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A NATUREZA HUMANA NA TEOLOGIA: DICOTOMIA, TRICOTOMIA E A

BUSCA PELA VERDADE

Fernando Henrique de Bairros1

1.Introdução

A natureza constitutiva do homem é um assunto muito debatido entre os


estudiosos. Afinal, como o homem é constituído? Aqui neste ensaio serão colocados
apenas duas interpretações: dicotomia e tricotomia. Assim será o primeiro capítulo,
falando de modo geral sobre cada linha teológica. Mesmo que haja mais interpretações e
mesmo crendo que o dicotomismo seja a melhor interpretação, será falado sobre a
tricotomia. O capítulo dois e três, são em defesa da dicotomia. A dicotomia no Antigo
Testamento e no terceiro a dicotomia no Novo Testamento. No terceiro capítulo, tem
como objetivo, além de mostrar brevemente alguns textos, também como de modo
simples desmistificar os textos base para a defesa do tricotomismo. Este artigo tem
como objetivo defender a interpretação dicotomista, mostrando as duas posições em
relação à natureza constitutiva do homem. Não será um trabalho exegético, mas é usado
alguns termos para entender melhor sobre as linhas teológicas.

2. Dicotomia e tricotomia

A natureza constitutiva do homem, trata dos elementos que formam o ser


humano. A grande questão debatida por muitos é: O homem é formado por corpo e
alma? ou corpo, alma e espírito? Há uma certa divergência nesse assunto, a dicotomia e
a tricotomia. A dicotomia defende que o homem tem sua formação em duas partes,
sendo que a tricotomia em três partes.

Neste capítulo o objetivo é mostrar as interpretações de modo geral. A primeira


interpretação é a tricotomista, muito defendida, pois muitos acreditam que ela esteja
1O autor é Bacharel em Teologia pela Faculdade Batista Pioneira (Ijuí-RS). Pós-graduado em Teologia
do NT aplicada pela FABAPAR (Curitiba-PR) e Pastor na Igreja Batista de Estrela (Estrela-RS). O autor
é aluno do Mestrado em Teologia do Seminário Batista Confessional do Brasil. E-mail:
fernandob@batistapioneira.edu.br
associada à santíssima Trindade. A ideia de corpo, alma e espírito surgiu na filosofia
grega e foi muito aceita pelos pais da igreja grega. Clemente de Alexandria, Orígenes e
Gregório de Nissa apoiaram muito essa interpretação.

O texto bíblico base para defender o tricotomismo é: 1 Tessalonicenses 5.23.


Onde o texto então fala sobre as três partes: Corpo , alma e espírito. Então a teoria
entende que o corpo é parte material da natureza, sendo assim a base da alma e do
espírito. Desse modo o tricotomismo defende de forma geral, que todos têm alma e que
essa alma ela envolve o intelecto e as emoções. Assim a alma está ligada às vontades e
ela pode ser usada para o bem ou para o pecado.

Já a terceira parte, que é o espírito, é uma faculdade despertada, quando alguém


se torna cristão. Então o espírito é a parte do corpo do homem que adora a Deus.
Baseando -se em Romanos 8.10, que o corpo estava morto, mas agora o espírito está
vivo por conta da salvação através de Cristo.

A tricotomia, apesar de ser muito convidativa, muitos ainda fazem comparações


como a de um prédio de três andares, sendo o primeiro o corpo, o segundo a alma e o
terceiro o espírito. O terceiro andar está ligado aos céus, onde recebe todos os
suprimentos espirituais. Mas entende-se que essa interpretação é pouco defendida, ela é
mais falada popularmente, mas os estudiosos preferem ficar com a interpretação
dicotomista.

Então a interpretação dicotomista, é simplesmente defendida por dois pontos,


corpo e alma. A defesa dessa teoria é de que espírito é o mesmo que alma. Então o
corpo é parte material do homem. A teoria dicotomista tem sido aceita diante dos
estudiosos desde a idade média, na reforma e nos tempos modernos. A consciência
testifica que há dois e só nele mesmo.

