Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
por
Anthony Hoekema
Além disso, a Bíblia não usa uma linguagem científica exata. Ela usa
termos como alma, espírito e coração mais ou menos indistintamente.
Isto é por causa
das partes do corpo que são tidas, não primariamente do ponto de vista
de suas diferenças ou de suas inter-relações com outras partes, mas
como significando ou enfatizando os diferentes aspectos do homem total
em relação a Deus. Do ponto de vista da psicologia analítica e da
fisiologia, o uso do Antigo Testamento é caótico: ele é o pesadelo do
anatomista quando qualquer parte pode ser entendida como sendo a
totalidade.2 [2]
1NOTAS:
2[2] John A. T. Robinson, The Body (London: SCM Press, 1952), p. 16.
Portanto, não é impossível construir uma psicologia bíblica exata e
científica. Alguns têm tentado fazer isso. Um dos mais notáveis nessa
tarefa é Franz Delitzsch, cujo livro System of Biblical Psychology foi
originalmente publicado em 1855. Mas mesmo Delitzsch teve que
admitir que “a Escritura não é um livro escolástico [or didática] de
ciência” e que “é verdade que em assuntos psicológicos, assim tão
pouco quanto em assuntos éticos ou dogmáticos, a Escritura abrange
(ou contém) qualquer sistema proposto na linguagem das escolas”. 3 [3]
TRICOTOMIA OU DICOTOMIA?
Vez por outra, entretanto, tem sido sugerido que o homem deveria ser
entendido como consistindo de certas “partes” especificamente
distintas. Um desses entendimentos é usualmente conhecido como
tricotomia — a idéia que, segundo a Bíblia, o homem consiste de corpo,
alma e espírito. Um dos proponentes mais antigos da tricotomia, como
vimos, é Irineu, que ensinava que enquanto os incrédulos possuiam
somente almas e corpos, os crentes adquiriam espíritos adicionais, que
eram criados pelo Espírito Santo. 7 [7] Um outro teólogo que usualmente
está associado com a tricotomia é Apolinário de Laodicéa, que viveu de
310 a aproximadamente 390 AD. A maioria dos intérpretes atribuem a
ele a idéia de que o homem consiste de corpo, alma e espírito ou mente
(pneuma ou nous), e que o Logos ou a natureza divina de Cristo tomou o
lugar do espírito humano na natureza humana que Cristo assumiu. 8 [8]
Berkouwer, contudo, assinala que Apolinário desenvolveu primeiro a
sua cristologia errônea em um contexto de dicotomia.9 [9] Mas J. N. D.
Kelly diz que é uma questão de importância secundária se Apolinário
era um dicotomista ou tricotomista.10 [10]
Primeiro, ela deve ser rejeitada porque ela parece fazer violência à
unidade do homem. A palavra em si mesma sugere que o homem pode
ser separado em três “partes”: a palavra tricotomia é formada de duas
palavras gregas, tricha, “tríplice” e temnein, “cortar. Alguns
tricotomistas, incluindo Irineu, até sugeriram que certas pessoas
tinham os seus espíritos cortados, enquanto que outras não.
18[18] The Scofield Reference Bible (New York: Oxford University Press,
1909), no texto de 1 Ts 5.23; The New Scofield Reference Bible (New
York: Oxford University Press, 1967) no texto de 1 Ts 5.23.
29[29] F. H. Von Meyenfeldt, Het Hart (Leb, Lebab) in het Oude Testament
(Leiden: E. J. Brill, 1950), 218-19.
Basar pode algumas vezes denotar a pessoa total, não apenas o aspecto
físico.36 [36] Mas ela pode também ser juntada com nephesh em
maneiras que referem ao homem total. Clarence B. Bass, comentando
as palavras do Antigo Testamento para “corpo”, afirma:
Corpo e alma são usados quase que indistintamente, sendo que a alma
indica o homem como um ser vivo, e corpo (carne) denota-o como uma
criatura corporalmente visível...Esta unidade de corpo e alma [tem]
conduzido alguns escritores a concluir que o Antigo Testamento carece
de uma idéia do corpo físico como uma entidade discreta...Mais
propriamente, contudo, o Antigo Testamento vê o corpo e a alma como
coordenadas que se interpenetram em funções para formar um todo
simples.37 [37]
1926], 171).
Em uma seção de sua Dogmatics na qual ele trata com “o homem como
alma e corpo”, Karl Barth, falando do coração no Novo e no Antigo
Testamentos, diz:
53[53] Ibid.
