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fjiswire de la Magisrrarure !rançaise des origines li nus jours, Paris. 1957; ~ 8. METODOLOGIA JURÍDICO-PENAL
Rüping, Heirich, Grundriss der SlraIrechlsgeschichle, Munique, 1991; Saltelli,
Carlo, La giurisprudenza della Co"'le Suprema sul codice pena/e, em i\linisrero
di Gi1Ji.zja l! Gillstiúa. Cmiferenza in tema di legislazione fascista. Roma, 1940.
pp. 99 $S.; Schaffstein, Friedrich, La ciencia europea dei derecho penal en la l. Método e dogmáticajllrídica
época dei humanismo, Madri, 1957; Schmidt, Eberhard, La ley y losjueces, em
Radbruch-Schmidt- Welzel, Derecho injusto yderecho nulo, Madri, 1971; Schmitt,
Carl, Überdie drei Artell des rechts~l!jssenschaft{ichen Denkens. Hamburg, 1934; 1. O direito penal é um saber jurídico; método significa caminho; ocami.
do mesmo, Finzioni giuridiche. em Diritto e cultltra, Roma. 1991, pp. 65 SS. nho para alcançar um saber jurídico deve ser Jurídico. O método jurídico é
(reproduz a recensão à ohra de H. Vaihinger, Filosofia de! como si, Berlim, 1911); fundamentalmente de interpretação da lei e esta se expressa em palavras (lin-
Schmitzer, I\dolf, Vergleichende Rechlslehre, Basiléia, 1961; Schubal1h, Manin, guagem escrita). Possui um objetivo prático - que é orientar as decisões
BinnenslraIrechlsdogmalik und ihre Grenzen, em ZStW, 1988, p. 827; jurisdicionais - e, portanto, alcança tal objetivo influenciado pela concepção
Schünemann, Bemu, Consideraciones críticas sob,e la situación espiritual de la geral acerca de tais decisões. Deriva daí que o método sempre esteja condicio-
cienciajllrtdico-penaf a/emana, Bogotá, 1996; Serrano Maíllo, Alfonso, Ensayo nado pelo modelo de estado ao qual o saber jurídico serve, ou seja, sua escolha
sobre el derecho penal como ciencia. Acerca de Sll constnicôón, Madri, 1999; é precedida por uma decisão política fundamental. Quando o Poder Judiciário
Silva, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, S. Paulo, ed. RT; se limita a executar as leis, em função de um ordenamento disciplinar da socie-
Silva Riestra. Juan. Evalución de la ensenanza deI derecho penal eu la Universidad dade no marco de um estado verticalizado de forma militar, é suficiente um
de Buenos Aires, Bs. I\s., 1943; Silva Sánchez, Jesus Maria, Aproximación aI saber jurídico baseado na interpretação puramente gramatical (como a exegese
derecJw penal contemporâneo, Barcelona, 1992; Simon, Dietcr, Die no estado bonapartista), que faz da lei hierarquicamente inferior uma espécie de
Unabhiingigkeil des Rjchlers, Darmstadt, 1975; Simon. Paul, The Senare:S rol in fetiche'; quando o Poder Judiciário constitui um instrumento nas mãos de uma
judicial appoimmencs, em ludicalllre. 70, 1986, pp. 56 ss.; Squella, Agustín facção governante que não ubserva sequer suas próprias decisôes prévias. não
(org.), lhering y la lucha por e! derecho, Valparaiso, 1977; Stephen. James, A há método, c sim meras racionalizações jurídicas da vontade arbitráriaomnírnoda
History oI lhe Criminal Law 01 England, New York, 1882; Story, José, Poder do governo (estado de pulícia); se, entretanto, o Poder Judiciário se encarrega
Judicial de los Estados Unidos de América, su imporullu:ia Y Qlribuciones, Bs. efetivamente da produção racional de decisões, no quadro de uma Constituição
As., 1863; Sutton, J. S., American Govel7lmem, London, 1982; Tavares, Juarez, republicana por cuja supremacia lhe caiba velar, o método se orienta na direção
Teorias do Delito, S. Paulo, 1980, ed. RT; Tobe;;as, Jose Ca~tan, Las Sislemos da construção de um sistema (estado constitucional de direito). Mesmo dentro
luridicos Conlemporáneos dei Mundo Occidemal, Madri, 1957, ed. Reus; Thon. do modelo napoleônico, contudo. o recurso à exegese é insuficiente, apresentan-
A., Norma gillridica e diritta soggettivo, 1878; Tocora, Fernando, Concrol cuns- do-se apenas como o primeiro passo de uma interpretação útil, fracassando desde
titucional yderechos hll11WtlOS, Bogotá, 1993; Viehweg.ll1eodor, Tópica yfilosofia logo perante as leis gramaticalmente equívocas ou contraditórias. sem contar com
dei derecho, Barcelona. 1997; do mesmo, Tópica e Jurispmdência, trad. Tércio o fato de que a linguagem jamais é totalmente unívoca. Por isso, é claro que o
Sampaio Ferraz Jr., Brasília, 1979. cd. Imp. Nac_; Welzel, Hans, Zur Dogmalik direito não é objeto de interpretação senão fnlto dela, ou seja, de uma variável que
jm SlraJi"echl, em Fesl.f Maurach, Karlsruhe, 1972, pp. 5 sS.; do mesmo, Rechl não depende apenas da legislação mas, sobretudo, da atividade doutrinária e
und Silllichkeil, em Fesl.f Schaffslein, Gottingen, J 975; também Abhandlungen jurispnldcncial2, que nunca é asséptica ou inocente a respeito do poder.
zum Slrafrechl ""d zur Rechlsphilosophie, Berlim, 1975; Wilson, O. M.,Digeslo
de la ley parlamenraria, trad. A. Belim, Buenos Aires, 1877 (prefácio ele Domin- 2. Qualquer método, para ser jurídico, requer uma análise exegética (e
go F. Sarmiento); Wolt", Erik, Grosse Rechtsdenker der deulschen também histórica e genealógica) da lei e uma posterior construção explicativa.
Geislesgeschichle, Tiibingen, 1951; Wolkmer, Antônio Carlos, Pluralismo Jurí- Em suma, trata-se da necessidade de construir um sistema, isto é, de formar um
dico, S. Paulo, 1997, ed. I\lfa Ômega; Yardley, D.C.M., inlroduclion to Brilish conjunto organizado que enlace seus elementos. É, aproximadamente. o que se
Conslilllc/onal La IV, Londres, 1990; Zaffaroni, E. R., En busca de las penas
perdidas, Bs. I\s., 1990. Doracto. Pedro. El duecha y sw' sacerdotes, p. 43. Sobre a escola da e.'(cgese. Coelho. Luiz
Fernando. Lógica Jurídica c lnlcrprd:lçào das Leis. Rio, 1979. cd. Forense. pp. 88 s<;,.
Guaslini. Riccardo _ Rebuffa. Giorgio. na Introducciún a Tarcllo, Giovanni, p. 16.

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faz desde que os glosadores inauguraram o saber jurídico-penal3 , rccordando-
conceitual para prover segurança jurídica, sem prejuízo de que muitas vezes a
se como primeira definição jurídica do delito aquela formulada por Tibério dogmática nem sequer tenha permitido tal previsibilidade.
4
Deciano , e que se expressa com", metalinguagcm manifesta desde o século
s
XIX ;.com a chamada dogmática jurídica, consistente na decomposição do
• 4. Já se observou que o saber jurídico-penal (direito penal) tem por objeto
texto legal em elementos simples de conteúdo reconhecido (dogmas), com os
a segurança jurídica (aqui entendida como a dos dircitos ou bens jurídicos de
quais, em seguida, se procede à construção de uma teoria interpretativa, que toda a população) ao propor üs agências jurídicas que operem otimizando scu
deve corresponder a três regras básicas: a) completitude lógica, quer dizer, que exercício de poder para controlar, limitar e reduzir o poder das agências de
não seja interiormente contraditória. Esta regra será violada, por exemplo, por criminalização primária e secullll~í.ria. Assim, tut.clará os bens jurídicos de (Od3
uma teoria que considere uma mesma circunstância eximente e atenuante, sem a população diante de UIIl poder que, de outro modo, seria ilimitado (na forma
compatibilizar os critérios (sem distinguir os casos onde exime de pena e onde
do estado de polícia) e acabaria no caos que o artigo 60, ~ 4°da Constituição da
simplesmente a atenua). porque equivale a dizer que alguma coisa é c não é ao República quer evitar; deste [lOgulo, a segurança jurídica, mais que segurança
mesmo tempo: b) compatibilidade legal, ou seja, que não possa imotivadamente por meio do direito, seria a segurança do próprio direitos. Esta percepção do
postular decisões contrárias à lei. Tal regra não deve ser entendida qual servilis- direito penal se esquiva à crítica que considera que o projeto político e social da
mo exegético para com a letra da lei penal subordinada: a construção deve modernidade frustrou-se por não resolver o problema da violência, por identil1-
considerar, antes de mais nada, a Constituição e o direito internacional dos car o direito como racionalização da violência9, respondendo ao famoso para-
Direitos Humanos; a compatibilização deve privilegiar a lei constitucional e doxo de Radbruch: ml0 um direito penal melhor. mas sim algo melhor que ()
internacional; c) harmoni£ljurídica, também chamada de lei da estéticajurfdi-
direito penallu. Um direito penal melhor é aquele que reduz o poder punitivo,
ca6, segundo a qual a construção deve ser simétrica, não porém artiticiosa OLl abrindo assim espaço para modelos cficazes de solução de conflitos, quc serão
amaneirada, c mostrar certa grâce c/li nalure/. Esta regra não se impõe tão sempre algo melhor que o poder punitivo.
absolutamente quanto as duas anteriores, mas sua observância é altamente cun-
veniente. Uma teoria que admita faltar em um pressuposto o que é necessário
5. Aquela função de prover segurança jurídica não se satisfaz com uma
em outro, e procure sair deste impasse inventando equivalentes eventuais em
mera previsibilidade das decisües: segurallçajurídica não é segurança de res-
cada oportunidade, não respeita essa regra.
postall. Tuuo uependerá de qual resposta segura se trate, pois o estado ele
polícia costuma oferecer certa segurança de respostal2, embora o positivo ncs-
3. Afirma-se que a dogmática jurídica "estabelece limites e constrói con-
ses casos pode ser precisamente eludi-la. Não é tampouco sul1ciente a constrll-
ceitos, possibilita lima aplicação do direito penal segura c previsível e subtrai
çâo conceilual para que O discurso jurídico garanta segurança jurídica. Uma
essa aplicação da irracionalidadc, da arbi[rariedade e da improvisação"7. O
construção conceitual especulativa, elaborada em função de dados legais e da-
certo, porém, é que não basta a previsibilidade das decis6es ncm a conslruçâo
dos da realidade selecionados para não desvirtuá-la, racionalizando deste modo
qualquer exercício do poder punitivo. mas que omita ser guiada por um sentido
político (que não se pergunte para que serve) não é capaz de prover segurança
A rigor. a modernidade jurídica começa no século XII, com a renovação do direito justiniâneo.
cC Pereira dos Santos, Gérson, Do passado ao jutllro em direito penal, p. l7; Rüping, fi.,
Grulldriss, p. 33; Morillas Cueva, Lorenzo, MelOdología y cieflcia penal. p. 13; Piano
Mooari. Vincenzo, Dogma/ica e illlerpre/al.iolle, p. 13; Legemlre, Pierre, em Derecho y Radbruch. Gustav, llllrod/ICcicJlI, p. 39; contrapõe-se à lese que sustenta a proteção dos
psicoanálisi.~, p. 131 55. hens jurídicos assinalados pelo legislador, e ao conseqilentc debate com aqueles que
Seu Trac/ollu Criminalü (1590) dizia que "delito é () fato dito ou escrito de um homem, postulam a tutela de valores étic(Hociais, que se resolvia pela visão dominante atribuin-
por dolo nu por culpa, proibido peia lei vigente sob ameaça de pena, que nenhuma justa do uma suposta dupla função protetora (ussim, Wcsscls, p. 2; f••.tezger-Blei, pp. 116.7,
causa pode escusar" (d. Schaffstein, Friedrich, La ciencia ellropea, p. 112). I\tezger, Modeme Wege, p. 2t 5S.: llaulrI:J.lln, pr. 13-14: Bockelmann, p. 53 5S.: Mayer,
Jhering, Rudolf von, L'esprit du Droit Romain, 1. m, p. 26 $S.; Pasini, Dino, Etl.l'ayo sobre H., p. 20; Stratenwerl, p. 28 5S.).
lhering; Wolf. Erik, Grosse Rechlsdenker, p. 616 $S.; completa informaçãu em Agustín Mcssner, Claudio, em D[)Ut>, 1/94, p. 51 ss.
Squella (org.), lheri"g y la lucha por el derecho. Radbruch, Gustav, El lwmbrc t'T1 el derecho, p. 69.
Sobre ela, Jhering, L 'esprit du Droit Romai", 1. fIl, p. 69.
Cf. Girnhcrnat Ordcig. Enrique, em Problemas ac/uales de las Ciencias Penales y de la
" A respeito do conceito ohjetivo de segurança ~ do sentimento de segurança jurídica,
Carrara, Programma, n° 103; Carrnignani, EJemeflfQ, n° 124.
filosoFa dei DerecllO, p. 495 ss.
" Cf. L6pez de Oilate, Flavio, La certeza dei derecJlO, p. 16 J.