Algo levantado por muitos são textos bíblicos, interligados ou não, com temas
relacionados à dualidade. Por exemplo: O bem e mal. Isso é relatado no Antigo
Testamento pelo monte da benção e o monte da maldição. Outro exemplo é o próprio
pecado e fazer aquilo que é santo. Há outros exemplos como: Misericórdia e graça, Lei
e graça, luz e escuridão, vida e morte. Embora a escritura não cita diretamente a palavra
dicotomia, sempre vemos estes contrastes em diversos temas, além é claro de modo
específico falando sobre corpo e alma. A Escritura é autêntica essa afirmação do homem
de haver apenas duas partes. Essa defesa será mais elaborada nos capítulos seguintes,
onde será traçado no AT e no NT, em defesa da Dicotomia.

4. Dicotomia no antigo testamento

Os registros da criação do homem no Antigo Testamento, deixam claro em relação a


dicotomia, principalmente quando se refere a alma. Em Gênesis 2.7, o resultado do
sopro divino, o copo então é composto e vitalizado pela alma vivente. Nessa passagem
de Gênesis não se refere que o homem tinha uma alma e depois recebeu um espírito.
Mas que Deus soprou uma alma vivente, considerando que nessa interpretação, alma e
espírito se referem à mesma palavra.

Em Jó capítulo 27.3 vemos o sopro de Deus, se referindo a alma vivente. Mesma


coisa em 32.8, onde se nota pela “expressão um espírito no homem”. Isso dá entender
que o resultado do sopro do Espírito Divino, o corpo passa a ter alma vivente. E não um
espírito despertado, defendido pelos tricotomistas.

Ainda no antigo testamento, há passagens que a alma humana distingue-se do


corpo em que habita. Um exemplo é Gênesis 35.18 - “E aconteceu que, saindo-lhe a
alma”; 1 Reis 17.21 -”ó Senhor, meu Deus, rogo-te que torne a alma deste menino a
entrar nele.” Essas duas passagens dão a entender que a alma ou espírito, estão
separadas do corpo ou no caso, não são a mesma coisa. Isso refuta outra teoria sobre a
teoria monista.

Há algo interessante quando olhamos para algumas passagens, pois elas provam
que alma e espírito são a mesma coisa. Em outras palavras ela são intercambiáveis.
vejamos o exemplo de Strong:

Génesis 41.8"[...] o seu espírito perturbou-se"; cf. Salmo 42.6 - "[...]


dentro de mim a minha alma está abatida". João 12.27- "Agora a
minha alma está perturbada"; f 13.21 "[...] turbou-se o seu dar a sua
vida em resgate de muitos"; f. 27.50-"[...] entregou o seu espirito".
Hebreus 12.23-"[...] aos espíritos dos justos aperfeiçoados"; espírito".
Mateus 20.28-"[...] g. Apocalipse 6.9-"[...] vi debaixo do altar as
almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus". Nestas
passagens, parece que "espírito" e "alma" são empregados em
intercâmbio.2

Então há este entendimento de modo geral, segundo a Bíblia, que o homem é


formado por uma substância imaterial (Alma ou espírito) e material (Corpo). O texto de
Gênesis 2.7 deixa claro que o material é o “pó da terra” e o imaterial é o “sopro divino”.
Em eclesiastes , o autor usa a seguinte frase: “o pó volte à terra como era, e o espírito
volte a Deus, que o deu ” (Eclesiastes 12.7).

Ao olhar para o Antigo Testamento, temos os termos em hebraico: nephesh =


alma e ruah = espírito. eles estão colocados na bíblia de forma indistintamente para se
referir a parte imaterial. Isso pode ser observado em mais dois exemplos comparativos
no Antigo Testamento: O que o que se perturba, se abate ou fica triste no homem é seu
"espírito" (de faraó) (Gn 41.8), ou sua "alma" (do salmista) (SI 42.6).

Uma questão levantada diante disso, é o porquê do uso dos dois termos então. O
que os estudiosos dizem é que a distinção entre alma e espírito não é substancial. Isso
deve ficar claro para que não haja erros hermenêuticos. A resposta é muito simples,
dependendo do contexto é usado a alma e para outro contexto é usado espirito. Não são
elementos distintos.

