bete-Seã (Js 17.16; Jz 1.27).
Os textos de Amarna deixam a impressão de que os SA.GAZ/'apiru
lutaram primeiramente contra cidades e povoados que estavam fora da
área de conquista israelita, conforme descrito nas fontes bíblicas. Essas
cartas, que também mencionam locais relacionados com a conquista, não
estão de forma alguma em desacordo com o relato bíblico. De fato, elas o
complementam de forma bastante significativa. É possível distinguir os ~
SA.GAZ/'apiru que operavam fora da região central da Palestina da
queles que agiam na parte interior, provavelmente os israelitas. Yohanan
Aharoni ficou perplexo ao perceber que apenas quatro das cidades que
existiam naquela região montanhosa, durante a era de Amarna, são men
cionadas nos documentos de Amarna. Ele atribui isto à completa domi
nação daquela região pelos habitantes de Siquém e de Jerusalém.34 Não
seria mais sensato admitir que a razão para este silêncio seria o fato de
que todo o interior de Canaã estava nas mãos dos israelitas durante esse
período, com exceção de Siquém e Jerusalém, exatamente segundo a
descrição bíblica?35
52 E verdade que o relato bíblico descreve a população da cidade de Laquis sendo total
mente destruída. Mas isso em nada impediria que a cidade viesse novamente a ser ha
bitada, se tornando amigável para com os 'apiru (Israel), conforme está sugerido em EA
287, para que mais tarde viesse novamente a cair em desgraça, como diz em EA 288.
Deve-se dedicar especial atenção ao fato que o texto não diz absolutamente nada com res
peito à destruição das estruturas físicas da cidade. Ver Eugene H. Merril, "Palestinian
Archaeology and the Date of the Conquest: Do Tels Tel Tales?" GTJ 3 (1982): 114.
22Aharoni, Land ofthe Bible, p. 174.
34 Ibid., p. 175.
" E importante que se saiba que, ao expressarmos nossa própria reconstrução do ambien
te histórico que permeou os anos da conquista, não descartamos absolutamente os proble-
106 H istória de I srael no A ntigo Testamento
A e s tra té g ia de Jo s u é
A campanha de Jerico
mas que nosso ponto de vista precisa enfrentar, especialmente no que diz respeito a
falta de correspondência entre os nomes próprios vistos nos textos de Amarna e aqueles
registrados nos livros de Josué e Juízes. Porém, quando nos lembramos de que a con
quista de Josué já estava há muito tempo terminada na época em que os documentos de
Amarna descrevem o tumulto causado pelos 'apiru, então fica até fácil de se entender
por que alguns nomes são diferentes.
A C O S Q U IS T A E A O C U P A Ç Ã O D E CA NA Ã 107
^ Frank M. Cross, Ccmaanite Myth and Hebrew Epic (Cambridge: Harvard University Press,
1973), pp. 103-5.
108 H istória de Israel no A ntigo T estamento
apenas porque ela guardava a rota que ele intentava tomar, mas também
porque se ele a deixasse intacta, ela se transformaria num bastião da resis
tência cananéia contra Israel, o que se tornaria uma fonte de problemas ou
mesmo perigo para os exércitos de retaguarda do povo de Deus. Além disso
e por razões não muito bem nítidas, Jeová havia escolhido especialmente
aquela cidade para manifestar o seu julgamento. Quando isso acontecia a
um local ou a um povo, eles eram designados como "consagrados para
Jeová", ou seja, seriam levados ao extermínio. O verbo técnico em hebraico
é haram ("consagrar para destruição"). Objetos debaixo da maldição deveri
am ser aniquilados (caso estivessem vivos) ou dados a Jeová para seu pró
prio uso. Em hipótese alguma tal coisa poderia ser guardada sem que para
isso houvesse a expressa permissão de Jeová.37
O primeiro exemplo dessa política foi a destruição dos cananeus e de
suas cidades próximas a Horma (Nm 21.3). De fato, o nome Hormá reflete
a raiz subjacente herem. Essa política foi aplicada de forma semelhante
após a derrota de Seom e dos amoritas na Transjordânia (Dt 3.6). Moisés
também tinha exortado Israel a colocar algumas das cidades cananéias
sob herem, explicando que isso significava que eles não poderiam fazer
acordo nem se unirem em casamento com eles (Dt 7.1-3). Pelo contrário,
Israel deveria destruir seus altares, pedras sagradas, os postes de Aserá e
as imagens (v. 5). A razão era que Israel, mesmo sendo um povo separado
por Deus, poderia retornar ao paganismo através da influência dos
cananeus (Dt 20.17,18).
É óbvio que herem às vezes limitava-se à destruição completa do povo,
não se aplicando às cidades propriamente ditas. E exatamente este o sig
nificado.das palavras de Moisés quando disse que Jeová entregaria a Isra
el cidades que eles não haviam edificado, casas cheias de bens e cisternas
que eles não haviam construído (Dt 6.10,11; 19.1). Quando por fim concre
tizou-se a vitória, Josué relembrou ao povo que Jeová fizera conforme ha
via prometido - Ele lhes dera cidades que eles não haviam edificado, e
vinhas e olivais que não haviam plantado (Js 24.13).
Um estudo mais cuidadoso revela que durante a conquista, apenas três
cidades cananéias, na realidade, sofreram a totalidade do herem, ou seja, fo
ram fisicamente destruídas justamente com suas populações. Estas foram
Jerico, Ai e Hazor. Quanto às outras, é dito apenas que foram "tomadas" (lakad)
por Israel e seus habitantes passados ao fio da espada. Por enquanto, pode-se
apenas especular o porquê de Jerico haver sido selecionada para estar sob a
totalidade do herem. É provável que, por ser a primeira cidade cananéia situ
37 Roland de Vaux, Ancient Israel (New York: McGraw-Hill, 1965), vol. 1, pp. 260-63.
A COXQUISTA E .4 OCUPAÇÃO DE C a NAA 109
ada ao ocidente do Jordão, seu destino servisse como um alerta para todas as
demais cidades, para que levassem em conta que a santidade e o poder de
Jeová é que trabalhavam em favor de seu povo conquistador.
O vilarejo de Jericó vinha sendo ocupado possivelmente desde 7500
a.C.38 Infelizmente a ação deletéria do tempo e das condições climáticas,
combinadas ao trabalho amador e às escavações profissionais, somaram-
se para praticamente impedir a utilização arqueológica e histórica da ci
dade de Jericó. Baseado em alguns escaravelhos de Amenotepe III, o ar
queólogo britânico John Garstang datou o nível D em aproximadamente
1400 a.C., e postulou que esta era a cidade destruída por Josué.39 Sendo
assim, Garstand sustentou a data de 1400 para a conquista, e uma mais
antiga correspondente para o êxodo. Suas conclusões foram ainda mais
confirmadas com a descoberta de muralhas que, ao contrário do resultado
normal de um cerco, caíram para o lado de fora, morro abaixo. A isto ele
associou a referência bíblica que descreve a ruína das muralhas de Jericó
como caindo "sob a cidade" (taheta), ou seja, caindo morro abaixo (Js 6.20).40
Contudo, mais recentemente Kathleen Kenyon, outra respeitada arque
óloga britânica, passou várias estações em Jericó e concluiu, entre outras
coisas, que Garstand havia interpretado as evidências erroneamente, e que
os escaravelhos de Amenotepe pertenciam a um depósito posterior. Seu
nível D, então, tinha de ser remarcado próximo a 1300.41 Se tal reavaliação
já tem trazido problemas para as datas mais primitivas propostas para o
êxodo e a conquista, torna-se ainda pior para uma data mais recente, uma
vez que a conquista de Jericó em 1300 fixaria o êxodo em 1340. Sem dúvi
da esta reavaliação não beneficia a nenhuma posição. O melhor que se
pode dizer, então, é que a evidência de Jericó é inconclusiva e que, neste
ponto, é de pouco ou nenhum valor para se estabelecer um esboço históri
co ou cronológico em que se possa visualizar a conquista.
A campanha central
:’s Kathleen Kenyon, Archaeology in the Holy Land (New York: Praeger, 1960), p. 42.
39 John Garstang e J.B.E. Garstang, The Story of Jericho (London: Marshall, Morgan and
Scott, 1940), p. 120.
40 Ibid., p. 136.
41 Kathleen Kenyon, Digging Up Jericho (New York: Praeger, 1957), p. 260; idem, "Palestine
in the Time of the Einghteenth Dynasty", em CAH 2.1, p. 545.
no H istória de I srael no A ntigo T estamento
estrada sinuosa até a próxima fortificação cananéia em Ai. Visto que a cida
de já não mais existia (seu próprio nome significa "ruína"), foi necessário ao
historiador localizá-la como a cidade "que está junto a Bete-Aven, ao orien
te de Betei" (Js 7.2). Embora Ai seja identificada por muitos estudiosos com
um sítio conhecido simplesmente por et-Tel ("monte de pedras"),42 a me
nos de quatro quilômetros a leste de Betei (Beitin), esta visão não mais des
fruta de consenso. De fato, há muitos argumentos convincentes contra ela,
conforme David Livingston e outros estudiosos têm demonstrado.43 É irô
nico que o segundo dentre os três locais que sofreram o herem seja, como no
caso de Jerico, de valor insignificante para a data da conquista. É preciso
reconhecer que a própria natureza violenta do herem pode ser a própria ra
zão para que nem Jerico nem a cidade de Ai tivessem condições de produzir
quaisquer evidências arqueológicas significativas.
Depois de uma derrota inicial em sua tentativa de tomar a cidade de Ai
(Js 7.4,5), Josué compreendeu que os termos do herem haviam sido violados
na destruição de Jericó. Um cidadão particular, Acã, tinha se apoderado de
objetos que pertenciam exclusivamente a Jeová; Acã e sua família foram
destruídos como resultado da desobediência (Js 7.22-26). Somente assim
Josué pôde, com um contingente de trinta mil homens, atacar e destruir a
cidade de Ai, por meio de uma estratégia que incluíam emboscadas e arma
dilhas. Os habitantes de Betei uniram-se aos de Ai na peleja, mas ambos
foram clamorosamente derrotados. Josué então mandou matar os homens e
mulheres da cidade - doze mil ao todo - até que não houve mais nem um
sobrevivente. A própria cidade foi queimada até que tudo se consumiu,
permanecendo apenas uma coluna de fumaça, uma ruína ('ay) no exato sen
tido da palavra. Somente o gado e alguns tesouros da cidade foram poupa
dos, e isso segundo as ordens específicas de Jeová (Js 8.27). Ai representa o
exemplo de um herem com especificações bem claras.
Nada mais é dito acerca do encontro de Israel com Betei. A evidência
arqueológica é ambígua, embora pareça ter existido alguns sinais de acam
pamentos tribais durante o século catorze.44 Pode-se concluir que os
42 Ver especialmente Joseph A. Callaway, "The 1964 'Ai (Et-Tel) Excavations," BASOR 178
(1965): 13-40; "New Evidence on the Conquest of Ai," JBL (1968): 312-20; "The 19688-69
'Ai (Et-Tel) Excavations," BASOR 198 (1970): 7-31.
43David Livingston, "The Location of Biblical Bethel and Ai Reconsidered," WTf 33 (1970):
20-44. Livingston faz a opção por el-Bireh como o sítio de Betei (p. 40) e localiza a cidade
de Ai num pequeno tel localizado nas imediações.
44 Aharoni, Lanei of the Bible, p. 210. Há sinais de habitações na cidade de Beitin no século
catorze mas, conforme a sugestão de Livingston, se Beitin não é a cidade de Betei, esses
sinais são irrelevantes para nossa discussão.
A COXQUISTA EA OCUPAÇÃO DE C a NAÃ 111
betelitas foram destruídos, mas que a sua cidade, como a maioria das ci
dades cananéias, foi poupada a fim de prover residência para Israel. Em
bora o livro dos Juízes indique que os efraimitas de fato tomaram Betei,
isto parece ter ocorrido após a morte de Josué.45
45 A passagem de Juízes 1.22-26 é o único relato acerca de uma guerra contra a cidade de
Betei. Um betelita permitiu a entrada de Israel dentro da cidade, resultando com isso
que toda sua população, com exceção desse colaborador, foi destruída. A cidade, contu
do, foi poupada. Quanto a expressão técnica, "passaram a cidade ao fio da espada", ver
em Merrill, "Palestinian Archaeology", GTJ 3 (1982): 113-14.
46Esse fato ocorreu logo no início da conquista, ou cerca de 1406 a.C. A segunda convoca
ção em Siquém ocorreu quarenta anos depois (ver pp. 139-140)'. O acesso irrestrito até
Siquém conduz-nos, imediatamente, a duas conclusões: ou os habitantes de Siquém
deram as boas-vindas a Josué, ou já não havia habitantes naquela cidade. Parece que a
primeira hipótese é a mais segura, pois os cananeus de Siquém cooperaram espontane
amente com os 'apiru dos textos de Amarna (ver p. 102). Mesmo que a assembléia de
Josué 8 tenha ocorrido em cerca de trinta anos antes da mais antiga carta de Amarna, é
totalmente possível que a cordialidade dos siquemitas em relação aos 'apiru / israelitas
tenha sido apenas o resultado de uma política de anos de existência.
47 Muitos estudiosos, é claro, vêem Josué 8 e 24 como sendo tradições variantes de um
mesmo acontecimento. Para uma recente e, ao mesmo tempo, profunda apresentação
dessa posição, ver em J. Alberto Soggin, Joshua: A Commentary (Philadelphia: Westminster,
1972), pp. 220-44. O que essa posição falha em não observar é que havia a necessidade
de que todas as gerações viessem a afirmar seu compromisso com Yahweh. Era mais
apropriado que a assembléia se reunisse no início da conquista e que, de forma seme
lhante, voltasse a se reunir por mais uma vez na véspera da morte de Josué. Ver em
Marten H. Woudstra, The Book of Joshua, New International Commentary on the Old
Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1981), pp. 148-49; Meredith G. Kline, The Structure
ofBiblical Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 172), pp. 54-56.
I ll H istória de I srael no A ntigo T estamento
A o ficar claro que Josué havia ferido o norte de Canaã a partir do sul, e
que efetivamente instalara a nação de Israel na região montanhosa cen
tral, os cananeus e outras populações decidiram pôr de lado as diferenças
e formar uma só defesa contra Israel. Os heveus (horitas ou hurrianos?) de
Gibeão (el-Jib),50 situados apenas a onze quilômetros ao sul de Betei, fica
=1 O ser ou não um tratado entre suserano e vassalo é questionado por F. Charles Fensham,
"The Treaty Between Israel and the Gibeonites", BA 27 (1964): 96-100. Jehoshua M. Grintz,
por outro lado, mantém a posição que estamos diante de um tratado de "proteção". A
diferença encontra-se no nível de servidão, já que o "protégé" tinha muito mais inde
pendência do que um vassalo comum ("The Treaty of Joshua with the Gibeonites", JAOS
86 [1966]: 114-16,124-26).
:: O fato desse nome não constar das cartas de Amarna como sendo rei de Jerusalém não
deveria em nada nos surpreender, já que esse Adoni-Zedeque teria precedido em cerca
de trinta anos a mais antiga dessas cartas. Portanto, a observação feita por Rowley, que
afirma estarem os nomes pessoais registrados nas duas fontes em total desacordo, é
imprópria para o momento, pelo menos nessa situação (From Joseph to Joshua, pp. 4,42).
1 14 H istória de I srael no A ntigo T estamento
53 A erudição crítica nega que haja qualquer historicidade ho milagre descrito nessa estó
ria, é claro, embora a maioria dos intérpretes concedam, pelo menos, um substrato de
verdade histórica envolvendo tal situação, que foi construída através de uma lingua
gem poética relatando uma guerra santa. Ver, por exemplo, Trent C. Butler, Joshua, Word
Biblical Commentary (Waco: Word, 1983), pp. 113,115-17. John S. Holladay, Jr., defende
a idéia que a referência à momentânea parada do sol e a lua deve ser relacionada a uma
espécie de consulta astrológica à procura de "bons sinais" vindos dos céus, de forma
que por meio deles Josué teria mais confiança em sua vitória ("The Day(s) the Moon
Stood Still", JBL 87 [1968]: 170,176).
.ACOSQUISTA EA OCUPAÇÃO DE CANAÂ 1 15
54 Oxford Bible Atlas, editado por Herbert G. May, 3a edição (New York: Oxford University
Press, 1984), p. 134.
?a Merril, "Palestinian Archaeology," GTJ 3 (1982): 113.
Francis Brown, S.R. Driver and Charles A. Briggs, A Hebrew and English Lexicon of the Old
Testament (Oxford: Clarendon, 1962), pp. 352-53.
116 H istória de I srael no A ntigo T estamento
57 Num estudo revelador, Rivka Gonen nos diz que a maioria das cidades da Era do Bron
ze Recente eram cidades não-fortificadas - não havia muralhas para defendê-las e criar
uma barreira contra os que tentassem tomá-las. Ao mesmo tempo houve um rápido
crescimento no número de acampamentos nos séculos décimo quarto e décimo terceiro.
Essas estatísticas batem com o montante da população durante os anos da conquista
("Urban Canaan in the Late Bronze Period", BASOR 253 [1984]: 61-73).
58 Wilhelm Gesenius, Gesenius'Hebrew Grammar, editado por E. Kautzch e A.E. Cowley
(Oxford: Clarendon, 1957), 154a.
59 A vitória contra a liga dos amorreus certamente não ocorreu antes de 1405 e Calebe,
segundo seu próprio testemunho, estava com oitenta e cinco anos quando tomou a ci
dade de Hebrom como sendo sua herança (Js 14.10, 13,14). Já que ele estava com qua
renta anos depois que se passaram dois anos do êxodo (v.7), a data da sua aquisição da
cidade de Hebrom deve ter sido por volta de 1399.
60 Até mesmo Manfred Weippert, que interpreta a ocupação de Canaã por Israel como
tendo sido uma espécie de penetração gradual das tribos e que seguiu de perto um
padrão estabelecido de fixação na terra, não acontecendo como que através de uma
operação militar, deve reconhecer que a evidência arqueológica é totalmente silenciosa
a esse respeito (The Settlement ofthe Israelite Tribes in Palestine, traduzido por James Martin
[Naperville, 111.: Allenson, 1971], pp. 128,129). J. Maxwell Miller, que interpreta a ocupa
ção como tendo sido uma violenta operação militar, deve reconhecer que "os dados
arqueológicos disponíveis simplesmente não se enquadram muito bem com o relato
bíblico da conquista, apesar das datas propostas por algumas pessoas" ("Archaeology
and the Israelite Conquest of Canaan: Some Methodological Observations," PEQ 109
[1977]: 88). É claro que não devemos esperar que as evidências concordem entre si quando
a interpretação dada à conquista é defeituosa.
A COSQUISTA E A OCUPAÇÃO DE C a NAÃ 117
61Quanto a Gilgal ser considerado como um centro logístico e estratégico, ver em Abraham
Malamat, "How Inferior Israelite Forces Conquered Fortified Canaanite Cities," BAR 8
(1982): 31.
Quanto a escavação e história desse sítio, ver em Avraham Negev, ed., Archaeological
Encyclopedia ofthe Holy Land (Englewood, N.J.: SBS, 1980), pp. 138-41.
118 H istória d l I srael no A ntigo T estamento
A d a ta d a c o n q u is ta de Jo s u é
A razão por que tem-se enfatizado, e até certo ponto trazido cansaço ao
leitor, que a maioria das cidades cananéias não foram destruídas material
mente por Josué é que, dentre todos os argumentos utilizados em favor de
uma data apropriada para a'conquista, aquele argumento arqueológico
que atesta uma violenta conflagração das cidades cananéias tem sido vis
to como o mais importante.64 De fato, sem o argumento arqueológico, pouca
a base resta para uma data mais recente (décimo terceiro século). A destrui
ção maciça ocorrida no século XIII documentada pela pesquisa arqueoló
A c a m p a n h a c o n tra os e n a q u in s
66Yigael Yadim, "Further Light on Biblical Hazor," BA 20 (1957)-. 44; "The Third Season of
Excavation at Hazor, 1957", BA 21 (1958); 30-47.
