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Lição 2

A NATUREZA DO HOMEM

Cobrimos uma parte muito significativa de nossa jornada na lição


anterior. Algumas das coisas estudadas podem ter sido novidades para
você, porém o mais importante a ser aprendido é que o homem é uma
criação especial de Deus. Ele existe porque o Criador assim o quis. O
ser humano mantém uma relação única com o restante da Criação e
com o próprio Deus.
Nesta lição nos dedicaremos a estudar a natureza humana. O modo
como entendemos ser, influencia diretamente nossos comportamentos,
afeta a maneira como lidamos com nossos corpos e com nossa alma. Até
mesmo nossos relacionamentos são influenciados por este entendimento,
posto que nos damos com outros seres humanos, cujas constituições
são como as nossas. O correto entendimento sobre a natureza humana,
portanto, é fundamental para não cultivarmos ideias erradas sobre nós,
sobre o próximo e a respeito de nosso Deus. Tudo se torna ainda pior
no momento em que estas concepções errôneas são postas em lugar
das Escrituras, o que, infelizmente, tem acontecido em larga escala não
somente nos ambientes seculares e acadêmicos, mas, até mesmo nas
igrejas e seminários!

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Esboço da lição

1. É natureza Material
2. Sua Natureza Total
3. Origem da Alma
4. Considerações Finais

Objetivos da lição

Ao concluir o estudo desta Lição, você deverá ser capaz de:


1. Explicar, conforme ensina a Bíblia, que o corpo físico do
homem foi criado para ser bom e relacionar as doutrinas
bíblicas que cuidam da existência corporal do homem;
2. Resumir as duas principais ideias sobre a natureza total do
homem e mostrar o como essas visões diferem quanto à
natureza interior do ser humano;
3. Apresentar as três principais concepções sobre a origem da
alma humana.

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40 TEXTO 1
É NATUREZA MATERIAL
É indispensável que saibamos a verdade a respeito de nossos corpos
físicos, posto que o entendimento equivocado nos levará ao destrato
As doutrinas do Homem e do Pecado

deles. O desmando contra o corpo acontece ou por ascetismo ou por


lesões diretas. Não é incomum que cristãos acolham ideias erradas
quanto aos seus corpos e os tratem de forma a negar a plena glória que
há neles. Portanto, nos concentraremos naquilo que a Bíblia ensina sobre
o corpo humano para aprendermos a conviver com a glória neles repre-
sentada e com a humildade a eles recomendada.

Criação e corpo do homem

A experiência corpórea e sensorial do homem é real, ainda que


algumas pessoas insistam em negar a realidade física da existência.
Quanto ao nosso corpo, a Bíblia ensina que Deus formou o homem
do pó (Gênesis 2.7). O termo pó não é figurado; o Criador nos fez de
elementos presentes no mundo! Contudo, essa palavra tem outras impli-
cações que não podemos desprezar.
Realizei um estudo sobre o uso do termo pó na Bíblia. Para começar,
ele se refere à condição humilde e pequena do homem ante a glória de
Deus. Na maioria de suas ocorrências, a palavra pó está ligada à tristeza,
ao arrependimento, à morte e ao julgamento. Nalguns casos, ela é usada
em ações simbólicas que expressam desprezo e ódio. Logo, sermos feitos
do pó nos impõe reconhecer o aspecto humilde de nossos corpos.
O corpo humano foi criado por Deus, tanto quanto as duas outras
porções imateriais do homem (sua alma e seu espírito). E por ser feito
pelo Criador, o corpo não é mal em si mesmo. Verifiquemos isso à luz
das Escrituras, especialmente em Gênesis 1.31: ao completar a obra de
todas as coisas que tinha feito, Deus disse que tudo era “muito bom”.
Portanto, é inconcebível que o corpo humano, ou qualquer outra coisa
criada por Deus seja inerentemente má.
A possibilidade de que o corpo humano seja mau nos colocaria em
sérias dificuldades teológicas. Ora, se cremos que o Senhor Jesus, além de
verdadeiro Deus, é verdadeiro homem, então o seu corpo é inerentemente
mau, também. Isso, prezado Aluno, é impossível de se aceitar! A verdade,
então, é que todas as funções do corpo humano são boas e úteis. Deus
criou o corpo do homem do modo como ele é, e o corpo, bem como as
coisas que ele faz, são muito boas. Descrer disso é discordar de Deus; 41
alguém se habilita fazê-lo? O corpo é um bom presente de Deus para nós.
Outra prova de que o corpo humano, como obra da criação de
Deus, é muito bom está no fato de que ele não é um empecilho para que

Lição 2 - A Natureza do Homem


o homem viva em santidade à semelhança de Deus. Quando do princípio
da história humana, o homem pôde gozar de nobreza elevada e de simili-
tude com o Senhor, e poderia tê-lo feito por tempo indeterminado, pois
o acesso ao fruto da árvore da vida lhe daria existência física ilimitada.
A doutrina bíblica da ressurreição ensina que os corpos dos salvos
serão glorificados. Glorificados, sim, mas ainda corpos! E eles não serão
um obstáculo ao nosso serviço e devoção eternos. Assim sendo, não existe
lugar nas Escrituras em que nossos corpos sejam tratados como sendo
maus, como uma prisão da alma (que é um ensinamento muito particular
de escolas filosóficas). O corpo humano é um presente de Deus ao homem
e nos compete glorificar ao Criador com ele (1 Coríntios 6.20). Paulo vai
mais longe ao dizer que nossos corpos são “membros de Cristo” (1 Corín-
tios 6.15). Isso certamente lhes dá um lugar exaltado aos olhos de Deus.