Então o Espírito é o princípio da vida e ação que dirige o corpo. O espírito


denota vida, pois Deus é o criador, sendo ele fonte de toda a vida. A alma, em relação a
termos, expressa a individualidade especial e distinta de cada ser humano. Então,
quando é mencionado a alma, é muito mais uma forma de expressar a individualidade
de cada ser.

Por fim Isaías 42.5, enfatiza a criação divina e o papel de Deus como doador da
vida e do espírito. Ele cria os céus, a terra e, por extensão, todos os seres vivos,
soprando o espírito. Isso destaca a dependência da humanidade de Deus para a vida

Em resumo, essa passagem bíblica do Antigo Testamento destaca a relação entre


o corpo e o espírito, sugerindo uma dicotomia entre a natureza física e espiritual do ser
humano. Elas formam a base para muitas das discussões teológicas sobre a dualidade
corpo-alma.

2 STRONG.Augustus Hopkins. Teologia sistemática. 2.ed. Hagnos: São Paulo, 2007. p 870.
5. Dicotomia no novo testamento

Na dicotomia do Novo Testamento, temos palavras gregas como pneuma =


espírito e psique = alma. Assim como no Antigo Testamento, alma e espírito são
usados de modo alternados e até mesmo de modo para enfatizar, que é o caso dos textos
do Novo Testamento usados para defender a interpretação tricotomista.

Os dois textos mais usados pelos eruditos, em defesa da divisão tripla do


homem, são: Hebreus 4.12 e 1 Tessalonicenses 5.23. Os tricotomistas perguntam, como
os dicotomistas podem explicar esses dois textos bases do Novo Testamento, que estão
indicando que o homem é composto por três partes.

A primeira regra básica da hermenêutica é o contexto. Quando um texto está


fora de contexto, ele é como uma marionete nas mãos do estudioso. Então esse texto - e
toda bíblia- deve ser interpretado levando em conta seu contexto geral. Para os
dicotomistas alma e espírito são o mesmo elemento imaterial. Diante destas passagens,
o objetivo é dar uma exortação e não um ensino sobre quantas partes o homem é
constituído. Veja o que o teólogo Severa fala sobre esse assunto:

Em I Tessalonicenses 5.23 o apóstolo Paulo apela para que o homem


todo seja plenamente santificado para a vinda do Senhor e, então, usa
os três termos (corpo, alma e espírito) para ressaltar a pessoa total,
sem a intenção de diferenciar entre as partes. O que o apóstolo quer é
ressaltar o caráter total da santificação. Não está aqui fazendo
qualquer distinção substancial entre alma e espírito, pois como já
vimos, na Bíblia os termos alma e espírito são usados como
equivalentes, designando o aspecto espiritual do ser humano.Uma
passagem semelhante é Marcos 12.30, onde o Senhor Jesus ensina que
devemos amar a Deus com todo o nosso ser, e diz: "de todo o teu
coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de todas as
tuas forças". É claro que estes elementos, coração, alma,
entendimento, forças, não significam partes constitutivas da natureza
do homem, senão que por todos estes meios o ser humano pode
expressar seu amor a Deus. Em Hebreus 4.12 a intenção do autor é
mostrar como a palavra de Deus pode penetrar até no ponto mais
recôndito do ser humano, até "a divisão de alma e espírito, e de juntas
e medulas, e (...) discerne os pensamentos e intenções do coração".
Também aqui a intenção do autor inspirado não é ensinar em quantas
partes o homem é constituído, e sim referir-se ao poder da palavra de
Deus de sondar o íntimo do ser humano, mesmo os aspectos mais
ocultos e profundos da vida humana.3

Estas e outras passagens mencionadas, sempre devem levar em conta o contexto.


Também deve ser levado em conta a intenção do autor, quando é usado alma e espírito.
Deve ser levado em conta o ensinamento geral das escrituras também.Caso isso não
aconteça, será impossível interpretar esses textos, assim trazendo desarmonia e se sabe
que a palavra de Deus, é auto interpretativa, por conta dessa harmonização.