Podemos resumir nossa discussão das palavras bíblicas usadas para
descrever os vários aspectos do homem, como segue: o homem deve ser
entendido como um ser unitário. Ele tem um lado físico e um lado
mental ou espiritual, mas não devemos separar esses dois. A pessoa
humana deve ser entendida como uma alma corporificada ou um corpo
“espiritualizado” (“animado”).54 [54] A pessoa humana deve ser vista em
sua totalidade, não como uma composição de diferentes “partes”. Este é
o ensino claro de ambos os Testamentos.55 [55]
UNIDADE PSICOSOMÁTICA
56[56] John Cooper, “Dualism and the Biblical View of Human Beings”,
Reformed Journal 32, no. 9 e 10 (Setembro e Outubro de 1982).
61[61] Ibid., 83. Mais nesse livro (p. 101) MacKay descreve a vida futura
do cristão dum modo no qual ele parece deixar lugar somente para a
ressurreição do corpo e não para uma existência continuada do crente
no estado intermediária (ver abaixo, p. 218-22). Se esta é a posição de
MacKay, eu não concordaria com ele. Podemos ainda, contudo, aceitar
O homem, então, existe num estado de unidade psico-somática. Assim,
fomos criados, assim somos agora, e assim seremos após a ressurreição
do corpo. Porque a redenção plena inclui a redenção do corpo (Rm 8.23;
1 Co 15.12-57), visto que o homem não é completo sem o corpo. O
futuro glorioso dos seres humanos em Cristo inclui ambos, a
ressurreição do corpo e uma nova terra purificada e aperfeiçoada. 62 [62]
O ESTADO INTERMEDIÁRIO
63[63] Ver meu trabalho The Four Major Cults (Grand Rapids: Eerdmans,
1963), 345-71.
Mas isto não responde à nossa pergunta sobre o que acontece ao ser
humano entre a morte e a ressurreição. Quando a Dooyeweerd foi
perguntado: Que espécie de funções podem ainda ser deixadas para a
“alma” (anima rationalis separata, alma racional separada) quando ela
separada de sua conjunção temporal com as funções pre-psíquicas
70
[70] (i.e., pós a morte), sua resposta foi: “Nada” (niets!).71 [71] Em sua
resposta, contudo, Dooyeweerd
65[65] Ver Calvino, Tracts and Treatises of the Reformed Faith, ,vol. 3,
(Grand Rapids: Eerdmans, 1958), 413-90.
Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma” (Mt
10.28).
Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos
injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas
vivificado no espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em
prisão, os quais noutro tempo foram desobedientes quando a
longanimidade de Deus aguardava nos dias de Noé, enquanto se
preparava a arca, na qual poucos, a saber, oito pessoas, foram salvos,
através da água. (1 Pe 3.18-20)
Assim, às vezes, o Novo Testamento diz que nós que somos crentes,
continuaremos a existir num estado provisório de alegria entre a morte
e a ressurreição, enquanto que em outras vezes ele diz que as “almas”
ou “espíritos” dos crentes ainda existirão durante aquele estado. Mas a
Bíblia não usa palavras como “alma” e “espírito” no mesmo modo que
nós o fazemos; dessa forma, estas passagens estão pretendendo tão
somente nos dizer que os seres humanos continuarão a existir entre a
morte e a ressurreição, enquanto esperam a ressurreição do corpo. A
Bíblia não nos dá qualquer descrição antropológica da vida nesse
estado intermediário. Podemos especular a respeito dela, podemos
tentar imaginar a que esse estado será, mas não podemos formar
nenhuma idéia clara da vida entre a morte e a ressurreição. A Bíblia
ensina sobre ela, mas não a descreve. Como Berkouwer diz, o que o
Novo Testamento nos conta a respeito do estado intermediário não é
nada mais do que um sussurro.75 [75]
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
75[75] De Wederkomst van Christus, vol. 1 (Kampen: Kok, 1961), 79.
Sobre o estado intermediário, ver adicionalmente Berkouwer, The
Return of Christ, (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), 32-64; e A Bíblia e o
Futuro, 92-108 (texto inglês)
80[80] Ibid.
citação dos versos da Bíblia pode ser tudo o de que necessita para
ajudar o membro da igreja a resolver um difícil problema espiritual. Mas
um entendimento do homem como uma pessoa total conduz-nos a
perceber que tal abordagem pode ser totalmente inadequada. David G.
Benner, num artigo no qual ele desafia a opinião comum de que a
personalidade humana pode ser dividida em duas partes, uma “parte”
espiritual e uma psicológica, ilustra seu ponto da seguinte maneira:
87[87] Karl Menninger The Vital Balance (New York: Viking Press, 1963),
335.