As doutrinas bíblicas e o corpo do homem

Existem quatro doutrinas bíblicas especialmente relacionadas à existência


corporal do homem; são elas (1) a doutrina do pecado, (2) a doutrina da encar-
nação, (3) a doutrina da salvação, e (4) a doutrina da ressurreição.

A Doutrina do Pecado
Que relação há entre o corpo humano e o pecado? Uma resposta
antibíblica sugere que nossos corpos são a sede ou mesmo a fonte do
pecado. Obviamente, não é o que a Bíblia ensina. O Novo Testamento,
mui especialmente as cartas do apóstolo Paulo, afirmam algo diferente
sobre a origem do pecado humano. O Antigo Testamento faz as mesmas
afirmações – ainda que em quantidade menor.
Uma boa maneira de iniciar essa investigação a respeito do pecado
e de sua relação com o corpo humano seria recorrer à uma concor-
dância bíblica para pesquisar o uso da palavra carne nas Escrituras. Você
descobrirá que nem sempre esta palavra pode ser interpretada como os
músculos que se prendem aos ossos. Conforme o contexto da passagem,
carne significa a natureza corrompida do ser humano que está, claro,
em rebelião contra Deus. Uma leitura atenta da Bíblia pode nos mostrar
42 uma quantidade razoável de vezes em que o termo carne é empregado
como sinônimo de depravação ou pecado. Nestes textos o apóstolo
Paulo deixa claro que a origem do pecado humano é a natureza do
homem, e não o seu corpo físico.
As doutrinas do Homem e do Pecado

Certa feita, um de meus alunos, um homem inteligente e espiri-


tualmente perceptivo, descreveu-me uma prática que ilustra o que
estou dizendo. Discutíamos as palavras de Cristo em Mateus 5.30:
“E, se a tua mão direita te escandalizar, corta-a e atira-a para longe de
ti”. Obviamente não devemos interpretar esta passagem literalmente,
contudo, disse aquele estudante, em sua terra natal essa prática é literal-
mente aplicada. Ele fez lembrar a ocasião em que um ladrão foi pego
e teve sua mão decepada. Recuperado do golpe, o ladrão voltou ao
crime e foi preso novamente, e teve a mão que lhe sobrara cortada
fora também. É difícil crer, mas tempos depois, ele foi preso outra
vez, praticando roubo com os tocos de braço que lhe restaram. Ora,
o pecado daquele marginal não estava em suas mãos, mas em sua
natureza interior, às vezes chamada pela Bíblia de carne.
Nos textos de Romanos 7.18 e 8.8 o apóstolo Paulo não se refere ao
seu corpo físico como se nele nada houvesse de proveitoso, ou como se as
partes do corpo não pudessem servir para agradar a Deus. A parte de nossa
natureza que se opõe ao Criador e ao que é justo e santo não é corpórea.
Biblicamente o corpo é pecaminoso por ser a ferramenta de nossos desejos
malignos, pois é em nossos corpos que estes desejos encontram expressão.

A Doutrina da Encarnação
Mais que qualquer outra, é a doutrina da encarnação que nos
assegura que o corpo humano é uma obra boa da criação. O caso é que
o corpo terreno de nosso Senhor Jesus é um corpo verdadeiramente
humano, ainda que haja sido sobrenaturalmente concebido. Comecemos
pelas provas bíblicas sobre a perfeita natureza humana de Cristo, incluin-
do-se, aí, o seu corpo de homem:
– Gálatas 4.4 indica que Cristo nasceu de uma mulher;
– Lucas 2.52 demonstra que o corpo de Cristo se desenvolveu
fisicamente como qualquer corpo humano;
– 1 João 1.1-3 prova que o corpo de Cristo estava sujeito às mesmas
relações sensoriais que os corpos de qualquer um de nós;
– 1 João 4.2-3 esclarece que o espírito do Anticristo nega que 43
o corpo de Jesus fosse verdadeiramente humano.
Cristo, então, fez-se carne exatamente como nós somos carne. Ele foi
igual a nós em tudo, exceto no que se refere a estar sob a influência do

Lição 2 - A Natureza do Homem


pecado. Ele nasceu em condições normais. Ele cresceu e amadureceu como
dá-se normalmente com qualquer menino. As funções de seu corpo eram
idênticas às nossas próprias. Como explicou o apóstolo Paulo, Deus enviou
o Seu filho em “semelhança da carne do pecado” (Romanos 8.3). Que quer
isto dizer? Que o corpo (carne) de Cristo era igual (semelhante) ao nosso,
mas não era exposto ao pecado. Se não tivesse um corpo como o nosso, Jesus
não poderia ser chamado de verdadeiro homem, pois seria um fantasma.

A Doutrina da Salvação
A obra redentora de Cristo no Calvário inclui cada parte consti-
tuinte do ser humano, e não somente o seu espírito. Paulo confirma,
pela divina inspiração, que os nossos corpos são templos do Espírito
Santo (1 Coríntios 6.19). Bastaria isso para provar que nossos corpos são
alcançados pela salvação. Mas a Bíblia vai além! De acordo com 1 Corín-
tios 15.34 e 35, haverá uma mudança fantástica nos corpos dos salvos
quando do arrebatamento. Naquele dia bendito, o corpo do homem vai
ser transformado de sua atual condição de decadência tornando-se em
corpo glorificado como o do próprio Cristo é (Filipenses 3.21). Muito
embora não conheçamos os detalhes deste evento, é certo que nós crentes
experimentaremos um novo nível de existência (1 João 3. 2).