67 Bimson, Redating, pp. 185-200.
\ C onquista e a O cupação de C anaà 121
M o d e lo s a lte rn a tiv o s d a c o n q u is ta e o c u p a ç ã o
Josué 12-19 relata essencialmente as alocações das tribos. Uma vez que
a conquista inicial estava completa, uma tarefa que levou aproximada
mente sete anos (cerca de 1406 a 1399), era necessário iniciar o processo de
ocupação, pois as cidades abandonadas seriam repovoadas rapidamente
pelos habitantes da terra, caso Israel permanecesse por muito tempo fora
delas. Pode-se deduzir que já alguma ocupação estava em andamento
durante aquele tempo, mas está claro que a maioria de Israel ainda se
achava concentrada em Gilgal e sua periferia. De fato, antes que a distri
buição da terra conquistada fosse feita em lotes e possessões, nenhuma
residência oficial ou permanente poderia ser fixada. Antes de o padrão de
distribuição adotado ser descrito, é importante considerar brevemente duas
formas alternativas de ver a conquista e o estabelecimento de Israel: à vi
são da tradição crítica e a sociológica. Visto que as duas visões produzi
122 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O modelo histórico-tradicional
“ Martin Noth, Das system der zw ölf Stämme Israels (Darmstadt: Wissenchaftliche
Buchgesellschaft, 1966): History of Pentateuchal Traditions, traduzido por Bernhard W.
Anderson (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1972); The History of Israel 2a edição
(New York: Harper and Row, 1960), especialmente as pp. 53-163. Para uma apresenta
ção e crítica ao trabalho de Noth, bem como uma reconstrução alternativa, ver em J.
Liver, "The Israelite Tribes", em World History of the Jewish People, vol. 3, Judges, editado
por Benjamim Mazar (Tel Aviv: Massada, 1971), pp. 193-208.
l. C o S Q U S T A E A OCUPAÇÃO DE C a NAÃ 123
eles, mas que até então não era conhecido por esse nome. Moisés, portan
to, tornou-se um missionário de Jeová, e quando ele e sua tribo Levi en
contraram-se com Judá em Cades-Barnéia, esta então converteu-se ao
Jeovismo. Movendo-se para o norte de Canaã, Judá fez o mesmo a Simeão,
e passou a ser o centro de culto a Jeová. O documento J, a suposta fonte do
pentateuco que enfatiza o nome de Yahweh (Jahve em alemão), por fim foi
criado em Judá e disseminado para todo o Israel, provavelmente nos dias
de Salomão. Quando Moisés chegou a Transjordânia, encontrou-se com
Rúben e Gade. Estas preferiram lá permanecer, mas as duas abraçaram a
fé jeovista e, ao mesmo tempo, passaram para Moisés suas próprias tradi
ções, que vieram a se transformar na tradição de todo Israel. Então Moisés
morreu. Segundo a opinião de que as tribos de José participaram do êxodo
de Moisés, estas e Levi foram conduzidas por Josué através do Jordão por
volta de 1250. Lá ele estabeleceu suas tribos Efraim e Manassés na região
montanhosa que havia entre as tribos do sul (Judá e Benjamim) e do norte
(Aser, Naftali, Zebulom, Gade e Issacar). Portanto, toda a terra desde Dã
até Berseba veio a ser ocupada por tribos não-cananéias que, por fim, con
sideravam-se possuidores de uma origem e história comuns.71
A teoria então continua a explicar como ocorreu a fusão das tradi
ções. E provável que as tribos desde cedo reconhecessem (se com segu
rança ou não) uma origem araméia comum, bem como divindades e
ancestrais epônimos comuns. Moisés introduziu o Jeovismo em Levi,
José, Judá, Rúben e Gade. Josué, então, o encorajou entre as tribos indí
genas, e o resultado foi que os costumes tradicionais que distinguiam
as tribos submergiram-se nos interesses de uma comum fé e história
pan-israelita. A criação formal desta ligação pode ser vista na convoca
ção de Siquém em Josué 24. Entretanto, a questão se foi a "conversão"
que produziu unidade política ou a unidade política que trouxe a con
versão ainda permanece.
A Voltando a Martin Noth e sua construção de uma liga anfictiônica,72
observamos que ele e muitos críticos da tradição insistem que a confede
ração baseava-se em uma aceitação comum de várias tradições originais e
independentes:
n Para uma apreciação diferente desse cenário, ver a obra de Benjamim Mazar "The Exodus
and the Conquest", em World History of the Jewish People, vol. 3, pp. 79-93.
Uma definição de "anfictiônico" e um forte protesto contra essa visão de que a união
entre as tribos de Israel era de tal natureza pode ser vista em N. P. Lemche, "The Greek
'Amphictyony' - Could It Be a Prototype for the Israelite Society in the Period of the
Judges?" JSOT 4 (1977): 48-59.
126 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O modelo sociológico
74 Uma revisão excelente das posições sociológicas mais recentes com respeito a história
de Israel e sua literatura encontra-se em Walter Brueggemann, "Trajectories in O.T.
Literature and the Sociology of Ancient Israel," JBL 98 (1979): 161-85.
75 George E. Mendenhall, The Tenth Generation: The Origins of the Biblical Tradition (Baltimore:
Johns Hopkins University Press, 1973).
76 W. Robertson Smith, Lectures on the Religion o f the Semites (Edinburgh: Adam and Charles
Black, 1889); Kinship and Marriage in Early Arabia (London: Adam and Charles Black,
1903).
77 Max Weber, The Sociology of Religion, traduzido por Ephraim Fischoff (Boston: Beacon,
1963).
78 Gottwald, Tribes of Yahweh, pp. 210-19.
79 Ibid., p. 497. Essa hipótese pressupõe uma conversão religiosa maciça, um fato que
não pode em nada ser comprovado por não haver evidências. Ver Jacob Milgrom,
Religious Conversion and the Revolt Model for the Formation of Israel," ]BL 101 (1982):
169,175-76.
128 H istória de I srael no A ntigo T estamento
80 Marvin L. Chaney, JBL 103 (1984): 89-93; Walter R. Wifall, "The Tribes of Yahweh: A
Synchronic Study with a Diachronic Title," ZAW 95 (1983): 197-209; Eugene H. Merril,
Bib Sac 138 (1981): 81-82; Frederic R. Brandfon, "Norman Gottwald on the Tribes of
Yahweh", JSOT 21 (1981): 101-10.
81 J. Maxwell Miller, "The Israelite Occupation of Canaan," em Israelite and Judaean
History, editado por John H. Hayes e J. Maxwell Miller (Philadelphia: Westminster,
1977), p. 279.
A COSQVISTA E A OCUPAÇÃO DE C a NAÃ 129
52 Para uma visão moderadamente crítica e que leva seriamente em conta o relato bíblico,
ver Yohanan Aharoni, "The Settlement of Canaan", em World History of the Jewish People,
editado por Benjamim Mazar, vol. 3, pp. 94-128.
M A R
M E D I TERRÂN
Siquém.
Tanate-Siló
Micmeta
Tapua<
Timnate-Sera•
E F R A I M
Bete-Horom Inferior »Betel
Bete-Horom Superior •Atarote-Adar , . •! a.
. Gibeao Jencb
Geser Aijalom» * Gibeá
Quinate-Jearim* Anatote B E vi
Jerusalém* Én.Semes
Bete-Semes
Hebrom
Debir
Ziclague
OS T E R R I T O R I O S
DAS T R I B O S Horma
13 2 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Josué na ocasião (Js 13.1-7). Isto incluía todo o território dos filisteus, des
de o vadi el-Arish, ao sul, até o Ecrom, ao norte, ou seja, toda a planície
* costeira da Sefelá. Os filisteus viviam sobretudo em suas cinco principais
cidades, mas outros povos como os gesuritas83 e avvim habitavam entre
eles, particularmente nas regiões desérticas ao sul (Js 13.1-4). No norte de
Canaã as regiões não conquistadas estendiam-se desde Mearah (localiza
ção desconhecida), uma dependência dos sidônios, até o Afeque situado
na fronteira com os amorreus. Este é provavelmente Afeca, um pouco a
sudeste de Biblos, na Fenícia.84 Os "amorreus" aqui não se referem àque
les de Canaã, mas ao reino de Amurru, que controlava a região central da
Síria. Esta era aparentemente a fronteira do norte da Terra Prometida.85 A
fronteira oriental dos territórios ao norte, ainda fora do controle de Israel,
estendia-se desde Baal-Gade, um pouco ao ocidente do monte Hermon,
até Lebo-Hamate (ou "a entrada de Hamate"), no Beca, pouco ao oriente
de Gebal (Biblos). Naquela época, a fronteira ao noroeste da terra se esten
dia desde Misrefote-Maim, na costa do Mediterrâneo, cerca de 28 quilô
metros ao sul de Tiro, até Baal-Gade86. A área envolvida nesses limites
incluía os reinos de Tiro, Sidom e provavelmente parte de Gebal. Geogra
ficamente, ela cobria toda a cadeia montanhosa do Líbano, desde o vale
do rio Orontes até o sul das montanhas da Galiléia, e tudo desde o Medi
terrâneo até o vale de Beca. Os acontecimentos subseqüentes mostrarão
que essa fronteira ao norte praticamente nunca esteve sob o domínio dos
israelitas.
A terra que estava de fato sob o poder dos israelitas foi repartida da
seguinte maneira: Rúben recebeu a área ao leste do mar Morto, entre o rio
Arnon, ao sul, e uma linha de aproximadamente 24 quilômetros ao norte
do mar Morto, em algum ponto bem ao sul de Jazer. Gade reivindicou
83 Esses gesuritas, que viviam num local ainda não definido, próximo ao Neguebe, não
deve ser confundido com aqueles do reino de Gesur, situado a leste do mar da Galiléia.
Ver em Soggin, Joshua, p. 132.
84 Aharoni, Land o f the Bible, p. 238.
85M. Liverani, "The Amorites," em Peoples of Old Testament Times, editado por D.J. Wiseman,
pp. 123-26.
86 Yohanan Aharoni e Michael Avi-Yonah, Macmillan Bible Atlas (New York: Macmillan,
1968), mapa 62, que equipara Misrefote-Maim ao rio Litani, que não é mencionado no
Antigo Testamento.
A C onquista e 4 O cupação d e C an aã 13 3
50 Embora Siló "tenha sido muito desabitada durante a Era do Bronze Recente" (Boling,
Joshua, p. 422), houve ocasiões em que esse fator não era o caso, o que abre a perspectiva
para que ela tenha servido como uma espécie de centro cultural de Israel desde o déci
mo quarto século em diante.
13 6 H istória de I srael no A ntigo T estamento
des, inclusive Dor, que na verdade estavam dentro das fronteiras de Aser
(Js 17.11).93
A sexta herança distribuída em Siló foi para Naftali. A fronteira ao sul,
começando em Helefe (Khirbet Trbâdeh?), seguia em direção a Jabneel
(Tel en-Na'am) terminando no Jordão. De Helefe, estendia-se para o oeste
e para o norte, passando através de Hukkok (Yakuk), próximo à curva
nordeste de Quinerete. Embora o restante da fronteira a oeste e ao norte
não seja especificada, a soma de toda a extensão das possessões de Naftali
- até Zebulom ao sul, Aser a oeste e o Jordão ao oriente - pressupõe que
esta tribo estendeu seus limites para o norte o máximo que pôde, chegan
do até Tiro, ao ocidente, e ao Jordão, a oriente. Esse fato é confirmado pela
lista das cidades fortificadas dessa tribo: En-Hazor (Hazzur), Cades (Tel
Qades) e Hazor (Tel el-Qedah), todas elas situadas no norte da Galiléia.
A herança da tribo de Dã caiu para o oeste de Benjamim, entre as tribos
de Judá e Efraim. Mas em conseqüência de Dã ter-se mostrado inapto para
ocupar as terras ao oeste, no Sefelá, e nas planícies costeiras, a tribo imi
grou para o norte e apoderou-se do pequeno reino de Lessem (Lais), que
ficava ao norte do lago Hulé. Juízes 18 fornece detalhes a respeito dessa
mudança.
A última distribuição de terra coube ao próprio Josué (Js 19.49,50). Como
Calebe, ele havia afirmado a soberania de Jeová sobre a terra da promessa,
e agora herdava a sua possessão. A cidade que ele havia solicitado e rece
beu chamava-se Timnate-Heres (Khirbet Tibnah), na região montanhosa
ao oeste de Efraim.
As cidades de refúgio
Outra solução possível é sugerida na nota 92: se Shihor Libnath deve ser identificada
com a Quisom, então Dor deve ser localizada fora de Aser.
138 H istória de I srael no A ntigo T estamento
94 Roland de Vaux, Ancient Israel (New York: McGraw-Hill, 1965), vol. 2, pp. 358-71.
A C onquista e a O cupação de C anaã 139
A s e g u n d a re n o v a ç ã o d a a lia n ç a e m S iq u é m
Muitos anos após este episódio, Josué, ciente de que a sua morte estava
próxima, reuniu em Siquém os líderes das tribos para admoestá-los a serem
fiéis à aliança, conduzindo-os em uma cerimônia de reafirmação do pacto.
Em obediência às ordens expressas de Moisés, Josué havia conduzido tal
cerimônia na época em que Israel entrou na terra (Dt 27.1-8; Js 8.30-35). Agora,
ele repetia a ocasião a fim de prevenir qualquer tipo de abandono da alian
ça, conforme a sua suspeita sobre o altar erguido pelas tribos orientais pró
14 0 H istória de I srael no A ntigo T estamento
ximo ao Jordão. Além disso, ele agora dirigia-se a uma nova geração de
israelitas, uma geração que, em sua maioria, não havia participado pessoal
mente da renovação da aliança. Portanto, depois de um período de mais de
trinta anos, a comunidade reafirmou o seu compromisso.95
Josué primeiramente relatou todos os poderosos feitos de Deus em fa
vor de Israel (Js 23). Ele havia pelejado por eles e lhes dera uma herança na
terra. Ainda que no momento não tivessem possuído toda a terra, Ele as
segurava o sucesso final. Porém, isto dependeria da obediência do povo e
de uma firme adesão aos princípios da aliança. Qualquer falha a esse res
peito ocasionaria o juízo de Yahweh, que os removeria da terra.
Assim, em Josué 24 aparece a descrição da renovação da aliança. Era
comum no antigo Oriente Médio que cada nova geração de vassalos ou
visse e respondesse aos termos da aliança que fora inicialmente firmada
entre seus antepassados e o suserano. Moisés havia inicialmente recebido
a revelação da aliança com Yahweh no Sinai, escrevendo ele mesmo o tex
to da aliança (essencialmente Êx 20-23) e o contexto histórico no qual ela
foi oferecida (Êx 19) e aceita (Êx 24). Aproximadamente quarenta anos
depois, ele reiterou os termos da aliança nas planícies de Moabe, desta vez
com adornos e emendas apropriados para a nova geração, que estava para
sair do deserto e lançar-se à conquista e à vida sedentária. Josué reafirma
ra a aliança no início da conquista (Js 8.30-35); agora, vendo que uma nova
geração havia nascido e enfrentado condições completamente novas, mais
uma vez ele reunia o povo para uma renovação da aliança. :
O cerimonial de renovação seguiu o procedimento padrão.96 Josué reu
niu o povo diante de Yahweh (Js 24.1); então passou a descrever os feitos
95 O cálculo para essa datação reside no fato de Josué, que morreu aos 110 anos de idade
(Js 24.29), haver pronunciado esse discurso bem no fim de sua vida (Js 23.1,2,14). Visto
que ele, sem dúvida alguma, tinha cerca da mesma idade de Calebe (ou talvez um pou
co mais novo que ele), que estava com oitenta e cinco anos em 1399 a.C. (Js 14.6-12), sua
morte deve ter ocorrido no mínimo por volta de 1375 ou então trinta anos depois da
renovação da aliança descrita em Josué 8. Ver p. 149 para uma argumentação que defen
de a idéia de que Josué, na verdade, morreu aproximadamente em 1366.
96 Para um comentário de Josué 24 como um texto específico da aliança e registro da ceri
mônia de renovação, ver Delbert R. Hillers, Covenant: The History o f a Biblical Idea
(Baltimore: Johns Hopkins Press, 1969), pp. 58-66. Hillers com muita precisão indica o
fato de que essa passagem não contém o texto da aliança propriamente dito, mas uma
descrição de como tal aliança foi cumprida (p. 61). Não havia razão para termos áqui
um texto volumoso da aliança, já que é bem provável que Josué estivesse chamando a
atenção do povo para os aspectos essenciais da aliança, conforme vemos delineados em
Deuteronômio.
A C onquista e a O cupação de C akaã 141
de Deus para com Israel, repetindo toda a história sagrada até aquele
momento (vv. 2-13), e os exortou a repudiarem todos os monarcas adver
sários (outros deuses), sendo fiéis somente a Yahweh (vv. 14,15). O povo
concordou com a interpretação de Josué sobre a história e prometeu total
obediência (vv. 16-18). Josué lembrou-lhes que a guarda da aliança seria
difícil, e que a falha dispararia a ira de um Deus santo (vv. 19,20). Eles, por
sua vez, prometeram servi-lo, rejeitando outros deuses (vv. 21-24).
Após a cerimônia ter-se realizado, deu-se um ritual que incluía o regis
tro do compromisso e o levantamento de uma esteia comemorativa, que
para sempre serviria de testemunha das promessas feitas (vv. 25-28). Foi
muito apropriado que a cerimônia tivesse ocorrido em Siquém, pois lá o
próprio Abraão, pai de Israel, chamado para uma aliança com Yahweh,
ergueu um altar em celebração da presença teofânica de Deus. O Deus dos
pais era o mesmo Deus de Josué e de sua geração.
Logo em seguida, Josué morreu e foi sepultado em sua cidade, Timnate-
Heres. E assim, como sugerindo o final de uma era - a era patriarcal atra
vés do cumprimento da promessa patriarcal da terra - o historiador regis
tra que os ossos de José, miraculosamente preservados por mais de qua
trocentos anos, foram trazidos e enterrados em Siquém. Assim como essa
região de Siquém (atualmente a cidade de Dotã) marcou o ponto da desci
da de José ao Egito, em preparação para a salvação do povo de Israel,
agora rrfãrcava o ponto de sua subida em celebração do livramento dado
por Yahweh e o cumprimento de sua promessa. Por último, Eleazar mor
reu e foi da mesma forma enterrado em Efraim. Era muito evidente que
Israel estava para penetrar em uma nova era de sua experiência histórica.
A ERA D 0 S J UÍ Z E S : A V I O L A Ç Ã O
DA A L I A N Ç A , A N A R Q U I A
E A AUTORIDADE HUMANA
O problem a crítico-literário no livro de Juízes
A cronologia de Juízes
A duração do período
A data inicial
A data de encerramento
Comprimindo a cronologia
O mundo do antigo Oriente Médio
O silêncio do Antigo Testamento
Mesopotâmia
Os hititas
Egito
Os estados siro-cananeus
Os juízes de Israel
O padrão cíclico que caracteriza o período
A natureza da idolatria em Canaã
Otniel
Eúde
Sangar
Débora
Gideão
O reinado malogrado de Abimeleque
Juízes menores
Jefté
Sansão
Samuel
A trilogia de Belém
Mica e o levita
O levita e sua concubina
A história de Rute: ligações patriarcais
Judá e Tamar
Os patriarcas e a monarquia
O papel da donzela moabita
O procedimento comum dos críticos tem sido, pelo menos, comparar tradi
ções diferentes que não conseguiram alcançar uma redação satisfatória.1
A solução m ais satisfatória para esta aparente contradição ou
sobreposição de fontes é entender Juízes 1.1-2.9 como uma ponte literária
que conecta o final do relato de Josué ao início das narrativas dos Juízes. O
livro de Josué registra que "Josué, filho de Num, o servo do Senhor, fale
ceu, sendo da idade de cento e dez anos" (Js 24.29). Exatamente com as
mesmas palavras o autor de Juízes registra a morte de Josué. Para evitar
que o livro iniciasse com a apostasia de Israel e mostrar que esta apostasia
não seguia imediatamente a morte de Josué, o historiador começa com o
relato da campanha de Judá e Simeão contra os cananeus que esporadica
mente ainda permaneciam na região montanhosa ao sul. E importante notar
que os inimigos não mais são os amorreus, como foi o caso na campanha
inicial liderada por Josué, pois imagina-se que os amorreus tenham sido
expulsos de Judá de uma só vez.2 O rei cananeu especificamente é Adoni-
Bezeque, rei de Bezeque (Khirbet Bezqa), cerca de cinco quilômetros a
nordeste de Gezer.3 Tomando-o como prisioneiro, os homens de Judá le
varam-no até Jerusalém, onde veio a morrer.