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jurídica. por mais previsíveis que sejam as decisões jurisdicionais que ela pro- 8. lf inevitável que o direito penal se assente sobre uma decisão pré-
puser. A velha jurispntdência de conceitos seria o paradigma de semelhante dogmática (ou pré-sistemática) para construir Os conceitos sistemáticos, de
construção e sua crítica não é novã'3 . Por outro lado, há também construções acordo com wn selllido (objeth'o político), não só como resultado de uma de-
concel\uais autoritárias e totalitárias, feitas sob medida para estados de polícia, dução, como também porque, empiricamentc, a própria história do direito penal
embora illgumas pareçam rudimentares, questionáveis portanto em sua consi- demonstra que tanto se pode teorizar para preservar os espaços sociais de liber-
deração corno saber jurídico. dade do estado de direito ou para reduzi-los - conforme o modelo do estado de
polícia - quanto se pode construir conceitos de segurança cujo objeto cOITesponda
6. O objetivo atribuído ao saber jurídico-penal não é produto do método, aos direitos das pessoas ou à autoridade corp~rativa do estado, ou seja, para
mas sim pressuposto delel4• O método é o caminho e este se constrói para consolidar o estado de direito ou para destruí-lo. A/llllciolla/idade politica dos
chegar a algum destino. O direito penal, neste sentido, é teleológico: trata-se de conceitos jurídicos é só um dado ôntico; o sistema pode assumi-la e expressá-
um saber com um destino político definido de antemão, que pode ser garantidor la, tornando-a mamfesta, mas se não Ofizer a única coisa que consegue é
(limitador) ou autoritário (supressor de limites), funcional quanto ao estado de deixá-la latellle.
direito ou ao estado de polícia. A construção jurídico-penal não tem outro re-
curso senão escolher de uma maneira consciente seu objetivo, pois. em caso 9. Não é possível negar que há usos relativamente perversos do método
contrário. não sabe o que constrói, porque não esclarece previamente para que dogmático. Sua aplicação estritamente linlitada às leis clássicas (completitude
serve e. por conseguinte, ignora a que lugar conduz: o discurso penal lllllOritá. lógica c compatibilidade legal), a restrição de dados para interpretar, reduzin-
rio é irracional por seus objetivos, mas aquele que pretende ser politicamente do-os aos normativos (dever ser), a refutação de dados do ser ou sua seleção
neutro é irracional por seu método construtivo, sem preju{zo de que possa arbitrária e a incorporação de dados do dever ser corno se procedessem da rea-
acabar /lOautoritarismo e ainda que mio ()Jaça. lidade (confusão dos planos normativo e ôntico) permitem construções
especulativas conceituais que possibilitam a imposição de penas a fatos que não
7. Os objetivos políticos foram legislativamente Illoldados desde o século XIX: são ações nem são lesivos; que todo resultado seja considerado previsível; que
Feuerbach sustentava que o.direito penal- através dos tipos - tutelava direilOs subje- de todo comportamento se deduza insurgência quanto a um valor jurídico; que
tivos, em oposição ao bonapartismo, que lhe concedia a tutela do direito objelivo, todo vulnefÜvel seja tido como perigoso; que rodo dissidente seja considerado
entendido como vOJ1lade do estado, da lei ou - o que é pior - do legislador. A vontade inimigo do estado ou da sociedade; que toda lesão seja vista como censurável;
do estado ali da lei é algo tão misterioso quanto seu esp(rjto; a do legislador pode ser ou ainda que toda censura alcance a máxima entidade.
entendid.l como uma ficção, como a dos projetislas ou a do legislador histórico. A
primeira, por 1150 passar mesmo de ficção, não existe; os projetistas são tantos que é 10. Todas essas racionalizações (falsas aparências de racionalidade) fo-
muito difícil averiguar qual foi sua vontade, se é que ela exjstiu~ a do legislador ram historicamente construídas em forma de sistema. Prova disso é que, sal vo
hislórico é reconhecível. às vezes, se foi expressa nos fundamentos dados (exposições uma minoria (u Kielerscllllle), os penalistas alemães restantes continuaram traba-
de motivos). As exposições de motivos constilllCITlUIlldado histórico que não deve ser lhando com método dogmático sobre a legisração penal nacional-socialista'6•
desprezado como parte da análise da lei, mas que não vincula o intérprete's. método também usado pelo fascismo17 • que se colocou a serviço da segurança
nacional em nosso continente'8 e que hoje, potencializando o estado de polícia,
atende aos esforços de uma absolutização da chamada segurança cidadã com
teorias de prevenção gcraL Tais racionalizações autoritárias legitimam o poder
punitivo, começando por legitimar toda a criminalização primária de uma manei-
ra acrítica. Para cumprir essa função política, seu ponto de partida teórico é uma
I' A crítica originária tocou ao próprio Jhering, Der ZU'eck im Redu. Considera-se o antece- confusão dos planos normativo e fático: o requisito republicano, segundo o qual o
dente da chamada "jurisprudência de iOlcrcsses" (cf. Recil5cn5 Siches, Luis. Panorama. p.
268 >S.).
l~ Sohn: a necessidade de um ponto de partida cxtralegal para iniciar a cadeia argumentativa.
Bacigalupo. Enrique. em DDDP. n° 2, 1983, p. 259. I!> v. Mezger. Edmund, em ZStW, 57, p. 675 ss.
I' Cf. infra, ~ 10, IV. Cf. Florez de Quinones. ~1.C.R., Valor yfunci6n de las exposici(Jnes n Saltelli, Carlo, em Conferenze in tema di legislaz;one fascista, p. 99 55.

de motivos en las nonnas jllridicas, Santiago de Compostela. 1972, ed. Un.S.Comp. 11 Bayardo Bengoa, Fernando. Dogmática jurídico-peneI!.

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legisladorde\'e ser racional, transmutll-sc naficção de que o legislador é racio- riar, de modo que ele tende a ultrapassar o dique por transbordamento. Para evitar
nall'). Partindo dessa ficção, a doutrina penal se impõe como tarefa construir um isso, deve o dique dar passagem a UfiUl quantidade controlada de poder punitivo.
sistema que legitima todas as crimin~lizações primárias decididas em função de fazendo-o de modo seletivo,filtrando apenas a torrente menos irracional e redu-
políticit(; e maiorias conjunturais, sacrificando os dados da realidade que pel1ur- zindo slIa turbulência, mediante um complicado sistema de comportas 'lue impeça
bam ali obstaculizam sua elaboração. Deste modo, obteve-se um grau tão refina- a ruptura de qualquer lima delas e que, caso isto ocorra, disponha de outras que
do de racionalização que é possível explicar, nos termos dessa sistemática perversa, r~assegurem a contenção. O direito penal deve opor ao poder punitivo lima
qualquer decisão criminalizante, por mais absurda e arbitrária que seja20 . seletividade com sinal trocado, conligurando perante ele umacofllraMseletividade.
A proposta de uma constante contrapuls50 jurídica ao poder punitivo do estado
11. O princípio republicano de governo impõe que seus atos sejam raeioM policial, como um unfinished, impurta atribuir al) juiz penal a função de um pcrM
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nais , mas ncm sempre eles são tudo o que de~'emser. A chave superadora está sonagcm trágico22, cujas decisões nunca aparecerão como completamente
em construir um sistema no qual as decisiJes jurisdicionais sejam racionais, satisfatórias, porque deve opor toda a sua resistência ao poder punitivo. O poder
descarrando os atos legislativos, total ou parcialmente, quando sita punitivo que ameaça transbordar do dique é aquele habilitado pelas leis com fun-
irracionolüJlldefor irredwivel, isto é,formulando uma propOSladogmática que ções punitivas latentes ou eventuais. A respeito, porém, do poder punitivo que as
assegure ()avanço do principio republicano e não seu próprio definhamento. leis penais manifestas habilitam, daquele que é menos irracional, não pode fechar-
lhe completamente a passagem, embora deva envidarcsforços para que seja aberM
12. A perversão na aplicação do método dogmático não é uma conseqii- ta só quando esliverem ultrapassadas as comportas dos sucessivos momentos
ência da construção conceitual de um sistema, mas sim do sentido com que se processuais (ele as entreabre com o processo, as abre com a prisão preventiva,
constrói esse sistema (o para quê do mesmo), que fracassa quando ele é subme- determina a quantidade que deixa passar com a sentença c controla a que passa
tido ~Iservidão de umei'lado legal de direito em lugar de convertê-lo em instru- durante a execução) e estiver legalmente comprovado que em todos eles ocorre
mento de um estadu cunstitucional de direito. O estado legal de direito pode um pressuposto onde a racionalidade do poder está menos comprometida.
não ser autoritário, mas sempre corre o risco de sê-lo como conseqüência da
onipotência legislativa, tendente a clamar por um sistema dogmático servil e 2. Nesse percurso. as hidráulicas penal e processual penal devem coinci-
incondicional que sacrifique a realidade pela pretensa vOllladedo legislador. A dir, a fim de permitir que as comportas só possam ser ultrapassadas pelo poder
sistem:uização não tem outro efeito senão cvitar contradições internas da teoria, punitivo que não apresentar sinais de irracionalidadc. Ao fim do percurso, che-
transferindo para toda a construção um componente teórico, que sení autoritá- ga-se à criminalizaçii.o secundária formal de lima pessoa, o que em termos
rio ou limitador segundo a prévia função política atribuída ao sistema de COfllM jurídico-penais pressupõe duas grandes linhas de comportas seletiva.~';a) a
preensão que se constrói (teleologia construtiva). primeira impede a passagem do poder punitivo quando os presi'u{Jostos para
requerê-lo li agência judicial não estão dados; b) a segunda indica o modo como
a agência judicial deve responder a esse rcquerimenro. A primeira é chamada de
lI. Necessidade de construir 1lI1l sistema teoria do delito, e a segunda de teoria da responsabilidade penal.