A Doutrina da Ressurreição
Cristo é chamado de “primícias dos que dormem” pois a Sua ressur-
reição foi diferente das demais contadas na Bíblia ou ocorridas em
toda a história (1 Coríntios 15. 20-23). Como primogênito dos mortos,
Ele é o garantidor de nossa própria ressurreição, o que demonstra o
quanto os nossos corpos são importantes para Deus. A ressurreição dos
santos mortos, e até dos condenados mortos, prova o quanto o corpo
do homem é importante para a plenitude de seu ser. De fato, a Bíblia
ensina que desprovido do corpo o ser humano é incompleto. Em 2
Coríntios 5.1 o apóstolo Paulo refere-se ao corpo terreno como sendo
“casa terrestre”, e ao corpo glorificado como um edifício de Deus. Logo
a seguir, ele expressa o desejo profundo de ser revestido da habitação
espiritual.
44 A finalidade da ressurreição não é libertar o homem do corpo, mas
glorificar o corpo para que o salvo esteja íntegro e inteiro para a vida
eterna. Aliás, os corpos que Deus nos deu eram nossos, estavam sob
nosso controle. Isso mudou por causa do pecado que passou a militar em
nossa carne. Haverá um dia, porém, em que seremos totalmente vestidos
As doutrinas do Homem e do Pecado

de glória e de incorruptibilidade. A glória deste corpo imortal excederá


infinitamente a glória do corpo terreno (1 Coríntios 15.42).

EXERCÍCIOS
2.01 Localize em uma concordância bíblica a palavra pó e relacione
algumas referências nas quais essa palavra refere-se ao homem
como uma criatura feita do pó.
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2.02 Reserve um tempo para considerar como você trata seu corpo.
Você tem alguma atitude errada em relação a isso?
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2.03 No contexto do que estamos estudando, o que a encarnação de


Cristo nos ensina sobre o corpo humano?
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2.04 Declare como Gênesis 1.31 mostra que o corpo físico que Deus
criou para o homem não era mau em si mesmo.
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2.05 Associe cada doutrina bíblica com a declaração da evidência 45
bíblica a que se refere, no contexto do que temos estudado sobre
o corpo do homem.
Coluna “A”

Lição 2 - A Natureza do Homem


___ a) O corpo humano de Cristo prova que todos os corpos
humanos são bons em si mesmos.
___ b) O corpo glorioso de Cristo é a garantia de corpos glori-
ficados para os salvos.
___ c) Alguns corpos humanos são a morada do espírito de
Deus na terra.
___ d) Os corpos humanos são uma frequente ferramenta para
a expressão de desejos malignos.
Coluna “B”
1. Doutrina do pecado
2. Doutrina da encarnação
3. Doutrina da salvação
4. Doutrina da ressurreição

TEXTO 2
SUA NATUREZA TOTAL
Deus criou o homem com um corpo. Isso é diferente de dizer que
o homem é um corpo. E ainda mais que isso: embora tenha um corpo, o
homem é um ser espiritual! É isso o que o distingue dos animais. O ser
humano é feito do pó, uma mistura de elementos e produtos químicos,
mas pelo fôlego que Deus soprou em Adão a poeira vive, pensa, fala e até
adora a Deus. A Bíblia explica e prova que o espírito do homem sobrevive
à morte do corpo (Filipenses 1.22-23).
Que o homem é um ser espiritual, portanto, todos os cristãos concordam.
Mas não existe unanimidade sobre a natureza exata desta condição espiritual.

A Tricotomia

O sentido geral de tricotomia é a divisão em três partes, classes ou


elementos. Neste estudo, ela se refere ao fato de que a natureza humana
46 se divide em espírito, alma e corpo. Ao lado de corpo, a palavra carne
(σάρξ, sarx) é empregada para se referir à natureza física do homem.
Como agora já não restam dúvidas sobre o corpo, voltemos à alma e ao
espírito, começando pela dúvida de serem eles partes independentes da
natureza interna do homem. Nós, tricotomistas dizemos que sim. Vamos
As doutrinas do Homem e do Pecado

entender esse argumento?


Gênesis 2.7 diz que o Senhor Deus formou “o homem do pó da
terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito
alma vivente”. G. C. Berkouwer está correto ao dizer que a ênfase desta
passagem está na criação e não na constituição do homem. Mesmo
assim, chama a atenção o fato de que o versículo distinga apenas dois
elementos da natureza do homem, a alma e o corpo. Quanto a isso, os
tricotomistas argumentamos que embora o livro de Gênesis não indique
a natureza tríplice do homem, a Bíblia a revela progressivamente – algo
muito semelhante ao que acontece com tantas outras doutrinas bíblicas.
A linguagem bíblica denota a tricotomia do homem. Verificamos isso
pelo emprego de três diferentes palavras: espírito (πνεύμα, pneuma), alma
(ψυχή, psique) e corpo (σώμα, soma). Lendo a Bíblia, podemos ter a impressão
de que espírito e alma são sinônimos, mas não são! De fato, nalgumas passa-
gens a menção de um pressupõe o outro, mas ambas as partes são distintas.
Uma boa forma de entender é assumir a alma como sede das emoções
humanas, a fração passional do homem. O espírito, por seu turno, elevado
que é, comunica-se com Deus, mas ficou mortificado pela queda do homem
no Éden, deixando que o ser humano fosse governado por sua alma. Contudo,