1 Otto Eissfeldt, The Old Testament: An lntroduction, traduzido por Peter R. Ackroyd (New
York: Harper and Row, 1965), pp. 253-55, 257-58; J. Alberto Soggin, lntroduction to the
Old Testament, traduzido por John Bowden (Philadelphia: Westminster, 1980), pp. 166
70. Uma atitude de cepticismo típica com respeito à historicidade do livro é a que se vê
em Sean Warner: "Parece ser opinião comum entre os historiadores que os dados conti
dos na primeira parte do livro são historicamente problemáticos, que a estrutura
redacional da segunda parte, a principal deste livro, é definitivamente secundária e de
fato traz pouca ligação entre as histórias contidas no livro, e que a terceira parte tam
bém é problemática, tornando-se difícil, se não impossível, decidir a favor da autentici
dade de seus dados" (The Dating ofthe Period ofthe Judges, VT 28 [1978]: 455-56). Devido
a tais suposições infundadas, não é de admirar que o livro-de Juízes tenha se constituí
do em um problema para a erudição crítica.
2 A campanha na região montanhosa em Judá, sob a liderança de Josué, envolveu os
amorreus (Js 10.6) e, é claro, não estava restrita às tribos de Judá e Simeão. Portanto, esta
não deve ser a batalha em questão. Além disso, Josué estava morto nessa ocasião (Jz
1.1), Judá e Simeão já tinham recebido seus territórios em comum (Jz 15.1; 19.1), e existe
especialmente uma distância entre esse acontecimento e qualquer outro descrito no li
vro de Josué. Conforme as palavras de Robert G. Boling, Juízes 1 "é uma retrospectiva
do desempenho da geração que sobreviveu a Josué." (Judges, Anchor Bible [Garden City,
N.Y.: Doubleday, 1975], p. 66).
3 Não há qualquer base, textual ou não, para assumir que Adoni-Bezeque seja uma cor
rupção do nome Adoni-Zedeque (Js 10.1), como sugerido, por exemplo, por George F.
Moore, A Criticai and Exgetical Commentary on Judges (New York: Scribner, 1895), p. 16.
A £>.a dos J uízes : A Violação da A liança , A narquia e a A utoridade H umana 145
A esta altura, o leitor cuidadoso pode perguntar como foi possível aos
homens de Judá obter acesso a Jerusalém, visto que a cidade permaneceu
sob o domínio dos jebuseus até o período de Davi. Antecedendo à ques
tão, o historiador continua relatando como Jerusalém, pelo menos tempo
rariamente, veio a ser dominada por Israel. Para isto, o autor utiliza o re
curso literário deflashback, voltando ao período remoto em que Josué ain
da era vivo. Portanto, em Juízes 1.8 está contida a descrição da queda de
Jerusalém, um acontecimento explicitamente não relatado em Josué, em
bora sugerido sem dúvida pela morte do rei de Jerusalém durante a cam
panha de Josué para o sul (Js 10.22-27). Naqueles dias Jerusalém havia
sido capturada e queimada pelos homens de Judá, mas a população não
foi destruída. De fato, pouco tempo depois, os jebuseus retomaram o con
trole, e nem Judá (Js 15.63) nem Benjamim (Jz 1.21) puderam desalojá-los
novamente.
O resumo retrospectivo continua com a conquista realizada por Judá
da região montanhosa, o Negueve e a Sefelá, focalizando a tomada de
Hebrom. Provavelmente isto se refere a uma expedição particular contra
Hebrom, em atenção ao pedido de Calebe por sua herança (Js 11.21-23;
14.13-15; 15.13-19), em vez de uma derrota anterior dos reis amorreus
conseguida por Josué e todo o Israel (Js 10.36,37).4 Semelhantemente, a
captura de Debir (Jz 1.11-15; cf. Js 10.38,39) enquadra-se na história da
campanha de Calebe, e não na conquista israelita do sul. E especialmente
apropriado que o historiador repita a história de Calebe e Otniel, uma vez
que Otniel será introduzido como o primeiro dos juízes. Então, vê-se aqui
outra ponte literária e histórica entre os livros de Josué e Juízes.
Essa retrospectiva parentética até o tempo de Josué aparentemente ter
mina repetindo o relato da entrega de Hebrom e Debir a Calebe. Agora, o
autor retorna à narrativa dos versos 1-7, que diz respeito à conquista efe
tuada por Judá e Simeão. O autor fala primeiro acerca da assimilação dos
quenitas5 por Judá, e os ataques combinados contra a fortaleza cananéia
4 É mais uma vez importante notar que os inimigos nas campanhas remotas (Js 10) foram
os amorreus, enquanto que na conquista da cidade de Hebrom, com a participação dire
ta de Calebe, os inimigos foram os enaquins (Js 11) e os cananeus (Jz 1). Parece claro que
os enaquins eram um povo cananeu, e não os amorreus, embora ambos possam ter
coexistido (Nm 13.22; Js 15.13,14).
" O Antigo Testamento identifica os quenitas como midianitas (Jz 1.16), e diz que seu
ancestral foi Hobabe, cunhado de Moisés, que acompanhou o povo de Israel, pelo
menos em parte, do Sinai até Canaã (Nm 10.29-32). Para estudar sobre tal ligação, ver
em H. H. Rowley, From Joseph to Joshua (London: Oxford University Press, 1950), pp.
152-55.
DA
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MEDITERRÂNEO Cades ^ ,
Bete-Semes K
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Gezer • * Ramá Jerico Abel-Keramim
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1____ l_____l
ISRAEL DURANTE
A ERA DÖS J U Í Z E S
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 147
6 Israel destruiu certas cidades cananéias quando estava a caminho de Canaã, sendo tais
cidades chamadas coletivamente de Hormá (de herem, "banido; proibido"), em conse-
qüência da sua punição (Nm 21.1-3). Zefate deve ter sido uma cidade reconstruída so
bre essas ruínas. Ver Yohanan Aharoni, The Land of the Bible (Philadelphia: Westminster,
1979), p. 216.
7 Visto que a Idade do Ferro na Palestina deve ter-se iniciado por volta de 1200 a.C., o uso
do ferro pelos cananeus constituiria um problema para a cronologia adotada neste vo
lume, que fixaria as campanhas de Judá e Simeão descritas em Juízes 1 em cerca de
1350. Contudo, pelo menos os hititas já dominavam essa tecnologia e usavam o ferro
aproximadamente em 1400; logo, não há razão por que Canaã não poderia ter importa
do ferragens por volta do século XIV. Ver em Jacquetta Hawkes, The First Great
Civilizations (New York: Knopf, 1973), p. 113; Leonard Cottrell, The Anvil of Civilization
(New York: New American Library, 1957), p. 157; V. Gordon Childe, New Light on the
Most Ancient East (New York: Norton, 1969), p. 157.
14 8 H istória de I srael no A ntigo T estamento
s A movimentação de Dã para localizar-se mais ao norte (Lais) deve ter ocorrido no perí
odo remoto dos juízes. Não poderia ter acontecido antes do esforço para estabelecer-se
na terra, descrito em Juízes 1.34-36, visto que foi exatamente a pressão dos amorreus
que iniciara a relocação. Também claramente precedeu a chegada dos Povos do Mar/
filisteus, aproximadamente em 1200 a.C. Conforme indica Roland de Vaux, este é o úni
co texto em que os amorreus se encontram nas planícies, um fato que poderia confirmar
a opinião de que a conquista da região montanhosa, sob a liderança de Josué, foi um fait
accompli (The Early History of Israel [Philadelphia: Westminster, 1978], p. 133, n. 28).
4 E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 149
A c ro n o lo g ia de Ju íz e s
A duração do período
A data inicial
Antes de iniciar o tópico acerca da apostasia de Israel, é necessário que
uma base cronológica e hj^tórica seja instituída para toda a era dos juízes.
Nossa proposta será prinielro considerar a evidência bíblica interna, e em
seguida, pelo menos resumidamente, o mundo do antigo Oriente Médio
naquela época.
Ao determinar a estrutura cronológica do período^ps juízes, o passo
inicial será o estabelecimento de tcrmini a quo e ad quem.^O segundo baseia-
se em dados precisos que serão considerados mais à frente, mas o primeiro
requer uma reconstrução fundamentada em princípios mais subjetivosTEm
primeiro lugar, está claro que jqsué morreu na idade de 110 anos, alguns
anos após o início da conquista1' A data da conquista fixa-se aproximada
mente entre 1406 e 1399, já que iniciou-se exatamente quarenta anos depois
do êxodo em 1446 (Dt 1.3),% terminou sete anos mais tarde. Isto conforme o
testemunho de Calebe, que informou estar com quarenta anos no momento
em que ele e Josué espiaram a terra, e com oitenta e cinco ao término da
conquista (Js 14.7-10). Os espias foram enviados dois anos após o êxodo;
nessa época Calebe estava com quarenta anos em 1444, e oitenta e cinco em
1399. Pode-se concluir que Josué era da mesma idade. Ele foi um excelente
guerreiro contra os amalequitas em 1446 (Ex 17.10), e foi chamado de "jo
vem" pouco tempo depois (Ex 33.11). Embora seja um risco especular, uma
idade de trinta anos para Josué na época do êxodo certamente não é
exorbita n tcCTóesta forma, a data de seu nascimento seria por volta de 1476,
e a data de sua morte, 1366. Otniel, o primeiro juiz, iniciou o seu governo
após esta data.
" O período dos juízes foi um tempo em que quase não houve autoridade central, e tam
bém se caracterizou como um período em que não havia qualquer senso de patriotismo
ou coesão religiosa, um ponto bem discutido por Alan J. Hauser, Unity and Diversity in
Early Israel Befor Samuel, JETS 22 (1979): 289-303.
; Para uma pesquisa sobre as várias abordagens, ver J.H. John Peet, "The Chronology of
the Judges - Some Thoughts", Journal of Christian Reconstruction 9 (1982-1983): 161-81.
150 H istória de I srael no A ntigo T estamento
■ í)
N A segunda consideração é ainda mais notável. Tanto Josué 24.31 quan
to Juízes 2.7 enfatizam que Israel serviu a Yahweh fielmente não apenas
nos dias de Josué, mas também durante os anos dos anciãos que lhe suce-
[deramJnsto não pode se referir aos anciãos contemporâneos de Josué na
- época do êxodo e da p eregrin ação no d eserto, visto que estes
presumivelmente foram incluídos na geração rebelde de Israel, e que fora
sentenciad a à m orte no deserto (Nm 1 4 .2 6 -3 5 ).iS o m e n te uma
desconsideração total do texto permitirá crer que houve um número sig
nificativo de homens acima de vinte anos que sobreviveram ao deserto.
Mas, ainda que tenha existido um pequeno número, houve anciãos desig
nados posteriormente ao julgamento em Cades-Barnéia, e todos deviam
estar com menos de vinte anos na ocasião. Alguns, sem dúvida, deviam
ser consideravelmente jovens. Mesmo na visão mais conservadora, um
ancião elegível para entrar em Canaã não poderia ter nascido antes de
1464, vinte anos antes da rebelião em Cades-Barnéia. Se ele viveu para ser
tão velho quanto Josué, teria vivido até 1354. Se, porém, ele tivesse nasci
do pouco antes da rebelião, poderia ter vivido até cerca de 1340. A data de
1340 não é improvável para o início da adoração a Baal. De fato, pode até
ser um pouco antes, visto que Juízes 2.10 indica que toda geração de anciãos
havia morrido, e outra geração, que não conhecia nada sobre Yahweh e
seus atos salvíficos, tinha se estabelecido. E, é claro, Otniel, o primeiro
juiz, não exerceu seu ofício até oito anos após o início do julgamento de
Yahweh (Jz 3.8,9).
Contra essas datas mais recentes, porém, temos a propria introdução
feita por Otniel. Depois que Calebe conquistou' as>cidades de Hebrom e
Debir, seu sobrinho Otniel tomou-lhe a filha, chamada Acsa, para ser sua
esposa. Caso isto tenha ocorrido em 1399 ou pouco tempo depois, então
por volta de 1340 Otniel devia estar em idade bastante avançada, mesmo
que na época de seu casamento estivesse ainda muito jovem. Isto é intei
ramente possível, embora improvável, pois parece que ele morreu qua
renta anos após ter libertado o povo de Israel (Jz 3.11). Também pode-se
argumentar que os anciãos da idade de Josué tiveram permissão para en
trar em Canaã; Eleazar, filho de Arão, claramente tinha mais de vinte anos
na época em que a antiga geração foi proibida de entrar em Canaã (Êx
6.23,25). Pode ser que a apostasia e a subseqüente era dos juízes tenha
vindo após a morte desses anciãos.11 Parece que 1360-1350 é uma data
razoável para a transição entre Josué e os juízes.
11 Warner, de fato, está disposto a admitir o ano de 1373 a.C. para o início da era dos juízes
(.Period of the Judges, VT 28 [1978]: 463).
\ E pa dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 151
A data de encerramento
Como indicado anteriormente, as datas para o final do período dos
juízes podem ser mais precisamente definidas. O argumento, contudo, é
extremamente complexp, e a cada ponto assume a exatidão e a integrida
de do texto bíblico. Emprimeiro lugar, a data de Juízes 11.26 é de impor
tância crucial. O juiz Jefté está informando ao rei hostil de Amom que sua
reclamação de que Israel está ilegalmente em território dos amonitas é
inválida: Israel já estava lá por trezentos anos e, na verdade, a terra no
tempo da conquista da Transjordânia não pertencia de forma alguma a
Amom, mas sim aos amorreus. Se, diz Jefté, Amom tem algum legítimo
direito, por que esperaram os amonitas trezentos anos para fazer a recla
mação?
'V' O ponto que precisa ser enfatizado aqui é o fato de que Jefté comunicou-
se com os amonitas trezentos anos depois da conquista de Siom, um episó
dio ocorrido em 1406, e dezoito anos após a opressão amonita haver inicia
do (Jz 10.8). Essa opressão então Começou em 1124 e terminou somente quan
do Jefté derrotou Amom em 1106, o mesmo ano de sua comunicação com o
rei (Jz 11.33). Deve ser ligada a essas datas a história do governo de Sansão.
Uma leitura cuidadosa de Juízes 10.7,8 mostrará que a opressão amonita
iniciada em 1124 coincidiu com o começo da opressão dos filisteus.12 Po
rém, o historiador traça apenas um curso de acontecimentos por vez; pri
meiro escreve sobre a ameaça amonita e seu desfecho (Jz 10.8b - 12.7), e
então trata da opressão dos filisteus e sua resolução (Jz 13.1 - 16.31).
Os filisteus atormentaram Israel popquarenta anos (Jz 13.1), ou desde
1124 até 1084. Sansão nasceu logo no início deste período e julgou Israel
"nos dias dos filisteus, vinte anos" (Jz 15.20). Ou seja, os anos de seu go
verno caíram exatamente dentro dos quarenta anos de duração da opres
são dos filisteus (Jz 14.4), mas aparentemente não ultrapassou este tempo,
porque os filisteus parecem ter sido uma ameaça por pouco tempo após
Sansão ter destruído o templo de Dagon (Samuel os subjugou em Mispa).
Muito provavelmente os feitos heróicos de Sansão tenham se iniciado na
metade do período da opressão, quando ele estava com cerca de vinte
anos de idade, e morreu após vinte anos de governo, pouco antes do fim
da opressão.
Procedendo por um outro ângulo, é interessante notar que o golpe fi
nal contra a opressão filistéia aconteceu sob a liderança de Samuel em
Moore, Judges, p. 277; Abraham Malamat, "The Period of the Judges," em World History
ofthe Jewísh People, vol. 3, Judges, editado por Benjamim Mazar (Tel Aviv: Massada, 1971),
p. 157.
15 2 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Mispa (1 Sm 7.11,13), vinte anos após a arca da aliança ter sido levada
pelos filisteus (v. 2).13 O fim da opressão, conforme observado acima, ocor
reu em 1084, e essa data marca também a batalha de Mispa. A batalha de
Afeque, que resultou na captura da arca, deve ter ocorrido em 1104, ou
seja, na metade do período de quarenta anos de opressão filistéia. Tende-
se a especular que o ataque dos filisteus possa ter sido uma espécie de
retaliação aos feitos heróicos de Sansão contra os adversários. Seja como
for, a cronologia proposta neste trabalho encaixa-se em tudo o que é co
nhecido acerca da vida e carreira de Samuel, como também de Sansão.
Sem dúvida, o grande profeta ainda era muito jovem na época da batalha
de Afeque, mas "velho" quando Israel exigiu um rei, e ele ungiu Saul (1
Sm 8.1,5; 10.1). Admita-se que "velho" é um termo extremamente subjeti
vo, mas é a mesma palavra usada para descrever Davi em seus setenta
anos (1 Rs 1.1,15; cf. 2 Sm 5.4).
Saul foi ungido em 1051 a.C., uma data que será defendida no devido
momento (p. 200); logo, se Samuel estava com setenta anos, seu nascimen
to deve ter sido em 1121. Isto faria concluir que ele estava com dezessete
anos de idade em 1104, quando a arca foi capturada. Sabemos que Samuel
viveu no mínimo vinte e cinco anos após a ascensão de Saul, porque o
juiz-profeta ungiu Davi como rei quando este tinha provavelmente doze
anos. Davi nasceu em 1041, então uma data por volta do ano 1020 para a
sua unção não pode estar distante da realidade. Samuel viveu até Davi
fugir de Saul para o deserto de Parã (1 Sm 25.1), provavelmente no fim
dos anos 20. O profeta então estava próximo dos cem anos, caso tenha
nascido em 1121. É claro que, se a data parece extremamente avançada
(mas compare com Eli, que morrera aos noventa e oito anos), pode-se
mudar em alguns anos a data do nascimento de Samuel. Se, por exemplo,
ele nasceu em 1116, então tinha apenas doze anos quando a arca foi captu
rada, e cerca de noventa e cinco anos quando veio a falecer.
Comprimindo a cronologia
13 Ralph W. Klein, 1 Samuel, World Biblical Commentary (Waco: Word, 1983). Pp. 65,66.
A E fa dos J uízes: A Violação da A liança , A narquia e ,4 A utoridade H umana 153
4.18), o juiz que precedeu Samuel, deve também ser incluído, perfazendo
um total de 450 anos.14 Embora este método de reconstrução cronológica
possa não satisfazer ao moderno homem ocidental, Paulo bem pode tê-lo
usado. Ele não era um especialista em cálculos, mas alguém que se baseou
nos dados dos livros de Juízes e de Samuel, organizando-os de forma a
satisfazer melhor as necessidades. O fato de Paulo incorporar sua inter
pretação desses dados em um discurso público significa que seus ouvin
tes entenderam e compartilharam com ele seu modo peculiar de compu
tar a cronologia.
Não há motivo para rejeitar os dados bíblicos referentes à cronologia
dos juízes pois, conforme já visto, os números são capazes de trazer solu
ção, uma vez que se veja com seriedade os dados cronológicos fornecidos
pelo Antigo Testamento. É somente quando os estudiosos sentem necessi
dade, sobre bases puramente subjetivas, de rejeitar ou reinterpretar as in
formações contidas no texto canônico que surgem dificuldades pratica
mente insuperáveis, requerendo soluções muito mais criativas (e talvez
até mesmo niilistas).
O m u n d o d o a n tig o O rie n te M é d io
14 Ver em Eugene H. Merril, "Paul's Use of 'About 450 Years' in Acts 13.20," Bib Sac 138
(1981): 246-57.
15 Abraham Malamat, "The Egyptian Decline in Canaan and the Sea Peoples," em World
History of the Jewish People, vol. 3, p. 23.
A E ra dos J uízes : A Violação da A liança , A narquia e a A utoridade H umana 755
Mesopotâmia
16 J.M. Munn-Rankin, "Assyrian Military Power 1300 - 1200 a.C.," em Cambridge Ancient
History, 3a edição, editado por I.E.S. Edwards et al. (Cambridge: Cambridge University
Press, 1975), vol. 2, parte 2, pp. 276-79.
15 6 H istória de I srael no A ntigo T estamento
o Egito. Por fim, Hattusilis, rei dos hititas, fez um acordo com Ramsés II
do Egito (em 1284) e, com seu moral restabelecido, tomou novamente
Habigalbat das mãos dos assírios.
Tukulti-Ninurta I (1244-1208), mesmo conseguindo resultados sur
preendentes ao norte, oriente e sul através de suas campanhas militares,
falhou terrivelmente no ocidente quando tentou subjugar os hititas.17
Esse fracasso abalou tão sensivelmente os assírios que acabaram tornan
do-se fracos e incapazes de controlar até mesmo os cassitas da Babilônia.