1. O direito penal deve programar o exercício do poder jurídico como um 3. Não causa espécie o falo de que o direito penallcnha se detido para
diqlteque contenha o estado de polícia, impedindo que afogue o estado de direito. elaborar a teoria do delito de modo sumamente refinado, em especial quanto à
Entretanto, as águas do estado de polícia se encontram sempre em um nível supe- aplicação do método dogmático, pois esta, COlllO sistema de filtros que permite
formular a indagação acerca dos pressupostos de uma resposta da agênciajurí-
dica habilitante do poder punitivo, constitui a mais importante concrcção da
19 Cf. Pereira de Andrade, Vem Regina, Dogmática e sistema penal, p. 66.
função do direito penal a respeito do poder punitivo negativo ou repressivo,
:{J Cf. SchUnem3.nn. Bernd. Cnnsideraciones críticas. p. 51; Pereira de Andrade, Vem Regina.
[)ogmática e sistema penal. habilitado pelas leis penais manifestas. Neste capítulo a dogmática jurídico-
!I Sobre níveis t: critérios de racionalidade (lingUística, jurídicoMformal, pragmática. penal alcançou seu desenvolvimento mais sutil, supcnlimcnsionado em relação
tekolcígica, ética). Nozick. Robert, lA rzalUrale;:l1.
de la raciollalidad; García, José FerM às demais questões do direito penal.
nando. l.a raciollalidad en política y cn ciellcias sociales; Atienza, Manuel, Tras la
justicia, p. 199 5S. 11 Dreher, Eduard, em Fest. f Bockelmanll, p. 45.

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4. Dentro do esquema tradicional de discursos legitimantes do poder puni- sllbjetivo, que não é tão rudimentar quanto se pretendc:27 nem muito direrent~ dos do
ti vO,pôs-se em discussdo li necessidade de um sistema, com diversos argumen- século passado europeu continellla! e daquele ainda hoje vigente na doulrina francesa.
tos e objetivos. Tendo em vista o deseH'Volvimento tão notório e desproporcionado Teóricos e legisladores de tradição :mglo-saxônica foram inOuenciados por legisladores
da teor~ do delito, não é de se estranhar que nesse assunto se confundam as europeus continentais2M ,e as respectivas obras doutrinárüt'\ registram tal influência. As
críticas ao próprio método e à dogmática com aquelas que se dirigem para comparações doutrinárias não são raras nas últimas décadas2Y , o que comprova a exis-
algumas específicas construções da teoria do delito. tência de um sistema, pois, de outro modo, seria impossível levá-Ias a cabo.

5. Hoje em dia tornaram-se históricas as críticas à construção do sistema de 8. OUlra venente crítica observa que a construção de um sistema pode prejudi-
compreensão proveniente da t.:scola de Kiel, ou melhor, do nacional-socialismo pe- car ajustiça quanto à solução de casos parriculares, redu7.ir as possibilidades de solu-
nai ativo e militante, que defendia um delito entendido como toralidade, reduzindo o cionar problemas, chegar a decisões contdrias à política criminal ali incidir na
direito penal a pura decisão política. Estamos procurando demonstrar que a constru- aplicação de conceitos excessivamc:nle abstratosJO, A rigor. esses defeitos não são
ção do sistema pressupõe uma decisão polÍlica pré-sistemática, ao contrário de urna atribuíveis à existência de um sistema. mas às características particulares de alguns
construção tradicional que, às vezes, a esquece e considera possível construir um sistemas. Merece especial menção a observação referente à política criminal: se, como
sistema que prescinda dessa decisão (como, por exemplo. a maior parte do tal, se entende a dificuldade para levar alguma função manifcsta da pena at~ suas
neokantismo); a Kielerschule tentou o caminho exatamente inverso: resolveu ficar últimas conseqüências, em um sistema quc o impede pela necessidade de não contra-
com a pura decisão polílica. É perfeitarnellle explicável: a decisão política irracional di7.er algum dado legal ou
interno, além de que, às vezes, isso possa ser uma vallta.
em favor do estado de pulícia <.ksiste dt: oferect:r à agência judicial um programa gem e não um defeito (quando um limite impede a pretensão de impor tudo aquilo de
racional de decisões, não só desnecessário corno também incômodo e perturbador que a aspirada prevenção necessitaria), nos casOS contrários se trata de um defeito
para o estado de polícia!J. também atribuível à construção do sistema e não fi sua mera existência. Se se constrói
um sistema partindo de uma pretensa função positiva do poder punitivo. e a medida
6. Tão históricos quanto os esforços dos penalistas de Kiel são aqueles levados da pena que esta função indica não pode ser obtida porque a lei não o permite, deve
a cabo pelos jus-filósofos da escola egológica argentina~~•.os quais não ostentavam optar-se entre considerar inconstitucional a lei ou metodologicamente incorreta a
signo político manifesto, sendo duvidoso que, em alguns aspectos. correspondessem a construção, por violar a regra da compatibilidade legal.
essa corrente de uma maneira ortodoxa. No caso da cgologia, as tentativas de aplicar
a teoria do direito em geral ao direito penal em particular não passaram de manifes- 9. Outra objeção à sistematização do direito penal e especialmel1le do delito
tações isoladas. Do mesmo modo, os escassos ensaios baseados no ncokantismo de poderia provir da chamada tópica ou pensamento problemático, que remonta a
Marburgo tampouco surtiram efeilo~j. Arislóteles, Cícero e Vico, e que consisle em argumentar favorável e contrariamente •.i
todas as possíveis soluções de cada caso em particular, até chegar a uma que suscite
7. O entendimento do direito penal anglo-saxão (sobreludo britânico) conservaria consenso geral como manifestação de vontade comum (tal como Viehweg propôs em
mais atualidade, como urna prova empírica das possibilidades de funcionamento de famosa conferência de t 950)11. Além do fato de que o método traga poucas inova-
uma agência judicial que oferece garantias. apesar de não dispor de um sistema teórico ções, pois é a base de qualquer gênero de propostas conciliatórias. conhecidas em
de direito penal e especialmente do delito2(,. Trata-se de um posicionamenlo pouco matéria de ofensas à honra há alguns séculos.l~, e de que <I solução por consenso seja
convincente. porquanto é basti:lOteclaro o fato de que ajurisprudência inglesa dispõe de
um sistema estruturado na mens rea e no actus reus, quer dizer, de um sistema objetivo- . , 11 cr. () desenvolvimento de Smith-lIogan; o conceito de merls rea em Cadoppi, Alberto .
Estralto dal Digesto; historicamente, Prentiss Bishop,1ncl. New Commelltaries; Stcphcn,
James Fitzjames, A history.
]~ Cf. Cudoppi, Alberto, em RIDPP, 3, 1992.
H Sobre o irracionalismo de Kiel, Morillas Cueva. Lorenzo, Metodología. p. 176. ],. Por exemplo, Eser. Albin - F1cteher, George S., Rechtjertigung ulld Enrschuldigtmg.
Landaburu, Laureano, El delito como estfllClUra; Atülión, Enrique R., UI escuela penal _,O! Roxin, p. 214.
técnico-jurídica. 'I Viehweg, Theodor, Tópica y filosofia. Cf. [Jmbém sua tese ele livre-docência em Muni-
H v.. por ex., Klcin Quintana. Julio. EnsC/yo de una 1f!oría jurídica dei dereclio penal. que, de 1953 (Vichweg, Theodor, Tópica e Jurisprudência, trad. Tércio Sampaio Perraz
~ó Nino. Carlos $., Consideraciones sobre la dogmática; do mesmo. Algunos modelos 1r., Brasília, 1979. ed. Imp. Nac.)
metodológicos de ciencia jurídit.:a. .'1~ Albergati, Fabio, Del modo di ridj~rre li pace l'inimicirie private.

