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D.

A UNIDADE DA RAÇA HUMANA

A questão aqui é se a humanidade toda descende de um só casal, no caso,


Adão e Eva, ou se há outros troncos para a raça humana.

As Escrituras ensinam que a humanidade descende de um único tronco (Gn


2.7,22; 3.20). Atos 17.26 afirma que Deus, “De um só fez toda a raça humana
para que habitasse sobre toda a superfície da terra).

Este fato é relevante para explicar a unidade da raça humana na primeira


transgressão de Adão, e a provisão para a salvação da humanidade mediante
Jesus Cristo (cf. Rm 5.12,19; 1Co 15.21,22).

1. Negação da unidade da raça

Berkhof apresenta algumas teorias neste sentido:

✓ Teoria dos coadamitas, proposta por Agassiz – segundo a qual houve


diferentes centros de criação.;
✓ Pré-adamitas, desenvolvida por Peyrerius, em 1655 – que parte do
pressuposto de que havia homens antes de Adão ser criado;

2. Argumentos em favor da unidade da raça

a) O argumento da história. A história das migrações do homem tende a


mostrar que houve uma distribuição partindo de um único centro: a Ásia.

b) O argumento da filologia. O estudo das línguas da humanidade indica que


houve um tronco comum. As línguas indo-européias têm em suas raízes um
idioma primitivo comum. Também há prova de que o antigo idioma egípcio é
o elo entre a língua indo-européia e a semítica.

c) O argumento da psicologia. A psicologia revela claramente que as almas


dos homens são idênticas. Eles têm em comum os mesmos apetites,
instintos e paixões, as mesmas tendências e capacidades, as mesmas
qualidades superiores, as características morais e mentais que pertencem
exclusivamente ao homem.

d) O argumento das ciências naturais ou da fisiologia. A raça humana


constitui uma única espécie. Esta é a opinião comum dos especialistas em
fisiologia comparada. Há pontos de conexão entre todos os indivíduos:
sangue, reprodução, características dentárias, etc. As diferenças encontradas
entre as famílias da humanidade são consideradas apenas como variedades
da mesma espécie humana.

E. A Origem da Alma

Na concepção bíblica, o ser humano é mais que mero corpo físico: ele é
também alma ou espírito.

A questão então é saber como e quando a alma ou o espírito é originado no indivíduo?

1. É gerado pelos pais?


2. É criado diretamente por Deus?
3. Quando começa a existir?

Há três interpretações acerca deste assunto.

1. A preexistência

Alguns entendem que todas as almas já foram criadas por Deus no passado,
e existem antes de serem incorporadas em algum ser. Num determinado
momento da gestação, uma alma dessas é implantada no corpo do indivíduo.
Alguns defensores desta ideia foram Platão, Filo de Alexandria, Orígenes,
Kant e outros.
Para os que defendem esta teoria, o estado pecaminoso das almas deve-se a
algum acontecimento ocorrido nas almas antes da incorporação, razão por
que todos nascem pecadores e todos trazem a culpa consigo.

Esta ideia carece de base bíblica. Além disto, ela faz do corpo algo acidental,
uma vez que as almas já existem antes, e só depois é que recebem um corpo.
Também, ela destrói a unidade da raça humana, pois apenas o corpo é que
teria origem num mesmo tronco. Finalmente, esta explicação não acha
suporte na consciência humana.

2. A criação imediata

Alguns teólogos entendem que cada alma é criada por Deus imediatamente
para cada indivíduo. O momento da criação pode ser na concepção ou
durante a gestação ou ainda no nascimento. Defendem esta teoria homens
como Aristóteles, Pelágio, grande parte dos reformadores e a Igreja Católica.
A reprodução dos pais é só do corpo, e não da alma.

Os defensores desta explicação servem-se de textos como o de Eclesiastes


12.7, Isaías 57.16, Zacarias 12.1, onde se afirma que o espírito procede de Deus.

✓ A dificuldade desta teoria é que ela não explica as semelhanças e as


heranças de caracteres morais, mentais e emocionais que os filhos
recebem dos pais.
✓ Também não explica por que as pessoas trazem consigo o pecado.

(cf. Jr 1.5; Sl 139.13-16)

3. O traducianismo

Traducianismo significa “conduzir através de”.

Segundo esta interpretação, cada alma ou espírito estava potencialmente em


Adão, assim como cada corpo. A partir do primeiro casal, todas as almas
passaram a ser transmitidas pelos pais aos filhos, juntamente com o corpo.
Deus foi o criador direto do primeiro casal, e por meio das leis da natureza,
incluindo a lei da reprodução, Deus é o criador indireto de todos os
descendentes de Adão. Quer dizer, os pais, cumprindo a disposição de Deus
na natureza, geram os filhos com corpo e alma, e não apenas o corpo.

II. A NATUREZA CONSTITUTIVA DO SER HUMANO

Este ponto trata dos elementos que formam o indivíduo humano. O homem
é constituído de corpo, alma e espírito? Ou apenas de corpo e alma, sendo
esta o mesmo que espírito?