A DIVISÃO DA ALMA E DO ESPÍRITO Muita gente acredita que o espírito, pela nobre
Por Gunar Berg função que tem de comunicar-se com Deus, não
será lançado ao inferno, cabendo isso apenas
Sempre ensino aos meus alunos que em Teolo- à alma do homem ímpio. E para sustentar essa
gia a resposta mais fácil é, quase sempre, a cor- argumentação, há quem mencione Eclesiastes
reta. E por quê? Simples! Deus nos deu a Bíblia 12.7 que diz “e o espírito volte a Deus, que o
para esclarecimento, e não para confusão. Então, deu”. E como refutação a isso, não pouca gente
vamos às perguntas e às suas simples respostas. diz que o texto em questão descreve a morte de
O espírito e a alma são distintos? Sim, eles um justo. Vamos pensar juntos?
são. É o que lemos com excesso de simplicidade Refutar este argumento dizendo que o capí-
e clareza no texto na primeira carta aos crentes tulo doze de Eclesiastes conta sobre a morte de
de Tessalônica (5.23). Se não fossem elementos um servo de Deus não está correto, pois o texto
diferentes, Paulo não os citaria assim.
bíblico em questão é um alerta aos que vivem
Após a morte, os destinos do espírito e da segundo a vista de seus próprios olhos – con-
alma são os mesmos? Sim, são os mesmos. sulte o capítulo 11.7 (e não se esqueça de que
a partir da regeneração operada no homem pela salvação em Cristo, o espírito 47
é vivificado e tudo no homem muda a partir de então. Como vemos, estas
diferenças muito significativas no vocabulário e nas funções do espírito, da
alma e do corpo demonstram largamente a natureza tricotômica do homem.

Lição 2 - A Natureza do Homem


Há duas passagens bíblicas emblemáticas que fundamentam a trico-
tomia do ser humano: “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo;
e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados
irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Tessa-
lonicenses 5.23); e “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais
penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão
da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os
pensamentos e intenções do coração” (Hebreus 4.12).
Devemos lembrar, ainda, que Paulo exorta os crentes de Filipos
a que se mantenham firmes no “espírito” e no “ânimo” pela fé do
evangelho (Filipenses 1.27). Ora, se o apóstolo dos gentios considerasse
que o espírito é sinônimo da alma, então ele não os citaria distintamente,
pois isso seria desnecessário, redundante.
Ainda sobre a passagem de 1 Tessalonicenses 5.23 ninguém pode
ignorar que cada uma das três partes constituintes de nosso ser foi citada
ali. E Hebreus 4.12 garante que a Bíblia, e somente ela, pode penetrar
até a divisão da alma e do espírito.
Agora, muita atenção! Embora nos declaremos tricotomistas, é fato
que nem todos os argumentos tidos por tricotômicos são esposados por

quando foi escrita, a Bíblia não se encontrava 9.27). Logo, aquilo que suceder à alma, dar-se-á
dividida em capítulos e versículos). Como se vê, também com o espírito, e o destino em questão
o assunto iniciado em Eclesiastes 11 progride é arbitrado por Deus, que os fez!
para o capítulo doze: é uma advertência ao jo-
Mas como confirmar biblicamente que o espíri-
vem desviado, esquecido de Deus. O alerta dá
to não se separa da alma? Se lermos com aten-
conta de que o indivíduo deve voltar-se para o
ção o texto de Hebreus notaremos a condição
Criador imediatamente, antes que o seu corpo
indissociável entre ambos: “Porque a palavra de
morra e o seu espírito volte a Deus. Chegamos
Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que
ao ponto: a morte em questão não é a de um jus-
espada alguma de dois gumes, e penetra até à
to, mas a de um ímpio não arrependido. Mas isso
divisão da alma e do espírito, e das juntas e me-
provaria, então, que a alma vai para o inferno e o
dulas, e é apta para discernir os pensamentos e
espírito volta para ficar guardado em Deus? Não,
intenções do coração.” Você consegue perceber?
claro que não! O texto mostra que o destino do
A Bíblia não disse que a alma está separada do
espírito é dado pelo Criador que foi quem o fez
espírito, mas, sim, que apenas a Palavra de Deus
– “E, como aos homens está ordenado morrerem
teria condições de ir até a divisão entre eles.
uma vez, vindo depois disso o juízo” (Hebreus
48 nós. Por exemplo, diz-se ser uma posição tricotômica o entendimento
do homem ser constituído por três partes (o espírito, a alma e o corpo) a
exemplo e reflexo da Santíssima Trindade. Este, aliás, é um argumento
muito frequente. Contudo, James Oliver Buswell explica: “Qualquer
tentativa de fazer uma analogia entre as pessoas da Trindade e a alegada
As doutrinas do Homem e do Pecado

natureza tricotômica do homem resultaria em uma heresia séria (pois) o


espírito é superior à alma, e a alma e o espírito são superiores ao corpo.
Como, então, poderia haver uma analogia com o Deus Triúno cujas
pessoas são iguais em substância, em poder e em glória?” (1962, pág. 247).

A Dicotomia

Ainda que creiamos na tricotomia humana, precisamos nos ater


com os argumentos a favor da dicotomia, pois eles são frequentes e
sempre exigirão de nós uma resposta apologética firme e biblicamente

PASSAGENS BÍBLICAS TRICOTÔMICAS sua insistência” (1959, p. 181). Nós tricotomistas