158 159
tradicional em muitas culturas pré-hispânicas de nosso continente, é natural que o renovação clílica13; e, por fim. o empenho sistemático cos£Uma esquecl:r-se de que a
âmbito onde a tópica tenha sido discutida mais amplamente seja o do direito civil, por interpretação judicial das leis é um alOde compreensão de textos, e por is:-;oman.:ado
se tratar de um insumo retórico para à solução conciliatória de conflitos. Sua aplica~ também pelas limitações. preconceitos, subjetivismos, rotinas e espontaneidade das
ção aó'{lireito penal33 só é imaginável à medida que sejam adotados mecanismos de demais formas de compreensão4.1 •
diversion34 , nos quais os conflitos saiam do direito penal para serem resolvidos por
via conciliatória, mas enquanto tais conflitos se mantiverem dentro do modelo puni- 11. Tais objeções propõem duas questões: a) a metodologia que permitill
tivo lama-se impossível, porquanto a intervenção penal é incompatível com a conci~ a legitimação do poder punitivo será lÍtill}{lralimitá-lo, fIO momento de efetu-
liação, por tcr suprimido a vítima: não há qualquer possibilidade de consenso quando ar sua deslegitimaçc70 como base de /Im direito penal moderador e redutor
uma das partes fica excluída do modelo e passa a ser substituída pelo poder, que dele? b) É possível construir um sistema a partir da des/egitifflaçâo do poder
assume seu papel através de uma ficção. punitivo? Cabe urna resposta afirmativa às duas perguntas. Respondcr ncgati-
v<tfficntc a essas perguntas implicaria assumir a mesma atitude da Kielerschi/le.
10. As objeções que foram formuladas à construção de um sistema em direito apenas de modo inverso: tratar-sc-ia dc substituir () sistema por lima decis50
penal e à dogmática jurídico-penal em particular, especialmente no âmbiw da teoria política pura, só que em lugar de fazer a opção pelo estado de polícia, far-se-ia
do delito. têm considerável consistência e não podem ser ignoradas, até porque a pelo estado de direito. Tal tentativa provocaria lima ruptura do próprio estado
sistematiza~'ão não cumpriu suas promessas35• Em boa medida, pode-se mesmo afir- de direito: o estado de polícia tolera a substituição política (sendo, por dcfini.
mar que o empenho sistemático facilitou a racionalização do poder punitivo c não ção, arbitrário - sua (mica coerência se dá através da vontade do poder, cuja
questionou sua função, bem como que a pluralidade de teorias pennitiu sustentar expressão mais elevada é o Führerprinzip)45, Illas não a tolera o estado de direi-
soluções díspares e. portanto, proceder de modo arbitrário. Cabe imputar ao empenho to, que impõe aos juízes decisões racionais. A circunstância de que o sistema
sistemático alguns equívocos, principalmente pelo mito do legislador racional, ins- deva ser construído completando-se logicamente a partir de uma função Illode.
trumento teórico que lhe subtraiu [orça crítica3ó; a pretendida assepsia ideológica de mdora não lhe tira o caráter de sistema: as contradições com soluções obtidas
algumas construções ignorou que a ideologia é parte inevitável do discurso jurídic037; por um sistema que apenas se constrói em busca de completitude lógica (supos-
certo uso do método propiciou comparações com a geomerria e a teologial~; freqüen- tamente livre de qualquer funcionalidade política) serão inevitáveis e dificulta-
temente incidiu.se num excesso de nonnativismo39 com formulações exclusivamente rão a discussão e comunicação entre teorias, mas este é o conhecido problema
abstratas40, o que por vezes lcvou.o a encerrar.se numa "jaula de Paraday'''Il; a defi- da incomensurabilidade, dilema próprio da epistemologia geral c não do direito
ciência na integração dos postulados dos direitos humanos.J2. que ex ige uma séria penal cm particular46.
.1.1Em sentido crítico c reivindicando a necessidade do sistema. Gimbernal Onleig, Enrique,
COIlCeplU y método. p. 105. 12. O desenvolvimento conceitual do direito penal- em particular, o rere.
.\~ Sobre este conceito. Kury, Helmut.Luchenmüller. Hedwig, Diversioll; cf. RIDP. v. 54, rente à teoria do delito - constitui um esforço de raciocínio e pesquisa muito
1983, nO 3-4. peculiar dentro do campo jurídico. Quase todas as possibilidades sistemáticas
.1~ Cf. Pereira de Andrade, Verti Regina, op. cit.
de construção, com díspares fundamentos tilosóficos, de teoria do conhccimcn.
l(' Sobre este miro, Nino, Carlos S,mtiago, COl1sideraciones sobre ia dogmática jurídica.
l7 Kennedy, Duncall, Libertad y restricción enio decisiónjudicial; sobrc os difcrentes concei~ to e de metas políticas foram exploradas. Refutar essa experiência e esse treina-
[OS da ideologia e sua história, Eagleton, Terry. Ideolog[a. mento seculares, na tarefa de construir um direito penal exclusivamente redutor
.l~ Gardella, luan Carlos, em Encidopedia Jurídica Omeba, p. 230; Cerroni. Umberto, do exercício do poder punitivo, seria mergulhar no eonsabido absurdo de pre-
Metndología y ciencia social. p. 112. Afirma-se que a idéia de sistema, estreitamente tender descobrir o que todos conhecem e levaria a uma série de desatinos
vinculada à questão da certeza da fé no debate teológico, leria passado, no início do
século XVII, da astronomia e da teoria musical à teologia, à filosofia e à jurisprudência
(Luhmann, Niklas. Sistema Giuridico e Dogmafica Gillridica, trad. A. rcbbrajo, Bolo-
nha, 1978. ed. 11Mulino, p. 35) .
.1~ Küpper, Gcorg, Grenzen, p. 202; Creus, Carlos, em NDP, nO 1997/B, p. 609 S5. .J.l Fernández Curr:lsquilla, Juan. em Actuaiidad Penal, n° 2, [995, p. 6955.
40 Novoa Monrcal, Eduardo, La evolución deI derecho penal, p. 46; do mesmo; em DP, 1982, 44 Hasscmcr. Winfricd. Crítica deI duecho penal de ho)', p. 42.
p. 567 ss. Ü Seu enunciado em frank. Hans, Im Angesicht des Galgens, p. 466; do mesmo.
~l Schubanh, Manin, em ZStW. 1998, p. 827. Rechtsgnlfldlegung de.~ naziollal.mzialistischen Führerstaafes, pp. 11 e 39.
4~ Carvalho, Sala de. em DS-CDS, n° 4, 1997, p. 69 5S. 46 Fcycrabend. Paul K., Diálogo sobre el mêtodo.

160 16!
intuicionistas isolados e, sobretudo, inidôneos para a função prática do direito IIl. Sistemas classijicatórios e teleológicos, dogmáticas
penal (orientar as agências jurídicas do sistema penal). O direito penal se dissol- legitimantes e poder político e jurídico
veria numa crítica política sem serrlido prático'H. No fundo. seu resultado seria
legiti"mante através da neutralização da critica discursiva: a extrema I. Os sistemas de compreensão elaborados pelo direito penal podem ser
radicalízação política do discurso anula seus efeitos críticos. pois produz um teleológicos ou classijicatóriosSI segundo sua elaboração pressuponha uma
,

imobilismo impotente por incapacidade de mudar tudo a partir de uma prévia funcionalidade política e social ou se limite a simplesmente organizar, classifi-
redução a nada. Certamente isto não significa que haja um único sistema ou car e hierarquizar elementos ou componentesS2 • Neste último caso, omitem toda
constmção válidoS48 • pois o saber jurídico. que nesse aspecto não se distingue referência ao objeto que o saber penal busca, ou o subestimam, com o que sua
dos demais saberes, sempre admite a elaboração de um sistema livre de contra- função fica latente. Embora a opção por um ou 'outro caminho pertença aos
49
dições, embora incompatível com outro que tampouco as contcnha . teóricos, nem por isso se deve pensar que a aceitação de um ali de outro critério
depende apenas de uma decisão tc'órica desvinculada do poder. A esse respeito
13. Para um direito penal entendido como filtro redutor da irraeionalidade nenhuma teoria conspirat6ria é verdadeira, sendo incabível imaginar que a dou.
e da violência do poder punitivo. as comportas do dique penal que contiverem trina se elabore diretamente por incumbência do poder. O êxito político de uma
as águas desse poder devem fazê-lo com inteligência. Descartado o impedimen- sistematização (sua influência sobre as agências jurídicas) depende do poder,
to da passagem de toda a água (que levaria o dique à estagnação ou à ruptura), porque o saber jurídico é aplicado, ou seja, é um saber posto a serviço das
ele não poderá permitir a passagem de qualquer água nem de qualquer forma: agências jurídicas e estas preferem os sistemas de compreensão que sejam mais
sua quantidade, qualidade ~ forma de passar devem ser cuidadosamente pre- úteis para seu próprio exercício, o que, por sua vez, depende da estrutura de
determinadas. Se o poder punitivo é uma força irracional e o direito penal deve poder da agência jurídica e do estado. Os teóricos podem afastar-se dessas ne.
dar passagem somente àquela parte dela que menos comprometa a racionalida- cessidaues, mas suas construções não terão êxito político - pelo menos imediato
de do estado de direito, a seleção penal deve ser racional, para compensar - até _ porquanto as agências não as assumirão por resultarem disfuncionais para o
onde puder - a violência seletiva irracional da torrente punitiva. Duas seleções modelo decisório que a estrutura de poder na qual estão inseridas lhes impõe.
irracionais resultariam, pelo menos, numa soma de irracional idades, sem preju- Na história do saber penal podem ser encontradas construções teóricas margi-
ízo de sua eventual potenciação. As comportas não podem opcrar esta seleção nais, algumas citadas como raridades, embora fossem inteligentes e de maior
inteligente se não se combinarem em forma de sistema, aqui entendido - ante a valor científico que outras, mas que não exerceram influência alguma sobre as
equivocidade do vocábulo - em seu significado kantiano: "a unidade de diver- agências jurídicas, em viI1ude de não servirem ao exercício de poder na ocasião.
sos conhecimentos, segundo uma idéia ", de modo que, a priori, se conheça o Outras vão adquirir importância em uma etapa histórica posterior à sua formu-.
âmbito de seus componentes e os lugares das partes50. lação: Beccaria c suas traduções não influíram sobre os tribunais, mas sim
sobre os políticos de seu tempo, pois a doutrina que as agências jurídicas daque.
le momento absorviam era a dos comentaristas das leis vigentes; Dorado r-.1ontero
não influiu tampouco sobre os juízes etc. Em geral. as que obtêm êxito - inclu-
sive político - conseguem isso através das agências ideológicas reprodutoras,
nas quais são treinados os futuros operadores das jurídicas.
H O ensaio mais refinado para resolvê-lo a partir da teoria política é o uso altcrnativo do
direito; cf. Barcdlona. Pielro - Cotturri, Giuseppe. El estado y los juristas; também 2. Ensaiar um sistema de compreensão do direito penal para um estado
Andrés Ibaõcz. Pcrfccto, PoUrica y jus/ida e/l el eJwdo capitalista. No Brasil, numa constitucional de direito não é a mesma coisa que ensaiá. lo para um estado
clave insligante de pluralismo jurídico. cf. Bucno de Carvalho, Amilton, Direilo Allerna- legal de direito. O segundo tenuerá a ser classificatório. porque suas agências
tivo em Movimento, Niterói, 1997. ed. Luam; do mesmo (dir.) Revista de Direito Alter-
nati .....
o. S. Paulo. 1992, ed. Acadêmica. Cf. ainda Arruda Jr., Edmundo L., Introdução à judiciais requerem organização que lhes permita resolver os casos sem deixar
Sociologia Jurídica Altcm:lliva. S. Paulo. 1993. ed. Acadêmica; Wolkmer. Antônio Car- de fora a racionalização dc toda e qualquer lei penal. Elas não enfrentam o
los. Pluralismo Jurídico, S. Paulo, 1997, ed. Alfa Ômega.
H Cf. 1\..lunoz.Conde. Francisco. em Re~'.Penal. n" 5. 2000, p. 44 55. 51 Cf. Jt:scheck.Wcigcnd, p. 204; Jakohs, p. 15S, nota 14.
4~ Cf. Price. H. H., Tmlh al!d Corregibility, p. 1955. 5~ Assinalando sua origem nos p~lOdcctis(as. Rivacoba y Rivacoba. Manuel de. em I3FD,
50 Kant. Kritik der reineI! Vcrmmft, 11,696. UNED. n° 13. Madri, 1998.