De fato, Assur-nirari III (1203 - 1198), neto de Tukulti-Ninurta, tornou-
se subserviente a Adad-suma-usur, rei de Babilônia (que agora não era
cassita). Essas ocorrências persistiram até o reinado de Assur-resi-isi I
(1133 -1116), que derrotou a Babilônia, na ocasião governada pelo ilustre
Nabucodonosor I (1124 - 1103).18 O fato deu início a um período de
ressurgência temporária dos assírios, abrilhantado fundamentalmente
por Tiglate-pileser I (1115-1077).19 Rapidamente ele voltou-se para o oes
te e derrotou Musri, Tadmor e outros territórios arameus, alcançando
finalmente o Mediterrâneo, onde exigiria e receberia as devidas deferên
cias do Egito, Fenícia e também dos hititas (que agora situavam-se ao
norte da Síria). Contudo, ele não intentou marchar para o sul, em dire
ção ao próprio Israel. Note que o final de seu reinado deve ser calculado
por volta de sete anos depois de 1084 que, conforme proposto, seria o
término da era dos juízes.
Os hititas
Egito
Durante o período dos juízes, o Egito foi governado pela 18a, 19a e 20a
Dinastia. A era de Amarna (cerca de 1379-1350), período em que a con
quista chegou ao fim, já foi examinada em parte (pp. 95-106). Está claro
que, embora Canaã fosse tecnicamente uma província egípcia, os reis do
Egito não dispensavam qualquer interesse na região, mesmo em face dos
constantes apelos enviados pelos reis vassalos de Canaã.
Porém, somente nos anos do reinado de Seti I (1318-1304), membro da
19a Dinastia, realizou-se uma expedição (muito bem comprovada) até
Canaã.24 Ele descreve em uma esteia em Bete-Seã uma campanha a Jezreel,
21 A. Goetze, "The Hitites and Syria (1300 -1200 B.C.)," em CAH 2.2, pp. 252-56.
22 Ibid., pp. 258,59
23 Para um relato sobre os últimos e desesperadores anos da independência dos hititas,
ver em Itamar Singer, "Western Anatolia in the Thirteenth Century B.C. According to
the Hitite Sources," AS 33 (1983): 205-17, especialmente 216,17.
24 R.O. Faulkner, "Egypt: From the Inception of the Nineteenth Dynasty to the Death of
Ramesses III," em CAH 2.2, pp. 218-21. Há alguma possibilidade de que Horemheb, um
comandante que servia sob as ordens de Tutankhamon, tenha conduzido uma campa
nha em alguma parte de Canaã no princípio do reino desse monarca (aprox. 1360). Ver
em Cyril Aldred, "Egypt: The Amarna Period and the End of the Eighteenth Dynasty,"
em CAH 2.2, p. 72. Caso seja verdadeiro, não produziu qualquer mudança significativa
no curso dos acontecimentos no interior de Canaã.
158 H istória de I srael no A ntigo T estamento
25 Benjamim Mazar, "The Historical Development," em World History ofthe Jezvish People,
vol. 3, p. 15, descreve essas tribos semíticas como "etnicamente próximas aos israeli
tas". Na verdade, é muito provável que eles realmente fossem os israelitas.
26 Yohanan Aharoni, "The Settlement of Canaan," em World History of the Jeiuish People,
vol. 3, pp. 94,95.
27 A perda de Cades é explicada pelo fato de Ramsés II ter empreendido grande esforço
para reconquistá-la em seu quarto ano de reinado. Ver em Faulkner, "Nineteenth
Dynasty," em CAH 2.2, p. 221. Quanto ao texto do tratado, ver em James B. Pritchard,
Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament, 2a edição (Princeton: Princeton
University Press, 1955), pp. 476-79.
28 Faulkner, "Nineteenth Dynasty," em CAH 2.2, pp. 225-32; Anthony J. Spalinger, "Traces
of the Early Career of Rameses II," JNES 38 (1979): 271-86.
29 Uma exceção é a referência feita aos "Asar", um povo costeiro que tem sido identificado
pelos estudiosos como a tribo de Aser. Essa menção situaria a tribo no norte de Canaã,
pelo menos nos primórdios do décimo terceiro século. Ver em Mazar, "Historical
Development", p. 19.
A £>_a do5 J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 159
Dinastia (até cerca de 1085), sabe-se que o Egito não teve participação
alguma nos negócios de Israel.34
Os estados siro-cananeus
34 James M. Weinstein tenta defender a idéia de que, durante os séculos 12 e 13, percebeu-
se um envolvimento egípcio sem precedentes em Canaã. Porém, dentre todos os luga
res por ele citados como fortalezas dominadas pelos egípcios, nenhum estava situado
nas regiões montanhosas do interior de Canaã, precisamente onde Israel dominava ("The
Egyptian Empire in Palestine: A Reassessment," BASOR 241 [1981]: 17,18).
35 A. Goetze, "The Strugle for the Domination of Syria (1400 - 1300 B.C.)," em CAH 2.2,
pp. 2-16; para uma discussão quanto a maneira como Ugarit via estas coisas, ver em
Anson F. Rainey, "The Kingdom of Ugarit," BA 28 (1965): 107-12.
36 Faulkner, "Nineteenth Dynasty," em CAH 2.2, pp. 220-21.
r
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança , A narquia e a A utoridade H umana 161
37 Para ganhar mais base sobre esse assunto, consultar em Trude Dothan, The Philistines
and Their Material Culture (New Haven: Yale University Press, 1982), pp. 1-23.
38 Trude Dothan, "What We Know About the Philistines," BAR 8.4 (1982): 25.
39 Ver em Benjamim Mazar, "The Philistines and Their Wars with Israel," em World Hístory
of the Jewish People, vol. 3, pp. 172,324-25, n. 16.
40 Quiton situa-se na ilha de Chipre, que já produziu abundante material que comprova a
conquista dos Povos do Mar. Ver em Vassos Karageorghis, "Exploring Phiistine Origin
on the Island of Cyprus," BAR 10 (1984): 16-28.
41 Para se consultar uma boa e plausível hipótese que afirma terem os filisteus se origina
do em Canaã, migrado para o Egeu e, mais tarde, voltado como parte dos Povos do Mar,
ver em T.D. Proffit, "Philistines: Aegeanized Semites," NEASB 12 (1978): 5-30.
16 2 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O s ju íz e s d e Isra e l
42 Malamat, "Egyptian Decline," World Historyof the Jewish Peolple, vol 3, p. 34.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 163
Otniel
* Merril F. Unger, Israel and the Aramaeans of Damascus (Grand Rapids: Baker, reedição de
1980), pp. 40,41,134 e 135. '
166 H istória de I srael no A ntigo T estamento
quer parte do nome que rejeite uma data próxima a 1340, visto que
"Naharin" e "Nahrima", pelo menos, consta nos textos egípcios e acadianos
do século quinze.47 É verdade que alguns estudiosos negam o elemento-
prova "Aram", mas Merril Unger tem demonstrado sua existência conti
da num texto de Naram-Sin, que remonta aos primórdios de 2300 a.C.48
Conforme argumentado (p. 150), o mandato de Otniel deve ser datado
por volta de 1350, que situa a invasão de Cusan-Risatain em 1358, oito anos
antes. Isto é muito possível, visto que naqueles dias Assur-uballit, o podero
so rei da Assíria, vinha sendo incessantemente atacado por uma tribo araméia
conhecida por Sutu. O rei hitita Suppiluliumas encontrou-se em apuros com
os homens de Mitani e com os assírios; e embora tivesse obtido o controle
do norte da Síria por volta de 1360, os estados-vassalos, incluindo Naharema
(Arã-Naharaim), gozavam de muita liberdade, podendo sem dúvida ter
empreendido conquistas militares independentes, ou simplesmente segui
do as ordens do próprio rei hitita.49 O Egito naquela época encontrava-se
sem qualquer condição de interferir nesses negócios.
Não é possível saber que tipo de prejuízo Cusan-Risatain causou a Is
rael, mas certamente os oito anos de ocupação não foram impostos sem
resistência. A expulsão dos arameus pelo juiz Otniel também deve ter cau
sado algum tipo de destruição, cuja evidência pode ser constatada por
diversas investigações arqueológicas.5051Especular além deste ponto não é
aconselhável.
O que é de mais interessante e importante é a natureza e a função de
um juiz. Está claro que esses indivíduos foram escolhidos e dotados de
poder por Yahweh, a fim de atender a certas emergências, e que este ofício
não era hereditário. Também é aparente que o termo juiz não sugere uma
função jurídica, já que esta responsabilidade recaía sobre os anciãos, mas
significa um ofício de um líder militar e protetor.01 Alguns paralelos nos
textos de Ebla têm sido recentemente apresentados, em que juízes (di-ku),
47 Abraham Malamat, "The Aramaeans," em Peoples of Old Testament Times, editado por
D.J. Wiseman (Oxford: Clarendon, 1973), p. 140.
48 Unger, Israel and the Aramaeans, p. 39.
49 Goetze, "Domination of Syria," em CAH 2.2, p. 16.
50 William E Albright diz que a Palestina no décimo quarto século encontrava-se com
baixo número de habitantes, uma conclusão mantida com base no pequeno número
de cidades fortificadas durante aquele período ("The Amarna Letters From Palestine,"
em CAH 2.2, p. 108). Essa evidência de poucos centros urbanos poderia refletir a des
truição causada pelos arameus e outros povos predadores durante os dias dos primei
ros juízes.
51 Malamat, "Period of the Judges," em World History ofthe Jeiuish People, vol. 3, p. 131.
,
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança A narquia e a A utoridade H umana J6 7
coexistentes com reis e anciãos, também parecem não ter tido nenhuma
função jurídica.52 Em Israel, no período entre os grandes mediadores
(Moisés e Josué) e os reis, os juízes serviram como uma espécie de gover
nadores ad hoc e generais encarregados de libertar o povo das mãos de
----- —
Eúde
- Giovanni Pettinato, "Ebla and the Bible - Observations of the New Epigrapher's
Analysis," BAR 6 (1980): 40.
- Numa disputa contra Norman Glueck, o estudioso Sean Warner diz que os moabitas,
edomitas e amonitas ocuparam a Transjordânia entre 1400 e 1375, e que já estavam no
local na época de Eúde ("Period of the Judges," VT 28 [1978]: 459).
- Malamat, "Period of the Judges," em World Histoty of the Jeiuish People, vol. 3, p. 155.
16 8 H istória de I srael a 'o A ntigo T estamento
Sangar
Débora
55 Ygael Yadin sugere 1230 ("Excavatíons at Hazor, 1955-58," em Biblícal Archaeologíst Reader,
editado por Edward F. Campbell, Jr., e David Noel Freedman [Garden City, N.Y.:
Doubleday,1964], vol. 2, p. 223). Estudiosos que insistem em uma data mais recente
para a conquista têm dificuldades aqui, pois não conseguem explicar a existência de
Hazor no final do décimo terceiro século, já que tal cidade havia sido destruída por
Josué. Se, porém, Hazor só foi destruída por volta de 1400, haveria tempo suficiente
para ser reedificada e então mais tarde ser novamente destruída por Débora em 1230.
Ver em Malamat, "Period of the Judges," em World History ofthe Jewish People, vol. 3, p.
135 que, contrariando a Yadin, data a queda de Hazor entre 1150 e 1125.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 169
prosseguir sem Débora, porque entendia que a juíza ungida de Israel sim
bolizava a própria presença de Deus.56 Débora, portanto, juntou-se a ele
no monte Tabor, e Baraque, encorajado por tê-la ali, investiu contra as car
ruagens de Sísera, que aparentemente ficou imobilizado por uma rápida e
inesperada cheia do Quisom (Jz 5.21).57
Sísera conseguiu escapar para Zaananin, uma cidade próxima de Cades,
na região de Issacar,58 refugiando-se na tenda de Heber, o quenita. Os
quenitas eram aparentados com os midianitas, conforme se deduz pelo
fato de ser o sogro de Moisés chamado de midianita e de quenita (Ex 18.1;
Jz 1.16). Esses nomes refletem uma raiz hebraica com significado de "que
trabalha com metais", indicando que o fato de habitarem em tendas pode
não significar um estilo de vida pastoral e nômade, mas um grupo de pes
soas que, à medida que empreende suas viagens, muda de trabalho cons
tantemente.59 A mudança de Heber para o norte e sua afiliação com Jabim
podem de fato ter relação direta com o desenvolvimento da indústria do
ferro pelos filisteus e cananeus. De qualquer modo, a mulher de Heber
(Jael) permitiu que seu senso de lealdade aos israelitas sobrepujasse a hos
pitalidade dos semitas, pois ela mesma matou Sísera dentro de sua tenda.
A derrota de Sísera e o término da opressão de Jabim (Jz 4.24) foram
celebrados no cântico de Débora e Baraque.60 Com uma referência especi
al ao encontro decisivo no Quisom, eles recitaram os feitos de Yahweh
desde a conquista da Transjordânia até aquele momento (Jz 5.1-5; cf. Dt
33.2,3; SI 68.7-9; Hc 3.3). Nos dias de Sangar e Jael, ocorridos pouco antes,
as estradas eram inseguras para viagem, pois havia muitos bandidos e
Gideão
61 Por exemplo, A.D.H. Mayes, "The Period of the Judges and the Rise of the Monarchy,"
em Israelite and Judaean History, editado por John H. Hayes e J. Maxwell Miller
(Philadelphia: Westminster, 1977), p. 310; Freedman, "Early Israelite History," em Unity
and Diversity, p. 15.
62 Aharoni, "Settlement of Canaan," em World History ofthe Jewish People, vol. 3, p. 109; ver
também em Carol L. Meyers, "Of Seasons and Soldiers: A Topological Apprisal of the
Premonarchic Tribes of Galilee," BASOR 252 (1983): 56,57.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança , A narquia e a A utoridade H umana 171
Malamat, "Period of the Judges," em World History ofthe Jewish People, vol. 3, p. 143.
~4 Aharoni, Land ofthe Bible, p. 263.
172 H istória de I srael no A ntigo T estamento
65 Oxford Bible Atlas, editado por Herbert G. May, 3a edição (New York: Oxford University
Press, 1984), p. 143.
66 Aharoni, Land ofthe Bible, p. 284, n. 222.
67 Oxford Bible Atlas, p. 137.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança , A narquia e a A utoridade H umana 173
mulher que lançou do telhado uma pedra de moinho sobre sua cabeça. Por
tanto, a mais remota experiência monárquica de Israel foi abortada.
A lista de lugares na história de Abimeleque deixa claro que seu reina
do foi limitado não somente nos anos, mas também na extensão geográfi
ca. Toda sua atividade esteve confinada à região de Manassés; não há qual
quer sinal de que ele tenha atraído a atenção das demais tribos. Precisa
mente, Israel como um todo não estava preparado para a monarquia, ou
pelo menos não a que Abimeleque estava disposto a oferecer.
Juízes menores
Jefté
74 Parece que, de fato, a reivindicação dos amonitas era verdadeira e que eles já tinham
sido senhores daquela terra antes do tempo de Seon (Nm 21.26). Ver em Eugene H.
Merrill, "Numbers," em The Bible Knowledge Commentary, editado por John F. Walvoord
e Roy B. Zuck (Wheaton, 111.: Victor, 1985), vol. 1, pp. 240-41.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e .4A utoridade H umana 177
Sansão
77 Ver Ephraim A. Speiser, "The Shibboleth Incident," BASOR 85 (1942): 10-13. Eduard Y.
Kutscher, A History o f the Hebrew Language (Jerusalem: Magnes, 1982), pp. 14-15.
78 Para outras evidências a respeito dessa divisão, ver Malamat, "Period of the Judges,"
em World History of the Jewish People, vol. 3, pp. 160-61, onde o autor declara que Efraim
sempre foi o principal instigador. Ver também Daniel I. Block, "The Role of Language in
Ancient Israelite Perceptions of National Identity," JBL 103 (1984): 339, n. 75.
79 Boling, Judges, p. 85. /
A E m dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 179
Para discussão acerca da natureza e função dos nazireus, ver Roland de Vaux, Ancient
Israel (New York: McGraw-Hill, 1965), vol. 2 pp. 466-67.
180 H istória üe I srael no A ntigo T estamento
contra Judá, cujos habitantes ficaram aterrorizados, visto que por seu pró
prio consentimento viviam sob a dominação dos filisteus (Jz 15.11). Entre
garam, portanto, Sansão aos filisteus, mas lá, em Ramate-Leí (local desco
nhecido), Sansão feriu mil de seus inimigos.
J A segunda mulher na vida de Sansão foi uma prostituta de Gaza. En
quanto a visitava, Sansão foi descoberto por alguns filisteus que decidi
ram vigiá-lo toda a noite, armando-lhe uma emboscada ao amanhecer.
Porém, à meia-noite, ele levantou-se, tomou o portão da cidade, e o carre
gou até Hebrom, a quarenta milhas de distância.
Finalmente, Sansão cedeu aos encantos de Dalila, que o traiu revelan
do aos filisteus que a força de Sansão residia nos cabelos não cortados.
Ironicamente, ele foi levado a Gaza e forçado a mover um grande moinho.
A cidade de onde ele, em toda a sua força, retirara o portão, agora havia se
constituído em sua própria prisão. No devido tempo Sansão foi trazido ao
templo de Dagom, a principal divindade dos filisteus. Seus cabelos - a
marca de seu nazireado e o poder de Deus sobre sua vida - já haviam
crescido novamente e, em uma última tentativa poderosa, derrubou o tem
plo de Dagon sobre si e os filisteus, matando em sua morte mais inimigos
do que havia matado em vida.
Os críticos recusam-se a ver a narrativa de Sansão como história real
em virtude dos feitos sobrenaturais do herói. Preferem descrevê-las como
lenda ou saga, cujo propósito era enfatizar a idéia de que Yahweh vence
ra seus inimigos através de um homem revestido de seu Espírito, e não
mediante o uso de um exército de soldados.81 O problema com esse
cepticismo é que ele interpreta erroneamente a natureza das sagas como
um gênero literário82 e, além disso, baseia-se em uma afirmação não crí
tica de que tais feitos heróicos por si só não poderiam acontecer, e que de
fato não ocorreram. Mas esse tipo de apelação não encontra lugar de
importância na história escrita. Se alguém admite não existir nada afora
o registro bíblico que o contradiga, e que a história bíblica é sui generis,
ou seja, uma história especial e única, então não há um bom motivo para
se rejeitar as histórias de Sansão. Uniformitarismo histórico não deve
pôr uma camisa de força nos fatos ou predeterminar o que aconteceu no
passado.
81 Para conhecer mais este ponto de vista, ver James L. Crenshaw, Samson (Atlanta: John
Knox, 1978), pp. 19-26.
82 Para uma excelente discussão a respeito de saga, especialmente da imprecisão do termo
como uma tradução do alemão Sage, ver John J. Scullion, "Marchen, Sage, Legende: Towards
a Clarification of Some Literary Terms Used by Old Testament Scholars," VT 34 (1984):
324-31.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança , A narquia e a A utoridade H umana 181
Samuel
83 Essa data é aproximadamente cinqüenta anos mais antiga do que a usualmente aceita
para a destruição da cidade de Siló; ver, por exemplo, o que diz John Bright em A History
of Israel, 3a edição (Philadelphia: Westminster, 1981), pp. 185-86. Note que o relato bíbli
co não diz expressamente que Siló fora destruída na época em que a arca foi levada
pelos filisteus. A destruição pode ter ocorrido cinqüenta anos depois de a cidade ter
deixado de ser um centro religioso para Israel. O Salmo 78.60 fala que Jeová abandonou
Siló, um fato confirmado em 1 Samuel 4.11, ao passo que o profeta Jeremias refere-se a
esta destruição (7.12,14; cf. 26.6,9) como conseqüência de sua rejeição como um centro
de adoração a Deus. ,
84 Oxford Bible Atlas, p. 127.
85 Para um excelente gráfico da batalha, ver Aharoni e Avi-Yonah, Macmillian Bible Atlas,
mapa 83, p. 58.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança , A narquia e 4 A utoridade H umana 183
inimigo, expulsando-o de volta a Bete-Car. Este local não pode ser identi
ficado, mas visto que está associado a Sem (Jeshanah ou el-Burj)86, situada
logo ao sul de Siló, devia localizar-se para o norte. Em todo caso, a batalha
pôs fim à ocupação filistéia em Israel. A opressão de quarenta anos havia
finalmente chegado ao fim. A referência à paz com os amorreus (1 Sm
7.14) significa que a vitória de Samuel sobre os filisteus ocasionou um
período de paz e tranqüilidade entre as populações nativas da região mon
tanhosa.87
Este feito de Samuel o marcou como juiz, o último de uma longa
sucessão de líderes carismáticos que começara com Otniel. Porém,
mesmo a jurisdição de Samuel era limitada, pois seu circuito ia de Betei
a Gilgal, e desta para Mispa, uma área que não ultrapassava 32 quilô
metros de extensão. Agora ele estava em constante movimento, mas
periodicamente voltava a Ramá (i.e, Ramataim Zofim), local de sua re
sidência. A era dos juízes estava abrindo caminho para a monarquia;
dentro de trinta e cinco anos Samuel presidiria a coroação do primeiro
rei em Israel.