Por Daniel B. Pecota vemos o contrário: a insistência e o engajamen-
to de Paulo requerem que ele seja detalhista ao
Já ficou muito claro que os dicotomistas se ponto de acrescentar uma descrição da nature-
confundem por tomarem a função como dis- za do homem (espírito, alma e corpo).
tinção, o que será que eles tentam argumentar Sobre Hebreus 4.12. O dicotomista dirá que a Bí-
contra as passagens bíblicas claramente tri- blia é capaz de dividir a substância espiritual do
cotômicas? homem em duas partes, mas que isso não significa
Sobre Filipenses 1.27. Quanto a este texto, que o homem tenha duas partes espirituais. Nós
eles dizem que as palavras espírito e mente tricotomistas entendemos as coisas literalmente,
não são referências à natureza de um indiví- como elas de fato são; logo, a Bíblia pode separar
duo. Elas seriam usadas de forma figurada aquilo que está muito proximamente unido, como
para se referir à atitude de todo o grupo de é o caso da alma e do espírito (que embora sendo
crentes; seria como se disséssemos “O audi- duas porções distintas, movem-se de modo uno).
tório está animado”, ou “Todos tem um espí- Sobre 1 Coríntios 15.44. Atenção! Embora os
rito de comunidade”. Para os dicotomistas, dicotomistas entendam corretamente esta
Paulo está meramente exortando à unidade. passagem, isso não quer dizer que o todo de
Contudo, é muito óbvio que o apóstolo está suas suposições está correto. Quanto a este
recomendando a manifestação desta unidade versículo, eles compreendem acertadamente
tanto na alma como no espírito de cada qual. que a expressão grega soma psuchikon (σῶμα
Sobre 1 Tessalonicenses 5.23. O argumento di- ψυχικόν ou corpo natural) refere-se aos atribu-
cotômico diz que Paulo está praticando o exces- tos apropriados à vida na carne no tempo pre-
so de recomendar de forma redundante a busca sente. Igualmente, a expressão soma pneuma-
pela santificação. O teólogo Leon Morris, que de- tikon (σῶμα πνευματικόν ou corpo espiritual)
fende esta posição, assim explica o texto: “Paulo refere-se ao mesmo corpo agora alterado na
não está descrevendo a natureza da constitui- ressurreição, apropriado para a vida ao lado do
ção humana, mas engajando-se em oração em Cristo ressurreto em Seu reino futuro.
fundamentada. A dicotomia é apresentada, como veremos, com o uso 49
de textos bíblicos e até de argumentos no mínimo provocativos. Um
destes afirma que uma vez que o homem não tem consciência de sua
alma e de seu espírito separadamente, isso prova que a alma e o espírito
são a mesma coisa.

Lição 2 - A Natureza do Homem


O sentido geral da palavra dicotomia é a divisão em duas classes
ou em dois elementos. No que se refere ao estudo da natureza humana,
isso significa que o homem é constituído de corpo e de uma porção
espiritual interna que, conforme a atividade demandada, será chamada
de espírito ou de alma. Obviamente que os dicotomistas acreditam que
a Bíblia fundamenta largamente o seu entendimento. Vejamos, então,
quais são as passagens mais citadas por eles:
– Gênesis 2.7: corpo e alma
– Salmo 146.4: corpo e espírito
– Eclesiastes 12.7: corpo e espírito
– Mateus 10.28: corpo e alma
– 1 Coríntios 7.34: corpo e espírito
– 2 Coríntios 7.1: corpo e espírito
O que podemos afirmar quanto a estas passagens? Comecemos pelo
fato de que nelas a natureza humana é citada de forma geral e com um
linguajar não doutrinal como o pretendido, por exemplo, pelo apóstolo
Paulo na maior parte de suas cartas. Observemos que às vezes o corpo é
tomado por pó, outras vezes por carne. O mesmo dá-se com o espírito
e a alma, nelas citados mais caracteristicamente pelas funções que têm
que pelas substâncias que são, daí a confusão dos dicotomistas.
Por exemplo, em Mateus 26.38 (alma) e em Marcos 8.12 (espírito)
Jesus está expressando profunda tristeza ou pesar. Atos 17.16 (espírito)
e 2 Pedro 2.8 (alma) falam de provocação ou aborrecimento interior.
Em Atos, Paulo é provocado em seu espírito por todos os ídolos que vê
em Atenas. Pedro diz que a alma justa de Ló ficou irritada ao observar
a maldade do povo. No Evangelho de João, Jesus está perturbado em
Sua alma (12.27) e em Seu espírito (13.21). Finalmente, em declarações
paralelas, Maria engrandece o Senhor com sua alma, e seu espírito se
alegra em Deus (Lucas 1.46-47). Essas passagens indicam que a alma e
o espírito são usados indiscriminadamente pelos escritores de maneiras
que não pretendem sugerir uma diferença de substância entre os dois.
A forma amalgamada, como ambos se dão, o espírito e a alma, torna
50 tão fácil de entender que um seja tomado pelo outro, mesmo quando
sabemos são distintos um do outro – só mesmo a Bíblia os pode separar.
A respeito dos textos de Marcos 12.28-34, Mateus 22.34-40 e
Lucas 10.25-28 que você leu para tentar responder ao exercício 8, o que
As doutrinas do Homem e do Pecado

os dicotomistas diriam para apoiar suas convicções? Eles começariam


afirmando que ao dizer para amarmos a Deus com o coração, alma, o
entendimento e as forças, Cristo não estava dizendo que o homem é
composto por quatro partes. E salientariam o fato de Jesus não se referir
ao espírito. Logo, concluiriam, que o Senhor Jesus se utilizou de vários
sinônimos para referir-se a uma mesma coisa, a totalidade do homem.
Os textos de Atos 2.27, Hebreus 12.23, 1 Pedro 3.19 e Apocalipse
6. 9 referem-se à existência espiritual do homem após a morte. Em Atos,
Pedro cita o rei Davi quando este disse que Deus não abandonaria sua
alma no inferno. A passagem de Hebreus descreve uma nova relação com
Deus e Sua santidade por parte dos “espíritos dos justos aperfeiçoados”.
Num versículo de difícil interpretação, Pedro diz que Cristo pregou
aos “espíritos em prisão”. No Apocalipse, João afirma “ter visto sob as
almas dos que foram mortos pela palavra de Deus”. Para os dicotomitas,
estes versos atestam uma existência após a morte da porção espiritual do
homem, que pode ser chamada tanto de espírito como de alma, sendo
ambos nomes para uma mesma coisa. Segundo eles, os textos confirmam
que o homem é feito de matéria (corpo) e de uma porção espiritual (alma
ou espírito, tanto faz o nome) que continua a existir após a morte.

Crer na dicotomia ou na tricotomia faz diferença?