162 163
problema da constilUcionalidade das leis penais, porque não têm poder de deci- crático de agência judicial. convertido em uma pirâmide em cuja cüspidc UIll
são sobre o assunto. Este foi o quadro de poder condicionante da dogmática tribunal de cassação unificador de jurisprudência exercia um poder interno ho-
jurídico-penal européia. que não t,nha experiência amadurecida de controle de mogeneizante, começa na Prússia57 , mas depois se estende à França napolcônica
conslollucionalidadc até o fim da II Guerra Mundial.
• e dali a toda a Europa. O mudelo napoleônico de poder judicial, COmo burocra-
cia hierarquizada, piramidal c com carreira análoga à militar, é frulo da Revo-
3. O elaborado sistema de compreensão do direito penal alemão se iniciou lução Francesa que, por desconfiança de que os tribunais do ancien régime
no século XIX, a cargo de doutnnadores (como Binding, !>.1erkele os hegelianos)
recuperassem poders, olllOrgou ao tribunal de cassação instrtlmentos de con-
que se esquivavam do problema da constitucionalidade e ilegitimidade das leis trole para evitar que os juízes se distanciassem das leis promulgadas pelo parla-
penais, pois partiam do pressuposto de um estauo racional (~egislador racional)
mento. Este foi o mais acabado modelo de estallo legal de direito. no qual os
e não suspeitavam da subsistência de um estado de polícia sob múltiplas rnásca-
juízes não dispõem de nenhuma faculdade de controle constituciunal da própria
ras5J. Seria natural que cnvidassem esforços para o aperfeiçoamento dos requi- 59
lei . Esgotada a utopia de juízes eleitos c leigos, qlll: aplicam códigos tão claros
sitos de operatividade de um poder que consideravam substancialmente racionaL
que dispensam conhecimentos jUIídicos especiais, característica ela primeira etapa
O desenvolvimcnto de sistemas teóricos ncssas bases foi estimulado porque 60
daquela revolução , Napoleão manteve o controle dos juízes pelo soberano (já
cumpria uma clara função pragm{itica, como classificar elementos e oferecer
não mais () parlamento) através de um tribullal de cassação corno chefatura
um método de análise, o que facilitava tanto o ensino do direito (treinamento de
hierárquica de uma forte burocracia piramidal de funcionários imensamente
futuros burocratas) quanto a atividade judicial nos casos concretos (exercício
adestrados na docilidade reprodutora dos critérios judicantes superiores61 . Es-
do poder decisório). Essa função pragmática (ensino e decisão) potcncializou o
ses juízes europeus e seus tribunais superiores precisavam de sistemas
desenvolvimento le6rico do delito quando a tarefa judicial foi encomendada a
classificatórios, que lhes permitissem ordenar os critérios recebidos de seus su-
agências jurídicas burocratizadas e verticalizauas, às quais se chegava após um
periores e ordenadamente enunciar os seus próprios critérios. A isso se deve o
longo treinamento acadêmicoH e que eram próprias de um estado legal de direito.
êxito político desse gênero de elaborações, que entrou em crise juntamente com
o modelo de agências judiciais às quais se adequava, tendo em vista que tais
4. O privilégio da função pragmática do direito penal favoreceu a tcodên-
hurocracias judiciais desempenharam um detes{ável papel político nos mais
cia aos sistemas c1assificatórios, especialmente em teoria do delito55 • os quais
variados auturitarismos europeus de entreguerras62.
procuraram preferentemente a distinção e organização de características e ele-
mentos. sem contudo derivar sua sistemática de uma função política do direito
6. O estado constitucional de direito europeu é recente, pois o controle da
penal Oll de uma teoria da pena que a ela obedecesse, salvo quanto à ficção do
constitucionalidade das leis só se desenvolveu a partir do pós-guerra (na Ale-
legislador racional, do qual obviamente jamais proviria qualquer arbitrarieda-
manha, Itália, Áustria, Suíça, Espanha, Grécia, Portugal), tendo em vista que
de. Por isso, pôde ser mantida uma vaga (eoria dissuasória da pena, com com-
os raros ensaios anteriores nesse sentido haviam fracassado juntamente com os
ponentes ou limites rctributivos, somente para sustentar a função motivadora
sistemas políticos que os estabeleceram (na Áustria, Checoslováquia c na então
das normas e o car:íter tutelar do direito penal como verdade dogmática56 .
57 Cf. Picardi, Nicola. em 11l.Hicia y cle!wrrollo democrlÍtico ell ItaUa y Amtfrica Latilla. p.
5. É compreensível que essa sistemática tenha sido mais ou menos adota- 279 SS.
da em toda a Europa continental ou que outras similares se tenham desenvolvi- H Sobre a arbitrariedade dos juízes do antigo regime e a reação gerada. Azevedo de, Plaulo
do, ainda que cum menor perfeição e refinamento, em virtude das mais modestas Faraco. Aplicação do direiro, p. 113.
exigências das respectivas burocracias judiciais. Na realidade, o lIlodelo buro- 59 Accattatis, Vincenzo. em Questiolle Giwaizia. 4, 1989. p. Iss.
(,(J A rigor. nenhum juiz assume ser apenas a boca da lei; cf. Bachoff. Olto,lue'ces y cOfwilllcfán,
p.23.
$1 Cf. Schmidt, Eberhard. Lu lI!)'Y los jlleces. p. 36. 61 Sobre as const=qüências políticas desla estrutura. Masson. Gérard. Lesjuges etle pOlH'oir.
$~ Cf. Simon, Dieter, Die Ullabhtingigkeit des RiclIlCTS. pp, 41-48; ROllSSelCI,Marcel, Hístoire <'>2 Cf. Hannover, Heinrich - Hannovcr. Elisabeth. Politische 1llSliz /918-/933; Guarnieri.
de la Magistrature. Carla. Magistratura e politica ill /talia. p. 87; Papa. Emília R., em Questione Giusrjzia.
~s Como tal pode considerar-se o sistema de Lis7.t.Deling, cf. Rox.in, loco cit.: cf. Tavares, 1987, p. 705 ss.; Cano Bueso, luan, l.a po/itica judicial dei régime'n de Franco (1936.
Juarez. Teorias do Delito, S. Paulo, 1980, ed. RT, pp 1755. /945); Baslida. Francisco 1., lueces y franquismo; Grame, James A. C.. El cotllrol
ª
~" Cf. infra, 9. I. jurisdiccional de la constitucionalidad de las leyes; Tocora. Fernando. Contml comtilll.
ciollol y Verechos Humanos.

164
165
República Espanhola)" no período de entre-guerras, a começar pela Áustria, das agências jurídicas. Na Grã-Bretanha, o saber acadêmico tem reduzida in~
na OktoberverJass,mg de 1921, por inspiração de Kelsen. A novidade conduziu fluência sobre o exercício do poder das agências jurídicas. Isto se deve ao fato
a que se discuta, até hoje. se a ftlnção das cortes constitucionais européias é de que, há séculos, as nobrezas locais foram submetidas ao poder central da
polít,-ca ou judicial64 • A tradicional oposição entre O controle centralizado (mo- monarquia e, depois, iniciou-se uma longa disputa entre o poder real e o do
delo austríaco). no qual o tribunal invalida a norma legal inconstitucional erga parlamento. Nessa contenda, o parlamento se declarou onipotente ao ponto de,
amnes. e o cOlllrole difuso (modelo 1l011e-americano), no qual o tribunal invali-
revelando seus próprios preconceitos de gênero, ter Lord Holt dito que ele "po-
da a norma legal inconstitucional no caso concreto. restou superada no Brasil, a deria fazer até coisas que fossem algo ridículo: poderia fazer com que Malta
partir da Constituição da República de 1988, por um amplo mecanismo de estivesse na Europa, poderia fazer de uma mulher conegedora ou juíza de paz.
controle misto, no qual convivem o controle centralizado (através da ação dire- contudo não poderia mudar as leis da natureza, como fazer de uma mulher um
ta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal) e o controle homem ou de um homem uma mulher. O tribunal supremo integrou-se à câmara
difuso (através da argüição de inconstitucionalidade da norma legal aplicável alta e os advogados se incumbiram da formação dos candidatos ajuízes, que o
ao caso concrelO, que pode ser formulada perante qualquer juiz ou tribunal)6s . pmlcr político deve escolher entre aqueles treinados e habilitados pelas corpora-
O surgimento do controle da constitucionalidade das leis, visto pelo prisma das ções de advogados, razão pela qual estes últimos sempre se opuseram à forma-
leis penais, gerou conscqüências importantes, particularmente na Itália, onde a ção de uma burocracia judicial61 . Devido a essa dinâmica do poder, o sistema
crítica constitucional à lei tem sido muito vecmente. porém só recentemente a do saber penal inglês com êxito político possui características rudimentares, de
doutrina brasileira passou a incorporar tal crítica66, antes impedida pela forte vez que, baseado na prática jurisprudencial, não admite o exercício de um poder
influência da sistematização proveniente do estado legal de direito europeu. acadêmico forte, tendo em vista que osjuízes são mais adestrados nos escritóri-
os de advocacia do que nas universidades_
7. A doutrina inglesa teve um desenvolvimento diverso, pois seu êxito
social dependeu de outra história de poder e de outra estrutura e proveniência 8. Essa tradição um tanto rudimentar foi útil aos Estados Unidos, que
jamais a abandonaram, porque quando substituíram o sistema inglês por outro,
no qual os juízes controlavam os legisladores (exatamente de modo inverso ao
h.l Cf. Capelletti. p. 70 SS.; Mirkinc-Guetzévitch. Boris. Las rlllevas constituciones deI mt/fl- francês revolucionário e ao napoleônico), as forças políticas não permitiram
do: Fix Zamudio, Iléctor. Los tribullales constituci01lale.\' y los derechos humanos. tampouco que os juízes fossem recrutados por uma burocracia corporativista,
M Ferrajoli, Luigi, Derechos y garantias, p. 27, rrisa que na atualidade to"daa teoria política
e jurídica se interroga acerca da conciliação da supremacia constitucional e do princípio mas cuidaram ciosamente de sua designação através de critérios partidários6!.
democrático, com atenção no controle constitucional judicial. Sobre isso também Ferreres
ComelJas, Víctor, .lI/súcia constitucional y democracia; Gargarella. Roberto. La justicia 9. Entre nós, até o advento da Constituição da República de 1988, adotou-
jrent£' al xobiemo; Hlibcrlc, Pctcr, ilerme1lêutica constitucional; Moreso. José Juan, Úl
se o modelo proveniente dos Estados Unidos, no qual os juízes exercem um
indeterminació1l dd derecho y la interpretaciôll de la constitución. p. 233 55.: Nino,
Carlos S, Fundamentos de derccho constitucional, p. 673 ss. controle de constitucionalidade difuso, de acordo com a Carla de Virgínia, que,
h~ Antes da proclamação da República, seria impensável um controle da eonstitucionalidad~ no pólo oposto à Revolução Francesa, criou um poder judicial com capacidade
das leis, de vez que "3 sanção imperial cxpungia-as de qualquer vício"(Jacques, Paulino, de controle sobre o legislativo69 e um poder judicial recrutado partidariamente,
Curso de Direito COllstituciollal, Rio, 1962, ed. Forense, p. 174). A primeira Constitui.
ção republicana admitia o controle de leis estaduais, e foi a lei nO 221, de 1894, que Em que pese a óbvia influência da doutrina constitucional norte-americana so-
autorizou abstivcsscm~se os tribunais de aplicar leis "manifestamente inconstitucionais". bre nossos professores na matéria, nossa doutrina penal foi importada da Euro-
A partir da Constituição de 1934 roi o princípio expressamente reconhecido. Cf. Silva,
José Aronsu da, Curso de Direito Constitucional Positivo, S. Paulo. ed. RT, pp. 49 ss:
Hastas, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, 5_ Paulo, 1989, ed. Saraiva. pp.
h! Cf. Birch, Anthony H., British System ofGovernmetlt: Yardlcy, D.C.M., Inlrotiuctiofl to
32355; r-.loro, Sérgio Fcrnando, Legislação Suspeita'! Curitiba. 1998. ed. Juruá: ampla
British COllstiwtionaI Law, p. 61 ss.; Hartley, T.e. - Griffith. J.A.G.,Govemmellt and
notícia bibliográfica em Barroso. Luís Roberto, Con~li[uição da República Federativa do Law, p. 174 SS.; em especial, Griffith, J.A.G.,Gilldici e politica in Inghilterra. Para a
Brasil Anotada, S. Paulo, 1998, ed. Saraiva, p. 216.
declaração de Lord lIoll. Wilson. O. M., D., Digesro de la le)' parlamentMia, p. 19.5.
66 Cr. Luisi. Luiz. Os Princípios ConstilUcionais Penais, P. Alegre, 1991, ed. Fabris; 6lI Cf. Chase, Harold \V.. Federal Judges: theappoiming process: Simon, Paul. cmJudicafljre.
Cemicchiaro, I.uiz Vicente - Costa Jr., Paulo Jose, Direito Pena na Constituição, S. Pau- 70, 1986, p. 55; Morenilla Rodríguez, 10sé Maria, La orgalliz.ilción de los tribunales;
lo, 1990. ed. RT; Shccaira, Sérgio Salomão - Corrêa Júnior, Alceu, Pena e Constituição,
Sutton, 1.5 .. ,\merican Government, p. 135 ss.
S. Paulo, 1995. cd. RT; Ribeiro Lopes. Maurício Antõnio, Teoria Constitucional do Di-
Ml Davis, M.I-I., em The Journal ofComparative Law. 1987, p. 559 55.
reilo Penal, S. Paulo. 2000. cd. RT.