A trilo g ia d e B e lé m
86 O texto massorético de 1 Samuel 7.12 diz hassen, mas a leitura preferida, baseada na
Septuaginta, é haysanâ, Jeshanah.
87 R Kyle McCarter, Jr., I Samuel, Anchor Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1980),
p. 147.
88 Ver Eugene H. Merrill, "The Book of Ruth: Narration and Shared Themes," Bib Sac 142
(1985): 130-41.
A E fu dos J uízes : A Violação da A liança , A narquia e 4 A utoridade H umana 185
Mica e o levita
“ Frank Anthony Spina, "The Dan Story Historically Reconsidered," JSOT 4 (1977): 60-71.
O nun suspensum do Texto Massorético de Juízes 18.30 reflete apenas considerações
apologéticas, e não pode derrubar a forte evidência de manuscritos que lêem "Moisés"
em vez de "Manassés". Ver Moore, Judges, pp. 401-2. —■
Que Jônatas era muito mais novo é sugerido pela evidência de que Gérson nascera de
Moisés e Zípora depois que estes tinham muitos anos de casados: ele fora circuncidado
por sua mãe quando estavam a caminho do Egito, antes do êxodo (Ex 4.24-26). Não
seria impróprio datar o seu nascimento em 1450. Neste caso, ele estaria entre aqueles
18 6 H istória de I srael no A ntigo T estamento
que obtiveram a graça de entrar em Canaã, já que devia ter menos de vinte anos (1444).
Além disso, em 1399 ele estaria com cerca de cinqüenta anos, e seu filho Jônatas poderia
ser facilmente descrito como um homem jovem. Embora o hebraico na'ar ("homem jo
vem") possa também referir-se a um assistente ou ministro, em ambos os casos nunca
dá o sentido de um velho ou ancião. Ver Aharoni, "Settlement of Canaan", em World
History ofthe Jezvish People, vol. 3, p. 308, n. 15.
92 A historicidade desse relato é defendido por Malamat, "Period of the Judges," em World
History ofthe Jezvish People, vol. 3, p. 161, que situa o ocorrido entre o juizado de Jefté e o
ataque amonita contra Jabes-Gileade (1 Sm 11). Mesmo que essa data tão recente seja
impossível (ver n. 95), Malamat corretamente chama a atenção para a ligação existente
entre Benjamim e Jabes-Gileade.
\ E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 187
levita então expôs sua triste experiência aos anciãos de todo o Israel, pois
haviam se reunido em Mispa. Então foram à cidade de Betei (Jz 20.18)93,
onde buscaram a direção divina para agir.94
Visto que a concubina era oriunda de Belém, estabeleceu-se que os ho
mens de Judá seriam os primeiros a atacar Benjamim. Depois de dois dias
de atraso, os israelitas decidiram retirar-se para buscar o favor e a bênção
de Deus através do sumo sacerdote Finéias, neto de Arão.95 No terceiro
dia Israel prevaleceu sobre Benjamim, que quase foi aniquilada. Israel reu
niu-se outra vez para discutir acerca da quase extinção da tribo. A resolu
ção foi trazer muitas donzelas de Siló e Jabes Gileade, para servirem como
esposas para cerca de seiscentos benjamitas sobreviventes, preservando
assim a tribo.
A referência a Jabes-Gileade não é sem propósito por parte do historia
dor. A cidade era de certo modo o lar ancestral de Saul. Também está claro
na narrativa que a mulher do benjamita sobrevivente, ancestral de Saul,
veio ou de Siló ou de Jabes-Gileade. O interesse expressado por Saul na
cidade de Jabes-Gileade parece demonstrar que suas origens remontam
àquele lugar. Saul somente tornou-se rei depois que Jabes-Gileade foi cer
cada pelos amonitas, e não a destruíram justamente por causa de sua in
tervenção (1 Sm l l . l - l l ) . 96 Além disso, após a morte de Saul e a vergonha
Tem sido sugerido que bêt-el aqui significa "local de Deus" (i.e., Mispa), e não aquela
cidade com esse nome. Essa sugestão põe em evidência a necessidade de explicar o
surgimento de Betei como um centro de culto, coisa que não tem comprovação neste
período de Israel, exceto nessa narrativa. Portanto, as referências a Betei (Jz 20.18,26;
21.2) devem ser entendidas não como o nome de um lugar, mas como um "lugar santo",
isto é, Mispa (ver Boling, Judges, p. 285). Embora Siló tenha sido o local escolhido para
guardar o tabernáculo e a arca da aliança desde tempos antigos (Js 18.1), já não devia
mais desfrutar do mesmo status pelo tempo da rebelião da tribo de Benjamim, um fato
que está bastante claro tanto pela presença da arca em Mispa (Jz 20.18,23,26-28; 21.1-7)
quanto pelo fato de que, aparentemente, a cidade de Siló já tinha caído em desfavor por
essa época (Jz 21.12,19-23). Porém, alguns anos mais tarde, Siló readquiriu seu status de
honra como o centro de culto da nação, conforme 1 Samuel 3-4.
°4 Para um estudo que discorre acerca da função dessas reuniões, ver Hanoch Reviv, "The
Pattern of the Pan-Tribal Assembly in the Old Testament," JNSL 8 (1980): 85-94.
45 Os eventos dessa narrativa, como aqueles da primeira, devem ser posicionados bem
nos primórdios da era dos juízes. O neto de Moisés e um neto de Arão seriam contem
' porâneos de uma geração depois da conquista.
* A dissecação dos bois feita por Saul é uma reminiscência do tratamento dado à concubina
do levita, que fora brutalmente estuprada até a morte. Esse relato claramente liga o
início do reinado de Saul com suas origens em Jabes-Gileade, e o acontecimento históri
co referente à situação.
188 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O Senhor faça a esta mulher, que entra na tua casa, como a Raquel e como
a Léia, que ambas edificaram a casa de Israel; e há-te já valorosam ente em
Efrata, e faze-te nom e afamado em Belém. E seja a tua casa como a casa de
Perez (que Tamá teve de Judá), da sem ente que o Senhor te der desta moça
(Rt 4.11b-12).
Judá e Tamar
Uma parte da bênção proferida a Boaz e a Rute era que esta família
seria como "a casa de Perez (que Tamar teve de Judá)" (Rt 4.12). Deve-se
lembrar que Tamar, como Rute, era uma estrangeira que havia se casado
com alguém do povo da aliança (Gn 38.6). Quando seu marido Er (irmão
mais velho de Judá) morreu, a lei do levirato passava a ser válida, e de fato
o foi, e ela casou-se com o segundo filho, Onã. Mas esta alternativa legal
não produziu qualquer fruto verdadeiramente útil. O resultado, é claro,
foi a relação incestuosa entre Judá e Tamar, que culminou no nascimento
dos gêmeos Perez e Zerá (Gn 38.24-30). A lei do levirato também está des
crita na história de Rute (Rt 4.5), mas desta vez houve resultados bastante
produtivos - Boaz suscitou descendência ao nome do falecido marido de
190 H istória de I srael a 'o A ntigo T estamento
Fica bem claro, através de muitas passagens, que esta promessa foi re
alizada em Davi, mas não é tão preciso quanto na história de Rute, parti
cularmente na questão da genealogia. Seu primeiro nome é Perez, o filho
ilegítimo de Judá e Tamar que afirmou seus direitos reais criando um ca
minho (peres) para si mesmo (Gn 38.29). Ou seja, contrário a todas as ex-9
Os patriarcas e a monarquia
O segundo propósito da história de Rute é servir de elo entre as eras
patriarcais e a monarquia. O uso das genealogias no Antigo Testamento
tem sido çuidadosamente estudado, e muitos resultados importantes têm
brotado dessas pesquisas.101 Não menos significativo é o reconhecimento
de que os patriarcas, representados por Perez, estão diretamente relacio
nados com a verdadeira dinastia real de Israel, dinastia representada por
100A imagem é a de uma interdição violenta de seu irmão. Ver em John Skinner, A Criticai
and Exegetical Commentary on Genesis (New York: Scribner,1910), pp. 455-56.
101Robert R. wilson, “The Old Testament Genealogies in Recent Research," JBL 94 (1975):
169-89; idem, Genealogy and History in the Biblical World (New Haven: Yale University
Press, 1977); Marshal D. Johnson, The Purpose of Biblical Genealogies (Cambridge:
Cambridge University Press, 1969).
192 H istória de I srael no A ntigo T estamento
102A literatura nessa área é vasta, porém, quanto a esse assunto sugerimos especialmente
Moshe Weinfeld, "The Covenant of Grant in the Old Testament and in the Ancient Near
East," JAOS 90 (1970): 184-203; Delbert R. Hillers, Covenant: The History of a Biblical Idea
(Baltimore: Johns Hopkins Press, 1969); e George E. Mendenhall, "Covenant Forms in
Israelite Tradition," em The Biblical Archaeologist Reader, editado por Edward E Campbell
Jr. e David Noel Freedman (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1970), vol. 3, pp. 25-53.
A E r. í dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 193
trar sua posição como filho de Deus.103 O salmo 110 igualmente fala do
reinado de Davi de maneira que transcende o mero ofício político, embora
não seja a sua filiação o fator de maior ênfase aqui, mas seu sacerdócio.104
Digno de nota é sua ligação com Melquisedeque, um contemporâneo dos
patriarcas que, mais uma vez, passa por cima de toda a instituição de cul
to contida na aliança de Moisés. Davi funciona como rei e sacerdote, não
em razão de qualquer relação com a nação israelita ou por virtude pró
pria, mas porque ele permanece como um elo entre a promessa feita a
Abraão e seu cumprimento.
A ligação com os patriarcas é claramente vista na iniciação da aliança
davídica (1 Cr 15-17). Depois de Davi preparar todas as estruturas para a
acomodação da arca, e designar o pessoal especializado para cuidar do
culto e de seu serviço como ministros, ele mesmo vestiu um éfode sacer
dotal e trouxe a arca para seu novo local (lC r 15.25-28). Ele oficiou uma
cerimônia de sacrifício (1 Cr 16.1-3), uma atitude que, da perspectiva
aarónica, constituía-se numa verdadeira agressão, uma vez que o sacer
dócio era vetado à tribo de Judá.105 Então, em meio à celebração do estabe
lecimento da arca e trono, Davi canta um cântico de ações de graças (1 Cr
16.8-36), no qual faz uma referência direta à aliança abraâmica (vv. 15-17),
mas com sabedoria evitou qualquer menção à aliança mosaica. Mesmo no
relato da revelação da aliança com a dinastia de Davi e sua contrita res
posta ao propósito, não há qualquer declaração explícita acerca da aliança
mosaica, embora o tema de Israel como "o povo de Deus" e "a nação de
Davi" permaneça em posição de destaque (1 Cr 17.7,9,22,24).
Outra fato que chama a atenção é a associação que o evangelista, no
Novo Testamento, faz entre os patriarcas e Davi, em que existe a dimen
são extra do cumprimento da dinastia davídica na pessoa de Jesus Cristo.
Mateus começa sua genealogia dizendo o seguinte: "Livro da genealogia
de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão" (1.1). O objetivo é afirmar
103Ver Artur Weiser, The Psalms: A Commentary (Philadelphia: Westminster, 1962), pp. 110
14.
1[I4J.W. Bowker, "Psalm CX," VT 17 (1967): 36.
105Essa mesma questão é tratada pelo autor da epístola aos Hebreus, mostrando que o
sacerdócio de Cristo é não-arônico (e, portanto, sem qualquer relação com a aliança
mosaica), visto que Ele veio da tribo de Judá, embora seja assim mesmo superior aos
sacerdotes da linhagem de Arão, já que seu sacerdócio provém da ordem de Melquise
deque (Hb 7.11-17). Quanto ao sacerdócio Davi-Melquisedeque, ver Aubrey Johnson,
Sacral Kíngship in Ancient Israel (Cardiff: University of Wales Press, 1955), pp. 27-46., que
sem dúvida é uma apresentação bastante equilibrada e sadia, com exceção do que diz
respeito aos aspectos de causas e origens.
194 H istória de I srael no A ntigo T estamento
que o Messias tem suas raízes históricas em Abraão, e que veio como um
rei da dinastia de Davi em resposta às promessas feitas aos patriarcas.
Que essa era a esperança messiânica de Israel fica fácil provar, pois as
multidões aclamaram a Jesus como seu Messias, quando este entrou triun
fante em Jerusalém: "Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em
nome do Senhor!" (Mt 21.9). O próprio Jesus confirmou este sentimento
quando, em resposta direta aos fariseus ali presentes, afirmou que ao iden
tificar o Messias como o Filho de Davi, as multidões também confirma
vam a anterioridade deste em relação ao próprio Davi, um ponto clara
mente registrado no Salmo 110 (Mt 22.41-46). O mesmo salmo messiânico
descreve o rei como um sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque. O
autor de Hebreus trata bastante deste ponto e, embora em parte alguma
mencione o rei Davi nessa conexão, fala do Senhor Jesus Cristo como sen
do este sacerdote, exatamente como faz o salmo com respeito a Davi. Davi
e Jesus Cristo, como sacerdotes da ordem de Melquisedeque, funciona
vam fora da ordem estabelecida no sacerdócio mosaico, além de terem o
escopo de seus sacerdócios numa perspectiva universal e muito mais
abrangente, visto que em Hebreus 7.9,10 é dito que até mesmo Levi, que
na ocasião ainda estava "nos lombos" de Abraão, pagou o dízimo a Mel
quisedeque. Logo, a cadeia que liga Melquisedeque-Davi-Cristo não é de
forma alguma interrompida pelo sacerdócio mosaico, assim como a ca
deia real Abraão-Davi-Cristo também não é quebrada. O principal propó
sito de Rute é estabelecer essa mesma continuidade, pelo menos entre
Abraão e Davi.
106Harold Fisch, "Ruth and the Structure of Covenant History," VT 32 (1982): 429-32.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e .4 A utoridade H umana 195
A e x ig ê n c ia p o r u m re in a d o
O refrão do livro dos Juízes: "Naqueles dias não havia rei em Israel"
(17.6; 18.1; 19.1; 21.25) foi finalmente traduzido pelo povo israelita em um
forte clamor a Samuel: "...constitui-nos, pois, agora, um rei sobre nós, para
que ele nos julgue, como o têm todas as nações" (1 Sm 8.5). Embora a
reação esboçada por Samuel tenha sido negativa (v. 6), o problema não
estava no desejo de possuir um rei, mas sim no espírito antiteocrático com
que o pedido foi feito, e em sua prematuridade.
Um reinado, longe de ser considerado antiético para o propósito de
Deus para Israel,C^ra fundamental para se cumprir o plano da salva-
19 8 H istória de I srael ao A ntigo T estamento
ção.1 O homem foi criado segundo a imagem de Deus para que tivesse
domínio "sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o
gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a
terra". (Gn 1.26-28). Com este fim, o homem foi introduzido no jardim
do Éden para exercer a autoridade sobre a criação e sobre todas as ou
tras coisas. Abraão e Sara foram informados de que deles surgiriam
reis (Gn 17.6,16), sendo a mesma promessa e aliança reafirmada a Jacó
(Gn 35.11). No momento da bênção patriarcal, Jacó anunciou: "O cetro
não se arredará de Judá, / nem o legislador dentre seus pés, / até que
venha Siló; / e a ele se congregarão os povos" (Gn 49.10). Finalmente,
em Deuteronômio 17.14-20 estão lançadas as regras para a monarquia
que seria instaurada em Israel no tempo de Deus, seguindo os critérios
divinos-^O rei devia ser um homem escolhido por Yahweh (v. 15), e
í) deveria governar o povo de acordo com os princípios contidos na Torá
(vv. 18-20).
Então, a aparente tensão entre a atitude negativa de Samuel (1 Sm 8;
10.17-27) e seu apoio a Saul na época de sua escolha (1 Sm 9.1-10.16) não
tem fundamento histórico.2 De fato, a contenda de Samuel não é por ad
mitir um reinado em Israel, mas, como já dito, pelo caráter e espírito que
norteavam a decisão do povo - "como o têm as nações" - e pela recusa em
esperar que o próprio Deus fizesse a escolha.
1 A razão para a insistência do povo em possuir um rei é bastante óbvia.
Samuel naquele tempo já era um homem velho, e seus dois filhos, a quem
ele havia designado como juízes para sucedê-lo, eram venais e corruptos.
Além disso, surgiam muitos perigos externos, vindos particularmente das
1 Walter C. Kaiser, Jr. Toward an Old Testament Theology (Grand Rapids: Zondervan, 1978),
pp. 144-49; Claus Westermann, Elements o f Old Testament Theology (Atlanta: John Knox,
1982), pp. 108-9; Shemaryahu Talmon, "The Biblical Idea of Statehood," em The Bible
World, editado por Gary Rendsburg et al. (New York: Ktav, 1980), p. 239.
2 Muitos críticos afirmam que a suposta tensão é resultado de narrativas paralelas
conflitantes; ver, por exemplo, Siegfried Herrmann, A History of Israel in Old Testament
Times, traduzido por John Bowden (Philadelphia: Fortress, 1975), pp. 131-37. Para ler
um tratamento que rebate de forma convincente esses ataques que dizem haver tradi
ções conflitantes no texto, ver J. Robert Vannoy, Covenant Renewal at Gilgal (Cherry Hill.
N.J.: Mack, 1978), especialmente as páginas 197-239; também em Lyle Eslinger,
"Viewpoints and Point of View in 1 Samuel 8-12," JSOT 26 (1983): 61-76. Um ponto de
vista moderado, segundo o qual o "deuteronomista" integrou e harmonizou as tradi
ções primitivas com o intuito de prover uma justificação para que a monarquia fosse
introduzida em Israel, é proposto por Dennis J. McCarthy, "The Inauguration of
Monarchy in Israel: A Form-critical Study of 1 Sam. 8-12," Interp. TJ (1973): 401-22.
200 H istória de I srael no A ntigo T estamento
bandas dos arameus ao norte e dos amonitas ao oriente. Aquela época cla
mava por um líder forte, que não fosse apenas um líder local, mas nacional,
uma função que somente um rei poderia exercer. Por isso, Yahweh atendeu
o pedido do povo; porém afirmou a Samuel que tal pedido era, na verdade,
uma rejeição ao governo teocrático ideal, e que não era Samuel a pessoa que
estava sendo desprezada. Uma vez que desejavam um rei como o tinham as
demais nações, e não podiam mais esperar pelo escolhido de Yahweh, o
pedido seria concedido para futuros sofrimentos.3 O rei escolhido criaria
uma estrutura de autoridade que exigiria que seus jovens fossem alistados
no exército à força, além de sobrecarregar o povo com um excessivo núme
ro de impostos que os levariam a chorar e protestar em vão (1 Sm 8.11-18).
Não obstante os alertas, o povo confirmou seu pedido, e iniciou toda a mo
vimentação para o estabelecimento de Saul como rei.
A c ro n o lo g ia d o s é c u lo o n ze
3 Quanto a vontade permissiva de Deus, ver J. Barton Payne, "Saul and the Changing
Will of God," Bib Sac 129 (1972): 321-25.
4 Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers of the Hebreu) Kings (Grand Rapids: Eerdmans,
1965), pp. 51-52. O conflito entre marcar a coroação de Salomão no ano 971 e seu traba
lho inicial no templo, o qual se sabe ter ocorrido em seu quarto ano, até 966, é mais
aparente do que real. O assunto é muito complicado e fora de nosso objetivo para ser
tratado aqui nesta obra. Basta dizer que existem vários métodos de registrar os anos de
um reinado, e nem todos estão baseados estritamente no ano da ascensão.
S*.í l : A A liança M al C ompreendida 201
5Isso é sugerido por J. Alberto Soggin, A History of Ancient Israel (Philadelphia: Westminster,
1984), p. 50.
’ Wilhelm Gesenius, Gesenius' Hebrew Grammar, editado por E. Kautzsch e A.E. Cowley
(Oxford: Clarendon, 1957), parág. 134e.