Prezado Aluno, a esta altura está bem claro que o entendimento
bíblico sobre a constituição do homem é tricotômico. Nós cremos pelas
Escrituras que o ser humano foi criado com três partes distintas: o
espírito, a alma e o corpo. Agora, respondamos à pergunta: crer na
dicotomia ou na tricotomia faz diferença?
Sim, faz. Mas antes de explicar o que torna a dicotomia um erro,
quero ser muito honesto com você: embora a dicotomia seja errada,
heresias já foram criadas a partir do entendimento tricotômico do ser
humano. Certo teólogo do século IV, conhecido como Apolinário de
Laodicéia, desenvolveu um ensino herético que dizia que Cristo tinha
corpo humano, mas uma mente exclusivamente divina. Logo, embora
aceitasse Jesus como verdadeiro Deus, ele negava que o Senhor fosse
verdadeiro homem. Eu fiz questão de citar este exemplo de uma heresia
tricotomista para deixar claro que não nos basta entender corretamente 51
uma fração das Escrituras, e interpretar o restante conforme acharmos
melhor. Temos que ser completamente fiéis ao que a Bíblia ensina.
Outra questão que costuma deixar alguns teólogos tricotômicos em

Lição 2 - A Natureza do Homem


situação herética é dizer que o espírito é superior à alma, tornando possível
que o homem peque na alma, mas mantenha o espírito puro. Ora, isso é
uma heresia gravíssima, posto que a Bíblia mostra claramente que o pecado
gera morte espiritual, tanto da alma quanto do espírito humanos!
A dicotomia, por seu turno, além de ser um exemplo acabado de
equívocos hermenêuticos (conforme vimos nos exemplos anteriores neste
mesmo texto), ainda nega uma realidade bíblica incontornável que é a possessão
demoníaca! Sim, é isso mesmo: muitos dicotomistas negam que o ser humano
possa ser possuído por Satanás. Deixo esta refutação para você, prezado Aluno:
quantos casos há nas Escrituras sobre pessoas endemoninhadas?
Concluo, portanto, que sim, faz diferença crer ou na dicotomia
ou na tricotomia, especialmente porque a dicotomia é um erro herme-
nêutico, ou seja, uma heresia. Entretanto, mesmo que acertadamente
defendemos a tricotomia, não podemos descuidar do todo da revelação
bíblica, muito especialmente quando isso deturpa questões sumaria-
mente importantes como a doutrina da encarnação e da dupla natureza
(humana e divina) de nosso Salvador.

EXERCÍCIOS
2.06 Por que 1 Tessalonicenses 5.23 é tão importante para funda-
mentar a visão tricotômica do homem?
_________________________________________________
_________________________________________________

2.07 Neste momento, quero que você vá à Bíblia e leia muito atenta-
mente os textos de Marcos 12.28-34, Mateus 22.34-40 e Lucas
10.25-28. Agora, responda como um dicotomista usaria essas
passagens para apoiar a sua visão da natureza do homem.
_________________________________________________
_________________________________________________
52 2.08 Assinale as alternativas corretas quanto a tricotomia humana.
___a) A natureza tríplice do homem é ensinada progressiva-
mente na Bíblia.
___b) Por ser imagem de Deus, o homem encerra em si uma
As doutrinas do Homem e do Pecado

miniatura da Trindade.
___c) O linguajar empregado na Bíblia denota, a existência
tricotômica do homem.
___d) A tricotomia do homem é explicita em muitas passagens
bíblicas.

2.09 Assinale cada alternativa correta.


___a) A dicotomia não distingue a alma do espírito, antes
considera-as com nomes diferentes para a mesma coisa.
___b) O dicotomista concebe o homem como sendo matéria
(corpo) e parte espiritual (às vezes chamada de alma, e
outras vezes de espírito).
___c) O dicotomista compreende que o homem só tem alma,
e não tem espírito.
___d) O dicotomista compreende que o homem só tem espírito,
e não tem alma.

2.10 Como exercício para memorizar o conteúdo de alguns dos versí-


culos bíblicos estudados aqui, associe às citações (Coluna A) às
referências (Coluna B).
Coluna “A”
___a) “estais num mesmo espírito (...) num mesmo ânimo”
___b) “espíritos dos justos aperfeiçoados”
___c) “A divisão da alma e do espírito”
___d) “espírito, e alma e corpo”
___e) “corpo natural (...) corpo espiritual”
___f) “as almas dos que foram mortos por amor da palavra de
Deus”
Coluna “B”
1. Hebreus 12.23
2. Apocalipse 6.9
3. Filipenses 1.27
4. 1 Tessalonicenses 5.23 53
5. Hebreus 4.12
6. 1 Coríntios 15.44

Lição 2 - A Natureza do Homem


2.11 Assinale os fatos sobre os quais se baseia a visão da dicotomia da
natureza do homem.
___a) A Bíblia descreve em várias passagens apenas duas
porções constituintes da natureza humana.
___b) As funções que associamos à alma e ao espírito não são
suficientes para afirmar que eles existem distintamente,
logo o homem só tem uma porção espiritual.
___c) Em nenhuma passagem a Bíblia diz que a alma é distinta
do espírito.
___d) A consciência humana não detecta uma distinção entre
a alma e o espírito.

2.12 Assinale cada alternativa correta e conclusiva sobre a dicotomia


e a tricotomia.
___a) A tricotomia é biblicamente fundamentada e é o enten-
dimento correto sobre a constituição do homem.
___b) Embora os dicotomistas se utilizem de textos bíblicos
para fundamentar sua compreensão, a dicotomia é fruto
de um erro hermenêutico.
___c) Ser um tricotomista não livra o teólogo de cometer outros
erros.
___d) Boa parte dos dicotomistas têm dificuldades para aceitar
que o ser humano possa ser acometido por uma possessão
demoníaca.
___e) O correto posicionamento bíblico sobre a natureza
humana é a tricotomia.