166 167
pa continental, onde o controle de constitucionalidade era desconhecido nem se evitar a decisão política anterior à construção do sistema implica ensaiar lima siste-
propunha a legalidade da lei, mas havia apenas uma sistematização mática que, de qualquer maneira, terá uma função política, ainda que latente: o resul-
classificatória organizadora de elOO1entos que facilitassem o ensino c as deci- tado não pode ser outro senão () aumento dos riscos de maiores incoerências ideológicas
sões. i?or conseguinte, entre nós, as fontes da doutrina penal provêm das elabo- e de prestação inconsciente de serviços políticos aberrantes.
rações c1assificatórias próprias dos estados legais de direito e foram inseridas
em um saber jurídico para agências que, constitucionalmente, corresponderiarn 12. A doutrina classificatória, que pretende legitimar toda a legislação penal a
a um estado constitucional de direito. Tal fenômeno se explica em grande parte partir da ficção da racionalidadc imanente ao legislador. lambém tem limites que a
pela peculiar disparidade entre o modelo de estado constitucionalmente progra- cultura lhe impõe: era própria do século XIX c começo do XX.l:'om códigos mais ou
°
mado e o realizado, de fato, durante todo período das repúblicas olig::írquicas menos estáveis e reduzida legislação penal eXlrav.agante, mas quando () legislador
latino-americanas. incorre em uma descodific~lÇão enorme c contraditória - como acontece na atualidadt:
- a falsidade da ficção é evidente e ninguém se atreve a propô~la seriamcnte. Eis o
10. Posteriormente, nosso continente sofreu diferentes formas de efeito das elaborações legislativas conjunturais, que dificultam sucessivamente a la-
autoritarismo político, que frontalmente mantiveram separados o estado real c o refa codificadora e interpretativa. A pretensão de criar corpos legisl:llivos completos
estado programado nos lcxtus fundamentais. No discurso penal foram recepci- e não-contraditórios - o anelo do movimento codificador do século XIX - entra em
onados sistemas de compreensão provenientes de países europeus submetidos a choque com o protagonisl11o p.:ulamcntar qUl: im::rernenta as contradições c lacunas
longas ditaduras, nas quais a doutrina se adequava aos controles sobre a vicia legislativas e banaliz~i a legislação penal. Traia-se de um epifenômeno (lIcgativo) de
acadêmica e às necessidades das burocracias judiciais que se refugiavam no outro (positivo). que é o protagonismo parlamentar na democracia representativa.
culto à lei, como UllllllCio de defender-se das arbitrariedades ainda piores que Daí, a máxima importância de um sistema teleológico orientado para a redução e
podiam advir de qualquer tentativa de separar-se dela e sob o risco de que se contenção do poder punitivo ~ para a decidida assunção do controle de
pudesse perder, inclusive, a mera segurança da resposta. Isso obteve êxito soci- constitucionalidade das leis penais, como um meio de neutralizar o epifenômeno ne-
al e político cm nosso continente, dominado por inúmeras formas de autoritarismo gativo e reforçar o fenômeno positivo.
que proporcionavam, ainda, menores garantias do que os estados legais de di-
reito dos países europeus. Tanto ali quanto aqui, o discurso c1assificatório ser- 13. Quanto à preferência dos estados policiais por uma metodologia irracional
viu, às vezes, de defesa mínima contra a arbitrariedade. Apesar desses eventuais e a refutação de qualquer dogmálica, é ulTlaqu~stão d~ grau. Ao tempo cm que, na
efeitos posilivos, não se pode ignorar a respectiva pobreza ideológica c sua Itália fascista, tolerava-se UITI tecnicismo jurídico não apenas desvinculado, mas qua.
funcionalidade para um modelo de estado que não é o constitucional. se inimigo da filosotia7U• o nazismo rejcitava o mesmo ensaio desenvolvido por Ileck11 ,
visando uma construção metodológica neutra para chegar a urna ciência jurídica livre
11. É possível argumentar que os sistemas teleológicos (que assumem uma da filosofia. Em 1935 foi convocado o famoso acampamento de Kitzeberg, reunindo
função política expressa) podem ser elaborados também para servir a agências de os jovens do partido nazista. quase todos professores em Kiel, de onde originou-se a
estados autoritários. A isso cabe responder com três argumentos: a) é vcrdade que os Kielerscllllle, cujos expoentes fomm Georg Dahm (reitor de Kiel entre 1935 c 1937)
estados policiais podem assumir ~iscursos penais com sistemática teleológica, mas e Friedrich Schaffstein em direito (len,,\, Karl Lan::nz em tilosolia jurídica e leoria do
não é menos verdadeiro o fato de ser mais funcional para eles não se valerem de estado, E. R. Huber em direilo constilucional e Michaclis, Siebert c \Vicacker em
qualquer ~istema, porque desse modo podem exercer mais amplamente seu arbítrio. direito civil. Uinder, Larcnz, ForsthofT e Sieberl dirigiram ataques à pretensão de
A lógica de poder do estado policial é escassamente compatível com uma tcolcologia
sistemática; por conseguinle, 1I0S estados de poUcia os sistemas de compreensc7o
70 V. o tecnicismo jurídico de Anuro Rocco, em RDPP, 1910, p. 497 5S.; sobre iSlO, De
teleológicos sãu comillge1ltes, enquantu nos estados constitucionais de direito slio Marsico. Alfredo. Pe"alisti ita/iani, p. 63 5S.; Maggiorc, Giuscppe, ArtllrtJ Uocco y eI
necessários: h) a correção de um sistema de compreensão não depende de que seja ele método técnico.juridico; Manz.ini. Vinccnw. Tratado, I. p. 11; ilaratta a1riblll ri Antolisci
meramente teleológico, mas sim de qual a função que lhe é atribuída em sua teleologia: a reação realista frente a esta corrente (Baralla. Ales5andro, em RlfU, 1~72. p. 49).
embora a reação tclcológica próxima ao realismo de Welzel tenha correspondido li £11,:[[iol
da circunstância de que alguns estados policiais possam, funcionalmente. optar por (cf. Morillas Cueva, Lorenzo. Metod%gía, pp. 179 e 187); cf. Marioi, Gaetano, Gillseppe
objetivos sistemáticos irracionais nlio se deve deduzir a conveniência de suprimir ou Hettiol. Dirilto penalc come filosofia. Sobre realismo e idealismo jurídicos. desde outra
evitar os objetivos, mas sim a de estabelecer objetivos racionais,' c) a pretensão de perspectiva. Ross. Alf. Sobre el derecho y la justicia. p. 63 ss.
" Heek. Philipp. 8egrifjbi/dung Ulld Interessejurisprudenl..