~Para um argumento adicional em apoio a essa tradução, ver Eugene H. Merrill, "Paul's
Use of 'About 450 Years' em Acts 13.20," Bib Sac 138 (1981): 256, n.19. Uma sugestão
interessante, que não envolve qualquer emenda é a que Robert Althann propôs, basea
do na preposição ugarítica b(n), que na tradução de: "Saul já reinava a mais de um ano"
202 H istória de I srael no A ntigo T estamento
diz assim: "já por dois anos ele estava reinando sobre Israel..". Não diz nada acerca da
idade de Saul, mas talvez a passagem nunca tenha tido a intenção de dizer ("1 Sam.
13.1: APoetic Couplet," Biblica 62 [1981]: 241-46).
8 Eugene H. Merrill, "1 Samuel," em The Bible Knowledge Commentary, editado por John E
Walvoord e Roy B. Zuck (Wheaton, 111.: Victor, 1985), vol. 1, p. 446.
9 E.g., Hans W. Hertzberg, I & 11 Samuel (Philadelphia: Westminster, 1964), p. 120.
i i . i : .A A liança M al C ompreendida 203
(ver pp. 151,184), e seu encontro com os anciãos de Israel, quando estes
lhe rogaram por um rei. O profeta já estava velho, conforme a própria
narrativa atesta (1 Sm 8.1,5), talvez com a idade de setenta anos. Não é de
admirar que o povo estivesse preocupado acerca da iminente crise de li
derança.
A e s c o lh a d e S au l
ênfase do que a qualquer outra coisa. Até mesmo Abraão foi chamado de
profeta (nãbi - Gn 20.7), como também o foram Arão (Êx 7.1) e Moisés (Dt
34.10). De fato, Moisés foi chamado o maior dentre todos os profetas. Po
rém, a função mais importante no ministério desses profetas da fase re
mota do profetismo em Israel não era a de constituir-se num pregador.
Eles profetizavam por ter algo a dizer, e não por terem em sua vida essa
mensagem em primeiro lugar.
O desenvolvimento mais significativo que se pode perceber no Antigo
Testamento é visto na vida de Samuel, que foi o primeiro profeta profissi
onal de tempo integral, digamos assim (1 Sm 3.20). O significado dessa
situação está descrito da seguinte maneira: "E continuou o Senhor a apa
recer em Siló, porquanto o Senhor se manifestava a Samuel, em Siló, pela
palavra do Senhor. E veio a palavra de Samuel a todo o Israel" (1 Sm 3.21 —
4.1a). Além disso, Samuel fundou uma escola de profetas que ele mesmo
treinava em todos os aspectos do profetismo, os quais poderiam ser repar
tidos pelos homens. Obviamente ninguém poderia ser ensinado sobre como
ser um veículo da revelação divina, senão mediante o recebimento desse
dom de Deus. Já nos dias de Elias e Eliseu, existiam companhias organiza
das de profetas (2 Rs 2.3). No entanto, pode-se verificar a existência de
videntes e profetas que apareciam esporadicamente, até que se origina
ram os grandes profetas do nono século, homens que estiveram direta
mente envolvidos com o processo de escrita dos livros sagrados. Com os
grandes profetas, declinava cada vez mais o profetismo organizado que,
com a formação do cânon israelita do Antigo Testamento, chegou ao com
pleto desaparecimento.
A unção de Saul
15 Já que Davi, Salomão e outros reis também são chamados de nãgid, e Saul por sua vez é
chamado de melek ("rei") em uma ocasião, deve-se evitar a maximização do fato de Saul
ter como seu principal epíteto o termo nãgid. Este termo significa apenas "alguém pro
eminente" ou "o chefe". Ver Francis Brown, S.R. Driver e Charles A. Briggs, A Hebrew
and Englísh Lexicon ofthe Old Testament (Oxford: Clarendon, 1962), pp. 617-18. Albrecht
Alt propõe que o termo nãgid foi aplicado a Saul significando que ele era o escolhido de
Yahweh, e que a nação é que foi a responsável por chamá-lo de melek ("The Formation
206 H istória d e I srael no A ntigo T estamento
el, o homem escolhido que iria deter a nova ameaça trazida pelos filisteus.
Ao chegar no lugar alto, Samuel agradou a Saul oferecendo-lhe um farto
banquete. No outro dia Samuel revelou-lhe que ele seria ungido príncipe de
IsraeJLDe acordo com Samuel, a confirmação viria a seguir mediante três
sinaiSfrrimeiro, Saul encontraria dois homens próximos ao sepulcro de Ra
quel, em Zelzá (localização desconhecida, embora esteja provavelmente entre
Jerusalém e Belém), assegurando-lhe que suas jumentas perdidas haviam
sido encontradas.16 Em seguida encontraria três homens no carvalho de
Tabor (localização desconhecida, mas certamente não era a montanha em
Jezreel). Estes estariam a caminho de Betei para adorarem, e repartiriam
com ele dois pedaços de pão.
Q Finalmente, ele viria para Gibeá-Eloim (Gibeão; i.e., el-Jib),17 local de uma
fortaleza dos filisteus, onde se juntaria a uma caravana de profetas em pro
cissão. Surpreendentemente, participaria de canções sem nunca tê-las apren
dido antes. Isso seria um sinal da bênção do Espírito de Deus que estaria
transformando Saul, o homem comum, no príncipe de seu povo. Mais tar
de, Samuel afirmou que Saul o encontraria em Gilgal. Como um teste de
obediência, teria de pacientemente esperar por Samuel, que viria para ofici
ar a cerimônia e oferecer o sacrifício.
Quando os três sinais preditos se cumpriram, Samuel juntou todo o
Israel em Mispa para uma cerimônia pública de coroação e investidura (1
Sm 10.17-27). Sem qualquer pretensão ao cargo, Saul tratou de esconder-
se naquele momento; somente após ser encontrado permitiu que fosse
apresentado à assembléia do povo. Logo, Samuel deu início à cerimônia
tratando dos aspectos formais (v. 24). Depois seguiu-se a aceitação do povo
e a aclamação de "Vida longa ao Rei!". Por fim, Saul aceitou os protocolos
do cargo; ele e Israel ouviram o que Samuel explicara a respeito das regras
da monarquia, que provavelmente refletiam as convenções de Moisés, em
of the Israelite State," em Essays oh Old Testament History and Religion [Garden City, N.Y.:
Dtiubleday, 1968], p. 254). Ver também as observações de Roland de Vaux, Ancient Israel
(New York: McGraw-Hill, 1965), vol. 1, pp. 70, 94. J.J. Glück resolve a tensão existente
entre melek/nãgid ao sugerir que nãgtd é o equivalente de nõcjed ("pastor") e, portanto,
significa o título de realeza ao invés de um sinônimo de rei ("Nagid-Shepherd," VT 13
[1963]: 144-50).
16 Para uma interpretação proposta para o circuito, ver em Yohanan Aharoni e Michael
Avi-Yonah, Macmillan Bible Atlas (New York: Macmillan, 1968), mapa 86.
17 Assim é o pensamento de Aaron Demsky, "Geba, Gibeah, and Gibeon - An Historico-
Geographic Riddle," BASOR 212 (1973): 27. Demsky defende a idéia de que Gibeom era
a cidade natal de Saul e que Gibeá (Tel el-Fül) foi a cidade que ele escolheu mais tarde
como sua capital (p. 28).
208 H istória de I srael no A ntigo T estamento
18 Gibeá foi escavada por William E Albright que, baseado nos escombros culturais da
cidade capital de Saul, descreve-o como um "líder de espírito rústico" (From the Stone
Age to Christianity [Garden City, N.Y., 1957], p. 292). O sítio está tão descaracterizado
que outro estudioso, Joseph Blenkinsopp, defende a idéia de que a capital do reino de
Saul, na maior parte de seu governo, não foi Gibeá mas Gibeon ("Did Saul Make Gibeon
His Capital?" VT 24 [1974]: 1-7).
i r . l: .4A liança M al C ompreendida 209
Frank M. Cross, baseado em seus estudos do texto 4Q Sama de Qunram diz que os
rubenitas e gaditas, que estavam sujeitos a Naás, e que tinha sido da mesma forma
mutilados por sua traição ao rei amonita, conseguiram escapar de Amom, encontrando
refúgio em Jabes-Gileade. Como os que se rebelaram contra o rei mereceram punição,
da mesma forma os que os acolheram também seriam punidos. Então, como Cross ob
servou, o fragmento de Qumram clarificou o que, de outra forma, continuaria obscuro
caso dependêssemos apenas do Textus Recepticus de Samuel. Ver Cross, "Original
Biblical Text Reconstructed from Newly Found Fragments," Bible Review 1 (1985): 26-33;
idem, "The Ammonite Oppression of the Tribes of Gad and Reuben: Missing Verses
from 1 Samuel 11 Found in 4Q Samuel," em Histonj, Historiography anã Interpretation,
editado por Hayin Tadmor e Moshe Weinfeld (Jerusalem: Magnes, 1984), pp. 148-58;
Terry L. Eves, "One Ammonite Invasion or Two? 1 Sam. 10:27-11:2 in the Light of 4Q
Sama," WTJ 44 (1982): 308-26.
:o Com base em 2 Samuel 2.4b-7, Diana Edelman afirmou felizmente que Jabes-Gileade
não era parte constituinte de Israel, mas um estado vassalo ("SauFs Rescue of Jabesh-
Gilead [1 Sam. 11:1 - 11]: Sorting Story from History," ZAW 96 [1984]: 195-209). Mas
chegou à conclusão errada de que o resgate feito por Samuel daquela cidade não pode
ria ser considerado um teste para o seu reinado recentemente estabelecido (embora 1
Sm 11.12-14 claramente sugira isto), uma vez que este estado vassalo não poderia existir
e não poderia esperar ajuda, porque Saul ainda não havia se tornado o monarca de um
Reino da Cisjordânia de enormes proporções. O erro de Edelman consiste em passar
por cima da possibilidade de Jabes-Gileade ter-se tornado um estado vassalo devido ao
fato de Saul ter derrotado os amonitas, e, por último, em não aceitar a historicidade da
ligação ancestral entre Saul e Jabes-Gileade, uma ligação que certamente explicaria o
intenso e grande interesse deste pelo local, além da própria convicção que os habitantes
de Jabes-Gileade possuíam de que ele viria em seu socorro.
210 H istória du I srael no A ntigo T estamento
O d e c lín io d e S au l
Desobediência em Gilgal
21 Para uma atitude semelhante em Mari, ver Archives royales de Mari, editado por Charles-
F. Jean (Paris: Geuthner, 1950), vol. 2, #48,citada por J. Maxwell Miller, "Saul's Rise to
Power: Some Observations Concerning 1 Sam. 9:1-10:16; 10:26-11:15 and 13:2114:4b,"
CBQ 36 (1974): 168.
22 Para um estudo detalhado acerca da assembléia feita em Gilgal como uma espécie de
convocação para a aliança, ver Vannoy, Covenant Renewal at Gilgal, especialmente as
páginas 132-91.
i-»: l : A A liança M al C ompreendida 2 11
ria. A mensagem era bem clara: Israel, mesmo debaixo da monarquia, ti
nha de submeter-se a Yahweh.
Encorajado pela campanha defensiva contra os amonitas e pelo espíri
to de solidariedade e aliança expressado pelos israelitas em Gilgal, Saul
deu início ao processo de ofensas contra seu próprio mandato. Os filisteus
já haviam sido expulsos de Israel havia mais de trinta anos por Samuel,
mas continuaram a ameaçar as fronteiras israelitas, chegando mesmo a
penetrá-la consideravelmente em uma ocasião.23 Saul sentiu que havia
necessidade de dar um basta nessas atividades de uma vez por todas. Seu
primeiro assalto às guarnições dos filisteus foi em Geba (Jeba),24 situada a
menos de oito quilômetros da capital (1 Sm 13.3). Jônatas, filho de Saul,
estava no comando de mil homens em Gibeá enquanto Saul tinha dois mil
em Micmás (Mukhmâs), três quilômetros além de Geba. Jônatas deu iní
cio ao ataque a Geba dos filisteus, mas isso provocou uma forte reação.
Com um vasto número de homens, os filisteus chegaram a Micmás, for
çando os habitantes da região a evacuar a cidade, enquanto as tropas isra
elitas fugiam para o oriente, cerca de 19 quilômetros, chegando mesmo a
cruzar o Jordão em direção a Gileade.
Enquanto estava em Gilgal, Saul lembrou-se das palavras de Samuel,
dois anos antes, segundo as quais chegaria um momento em que teria de
esperar pela chegada do profeta, neste mesmo local, por sete dias.25 Teme
23 Benjamim Mazar, "The Philistines and Their Wars with Israel," em World History of the
Jeivísh People, vol. 3, Judges, editado por Benjamim Mazar (Tel Aviv: Massada, 1971), pp.
175-76.
24 Porém Demsky sugere em "Geba, Gibeah and Gibeon," BASOR 212 (1973): 29-30, que
Geba foi nomeada depois da Geba original (i.e. Gibeá de Benjamim [Jz 20], conhecida
depois como Gibeá de Saul), e não era outra senão a Gibeão (el-Jib). A "Geba de
Benjamim" na maioria dos manuscritos hebraicos de 1 Samuel 13.16 é a mesma Gibeá
de Benjamim.
2- Muitos estudiosos (e.g. P. Kyle McCarter, Jr., I Samuel, Anchor Bible [Garden City, N.Y.:
Doubleday, 1980), p. 228) assumem uma reconstrução desesperadamente confusa quanto
a estes acontecimentos (1 Sm 13.7b-8). Crêem que o historiador bíblico (ou redator) está
sugerindo em 1 Samuel 10.8 que Saul apareceu em Gilgal uma semana antes de sua
eleição como rei quando, de fato, deveria ter comparecido dois anos depois (ver 1 Sm
13.1). Mas, como Cari F. Keil e Franz Delitzsch mostraram há mais de um século, não
existe nenhuma confusão, uma vez que o estudante admita a natureza da sintaxe hebraica
de 1 Samuel 10.8. O que o profeta está dizendo é que se Saul tivesse de ir a Gilgal,
Samuel precisaria fazer o mesmo. Sempre que isto ocorresse, Saul teria de esperar pelo
menos sete dias até que Samuel chegasse. É secundário o fato de Saul não ter ido a
Gilgal até que se passassem dois anos. Ver Keil e Delitzsch, Biblical Commentary on the
Books of Samuel (Grand Rapids: Eerdmans, 1960 reedição), pp. 101-2.
212 H istória de I srael no A ntigo T estamento
roso do ataque iminente que poderia ser desferido pelos filisteus, o pró
prio Saul ofereceu sacrifícios a Yahweh, violando, dessa forma, não ape
nas as expressas ordens dadas por Samuel, mas também todas as prescri
ções que envolviam o próprio ritual do culto. Quando Samuel chegou ao
local, repreendeu o rei e o informou de que sua dinastia, que poderia sub
sistir para sempre (1 Sm 13.13), estava com seus dias contados. Também
foi o rei informado de que Deus entregaria o governo a um homem segun
do o seu coração.
29 Assim está registrado no texto massorético de 1 Samuel 14.18. Contudo, parece melhor,
segundo o registro da Septuaginta e outras testemunhas, ler "éfode" em vez de "arca",
pois a arca aparentemente estava ainda em Quireate-Jearim por todo o reinado de Saul.
Além do mais, o contexto técnico indica atividade puramente sacerdotal, pois a narrati
va sugere que está se recorrendo a um éfode e não à arca (v. 19; cf. vv. 40-42; 23.9; 30.7).
Ver Ralph W. Klein, 1 Samuel, Word Biblical Commentary (Waco: Word, 1983), p. 132,
n.18. G.W. Ahlstrõm, mesmo preferindo adotar o texto massorético nessa passagem,
informa que o éfode aparece nas narrativas de Samuel por todo o período em que a arca
esteve localizada, segundo a tradição, em Quireate-Jearim ("The Traveis of the Ark: A
Religio-Political Composition," JNES 43 [1984]: 145; da mesma forma Antony E Campbell,
"Yahweh and the Ark: A Case Study in Narrative," JBL 98 [1979]: 42-43, n. 32).
30 A visão mais antiga, ou seja, que estes eram os hebreus, é difícil de conciliar com a
mudança de coligação, isto é, com o fato de deixarem os filisteus para aliar-se aos isra
elitas. É melhor identificá-los, como o faz Norman K. Gottwald, com os 'apiru docu
mentados nas correspondências de Amarna (The Tribes of Yahweh [Maryknoll, N.Y.: Orbis,
1979), pp. 422-25; ver também o que foi dito acima nas pp. 101-2).
214 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Os inimigos de Saul
Os estados arameus
Virtualmente nada é conhecido acerca de Moabe e Edom do século onze,
tanto no Antigo Testamento quanto na literatura extrabíblica, de modo que é
infrutífero especular qualquer coisa que não seja a civilização material.31 Quan
to aos estados arameus, o quadro torna-se substancialmente mais claro gra
ças ao volumoso material cuneiforme, oriundo primariamente da Assíria. O
nome dado aos arameus, considerado o mais antigo, era Ahlamú.32 Não foi
senão depois de 1100 que o termo 'armaya (Arameus) surgiu, quando no caso
era usado para descrever as populações seminômades que, por aqueles anos,
haviam ocupado toda a Síria superior e o noroeste da Mesopotâmia. Tiglate-
Pileser I (1115-1077) cita-os como um dos inimigos da Assíria, que ele tentava
controlar. Mas eles não apenas resistiram às pressões dos assírios, como tam
bém começaram a ocupar e controlar vastas áreas centrais e baixas da Meso
potâmia. Durante os anos de Saul, eles dominaram todo o norte de Damasco,
atingindo o Eufrates, chegando mesmo a ir além desse rio.33
31 John R. Bartlett, "The Moabites and Edomites," em Peoples of Old Testament Times, edita
do por D.J. Wiseman (Oxford: Clarendon, 1973), pp. 229-34; B. Oded, "Neighbors on the
East," em World History of the Jewish People, vol. 4, parte I, The Age of the Monarchies:
Political History, editado por Abraham Malamat (Jerusalem: Massada, 1979), pp. 252-61.
Dennis Pardee alistou todas as poucas inscrições que restaram de Moabe, Amom e Edom
conhecidas atualmente, nenhuma delas com data inferior a 850 a.C. (a inscrição de Mesha)
("Literary Sources for the History of Palestine and Syria II: Hebrew, Moabite, Ammonite,
and Edomite Inscriptions," AUSS 17 [1979]: 65-69).
32 Albert Kirk Grayson, Assyrian Royal Inscriptions (Wiesbaden: Otto Harrassowitz, 1976),
vol. 2, p. 13 # 1.
33Merril F. Unger, Israel and the Aramaeans of Damascus (Grand Rapids: Baker, 1980 reedição),
pp. 38-44. Abraham Malamat, mesmo negando que os Ahlamú fossem os arameus, con
corda com o julgamento de Unger com respeito ao domínio dos arameus na Síria e nas
5 »: i : A A liança M al C ompreendida 215
Os filisteus
Era com a Filístia, entretanto, que Saul estava constantemente envolvi
do, do início ao fim de seu reinado. Esses sobreviventes dos Povos do
Mar, de origem não-semítica, vieram para Canaã como parte de uma mi
gração maciça de povos que se dirigiam para a Anatólia, Egito, Síria e
outras áreas ocidentais do Mediterrâneo. Eles destruíram o Império Hitita,
inclusive a destruição de cidades sírias como Ugarite. Após uma tentativa
frustrada de conquistar também o Egito, alguns desses Povos do Mar, par
ticularmente os Peleset e os Tjekker, estabeleceram-se ao longo da porção
central e mais baixa da costa mediterrânea de Canaã. Os Peleset são os
conhecidos filisteus, tão familiares ao leitor da Bíblia (ver p. 161).
Embora tenha havido filisteus em Canaã por muitos anos antes da che
gada dos patriarcas (ver p. 31), esse grupo também tinha sido "semitizado"
ou, em outra hipótese, absorvido pela nova leva de invasores. Os "novos"
filisteus estabeleceram uma cabeça-de-ponte no sudoeste de Canaã em
cerca de 1200, estabelecendo-se nas principais cidades da região (ou pró
ximo a elas): Gaza (Ghazzeh), Ascalom ('Askalon) e Asdode (Esdüd), ao
longo da costa; Ecrom (Khirbet el-Muqanna') e Gate (provavelmente Tel
es-Sâfi), no Sefelá.