2.13 Qual a importância de debater sobre a natureza tricotômica ou


dicotômica do homem?
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
54 2.14 Embora a tricotomia seja bíblica, por que alguns teólogos trico-
tômistas cometem erros em suas conclusões?
_________________________________________________
_________________________________________________
As doutrinas do Homem e do Pecado

________________________________________________
___________________________________________________

TEXTO 3
ORIGEM DA ALMA
Os debates sobre a origem da alma sempre foram muito impor-
tantes e acalorados no Cristianismo. Desde a Igreja Primitiva, foram
muitas as vezes em que os estudiosos se desentenderam sobre o assunto.
Curiosa e perigosamente, aliás, os estudos sobre a origem da alma
sempre pareceram mais próximos e dependentes da filosofia que da
própria Bíblia, um erro, sem dúvida. Folheando rapidamente a história
da teologia cristã, encontraremos Orígenes confessando a ideia platônica
da pré-existência da alma. E há outros exemplos tão errados quanto este.
Para fins de nossos estudos, nos deteremos a respeito de três concep-
ções: a pré-existência da alma, o traducianismo e o criacionismo da alma.

Pré-existencialismo

Aceitado por Orígenes, um teólogo do segundo século, o pré-exis-


tencialismo não é cristão em sua origem. Trata-se de uma ideia platônica.
Em resumo, essa heresia ensina que a alma caiu à terra desprendendo-se
ou derivando-se de Deus. Embora houvesse saído dele ainda aquecida
e pura, ela esfriou-se ao ponto de se tornar o que chamamos de alma.
Para essa concepção herética, determinados fatores ocorridos na
pré-existência foram determinantes para o estado atual de cada uma
das almas. Orígenes cria numa espécie de queda, de pecado, pré-tem-
poral. Por isso, ele considerava que a existência material do homem é um
castigo pelos pecados cometidos nesta pré-existência. Se isso fosse certo,
e não é, o pecado haveria entrado no mundo num estado pré-temporal,
e até mesmo nosso pai Adão e nossa mãe Eva teriam nascido em pecado
– o que, já vimos, não é verdade.
O pré-existencialismo, portanto: 55

– é uma ideia sem base escriturística. Suas formas refletem


uma base filosófica pagã que faz do corpo um castigo para
a alma;

Lição 2 - A Natureza do Homem


– entende o corpo humano como um acidente, posto que a
alma existia sem ele, e o homem já seria completo assim,
sem corpo físico;
– destrói a homogeneidade da raça humana, porque aceita
que as almas individuais existiram muito tempo antes de
entrarem na vida presente;
– trata o homem como um ser não consciente de sua própria
existência, posto que nenhum de nós se recorda de sua
pré-existência;
– o pré-existencialismo da alma é uma heresia terrível e
abominável.

Traducianismo

Esta suposição ensina que as almas propagam-se juntamente com a


reprodução entre homem e mulher. É como se a alma fosse transmitida
aos filhos pelos seus pais. Esta é uma posição bastante comum entre os
teólogos reformados.
Para defender esta tese, o traducianistas citam largamente as Escri-
turas, começando pelo fato de que o homem deve reproduzir-se, o que
implica na propagação da totalidade do ser humano, e não somente do
seu corpo. Esta hipótese assume que o nome Adão não refere-se unica-
mente ao primeiro homem, mas à espécie humana. Prosseguindo, o
traducianismo indica que a aparição de Eva a partir da costela de Adão
dispensou o sopro do fôlego de vida da parte de Deus, pois a propagação
é plena. Prossegue, ainda, sugerindo que o Criador encerrou seu trabalho
no sexto dia após criar o homem (Gênesis 2.2), e que o surgimento da
mulher não foi criação, mas propagação.
Conquanto pareçam argumentos muito interessantes e evidentes,
o traducianismo esconde algumas armadilhas perigosas:
– esta é uma ideia dicotomista;
56 – a alma é indivisível, e sendo assim, os traducianistas
precisam se haver com duas questões: se a alma da criança
é formada pelos pais, então ela é divisível? E se não for
assim, então, de quem os filhos herdam suas almas, do pai
ou da mãe? Para tentar escapar a isso, muitos traducianistas
As doutrinas do Homem e do Pecado

apelam ao pré-existencialismo da alma;


– o traducianismo faz do pecado uma condição hereditária,
erradicando as responsabilidades individuais do ser humano
– algo muito confortável para os calvinistas, certamente.

Criacionismo
Este entendimento considera as almas de cada ser humano como
sendo resultado de um ato de Deus, cujo tempo de ocorrência, aliás,
não pode ser determinado não por se crer na pré-existência da alma,
mas por ser o Criador um ente nunca sujeito ao tempo – Ele é Pai da
Eternidade (Isaías 9.6). Em sendo criadas diretamente pelo Senhor, as
almas de cada ser humano são puras, assim como seus corpos, embora
o pecado contaminou a ambos. A alma se faz presente no ser humano
desde o momento inercial da concepção.
O relato da criação assinala uma distinção clara entre a criação do
corpo e da alma. O corpo foi tomado da terra e a alma vem diretamente
de Deus. Em toda a Bíblia, esta distinção se conserva, pois a alma e o
corpo não são apenas distintos, mas têm origens diferentes – você não
pode prosseguir sem ler estas referências bíblicas: Eclesiastes 12.7; Isaías
42.5; Zacarias 12.1; Hebreus 12.9; e Números 16.22.
Além disso, o criacionismo da alma explica muito perfeitamente
o fato de toda a raça humana estar sob efeito do pecado de Adão (o
que não acontece por hereditariedade, como no traducianismo), mas
por imputação do pecado! Outro fato importante é que o criacionismo
da alma conserva a ideia da alma como indivisível. O criacionismo da
alma não tropeça na cristologia e adora a Jesus como verdadeiro homem
e verdadeiro Deus.