168 169
I!-----
Heck no sentido de uma ciência jurídica livre de filosofian. O normativismo vazio e condicionam-se reciprocamente. Não é estática nem bucólica essa construção,
formal foi varrido por um direita natural degradado e torpe, cujo máximo corifeu foi mas si rn permanentemente dinâmica, tensa c contraditória.
CarJ Schmitt: o pensamento jurídico Jlolkisch considera a lei sobretudo como jonna
não iSQiada, e sim no contexto de u~a ordem cujo pensamento básico é slIpralegal. 3. O poder do estado de polícia (poder punitivo) jamais será erradicado
pois su~ essência tem raízes 110 costume e na concepção jurídica do povo7J • pelo direito penal: a discussão entre abolicionistas e minimalistas1-l diz respeito
a mudelos diversos de sociedade e de estado cuja realização dependerá de outros
fatores, mas nunca do poder do discurso jurídico-penal, que não pode determi-
IV. A sistemática teleológica do direito penal limitador nar semelhantes mudanças radicais. Conseqüentemente, o que corresponde ao
direito penal, como saber aplicado ao vigente" modelo de poder do estado de
1. Não é possível prescindir-se de um sistema conceitual na elaboração de direito, o qual se acha em tensão constante com o estado de polícia, é tão-
um direito penal que almeje cumprir alguma função dentro de um modelo de somente propor sistemas decisórios para essa realidade de poder.
estado de direito, por ser inadmissível que a irracional idade seja fonte de um
saber que aspira a uma função racional. O sistema demanda uma decisão polí- 4, O requisito fundamental uo sistema, para o cumprimento de tal função,
tica prévia que lhe permita sua c01lstrução teleológica baseada em uma função deve ser o respeito à regra da compatibilidade legal, como lei básica construti-
7j
manifesta, porque, do contrário, seria igualmente irracional (um caminho sem va, proveniente dos primórdios de explicitação da dogmáticajurídica . O obje-

objetivo), violeotaria a realidade (ao pretender que seus conceitos não tenham tivo do sistema requer que a regra da compatibilidade legal seja observada
função política, apenas porque não a expressam) c, além do mais, seria politica- priorizando as leis de máxima hierarquia (as constitucionais e intemacionais?6.
mente negativo (pretenderia servir para qualquer objetivo, incluindo os do esta- Embora isso pareça óbvio, não o será quando considerarmos que os operadores
do de polícia). Mesmo porém com todas essas precauções não se garante um das agências juridicas c das reprodutoras discursivas foram treinados a partir
sistema teleológico racional, pois tudo dependerá do contcúdo da meociooada de teorias oriundas de países que não conheciam essa hierarquia legal.
decisão, isto é, da função manifesta que lhe seja atribuída. No estado constitu-
cional de direito o objetivo do direito penal deve ser a segurança jurídica, ame- 5. Quando os penalistas liberais do século XIX tinham de criar suas teorias. iam
açada pelo exercício ilimitado do poder punitivo. Segumnçajurídica é a segurança em busca da filosofia ou da razão como fonte do direito, pois não dispunham de leis
dos bens jurídicos de toda a população. São bens jurídicos aqueles que possibi- positivas sobre a<; quais assentar suas construções (daí os inumeráveis equívocos do
litam ao ser humano sua realização como pessoa, ou seja, sua existência como chamado direito natllralliberal). Basta observar as disposições das leis fundamentais
coexistência, o espaço de liberdade social no qual pode escolher c realizar sua daquele século para comprovar a pobreza de seuS princípios77• Hoje em dia. contudo,
própria escolha. O direito penal deve construir um sistema que permita às agênci- tais princípios estão positivados nacionalmente nas constituições e internacionalmente
as jurídicas um exercício racional de seu poder para conter o poder punitivo, o (regional e universalmente) no direito internacional, porquanto a segunda lei da
qual, estruturalmente, tende para um exercício ilimitado e arrasador de todo espa- dogm:í.tica, que em momento algum podia significar a submissão do discurso à servidão
ço social. Tal objetivo, que representa a decisão política anterior à construção do de um legislador onipotente, agora inverteu seu signo e implica a limitação do poder do
sistema, deve reger completamente sua elaboração e sua efic.ícia contentara de- legislador conjuntural em função du estabelecido pelo legislador constitucional e inter-
penderá do cumprimento de vários requisitos metodológicos. naciomtl.

2. O sistema deve, adequadamente, levar em conta o objeti vo prático do 6. O sistema do direito penal será um meio ou ferramenta a ser empregado
saber jurídico-penal (oferecer paradigmas decisórios para as agências jurídi- contra um poder que pressionará, de vez que, estruturalmente, está condiciona.
cas) no sentido político de potcncialização de seu próprio poder controlador, de
contenção do poder punitivo, de reforço do estado de direito e de redução do
H Cf. bibliografia citada em £11 busca de /cu penas perdidas, p. 32 5S. e 68 SS.
estado de polícia. Nesse sentido, o método (caminho) e o objetivo (meta) H Jhering. L'csprit du LJroit Romain, 1. m, p. 61.
1~ Cf. Ferrajoli. Luigi. Derechos :~'garantia.'i. p. 26.
n Rüthers, Bernd. E"lartetes Redu. Recluslehren utld Kronjl/rislen im Driuen Reich. 11 Cf. Darestc. ER., Les cOrlsrirwions madernes; a Constituição do impêrio alemão de 1871
TI Schrrutt, ear1. Über die drei Anen des rechlswissenschajtlichen Dl'nkens: Rüthcrs, Bernd, op. (L I, p. 151 ss.); a lei constitucional austríaca de 1867 (1. I. p. 391 sS.); o estalUto funda.
cit., p. 27. mental italiano de: 1848 (t. I. p. 599 55.).

170 l7l
do a expandir-se de modo ilimitado. Suafimção há de ser sempre de contradi- direito penal e poder punitivo (ou, o que é a mesma coisa: estado de direito e
ção: por conseguinte, sua cOlIstruçlio deve ser dialética. estado de polícia).
O estado de polícia deve ser cOntido e reduzido por etapas; a partir de cada
preten'são de abertura do exercício do poder punitivo, o direito penal deve opor- 8, A constante tensão com o inevitável estado de polícia impõe cssa cons-
lhe uma resistência. Da pretensão e de sua resistência resultará uma síntese à trução dialética e, portanto, dinâmica, como condição de eficácia do direito
qual, por sua vez, o direito penal deve opor uma nova resistência. O discurso de penal, entendido como instrumento para o aperfciçoamcnlO do estado de direi-
contenção deve sempre antecipar-se ao exercício de poder das agências jurídi- to, que alcança sua maior força C0ll10 estado constitucional de direito (quando
cas, de modo que estas permanentemente contem com um novo elemento de supera o precário estado legal de direito, que não o preserva uas maiorias polí-
resistência para alcançar urna nova síntese menos habilitante quanto ao poder ticas conjunturais) e que. por conseguinte, requer ullla fortc justiça constitucio-
punitivo. Assim, o direito penal deve exercer seu poder discursivo levando em nal: wn sistema de compreensão do direi/() pellal que cumprir tais requisitos
consideração que os princÍpios limitadores do poder punitivo não sào estáti- representa um indispensável apêndice do direito cUlIst;wciunal.
I cos. mas sim de formulaçdo e realização progressiva.

I 7. A deslegitimução tio poder punitivo -mediante uma teoria negativa OLI


9. Contra um sistema elaborado na medida da l'ullçàu atribuída milita a corrcll-
te que nega que os juízes possam exercer esse controle, seguindo as test:s de Curl
I agnóstica da pena, bem como mediante a comprovação empírica ou fática de
que sua forma de exercício sempre implica um certo grau de violação dos prin-
Schmiu ao tempo de Weirnar7'), baseadas no fato de que os juízes não têm origcm
democrática nem treinamento político. A origem democrática dos juízes é um dado
I cipias constilUcionais e internacionais - leva à consideração de que o poder conjuntural e rnodificável, mas muito mais importante do que a origem é a natureza
punitivo é sempre exercido de modo irracional. A racionalidade contentara do da função: uma função é democrática - qualquer que seja a origem do funcionário que
I direito penal reside em saber estabelecer intensidades de irracional idade, para
habilitar discursivamente a passagem da menor quantidade possível de poder
a desempenha - quando se torna indispensável à sustentação da democracia. E, nesse
caso, ela o é, pois tem a incumbência de nada menos do que a preservação dos direitos

II puniti vo, extraído dentre suas manifestações com o menor nível de ilTacionalidade.
O discurso que promove tal contenção pode ser formulado de duas maneiras: a)
das minorias (com o que é preservado O das maiorias para mudar de opinião). Por
isso, as decisões dos juízes não devem sempre coincidir com a vontade das maiorias
em termos puramente políticos e assistemáticos ou conjunturais (como o uso conjunturaisllU, ao contrário do que preconizava o pensamcnto v01kisch, curiosamente

I alternativo do direitof!<, com o conseqüente risco de que o próprio discurso


redutor, em certa conjuntura, ofereça argumentos para a irracionalidade gros-
revitalizado neste aspecto pela demagogia penal dos úlitmos anos. Quanto à afirma-
ção de que os operadores judiciais carecem de treinamento político, ela é falsa: os

I seira constante do item seguinte; b) ou como um discurso sistemático elaborado


cle modo progressivo e redutor. Esta última opção requer cancelas teóricas su-
cessivas, em cada uma das quais o discurso habilite o trânsito de menor poder
juízes integram um poder do estado e não hú poder estiJtal que não scja político (o
inverso implica confundir político com partidário). É possível que Schmitl, ao rd"c-
rir-se a uma magistratura burocnílica, sem poder de controle de constitucionalidade _
punitivo e de menor intensidade irracional, ou seja, de maior respeito aos prin- considerada quase um ramo a mais da administração, dentro de um esquema de divi-
cípios constitucionais e internacionais limitadores. Tal progressão redutora não são de funções e não dc poderes - pudesse valer-se desse argumenlo, com mais razão

I pode ficar exposta às conjunturas do poder, porque em um estado totalitário o


discurso penal pareceria correto se se limitasse a impedir a tortura e habilitasse
do que outros, mas ante uma magistralura constitucionalmentc encarregada de julgar
a racionalidade das leis em função de um sistema de controle difuso, tal argumenlo

I o restante do poder punitivo. Ao contrârio, a progressão redutora deve ser


racional e irnpulsionar a própria consciênciajurfdica universal, baseando-se
no mais redutor dos direitos penais comparáveis para expandi-la, Essa racio-
carece de sentido. Pelo mesmo trajeto deslocam-se aqucles que argulllent3m que os
operadores das agências judiciais usurpariam o poder dos legisladores rcprcsenrantes
do povo: nada autoriza os legisladores a usurparem o poder dos constituintes nem o
I1 nalidade redutora, que permite ao discurso fugir da conjunturalização fática, a da consciência jurídica universal. Em último e degr<ldado discurso, esgrime-se a dita-
Ij
,) qual, com facilidade, se converte em racionalização, é alcançada por meio de dura dos jllÍzes, ameaçando com algo que nunca existiu e que somente é invocado
1
sua dialética interna, como única introdução discursiva da polarização entre
1 79 Sobre este período de Carl Sehmiu: Bendersky, Joseph W., Carl Schmiu, teorico dei Reich:
a resposta de fIans Kclscn neste debate:iQuién debe ser el defensor de la Constitución?

I,
i
7~

172
Barcellona, Pietro, L'usu alternativo deI diriuo.
!lO Cf. Slory,losé, Poder Judicial de los Estados Unidos de América, p. 9 S5.; González Caldcrón.
Juan A., Lajunciónjudicial en la constirución aJgentina, p. 52.