Tem sido muito comum descrever a forma de governo dos filisteus como
um tipo de pentápole, em que cada governante (Heb. Serem, "senhor")
partes mais altas da Mesopotâmia na época do rei Saul. ("The Aramaeans/' em Peoples
of Old Testament Times, editado por D.J. Wiseman, pp. 135-38; ver também em Yutaka
Ikeda, "Assyrian Kings and the Mediterranean Sea: The Twelfth to Ninth Centuries
B.C.," Abr-Nahrain 23 [1984-1985]: 29, n.lO).
34 Benjamim Mazar, "The Aramaean Empire and Its Relations with Israel/' em Biblical
Archaeologist Reader, editado por Edward F. Campbell, Jr., e David Noel Freedman (Garden
City,N.Y.: Doubleday, 1964), vol. 2, pp. 131-32.
216 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Os amalequitas
Outro inimigo de Saul com características e em circunstâncias total
mente diferentes eram os amalequitas. Esses nômades do deserto esta
vam sempre surgindo na história de Israel, quase sempre no papel de
55 Dothan, Philistines, pp. 20-21; Kitchen, "The Philistines", em Peoples of Old Testament
Times, editado por D.J. Wiseman, p. 68.
218 H istória de I srael no A ntigo T estamento
39 Yohanan Aharoni, "The Negeb and the Southern Borders," em World History ofthe Jewish
People, vol. 4, parte 1, pp. 292-93.
S a íl : A A liança M al C ompreendida 219
do por ele. Foi lá que Samuel condenou severamente sua atitude de de
sobediência. Mesmo os argumentos de Saul quanto aos animais, que ti
nham sido trazidos a Gilgal para serem sacrificados a Yahweh, não fo
ram suficientes para evitar as censuras do profeta, que naquele momen
to aproveitou para informar ao rei que seu trono tinha sido rejeitado,
pois já havia um outro homem melhor do que ele preparado para assu
mira a posição.
C o n s id e ra ç õ e s te o ló g ic a s
43 Edmond Jacob, Theology of the Old Testament (New York: Harper and Row, 1958), pp.
234-39; Frankfort, Kingship and the Gods, p. 339. Em nossa opinião, Frankfort foi longe
demais em sua tentativa de negar a centralidade do reinado na ideologia israelita (ver
em seu trabalho nas pp. 337-44).
44 Assim pensa, por exemplo, Engnell, em Studies in Divine Kingship, pp. 174-77, na seção
em que ele antevê seu próximo trabalho acerca da monarquia no Antigo Testamento.
Esse é o ponto de vista da chamada escola do Mito e Ritual, que floresceu uma geração
atrás, e quem tem suas idéias expressadas em algumas publicações, como a que foi
editada por Hooke, intitulada Myth, Ritual and Kingship.
45 Dennis J. McCarthy, "Compact and Kingship: Stimuli for Hebrew Covenant Thinking,"
em Studies in the Period of David and Solomon and Other Essays, editado por Tomoo Ishida
(Winona Lake, Ind.: Eisenbrauns, 1983), p. 82; Talmon, "The Biblical Idea of Statehood,"
em The Bible World, editado por Gary Rendsburg, pp. 247-48.
S a i l : A A liança M al C ompreendida 22 1
O s u rg im e n to de D a v i
A unção de Davi
Depois que o Espírito de Yahweh veio sobre Davi, foi permitido que
um espírito demoníaco atormentasse Saul até o dia de sua morte (1 Sm
16.14). Para amenizar seus ímpetos de mau humor e fúria, seus servos
decidiram buscar um músico, cujas melodias pudessem ser um bálsamo
sobre o rei. Providencialmente, Davi foi selecionado, um fato que não ape
nas beneficiou Saul, mas também permitiu que Davi se familiarizasse com
a vida na corte, preparando-o para o papel público que viria a exercer
mais tarde. Saul gostou muito do jovem e logo fez dele seu armeiro e mú
sico. Por um breve espaço de tempo esteve Davi com Saul, embora no
próximo acontecimento ele já esteja em Belém.49
Davi e Golias
começou a reinar. Certamente era muito jovem quando recebeu a unção de rei, mas não
tão jovem ao ponto de não ser capaz de olhar e cuidar do rebanho de seu pai sozinho.
Não seria absurdo afirmar que ele tinha doze anos na ocasião. Isto fixa uma data no
princípio dos anos 1020 para o tempo em que Saul foi rejeitado e Davi foi ungido como
o novo rei, uma data que se encaixa bem com a idade de Samuel, que nessa ocasião já
estava com cerca de noventa anos.
49Aperícope da unção de Davi (1 Sm 16.1-13), freqüentemente considerada tardia e histo
ricamente não confiável, recebe brilhante defesa e análise por Martin Kessler, que a vê
como parte integral da narrativa ("Narrative Technique in 1 Sm 16.1-13," CBQ 32 [1970]:
552-53).
50 Para uma identificação destes sítios, ver Yohanan Aharoni, The Land o f the Bible
(Philadelphia: Westminster, 1979), pp. 442,431.
51 Sobre os lutadores guerreiros, ver Roland de Vaux, Ancient Israel (New York: McGraw
Hill, 1965), vol. 1, p. 218.
224 H istória de I srael no A ntigo T estamento
já que estes fixaram residência nas cidades dos filisteus após serem expul
sos de Hebrom por Josué (Js 11.21,22). Israel, contudo, não achava alguém
que representasse a nação e também Yahweh.
Finalmente Davi entrou em cena. Havia estado em Belém para ajudar o
pai idoso e servir-lhe de emissário em tempos oportunos (1 Sm 17.15).
Não é necessário concluir, como muitos estudiosos o fazem, que a presen
te história e aquela sobre a seleção de Davi como músico da corte são rela
tos conflitantes, somente por Saul não ter reconhecido Davi na ocasião.52
Primeiro, é impossível saber quanto tempo transcorreu desde que Davi
esteve com Saul. E bem conhecido o fato de os adolescentes sofrerem rápi
das mudanças no aspecto físico dentro de um ou dois anos, sendo perfei
tamente possível que Davi (aqui ainda muito jovem) tivesse amadurecido
consideravelmente desde que servira a Saul pela última vez. Além disso,
o estado de saúde mental e emocional de Saul, freqüentemente irregular,
certamente agravou-se durante esse forte período de estresse, talvez a ponto
de sequer reconhecer um velho amigo.
Embora Davi tenha sido enviado para a frente de batalha a fim de levar
suprimento aos seus irmãos, ficou tão ofendido com as maldições proferi
das pelo filisteu que ele mesmo fez-se voluntário para duelar com Golias.
Tomou consigo uma funda e feriu o gigante em nome e pela honra de
Yahweh (1 Sm 17.45-50). Davi, portanto, mostrou desde o início que seu
zelo era santo, como devia ser o zelo do ungido do Senhor. Ele era o rei-
guerreiro que se juntou a Deus contra todos que desafiassem a soberania
de Yahweh.
Davi e Jônatas
52 Ver Otto Eissfeldt em The Old Testament: An Introduction, traduzido por Peter R. Ackroyd
(New York: Harper and Row, 1965), p. 274.
S ' : l : A A liança M ai. C ompreendida 225
considerar a amizade como de pai para filho, em vez de apenas uma ami
zade comum. A diferença na idade é claramente provada pelo fato de Davi,
como já estudado, ter nascido não antes de 1041, enquanto Jônatas já era
líder de vários homens no princípio do reinado de seu pai, por volta de
1050. Talvez Jônatas fosse uns trinta anos mais velho que Davi. Somente
por especulação pode-se dizer que Jônatas não tinha filhos quando conhe
ceu Davi, ou que ficara tão persuadido acerca da eleição de Davi como rei,
que o abraçou como o ungido de Yahweh, mesmo antes de Davi ter assu
mido a função de governante.
Em apoio à última hipótese está a própria renúncia de Jônatas. Ele era
o filho mais velho de Saul e certamente sucederia ao pai no reino. Por isso
Saul advertiu ao filho que enquanto Davi estivesse vivo, Jônatas não teria
como assentar-se no trono, dando continuidade à dinastia de Saul (1 Sm
20.31). Mas Jônatas sabia no íntimo o que na verdade seu pai tentava ne
gar - Davi era um homem segundo o coração de Deus.53 Sendo assim, ele
se despojou de toda ambição política e ascensão social e juntou-se a Davi,
formando um laço de amizade e lealdade indissolúvel. Os dados esclare
cem melhor a natureza da aliança estabelecida entre Davi e Jônatas. Men
cionada pela primeira vez em 1 Samuel 18.1-3, a aliança expressava muito
mais do que amizade. Era um contrato formal pelo qual Jônatas não ape
nas demonstrava amor humano em mais alto nível, mas também pleitea
va para si mesmo o favor de Davi como seu senhor e ungido de Yahweh.54
Há várias outras indicações de que Jônatas acatou a escolha de Davi por
Yahweh. Primeiro, a aliança foi feita mutuamente, mas foi uma iniciativa de
Jônatas, e não vice-versa (1 Sm 18.1, 3b; 20.8,16,17). Segundo, Jônatas sub
meteu-se às mais altas reivindicações de um reinado davídico quando ves
tiu Davi com seu próprio manto (1 Sm 18.4). Depois, reconheceu que Davi
viveria mais do que ele e, como rei, estaria em posição de mostrar favor aos
seus descendentes (1 Sm 20.14,15,42). Também afirmou de maneira clara
que Davi seria o rei, e Jônatas, seu servo (1 Sm 23.17,18). Terceiro, a aliança
foi feita não apenas com Davi pessoalmente, mas também com toda a di-
53 David Jobling defende a idéia de que a seleção de Jônatas como sucessor de Saul já
estava determinada no relato da batalha, em 1 Samuel 14.1-46, onde ele diz que a narra
tiva é pró-Jônatas, identificando este como o homem segundo o coração de Deus ("Saul's
Fall and Jonathan's Rise: Tradition and Redaction in 1 Sam. 14-1-46," JBL 95 [1976]: 371).
Essa idéia pode ser sustentada somente se for descartada a evidência em 1 Samuel 13.13,
onde está registrado que toda a dinastia de Saul (incluindo Jônatas) seria substituída
por outra.
34 Ver Tryggve N.D. Mettinger, King and Messiah: The Cível and Sacral Legitimation of the
Israelite Kings (Lund: C.W.K. Gleerup, 1976), p. 39.
226 H istória de I srael mo A ntigo Testamento
A fuga de Davi
A conspiração de Saul
A ascensão de Davi ao poder promovida por Saul foi uma atitude polí
tica astuta, embora provasse mais a fragilidade psicológica do rei contur
bado. Com grande coragem temperada pela circunspeção e humildade,
Davi saía às guerras, e voltava tão bem-sucedido que não demorou para a
multidão passar a cantar a respeito de seus feitos, quase de forma lendá
ria. O rei Saul achou-se eclipsado e, a partir daquele momento, traçou al
gumas estratégias para livrar-se de seu rival.
Em primeiro lugar, sob influência demoníaca, Saul tentou encravar Davi
com uma lança na parede, pelo menos por duas vezes (1 Sm 18.11; 19.10),
mas Yahweh o livrou de suas mãos. Bastante frustrado, Saul dispensou
Davi da corte, deixando-o apenas dedicado ao serviço militar. Depois, o
rei maquinou um plano pelo qual se veria livre de Davi: obrigou-o a pagar
o preço (mõhar) de cem filisteus mortos, em troca da mão de sua filha Mical.
Isto seria o equivalente a uma alta quantia em prata e ouro (1 Sm 18.25).
Davi não se intimidou e buscou a ocasião, ferindo duzentos filisteus. Quan
do Saul recebeu os relatórios constatando que a tarefa havia sido cumpri
da, tratou imediatamente de fazer os preparativos para o casamento. Saul
passou a ter como genro o inimigo que tentava destruir.
A partir de então Saul passou a manifestar abertamente a intenção de
destruir Davi, fazendo com que o próprio Jônatas soubesse de seus pla
nos. Este, consciente sobre a eleição divina de Davi, buscou fazer seu pai
entender que seria tolice derramar sangue inocente (1 Sm 19.4,5). Tais pa
lavras até ocasionaram uma reconciliação momentânea, mas Saul logo
estava à procura de Davi para o matar; desta vez, enviou alguns assassi
nos para o atacar enquanto estivesse dormindo. Porém Mical, ao tomar
conhecimento do plano, avisou o marido, dando-lhe tempo para escapar e
refugiar-se em Ramá junto ao profeta Samuel (1 Sm 19.18).
Permanecendo lá por pouco tempo, Davi procurou Jônatas mais uma
vez, e juntos planejaram um meio de Davi saber se teria ou não um futuro
na corte de Saul. Na ocasião, a intercessão de Jônatas por Davi era total
mente em vão, porque Saul havia posto no coração que Davi precisava ser
S ‘ \l : A A liança M al C ompreendida 2 2 7
Davi, o fora-da-lei
Davi foi primeiramente para Nobe,55 uma vila no monte das Oliveiras,
onde o sumo sacerdote presidia sobre o tabernáculo. Visto que Aimeleque
(em outra passagem conhecido como Aías; cf. 1 Sm 14.3; 22.9) era bisneto
de Eli, é razoável admitir que ele ou seu pai Aitube removeram o
tabernáculo de Siló e o instalaram em Nobe. Alguns até hoje questionam o
porquê de tal lugar haver sido escolhido. A arca, é claro, ainda estava em
Quireate-Jearim, sob a custódia da família de Abinadabe.
Tendo escapado de Saul apenas com as roupas do corpo, Davi e seus
companheiros estavam famintos e pediram alimento ao sacerdote.
Aimeleque não sabia acerca do desentendimento entre Saul e Davi, de
sorte que lhes providenciou o único alimento disponível: os pães da pro
posição do tabernáculo. Tomando a espada de Golias - que tinha sido
guardada debaixo do éfode, talvez como símbolo da superioridade de
Yahweh sobre os filisteus - Davi partiu em direção a Gate, a terra natal
de Golias.56 Este ato de loucura, acentuado pelas representações teatrais
de Davi, acabou convencendo Áquis, rei de Gate, de que Davi estava de
fato insano. Os profetas extáticos do mundo pagão agiam da mesma ma
neira e, tidos como homens santos, eram isentos de punição, como foi
Davi. O herói hebreu que ferira de morte Golias, obteve o direito de aguar
dar em Gate.57 De fato, Davi procurava um refúgio em Gate, mas o rei
Áquis, por alguma razão, não achou por bem que Davi permanecesse
em seu meio.
Pelos próximos dez anos, Davi viveu uma vida de fugitivo, movendo-
se de um lado para outro, sem nenhuma ajuda visível. Encontrou refúgio
75 Nobe deve ser identificada com a el-'Isãwiyeh (Aharoni e Avi-Yonah, Macmillan Bible
Atlas, p. 181). Entretanto, Denis Baly a identifica com a et-Tor (The Geography of the Bible
[New York: Harper, 1957], p. 162).
56Mazar, "The Philistines and Their Wars with Israel," em World History of the Jewish People,
vol. 3, p. 178, sugere que Gate tenha se tornado um importante centro político dos filisteus,
já que as guerras com os israelitas forçaram os filisteus a proteger muito mais as frontei
ras orientais com Benjamim.
57 Hertzberg, I & II Samuel, p. 183.
22S H istória de I srael no A ntigo T estamento
Davi podia estar fugindo de Saul, mas permanecia sempre bem infor
mado das necessidades de sua parentela. Os filisteus, talvez testando as
intenções de Davi, fizeram uma incursão na cidade de Queila (Khirbet
Qilã), um vilarejo de Judá ao sul de Adulão. Buscando cuidadosamente o
Senhor através do éfode que Abiatar havia trazido de Nobe (1 Sm 23.6),
Davi convenceu-se da vitória e partiu para Queila a fim de libertar seus
conterrâneos. Ciente, Saul marchou rapidamente para o sul com intenção
de emboscar Davi e seus homens dentro da cidade. Davi soube da chega
da de Saul a tempo de escapar, buscando refúgio no deserto de Zife que
ficava pouca coisa ao sul de Hebrom. Ele estava certo de que o povo de
Queila, que ele acabara de salvar dos filisteus, não o defenderia contra
Saul. Uma evidência de que Davi não desfrutava de apoio total nem mes
mo em Judá.
Também os habitantes de Zife provaram ser traiçoeiros, pois não per
deram tempo em informar ao rei de que Davi escondia-se no meio deles.
Sempre um passo à frente, Davi partiu depressa para o deserto de Maom.
Saul também chegou ao local, e por pouco não capturou o exército de Davi.
Mas antes de prosseguir, teve de voltar para o norte, a fim de impedir uma
invasão dos filisteus em seu território. Davi partiu para o oriente, até En-
Gedi (Tel ej-Jurn), às margens do mar Morto.
Incansavelmente, depois de resolver o problema filisteu, Saul voltou à
perseguição. Seguiu Davi até En-Gedi, mas desta vez quase perdeu sua
própria vida, pois Davi estava em uma posição que poderia matá-lo, caso
realmente o quisesse. Sem dúvida o instinto humano requeria que Davi se
livrasse do rei e buscasse o trono. Porém, a percepção divina prevaleceu,
porque Davi sabia que até que o próprio Jeová o removesse, Saul perma
neceria o ungido do Senhor. Ele também reconhecia sua unção divina, mas
isso não significava muito no momento. Tudo o que ele sabia era que Deus,
que o tinha escolhido, o colocaria na posição de poder no tempo dEle.
Temporariamente atraído pela bondade e respeito manifestos por Davi,
Saul decidiu retornar para casa. Davi também partiu de En-Gedi e foi para
o deserto de Parã até o Carmelo (Kirmil), dois ou três quilômetros de Maom
(Khirbet MaTn).
Davi ouvira falar de um homem muito rico chamado Nabal, que vi
via em Maom e era dono de muito gado e vastos territórios no Carmelo.
De novo à beira da fome, Davi pediu àquele homem alimento para si e
para seus homens, o que não era um pedido injusto se considerado o
hábito da apropriação indevida comum aos indivíduos fora-da-lei. Além
disso, com consentimento dos homens de Nabal, Davi protegeu os reba
nhos deste sem qualquer remuneração (1 Sm 25.15). Apesar disso, Nabal
230 H istória de Israel no A ntigo T estamento
Estava claro para Davi que seria apenas uma questão de tempo para
que Saul o alcançasse, de forma que decidiu uma medida drástica - bus
cou asilo junto a Aquis, rei de Gate. Decerto alguns fatores contribuíram
para um clima de mútua confiança entre Davi e o rei dos filisteus. Pri
meiro, não havia coisa melhor para Aquis do que a brecha irreparável
entre Davi e Saul. Sem a presença de Davi, Saul ficava sem um comando
militar forte o suficiente para eliminar os filisteus; sem Saul, Davi ficava
sem uma base local para operar. Segundo, Davi se conduziu entre os
filisteus de modo que m ostrava não haver qualquer interesse em
prejudicá-los. Somente uma vez em seus anos de exílio, em Queila, lutou
contra os filisteus, e assim mesmo foi uma medida defensiva. Terceiro,
A morte de Saul
A fa lta d e n a c io n a lid a d e an te s d e D av i
1 Quanto à terra ("espaço") ser uma necessidade fundamental para a nacionalidade, ver
Walter Brueggemann, The Land (Philadelphia: Fortress, 1977), esp. pp. 28-44.
D avi: O R einado da A liança 237
2 A ligação entre geografia e história é evidente. Para uma importante discussão acerca
da Síria-Palestina, ver o trabalho de George Adam Smith, The Historical Geography of
the Holy Land (London: Hodder and Stoughton, 1900), pp. 43-59.
3 Sobre esse desenvolvimento surpreendente, ver Eduard Y. Kutscher, A History of the
Hebrew Language (Jerusalem: Magnes, 1982), pp. 14-15.
D avi: O R einado da A liança 239
4 Por causa dessa referência Ralph W. Klein conclui, de forma correta, que "é muito difícil
afirmar que Judá foi, nalguma ocasião, completamente incorporado ao reino de Saul".
(1 Samuel, Word Biblical Commentary [Waco: Word, 1983], p. 149).
240 H istória de I srael no A ntigo T estamento
D a v i em H e b ro m
Diplomacia inicial
Que o reino de Davi teria de iniciar em Hebrom não devia causar sur
presa. Ele era da tribo de Judá, e construíra o caminho para o trono através
de seu exílio em Judá, mostrando beneficência para com essa tribo naque
les dias. Reconhecia daramente que Judá era de facto um organismo políti
co, se não étnico em seu próprio direito. Além disso, ainda não havia che
gado o tempo para firmar sua autoridade em Israel, pois Saul tinha deixa
do um filho sobrevivente que, segundo os princípios da dinastia, o suce
deria. E ainda: Abner, primo de Saul, que no momento era a pessoa mais
poderosa em Israel, opunha-se intensamente a Davi, assim como fazia todo
o reino ao norte. Davi preferiu permanecer em Hebrom, onde esperaria
pela direção divina a respeito de sua liderança em todo o Israel.