EXERCÍCIOS
2.15 Assinale cada alternativa correta sobre a origem da alma humana.
___a) Platão acreditava na pré-existência da alma.
___b) O criacionismo da alma é bíblico. 57
___c) Orígenes aceitou o erro da pré-existência.
___d) Uma parte substancial do debate sobre a origem da alma
é perigosamente dependente da filosofia.

Lição 2 - A Natureza do Homem


___e) O traducianismo é comum entre os reformados e ele
apoia as suposições da predestinação da alma.
___f) A hipótese de pré-existência da alma é uma ideia sem
base escriturística.
___g) A hipótese de pré-existência da alma tem base filosófica
pagã que faz do corpo um castigo para a alma.
___h) A hipótese de pré-existência da alma entende o corpo
humano como um acidente, posto que a alma existia sem
ele, e o homem já seria completo assim, sem corpo físico.
___i) A hipótese de pré-existência da alma destrói a homoge-
neidade da raça humana, porque aceita que as almas
individuais existiram muito tempo antes de entrarem na
vida presente.
___j) A hipótese de pré-existência da alma trata o homem como
um ser não consciente de sua própria existência, posto
que nenhum de nós se recorda de sua pré-existência.
___k) O traducianismo é uma ideia dicotomista.
___l) O traducianismo não concebe a alma como indivisível.
___m) Alguns traducianistas apelam ao pré-existencialismo da
alma.
___n) O traducianismo faz do pecado uma condição hereditária,
erradicando as responsabilidades individuais do ser humano.

TEXTO 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Meditemos no Salmo 139
SENHOR, tu me sondaste, e me conheces. Tu sabes
o meu assentar e o meu levantar; de longe entendes
o meu pensamento. Cercas o meu andar, e o meu
deitar; e conheces todos os meus caminhos. Não
havendo ainda palavra alguma na minha língua,
58 eis que logo, ó Senhor, tudo conheces. Tu me cercaste
por detrás e por diante, e puseste sobre mim a tua
mão. Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão
alta que não a posso atingir.
As doutrinas do Homem e do Pecado

Para onde me irei do teu espírito, ou para onde


fugirei da tua face? Se subir ao céu, lá tu estás; se
fizer no inferno a minha cama, eis que tu ali estás
também. Se tomar as asas da alva, se habitar nas
extremidades do mar, até ali a tua mão me guiará
e a tua destra me susterá. Se disser: Decerto que
as trevas me encobrirão; então a noite será luz à
roda de mim. Nem ainda as trevas me encobrem
de ti; mas a noite resplandece como o dia; as trevas
e a luz são para ti a mesma coisa; pois possuíste os
meus rins; cobriste-me no ventre de minha mãe.

Eu te louvarei, porque de um modo assombroso, e


tão maravilhoso fui feito; maravilhosas são as tuas
obras, e a minha alma o sabe muito bem. Os meus
ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui
feito, e entretecido nas profundezas da terra. Os teus
olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu
livro todas estas coisas foram escritas; as quais em
continuação foram formadas, quando nem ainda
uma delas havia. E quão preciosos me são, ó Deus, os
teus pensamentos! Quão grandes são as somas deles!
Se as contasse, seriam em maior número do que a
areia; quando acordo ainda estou contigo.

Ó Deus, tu matarás decerto o ímpio; apartai-vos,


portanto de mim, homens de sangue. Pois falam malva-
damente contra ti; e os teus inimigos tomam o teu nome
em vão. Não odeio eu, ó Senhor, aqueles que te odeiam,
e não me aflijo por causa dos que se levantam contra
ti? Odeio-os com ódio perfeito; tenho-os por inimigos.

Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-


me, e conhece os meus pensamentos.

E vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me


pelo caminho eterno.
REVISÃO DA LIÇÃO 59
Assinale com “x” cada alternativa correta.

2.16 O relato de Gênesis indica que o corpo físico do homem é

Lição 2 - A Natureza do Homem


___a) mau em si mesmo.
___b) nada mais do que poeira.
___c) bom porque Deus o criou.
___d) um obstáculo à espiritualidade.

2.17 Qual dessas doutrinas nos assegura que o corpo humano é uma
boa criação?
___a) A doutrina da salvação.
___b) A doutrina da ressurreição.
___c) A doutrina da Encarnação.
___d) A doutrina do pecado.

2.18 Os tricotomistas acreditam que


___a) existem três elementos na natureza do homem.
___b) o homem consiste em corpo e alma.
___c) os termos alma e espírito são a mesma coisa.
___d) a natureza de Deus consiste em duas partes.

2.19 Dicotomista é aquele que ensina que


___a) só o espírito e a alma do homem são reais.
___b) a natureza do homem é dividida em duas partes.
___c) o homem pode pecar em sua alma, mas ser puro em seu
espírito.
___d) o homem é espírito, alma e corpo.

Marque “C” para Certo e “E” para Errado.


___2.20 A dicotomia interpreta a palavra divisão em Hebreus 4.12
como significando divisão dentro da alma, e não entre a alma
e o espírito.
___2.21 O entendimento sobre a natureza humana tem muita
relevância doutrinária.
60 ___2.22 O pré-existencialismo da alma e o traducianismo são
conceitos errados sobre a origem da alma.
___2.23 O pré-existencialismo da alma é dependente da filosofia grega.
As doutrinas do Homem e do Pecado

Responda.

2.24 O que o Traducianismo diz sobre a propagação das almas


humanas?
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2.25 Como se chama o entendimento de que a alma humana e individual


e é resultado de uma intervenção direta de Deus, criada por Ele?
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