A. Interpretação Tricotomista

Alguns entendem que o ser humano é constituído de corpo, alma e espírito:


posição tricotomista. A concepção do homem tripartido – corpo, alma e
espírito –, originou-se na filosofia grega e recebeu considerável apoio dos
“pais” da igreja grega ou alexandrina (Clemente de Alexandria, Orígenes,
Gregório de Nissa).

Os textos bíblicos mais usados para fundamentar esta teoria são dois. Em
1Tessalonicenses 5.23, o apóstolo Paulo se refere claramente aos três
elementos: “E o próprio Deus de paz vos santifique completamente, e o
vosso espírito, alma e corpo sejam mantidos plenamente irrepreensíveis
para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”. O segundo texto é Hebreus
4.12, onde o autor faz distinção entre alma e espírito: “a palavra de Deus é
viva e eficaz, mais cortante que qualquer espada de dois gumes; penetra
até o ponto de dividir alma e espírito, junta e medulas, e é capaz de
perceber os pensamentos e intenções do coração”.

No entendimento tricotomista, o corpo é a parte material da natureza


humana, a sede da alma e do espírito. A alma é o princípio da vida animal, o
que se pode chamar de personalidade, e abrange o intelecto, as emoções, a
vontade. O espírito é o elemento humano racional, que se relaciona mais
diretamente com Deus, e envolve a consciência com seus valores morais e
espirituais.

Alguns defensores da tricotomia sustentam que todas as pessoas têm alma, e


que o espírito do homem é uma faculdade humana superior, que surge
quando a pessoa se torna cristã (cf. Rm 8.10). O espírito de uma pessoa seria
aquela parte que mais diretamente adora a Deus e ora (cf. Jo 4.24; Fp 3.3).
Mas esta posição é mais difícil de ser sustentada, pois a Bíblia faz referência
ao espírito que está no homem não cristão (1Co 2.11).

O corpo e a alma têm uma relação direta com este mundo, enquanto o
espírito se volta para as coisas de cima, relacionadas com o sobrenatural.

B. Interpretação Dicotomista

Para os dicotomistas, o homem é constituído de duas partes apenas: corpo e


alma, ou corpo e espírito. Entendem que o termo espírito é um designativo
do mesmo elemento chamado alma, e apenas por uma questão de
preferência ou conveniência do autor bíblico usa-se um ou outro termo. O
corpo é a parte material do ser humano, sede e instrumento da parte
imaterial, chamada de alma ou alma. A alma ou o espírito, por sua vez,
constituem a parte imaterial do homem.

Os principais argumentos em favor desta teoria são os seguintes:

a) Há apenas dois elementos na formação do homem. De modo geral é


entendido que, segundo a Bíblia, apenas dois elementos substanciais foram
empregados na formação do ser humano, um material e outro imaterial. O
elemento material é o corpo, que veio do “pó da terra”; o elemento imaterial é
o espírito ou alma, que veio com o sopro divino. Na junção desses dois
elementos, o homem passou a ser “alma vivente” (Gn 2.7), ou “ser vivente”
(NVI). Quer dizer, o homem só é um ser vivo enquanto o espírito está unido ao
corpo, pois, como diz Tiago, “o corpo sem o espírito está morto” (Tg 2.26).

Assim, normalmente os autores bíblicos se referem ao indivíduo humano


como possuindo esses dois elementos, o material e o imaterial. O elemento
imaterial é às vezes chamado de espírito. A título de exemplo, citamos Paulo
que diz aos coríntios que ele está “ausente fisicamente”, mas “presente em
espírito” (1Co 5.3), e ordena que entreguem o homem incestuoso a Satanás
“para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor
Jesus” (1Co 5.5). Fala também de mulheres “santas, tanto no corpo como no
espírito” (1Co 7.34). O autor de Eclesiastes exorta os jovens para que se
lembrem do seu Criador antes que “o pó volte à terra como era, e o espírito
volte a Deus, que o deu” (Ecl 12.7).

Outras vezes os autores usam a palavra alma para falar da parte imaterial do
indivíduo. Jesus diz aos discípulos que não temam “os que matam o corpo e
não podem matar a alma” (Mt 10.28). E João, na terceira carta, deseja que seu
leitor seja “bem-sucedido em todas as coisas e que tenhas saúde, assim como
a tua alma vai bem” (3Jo 2). Em todas estas passagens e muitas outras, o ser
humano é corpo e alma, ou corpo e espírito. Apenas dois elementos, e não
três.