A ciência pode até trazer teorias do homem ser constituído em três partes, mas
para fins didáticos e até terapêuticos. O cristão deve ficar com a Bíblia, pois ela explica
de forma mais precisa sobre esse assunto. Vejamos mais um exemplo em Mateus 10.28.
Jesus diz que não se deve temer quem “mata o corpo, mas não pode matar a alma”, mas
se deve haver medo “daquele que pode destruir tanto a alma como o corpo no inferno”.
Aqui a palavra “alma” parece representar a parte não física do homem. A palavra
“alma” dá a entender que continuará existindo após a morte, havendo assim uma
separação.

Aqueles que defendem a tricotomia, tem uma dificuldade em definir uma


diferença de “alma” e “espírito”, dentro de suas perspectivas. A defesa é que o espírito
se relaciona com Deus na adoração e a alma são os sentimentos, é uma defesa forte, mas
que a bíblia não permite essa distinção. Finalizamos com uma afirmação de Berkhof:

A exposição geral da natureza do homem na Escritura é claramente


dicotômica. De um lado, a Bíblia nos ensina a ver a natureza do
homem como uma unidade, e não como uma dualidade consistente de
dois elementos diferentes, cada um dos quais movendo-se ao longo de
linhas paralelas em realmente unir-se para formar um organismo
único. A ideia de um simples paralelismo entre os dois elementos da

3 SEVERA. Zacarias de Aguiar. Manual de Teologia Sistemática. A.D. Santos: Curitiba, 2014. p 144.
natureza humana, encontrada na filosofia grega e também nas obras de
alguns filósofos posteriores, é inteiramente alheia à Escritura.4

A dicotomia oferece uma base sólida para a ética e a teologia cristã, destacando
a importância de viver no Espírito e resistir às tentações da carne. Portanto, a dicotomia
do Novo Testamento não apenas se dá com a experiência e as lutas humanas, mas
também desempenha um papel importante na cosmovisão cristã, promovendo a busca
pela santidade e a transformação espiritual, centrada em Cristo.

7. Conclusão
Por que ser um dicotomista? Ela é a verdade? Os benefícios de buscar entender
essa interpretação, é entender que ela preserva essa unidade geral o homem, em relação
ao corpo e a alma. Essa visão é muito mais difícil errar, pois o homem na visão
tricotomista tem a tendência de depreciar o intelecto, emoções e o próprio corpo. Os
tricotomistas dizem que a alma seria menos espiritual. A visão dicotomista ajuda a
lembrar que a vida tem interação com o corpo, assim o espírito e corpo influenciam um
ao outro. O exemplo está em Provérbios 17.22: “O coração bem-disposto é remédio
eficiente, mas o espírito oprimido resseca os ossos.” Assim a dicotomia recorda o
crescimento cristão, assim este deve incluir em todos os aspectos de sua vida. A
lembrança da purificação contínua de tudo que contamina o espírito, para que haja um
aperfeiçoamento na santidade (2 Coríntios 7.1). assim também crescer no conhecimento
de Deus (Colossenses 1.10). O ser humano deve lembrar que as emoções e o desejo
devem se adequar cada vez mais aos desejos do Espírito (Gálatas 5.17) e incluindo o
aumento das emoções reverentes a Deus, relacionadas ao fruto do Espírito (Gálatas
5.22).

8. Referências

BERKHOF. Louis. Teologia Sistemática de Louis Berkhof. Cultura Cristã: São Paulo-
SP, 2015.

HOEKEMA, Anthony. Criados a imagem de Deus. Cultura Cristã, São Paulo-SP,


1999.

4 BERKHOF. Louis. Teologia Sistemática de Louis Berkhof. São Paulo-SP: Cultura Cristã, 2015. p
180.
SEVERA. Zacarias de Aguiar. Manual de Teologia Sistemática. A.D. Santos:
Curitiba, 2014.
STRONG.Augustus Hopkins. Teologia sistemática. 2.ed. Hagnos: São Paulo, 2007.

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