O que se seguiu durante sete anos em Hebrom foi uma verdadeira obra
de arte de diplomacia governamental. Davi sabia que estava sendo visto
por Israel e Judá como o inimigo de Saul, mas, logo que soube da morte do
rei, compôs uma canção exaltando-o. Neste chamado Hino do Arco (2 Sm
1.19-27),5 o rei é descrito como "a glória" e "o poder". Segundo a canção
de Davi, o rei foi aquele que tinha vestido Israel de roupas finas e vestidos
caríssimos, e Israel tinha de lamentar a sua morte. Tal atitude, sem dúvida
sincera, demonstrou aos outros que Davi considerava Saul em seu interi
or. Qualquer hostilidade que tenha existido vinha somente de um lado e
estava fora do controle de Davi.
A seguir, Davi procurou ganhar o favor do povo de Jabes-Gileade, agra
decendo-lhe pelo gesto de bravura que manifestara ao resgatar os corpos
5 Acerca da autoridade do texto como da autoria de Davi, ver Masao Sekine, "Lyric
Literature in the Davidic-Solomonic Period in the Light of the History of Israelite
Literature," que faz uma análise da forma e conteúdo desses hinos. Em Studies in the
Period of David and Solomon and Other Essays, editado por Tomoo Ishida (Winona
Lake, Ind.: Eiserbrauns, 1983), pp. 2-4. Ver também David Noel Freedman, Pottery, Poetry
and Prophecy (Winona Lake, Ind.: Eisenbrauns, 1980), pp. 263-74.
D av /: O R einado da A liança 241
Davi e Abner
6 Conforme Oxford Bible Atlas, editado por Herbert G. May, 3a edição (New York: Oxford
University Press, 1984), p. 143.
~ P. Kyle McCarter, Jr., II Samuel, Anchor Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1984), p.
86, sugere que o 'is registrado no texto massorético de Samuel é preferível ao 'es em 1
Crônicas 8.33 e 9.39. Araiz em todo caso deve ter sido 'is ("homem"). Os rolos de Qumran
claramente apoiam essa posição.
5 Avraham Negev, ed., Archaeological Encyclopedia of the Holy Land (Englewood, N.J.:
SBS, 1980), pp. 191-92.
242 H istória de I srael \ o A ntigo T estamento
e seus homens foram para Gibeão, onde negociaram com Joabe, um repre
sentante de Davi, possivelmente para tratar da unificação dos dois reinos
(2 Sm 2.12,13). Sem um acordo pacífico, Abner sugeriu que a questão fosse
decidida em um confronto armado: cada lado escolheria doze homens para
um combate corpo-a-corpo, o vencedor do qual assumiria a soberania de
todo o povo. Os homens de Davi saíram vencedores e Abner teve de fugir
com os inimigos em seu encalço. Infelizmente, Asael, irmão mais novo de
Joabe, escolheu perseguir Abner, o guerreiro experiente que, em defesa
própria, matou o jovem. Joabe e seu irmão Absai continuaram na perse
guição, mas Abner encontrou refúgio entre seus irmãos benjamitas, fican
do a salvo. Sua pergunta a Joabe na ocasião é bastante interessante: "Até
quando te demorarás em ordenar ao povo que deixe de perseguir a seus
irmãos?" (2 Sm 2.26). Não há talvez uma tentativa de paz aqui? Não esta
ria Abner à procura de reconciliação, já que era inevitável a tendência que
conduzia Davi ao trono?
O historiador responde a estas perguntas enfatizando que, durante os sete
anos que reinou em Hebrom, Davi fortalecia-se continuamente, ao passo que
a dinastia saulida enfraquecia-se cada vez mais (2 Sm 3.1). Evidências do for
talecimento de Davi podem ser vistas na multiplicação de suas esposas e fi
lhos, uma prática comum aos monarcas do Oriente Médio, embora não san
cionada pela Lei bíblica. Além dos filhos de Abigail e Ainoã, Davi gerou
Absalão de Maaca, Adonias de Hagite, Sefatias de Abital, e Itreão de Eglá. E
importante observar Maaca, pois ela é identificada como filha de Talmai, rei
de Gesur. É uma sugestão de que alguns casamentos de Davi foram realiza
dos com fins diplomáticos internacionais.9 Gesur aqui é provavelmente um
reino que ficava ao leste do mar de Quinerete.10 Uma aliança com um reino
desse tipo era extremamente importante para Davi, servindo-lhe de "esta
do tampão" entre Israel e os crescentes estados arameus do norte.
Proporcional à influência de Davi era a percepção de Abner de que
somente ao lado de Davi poderia esperar algum futuro. Havia feito tudo
para apoderar-se do trono - inclusive apossar-se da concubina de Saul - e
mesmo assim fracassou. Passou a explorar os meios pelos quais usaria sua
influência a fim de entregar Israel a Davi, assegurando pelo menos uma
posição como a que tinha com Saul. O próprio envolvimento com Rispá,
9 Jon D. Levenson e Baruch Halpern, "The Political Import of David's Marriages," JBL 99
(1980): 507-18.
10 Yohanan Aharoni, The Land of the Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), p. 38. De
pois que Absalão matou Amnon, fugiu para Gesur, a terra natal de sua mãe (2 Sm
13.37,38).
D avi: O R einado da A liança 243
i: James C. Vanderkam tenta mostrar que os assassinatos de Abner e Is-Bosete foram uma
conspiração armada pelo próprio Davi ("Davidic Complicity in the Deaths of Abner
and Eshbaal: A Historical and Redactional Study," JBL 99 [1980]: 521-39). Essa tese ba-
244 H istória de I srael no A ntigo T estamento
C rô n ic a s e h is tó ria te o ló g ic a
seia-se em uma alegação sem fundamento de que a narrativa original incriminava o rei
Davi, mas posteriormente foi profundamente modificada para beneficiar o partido pró-
davídico, de forma que sua cumplicidade é praticamente impossível de ser detectada.
12 Os assassinos são identificados como benjamitas, habitantes de Beerote, situada na fron
teira do território dos filisteus. Visto que os beerotitas aparentemente tiveram de fugir
de sua tribo natal num determinado tempo passado (2 Sm 4.2b-3), pode ser que Saul os
tivesse perseguido (cf. 2 Sm 21.1,2). O assassinato de Is-Bosete pode ter sido um ato de
vingança. Por outro lado, Hans W. Hertzberg conjectura que a expulsão dos beerotitas
seguiu o assassinato de Is-Bosete (I & II Samuel [Philadelphia: Westminster, 1964], pp.
263-64).
D avi: O R einado da A liança 245
J e ru s a lé m , a ca p ita l
15 G.W. Ahlstrõm oferece uma sugestão interessante, mas biblicamente indefensável. Ele
afirma que Davi era um jebuseu para quem Jerusalém não era uma cidade neutra. Isto
supostamente explicaria a facilidade com que ocupou a cidade, além de alistar como
seu sacerdote o jebuseu Zadoque ("Was David a Jebusite Subject?" ZAW 92 [1980]: 285
87). George E. Mendenhall não vai tão longe, mas sugere que Davi se apoderou de Jeru
salém e de outras cidades cananéias a fim de que pudessem prover uma infra-estrutura
urbana necessária para conduzir Israel de seu estágio tribal para um estado monárquico
digno. Porém, ao fazer isso, o rei Davi acabou levando o povo a uma paganização de
seus ideais teocráticos ("The Monarchy," Interp. 29 [1975]: 161-66).
248 H istória de I srael no A ntigo T estamento
mado pelos textos de Ebla16 e, sem dúvida, pela referência a Salem, a cida
de do rei-sacerdote Melquisedeque (Gn 14.18).17 As Cartas de Amarna
reconhecem Jerusalém como a principal de todas as cidades de Canaã da
quele período.18 Josué e os israelitas guerrearam contra Adoni Zedeque,
de Jerusalém, durante a campanha para o sul (Js 10). Se naquele tempo a
cidade não conseguiu ser tomada por Josué, é certo que veio a ser con
quistada após a sua morte (Jz 1.8); apesar de a população de jebuseus ter
recebido permissão para permanecer na cidade, realmente a conquista
ram pouco tempo depois (Jz 1.21). A cidade viveu praticamente sem se
importar com a dominação israelita, até que Davi finalmente a reconquis
tou e fez dela sua capital.
A longa história da independência de Jerusalém, como uma ilha no
mar de israelitas, pode ser praticamente atribuída à sua situação geo
gráfica, que lhe dava grandes condições de defesa. Esta vantagem e as
citadas anteriormente chamaram a atenção de Davi. Mas também in
cluía um problema real. Como tomariam a cidade sem um longo e cus
toso cerco?
Como era característico de todas as cidades muradas de Canaã, Jerusa
lém tinha uma passagem vertical de águas conectada a um túnel ligado a
uma fonte subterrânea fora das muralhas.19 Sendo o sistema necessário
para a sobrevivência de uma cidade cercada, também apresentava o mai
or perigo, já que providenciava acesso para qualquer um que achasse a
entrada. De alguma forma Joabe encontrou o túnel pelo lado de fora e,
através dele, atacou a cidade. Embora em descrédito por causa da morte
de Abner, ele foi honrado como herói por ter aberto Jerusalém para Davi
efetuar a conquista. Israel possuiu o pequeno monte de Ofel, que veio a
ser conhecido como Sião ou Cidade de Davi. Davi construiu (ou recons
truiu) as fortalezas para o oriente (i.e., o Milo), expandiu as cidades, mul
tiplicando dessa forma seu poder defensivo.20
16Jan Jozef Simons, Jerusalem in the Old Testament (Leiden: E.J. Brill, 1952).
17 Gordon J. Wenham, "The Religion of the Patriarchs," em Essays on the Patriarchal
Narratives, editado por A.R. Millard e D.J. Wiseman (Winona Lake, Ind.: Eisenbrauns,
1983), p. 195.
18 Charles F. Pfeiffer, Tel El Amarna and the Bible (Grand Rapids: Baker, 1963), pp. 50-51;
Roland de Vaux, The Early History of Israel (Philadelphia: Westminster, 1978), pp.
103-4.
19 Kathleen Kenyon, Jerusalem (New York: McGraw-Hill, 1967), pp. 19-31. Quanto à natu
reza e ao curso desse sistema, ver Arie Issar, "The Evolution of the Ancient Water Supply
System in the Region of Jerusalem," IEJ 26 (1976): 131-33.
20 Kenyon, Jerusalem, pp. 49-51.
D avi: O R einado da A liança 249
O e s ta b e le c im e n to d o p o d e r d e D a v i
O problema filisteu
castigo dos filisteus, como um aliado potencial em sua guerra contra Isra
el. E verdade que Davi não tomou uma atitude ofensiva contra Saul, mas
ele próprio era politicamente um fator divisor que drenava as forças de
Saul, as quais estariam, de outra maneira, direcionadas contra os filisteus.
E provável que os filisteus tenham conseguido maior controle da região
de Jezreel enquanto Saul estava ocupado com Davi no sul.
Em todo caso, Davi não fez nada para desestimular as esperanças dos
filisteus. Deu provas de que estava interessado em aproximar-se deles e
afastar-se de Saul. Isto se expressou na forma da aliança feita com Aquis,
de Gate, na qual se fez de vassalo dos filisteus (1 Sm 27.5-7).22 Assim Davi
garantiu um território inalienável (Ziclague) e segurança contra Saul. O
pacto também o obrigava a combater as guerras dos filisteus, um requisi
to que quase o levou a lutar contra seu próprio povo.
Parece quase certo que, na ocasião da morte de Saul, Davi retomou a Judá
ainda na condição de servo de Aquis, embora também estivesse na condição
de rei de Judá em potencial. Estava claro para os filisteus que Davi gozava de
uma enorme popularidade entre os habitantes de Judá e, semelhantemente,
que os moradores de Israel ainda o tinham como um inimigo. Seria extrema
mente vantajoso para os filisteus que as desavenças entre Judá e Israel conti
nuassem a existir, ficando assim divididos, de forma que Davi se tornasse o
cabeça de um estado que, nominalmente, estaria sob o domínio dos filisteus.
Davi, é claro, queria manter a aliança fictícia com os filisteus, já que tinha o
problema da sucessão real no norte. Pode-se imaginar que Davi tenha se es
forçado para manter as negociações com Abner em total sigilo.
Não é possível provar se tal hipótese do relacionamento entre Davi e os
filisteus é correta ou não, mas o fato é que os filisteus não perturbaram
Davi até o momento em que souberam da sua coroação em todo o Israel.
Somente então, e tarde demais, descobriram que seu amigo tinha sido um
truque para alcançar o objetivo final - a unificação de Israel. Lançaram-se
então em um ataque contra Davi em Refaim (el-BuqePa), um vale situado
pouco ao sul de Jerusalém. A batalha está descrita em 2 Samuel 23, onde o
narrador informa que Davi fez da caverna de Adulão sua base, enquanto
os filisteus estavam entrincheirados em Belém, 24 quilômetros acima do
vale em direção nordeste.23 Na ocasião, três dos heróis de Davi arriscaram
22 P. Kyle McCarter, Jr., I Samuel, Anchor Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1980), pp.
414-15.
23 Isso é o que dá base para a teoria de que o ataque dos filisteus aconteceu antes que Davi
cercasse a cidade de Jerusalém, pois, por que ele estaria em Adulão se já estava moran
do em Jerusalém? 2 Samuel 5.17 diz que os filisteus "subiram... a procura dele", ou seja,
na caverna de Adulão (cf. 2 Sm 23.13,14).
D avi: O R einado da A liança 251
suas vidas para roubar água para o rei tirada da fonte próxima ao portão.
Como os filisteus chegaram a Belém e como foram desalojados, não está
especificado. Contudo, somos informados de que Davi conseguiu vencê-
los em Baal-Perazim (talvez Sheikh Bedr).24
Audaciosos, os filisteus partiram novamente para lutar no vale de
Refaim, mas outra vez foram derrotados. Davi agora perseverou em ex
pulsar os filisteus não apenas da região sul e sudoeste de Jerusalém, mas
também do norte e do oeste. Portanto, conseguiu isolar Jerusalém da ame
aça filistéia de invasão, e isto facilitou em seguida a tomada da cidade do
domínio dos jebuseus.
A construção do tabernáculo
Israel [Philadelphia: Westminster, 1984], p. 56). Porém, visto que todos os estudiosos
concordam que Hirão foi contemporâneo de Davi apenas em seus últimos dez anos,
então por que o tratado e o programa de construções não podem ser encaixados nesse
período (ca. 980)? É preciso ter em mente que Hirão não podia estar reinando durante
os primeiros anos do reinado de Davi em Jerusalém (ca. 1004-1000), pois, uma vez que
seu reinado durou trinta e três anos, não haveria como ainda estar vivo durante os anos
do rei Salomão (971-931); no máximo já teria morrido por volta de 970. O templo de
Salomão foi construído pelos engenheiros de Hirão em 966 (1 Rs 6.1) e, segundo os
registros, este rei ainda estava reinando no décimo segundo ano de Salomão (ca. 951; 1
Rs 9.10-14). E possível sugerir que a data mais remota para o início do reinado de Hirão
foi 984, segundo essa linha de raciocínio. O ano 980, então, parece ser uma opinião
bastante sensata. Herbert Donner desfaz o problema de Davi e Hirão dizendo que a
referência de 2 Samuel 5.11 não é histórica, pois fala de um relacionamento que na ver
dade existiu entre Hirão e Salomão ("Israel und Tyrus in Zeitalter Davids und Salomos,"
JNSL 10 [1982]; 43-52).
27 Cogan, "Chronicler's Use of Chronology," em Empirical Modles, editado por Jeffrey H.
Tigay, pp. 197-209. Hayim Tadmor tem demonstrado que era muito comum nas inscri
ções reais dos assírios encontrar registros indicando que as construções nos templos e
restaurações eram feitas no primeiro ano daquele reinado, quando, na realidade, as obras
tinham acontecido muitos anos depois que o rei havia assumido o trono ("History and
Ideology in the Assyrian Royal Inscriptions," em Assyrian Royal Inscriptions: New
Horizons in Literary, Ideological, and Histocial Analysis, editado por F.M. Fales [Roma:
Instituto per L'Oriente, 1981], pp. 21-23).
D a v i: O R einado da A liança 253
:s Samuel estava particularmente ligado com Mispa (1 Sm 7.5; 10.17), Gilgal (1 Sm 10.8;
11.14) e Ramá (1 Sm 8.4; 15.34; 16.13), embora não haja evidências de atividade religiosa
e de culto em Ramá.
29 A linguagem da passagem "Saul... foi escolhido" é uma reminiscência da descrição do
processo pelo qual o culpado Acã "foi descoberto" (Js 7.16-19), um processo que estava
ligado ao método de seleção divina (Js 7.14) e da presença de Yahweh (Js 7.23). Que o
254 H istória dt ] srael no. A ntigo T estamento
éfode estava envolvido nas duas situações é confirmado por 1 Samuel 14.40-42 onde,
pelo mesmo processo, Jônatas foi descoberto, por causa da violação do mandamento
dado por seu pai. Ver Klein, 1 Samuel, pp. 96-97,140.
D w i: O R einado da A liança 255
apóia a nossa teoria de que a arca não foi trazida a Jerusalém senão nos
últimos dias do reinado de Davi.
U m a in tro d u ç ã o à c ro n o lo g ia d a v íd ic a
Neste ponto será válido atentar para a cronologia dos principais aconte
cimentos na vida de Davi.30 Não há dúvidas quanto à data da conquista de
Jerusalém (ca. 1004) e de sua morte (971). As demais datas não são tão cla
ras, mas algumas sugestões podem ser feitas. Primeiramente, embora a ida
de de Salomão quando assumiu o trono não possa ser datada com precisão,
não resta dúvida de que era ainda muito jovem. Em sua oração feita em
Gibeão, ele se diz "uma criança" e, mesmo considerando aqui a presença de
uma hipérbole, seria um embaraço uma idade além de vinte anos (1 Rs 3.7).31
Além disso, quando Davi estava fazendo planos para construir um templo,
referiu-se a seu filho como "moço e inexperiente" (1 Cr 22.5; 29.1). Se Salomão
não tinha mais de vinte anos quando subiu ao trono, provavelmente então
não passava de dezoito quando Davi tratou com ele acerca da construção
do templo (1 Cr 22.6-16; cf. 23.1). Salomão então deve ter nascido em 991,
treze anos após Davi ter tomado a cidade de Jerusalém.32
O nascimento de Salomão ocorreu um ou dois anos depois que seu pai
envolveu-se num relacionamento adúltero com Bate-Seba. Provavelmente
Salomão nasceu durante a época em que Joabe conduzira Israel na peleja
contra os amonitas em Rabá. Uma data apropriada para essa guerra é 993.
Essa é a última batalha de Davi antes de fugir de Absalão, e há boas razões
para acreditar que também foi cronologicamente a última. Com exceção de
2 Samuel 8, que é um catálogo das conquistas no estrangeiro e não propria
mente parte da narrativa, os outros episódios militares parecem estar des
critos exatamente na ordem em que os acontecimentos ocorreram.
30 O que segue é uma breve panorâmica do problema que envolve a cronologia da vida de
Davi e sua resolução. Esse assunto é discutido exaustivamente em Eugene H. Merrill,
"O Ano da Ascensão e a Cronologia de Davi," JANES 19 (1987). A ser publicado.
31 A frase na ar qãtõn foi usada, em outras ocasiões, para descrever o moço que apanhava
as flechas de Jônatas (1 Sm 20.35), a pele de Naamã após sua cura miraculosa (2 Rs 5.14),
a criança escatológica que guiará animais selvagens (Is 11.6), o príncipe edomita Hadade
(1 Rs 11.17) e os rapazinhos que zombaram de Eliseu (2 Rs 2.23). Sem qualquer uma
exceção, o que temos aqui são crianças ou adolescentes. Ver Francis Brown, S.R. Driver
e Charles A. Briggs, A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament (Oxford:
Clarendon, 1962), pp. 654-55.
32 Isso está baseado nas datas acerca do reinado de Salomão (971-931) que são universal
mente aceitas.
D ■!: O R einado da A liança 257