b) A Bíblia usa alternativamente alma e espírito. Alma (heb. nephesh; gr


psyque) e espírito (heb. ruah, gr. pneuma) são empregados na Bíblia
indistintamente para referir-se à mesma parte imaterial do ser humano. É
dito, por exemplo, que o que se perturba, se abate ou fica triste no homem é
seu “espírito” (de faraó) (Gn 41.8), ou sua “alma” (do salmista) (Sl 42.6). Jesus
diz que sua “alma” (psyque) estava angustiada ou perturbada (Jo 12.27), e
noutro lugar se diz que ele perturbou-se “em espírito” (pneuma) (Jo 13.21). Na
vida além estão os “espíritos” (pneuma) dos justos aperfeiçoados (Hb 12.23), ou
as “almas” (psyque) dos que tinham sido mortos por causa da palavra de
Deus (Ap 6.9). Às vezes, a morte é descrita como a entrega da alma (Gn 35.18;
1Rs 17.21), e outras vezes como a entrega do espírito (Sl 31.5; Lc 23.46; At 7.59).
Como se pode observar, na Bíblia usa-se apenas uma das duas palavras (alma
ou espírito) para referir-se à parte imaterial do ser humano.

c) A distinção bíblica entre alma e espírito não é de substância. A distinção


entre alma e espírito, que se pode perceber na linguagem bíblica, não é de
substância, mas uma questão apenas de preferência entre um termo e outro
para descrever determinadas funções humanas. Não são, portanto, dois
elementos distintos, e sim o mesmo elemento, com dois nomes. Berkhof
explica o uso bíblico diferenciado de alma e espírito da seguinte forma:

‘espírito’ designa o elemento espiritual do homem como o


princípio de vida e ação que domina e dirige o corpo; ao passo
que a palavra ‘alma’ denomina o mesmo elemento como o
sujeito da ação no homem e, portanto, muitas vezes é
empregada em lugar do pronome pessoal no Velho Testamento
(...), em diversos casos, designa mais especificamente a vida
interior como a sede dos sentimentos.

Outro autor que explica a distinção entre alma e espírito é


McDonald:

‘Espírito’ denota a vida, por ter sua origem em Deus, ‘alma’


denota a mesma vida, conforme está constituído no homem. O
espírito é a profundeza interior da existência do homem, o
aspecto superior da sua personalidade. ‘Alma’ expressa a
individualidade especial e distinta do próprio homem. O pneuma
é a natureza não-material do homem que olha em direção a
Deus; a psyque é a mesma natureza do homem olhando em
direção à terra e tocando as coisas dos sentidos.
O que fica claro nestes pensamentos é que alma e espírito são termos que se
referem ao mesmo elemento imaterial da natureza humana, embora com
uso, às vezes, diferenciado.

d) Os textos usados pelos tricotomistas podem ser explicados. Como os


dicotomistas explicam os textos de 1Tessalonicenses 5.23 e Hebreus 4.12?
Primeiro, como é de regra hermenêutica, estes textos devem ser
interpretados à luz do ensino mais claro e geral das Escrituras, e também à
luz do seu contexto. Como já vimos, nas Escrituras “alma” e “espírito”
designam o mesmo elemento imaterial do ser humano. Quanto ao contexto
destas duas passagens, os autores bíblicos não estão querendo ensinar em
quantas partes o homem é constituído. A linguagem é exortativa.

Em 1Tessalonicenses 5.23 o apóstolo Paulo apela para que o homem todo seja
plenamente santificado para a vinda do Senhor e, então, usa os três termos
(corpo, alma e espírito) para ressaltar a pessoa total, sem a intenção de
diferenciar entre as partes. O que o apóstolo quer é ressaltar o caráter total da
santificação. Não está aqui fazendo qualquer distinção substancial entre alma
e espírito, pois como já vimos, na Bíblia os termos alma e espírito são usados
como equivalentes, designando o aspecto espiritual do ser humano.

Uma passagem semelhante é Marcos 12.30, onde o Senhor Jesus ensina que
devemos amar a Deus com todo o nosso ser, e diz: “de todo o teu coração, de
toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de todas as tuas forças”. É
claro que estes elementos, coração, alma, entendimento, forças, não
significam partes constitutivas da natureza do homem, senão que por todos
estes meios o ser humano pode expressar seu amor a Deus.

Em Hebreus 4.12 a intenção do autor é mostrar como a palavra de Deus pode


penetrar até no ponto mais recôndito do ser humano, até “a divisão de alma e
espírito, e de juntas e medulas, e (...) discernir os pensamentos e intenções do
coração”. Também aqui a intenção do autor inspirado não é ensinar em
quantas partes o homem é constituído, e sim referir-se ao poder da palavra
de Deus de sondar o íntimo do ser humano, mesmo os aspetos mais ocultos
e profundos da vida humana.

Estas e outras escassas passagens onde aparecem juntos os termos “alma” e


“espírito” (cf. Lc 1.46,47) devem ser interpretadas à luz da intenção do autor e
do ensino mais geral e claro das Escrituras. Do contrário, será impossível
interpretar os textos mais abundantes e claros e harmonizar o ensino da
Palavra de Deus. Mesmo que certos ramos da ciência falem do ser humano
como sendo constituído de corpo, alma e espírito, mais para fins didáticos e
terapêuticos, é preciso considerar que nas Escrituras o homem é um ser com
corpo e alma (ou espírito). Isto é, que alma e espírito não são substâncias
distintas, e sim duas expressões equivalentes, que designam a parte imaterial
da pessoa humana.

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