173
I
quando o poder jurídico perturba outras agências e lhes dificulta expandir seu poder abarca também algumas tendências jus-naturalistas1l7• Não se pode afirmar que a teo-
ria das estruturas lógico-objetivas seja jus-naturalista, exceto para aqueles que consi-
mais além do pennitido ,
pela lei supremaS! .
derarem ser jus-naturalismo qualquer limitação ao legislador. Por isso. falou-se de
um jus-naturalismo negativo dessa teoria8S• que não pretendia estabelecer o que deve
v. o sistema e o respeito ao mundo (die Welt) ser o direito. mas sim delimitar o que não é direito. Todo o movimento onde essa
teoria se acha inscrita constitui uma tentativa de contenção da potência legislativa,
I. Todo sistema de compreensão elaborado pelo direito penal de conten- própria do período de horror do pós-guerra. A teoria das estruturas lógico-objetivas
ção, limitador ou liberal, deve reconhecer que os conflitos para os quais projeta pretende que o legislador esteja vinculado ao mu~do quando mencionar qualquer
decisões e as conseqüências da criminalização, cujo avanço propõe habilitar, conceito e. por conseguinte. deverá respeitar a ordem do mundo, sob pena de ineficá-
são produzidos em um mundo físico c em uma realidade social protagonizada cia legislativa, salvo quando violentar estruturas lógico-objetivas fundamentais, corno
pela interação de pessoas dotadas de um psiquismo que dispõe de suas respec- aquela que instaura a idéia de pessoa, caso que redundará num puro exercício de
tivas estruturas, e que tudo isso é real, ôntico, existe no mundo dessa maneira poder~9 . O abandono dessa teoria pela doutrina posterior a \Velzel deve chamar a
e não de outra'g2. Por isso, o sistema deve admitir que, quando o legislador se arençâo'l(). É verdade que não existe um conceito ôntico de ação humana e que, nesse
refere a algum dado do mundo, não pode inventá-lo, mas sim deve respeitar sentido, O finalismo incorreu em um excesso de onticidade91 ~ no entanto, em lugar de
elementarmente sua onticidade83 . Pouco importa que o impossível o seja por corrigir tal excessO e ampliar o critério de respeito às estruturJ..'i do mundo, expandindo-
razões físicas ou sociais: em qualquer caso não pode ser considerado juridica- o na direção dos demais aspectos do sistema. optou-se por arquivá-lo. A dúvida. que
mente possível, sob pena de incorrer em um autismo discursivo ou em uma não é possível dissipar, pelo menos no momento, é se o discurso não lerá percebido que
ataviada ficção. Não é surpreendente que, a partir do autoritarismo, sejam de- essa expansão colocava em crise não apenas a estrutura teórica do delito, mas sua pró-
fendidas as ficções jurídicas". Um direito penal como discurso, que aspire a pria totalidade, pal1icularmenre quando fosse imposto o respeito às estruturas do mun-
alguma eficácia, em qualquer sentido que seja, não pode esquivar-se a um alto do na teoria das penas.
grau de integração com as ciências sociaiss.s .
4. O re.~l}eito às estnlturas reais do mundo é um(l condiçc1o de qualquer
2. Este debate que, há algumas décadas, se centrava no conceito de ação e direito que pretenda ter alguma eficácia. A primeira estrutura real que o siste-
se estendia no máximo até a restante teoria do delito, deve abarcar agora lodo o ma de compreensão do direito penal deve respeitar é a incorporação do dado
sistema do direito penal. Sem prejuízo de voltar a desenvolver alguns de seus ôntico de que seus conceitos são sempre funcionais: a funcionalidade política
aspectos na teoria do delito, em razão de ser a sede teórica de suas conseqüên- dos conceitos jurídicos não é uma opção, ou seja, algo que pode, ou não, ser
cias mais debatidas, é necessário antecipar aqui a perspectiva metodológica escolhido, mas sim tais conceitos são politicamente sempre funcionais. A única
;
geral válida para todo o sistema de compreensão do direito penal. coisa que a construção de um sistema que não expressa sua funcionalidade
I
consegue omitir é aquela funcionalidade manifesta, sem, contudo, lograr supri-
3. A chamada teoria das estruturas lógico-reais ou lógico-objetivasll6 foi fruto do

I pós-guerra,
conjunto
que tentava conter a onipotência
de teonas à procura desse objetivo
legislativa c, por conseguinte, integrou u
que: apela para a natureza das coisas e
31 Sobr~ ~Sle paTlOr<lIna, flaratta, Alessandro, em Amwrio bibliografico di Filosofia dei
Diritla, p. 227 SS.; do mesmo, em Die omoiogische Hegriindung des Recltts; também em
Fest. f Erik Woif. p. 137 ss.: em ARSP. 1968. L1V-3. p. 325; em AnnaUi deUa Facoltã
I ~. Sustentado na França para opor-se ao conlrole de constitucionalidade (Lambert, Edouard,
Le gOllvemement dex jllges). foi utilizado nos Estados Unidos na década seguinle.
Giuridica, Università degli Sludi di Camerino, p. 39 S5.; Garz.6n Valdez. Ernesto, Derecho
y "natllrale:,ll de las cosas "; Recasens Siches. Luis, Experiencia jurídica. naturaleza de

i 8l Sobre a incotporação dos dados sociais. Bustos R:nnin:z, £1 poder penal dei estado, !lom.
a Ui/de Kaufmann, p. 133; Silva Sánchez. Jesús.María. Aproximación. p. 334.
aR
la cosa y lógica ..raumable".
Engisch. Karl. ,\uf der SI/che nach der Gerechtigkeit. 1971, p. 240; um século antes.
i 81 Todo conccilo normalivo requer uma mínima plau5ibilidade empírica (cf. Fianuaca.
Tobias B<lrreto dizia que não hâ um direito natural, senão uma "lei natural do direito"
I (Introdução. p. 38).
I Giovanni. em DDDP, 1987. 2, p. 243 55.). ~v We17.el.em Fest. f. Scllaf!stein.
! Sol Schmiu. Carl. cm Diriuo e Cultura. Roma. J 991. p. 65 ss.. afirmava que a validade das ficçiks
depende de sua utilidade; Rayardo nt=ngoa. femando. Dogmática juddico penal, p. 28.
W Sobte sua vigência. com reivindicação da sistemática tinalista desde uma "postura fraca".
! 8S Fiandaca. Giovanni, em DDDP, 1987,2. p. 243 S5.
Serrano Maillo. Alfonso. £n5a)'0 sobre el derecho penal como ciencia. p. 172 55.
! 91 Cf. infra. S 27.
&li Welzel, Hans. Abhandilmgen; Radbruch. Gustav, em Rechrsphilo.wphie.
1
I 174 175
I
mir a latente. Para cumprir a função manifesta atribuída, a primeira coisa que o
sistema de compreensão do direito penal deve respeitar são os dados da realida-
S 9. CARACTERÍSTICAS E FONTES
de social em relação ao exercício""tlo poder punitivo: no que tange a este, não DO DIREITO PENAL
podc\)perar com dados sociais falsos, porque ao romper ou sonegar as estrutu-
ras da realidade do mundo não chegará a cumprir a função atribuída, mas qual-
quer outra. Ninguém pode mudar algo sem respeitar sua estrutura real. Em l. Caráter público e sua pretensajragmentaçüo sancionadora
nível individual, uma ruptura com as estruturas da realidade do mundo é um
fenômeno patológico grave. Embora conceitos individuais não possam ser li- 1. O direito penal, como componente do saberjurídico, participa de todas
vremente transferidos para f1mbitos coletivos, é bem provável que, nesse senti- as características gerais do direito. A pretensão de uma substância empírica e
do, pelo menos, eles exponham um indício de situação crítica. diferenciada pertence a Seu momento de maior degradação tcôrica'JJ c não deve
ser confundida com a caracterização diferencial, que é pnlpria de cada saber
5. Quando a função política se evidencia e impõe a construção dialética de jurídico c fundadora de sua autonomia. A circunstância de tcr como funçno
um discurso que responda ~llcnsão permanente na qual essa função deverá ser limitar o exercício de um poder pode apenas dotá-lo de algumas particulmida-
realizada, em luta constante contra o poder do estado de polícia, tal falO estará des. O poder que deve limitar é o punitivo, implementado por autoridade públi-
fornecendo um indicador fundamental que deve operar como viga-mestra de sua ca, seja quando as próprias agências executivas ou administrativas do estado
mClOdologia: (l absoluta proihiçl1o de incorporar dados falsos sobre o exercí- diretamente o exerçam, seja quando tais agências outorguem proteção pliblica
cio de poder que deve ser reduzido. Tais dados são justamente aqueles provin- àquelas instâncias privadas que o exercem. O saber do direito penal abarca
dos de disciplinas que operam com a verificação92 • Toda estratégia se preocupa, esses atos verticais do poder para programar, de modo sistemático, as decisões
antes de mais nada, em obter o maior volume possível de informações a respeito dos operadores das agências jurídicas no sentido de aparar sua intensidade e
da força que deverá enfrentar c scu êxito, em grande parte, dependení do realis- extensão, eliminando ou evitando os de maior irracional idade.
mo com que incorpore e processe tudo isso.
2. Ainda que a classificação básica dos ramos do direito em público c
privado seja hoje criticada e questionada, caso seja ela aceita em termos aproxi-
mados aos tradicionais94 não poderá haver qualquer dúvida acerca de que o
direito penal é um ramo do direito público" e, a partir de nossa perspectiva,
!
l-
esse caráter se reforça, desde que possa ele ser considerado um apêndice do
I direito constitucional e neste encontrar seus primeiros e mais importantes fun-
I damentos. Não constituem objeção válida isoladas concessões à vontade das
vítimas, que não passam de limites elementaríssimos aos extremos mais gros.

I
I
se iras do confisco do conflito.

3. Sustentou-se que o direito penal tem caráter repressh'o96, o que. do


li ponto de vista de um direito penal regulador do poder punitivo, permitiu, tem-
f
9.1 Cf. infra. S 22.
').l Sobre <l crítica à dassificação tradicional, Maicr, Julio. Derecho Procesal, p. 127.
1/' Sobre () car<Ílerpúblico do direito penal, Feuerbach, Lehrbuch, ~ I: 'numann, Karl August.
H(l1ldbucll. p. 7: Baucr. Amon, Lehrbuch. p. L Em senlido contrário manifestou-se Gallus
Alons Klcinschrod. Systematische Entwicklung. pp. 217~8.
91> Assim. Gallas. Wilhelm. Griinden llnd Grenl.en der Strafbarkeit. Elimoiogicamc:ntc pro.
Não faltam J.lllOrcs que negam inclusive a univer:-;afidade das proposições de lOdas as vém do radical ghend-, que se encontra em prender; preso, prisão. apreender. como tam.
ciências sociais. Cuu!son. Margarct - Riddcll, David. Ifltroduçâo, p. 11. bém em depredar e presa (Robert.s-Pastor, Diccionario etimol6gico, p. 63).

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